Projeto Correios 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Raimundo Nonato Castro
Entrevistado por Karen Worcman
Almeirim, Pará, 27 de Julho de 2013
Realização Museu da Pessoa
HVC_064_Raimundo Donato Castro
Transcrito por Iara Gobbo
MW Transcrições
História de vida:
P/1 – Vamos começar de novo a nossa história.
Aí o senhor vai começar de novo me falando de novo, seu nome completo, e a cidade e quando que o senhor nasceu.
Então seu nome completo, qual é?
R – Raimundo Nonato Castro.
P/1 – E a cidade que o senhor nasceu?
R – Eu nasci no município de Gurupá.
P/1 – Em que data?
R – Eu nasci 1933.
P/1 – E aí então o senhor me conta um pouco.
Diz o nome do seu pai e da sua mãe?
R – Papai era Raimundo Castro da Fonseca e a mamãe é Alzira Castro.
P/1 – Eles eram de Gurupá?
R – Não.
Eles eram daqui.
P/1 – Mas o senhor me disse que o senhor nasceu dentro de uma fazenda.
Como é que foi isso?
R – É o seguinte, eles foram nascidos e criados aqui.
A mamãe nascida num igarapé com o nome Marauaru, lá de cima.
O papai aqui em baixo, mas no igarapé Arumã, fica aqui perto da Boca do Paru, que a mamãe ficava mais lá dentro.
E aqui nasceram, aí depois casaram.
P/1 – O senhor sabe como eles se conheceram?
R – É assim, se entrosando as famílias, eles se conheceram, depois casaram, aí eles moravam aí.
Foram morar pra lá, pro Marauaru.
Aí ficaram.
Ele trabalhava primeiro com o padrinho dele, perto da Sansão aí em Botafogo, por aí, e trabalhava com gado ainda.
P/1 – Ele foi trabalhar com gado?
R – Trabalhava com gado.
Aí depois que eles casaram, ele foi pra lá, se mudou pra lá pro terreno dos pais dela, do vô, e eles moraram pra lá.
A roça tinha o compadre dele, seu Manoel Gomes, tinha a concorrência lá pra Gurupá e conhecimento com o padrinho Liberato e padrinho Liberato tinha essa fazenda Boa Esperança.
P/1 – Era um padre? Chamava Padre Liberato?
R – Não, padrinho.
Eu chamo padrinho, que ele chamava Liberato Borralho.
Ele tinha essa fazenda lá na Boca do Xingu, o nome Boa Esperança, e ele arrumava um pessoal pra trabalhar, trabalhava uma semana, trabalhava um mês, saía e tal.
Esse Manuel Gomes foi por lá, aí disse pra ele, ele falando na dificuldade que tinha, disse: “Olha, se você pegasse Raimundo Castro pra trabalhar na sua fazenda, você ia, aquele sabe trabalhar com o gado, ele sabe criar gado”, “Veja se você adquire pra mim”.
P/1 – Adquire pra mim?
R – É, aí ele veio, falou pro papai, convidou papai pra ir.
Papai ficou assim, disse: “É, embora lá”.
Aí foram lá.
Aí ele chegou lá, apresentou papai pra ele e tal, aí ele disse pra ele que queria que ele fosse trabalhar com ele lá.
Aí veio, a mamãe ficou assim, não queria ele perto dos parentes, mas depois ela resolveu.
Aí se mudaram pra lá.
Quando eles foram daí, eles tinham três filhos, quatro com aquele que faleceu.
Tinha dois homens e duas meninas, mas uma faleceu, aí foi só com os três: dois homens e uma menina.
Aí pra lá, nasceu eu, o Vicente, Luís, Maria, Antônio e Jovelino, eles chamam Vito.
Antônio é esse que faleceu agora, há poucos tempo.
P/1 – Quantos filhos é o total, então?
R – Aí depois que nós viemos de lá pra cá, nasceu mais dois, a Alcina e a Elvira.
Essas estão lá na casa.
Pois é, e aí ele foi pra lá, trabalhou 14 anos lá com ele.
Ele, depois que ele entendeu, aí ele gostou, aí sim e aí queria que ele ficasse pra lá.
Ele disse que queria comprar uma fazenda e comprou um terreno lá de um cidadão que era pro papai passar, entregar.
Vendia pro papai o terreno, pra ele passar o gado dele, que ele tinha sorte no gado, passar o dele pra lá, mas ele queria que ele ficasse sem trabalhar na fazenda dele.
Ele falou: “Faço isso não, passar pra lá e eu vou trabalhar com o meu”.
Mas aí foi o tempo que ele faleceu, aí ficou na gerência foi um outro.
Era o cunhado da mulher dele e ele não se deu muito com ele, aí resolveu vir.
Aí nós viemos pra cá, pro Paru de novo.
P/1 – Então seu Raimundo, me conta um pouco como é que era a sua fazenda.
O que o senhor lembra da sua infância.
Onde e como era a casa? Morava todo mundo numa casa?
R – Era.
P/1 – Como que era a casa? O senhor lembra?
R – Era assim também, que nem essa, uma casa de madeira.
Era lá na várzea, casa de madeira e aí trabalhava com o gado, tinha o curral perto da casa, tinha a maromba pros turno do inverno, já ficava lá pro meio do campo.
Isso aí.
P/1 – E o trabalho? O senhor foi trabalhar com seu pai muito cedo?
R – Trabalhava.
Quando ainda era menino.
Eu comecei a aprender a montar.
Eu ia pro campo com ele e eu trabalhava no curral.
P/1 – O que o senhor fazia no curral?
R – Quando eu era menor ficava na porteira do chiqueiro lá dos bezerros, pra tirarem leite.
Depois que eu cresci mais eu aprendi a tirar leite também.
Aí tirava leite e ia pro campo.
P/1 – O que o senhor fazia no campo?
R – Pra ir ver, buscar o gado, levar gado do campo pra eles fazer o manejo deles.
P/1 – O que tem que aprender pra fazer o manejo do gado? Pra fazer o gado ir pra onde a gente quer, pro gado voltar? O que o senhor teve que aprender, o senhor lembra?
R – A gente tem que trabalhar com ele.
Fazer o manejo é esse aí, a gente prende ele de tarde, solta de manhã, bate ele lá pro campo, aí quando dá três horas vai buscar, aí prende.
De manhã tira o leite, solta, é assim.
P/1 – Era gado de leite?
R – Era.
P/1 – Não era gado de matar, de fazer carne?
R – Não, era de leite, mas tinha o gado solteiro.
As vacarias, a gente ficava com eles no manejo do curral, o gado solteiro ficava pra fora, ali no campo grande, ficava lá pra fora.
A gente ia buscar, por tempo a gente ia buscar, às vezes pra fazer ferra.
Quando era pra fazer ferra, contagem, a gente ia buscar, depois a gente ia pra lá assim.
Quando era pra fazer embarque, às vezes pra levar gado pra Gurupá, aí a gente prendia o gado solteiro.
P/1 – E o que o gado comia? Era pasto ou tinha o que?
R – Só o pasto, só no pasto mesmo.
Mas tinha pastagem lá.
O campo era grande, e a pastagem era boa.
P/1 – O senhor aprendeu a ferrar gado também?
R – Ferrava gado, aprendi a ferrar gado, ainda aprendi a vacinar.
Mas esse serviço de vacina eu vim aprender quando eu trabalhei na Jari.
P/1 – Antes não? Lá no campo o senhor só ajudava?
R – É
P/1 – E montar?
R – Montar?
P/1 – Desde que idade o senhor aprendeu a montar?
R – Na idade de 12 anos eu já montava em cavalo.
P/1 – E seus irmãos? Eles também iam pra trabalhar no gado?
R – Só o mais velho.
Os outros, quando começaram a trabalhar, já foi pra cá e já.
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E se envolveu com gado assim.
Quando vim pra cá nós trouxemos um gado e até hoje tem um gadinho lá no nosso terreno, mas é pouco.
P/1 – As mulheres também mexiam com gado ou não, as suas irmãs?
R – Não.
P/1 – O que elas faziam?
R – Elas trabalhavam na roça.
P/1 – E o que que fazia na roça?
R – Planta maniva, tira mandioca.
P/1 – Fazia farinha?
R – Farinha, é.
Pois é.
P/1 – Seu Raimundo, e a comida de vocês lá nessa fazenda, qual que era?
R – A gente comia carne, peixe, às vezes matava gado pra comer, às vezes pegava peixe, caça do mato também.
P/1 – Mas tinha comida, bastante comida ou faltava comida?
R – Não, tinha bastante.
Lá nessa fazenda onde eu nasci, era muito farto, era bom de peixe, bom de caça.
P/1 – Então a vida não era assim dura, difícil?
R – Não.
É como eu sempre digo pro pessoal, conversando com o pessoal, eu digo: “Olha, no tempo que eu me entendi, a vida era assim”.
Anunciava a farta.
Tinha farta de açúcar, tinha farta de café, tinha farta de farinha.
Mas quando anunciava a farta, o patrão dizia pro papai: “O, seu Castro, está anunciando uma farta, de farinha…”, passava o regatão ia e passava lá, “…quando ele passar você compra lá, mas se você não tiver, você não sofra, você vem aqui que tem.
” Aí quando anunciava a farta, ele abastecia.
P/1 – O dono da.
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R – É, o dono da fazenda, ele abastecia, que ele tinha comércio dele.
Ele tinha outros freguês, tinha pessoa que trabalhava na borracha, tinha pessoal que tirava timbó pra ele, tinha outros que tiravam fruta, esses negócio, fruta de cumaru, a bonilha.
Tudo isso ele tinha.
Cacau, todos traziam pra vender pra ele e a borracha.
Ele tinha essa freguesia grande.
Então quando anunciava a farta, ele se prevenia.
Farinha, tinha um armazém assim e aí ele botava que ficava lá no telhado, aí dizia pra gente – eu morei com ele quando tava na idade de oito anos eu morei com ele.
Ele dizia pra gente assim: “Quando pessoa perguntar se eu tenho farinha, diga que não.
Isso é só pra nós e pros nossos fregueses”.
Aí quando anunciava a farta, vinha, mas graças a Deus nós nunca sofremos.
P/1 – E o senhor foi morar com ele com oito anos?
R – É.
P/1 – Como foi isso? O senhor foi morar na casa dele?
R – Morei na casa dele.
P/1 – Como que era a casa dele?
R – A casa dele era grande, de alvenaria.
Tinha uma sala de visita, tinha atrás o quarto dele, tinha mais um outro quarto das empregadas.
Aí tinha o comércio assim do outro lado, um corredor.
Aí desse outro lado tinha o comércio.
Atrás do comércio tinha o escritório.
Aí atrás tinha a varanda, que ele chamava era a sala de refeição.
P/1 – Ele era casado?
R – Era.
P/1 – Tinha muitos filhos?
R – Não.
Ele só tinha um filho, que esse filho que era o meu padrinho mesmo.
Era o Carlos Borralho.
Ele era Liberato Borralho e o filho dele era Carlos Borralho.
Ele se formou.
Ele era um advogado, meu padrinho.
P/1 – Ele era seu padrinho, porque ele era mais velho que o senhor, então?
R – Bem mais velho.
Ele era homem quando.
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P/1 – Já era homem quando o senhor nasceu?
R – Era.
E ele era o meu padrinho e a irmã da madrinha Diná, que era mãe dele, tinha uma.
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A irmã dela foi criada, a mãe dela morreu, ela ficou pequenina, com as duas irmãs.
A outra já ficou maior, Sebastiana.
Agora a Josefina, que era a minha madrinha de batismo, ela ficou pequeninha.
A irmã dela mais velha, que é madrinha Diná foi que criou ela.
Aí quando eu me batizei, ela era minha madrinha e o padrinho Carlos era meu padrinho.
P/1 – E por que o senhor foi morar com eles lá na casa?
R – Porque foi pra mim estudar em Gurupá.
P/1 – Então eles moravam em Gurupá, então?
R – Morava em Gurupá e na fazenda não tinha escola, não tinha aula pra ir, aí fui morar com ele lá, estudar.
P/1 – E aí o senhor foi pra escola?
R – Foi.
P/1 – Nessa época, com oito anos?
R – É.
P/1 – E o senhor foi da escola de oito até que idade?
R – Até 10 anos.
Aí depois eu saí.
Aí eu fiquei estudando em casa, depois.
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P/1 – Mas por que o senhor parou de estudar?
R – Porque parei mesmo.
Foi o tempo que a gente viveu no interior e nessa época era mais difícil.
Hoje em dia não, nos interior tem escola por aí.
Naquele tempo não tinha.
P/1 – Mas junto na casa com o senhor morava outras crianças?
R – Lá em Gurupá?
P/1 – É.
R – Tinha.
Lá morava eu, tinha uma irmã, essa irmã mais velha que morreu, morou também com nós.
Tinha uma outra que tem aqui, Joaninha morou, tinha mais uns quatro, cinco meninos lá.
P/1 – Todo mundo tinha ido pra cidade pra estudar?
R – Todos morava.
P/1 – E quem que cuidava de vocês? Dizia: “Agora tem que levantar, ir pra escola”? Quem era o responsável?
R – Tinha lá a empregada.
Mas a gente já sabia, e mesmo a madrinha Diná era quem incentivava a escola.
P/1 – E se alguém fazia alguma coisa errada? Apanhava?
R – Apanhava.
P/1 – Apanhava do pai ou apanhava da madrinha?
R – Lá? Ficava aqui longe.
Ela batia, ela dava castigo, botava de castigo.
P/1 – Qual que era o castigo?
R – Mandava ficar ajoelhado.
P/1 – Ficava muito tempo de joelhos?
R – Ficava de joelho.
Pois é, tinha tudo essa época.
P/1 – Nessa época vocês já iam muito pra igreja?
R – Ia.
P/1 – Quando? Na fazenda ou quando mudou pra Gurupá que vocês começaram?
R – Não, lá em Gurupá.
Na fazenda não tinha não.
Na fazenda só tinha casa de morada e as criação.
P/1 – E lá em Gurupá vocês começaram a ir pra igreja.
R – Lá em Gurupá mesmo porque lá em Gurupá é cidade, tem igreja.
Tem tudo lá.
P/1 – E o que aprendia? Vocês fizeram catecismo lá na igreja? Começaram a fazer a primeira comunhão?
R – Lá a gente fazia a primeira comunhão.
O que eu fiz lá foi isso, primeira comunhão ainda fiz lá.
Aí depois batizar, batizei lá ainda era pequeno, mas depois de grande, ainda tive lá pra fazer a primeira comunhão.
Depois disso a gente ia só pra assistir a missa e tal.
P/1 – Essa época que o senhor passou em Gurupá é uma lembrança boa ou o senhor não gostou de ficar lá?
R – Não, foi boa.
P/1 – O senhor preferia ficar na fazenda ou ficar lá?
R – Eu gostava da fazenda porque estava em casa com meus pais, então.
Mas lá era bom.
Essa madrinha Diná, os meninos na casa dela, tudo chamava madrinha pra ela, padrinho pro meu padrinho Liberato, mas ele não era.
Que meu padrinho mesmo era esses dois, Josefina Borralho e Carlos Borralho.
Mas os meninos lá tudo eles chamava madrinha pra ela.
Pensava que era afilhado, mas não, era costume a gente chamar madrinha pra ela.
Mas era bom lá.
P/1 – Era bom?
R – Era.
P/1 – Aí em casa era bom? O seu pai e a sua mãe eles eram, como eles eram? Bravos, muito rígidos?
R – Não.
Papai era difícil bater.
A mamãe ela dava pancada mais, mas.
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Era mais aborrecida, mas não era muito.
P/1 – Quem cuidava mais de vocês? Quem mandava em vocês? A sua mãe ou o seu pai?
R – Era mais assim a mamãe que ficava.
Papai trabalhava e ela sempre que manobrava na casa.
P/1 – E ela mandava, ela batia muito em vocês? Era muito rígida?
R – Não, só quando se a gente brigasse, se a gente fizesse coisa errada apanhava, se não.
P/1 – Ela batia com que, quando ela batia?
R – Com cipó.
Com cipó, com palmatória.
P/1 – Vocês tinham muito medo? O senhor lembra de ter medo de apanhar?
R – Não.
Agora tem um irmão aí que aquele morava com a minha avó.
Aquele tinha medo de apanhar, ele não ia não.
Se chamasse eu pra apanhar eu ia.
P/1 – O senhor ia pra apanhar?
R – Eu ia.
P/1 – E podia chorar enquanto tava apanhando ou não?
R – Podia chorar, mas eu ia.
Podia me chamar.
Mas o Henrique não, Henrique morava com a minha avó.
Pra pegar ele só se fosse de surpresa porque se chamasse ele pra ir apanhar, ele não vinha, corria.
P/1 – Aí o senhor me conta.
O senhor voltou pra fazenda, começou a trabalhar com gado, ficou lá até que idade?
R – Tivemos lá até o tempo que nós se mudamos pra cá que parei de trabalhar lá.
Aí quando eu estava empregado na Jari eu trabalhava carpinteiro, mas tinha um capataz de fazenda que gostava de me convidar pra trabalhar no campo com ele.
Eu ia pro campo com ele, aí ia apartar gado no curral.
P/1 – Voltou a trabalhar com eles?
R – É, trabalhava sim, porque o meu serviço era carpinteiro, mas trabalhava na área da pecuária.
Nós fazia casa, nós fazia curral, fazia maromba, tudo.
P/1 – Tudo pro Jari?
R – Pra Jari, é.
P/1 – Então o senhor me conta quando o senhor começou a aprender trabalhar com madeira.
Quando foi?
R – Desde uma idade de 12 anos, por aí, comecei a mexer com madeira.
P/1 – Com quem que o senhor começou a aprender?
R – Comecei a trabalhar em casa assim com papai um pouco e aprender mais a mexer com madeira com mestre Lordi Barreira.
Era um manauara aqui.
P/1 – Ele morava aqui em Almeirim?
R – Era.
P/1 – E aí o senhor foi pedir pra ser aprendiz dele? Quem que levou o senhor lá?
R – Foi ele quando a primeira casa possuímos lá, coberto com telha, ninguém sabia a coisa do pontal da casa, aí papai convidou ele pra ir arrumar a casa pra nós.
Aí ele foi.
Aí trabalhava com ele lá, aí quando ele terminou de arrumar a casa, aí ele pediu pro papai pra mim ir trabalhar com ele.
Aí morava com ele e trabalhava aqui na cidade, saí de casa.
P/1 – Então o senhor ficou morando com ele?
R – É, morava com ele.
Aí trabalhava com ele, quando fracassava o serviço eu ia embora lá pra casa.
Quando aparecia serviço ele mandava me chamar, eu vinha pra trabalhar com ele.
P/1 – E o que o senhor começou fazendo? O que ele começou ensinando pro senhor?
R – Ele me ensinou a aplainar madeira, armar os caixilhos de porta e janela, essas coisas.
E armar casa, também.
Trabalhava por cima também.
P/1 – Fazia telhado?
R – É, fazia telhado.
P/1 – O que era mais difícil? Mexer com madeira ou mexer com gado?
R – Não sei.
Era uma coisa pela outra.
É que é um serviço que eu gostava.
P/1 – O senhor gostava de mexer com madeira?
R – Eu achava bom.
P/1 – O senhor ficou morando com ele quanto tempo?
R – Eu morei uns dois ou três anos assim, mas não era diretamente, só na época que aparecia serviço, de casa essas coisas, eu vinha pra ele.
Aí quando eu estava trabalhando aí com ele, nós trabalhava o dia assim aqui pra cidade, que a casa dele ficava pra cá.
Trabalhava aqui na cidade, aí quando dava as horas nós ia pra casa.
Chegava lá, tomava um café, aí tinha uma barraca lá trás, pra cá, aí nós fazia coronha de espingarda, esses servicinho assim, às vezes cadeira, serviço que tinha pra fazer, pequeno, nós ia fazer.
P/1 – Depois que o senhor saía, o senhor ia trabalhar lá?
R – É.
P/1 – E esse servicinho era do seu pai?
R – Não, era do mestre mesmo, dava pra ele.
Tinha o pessoal que trabalhava com balata, essas coisas, aí quando chegava, as espingarda estava com as coronhas tudo esculhambada, deixavam lá pra ele.
Aí falei, quando nós chegava do serviço nós ia fazer isso.
Fazer coronha de espingarda, essas coisas.
P/1 – Aí o senhor ganhava um dinheiro extra?
R – É, ganhava aquele dinheirinho com ele.
P/1 – Mas com ele, ele pagava pro senhor ou só trocava pela comida e pela casa?
R – Não, ele me dava, me pagava.
P/1 – E esse dinheiro, o senhor fazia o que com ele?
R – Eu comprava as coisas, levava pro papai e pra mamãe.
Compra as coisas pra mim.
P/1 – O que é que o senhor comprava?
R – É, despesa de casa, essas coisas assim.
Comprava as coisas pra mim, negócio de roupa.
P/1 – O senhor que já comprava?
R – É.
P/1 – E aí, quer dizer, o seu pai ficou morando aqui e trabalhando em que? O seu pai, quando mudou pra cá?
R – Quando ele mudou pra cá, trabalhava com.
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mexia com nosso gadinho e a roça.
P/1 – E seus irmãos todos ficaram morando com ele também?
R – Tudo.
P/1 – E aí me conta como é que ele foi pegando a festa de São Benedito? Herdando a festa de São Benedito?
R – A Festa de São Benedito ele começou a trabalhar no mesmo tempo do tio dele.
Aí depois quando ele foi pra Boa Esperança, ele ficou.
Aí quando nós viemos pra cá, passou a trabalhar também na irmandade da festa.
P/1 – O senhor estava me contando como é foi que a Festa de São Benedito passou pro seu pai e depois pro senhor.
Me conta?
R – Pois é.
Era o tio dele que era dono do santo e ele já trabalhou com ele.
Aí passa, depois que ele morreu, passou pra um outro tio meu que era primo de papai, que tomava conta da irmandade.
Aí depois que passou pro papai.
Aí depois que estava com o papai, quando papai já estava velho, foi tempo que veio o Zé Alfredo de prefeito, aí tinha um cunhado dele, seu Sabá, disse: “Olha, o seu Castro já está com idade, já não dá pra ele estar se envolvendo com isso, tu que tem que tomar conta disso”.
Aí eu passei a tomar conta.
E quando eu passei a tomar conta, digo: “Mas eu vou querer o seguinte, eu tenho que arrecadar as coisas, os instrumentos, tudo.
Eu que guardo.
É instrumento, é tambor, é sameador, é rapador, é bandeira, correia.
Aí tem a opa, todo o material da .
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P/1 – Tudo quem guarda é o senhor?
R – Sou eu.
Aí tem andor, que é pra colocar o santo.
Hoje que chegou, que eles levaram o andor pra lá e hoje que a minha irmã veio trazer o andor que estava pra lá pra igreja.
Até está lá fora que eu ainda vou limpar ele que é pra guardar.
P/1 – O que precisa fazer pra guardar tudo da festa, assim.
A comunidade reconhece, ajuda, ou é responsabilidade é toda sua?
R – Toda minha.
Tinha esse irmão que faleceu, ele sempre me ajudava.
Ele fazia, tem dois tambor que ele fez.
Esses daqui são antigos esses tambor.
Aí tem dois lá que foi ele que fez ainda.
Esse sameador, que o sameador primeiro era de lata, aí tava tudo esculhambado.
Ele que fez esse sameador que nós temos agora.
P/1 – O senhor está em que ano de.
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o senhor ainda é o dono do santo? O senhor que coordena a procissão ainda?
R – É.
Agora esse ano não porque não deu pra nós porque meu irmão morreu, entreguei pro padre, o padre falou.
Eu disse pra ele que eu não podia me envolver na festa.
Ele desse um jeito, visse como que dava pra ele fazer.
Que se tivesse outro que se prontificava pra fazer, então ele faz.
Eu não posso fazer esse ano.
Aí ninguém se envolveu na festa.
P/1 – Faz muito tempo que o senhor é o dono da.
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Desde quando foi isso?
R – Já está com uns quantos anos que eu tomo conta da irmandade.
P/1 – O senhor mostra pra gente qual que é o ritmo depois que faz a festa? Posso por o tambor aí, o senhor me mostra o ritmo do.
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Quando começa a festa tem a levantação do mastro.
R – É, a levantação do mastro.
Aí tem novena.
Quando é dia 25 a gente vai pro Jaburu, 26 pra Arumanduba, a noite em Arumanduba, quando é 27 vem pros barcos.
Aí pernoita lá, aí passa o dia.
Quando for à tarde, a gente vai daqui, pega, vem pra fazer a meia lua, no barco.
No barco, na balsa, qualquer coisa.
Aí faz a meia lua, dá as três voltas aqui no rio, depois sai, aí vai pra igreja.
Aí quando é dia 29 à tarde tem a procissão.
Aí faz a procissão, aí depois vem pra igreja, aí fica.
Quando é dia 30, aí nove horas a gente vai e derruba o mastro.
É encerramento da festa.
P/1 – Então derruba o mastro?
R – Depois de derrubar o mastro a gente vai e encerra o santo lá na igreja, aí bate o pessoal atrás do mastro.
Tem uma casa aqui de uma vizinha nossa, Rosarina, aí leva o mastro pra aí, a gente faz a festa, brinca o dia todo.
P/1 – Aí a festa, o que é a festa? Pra brincar toca o tambor?
R – Toca o tambor.
P/1 – O senhor mostra pra gente qual que é o ritmo do tambor?
R – Toca o tambor, toca aparelho também.
P/1 – E dança também?
R – Tem muita dança.
P/1 – Deixa eu ver qual que é o ritmo do tambor.
O senhor mostra pra gente?
R – Não dá pra mostrar bem, mas.
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Esse ritmo aqui é o da folia.
(som do tambor).
Agora pra dança é outro.
P/1 – Qual que é o da dança?
R – Da dança você faz assim (som do tambor).
P/1 – Aí são muitos tambores com esse ritmo?
R – Não, só com os três.
P/1 – Três tambores?
R – Só três.
É esse, o pequeno e aquele.
P/1 – É a mesma batida nos três?
R – Não, tem uma modificação.
O tamborim que começa (batida de tambor).
Depois solto, o direito (batida de tambor).
Esse é esse aqui (batida de tambor).
Aí responde no outro.
P/1 – O outro responde?
R – É.
P/1 – Aí no outro ritmo?
R – No outro ritmo.
P/1 – Qual que é o outro?
R – É o baixo.
Esse aqui é a resposta.
Tem o tamborim, aí esse aqui é a resposta, e aquele é o baixo.
P/1 – Aquele é o baixo?
R – É.
P/1 – O senhor toca qual?
R – Eu toco qualquer um, mas agora está tocando mais o rapador, chama o rapador.
P/1 – O rapador é esse que a gente trouxe aqui também?
R – É.
P/1 – Peraí que eu vou lá pegar pro senhor mostrar pra gente.
Vamos de novo, toca pra gente.
R – (batida de tambor) Quando a gente inicia o canto (batida de tambor).
Aí começa (batida de tambor).
Conforme a música é o bate dele.
Aí tem o sameador.
P/1 – Aí fica um som grande.
Esse aqui ele é feito do que? Isso é madeira também?
R – Não, uma taboca.
Taboca.
Ela é oca por dentro, taboca.
P/1 – E aí a festa dura quanto tempo?
R – São só nove noites.
P/1 – Nove noites?
R – É.
Como agora que morreu meu irmão, ninguém se envolveu na festa.
P/1 – Aí como morreu seu irmão, o senhor está guardando resguardo? O resguardo demora quanto tempo? O que tem que fazer no resguardo?
R – A gente fica fora desse movimento de música, de coisa, fica ausente disso aí, de diversão.
P/1 – E de bebida?
R – Bebida também.
P/1 – O senhor gostava de beber? O senhor bebe quando não está no resguardo?
R – Eu bebo, mas mesmo agora eu não estou consumindo bebida porque depois que eu fiz o cateterismo aqui, do coração.
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P/1 – O senhor tem problema de coração?
R – Eu tenho.
Aí eu parei.
Aí alguma vez eu tomo uma coisinha assim, mas não.
Primeiro não, quando eu era mais novo eu gostava de beber.
P/1 – Bebia muito?
R – Não.
Bebia mais assim, em casa eu, quando eu era mais novo, sempre tinha um litro de bebida na minha geladeira.
Mais de manhã, beber na hora do almoço, na hora do banho, à tarde.
P/1 – Qual era a bebida que o senhor gostava mais de beber?
R – É, eu tomava São João da Barra, ou vodca, whisky.
Eu gostava mais dessas bebidas fortes.
Assim, uma coisinha.
P/1 – Uma dose, assim?
R – Uma dose.
Cerveja eu tomo a cerveja assim de diversão, mas não gostava.
Nunca gostei muito de cerveja.
P/1 – O senhor gostava daquela bebidinha forte.
R – Bebida forte.
Eu tomava uma dose.
P/1 – Então falar de bebida, vamos voltar em que época o senhor foi pro garimpo?
R – Eu nem estou lembrado a época que eu fui pro garimpo.
Nem me lembro até.
P/1 – O senhor aqui tava trabalhando sempre com madeira?
R – É, com madeira.
P/1 – Aí o senhor parou com o trabalho com a madeira pra ir pro garimpo? Foi isso?
R – É, quando fui pro garimpo, parei, é.
Quando eu fui pro garimpo do Carará, eu trabalhei com madeira.
Eu fiz casa, porque lá eles trabalhavam na vala e no túnel, aqueles buraco que eles entrava.
Tinha que fazer a casa em cima.
Eu fazia a casa em cima do túnel.
P/1 – Mas o senhor foi pro garimpo pra procurar ouro ou foi pra fazer as casas?
R – Não, eu fui pra trabalhar assim lá.
Aí como eu tinha serviço de carpinteiro, trabalhei.
P/1 – Mas o senhor foi procurar ouro também?
R – Ainda fui procurar ouro nas valas, sim.
Mas poucos tempo.
Aí foi o tempo que o carpinteiro saiu aí o chefe lá tava encomendando carpinteiro.
Aí teve um que me conhecia “Mas por que o senhor não bota o seu Nonato no lugar dele?”, aí ele “O senhor Nonato entende alguma coisa de carpintaria?”, disse “Olha, dos carpinteiros que eu já vi aqui, eu não conheço nenhum pra botar nele”,”É mesmo? Então deixa o senhor Nonato”.
Daí eu fiquei trabalhando no serviço de carpinteiro.
Aqui quando eu trabalhei no Crepori, eu trabalhei também fazendo balsa pros.
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pra eles trabalhar aqui, tiravam no rio.
P/1 – Aonde que era isso aqui no.
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Como é o nome do lugar?
R – Crepori.
É acima de Santarém.
Agora quando eu fui trabalhar no garimpo do Pinto, eu fui trabalhar na cantina do Fonseca.
P/1 – Na cantina?
R – É.
P/1 – Fazendo o que na cantina?
R – Tomando conta da cantina, vendendo mercadoria.
P/1 – Quer dizer, o senhor nunca foi pro garimpo pra cavar?
R – Não, nunca.
P/1 – Por que o senhor foi garimpo? Por que o senhor saiu daqui pra ir pro garimpo?
R – Porque no garimpo tem tudo.
Depende do movimento do garimpo, lá tem pra cavar ouro, tem pra serviço de casa, tem serviço de coisa pra.
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Quando é na água, eles têm a balsa.
Eles faz as balsa pra.
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aí bota as coisa pra escorrer a.
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Aí bota a mangueira pra escorrer o ouro lá dentro da balsa.
E quando é em terra eles têm também aquelas coisa pra escorrer o ouro.
E a gente trabalha com madeira.
P/1 – Então o senhor foi pra trabalhar com madeira?
R – É.
Fui fazendo o meu serviço.
Agora lá no garimpo do Pinto não.
O Fonseca me levou pra tomar conta da cantina dele.
P/1 – Fica onde, o garimpo do Pinto?
R – Fica no Mato Grosso, além lá de Manaus.
P/1 – É no Mato Grosso, perto de Cuiabá?
R – É.
P/1 – Eu perguntei pra sua esposa, naquela época o senhor, pra mandar dinheiro pra casa, pra escrever carta, receber notícia, como é que fazia?
R – Tinha o rádio.
Passava o rádio.
P/1 – Mas o senhor mandava dinheiro aqui pra casa?
R – Mandava.
P/1 – Como é que o senhor fazia?
R – Assim, quando o Fonseca vinha, ele trazia dinheiro e deixava nas casas.
P/1 – Então ele vinha trazendo?
R – Vinha, é.
P/1 – Então, e carta? O senhor queria receber notícia de casa, ela mandava carta pro senhor? Como que era?
R – Mandava, mas quando eles vinham ver se tinha, ela mandava carta.
Aí eu também mandava carta quando ele vinha de lá.
Aí é mais difícil.
Ia falar com ela, tinha o rádio, aí pegava no telefone.
P/1 – Então o senhor nunca usava muito, por exemplo, de mandar carta, de usar os Correios.
Lá não tinha Correios que mandava nada, não?
R – Não.
P/1 – Sempre era a ida e a vinda de alguém, ou o rádio.
R – É, o rádio.
É.
Lá tinha rádio.
P/1 – Como que era o clima no garimpo? Era bom? Tinha muita briga? Como é que era? O que o senhor achou do garimpo?
R – Olha, o negócio do garimpo sempre tem alguma briga por lá, mas graças a Deus, que comigo não.
Do jeito que eu fui eu vim, nunca foi preciso eu morrer nem matar ninguém.
P/1 – Mas o senhor viu muita gente morrendo e matando?
R – Nesses outro, eu vi gente morto no garimpo do Crepori.
Eu vi gente morto e vi as notícias que eles matavam por lá, mas eu nunca vi.
No garimpo do Carará nunca vi também morte.
Lá no garimpo do Pinto, eu vi duas mortes.
Um matou o outro assim na casa, na frente da cantina.
P/1 – Isso foi na cantina?
R – Na frente da cantina, outro atirou outro, matou.
P/1 – Mas foi o que? Como é que foi a história?
R – Era coisa deles, fuxico.
Eles trabalhavam no negócio de transporte de combustível.
Aí eles traziam o combustível de viagem no rio.
Eles passaram por aqueles garimpeiro que trabalhava no mergulho.
Chegavam, vendiam o óleo e botavam água no coiso.
Aí quando foi um tempo, descobriram que andaram contando dele aí, aí o cara chamou o outro e deu um tiro nele.
P/1 – E deu um tiro nele?
R – É.
O outro, por besteira, porque o cara disse que eles tiveram lá na cantina jogando, aí o patrão disse pra ele: “Mas se o Índio passasse”, o Índio era um garimpeiro nosso aí, “Se o Índio passasse agora aqui, eu dava um tiro nele”.
Aí o freguês dele disse: “Por quê?”, disse: “Não, porque um dia desses ele encheu o saco lá na boate com a mulher, e falou umas coisas que eu não gostei.
Só sei que vou dar um tiro nele”.
Tiveram lá bebendo, jogando dominó, jogando bilhar.
Depois foram embora pra casa dele.
Depois que chegaram lá, aí passou uma casca lá no rio, aí ele disse pro outro rapaz: “Baixinho, olha rapaz o Índio.
”, “Cadê?”, “O Índio passou aí”.
Ele escutou as toadas, ele saiu, ele pegou a espingarda.
Quando ele pulou que fecho a espingarda, a espingarda disparou.
O Índio olhou, olhou, correu.
Aí ele quebrou a espingarda, tirou aquele cartucho, meteu outro cartucho, saiu atrás.
Aí eu disse: “Baixinho, Zé comprido vai morrer agora” “Será que vai?” “Vai correr atrás do Índio agora”.
O Índio viu quando ele… detonou a espingarda, ele viu ele, aí ele já correu.
Ele foi, chegou lá na casa, pegou a espingarda dele e veio ficar aqui no canto da outra casa, esperando.
Veio correndo aqui e atirou.
P/1 – Matou.
R – Aí quando ouvi o tiro, eu digo: “Eu não te disse baixinho? Quer ver?”, nós fomos ver, ele está lá no meio da rua botando sangue, espingarda no chão.
E é assim.
P/1 – Era assim o garimpo.
R – É.
P/1 – Aí o senhor voltou por quê? O senhor largou o garimpo por quê?
R – Deu o prazo de eu vim embora, eu vim embora.
P/1 – Foi só um período?
R – É.
Mas graças a Deus, trabalhei nesses três garimpos, nunca.
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P/1 – Nunca se meteu com tiro?
R – Não.
Nunca fui ofendido por nada e nunca ofendi ninguém também, graças a Deus.
P/1 – E aí, depois o senhor foi trabalhar no Jari?
R – Não, nesses garimpos eu trabalhei depois que eu saí da Jari.
P/1 – Antes disso o senhor trabalhou na Jari?
R – Trabalhei na Jari 10 anos.
P/1 – Na Jari, qual Jari? Do.
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R – Aqui, na.
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Mas eu trabalhei na área da pecuária, no tempo do Ludwig, do gringo.
P/1 – O senhor conheceu ele?
R – Não, não cheguei a ver ele.
Ele vinha aí, mas ele vinha mais lá em Dourado.
Ia trabalhava nessas áreas da fazenda pra cá.
P/1 – Agora, senhor Raimundo, pra gente ir finalizando, me conta um pouco como o senhor conheceu a sua esposa, a dona Isabel e quantos filhos vocês tiveram.
Onde que o senhor conheceu a dona Isabel?
R – Foi aqui mesmo.
P/1 – Faz muito tempo? Quanto tempo?
R – Faz quantos tempo já.
P/1 – Quanto tempo?
R – No tempo que eu trabalhava com o mestre Lordi, ela morava com ele.
Era novinha, morava com eles.
P/1 – E aí o senhor.
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R – Aí teve, eu gostava dela assim, mas não namoro, mas comecei gostar.
Aí quando eu comecei a trabalhar na Jari, foi que eu comecei a namorar com ela.
P/1 – Ah, foi depois então?
R – Foi depois.
Tava trabalhando na Jari.
Aí quando eu vim aqui eu vi ela.
P/1 – O senhor que chamou ela pra namorar?
R – (riso) Eu não sei nem como foi.
A gente entrosou assim em conversa, que eu sempre quando.
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Que eu me dava muito com eles, e quando eu trabalhava na Jari, quando eu vinha pra cá, chegava aqui, meus pais morava no interior.
Nós não tinha casa aqui, eu parava na casa dele.
Aí eu conversava com ela.
Aí foi.
P/1 – Aí o senhor casou com ela?
R – Casei.
P/1 – E ela já tinha casado antes?
R – Não, ela tinha filho, mas não tinha.
Tinha dois filhos, um casal.
Agora nós tivemos quatro filhos, dois casais.
Mas o segundo filho morreu.
P/1 – Ele morreu do que, seu Raimundo?
R – Olha, foi um vômito e diarreia que deu na criança, ele tava pequeno, com 42 dias de nascido.
O menino veio forte, aí deu um vômito e uma diarreia que não teve remédio que talhasse.
Só parou quando expeliu.
Agora tenho um filho e duas filhas.
Tenho três e uma neta, que é a dona dessa casa aqui.
P/1 – A sua neta que é a dona dessa casa?
R – É, a Ana.
Ana Ranieri.
Mas ela está morando pra casa da sogra dela.
Eu estou fazendo essa casa.
P/1 – O senhor está fazendo pra ela?
R – Isso é o sogro dela que tava fazendo.
Ainda não trabalhei aqui.
Ainda vou trabalhar um pouco.
P/1 – O senhor ainda trabalha, seu Raimundo?
R – Eu trabalho.
Pouco, mas eu trabalho.
P/1 – O que o senhor faz?
R – Eu faço esse serviço de acabamento assim, porta e janela eu faço.
P/1 – Um pouquinho?
R – É.
P/1 – Mas o senhor aposentou?
R – Sou aposentado.
P/1 – Hoje o dinheiro do senhor vem da onde? O dinheiro pra viver mês a mês, vem do que?
R – Vem do banco mesmo.
P/1 – O senhor tem uma pensão?
R – É.
Recebe todo mês.
E eu sou aposentado pela idade.
Não fui aposentado por tempo de serviço.
Meu tempo de serviço não deu pra aposentar.
P/1 – Porque o tempo que o senhor trabalhou como carpinteiro não contou?
R – Não.
O tempo que eu trabalhei de carpinteiro, que está na carteira, é só dez anos que eu trabalhei na Jari.
E dez anos não dava.
Aí tive que me aposentar pela idade.
P/1 – Seu Raimundo, o que o senhor acha, o que o senhor diria aí pros seus netos, pras próximas gerações.
De toda a vida que o senhor viveu, o que o senhor acha mais importante, que eles deviam continuar fazendo? Das atividades, tudo o que o senhor aprendeu, aprendeu com seu pai, aprendeu com os mestres da vida.
O que o senhor acha importante?
R – O mais importante é o seguinte, que eu posso dizer que cada pessoa tem a sua noção pra que é, entende? Eu penso assim.
Porque olha, um filho de vaqueiro, passei carpinteiro, é outra coisa.
Pois é.
E assim tudo.
O pai tem, é muito difícil ter um filho que siga o ritmo do serviço do pai, a profissão do pai.
Sempre que um tem uma profissão, outro tem outra.
P/1 – E isso, por que é que o senhor acha?
R – Eu não sei.
Eu acho que é a noção.
É a noção da gente mesmo que é.
Tem aquele dizer que tudo é pra que é, não é pra que quer.
Olha o meu filho.
O meu filho ele trabalha aqui, como se diz? Ele trabalha na oficina.
Ele solda, ele torneia ferro, essas coisas aí.
Ele trabalha com isso e eu não trabalho com isso (riso).
P/1 – Ele é que procurou isso?
R – É.
Chamou ele pra trabalhar com ele.
Primeiro que ele apanhou uma queda quando era novo, mas ele pegou uma queda de bacabeira e quebrou a segunda vértebra da bacia, e por isso que ele anda puxando o lado da perna, assim.
Aí não pode trabalhar com muita coisa.
Chamou ele pra trabalhar com ele, pra trabalhar na oficina.
Ensinou ele tornear, ensinou ele a soldar.
Aí ele trabalha com eles lá.
Por isso que eu digo, um tem um ritmo, outro tem outro, aí vai.
É muito difícil o filho.
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Olha, conheci o seu Filinto, era o compadre de papai, ele era o colega dele de novo.
No serviço de gado eles trabalhavam, quando era solteiro trabalhavam junto, mas os filhos dele, só teve um mais velho que puxava ele pra trabalhar com serviço de gado.
Os outros, tem quem trabalha de carpinteiro, outro trabalha de pintor.
Tem um que.
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E tem um também que estudou e trabalha de coisa, como é? É de médico de gado.
Como é que se diz?
P/1 – Veterinário.
R – Veterinário, é.
Ele tem um filho formado que trabalhou de veterinário.
Mas só o mais velho dele que trabalhava com gado.
Já faleceu.
Os outros é carpinteiro e tem um que trabalha com negócio de garimpo.
P/1 – O senhor queria que algum filho seu tivesse seguido a carpintaria?
R – É bom.
Seria, se quisesse aprender a carpintaria.
P/1 – Mas ele não quis?
R – Não procurou não.
Procurou oficina e eu só tenho um filho homem.
P/1 – E as moças? Não trabalham?
R – Não.
Essa mais velha, ela está aqui ainda.
Ela trabalha no hospital.
Enfermeira.
A outra não, só trabalha em casa.
Ela tem negócio de costurar.
Ele gosta desse negócio de costura, bordado, essas coisas que ela gosta de fazer, a mais nova.
Ela mora lá no Jari, Graça sabe a casa dela onde é.
P/1 – Tá bom seu Raimundo.
Muito obrigada.
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