FALTA POR A REVISADA
P/1 – Janaina, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Você poderia por favor começar com seu nome, seu local de nascimento… Seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Janaina da Silva Reis, mas geralmente eu uso só Janaina Reis. Nasci em São Paulo, em uma cidadezinha do interior, chamada São José do Rio Pardo, no dia 9 de novembro de 1973.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais e o que eles faziam?
R – Bom, o nome dos meus pais é complicado (risos), porque a minha mãe biológica é Iracema dos Santos, mas quando eu tinha dois anos, meu pai me levou para morar com ele. Nessa confusão, vamos dizer assim, porque até hoje a história não é muito bem contada, ele me registrou no nome da esposa dele, então na minha certidão de nascimento eu tenho Luiz Sérgio da Silva Reis - ele é empresário também - e a Maria Silvia Reis que é a esposa dele, que é minha mãe nos documentos. Ela me criou, eu a chamo de mãe também, e ela é dona de casa.
P/1 – E o nome da sua mãe biológica...
R – É Iracema dos Santos.
P/1 – Ah, tá bom. E você sabe de onde veio a família, qual é a origem?
R – Da minha mãe biológica, eles moram no interior de São Paulo, em São José do Rio Pardo. Eu tenho minha bisavó, mãe da minha avó, que é imigrante italiana, Fortunata Matavelli. Da parte do meu pai, é uma mistura danada, porque eu sou bisneta de português com índio. E aí, da parte da mãe que me criou, eles também são do interior, mas do interior de Minas.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Muitos (risos).
P/1 – Quantos são e quais os nomes?
R – São muitos (risos). Vamos lá. Eu brinco que acho que sou a única pessoa no mundo que sou filha única, mas tenho acho que oito irmãos se não me engano. Vamos fazer as contas. Porque do meu pai com a minha mãe biológica só tem eu. Por parte de mãe, eu tenho a Kelly, o Douglas, a Carolina. Por parte de pai com essa mãe que me criou, a Silvia, eu tenho a Patrícia, a Vanessa e o Junior. E por parte de pai, ele tem mais dois filhos que teve fora do casamento, que teve entre os meus irmãos, que é o Diego e Ainá. Depois ele se separou da minha mãe, entrou em um terceiro casamento e tem a Daphne e o Kauê.
P/1 – Família grande, né?
R – Grande (risos).
P/1 – E vocês têm contato?
R – Com a… Eu tenho contato com os meus irmãos aqui em São Paulo, que são os meus irmãos por parte de mãe, e tenho contato com os meus três irmãos desse casamento do meu pai, que são a Patrícia, a Vanessa e o Junior. Esses são os que eu tenho mais contato. Com o Kauê e com a Daphne, a gente foi criado muito separado e a gente não se fala. E também o Diego… Por conta das circunstâncias, o Diego e Ainá também são pessoas que a gente não tem muito contato.
P/1 – Na infância você conviveu com eles?
R – Só com os meus três irmãos por parte de pai.
P/1 – E como que era? Vocês brincavam? Como que foi na sua infância na sua casa e as brincadeiras com os irmãos?
R – Foi uma infância assim, muito gostosa. Lógico, como toda família a gente sempre teve problemas, sempre teve brigas, isso é óbvio. Eu costumo brincar que eu não sei como minha mãe sobreviveu a nós quatro, porque nós éramos quatro capetas, então a gente aprontava muito, nós quatro juntos, e a gente brincava muito. A minha mãe nunca foi de deixar a gente ir muito para a rua, mas quando a gente ia, eram aquelas brincadeiras de infância de correr, de brincar de pique pega, polícia e ladrão, a gente brincava de amarelinha… Dentro de casa, a gente sempre foi muito unido. Eu com a minha irmã mais nova, a Vanessa, a gente tem um signo que a gente se bate muito, então a gente brigava muito. Nós éramos as que mais brigavam. Engraçado que hoje nós somos umas das mais unidas, conversamos quase todos os dias. Eu lembro que uma vez a gente estava brigada e uma vizinha foi falar… Ela estava falando mal de mim para a vizinha. Ela estava com raiva, porque a gente tinha brigado, e a vizinha foi concordar com ela e falar mal de mim também, e ela falou, "cala a boca, não vai falar dela, não", e minha vizinha falou, "mas vocês não estão brigadas?", "estamos brigadas e eu posso falar dela, porque ela é minha irmã, mas você não pode falar mal dela, então você fica quieta" (risos). Então a gente era assim na infância, muito unido. Eu como irmã mais velha, sempre defendi muito meus irmãos, então eu era aquela que me metia em briga para defender os irmãos. Briga física mesmo apesar do tamanho. Eu sou pequenininha, sempre fui, mas sempre fui a brigona da família, então quando tinha que se envolver na confusão e sair na mão mesmo para defender os outros, quem saía era eu. Sempre foi muito gostosa a nossa infância. Na verdade nós somos aqui de São Paulo, somos todos nascidos aqui, mas a gente foi muito pequenininho para o Rio, todos nós, então nossa infância foi lá no Rio de Janeiro, não foi aqui em São Paulo.
P/1 – Ai! E do Rio, o que você lembra?
R – Nossa, quase tudo. Era tão gostoso! A gente morava em uma casinha de vila primeiro. Na verdade assim, quando a gente se mudou aqui de São Paulo, primeiro a gente foi morar no interior, em um sítio. Nós moramos um ano nesse sítio mais ou menos. Foi uma época muito gostosa, a gente subia em árvore, pegava plantação do quintal, alface, tomate, temperos… Foi muito gostoso assim, esse tempo de infância, mas foi uma época ruim porque no interior a gente não tem muito acesso a escola. Era um ambiente muito rural e a escola era muito ruim, então foi o que fez a minha família mudar para o Rio. Meu pai é carioca. Ele morou aqui em São Paulo por muito tempo, e quando a gente morou no interior, meu pai continuou aqui em São Paulo. A gente morou entre Perdões e Atibaia. Meu pai continuou trabalhando aqui em São Paulo e depois de mais ou menos um ano ele foi transferido para a filial no Rio e foi todo mundo embora para lá. E quando a gente se mudou, foi para uma casa de vila muito gostosa. Não lembro o bairro, acho que na Taquara, se eu não me engano. E eu lembro que tinham dois vizinhos espanhóis - o esposo era espanhol - e a gente adotou eles assim, como nossos avozinhos. É muito gostoso, porque apesar de ser o Rio de Janeiro, apesar de ser uma cidade grande, por ser uma vilinha, a gente tinha aquela coisa de cidadezinha do interior, então todos os vizinhos se conheciam. Era muito gostoso. Eu lembro que às vezes minha mãe precisava sair e era a vizinha que tomava conta da gente, porque isso foi mais ou menos em 82, eu tinha 11 anos e era a irmã mais velha. Minha mãe sempre foi dona de casa, mas muitas vezes precisava ir a rua para fazer as coisas, e aí eram os vizinhos que olhavam a gente, que tomavam conta, que batiam lá na porta de casa para perguntar se estava tudo bem, se a gente já tinha almoçado, se não tinha comido, enfim. Era isso, a minha infância foi divertida.
P/1 – E você lembra do Rio de Janeiro enquanto cidade assim, vocês iam à praia?
R – Nossa, demais. Eu lembro que teve uma época que a gente estudava em uma escola municipal que era de frente para a praia, lá na Barra da Tijuca. Depois da Taquara, a gente mudou para Freguesia. E da Freguesia para a Barra, eram dez minutos de ônibus. Então a gente estudava de manhã e era de frente para a praia, o que era muito gostoso, e tinha dias que a gente saía da escola e ia direto para a praia um pouquinho, às vezes minha mãe permitia. Mas quando ela não permitia e a gente ia no final de semana, a gente nunca ia muito cedo, justamente porque a praia era muito lotada, então a gente ia na parte da tarde. E eu lembro bem que sempre gostamos do horário de verão, por causa disso, porque a gente ia mais tarde para a praia e voltava de noite, quer dizer, íamos no contra fluxo e era muito bom. Era gostoso porque mesmo nós sendo novos, crianças, a gente tinha essa liberdade de andar no Rio de Janeiro. Minha filha hoje tem 17 anos e eu conto para ela. Hoje você não pode sair muito de casa, porque tem essas histórias de violência, mas naquela época não tinha. Eu com 11 anos andava sozinha para cima e para baixo no Rio de Janeiro, pegava ônibus, a gente ia para a praia. Eu ia com os meus irmãos… Eu, a Patrícia e a Vanessa. O Junior era muito pequenininho, então minha mãe não deixava ir com a gente. Íamos nós três para a praia, íamos e voltávamos tranquilamente. Minha mãe dava o dinheiro para o ônibus e para o lanche… Lanche?! Tomar um sorvete, né? Porque para criança lanche é isso. Tomar aquele famoso… Eu não sei se pode falar a marca, mas enfim, aquele biscoito de polvilho que tem no Rio de Janeiro e todo mundo conhece, porque é muito gostoso. Não tem um que vá para a praia e não conheça aquele biscoito. Eram uns pacotinhos assim, brancos, desse tamanho. Eu gostava… Ele tem versão doce e versão salgada, e a gente gostava muito da versão doce. E era o dinheiro que a gente ia e voltava, super tranquilo, nunca fomos assaltadas. Então era uma época assim, em que tínhamos liberdade para andar sem tanto medo. Lógico, a gente sempre tem, sempre tem aquele cuidado, mas tínhamos mais liberdade mesmo para caminhar.
P/1 – Essa fase no Rio de Janeiro foi de que idade até que idade?
R – Bom, ela foi dos meus 11 anos, em 82… Não, nós nos mudamos para lá em 82, então eu tinha de 9 para 10 anos, até mais ou menos os meus 20 e poucos. Morei lá por muito anos, até os meus 22 ou 23 anos. Depois eu voltei para cá para São Paulo e aí já voltei sozinha, vim morar sozinha aqui.
P/1 – Nossa! Então você passou sua infância e adolescência praticamente toda lá.
R – Passei minha infância e adolescência praticamente toda no Rio, foi muito gostoso. Foi lá que eu fiz escola técnica, porque aqui era o Cefet.
P/1 – E da escola, o que você lembra da sua escola da infância? Como que era? Tinha algum professor que te marcou muito?
R – Na minha infância, eu não tive professores que me marcaram. Eu tive uma professora que me marcou muito na minha quinta série, eu fiz em um colégio particular. Era a professora Vidinha, uma professora de ciências que eu tinha. Eu lembro muito dela, que era uma professora que me incentivava demais. Eu sempre fui muito estudiosa, porque sempre tive muito medo de decepcionar meus pais, então sempre fui muito estudiosa. Uma das coisas que meu pai sempre fala é que conhecimento e estudo ninguém tira da gente, então eu queria estudar e ser alguém na vida, que era assim que a gente falava. A professora Vidinha era uma professora que me incentivava demais. Não só a mim, mas todos os alunos, mas ela me marcou muito por conta disso. Eu lembro que em um final de ano, nós fizemos amigo oculto lá na escola, na sala, e ela me tirou. Ela falou assim… Antes de revelar, eles contam uma característica da gente para o resto para tentarem adivinhar quem era. Eu lembro que ela disse que eu tinha os olhos muito inteligentes, que eu tinha um brilho muito inteligente no olhar e a turma inteira descobriu que era eu, e isso me deixou muito marcada, porque na minha cabeça eu não era inteligente, eu era estudiosa. Isso para mim, foi muito bonito, me revelou uma coisa que eu não sabia de mim, que eu não achava de mim, então foi muito gostoso. E ela me deu um porta-jóias, que até dois anos atrás eu ainda tinha. Era de 85 e eu ainda tinha até uns dois ou três anos atrás mais ou menos. Desmontou, quebrou todo e a gente teve que desfazer, mas eu tinha ele.
P/1 – E nessa fase tinham outras pessoas marcantes, amigas assim? Alguma história bacana dessa época...
R – Assim, amigas, amigas dessa época, tinha a Anceli, que foi uma amiga minha que a gente frequentava muito a casa uma da outra. E foi muito engraçado, porque eu conheci a Anceli na escola, na época do quinto ano… Na verdade, na época não era quinto ano, era quinta série, que hoje é o sexto ano. Nós ficamos muito amigas. Ela morava com a mãe no Méier, e nessa época eu já morava na Freguesia. Ela falava assim, "ah, eu tenho um pai que mora na Freguesia", mas eu não conhecia o pai. Eu frequentava muito a casa da mãe dela lá no Méier. Um dia a Anceli foi na minha casa e a gente descobriu que o pai dela morava a três ruas da minha. Ela falou, "eu não acredito, meu pai mora aqui" (risos). Mas eu nunca tive muita convivência com ele, acho que só o vi uma vez. E assim, do Méier para a Freguesia é mais ou menos uma hora e pouca de distância. Quer dizer, eu frequentava muito a casa dela. A mãe dela era mais rigorosa, então ela quase não ia a minha casa, eu ia mais a casa dela. É engraçado como essas coisas são, a gente frequentar uma a casa da outra e depois descobrir que tem uma coincidência do pai dela morar perto e a gente quase não se ver porque não sabia disso. E ela já chegou a ir na casa do pai dela, mas não sabia que era tão perto da minha casa. A Anceli foi uma pessoa que me marcou muito, porque realmente foi uma grande amiga, e ela foi… Eu lembro que, acho que ela foi a primeira amiga que me confessou que tinha perdido a virgindade, e que tinha engravidado. Ela foi morar com o namorado, e depois disso, infelizmente a gente acabou perdendo o contato.
P/1 – E como foi a sua adolescência no Rio, começar a sair para a vida, namorar… Como que foi essa fase?
R – Nossa! Na verdade assim, eu sempre fui muito quieta, nunca fui muito namoradeira. Acho que comecei a namorar, namorar mesmo, quando eu já estava no segundo grau, foi meu primeiro namorado sério. Eu já tinha tido outras paqueras, claro, mas meu primeiro namorado sério foi no segundo grau já. Foi uma época muito gostosa também. Eu lembro que meu namorado tinha um irmão que era carnavalesco de uma escola pequenininha de Jacarepaguá. Não lembro o nome da escola. E aí, no ano seguinte a gente saiu na escola. Era uma escola do grupo de acesso ainda, era bem pequena, então foi muito gostoso. E como eu falei, eu quase não saía. Não era muito de sair, de ir para a balada, de madrugada, eu nunca gostei muito dessas coisas. Eu gostava assim, de ir para a casa das minhas amigas. Uma que eu ia muito, era a Shirlei, da época que eu fiz… Antes de passar no Cefet, eu fiz um ano de pré vestibulinho, que era o preparatório para a escola técnica, e nessa época eu conheci a Shirlei e ela virou uma segunda irmã. Segunda não, né? Mas virou uma irmã e eu ia muito na casa dela também. Era isso que eu gostava de fazer, de estar com as minhas amigas. O pai da Shirlei era policial, meio rigoroso assim, então a gente não saía muito. Era em um condomínio a casa dela, bem seguro, então a gente ia ali, passeava no condomínio e a gente não era muito de ir pra baile, essas coisas. Eu lembro que uma vez eu fui ao baile funk e detestei, nunca gostei. Muito cheio de gente, aquele tumulto, não sei, não é a minha cara, mas gosto de estar junto de pessoas. A gente foi criado muito assim, com festa. Meu pai era uma pessoa muito bem relacionada, ele trabalhava com seguros. Ele trabalhou com seguro por muitos anos da minha vida, quando a gente era pequeno, e ele ganhava super bem. Na época isso era… Ele não vendia seguros, ele fazia a inspeção de seguros, então se acontecia algo sinistro, chamavam e ele ia lá inspecionar. Então eram poucos os profissionais que lidavam com isso na época e ele ganhava muito bem. Nossa infância foi uma infância muito abastada. E meu pai e minha mãe sempre gostaram de reunir pessoas, então a gente sempre tinha ou amigos ou a família muito perto da gente. No Rio, eram mais amigos, porque a nossa família em peso é daqui de São Paulo, mas eu lembro que a gente sempre fazia alguma coisa. E quando não tinha família, era a gente indo para restaurante e fazendo sempre alguma coisa diferente. Eu lembro que tinha um… Meu pai nos levava para um restaurante que não era no Rio, era em uma outra cidade que não lembro o nome. A gente sentava do lado de fora do restaurante, olhava para baixo, tinha um paredão, o mar, e víamos os caranguejos e siris subindo pela parede. A gente comia siri e caranguejo nesse restaurante. Fazíamos isso uma vez a cada dois meses mais ou menos e era muito gostosa aquela época. Era uma diversão para gente, sair e passear. É disso que eu me recordo mais, não é de balada, nem de ficar namorando, mas dessas coisas da gente estar sempre reunido, sempre contando histórias.
P/1 – Você acabou o ensino médio e escolheu ser o que?
R – Então quando eu terminei o ensino médio, passou um ano mais ou menos e eu voltei aqui para São Paulo. Eu queria fazer fisioterapia. Lembro que no último ano do ensino médio, a gente foi comemorar com a turma em Búzios… Não, Cabo Frio. Estávamos em uma casa… Tinha uma casa, a gente estava lá e tinha um píer. No final de tarde, os meninos resolveram pular na água, um dos meninos pulou de cabeça, a água dava na canela e ele ficou tetraplégico. Engraçado que eu sempre quis fazer fisioterapia, mas a história do Fabrício me fez querer fazer mais. Quando eu vim para São Paulo, vim fazer o pré vestibular e coloquei na minha cabeça que iria fazer fisioterapia. Eu lembro que naquele ano eu comprei um monte de roupa branca, porque eu não tinha, gostava muito de preto e falei, "eu preciso de roupa branca, eu preciso de roupa clara, porque fisioterapeuta usa roupa clara, médico usa roupa clara" e eu não passei na USP. Faltando dois dias para encerrar a matrícula… Como eu não passei na USP, me desliguei, porque eu queria fazer na USP, mas tinha feito vestibular para várias faculdades. Dois dias antes da matrícula, eu descobri que tinha passado para a Federal de São Carlos, e infelizmente já não dava tempo, porque meu documento estava no Rio e eu teria que ir para o Rio pedir minha documentação de escola, e isso me deixou muito chateada, porque acabei não fazendo justamente porque não prestei atenção e aí não dava tempo de buscar meus documentos da escola. Aquela coisa de deixar para a última hora, de sempre ter tempo. Eu vim para cá sem nada e acabou que não consegui fazer a matrícula na época. Desencanei e fui trabalhar, já estava morando sozinha… Quando eu vim para São Paulo, fui morar com a minha mãe, mas a casa da minha mãe aqui em São Paulo é muito pequetitinha, não tinha muito espaço físico, e acho que por conta da gente não conviver muito… Eu sempre a via, eu a conhecia. Eu conheci minha mãe biológica quando eu tinha seis anos, e na época eu não entendia muito bem o que tinha acontecido, mas sempre vi minha mãe. Quando mudei para São Paulo e fui morar com ela, a gente teve… Eu com meus irmãos, apesar da gente se gostar, a gente teve muito conflito por conta das criações que eram muito diferentes. Então eu morei um tempo com ela e depois fui morar sozinha. E assim também, quando eu morei lá no Rio, no final do meu ensino médio, eu já morava sozinha, então depois quando você volta a morar com os pais, fica difícil. Então fui trabalhar e voltei a morar sozinha. Fiz de tudo, trabalhei principalmente com telemarketing, que é a profissão de quem não tem profissão, né? Fui trabalhar com telemarketing.
P/1 – Por que o seu pai… Acho que a gente não falou lá atrás. Por que seu pai pegou vocês? O que aconteceu? Ele tirou vocês da mãe? Como foi que aconteceu?
R – Então assim, é uma história meio.... É a sombra da família, vamos dizer assim. Minha mãe conta uma história e meu pai conta outra. Eu tenho muita tendência a acreditar na minha mãe, porque eu conheço meu pai (risos). Minha mãe conta que quando eu tinha dois anos, meu pai me levou para passar férias no Rio - na época, ele já estava lá de novo. Não, mentira, ele morava aqui em São Paulo, mas queria me levar para ver minha avó. Minha avó morava no Rio. Ela já é falecida, a mãe dele. Ele me levou para passar férias no Rio e não me devolveu mais para a minha mãe. A minha mãe passou quatro anos lutando na justiça para ter o direito de me ver. Eu achei muito triste a forma como ela conta, porque meu pai na verdade, quando ele estava com a minha mãe biológica, ele já estava com a Silvia, que é a que eu chamo de mãe também, que me criou, e eu falo que ela é louca, porque aceitou uma criança de outra mulher. Ela disse que quando eu nasci, ela saiu para comemorar com meu pai o meu nascimento. Eu fui nascer no interior justamente porque minha mãe aqui estava sozinha, e meu pai parece que não deu muito suporte para ela. Eu fui para o interior e lá minha mãe me registrou só no nome dela. Depois ela voltou e eu fiquei um tempinho com a minha avó para ela se organizar aqui em São Paulo, depois ela me buscou. Minha mãe sempre trabalhou muito, ela é… Agora ela se aposentou, mas minha mãe era doméstica. Meu pai me levou quando eu tinha dois anos e minha mãe diz que foram quatro anos lutando na justiça pelo direito de me ver. Meu pai sempre teve muito dinheiro nessa época e ele era muito bem relacionado, então ele conseguiu o que poucas pessoas conseguiam, que foi um registro de nascimento quando eu já tinha três anos, no nome dele e da esposa dele. Teoricamente isso é algo impossível, mas meu pai conseguiu o impossível. Disseram que simplesmente esqueceram de me registrar, e eu fui registrada junto com a Patrícia, que é a minha segunda irmã. Ela nasceu em julho e aí foi quando registraram as duas. Colou na época, e isso é o que eles me contam. E como meu pai tinha muito dinheiro, cada vez que a justiça achava meu pai, ele mudava de casa. E eu lembro que a gente mudava muito mesmo. Então ele mudava de casa, mudava de casa… Até que depois de quatro anos, ele não conseguiu mais. Minha mãe não conseguiu reaver a minha guarda por dois motivos. Primeiro porque meu pai tinha muito mais condições na época, eu estudava em escola particular, e a casinha da minha mãe é a mesma que ela mora até hoje, uma casa muito simples, muito humilde. E como eu não entendia, porque eles nunca me contaram essa história, quando o juiz veio conversar comigo, eu não reconhecia ela como mãe, então eu não queria ficar com ela, porque na verdade eu não sabia da minha história, então para mim ela era uma estranha. "Com quem você quer ficar?", eu respondi, "com meu pai, né?", porque para mim era a resposta mais óbvia. E eu acho que só quando eu tinha uns 15 anos é que fui entender a minha história de verdade.
P/1 – Como foi que você entendeu? Foi em uma conversa com...
R – Eu sentei e conversei com a minha mãe. Acho que foi a primeira vez que a gente sentou e conversou sobre tudo isso. Ai, vou ficar emocionada. Então foi, é… A primeira vez em que eu vi minha mãe com olhos de filha. Eu comecei a entender o tanto que minha mãe abriu mão de muita coisa para ter aqueles momentos comigo. Para ela foi muito difícil. Eu não entendia muito bem, até então eu achava que ela era culpada e que ela não me quis, porque era isso que eles me contavam, que ela não me queria, que ela me abandonou, que meu pai me pegou para cuidar de mim, porque ela me deixava largada com uma vizinha que me maltratava… Então sempre foram histórias muito duras. Quando eu tinha 15 anos que sentei e foram minhas primeiras férias cumpridas, vamos dizer assim, que eu passei com a minha mãe.... Porque eu sempre a via nos finais de semana, mas foram as primeiras férias cumpridas mesmo, passei acho que dois ou três meses com ela. E aí, eu resolvi sentar e conversar com ela. Eu fui questionar o porquê daquilo tudo e a gente conseguiu conversar. Eu lembro que foi em uma madrugada. Minha mãe passava roupa, estava passando roupa, e a gente passou uma madrugada inteira conversando. Minha mãe passando roupa na cozinha… E foi muito libertador conversar com ela sobre tudo isso. Eu demorei um tempo para aceitar a história dentro de mim e para entender que minha mãe não era culpada, para entender que o único culpado naquela história realmente era meu pai e que meu pai infelizmente não era uma pessoa boa, enfim. Isso causou muita mágoa na minha mãe, em mim, nos meus irmãos… Eu tento até hoje não culpá-lo, e não é fácil, mas acho que essa mágoa de… Porque foi uma parte muito importante de mim que me foi tirada. Inclusive o direito de ter o nome da minha mãe na minha certidão. Eu acho isso muito… É triste, na verdade isso é triste.
P/1 – Como ficou sua relação com seu pai depois que assim, você soube exatamente o que tinha acontecido?
R – Praticamente igual. Meu pai não é uma pessoa que conviveu muito com a gente. Meu pai sempre foi… Meu pai é muito egoísta, ele sempre foi. Ele pensa nele sempre em primeiro lugar, então é aquilo que está bom para ele. Eu acho que fiquei mais revoltada, então endureci muito meu coração com ele depois dessa época e comecei a não aceitar as coisas que ele me falava, mas como a gente já quase não convivia mesmo… Porque ele separou. Quando eu tinha 14 anos mais ou menos, ele separou da Sílvia, que é… Eu começo a nomear, porque se não fica "minha mãe, minha mãe", e a gente não sabe de qual mãe que estou falando. Ele se separou da Sílvia quando eu tinha mais ou menos 14 anos, e aí a gente quase não o via mesmo. Quando a gente se via, era sempre muito pouco e muito rápido, não só a mim, mas aos meus irmãos, mas eu lembro que endureci muito com ele, de não acreditar mais tanto naquela figura do pai.
P/1 – E aí você veio para São Paulo, morou com sua mãe um tempo, depois sozinha e foi trabalhar com telemarketing. A gente volta para esse ponto. Aí...
R – Aí eu fui trabalhar com telemarketing e vendia um monte de coisas. Se não me engano, a primeira foi cartão de crédito que fui vender. E era muito gostoso aprender a ser cara de pau de ligar para as pessoas e oferecer um cartão de crédito. E eu descobri que era boa nisso. Gosto de falar, gosto de me comunicar, gosto de me entender com pessoas. Foi muito legal. Depois, eu fui vender óleo lubrificante e passei muito tempo vendendo produtos automotivos. Produtos automotivos não, era mais óleo lubrificante mesmo. Passei mais de um ano. Depois, acabei aceitando uma outra oferta de emprego, pedi demissão dessa empresa que eu estava, e foi uma decepção muito grande, porque deu tudo errado e fiquei um tempo desempregada aqui em São Paulo. A pessoa que é muito orgulhosa passa muitas vezes apuros sem necessidade. Na época, eu achava que não era orgulho, eu achava que não tinha o direito de dar preocupação para os meus pais, porque afinal eu já estava morando sozinha. Nessa época que eu pedi demissão e acabei desempregada aqui em São Paulo, foi uma época muito difícil. Graças a Deus não durou muito tempo, mas foi uma época muito difícil, porque como eu pedi demissão, não tinha direito a nada. Não tinha direito a seguro desemprego… Então recebi meu último salário, fui trabalhar naquela empresa, fiquei lá dois ou três meses mais ou menos e fiquei desempregada. O que eu tinha para passar o mês era aquilo que sobrou. Eu lembro que um dia eu passei fome de verdade, então foi muito, muito duro. Eu lembro que naquele dia eu não tinha força nem para levantar. Eu tinha um miojo dentro de casa, era a minha última refeição. Eu levantei, acho que era umas quatro horas da tarde, fiz o miojo e voltei para a cama para dormir, porque era o que tinha. Eu lembro que alguns dias antes, eu tinha comprado pão, manteiga e tudo, e comprei uns miojos, porque na época era barato e não gastava muito gás para fazer… Porque tinha que economizar tudo. O dinheiro acabou e eu falei assim, "gente, eu tenho manteiga na minha casa e não tenho dez centavos para comprar pão". Na época eu morava em uma pensãozinha. Eu morava em um quarto na verdade, com banheiro coletivo. Um tempo antes disso acontecer, no quarto ao lado estavam morando duas moças, que eram colegas de trabalho, e eu não sei porque cargas d'água a gente começou a conversar e cada uma estava contando sobre a sua jornada. Eu falei, "estou desempregada e tal, e hoje é um dia bem difícil" - foi no dia seguinte… Aliás, foi um pouco mais tarde, no dia do miojo, já de noitinha. Eu não lembro porque elas bateram, elas queriam me perguntar alguma coisa e a gente começou a conversar. Eu falei, "ah, está sendo bem difícil, porque eu estou desempregada e hoje não tenho dez centavos para comprar pão. Amanhã não sei o que vai ser da minha vida", elas falaram, "ah, a gente tem um dinheiro aqui para comprar pão, mas não tem manteiga" (risos), falei, "manteiga tem na minha geladeira". Eu lembro que foi essa troca de gentilezas entre pessoas que se conhecem assim, do nada. Eu não lembro nem o nome delas. Foi aquilo que me salvou naquela semana. Depois eu consegui um dinheirinho emprestado com um amigo meu. Emprestado dado, porque ele nem me cobrou por saber da minha situação, com aquilo eu consegui passar o resto do mês e aí consegui um trabalho. Eu fui vender computador (risos) também com telemarketing. Eu fazia mais telemarketing receptivo e fui vender computador. Graças a Deus de lá para cá, a gente já passou perrengue, mas não igual àquela época. Foi a época mais difícil da minha vida, bem puxado.
P/1 – Você sempre trabalhou com venda?
R – Sempre trabalhei com vendas.
P/1 – E voltou a estudar em algum momento?
R – Só depois que a minha filha nasceu.
P/1 – Você estudou o que?
R – Fui fazer Administração de empresa.
P/1 – Com que idade?
R – Ixe, isso foi em 2010… 36 anos, 35 para 36 anos.
P/1 – E o que te levou a fazer… Como é que você decidiu "agora vou estudar"?
R – Então… Eu queria fazer alguma coisa a mais na minha vida. Nessa época em que eu fui estudar, eu não morava mais em São Paulo, fui morar no interior de Minas, que é onde a Silvia, minha mãe, estava com meus irmãos. Aliás, com duas irmãs só. Meu irmão nessa época já não estava mais com ela, já tinha mudado e voltado para o Rio. Porque depois de uma época em que minha mãe se separou do meu pai, ela foi para o interior de Minas, porque a família dela é de lá. Lá ela tem casa, enfim, não precisava pagar aluguel, e é uma cidade pequenininha, onde todo mundo conhece todo mundo, então para ela iria ser mais fácil. Aqui em São Paulo estava muito duro para ela, muito difícil. Família muda muito… Estava no Rio, foi para São Paulo, enfim, a gente sempre passeou muito entre Rio e São Paulo. Quando a minha filha nasceu, depois de um ano eu me separei do pai dela e isso me deixou emocionalmente muito abalada, emocionalmente me deixou muito abatida, e eu queria um colo de família, precisava desse aconchego da família. Essa conexão emocional eu não tinha com a minha mãe aqui. Além do mais, aqui na minha mãe, ela não tinha como me receber, porque estava sempre na mesma casa, muito pequenininha e nessa época, minhas outras irmãs já tinham filhos. Apesar de serem mais novas, já estavam com filhos, enfim. Então não tinha espaço físico na minha mãe para ela me receber com a minha filha e eu fui embora para o interior. Lá no interior eu comecei a trabalhar… Eu tive sorte, porque lá só existem três empregos: ou você tem muita sorte de conseguir emprego em uma loja local, ou você dá muita sorte e vai trabalhar na prefeitura, ou você vai para a roça. Bom, capinar, colher e plantar café, eu não sei. Fui estudar para fazer prova a prefeitura e comecei a trabalhar em PSF, eu era agente de saúde e descobri que não servia para trabalhar na área da saúde como enfermeira, médica… Não era a minha cara, mas eu gostava dos papéis, porque agente de saúde cuida de pessoas, mas cuida muito de papéis. Eu descobri que gostava daquilo ali. Se falasse para organizar o setor, era comigo mesmo, era com a Janaina mesmo fazer essas coisas, e eu decidi que iria fazer Administração, "é o que quero fazer". Fiz o ENEM e consegui bolsa para estudar Administração de empresas e fui estudar. Na época, eu...
P/1 – Onde?
R – A faculdade era a Unicoc, acho que só tem lá em Minas, acho que não tem para cá para São Paulo, pelo menos eu não lembro. Se tiver, é só no interior. Fui fazer Administração de empresas e era uma faculdade a distância, então a gente só ia uma vez por semana e tinha que viajar, porque a unidade era na cidade vizinha. Eu tive muita sorte, porque a prefeitura fornecia um ônibus para gente ir. A cidade onde a gente morava, era uma cidade muito pequenininha, tão pequena que não tem nem linha de ônibus, tudo se faz a pé. Para o pessoal poder estudar, a gente tinha que ir para Passos, que fica a mais ou menos uma hora e pouca de distância e a prefeitura fornecia o ônibus para gente poder ir e voltar. Eu ía toda quarta-feira para a faculdade para poder estudar, fazer as aulas presenciais, e de resto, eu só estudava em casa. Quando eu passei, lembro que meu pai deu um computador para gente poder estudar, para poder fazer a faculdade. Comecei a estudar e foi muito gostoso, porque a gente pensar que depois de anos sem estudar… Eu lembro que quando fui fazer o ENEM, achava que eu não iria conseguir grandes notas, porque afinal de contas eu tinha me formado em 94 no ensino médio. E aí, 16 anos depois você quer fazer uma faculdade? Era um desafio muito grande. Claro que eu estudei em casa, mas não era a mesma coisa. Fui fazer faculdade e foi muito bom, foi muito gostoso. Você descobrir que você pode voltar a estudar, que está tudo bem… Acho que o que me dava mais força é que eu não queria ficar ali para sempre onde eu estava. Eu sabia que ali, apesar de ser muito gostoso, e de ser uma cidade que me acolheu, minha filha não tinha um futuro grande ali, porque eram opções muito limitadas. Se eu quisesse dar uma coisa a mais para minha filha, eu teria que sair dali. Eu sempre amei São Paulo. Na minha cabeça, São Paulo até hoje é a terra da oportunidade, mas eu sabia que se viesse para cá nas mesmas condições, só com ensino médio e com uma experiência com telemarketing que não sei se iria fazer diferença quando voltasse para cá para São Paulo… Então eu resolvi estudar, porque eu queria realmente fazer alguma coisa de diferente, "vou estudar, vou fazer uma faculdade, vou adquirir experiência para quando eu voltar para São Paulo, eu poder ter um emprego legal para minha filha poder estudar e poder fazer a faculdade que ela quiser".
P/1 – Por que você tinha ido morar em Minas? Por que você escolheu essa cidade?
R – Porque minha mãe estava lá, escolhi a cidade porque minha mãe estava lá e queria essa aproximação com a família mesmo, eu precisava disso, eu precisava desse apoio da família naquela época. Quando eu me separei do pai dela, me senti muito mal, me senti muito enfraquecida e eu precisava desse apoio.
P/1 – Como foi essa história do seu relacionamento que gerou uma filha? Onde você conheceu? Como foi essa história?
R – Bom, eu conheci o pai da Nicole… Eu morava em uma casa de aluguel… Ele é de Goiás. Ele já tinha morado aqui em São Paulo, voltou para Goiás e nessa época, ele voltou para São Paulo novamente e foi morar na casa de cima da minha. A gente se conheceu em um dia. Eu lembro que fui passar o fim do ano lá no interior com a minha mãe - ela já estava lá na época -, mas foi assim, coisa de poucos dias. Eu sei que 15 dias depois que a gente se conheceu, a gente já estava morando junto. Foi um relacionamento relâmpago. A gente já estava morando junto depois de 15 dias que a gente se conheceu. Foi muito intenso, foi tudo muito intenso, mas hoje eu entendo que de certa forma foi um relacionamento muito abusivo psicologicamente falando, foi um relacionamento muito tóxico, porque nessa época de fim de ano, eu lembro que fui para a casa da minha mãe, porque saí do emprego aqui. Eu fui mandada embora da loja que eu trabalhava, fui passar o fim de ano na minha mãe, voltei… Então eu estava em casa. Como ele já morava comigo, eu recebia a rescisão, estava com um dinheiro bacana, então eu dei uma relaxada, vamos dizer assim, "eu vou me permitir, já trabalho há tantos anos, vou me permitir ficar um pouquinho dentro de casa" e acho que isso me colocou em um lugar muito submisso. Eu comecei a ser tratada e comecei a me ver como uma pessoa menor. Eu lembro que tinha um armário de cozinha que achava lindo e paguei caro naquele armário, era o meu dinheiro, então eu montei a minha casa. E aí, eu comecei a ser tratada como burra, porque eu paguei caro naquele armário. "Nossa, mulher não deve fazer negócio", e aquilo foi se internalizando mesmo. Eu comecei a ser tão dependente daquela pessoa… Ele me começou a apontar tantos defeitos que eu não sabia que eu tinha, que eu comecei a me sentir dependente dele. Acho que foi um dos motivos de que quando separei, fui embora para o interior, porque eu precisava de alguém para me dar esse apoio. Eu levei anos para entender o que tinha acontecido na minha vida, levei muito tempo para entender que aquilo não tinha sido legal, que aquilo não tinha sido bom. Hoje eu entendo quando mulheres demoram a sair de relacionamentos abusivos, porque a gente se sente mesmo nesse lugar de incapacidade, acha que realmente ele tem razão, que a gente é burra mesmo, que a gente é incapaz de verdade e que a gente precisa de uma outra pessoa mostrando como deve viver.
P/1 – Daí você acabou Administração e como foi o primeiro trabalho depois da faculdade?
R – Então eu fui trabalhar com meu pai. Saí do interior de Minas, e fui para o interior do Rio, porque lá a cidade onde meu pai mora até hoje, Itaperuna, é uma cidade maior e lá ele tem uma empresa, então fui trabalhar com ele para administrar essa empresa dele. Eu fiquei com ele acho que uns três anos mais ou menos.
P/1 – Era empresa de que?
R – Ele tinha uma empresa de leilão de veículos. Depois, nesse meio caminho, eu ajudei ele a montar outra empresa dele, que é uma de logística reversa, que é a que ele tem até hoje lá, administrá la uma cooperativa de catadores, enfim, trabalha com reciclagem. Fui trabalhar com e morei com ele por mais ou menos um ano ou um ano e pouco. Depois fui morar sozinha com a minha filha em outra casa de aluguel, um apartamento só para nós duas. Morei com ele… Trabalhei com ele durante esse tempo e foi difícil também, foi muito difícil. Foi nessa época que eu descobri o que significa "a fruta não cai longe do pé" para o meu pai, qual era o significado disso tudo. Apesar de ser formada em Administração de empresas, apesar de estar administrando a empresa dele, para ele eu sempre iria ser a filha da empregada doméstica, a mulher que não tinha estudos, e não dá para levar a sério uma pessoa que é filha de uma empregada doméstica. O que eu falava, entrava por um ouvido e saía pelo outro, porque não tinha valor, "o que se pode esperar de uma menina que a mãe não tem estudo?", minha mãe tem o terceiro ano primário. E esse era o meu pai… É! Então ele tratava os filhos, e trata os filhos, de acordo com aquilo que a mãe é. Meus outros três irmãos são pessoas que até têm potenciais, tadinhos, mas a minha mãe, como é uma pessoa que largou tudo para ser dona de casa, é uma mulher preguiçosa que não quer saber de trabalho e que gosta de esbanjar dinheiro, meus irmãos são iguais. Não dá para confiar em pessoas desse jeito. Meus outros dois irmãos mais novos, como a mãe deles foi estudar, foi fazer faculdade e é diretora de escola, aos meus irmãos tudo se tem, porque deles dá para esperar bastante coisa. Meus irmãos… Enquanto a minha irmã tinha dificuldade lá em Minas e passava fome, meu irmão estava fazendo intercâmbio nos Estados Unidos, porque ele merecia, porque a mãe dele era uma pessoa que tinha estudo e ajudou meu pai a crescer na vida. É esse dicotomia que a gente vive na minha família. Por isso muitas vezes quando a minha mãe biológica me conta alguma coisa do meu pai, eu sei que ela tem razão.
P/1 – E hoje você está morando onde e com quem?
R – Hoje mora eu e minha filha ali na zona leste, na comunidade, como o pessoal gosta de falar, mas a gente diz que é um dos melhores lugares para de morar. O pessoal fala muito mal aqui da zona leste, "comunidade", tem muito medo, mas gente, não acontece nada de mal. É muito gostoso, as pessoas respeitam. Hoje de manhã, antes de vir para cá, a gente sentiu cheiro de… O menino estava fumando o baseadinho dele, mas assim, está lá no cantinho deles, não mexem com ninguém. Se a gente não mexer com eles também, ficam quietos. É super gostoso. Ali onde eu moro, aquele espacinho ali é seguro. Eu tenho a liberdade de deixar minha filha lá e saber que nada vai acontecer, porque ela está bem, porque ela está segura. É uma casa pequenininha, mas é nossa. É nossa assim, eu pago aluguel, mas a gente consegue pagar o aluguel, construímos nossas coisas trabalhando bastante...
P/1 – Qual bairro?
R – Vila Buenos Aires. É um pouco depois da Penha, Cangaíba… E naquele miolinho.
P/1 – Como que é o seu dia a dia, a sua rotina hoje?
R – A minha rotina é muito dentro de casa. Pandemia… Quando eu voltei para São Paulo, não fui trabalhar, não consegui trabalho e fui fazer outras coisas. Eu acabei me tornando maquiadora. Eu lembro que logo depois que eu briguei com meu pai, que a gente teve uma briga muito séria e eu decidi que aquela era a hora e eu voltar para São Paulo, achei que com meu currículo eu iria arrumar emprego aqui rapidinho, só que não, foi muito engano da minha parte, porque com 40 e poucos anos, você está velha para o mercado de trabalho. Como com ele, eu não trabalhei de carteira assinada, então eu não tinha experiência formal para comprovar a minha experiência. A grande maioria das entrevistas que eu consegui, que foram poucas, quando me chamavam para a entrevista, a pergunta era, "com quem fica com a sua filha?", "se ela ficar doente, quem cuida dela?". Na época eu já vendia cosméticos, então acabou virando o meu plano A, mesmo sem eu querer, porque durante muito tempo eu trabalhei vendendo esses cosméticos, mas querendo voltar para o mercado de trabalho. Eu fui criada para ser funcionária, não fui criada para ser empresária. Então eu queria voltar para o mercado de trabalho, mas lembro que tinha algumas clientes aqui em São Paulo que queriam comprar maquiagem, mas elas não sabiam se maquiar. Eu fui aprender sobre maquiagem para vender maquiagem para elas e acabei descobrindo uma grande paixão, então acabei me tornando maquiadora, e foi muito gostosa essa época. Trabalho com algumas outras coisas, mas até hoje eu sou maquiadora. Então quando veio a pandemia, acabou o trabalho, porque eu não faço… Até faço maquiagem para eventos sociais, casamento, debutante… E isso também acabou, porque foi tudo cancelado, mas eu faço muito desfile, books, que também foram todos cancelados. Trabalho com eventos, eu sou auxiliar de produção de feiras artesanais de uma moça, a Fabíola, e todas foram canceladas, então quando começou o meado de março, a Janaina ficou sem trabalho. Foi duro, eu falei, "gente, não é possível, quando a gente finalmente está engrenando, quando as coisas estão começando a andar, vem uma paulada de novo da vida". Só que foi bom por um lado, porque eu comecei a tirar do papel algo que as pessoas já estavam me pedindo há muito tempo, que era os atendimentos online. Eu comecei a entender, dando aulas de automaquiagem online, mas o grande barato da coisa não foi esse. O grande lance assim, que transformou a minha quarentena… Eu estava escutando hoje o jornal, que já tem gente falando "quarenterna", porque não acaba nunca. O grande barato foi que no meio desse meu processo de autoconhecimento e de muitas coisas, eu acabei conhecendo o Reiki, e me tornei uma terapeuta de reiki já tem uns dois anos mais ou menos, três anos quase que me tornei terapeuta, mas eu não atuava como. E no ano passado, teve um dia que eu acordei passando muito mal e achei que estava infartando, e isso me deixou extremamente desesperada, porque sou só eu e minha filha. É lógico, tenho meus irmãos e sei que se alguma coisa acontecer, eles vão estar lá e não vão abandoná-la, mas é só eu e ela. A Nicole tem muitos sonhos ainda pela frente. Eu falei, "gente, eu não posso morrer". Ela me xinga até hoje porque diz que eu não contei para ela que eu estava passando mal e eu passei mal sozinha. Eu não queria deixá-la desesperada.
P/1 – Que idade ela tem?
R – Agora ela está com 17, ela tinha 16. É claro, é minha companheira e me ajuda muito, mas é uma adolescente e eu não queria preocupá-la. Eu lembro que passei a noite inteira mal, com aquela dor no peito e falei, "bom, se o negócio piorar, eu cutuco", mas passei a noite inteira orando, rezando e pedindo pelo amor de Deus para não morrer. Ela foi para a escola e eu fui para o médico. Cheguei lá no hospital e falei, "olha, estou com dor no peito", "está assim, assim e assado", e eles correram comigo, fizeram exame e o médico falou assim para mim, "tenho uma boa notícia, não é infarto, você não está infartando, é um refluxo que você está tendo, mas sim, é por conta de tudo isso aí que você está passando, essa ansiedade", eu estava em um momento de produção muito grande, com muitas coisas acontecendo. E eu resolvi resignificar tudo isso na minha vida, então voltei a trabalhar com o reiki em mim, me auto aplicar como eles ensinam a fazer as auto aplicações. E aí, eu fui conhecer o mindfulness e me apaixonei, voltei a meditar, comecei a frequentar as reuniões semanais de mindfulness e decidi que queria trabalhar com aquilo também, eu queria trazer esse movimento para outras mulheres empreendedoras. Esse movimento de parar, porque conversando, depois de tudo isso que aconteceu comigo, eu comecei a conversar com as pessoas e entendi que nós que frequentávamos ali aquele coworking de mães empreendedoras, a gente está mais ou menos todo mundo no mesmo barco, querendo fazer tudo ao mesmo tempo, precisando fazer tudo ao mesmo tempo e precisando parar sem saber como para, como que se cuida da gente mesmo. Então está todo mundo nesse movimento dessa busca dessa paz. Eu falei, "vou trazer esse movimento também, vou mexer e trabalhar com isso". E aí, quando veio a pandemia, a gente fez um evento na quinta-feira. Foi nosso primeiro evento, eu fiz em parceria com uma amiga minha. Nós fizemos o evento na quinta-feira, foi super gostoso. Nós fizemos um workshop de mindfulness e produtividade. Na segunda-feira foi decretado lockdown aqui em São Paulo, e a já gente tinha mais dois eventos engatilhados. E aí, eu tirei tudo do papel, tanto os eventos de automaquiagem online, que eu comecei a dar aula online de automaquiagem, como comecei a dar aulas de meditação, porque eu comecei o curso de facilitadora de meditação e comecei a trabalhar com as pessoas com a meditação online e aplicando o reiki a distância. Então eu criei uma jornada de reiki com meditação. Atendo online, envio o material por Whatsapp e faço aplicações à distância, porque já sou mestre em reiki, então posso aplicar à distância. E esse movimento cresceu mais do que o da maquiagem. Quase não dou aula de automaquiagem, não estou tendo essa demanda, porque acho que já é um movimento das pessoas de menos produtos, enfim. Elas se cuidam muito, mas não usam muita maquiagem em si. E mais essa procura de autoconhecimento, de parar, de ter um tempo para si mesma, então acabei criando uma segunda empresa, vamos dizer assim. A primeira é a Lapidaria, que é a de maquiagem, e agora criei a Rios de mim, que é esse movimento de meditação com reiki, que já está crescendo. Meu dia a dia é esse, eu levanto, vou fazer minhas meditações, vou fazer a minha oração, faço minha meditação e aí vou trabalhar, produzir conteúdo, preparar as aulas, basicamente dentro de casa. Acho que eu saio de casa uma ou duas vezes por semana no máximo.
P/1 – E você fez um podcast também, "Rios de mim"?!
R – É, eu criei o podcast "Rios de mim", e é engraçado, porque quando nasceu a "Rios de mim" com esse nome, era para ser o podcast, não era para ser a empresa. Virou empresa, porque a demanda acabou aparecendo. Por isso que virou empresa, e o podcast acabou ficando meio de lado. Eu criei o podcast acho que em abril, quando eu fiz uma oficina de podcast. Eu já queria fazer, mas estava meio naquela, "faz ou não faz", ainda tem aquela coisa meio, "ai, será que eu dou conta? Será que eu consigo? Será que dá certo sem equipamentos, sem condições de fazer", aí fui enrolando e fiz a oficina. Na oficina, ele faz a gente criar o canal na hora, e vai ensinando, "agora você espalha e faz isso". A oficina foi online, porque foi em abril, "então vocês fazem isso, fazem aquilo", e ao mesmo tempo que eu criei um canal de podcast, eu criei um Instagram, que era a porta de comunicação, então criei os dois para segurar o nome. E aí, fui criando conteúdo no Instagram para chamar as pessoas para o podcast. Só que o podcast não saía e eu comecei a ter contato com bastante gente para falar desse trabalho que eu estava fazendo de meditação. Quando eu fiz o curso de facilitadora de meditação, foi muito gostoso. Eu lembro que participei de uma live em que eu fiz uma meditação ao vivo, e lembro que quando terminei a meditação, o pessoal me agradeceu muito, e a moça que estava hospedando, me recebendo no Instagram dela para a live, me agradeceu e me disse que estava super leve e super tranquila, que ela iria dormir bem. A gente desligou, minha filha virou e falou para mim, "mãe, você nasceu para fazer isso". E eu descobri que minha segunda grande paixão é realmente conduzir meditação, eu amo e as pessoas começaram a me procurar, "como é que funciona isso aí? Estou precisando". O podcast nasceu agora, terça-feira. Tem dois dias que foi ao ar o primeiro episódio, que é "O segredo da beleza oculta".
P/1 – Sobre um filme, né?!
R – É, um filme chamado "Beleza oculta", com o Will Smith, que eu tinha assistido na semana passada, assistindo uma segunda vez. Na verdade, o primeiro episódio não iria ser sobre isso. Eu iria contar porque a "Rios de mim", trazendo a reflexão desse auto conhecimento. Só que quando eu assisti ao filme eu falei, "gente, o primeiro episódio não tem que ser sobre essa história, o primeiro episódio tem que ser isso", então eu fui contar… Porque nesse meio tempo de mindfulness, eu descobri um livro chamado "Autocompaixão", que é muito mais do que autoestima, é a gente sair desse lugar de ser muito cruel com a gente, de estar sempre se cobrando muito, de nada estar muito bom, da gente achar que não está pronto, da gente achar que não está certo, da gente… Se comete um erro ou um deslize, a gente se bate de uma forma muito cruel. Então esse primeiro episódio é sobre isso, sobre a beleza oculta nas pequenas coisas, trazendo à luz os três conceitos e autocompaixão, que é a bondade, a humanidade compartilhada e a atenção plena, que é o mindfulness. Então a idéia são episódios bem curtinhos. Ele tem seis, quase sete minutos. São pílulas, eu estou chamando de "pílulas de reflexão". Tem que ser uma história curta para a pessoa parar e pensar mesmo naquilo que a gente quer trazer.
P/1 – E como foi a escolha do nome "Rios de mim"?
R – Olha, para falar a verdade eu não lembro muito bem, mas foram aqueles bate papo com a minha filha. Apesar da pouca idade, a gente tem conversas muito profundas eu e ela. Acho que a ideia era essa mesmo, de… A gente estava falando sobre fazer transbordar aquilo que a gente tem de melhor, e eu falei, "nossa, Nicole, o que você acha de Rios de mim?", e ela falou, "mãe, eu acho lindo, acho que tem que ser isso mesmo", é de fazer transbordar aquilo que a gente tem de melhor, a nossa melhor essência. A nossa essência, mas na sua melhor versão.
P/1 – E você falou que você foi criada para ser funcionária. Quando é que você descobriu que você era empreendedora? Como foi essa descoberta?
R – Bom, em 2017, quando eu percebi que eu não iria voltar para o mercado de trabalho mesmo, eu tive a oportunidade de fazer um curso chamado Empreendedorismo com ferramentas de coach. Quem ministrava o curso era a Paula, e ela tinha feito parte do programa Dez mil mulheres, uma querida, uma fofa. Ali eu descobri porque eu achava que eu não dava conta de ser empreendedora. Na verdade assim, eu sempre fui empreendedora, uma empreendedora amadora, vamos dizer assim. Porque apesar de eu trabalhar, eu sempre quis uma renda extra, então eu sempre… Eu já vendi cosméticos, já vendi… É porque eu não sei se pode falar a marca, mas enfim (risos), aquela marca famosa de potinhos, eu já vendi. Até hoje eu tenho produtos em casa.
P/1 – Pode falar, não tem problema.
R – Pode? Então, eu fui vender Tupperware, vendi Avon, vendi Natura, vendi Mary Kay, vendi Contém um grama… Eu sempre gostei, sempre gostei de um dinheiro extra. Acho que desde os meus 16 anos que eu revendo produto. Eu lembro que uma das ferramentas que a Paula aplicou na gente era justamente a nossa linha do tempo, e a gente escrever coisas em fases da nossa vida que nos marcaram. Era para escrever coisas que nos marcaram de forma negativa, e eu lembrei que quando eu tinha 15 anos, eu repeti o primeiro ano do ensino médio, e eu escutei que por conta de eu ter repetido, que eu só iria servir para lavar banheiro, igual a minha mãe, o banheiro da casa dos outros igual a minha mãe, se é que para isso eu iria servir também.
P/1 – Quem falou isso?
R – Meu pai. É. Aquilo ficou na minha cabeça lá dentro, aquilo criou uma crença muito grande, então eu só serviria para servir aos outros, para obedecer ordens. Quando a Paula aplicou essa ferramenta e eu fui ressignificar, eu lembro que escrevi assim, "não, eu também sirvo para isso", porque eu tinha um ódio tão grande, que eu detestava lavar banheiro. Eu fui entender porque eu odiava lavar banheiro, porque para mim tinha um peso muito pejorativo. Eu falei, "não, eu também sirvo para osso" e fui reconstruindo, mas não foi um processo fácil. Entre você entender e você desenternalizar isso de dentro de você, é um processo meio grandinho. Eu ainda levei um tempinho para profissionalizar, tanto que eu não criei uma identidade visual, eu atendi as pessoas e não… Me via sim como profissional, mas uma profissional amadora, eu ainda não acreditava muito na minha capacidade. Eu já era maquiadora, já estava trabalhando com isso...Tanto que eu cobrava super barato, eu cobrava R$30,00 reais em uma maquiagem, porque era o dinheiro da passagem e dos produtos, e para mim estava bom. Eu demorei um tempo para entender que eu podia e deveria cobrar mais caro pelos meus serviços, porque o que eu fazia era bom, porque eu fazia super bem, porque eu faço muito bem aquilo que eu faço, porque é algo que eu gosto… Eu demorei mais ou menos um ano ainda para entender esse processo de sair do empreendedorismo amador, porque mesmo depois que a Paula aplicou essa ferramenta, eu ainda era amadora e não percebia, eu ainda estava no caminho de profissionalizar o meu trabalho, mas ainda não entendia que ainda era muito amador tudo que eu fazia. Não em termos de entrega, mas em termos de como eu lidava com tudo isso. De não criar… Mesmo que eu não tivesse um CNPJ, de não criar uma empresa, de não ter uma identidade visual, de não ter um controle financeiro… Era tudo muito amador, ainda como se fosse só uma segunda renda. Eu demorei a começar a aprender a como constituir o preço do meu serviço, porque para mim era isso, tinha que cobrir o preço da passagem e dos produtos. Como os produtos já estavam comprados, para mim era tudo lucro, então tirando os R$10,00 reais da passagem, R$20,00 reais eram lucro. Depois eu comecei a cobrar R$50,00 reais, porque as coisas começaram a ficar mais pesadinhas e esse era um valor que as pessoas pagavam. No final de 2018… No finalzinho de 2017 ainda, depois que eu fiz o curso com a Paula, que foi em junho/julho, acho que foram três meses mais ou menos, algumas pessoas que conheci nesse curso, me levaram para reuniões de mulheres de negócio, era um encontro de mulheres empreendedora da zona leste, da zona norte e da zona oeste. Eu comecei a frequentar essas reuniões de mulheres empreendedoras. Eram quatro mulheres fantásticas, a Milene, a Cris, a Cátia e a Mirtes, que condenavam essas reuniões e me mostraram o que é empreender com profissionalismo. Nessas reuniões, eu comecei a entender o que era ser uma mulher de negócios realmente, o que era empreender como profissional, entender como eu monto a minha planilha de custos, como eu calculo o preço do meu serviço, como que eu cobro pelo meu serviço, como que eu me valorizo como profissional. E ali, foi quando a minha vida realmente começou a ser transformada. Aos pouquinhos eu fui me entendendo, eu fui melhorando como profissional, fui me erguendo como uma profissional e me colocando como uma profissional de maquiagem no mercado. Eu fui começar a conquistar a minha clientela e começou a acontecer uma coisa muito bacana, que era minhas clientes começarem a me indicar para outras pessoas, e ali eu fui entender que estava sendo referência e estava realmente me portando como uma profissional, de cobrar o preço justo por aquilo que eu fazia. No final de 2018, em setembro ou outubro mais ou menos, por conta dessas reuniões, eu comecei a frequentar muito o Sebrae e tive a oportunidade de fazer o programa Mais mulheres. Ali nasceu a Lapidaria como empresa. Quem desenhou minha primeira logo foi minha filha, era um JR em preto e dourado, e ali eu comecei a profissionalizar e a me transformar em uma marca. Porque eu lembro que um dia em 2018, eu estava indo com a Milene de um evento para outro e queria entender… A Milene trabalha com marketing digital, cria sites e tudo, e eu queria entender o que era essa tal de marca, eu ainda não sabia o que era essa tal de marca. Ela falou assim, "Janaina, é toda a identidade da sua empresa. Tudo que você visualiza, bate o olho e as pessoas entendem que é você, mas também é mais que isso, Jana, porque hoje você vende cosméticos, você vende Mary Kay, mas se amanhã você parar de vender Mary Kay, quem é a Janaina? Quem é a Janaina além desses cosméticos? Eu sei que você é maquiadora, mas hoje você se vende só como consultora Mary Kay". Aquilo ali deu um estalo tão grande na minha cabeça, e foi quando eu comecei a querer criar minha logo, criar minha identidade… Logo depois eu tive a oportunidade de participar do programa Mais mulheres e aquilo foi muito bacana. A gente teve… O programa Mais mulheres foi feito em três etapas. A primeira falava muito da gente, das nossas competências e habilidades como pessoas, como mulheres, e depois como empreendedoras. A segunda etapa, foi um programa chamado De Estúdio, que é um plano de negócios, e ali efetivamente eu entendi tudo que eles queriam me ensinar sobre quais os custos que eu coloco, os meus custos pessoais, tudo que tem que ir para o papel. Se eu quero criar uma empresa, quais são os caminhos jurídicos, legais, financeiros e legislativos que eu precisava caminhar para poder constituir uma empresa de verdade. Então a Lapidaria nasceu ali, ali foi criado o nome. Iria ser só Lapidaria e hoje é JR Lapidaria, que é Janaina Reis. Então a Janaina se tornou uma empresária ali, em 2018. Foi uma grande virada realmente na minha vida, porque a terceira etapa do programa Mais mulheres era uma mentoria de uma empresa chamada B2 Mamy, que é uma aceleradora de empresas para mães empreendedoras. Foi um dia inteiro de mentoria. No final do dia, a gente saía com o Canva. A gente recebeu uma rodada com vários mentores, então elas trouxeram essa visão de fora daquilo que a gente queria levar para dentro da empresa. No finalzinho do dia, iria ter um _______[01:27:16]. Foi muito bonito, porque foi no dia nove de novembro, no dia do meu aniversário e nesse dia minha filha estava comigo. Eu quis levá-la. Como ela estudava, não dava para ficar o dia inteiro, mas naquele dia eu a levei, porque ela já estava de férias, porque graças a Deus também é uma menina extremamente estudiosa. Como ela já havia passado, ainda estava tendo aula, mas ela poderia faltar. Naquele dia era o encerramento de tudo, então eu quis levá-la e ela estava comigo. Quando eu ganhei, eu ganhei o direito de assistir duas aulas da aceleração do programa que chama Pulse, que é o programa de aceleração delas efetivamente. Eu fui assistir na semana seguinte uma aula de marketing digital com a Michele, que é uma das fundadoras da B2 Mamy e eu conheci duas meninas… Lógico, conheci um monte de pessoas lá, mas duas fizeram muita diferença naqueles dois dias para mim, que foi a Nívea e a Cat. Elas tinham participado em outra edição do programa Mais mulheres e também tiveram a oportunidade de ganhar e assistir a aula da B2 Mamy. Eu lembro que a Cat falou para mim, "Jana, De Sampa abriu a sua mente, porque muitas vezes a gente vai e nossa mente está assim, quando a gente termina, nossa mente está assim. Aqui na B2 Mamy, ela vai fazer isso. Se você tiver a oportunidade, vem fazer o programa". E elas iriam abrir as inscrições para o Pulse social, porque o programa é uma programa caro e eu não teria condições de fazer. Inclusive custa R$5.000,00 reais o programa. Para mim é extremamente fora da minha realidade, extremamente fora. O Pulse social na época era R$500,00 reais, parceladinho, fatiadinho ainda por cima, então dava para encarar. Eu lembro que falei assim, "eu vou vir fazer, vou passar e vou fazer esse programa". Eu conheci as meninas naqueles dois dias e acabei me tornando muito amiga de todas elas. No final do programa de aceleração, elas têm o demo day, que é quando elas participam da… Elas fazem a apresentação das empresas e mostram tudo aquilo que aprenderam. E como elas sabiam que eu era maquiadora, eu maquiei quatro meninas e a Nicole fosse comigo, eu queria que a Nicole conhecesse. A Nicole foi comigo, a Nicole está sempre comigo. A gente sentada ali na plateia vendo as meninas fazendo, participando… A Cat, que foi uma das que conheci, conheceu como melhor trajetória naquele Demo day. Ela não apresentou, porque não são todas que apresentam. São selecionadas algumas empresas e têm algumas etapas que você precisa apresentar para poder participar e estar no palco, vamos dizer assim. A Cat não foi para o palco, mas ganhou como melhor trajetória, e o troféu é lindo, porque é um abajur em forma de chupeta, que é o símbolo da B2 Mamy. Eu lembro que quando a Nicole viu aquele troféu ela falou assim, "mãe, você vai participar do programa", (porque eu já tinha me inscrito. Mentira, ainda não tinha me inscrito, mas já ia me inscrever, já estava me preparando… Não, tinha me inscrito sim e depois vou contar o que aconteceu. Me inscrevi com a Lapidaria, lógico, e a Nicole disse, "mãe, você vai se inscrever e nós vamos ganhar aquele troféu". Foi muito gostoso, porque aquele pessoal todo me acolheu de uma forma gigantesca e eu e Nicole fomos conversar depois. Elas se reuniram, foram para outro lugar, um barzinho, que a Nicole até pôde entrar. A gente foi de carro com a Michele, que é a co-fundadora da B2 Mamy, e com a Jaque, que cuida da parte da página delas, toda a parte de marketing quem cuida é ela, e a gente foi batendo um papo. Porque o que aconteceu? No dia do start, que é o dia de mentoria, a Nicole estava comigo e ela fez um canvinha para um negocinho dela que ela tinha muita vontade de fazer, que era Happy Colors, e na Happy Colors a gente queria trabalhar com crianças com deficiência, unindo uma grande paixão da Nicole que é a moda. A Nicole ama moda, ela quer estudar isso, então ela criou o canva da Happy Colors, só que ela guardou aquilo ali. Ela contou para mim depois, mas guardou para ela. Naquele dia no carro, coma. Amizade, conversando e tudo, a gente acabou co BT ando para a Michele que ela tinha feito o canvinha dela e ela contou toda a história da Happy Colors. A Michele olhou bem dentro do meu olho e falou, "se eu fosse você, eu inscrevia essa empresa dela, não a sua. Você vai inscrever essa empresa dela aí", e eu tive que correr para fazer a minha inscrição toda de novo e a gente foi selecionada para o Pulse social com a Happy Colors. Eram duas vezes por semana, a cada 15 dias. Foi uma época muito difícil financeiramente falando, porque não tinha muito trabalho, várias coisas aconteceram naquela época e eu estava com pouco trabalho de maquiagem, pouca demanda. Tirar dois dias para ficar lá o dia inteiro era muito difícil, porque muitas vezes têm serviços que você tem que recusar, porque eles acontecem quinta ou sexta-feira e não dá tempo de você fazer, mas era uma escolha. Eu escolhi estar lá porque eu sabia que aquilo iria fazer diferença na minha vida. Quando… Eu lembro que tiveram algumas semanas em que eu estava muito sem dinheiro, eu falei… É quinta e sexta, né?! Su cheguei na segunda e falei, "caraca, entrou dinheiro, como que eu vou passar lá o dia inteiro?", primeiro que é passagem, segundo que é comida, a Paulista não é barata… "Como que eu vou o dia inteiro?". Minha mãe aqui faz pão de mel, faz bolo, enfim, e eu comecei a pegar os pães de mel da minha mãe para vender. Comecei a fazer brigadeiro e fui vender brigadeiro no metrô, porque para mim fazia sentido estar lá. Foi difícil, porque como eu queria tirar a Happy Colors do papel, eu não conseguia focar na minha empresa, então eu não conseguia prospectar, não conseguia… Porque eu estava muito focada, aquilo para mim foi uma transformação em todos os sentidos, inclusive de mindset, então eu queria tirar a Happy Colors do papel e foquei muito nela. A Lapidaria ficou esquecida, então era tipo quando algum cliente lembrava de me pedir um produto que eu ia vender, quando alguém me pedia que eu fizesse uma maquiagem, e eu não estava correndo muito atrás. Tanto que algumas pessoas até esqueceram. Tinha gente que falava, "ai, comprei um produto e esqueci que você vendia". Eu acho que faz parte do processo, fez parte do meu processo, eu cresci muito como pessoa e a Nicole cresceu muito como pessoa também, junto comigo, porque ela estudava de manhã e à tarde ela ia para lá, então foi quando ela aprendeu a andar sozinha em São Paulo. Ela saía da escola, pegava o metrô, eu ia esperá-la. Nos primeiros dias, eu fui buscá-la no metro com medo dela errar o caminho, e depois ela aprendeu o caminho e já ia direto para lá. Às vezes a gente comprava stake, coisas que davam para fritar e comer mais frio, preparava e levava, porque não dava para comer lá todos os dias, todas as vezes, porque era caro. A nossa sorte é que a Nicole tinha o bilhete de escola, então não pagava passagem, dava para ir e voltar. Assim a gente passou metade do ano no começo de 2019. O programa começou dia quatro de janeiro e foi até julho. Nós não fomos para o palco, era o meu sonho ter ido, mas a gente não conseguiu vencer as etapas para ir para o palco. Muita coisa não saiu como o planejado em termos de Happy Colors. Fui feliz sim, porque eu sabia que tinha sido um trabalho muito grande, muito gigantesco estar ali, mas um pouquinho chateada por não ter ido para o palco, claro. A gente está sentado lá na plateia, a gente ganha o prêmio como melhor trajetória e o troféu vai para casa. Não era o troféu como melhor, mas foi um reconhecimento de tudo que a gente passou e de tudo que a gente carregou durante esses seis meses de programa, cinco meses mais ou menos. Foi um final muito bonito. Não foi um final, foi um começo, mas foi o final daquele programa de aceleração, e até hoje a gente faz parte da comunidade B2 Mamy. A Nicole é mini mentora lá, ela vai. Quando tem o start, que é esse dia de mentoria, e é possível por conta da escola e essas coisas, a Nicole vai também e participa da mentoria como mentora. A Michele tem um carinho e fala, "ela é minha mentora, não está aqui a passeio, não está aqui de acompanhante, vocês escutem". A Nicole teve… Hoje a Happy Colors realmente não existe, porque a gente não validou algumas ideias que tivemos. Precisou fazer outras etapas e eu resolvi que precisava ganhar dinheiro. Naquele momento eu não tinha como seguir com a Happy Colors. Ela existe ainda, está de cantinho, está guardadinha, mas eu precisei fazer outros movimentos. E por conta de todo esse pessoal que a gente conheceu, a Nicole acabou participando do Startup Weekend Woman, que foi o primeiro aqui no Brasil com o recorte de meninas. Para mulheres e meninas, vamos dizer assim, então era só para adolescente. Ela ganhou essa participação por conta de que uma das coordenadoras, vamos dizer assim, era mentora da B2 Mamy e ela conseguiu a participação da Nicole na Young Woman. Foi um aprendizado gigante. A Startup Weekend é um fim de semana inteiro, começa na sexta-feira, seis horas da tarde e só termina no domingo, quase dez horas da noite. Vai para casa dormir, claro, mas é um fim de semana extremamente intenso e ela participou do primeiro. Ela criou junto com o grupo dela uma startup literária que acabou não indo muito… Acabou não seguindo adiante. Só que ela foi chamada para o segundo Startup Weekend dela. Foram seis… Teve ________ [01:41:06], que era para adolescentes. Ela já estava com 16 anos, era a mais velha do grupo, que tinha um menino de 12. No Youth, que foi esse segundo, em setembro se não me engano, elas ganharam em terceiro lugar com a startup literária. Elas conseguiram por conta de estar entre os três primeiros, apresentar na IBM, e lá na IBM elas ganharam em primeiro lugar. Elas foram muito… O pessoal que estava… Os jurados, vamos dizer assim, ficaram muito admirados, porque eram os mais novos, foram elas que ganharam em terceiro e o menino que ganhou em primeiro. Ele foi sozinho. Ele era o dono da ideia, a equipe dele não quis ir,mas ele foi sozinho. Os dois mais jovens foram os únicos que conseguiram terminar dentro do tempo, e eles ficaram super admirados. Por conta da pandemia, eles não conseguiram passar o dia lá, mas eles vão ganhar uma mentoria. Ganharam na verdade a mentoria de alguns gestores lá da IBM e por conta da pandemia, está em standby. Por conta disso, a Nicole participa também como mentora lá na casa do B2 Mamy e a Michele fala, "é meu xodozinho, nasceu aqui, foi criada aqui, é mentora, já ganhou dois prêmios de empreendedorismo, então vocês escutem o que ela tem a dizer, porque não está aqui a passeio e não veio acompanhar a mãe". Acho que é isso (risos), é muita história, é muita coisa.
P/1 – Qual a sua relação com a Nicole? Fala um pouquinho dela, de vocês.
R – Ah, a gente é muito amiga, muito. A gente tem uma relação assim, extremamente saudável, nós somos muito unidas. É exemplo, a Nicole é uma menina que não me dá um pingo de trabalho mesmo, a Nicole é completamente fora da caixinha, fora da curva, ela não é uma adolescente comum, nunca foi de bagunça, vamos dizer assim. Sempre escolheu muito bem as amizades, ela conversa com todo mundo, é uma pessoa muito querida, as pessoas gostam muito dela, e ela gosta de conversa, ela gosta de se relacionar com pessoas, mas nunca foi de me dar trabalho, então ela conversa com todo mundo, mas sabia muito bem, sempre soube distinguir quais aqueles que ela poderia acompanhar ou não. Ela não bebe, não pensa em beber, enfim, não me dá esse tipo de trabalho. Se experimentou bebida alguma vez… Ela diz que não, mas pode ter acontecido, deve ter sido só um golinho e nunca me deu trabalho, porque sempre chegou cedo em casa, e a gente sempre conversa de tudo, a gente tem um relacionamento bem aberto. É claro que eu entendo que uma adolescente não conta exatamente tudo, ela tem os segredos dela, coisas que divide só com as amigas, coisas que divide só com o namorado (que hoje ela já está namorando), a gente sabe disso. Só que de uma maneira geral, eu sei que quando a coisa fica muito difícil, vamos dizer assim, ela corre para mim. É para mim que ela vai pedir conselho, é comigo que ela conversa. Quando ela quer esse olhar de adulto e de mãe, ela sabe que pode contar comigo e eu não me preocupo com isso, porque eu sei que quando o assunto for mais sério e que ela realmente precisar de um conselho mais adulto, é a mim que ela vai procurar. Eu lembro que no ano passado, quando a gente estava no programa de aceleração, tinha uma moça que brincava, a Renata, porque ela tem uma filha mais ou menos na idade da Nicole, "nossa, vou deixar a minha filha um ano contigo para ver se você devolve uma Nicole para mim" (risos). É um criança fantástica… Criança?! Já é uma adoelscente, maravilhosa, quase mulher já, vai fazer 18.
P/1 – Você praticamente educou ela sozinha. O pai ajudou ou ajuda?
R – Nada, a gente não sabe nem onde ele está. Ajudou em uma época, mas assim, ajuda… Tinha mês que ele mandava R$10,00 teias e achava que estava bom. Eu lembro que teve um mês que ele mandou um dinheiro, acho que era uns R$50,00 reais, uma coisa assim, e ele falou com ela. Ela era pequena nessa época, mas já conversava e tudo, devia ter uns seis ou sete anos mais ou menos. Ele falou, "Ah Nicole, papai mandou um dinheirinho para você. Você pede para a sua mãe para o que você precisar". Eu acho que ela queria uma sandália, alguma coisa assim, e eu falei, "ah filha, não dá, porque a mamãe está sem dinheiro". Ela olhou para minha cara e falou assim, "cadê o dinheirinho que meu pai mandou?", eu falei, "é minha querida, bem dinheirinho mesmo, né? Está vendo essa caixa de leite? Foi o que deu a comprar", porque a Nicole era intolerante a lactose, então na época ela tinha que tomar leite de soja e é bem mais caro. Falei, "é isso aí, o dinheirinho que seu pai mandou só deu para comprar isso", ela olhou para minha cara, "é?", eu falei, "é!" (Risos). É uma relação inexistente. Eu nunca neguei contato, então todas as vezes que ela a procurou, eu sempre deixei. Foi algo que minha família brigou muito comigo e falava, "ele abandonou, não quis saber", porque quando a gente se separou, ela tinha um ano e ele nunca mais a viu. Ela está com 17, e ele não a viu mais. E aquela revolta de família, "não ajuda, não tem que deixar falar", e eu falei, "não, eu vou deixar falar, porque depois que crescer, nenhum dos dois vai olhar para a minha cara e dizer que ele não teve contato porque eu não deixei", então eu sempre deixei. Hoje ela tem muito claro que se ela não tem contato com ele, é porque ele não quer, não porque eu proibi ou porque eu não deixei. Isso para mim sempre foi uma questão inegociável, porque eu lembro que quando a gente se separou, ele disse para mim, "não me proíbe de ser pai da minha filha", e eu falei para ele, "você vai ser pai dela enquanto você quiser ser pai dela, eu jamais vou proibir", e eu mantive isso, para mim era uma questão moral. Até a minha irmã, por exemplo, a Vanessa, que a gente sempre brigou muito, nem quando a gente estava brugada eu proibi minha filha de falar com ela. Eu acho que são coisas independentes, as relações são independentes. Eu briguei com a minha irmã, mas ela a minha filha, então quer sair? Eu lembro que ela falava assim para a minha mãe, "pergunta se eu posso levar a Nicole para tomar sorvete" (risos), "pode, pode ir". Não vou proibir, gente, vou falar para a minha filha, "não vai, porque eu não falo com ela"? Vou proibir uma criança de tomar sorvete com a tia? Pelo amor de Deus. E a mesma coisa com o pai. Hoje a gente nem sabe se está vivo ou se está morto.
P/1 – E qual a sua relação com a zona norte? O Mil mulheres que você fez parte...
R – Ano passado, na zona norte, porque assim, eu morei um tempo na zona norte, e roi onde eu construí praticamente toda a minha relação de trabalho. A maioria das minhas clientes estão lá, entre zona norte e zona oeste. Eu morei por muito tempo lá e é o Sebrae que eu mais frequento, por isso que praticamente tudo que eu faço é e da zona norte. Eu quase não faço nada na zona oeste, apesar de ter vindo morar na zona leste por conta de custo de vida mesmo. Onde eu moro hoje é muito mais em conta, muito mais barato e teve uma época em que as coisas estavam muito difíceis e eu optei por voltar para cá. Aqui é tudo mais fácil, tudo eu faço a pé que é tudo pertinho. E eu achei que compensava quando eu fosse para lá gastar esse valor de passagem, até porque na zona norte é muito grande e onde eu morava, já tinha esse custo de passagem, então eu fui reduzir o custo de vida. Eu fui frequentando… Tudo que pode no Sebrae eu frequento. Tem muita coisa acontecendo lá, tem encontro de mulheres empreendedoras que são do Sebrae da zona norte ali em Santana. Ano passado a Adriana, que é uma das gestoras de lá, me falou que iria ter a Semana Mei… Porque o Mil Mulheres é feito em duas etapas: primeiro a Semana Mei, vamos dizer assim, "sei vender, sei comprar, sei controlar meu dinheiro", são cinco oficinas e você participa em cinco tardes e ali você conta qual a história de negócio de impacto que você quer fazer. Eu coloquei… Na época, eu estava saindo da B2 Mamy, ainda com a ideia da Happy Colors muito fresca na minha cabeça. Eu pensei, "é uma oportunidade a mais da gente fazer a Happy Colors caminhar", coloquei a ideia da Happy Colors na cabeça, fui construir um negócio de impacto e passei para a segunda fase do programa Mil Mulheres, isso já no ano passado, em setembro ou outubro, se não me engano. Foi engraçado, porque não foi a Happy Colors. O programa foi construído de uma forma diferente, o Mil Mulheres, então não era sobre o meu negócio, era ensinar mulheres, a maioria em vulnerabilidade, a construírem negócios em rede. Então nós éramos em 25 mulheres. Se construiu cinco grupos de cinco mulheres cada e dentro do programa, que durou um mês e pouco mais ou menos, nós construímos um outro negócio. No nosso caso, a gente construiu… Construiu entre aspas, a gente idealizou uma plataforma que era o Delas para Elas, que tinha a intenção de trazer atendimento e apoio psicológico para as mulheres em situação de vulnerabilidade. A ideia era que quem pudesse pagar, financiasse para quem não pudesse pagar, e a gente iria ter contato com essas mulheres em vulnerabilidade através de associações de bairro, enfim. Mas o nosso grupo não era um grupo muito coeso, e acabou que no final, a gente optou por não levar o projeto adiante. Acho que dois grupos levaram seus projetos adiante e foi bem bacana, mas no nosso caso, não. Nós entendemos que nó estávamos em momentos muito diferentes e a gente optou por não seguir com a plataforma foi cada um cuidar dos seus projetos individuais. Quando a gente faz o Mil Mulheres, a gente passa por uma etapa de capacitação muito grande, é bastante informação que eles trazem, é muito legal. Tem um curso que a gente ganha, que é o Empreenda, que é uma semana com o dia inteiro… Nós tivemos privilégio, porque nós tivemos quatro mentores do Sebrae. Dois que tinham começado o programa três anos atrás e dois que estavam entrando. Esses dois que tinham começado o programa, eles estavam se desligando do programa, trabalhando junto com os dois que estavam começando para poder passar a bola. Então nós tivemos quatro mentores lá dentro e foi muito rica aquela experiência. A gente aprendeu muito, para mim foi outra chuva de informações. Eu vi muita coisa que já tinha visto na B2 Mamy, mas sobre outro olhar, porque como eram outras pessoas que estavam passando, foram outras informações que chegaram para gente. E muita coisa nova também. Como a minha segunda tentativa de tirar a Happy Colors do papel acabou frustrada, vamos dizer assim, porque o Mil Mulheres não era sobre a Happy Colors, mas sobre essas mulheres, eu decidi que iria aplicar todo aquele conhecimento na Lapidaria. E é realmente isso que está acontecendo. Eu resolvi realmente me dedicar 110% para a Lapidaria. A lapidaria tinha que ganhar força, porque eu falei, "gente, eu tenho uma empresa muito bonita, eu faço um trabalho muito bonito, e ele precisa ser realmente meu sustento. Eu preciso sair do pagar as contas para ter qualidade de vida, de proporcionar outras coisas para mim e para a minha filha, porque hoje eu pago conta. Tem mês que tem que escolher o que vai pagar. Não quero mais isso para mim". Parei com as desculpas e falei, "vou aplicar tudo que eu sei na Lapidaria", e foi bem legal, porque eu ganhei uma… Uma moça estava refazendo o portfólio dela de identidade visual, então me deu minha logo nova, que é mais a cara da Lapidaria, que não é só a maquiagem, mas é a questão de trabalhar a autoestima da mulher. A gente acaba complementando na Rios de mim e trabalha muito mais isso, de uma maneira bem mais profunda. A Lapidaria começou a crescer mais e foi quando eu tive aquele quase piripaque (risos) e a gente começou outro movimento, de ressignificação da própria vida.
P/1 – Para mim, essa é uma curiosidade. Não ficou claro o que a… Rapidamente se você puder explicar, o que a Happy Colors propõe.
R – A proposta da Happy Colors era fazer oficina de criação com essas crianças com deficiências para que elas criassem estampas e que essas estampas virassem produtos, camisetas, bolsas, estojos, mochilas, enfim. E aí, foi muito engraçado, porque a gente conseguiu validar, a gente conseguiu fornecedor, a gente conseguiu parceria com uma confecção. Ela forneceu vários tecidos para nós para que essas crianças pintassem aqueles tecidos e ela iria criar produtos exclusivos com aqueles tecidos. Só que a gente não validou na parte das crianças, porque o que a gente descobriu? Essas mães com essas crianças com deficiência, têm muito custo. Mesmo essas que podem pagar, elas têm muito gasto. E uma coisa que muitas mães me questionaram foi, "por que eu vou ter mais esse custo? Para quê essa oficina? Isso aí meu filho já tem", e a gente entendeu que precisava fazer essa oficina de uma forma social, como uma diversão. É claro que nem toda mãe vai pagar para o seu filho se divertir, porque isso ela faz de outra forma, então a gente ficou meio nesse impasse. A gente pensou, "bom, temos que pensar em uma forma de fazer de repente um financiamento coletivo para as outras oficinas saírem do papel", e nessa de "precisamos pensar, precisamos fazer", acabou não acontecendo. Apesar da gente ter validado e ter muita gente que queria os nossos produtos, a gente não conseguiu mães e crianças para fazerem os produtos.
P/1 – Você foi empreendedora de várias formas, né? E continua sendo. Para você, quais as características principais para uma mulher ser uma empreendedora?
R – Resiliência, essa não tem como… Porque não é fácil, nem todo dia dá certo, nem todo dia a gente acorda com energia, nem todo dia a gente acorda sabendo como que vai terminar o dia. Aliás, a gente acorda todos os dias sem saber como vai terminar o dia. Às vezes a gente sabe o que tem que fazer, mas não sabe se aquilo que a gente tem que fazer vai dar o resultado que a gente espera. Eu tenho uma amiga que fala, "empreender é se atirar do precipício e construir um avião no meio da queda", e é bem isso. A gente não sabe se vai chegar lá embaixo com o avião pronto. Eu acho que precisa muito de autoconhecimento para gente empreender, muito, porque o que eu aprendi é que assim, todo mundo que quiser pode empreender, mas nem todo mundo nasceu para empreender. Existem realmente aquelas pessoas que nasceram para ser funcionárias, vamos dizer assim, são excelentes funcionárias, vivem bem com isso e está tudo bem. A gente não precisa se forçar a ser aquilo que a gente não é, a gente não precisa se obrigar a ser aquilo que a gente não quer ser porque não está no nosso DNA, no nosso sangue, vamos dizer assim. Eu aprendi isso lá dentro da B2 Mamy principalmente, porque existe aquela estatística da maior parte das mães que são mandadas embora depois da maternidade. Muitas se tornam empreendedoras e descobrem nisso uma grande paixão e ressignificam a vida delas através do empreendedorismo, mas muitas querem voltar para o mercado de trabalho, e está tudo bem, ninguém é obrigado a empreender só porque o mercado de repente não está preparado. O bom é que hoje já existe esse olhar para essas mães e acho que essa pandemia trouxe muito isso olhar de que sim, uma mulher dá conta de fazer tudo dentro de casa, apesar da gente estar pirando um pouco, mas as empresas começaram a enxergar de uma maneira maior e mais ampla a enxergar essas possibilidades. Acho que as características são essas. Acho que a gente tem que saber se comunicar, é uma coisa que é muito bacana é que a gente precisa aprender a ter parcerias, porque quando a gente se conhece, a gente sabe que não é bom em tudo, a gente aprende que a gente não é bom em tudo. E como resolve? Porque muitas vezes nós achamos que somos empreendedoras e sou só eu e pronto. Como que eu resolvo essa deficiência minha? Parceria. De repente eu não preciso de uma sócia, mas eu preciso de uma parceira. Então por exemplo se eu tenho uma dificuldade com marketing digital, minha comunicação não é tão assertiva, eu vou procurar alguém para cuidar dessa parte de marketing digital e eu posso pagá-la como profissional ou se não tenho dinheiro para pagar, posso propor uma porcentagem, e dizer, "olha, eu tenho um curso para vender, mas não sei fazer isso, não está dando certo e te pago uma porcentagem em cima das vendas do curso, tá bom para você?", e têm muitas que falam, "tá bom". Muitas de nós… A Dani sempre fala que se a gente não está vendendo, está morrendo, mas a gente tem essa dificuldade com a venda. Não são todas as mulheres que conseguem quebrar essa barreira com a venda e às vezes precisamos de alguém que faça esse lado vendedor nosso, de repente precisamos de alguém para cuidar da parte de finanças que é tudo isso… Esse jogo de cintura, essa flexibilidade, até para entender que não está dando conta de tudo, eu acho que tem que ser. Tem dia que eu acordo com um monte de coisa para fazer, mas a cabeça não está legal e eu paro e falo assim, "quer saber? Não vou fazer. Vou dormir", então tem dia de tarde que eu vou dormir, porque minha cabeça não está funcionando e não adianta ficar lá só porque eu coloquei que tenho que fazer. Lógico, a menos que seja um compromisso com o outro. Se for só comigo ou de alguma coisa da empresa, se eu sei que posso adiar umas horas ou deixar para amanhã para a minha cabeça funcionar, vai funcionar muito melhor, porque se eu forçar fazer aquilo ali naquele momento, não vai sair o que eu preciso, vai ficar ruim e amanhã eu vou ter que refazer. Então deixa quieto, hoje eu vou descansar, vou fazer outra coisa. Agora a gente quase não passeia, mas muitas vezes eu dizia, "Nicole, pelo amor de Deus, vamos andar? Estou precisando espairecer, vamos andar", e a gente ia passear no parque. Acho que é muito isso, essa questão de principalmente se conhecer. Eu falo que é a chave da virada da nossa vida é o autoconhecimento.
P/1 – Você também criou um grupo no Whatsapp, o Self Love Club.
R – Isso. Foi o primeiro grupo no Whatsapp que eu criei. E eu criei com a Lisa que é essa minha parceira, que a gente fez aquele movimento. O Self Love Club foi o primeiro grupo que a gente criou para trazer essa questão do autoconhecimento, dessa vida mais calma, mais tranquila, da gente entender que não é multitarefas. Sim, a gente pode tocar muitos projetos ao mesmo tempo. Eu estou trabalhando com duas empresas, sim, a gente tem essa capacidade, mas querer fazer tudo ao mesmo tempo, não é legal. Nosso cérebro não foi feito para isso. Nós fomos criadas para entendermos que damos conta de tudo ao mesmo tempo, porque afinal a gente saiu para o trabalho, mas continua dentro de casa, então a gente cuida dos filhos, cuida do marido, cuida da comida, cuida da casa, cuida do gato, cuida do cachorro, cuida do papagaio, do periquito e da empresa, mas isso está deixando a gente doente. Não é à toa que as mulheres… Agora eu não vou lembrar em termos de porcentagem, mas existem mais mulheres que bebem hoje do que há 10, 15 anos atrás, por conta dessa fuga, porque ela realmente não dá conta, não entendeu e quer dar conta. Isso está deixando a gente muito doente. Não é à toa que a gente anda muito ansiosa, muito estressada, muito nervosa, por conta dessas multitarefas. E ser multipotencial é diferente de ser multitarefas, a gente não é. Então de trazer esse movimento… A gente acaba de repente fazendo as coisas querendo fazer tudo tão ao mesmo tempo, que alguma coisa dá errado, que alguma coisa não sai do jeito que a gente quer e muita coisa a gente tem que refazer. Então de trazer essa consciência de atenção, que se você parar meia hora para fazer uma única coisa, você vai levar menos tempo para fazê-la e ela vai sair bem mais bem feita, vamos dizer assim. Muito dificilmente você vai cometer um erro e vai ter que refazer mais para frente, o que é muito mais produtivo. Porque se antes você levava, por exemplo… Você precisa checar o banco e abre dez abas, está checando email, está conferindo extrato de banco, está respondendo Whatsapp, tudo ao mesmo tempo, tudo na tela do computador. Agora com o Whatsapp Web, você consegue manter a tela do computador. Conclusão, até você chegar ao final e conferir o extrato, às vezes você leva dez horas. Ao passo que se você só abrir a tela do banco para conferir o extrato, você vai levar apenas meia hora, porque você faz aquilo todos os dias. Você acha que se fizer tudo, está sendo mais produtiva, mas não está, porque está levando três horas para fazer algo que poderia fazer em meia hora. Então esse é o movimento de foco de produtividade que a gente queria trazer para o Self Love Club, de entender que se ela tirasse 10 ou 20 minutos para cuidar dela de manhã, para fazer esse exercício de meditação, para trazer esses momentos de autocuidado, o dia dela iria ser muito mais produtivo. É saber exatamente aquilo que ela… Planejar o dia. Claro, é como eu sempre brinco, com a flexibilização que a gente sabe que precisa, a gente iria levar o dia muito mais leve, inclusive entendendo que a gente tem tempo para as emergências e para os imprevistos.
P/1 – E Janaina, o que você acha das mulheres empreendedoras terem sido chamadas para fazer esse projeto de memória?
R – Gente, eu achei super lindo, achei muito bonito, porque é dar voz ao que a gente faz.
P/1 – Só fala o que você achou super bonito, porque a minha pergunta não entra, então...
R – Essa ideia de trazer a história dessas mulheres empreendedoras, dar voz para essas mulheres empreendedoras é muito bonito, primeiro porque a gente se sente reconhecido, a gente senta e fala, "uau, alguém além de mim mesma está vendo o que eu estou fazendo. Outras pessoas estão vendo o que estou fazendo e acham bacana. Elas acham tão bacana, que querem que eu conte para inspirar outras mulheres". Eu pelo menos me senti extremamente orgulhosa. Eu lembro que ontem eu estava me organizando, me preparando e pensando que roupa eu iria colocar para vir, e minha filha falou assim… Alguém mandou mensagem. Não sei se foi você… Não, acho que foi a Anne que me mandou mensagem falando do carro, e minha filha falou assim, "tá chique hein, o carro vai vir buscar na porta" (risos). Então assim, a gente se sente extremamente valorizada. Quando que na minha vida eu pensei que um carro fosse me buscar… Eu lembro que o Marcos, acho que foi o primeiro a entrar em contato comigo, me ligou e falou assim, "não, a gente manda um carro te buscar", e eu pensei, "mas eu moro tão longe, agora eu estou morando na zona leste. Será que um carro vai vir aqui me buscar?", "não, não tem problema nenhum". Depois eu fiquei pensando, "ué, por que eu sou menos só porque mora na zona leste?", porque eu perguntei para ele e falei, "mas agora eu moro longe, não moro mais na zona norte. Tem problema? Porque se tiver problema eu vou e vocês me pegam em alguma estação de metrô", e ele "não, não tem problema nenhum, a gente vai te buscar". Quando ele desligou eu fiquei pensando, "por que a gente se sente tão menos só porque não mora na zona norte…", um carro vir me buscar no meio de uma comunidade, apesar de não ter perigo, a gente fica assim, "por que eles viriam me buscar?". Acho que esse carinho e esse cuidado faz a gente se sentir muito valorizada. "Você não é diferente de ninguém. Você está aqui vindo contar uma história e a gente vai te buscar", foi isso que eu entendi no final, foi isso que ficou aqui dentro. Acho que assim, essa oportunidade de contar a minha história… Nem tudo é alegria. Têm coisas tristes, têm coisas que fazem sim a gente chorar, têm coisas que emocionam para o lado bom, mas aquecem o nosso coração, porque a gente sabe que do outro lado, têm outras mulheres que passam por coisas que passei e contei aqui, e que falam assim, "eu não estou sozinha, eu também tenho forças para caminhar, eu também posso ter forças para caminhar". E acho que contar, por exemplo, que levei muitos anos para entender que o que eu sofria era um abuso psicológico… Mesmo quando eu decidi me separar, eu não entendia que eu sofria esse abuso psicológico. Eu só queria me livrar daquilo tudo, eu só queria dar o basta, eu não aguentava mais aquela opressão, mas eu não sabia o que aquilo era exatamente, eu só sabia que aquilo não estava mais me fazendo bem. Foi muito difícil esse caminho. Eu lembro que alguém me perguntou assim, "mas você não ama mais ele?", eu falei, "amo com todas as minhas forças, mas eu decidi que ele não me faz bem e eu não quero mais". Acho que foi uma das decisões mais racionais que eu já tomei na minha vida. Não foi emocional aquela decisão, foi muito racional, mas eu levei muito tempo para entender, eu levei mais de três anos para entender o que tinha acontecido comigo. E eu só entendi na verdade quando uma pessoa muito próxima da nossa família sofreu violência física mesmo. Eu lembro que juntou eu, minha mãe d minha irmã, e a gente invadiu a casa dessa amiga nossa e literalmente tiramos ela de dentro de casa. A gente invadiu e tirou, mas o que a gente pôde carregar de coisas dela nas costas, carregamos. Quando a gente tirou ela de lá e falamos que ela não estava sozinha, ela dizia, "vocês não imaginam do que ele é capaz". E eu entendi que o que ela estava passando, apesar do caso dela ter chegado ao físico, que era aquilo que eu passei, foi aquele abuso psicológico de dizer, "você não é capaz, sem mim você não é ninguém, sua família não te quer mais, sua família te abandonou", porque ele fez ela se afastar da família, porque a família não gostava dele, e ele falou, "só eu te amo, nem sua família te quer. Se eu te deixar, quem vai cuidar de você?", e foram quase cinco anos mais ou menos para eu entender que aquilo que eu tinha passado com o pai da minha filha, foi a mesma coisa. Só ali que a ficha realmente caiu. Acho que poder contar essa história é muito lindo, porque é uma dor minha e têm dias que ainda dói, porque têm dias que eu me pergunto como que eu tão independente sempre, fui morar sozinha muito cedo… No Rio de Janeiro eu já morava sozinha com 21 anos. Como que essa mulher independente que montou sua própria casa, que sempre pagava o aluguel passou por tudo isso? Tem dia que eu ainda me cobro tudo isso e não consigo acreditar que é a mesma mulher. Então às vezes ainda acesso um lugar de dor e mágoa muito grande, que a gente trabalha todos os dias, mas é possível a gente se libertar. Acho que se eu puder ajudar alguém com essa história, e com todo o resto, não só as coisas tristes, mas também as coisas boas, eu cumpri meu propósito de vida e minha missão.
P/1 – Tem alguma história de toda a sua história de vida e de infância, adolescência, fase adulta… Tem alguma coisa que você não tenha contado e que você acha importante?
R – Tem. Uns dois anos atrás mais ou menos… Eu tenho uma tia que é muito querida, minha tia Iraci. É engraçado que assim, a minha mãe é amorosa, claro, mas eu e ela somos muito parecidas, não somos do beijo, do abraço, do dizer "eu te amo". É do tipo, "tá tudo bem? Tá precisando de alguma coisa?", e eu lembro que uma vez estava perto dela e falei… Quando eu estava grávida da minha filha, minha mãe fez um sarapatel para mim. Eu lembro que falei, "nossa, aquela foi a última vez que comi sarapatel, eu não sei fazer esse negócio". Eu cheguei em casa uns dias depois e minha mãe tinha ido na feira comprar as coisas para fazer sarapatel. Ali a minha mãe me contou que ela me ama, quando ela prestou atenção no meu desejo, tirou um tempo e um pouco do dinheiro dela para comprar os ingredientes para fazer uma comida para mim. Eu nem tinha pedido, só lembrei de algo que ela fez para mim quando eu estava grávida. E eu sou assim, sou de prestar muita atenção e perceber o que precisa. E minha tia não, minha tia também tem isso, também tem esse carinho e esse cuidado, mas a minha tia é da conversa, ela é de conversar, minha tia é de contar histórias. Minha tia Iraci é irmã da minha mãe biológica, Iracema. Minha tia que trouxe muitas das histórias da minha família, não muito a minha mãe. É minha tia que me conta e que me contou muita coisa. Infelizmente por conta de pandemia… Minha tia é do grupo de risco, é diabética, tem pressão alta, então ela está realmente isolada dentro de casa e não a estou vendo. É gostoso sentar e conversar, a gente passava horas conversando. Ali eu comecei muito a entender o quanto são importantes essas histórias de família, porque aquilo ficou muito na minha cabeça do tipo, "quem é minha família?". Às vezes eu vou ao médico e me perguntam, "tem histórico de diabete ou de pressão alta?" e eu não sei responder, porque eu não convivi com essa família. Eu sei da minha mãe, da Sílvia, mas biologicamente ela não é minha família, então para histórico médico aquilo ali não serve, vamos dizer assim. Então eu não sei essas histórias, e a minha tia me fez perceber como isso é importante, essa questão da ancestralidade, dessa sabedoria, sentar e ficar escutando aquelas histórias da minha mãe. Eu lembro que minha tia falou assim, que a minha avó também não era dessas conversas e que minha tia sente muito falta de querer saber mais. A minha bisavó é italiana, é imigrante mesmo, ela veio da Itália, mas é só o que a gente sabe. A gente não sabe da história da minha avó, tanto que a gente está tentando investigar para saber em que ano ela veio, se veio com alguém, porque a gente não sabe nada da vida dela. A minha tia diz que o grande sonho da vida dela é esse, descobrir qual é a origem da família. Eu falei, "cara, como isso é importante, você saber a sua história, saber de onde você veio, saber contar não só quem você é daqui para frente, mas quem está por trás de você". E esse foi um movimento que me fez pensar muito e estou começando a correr atrás de devolver para minha mãe algo que é muito importante, que é ter o nome dela na minha certidão de nascimento, que eu ainda não tenho. A minha filha fica dizendo, "corre mãe, porque eu vou fazer 18 anos, tenho que tirar meu RG novo e preciso do nome da minha família e quero colocar o Matavelli aí no meio, né?" (Risos). Porque ela acha muito forte, muito bonito o Matavelli e falou, "não sei que jeito você vai dar, mas quero que coloque Matavelli no meu nome". Então acho que esse resgate… E não é desmerecendo a Silvia, minha mãe, muito pelo contrário, porque eu tenho certeza que boa parte dessa mulher que eu sou, eu devo à criação dela, de entender que ela abriu mão de muita coisa para eu estar lá. Não é fácil você aceitar a filha de uma outra mulher que seu marido teve enquanto já estava com você, e ela me recebeu. Então acho que a Silvia é de uma grandiosidade imensa. Eu até lutei muito para pensar se eu faria isso ou não, porque afinal, foi uma pessoa que afinal de repente abriu mão até dos próprios valores para me receber dentro da casa dela e me criar como filha. Eu sou a filha mais velha dela e ela fala isso para todo mundo, "ela é minha filha mais velha". Poucas pessoas sabem dessa história de que eu sou filha de outra mulher, vamos dizer assim. As pessoas me vêem como filha da Silvia. Então durante muito tempo eu me questionei se isso seria direito com ela, mas depois que sentei para conversar com a minha tia… Eu nunca contei isso assim para a minha tia, mas ouvir essas histórias e em muitas das conversas que tive com a minha mãe depois disso, eu percebi o quanto é cruel para a minha mãe não ter meu nome, eu não carregar o nome dela. Então hoje a gente está vendo como… A gente, não. Eu e minha filha. Minha mãe não sabe disso. É algo que quero muito fazer por ela, porque acho que ela merece, porque também é uma mulher que abriu mão de muita coisa para eu não estar com ela, então acho que ela merece.
P/1 – E Janaina, quais são seus sonhos?
R – Bom, durante muito tempo, meu sonho era o sonho da minha filha. Tem uma história que eu conto, que esse movimento de mulher empreendedora, de profissional de negócios, ser uma mulher de negócios, ele começou porque a Nicole tinha um sonho. No dia em que a Nicole me contou o sonho dela, eu falei assim, "imagina, uma mulher negra, pobre, filha de empregada doméstica, morando no meio de uma comunidade no meio da zona leste de São Paulo, jamais eu vou conseguir realizar o sonho da minha filha", mas eu digo que ela teve muita sorte, porque eu não falei isso para ela. Eu pensei, "deixa que ela descobre sozinha que não vai ser possível. Eu não vou fazer isso com a minha filha". Porque no lugar de muito "não" que escutei quando era mais nova, se eu tivesse escutado "sim" ou pelo menos o silêncio, talvez minha história fosse diferente. Eu pensei nisso, "deixa minha filha descobrir sozinha que ela não pode, porque quem sabe ela pode?". Foi quando começou todo esse movimento de eu participar da DeSampa, depois participar da B2 Mamy, depois participar do Mil Mulheres, depois participar do programa do Sebrae que eu também consegui. Eu lembro que um dia eu estava sentada lá na B2 Mamy, já tinha me formado no Pulse e a gente estava recebendo uma nova turma. Eu lembro que durante o meu programa de aceleração, a gente teve uma aula com a Ana Carnaumba, e ela falou uma coisa para mim que hoje é uma das minhas frases mestres, "sonhos se transformam em metas e metas são inegociáveis". Ali eu comecei a entender que o sonho da Nicole poderia ser possível se eu o transformasse em uma meta inegociável na minha vida. Só que eu entendi uma coisa muito maior, que não era sobre realizar os sonhos da Nicole, era sobre realizar os meus sonhos, todos aqueles que deixei para trás, porque achei que não era capaz, porque achei que não era possível. Porque no dia que eu começasse a colocar meus sonhos no papel, transformasse eles em metas e realizasse-os, eu iria ensinar para minha filha que não importava o que acontecesse comigo, ela era capaz de realizar os próprios sonhos. Hoje, mesmo com muita dificuldade, aquilo que há quatro anos era um sonho impossível, e há um ano, era um sonho que a gente não sabia muito bem por onde começar a conquistar, hoje a gente está conquistando, galgando, porque ele é uma meta que está no papel, uma meta possível, realizável, com data. O sonho dela é estudar moda em Portugal. É difícil, é um sonho desafiador. Era para ir daqui a dois anos mais ou menos, essa era a meta inicial, e por conta da pandemia, a gente não sabe como vai ficar em termos de estudo, mas não importa se vai levar dois anos ou se vai levar três, a gente sabe que ela vai. Acho que esse é o maior sonho. E eu resolvi colocar um outro sonho no papel e transformá-lo em meta. Era um sonho que eu tinha que já estava adormecido, mas no ano passado, quando passei mal, resolvi tirá-lo da gaveta e esse ano ele está ganhando um pouquinho mais de forma, que é fazer o caminho de Santiago de Compostela quando eu fizer 50 anos. É um sonho que já tem data e virou um projeto que chama "50 em Compostela". Nós criamos um Instagram e montamos um time de mulheres para me levar lá. Tem uma preparadora física, tem uma agente de viagens já, e tem uma planejadora financeira, porque sem dinheiro não dá para ir. A gente está contando como vamos sair do zero para chegar até o caminho em maio de 2024. E vai ser uma outra história. Nós criamos o Instagram para contar essa história e levar outras mulheres a realizarem os sonhos delas.
P/1 – Belo sonho, belo sonho (risos). Janaina, muito bom, adorei conversar com você. Sua história é muito rica.
R – Obrigada, gratidão.
P/1 – E te agradeço muito, pelo seu tempo, por você se disponibilizar aqui para contar sua história.
R – Eu que agradeço a oportunidade de poder contar minha história e fazer a diferença na minha vida, na vida da minha filha e na vida de outras pessoas que depois ouvirem. Acho que a vida é feita de histórias e quando a gente pode usar isso de maneira bela, de uma maneira… Mesmo com todas as dificuldades, quando a gente pode transformar isso em uma lição boa, vale a pena ser vivida.
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