Quando a gente se dispõe a viver, a escola passa a ser a janela do mundo mais visível, real, aberta, com uma luminosidade impressionante.
Então eu fui, com a minha mãe, professora da mesma escola do Sesi, no bairro do Cambuci e o meu irmão, o Ruy, um ano mais velho.
Eu não me sentia pequena, nem com medo, nem aflita. Eu me sentia do tamanho do mundo, com a beleza da primavera e com uma garra que sempre me acompanhou, se acoplou à minha alma. Eu tinha certeza que ia aprender, que ia viver e sentir o brilho do novo.
A minha professora era a dona Aurora. Ganhei caderno de capa verde clara, escrito CADERNO SESI, lápis e a minha entrada para o mundo civilizado estava acontecendo, gentil, naquele dia de março de 1965.
Que maravilha viver
Ia aprendendo o A, o E. A primeira lição "A pata nada". Que pena que a pedagogia moderna inventou que lições como "a pata nada, a macaca é má " - traumatizam. Eu não me senti nem um pouco traumatizada com isso. Cada página, uma lição, a cópia das primeiras letras, a doce alegria da vitória, mais um desafio, depois outro e outro...
Quando apredi a fazer o "S", enchi a página toda do caderno. Primeiro, lá no topo da página, lado esquerdo, o carimbo de um sapo, afinal, íamos aprender a fazer o "S". E então eu aprendi a escrever "sapo". Quando foi a vez de "a girafa tem o pescoço comprido" foi a apoteose, nunca havia me sentido tão realizada.
A vida... ora a vida... a paixão começa pela escola, começou pelos bancos de madeira, em cujos pés estava, em verde impresso no ferro, escrita a palavra "patriota".
E naquele tempo não havia malícia entre os meninos e as meninas, nem palavrões.
A faxineira, a dona Abigail, uma senhora alta, negra e forte, passva antes do recreio, de sala em sala com uma caixa de papelão na mão, parava na porta da sala e dizia "tem lanche hoje?". Assim, quem pudesse levar um lanche a mais poderia doar para aquelas crianças que nem isso tinham. Eu me sentia feliz levando um pão...
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Quando a gente se dispõe a viver, a escola passa a ser a janela do mundo mais visível, real, aberta, com uma luminosidade impressionante.
Então eu fui, com a minha mãe, professora da mesma escola do Sesi, no bairro do Cambuci e o meu irmão, o Ruy, um ano mais velho.
Eu não me sentia pequena, nem com medo, nem aflita. Eu me sentia do tamanho do mundo, com a beleza da primavera e com uma garra que sempre me acompanhou, se acoplou à minha alma. Eu tinha certeza que ia aprender, que ia viver e sentir o brilho do novo.
A minha professora era a dona Aurora. Ganhei caderno de capa verde clara, escrito CADERNO SESI, lápis e a minha entrada para o mundo civilizado estava acontecendo, gentil, naquele dia de março de 1965.
Que maravilha viver
Ia aprendendo o A, o E. A primeira lição "A pata nada". Que pena que a pedagogia moderna inventou que lições como "a pata nada, a macaca é má " - traumatizam. Eu não me senti nem um pouco traumatizada com isso. Cada página, uma lição, a cópia das primeiras letras, a doce alegria da vitória, mais um desafio, depois outro e outro...
Quando apredi a fazer o "S", enchi a página toda do caderno. Primeiro, lá no topo da página, lado esquerdo, o carimbo de um sapo, afinal, íamos aprender a fazer o "S". E então eu aprendi a escrever "sapo". Quando foi a vez de "a girafa tem o pescoço comprido" foi a apoteose, nunca havia me sentido tão realizada.
A vida... ora a vida... a paixão começa pela escola, começou pelos bancos de madeira, em cujos pés estava, em verde impresso no ferro, escrita a palavra "patriota".
E naquele tempo não havia malícia entre os meninos e as meninas, nem palavrões.
A faxineira, a dona Abigail, uma senhora alta, negra e forte, passva antes do recreio, de sala em sala com uma caixa de papelão na mão, parava na porta da sala e dizia "tem lanche hoje?". Assim, quem pudesse levar um lanche a mais poderia doar para aquelas crianças que nem isso tinham. Eu me sentia feliz levando um pão com manteiga ou mortadela a mais, depositava na caixinha... mas poucos levavam. As crianças eram muito pobres.
Num daqueles dias, a minha mãe me comprou no barzinho da escola um pão de mel. Eu me distraí e uma coleguinha pegou, escondeu. Ela devia ter tanta vontade que veio, no meu ouvido esquerdo, e bem baixinho perguntou: "me dá?"... Eu fiquei tão sem graça, tão culpada por ter o pão de mel e ela não, que eu me fiz de desentedida e disse "sei lá"... fui saindo, fingindo não entender, esquecer que o doce estava por ali, para que ela pudesse comer o pão de mel em paz. Tomara que ela tenha gostado No fundo, eu me senti bem deixando que ela comesse.
Que fim levaram aquelas crianças pobres? Será que sonhavam? Sonhavam sim, é claro. Eram crianças vivas, que não sustentavam tristeza, não, afinal naquele tempo, apesar das dificuldades, existia o pai e a mãe.
Da mesma forma que o pão de mel, eu desejaria dividir a esperança com todas as minhas amiguinhas da época, os meninos, as pessoas que me ensinaram a viver.
(História enviada em outubro de 2008)
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