P/1 – Primeiro o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Nome completo de novo?
P/1 – De novo, por favor.
R – Anella Catapano Scarpelle. Vinte e cinco de julho de 1917.
P/1 – E o local em que você nasceu?
R – Onde eu nasci? Estados Unidos da América do Norte, Connecticut.
P/1 – Agora o nome completo da sua mãe e do seu pai, Anella.
R – Meu pai é Antonio Catapano, minha mãe Magdalena Scapa Catapano.
P/1 – A senhora se lembra, a data e o local de nascimento dos seus pais?
R – Do meu pai? Eu tenho tudo marcado, eu deixei tudo marcado ali.
P/1 – Não, mas se a senhora não souber de memória não tem problema, não. Só se lembrar.
R – Eu lembro que é mês de janeiro, o dia, parece que é... está marcado, eu deixei tudo separadinho, mas agora.
P/1 – E o local de nascimento dos seus pais?
R – Itália, Nápoles.
P/1 – O seu pai e a sua mãe são de Nápoles.
R – O meu pai e a minha mãe. Antonio Catapano e Magdalena Scapa Catapano.
P/1 – O que seus pais faziam, Anella?
R – Meu pai era negociante. Ele comprava, vendia, comprava e vendia, comprava e vendia.
P/1 – Com que tipo de mercadoria ele trabalhava?
R – Com casas, roupas, ouro.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe era dona de casa.
P/1 – Como é que eles eram como pessoas? Como era o jeito deles? Se você fosse descrever para alguém que não conhece.
R – Ele era uma pessoa muito correta, corretíssima. Um pouco nervoso. Minha mãe era mais calma,muito caseira, muito passiva, muito passiva.
P/1 – E a senhora teve irmãos?
R – Eu tenho. Eu tenho que falar de todos os meus irmãos que morreram e os que ficaram vivos. Eu lembro de todos, só que eu fui a penúltima. Quer dizer, eu lembro só da última que era pequenininha, os outros todos foram acima de mim. O primeiro filho da minha mãe chamava-se José Catapano, ele nasceu aqui no Brasil porque quando eles casaram eles vieram viajar pro Brasil, então esse meu irmão, José Catapano, nasceu aqui no Brasil e morreu no Brasil. Era José Catapano. Tem que falar o segundo?
P/1 – Pode falar.
R – O segundo já, aí depois eles voltaram pra Itália, depois que morreu o neném eles voltaram pra Itália. Aí nasceu o segundo, que era Rafael Catapano. Depois nasceu a terceira, que era de Anella Catapano, mas chamavam ela de Ninella, mas era Anella Catapano. Depois nasceu Maria Catapano. Depois nasceu Carmino Catapano. Depois nasceu Antonia Catapano. Eram dez ao todo, não sei se vai faltar algum. Depois da Antonia Catapano era eu, Anella Catapano, e depois veio a Anunciata Catapano, depois de mim. Contou dez?
P/1 – Não, acho que foi um pouco menos.
R – Ah, esqueci de contar o segundo José. Teve o primeiro José que morreu pequenininho, depois teve o segundo José que ficou adulto, que os meus sobrinhos moram nos Estados Unidos, que ele já faleceu. Tem o segundo José Catapano, é Giuseppe.
P/1 – E eram duas Anellas? A senhora tinha uma outra irmã que também se chamava Anella?
R – E dois José. Quer dizer, um era José, o outro era Giuseppe.
P/1 – E Anella? A senhora falou que a terceira se chama Anella também?
R – A terceira, depois da Anella nasceu a América, que nasceu também nos Estados Unidos. Depois da América nasceu a Maria; depois da Maria nasceu Carmino. Depois do Carmino nasceu a Antonia. Depois da Antonia nasceu eu; depois a última foi a Anunciata. Não sei se deu tudo. Primeiro José, segundo José, Rafael, a Ninella, Anella, a Maria, América, Carmino, Antonia, Anella e Anunciata. Deu dez, né?
P/1 – Deu dez. A senhora sabe quem escolheu o seu nome? Por que a senhora se chama Anella?
R – Porque a minha avó, mãe do meu pai, chamava-se Anella.
P/1 – E qual era o nome dos seus avós? A senhora falou que queria contar um pouco sobre eles, né? Qual o nome dos seus avós?
R – José Catapano e Anella Catapano. Acho que era Catapano porque o sobrenome dela nunca, não perguntei pra minha mãe, não sei se minha mãe falava e eu esqueci, não sei.
P/1 – Esses são seus avós paternos?
R – Avós paternos.
P/1 – E a senhora falou que queria contar a história dos seus avós paternos.
R – É. A história dos meus avós paternos era assim. Meu avô vivia de casas de aluguéis, ele mandava construir casas, vivia de casas de aluguéis. E a minha avó era dona de casa. E o meu avô costumava muito ir nas cantinas, sabe, naquele tempo ia na cantina. E a minha avó dizia: “Não vai na cantina porque agora”, foi na época daquela doença, não me lembro, como era chamada aquela primeira doença que tivemos? Era uma doença que dava disenteria.
R/2 – Cólera.
R – A cólera. Isso, a cólera. E a minha avó falava pra ele: “Não vai na cantina agora porque precisa fazer regime”, mas ele ia na cantina. No fim ele foi na cantina, comeu tudo o que tinha direito (risos), frango, vinho. E assim minha mãe contava, né? Meu pai e minha mãe contavam. Tudo o que tinha direito, depois ele ficou ruim, passou pela casa dele e a minha avó estava esperando ele voltar pra casa e ele foi falando: “Tchau tchau tchau, eu vou para o hospital”, levaram ele pro hospital, ele faleceu com essa cólera. A minha avó morreu antes de eu nascer, eu sei que ela era muito boa para a minha mãe, era sogra, era muito boa para minha mãe. Eram vizinhas também. E não sei mais nada.
P/1 – Eles eram de Nápoles também?
R – Eram de Nápoles, província de Salerno. É Nápoles, província de Salerno, o lugar era Scafati.
P/1 – E a senhora sabe por que seus pais foram pros Estados Unidos?
R – Bom, meu pai foi pros Estados Unidos. Era assim. Ele era negociante, a primeira vez que ele foi pros Estados Unidos já tinha os filhos grandinhos, os que ficam, porque só ficaram quatro adultos, o resto morreu tudo pequeno, sete anos, cinco anos, quatro anos, três anos, assim, tudo pequeno. A última morreu com 30 dias, essa eu conheci. Então eles viajavam assim, tinha os adultos que os meus irmãos adultos eram mocinhos, meninotes, adolescentes. Aí ele foi para os Estados Unidos acho que pra negociar, a primeira vez que foi, né, pra negociar. E lá ele negociava, vendia muito ouro, comprava, vendia ouro, comprava roupas, vendia roupas, comprava casa, vendia casa. E dali tinha meus dois irmãos mocinhos, que era o Giuseppe e o Rafael, mocinho, a primeira vez que foi pros Estados Unidos. Aí eles voltaram pra Itália. Lá na Itália meu pai comprou uma casa e continuava negociando. A segunda vez eles foram para os Estados Unidos outra vez, com os dois filhos mocinhos. Antes de ir pra lá nasceu a Ninella, antes de ir pros Estados Unidos a segunda vez, na Itália. Nasceu Anella, e Anella com sete anos faleceu. Meu pai ficou muito desesperado e foram embora outra vez para os Estados Unidos e chegando lá ficaram um tempo negociando, aí ele veio. Espera um pouco. Aí nasceu a América. A América nasceu lá nos Estados Unidos também. Depois eles vieram pra Itália novamente, vieram todos, né? Comprou casa, montou tudo outra vez. Aí meu irmão tinha feito amizade com os amiguinhos, que já era mocinho, ele começou a ficar triste, doente, o Giuseppe, e aí meu pai pegou e levou ele pros Estados Unidos, só ele, e deixou ele na casa de uma família conhecida, italiana. Deixou ele lá. Ele já tinha seus 15 anos, por aí, e meu pai voltou pra Itália. E lá na Itália nasceu a Maria, depois nasceu o Carmino, depois do Carmino nasceu a Antonia, que lá dizia Antonieta, mas era Antonia, aí foram pros Estados Unidos novamente. Vendeu tudo o que tinha na Itália e foi pros Estados Unidos novamente. Aí lá nos Estados Unidos nasci eu.
P/1 – A senhora se lembra como era a casa em que a senhora passou a infância?
R – Não, eu lembro da casa da Itália, quando voltamos novamente pra Itália, mas dos Estados Unidos só me lembro de uma senhora, que era muito frio e tinha neve e ela usava um gorro verde. Acho que ela me pegava no colo. Eu tenho fotografia, não dessa senhora, eu tenho a fotografia minha de seis meses, mais ou menos. Eu me lembro disso só, dos Estados Unidos só me lembro disso.
P/1 – Quanto tempo a senhora ficou nos Estados Unidos?
R – Nos Estados Unidos? Até três anos.
P/1 – E vocês regressaram pra Itália?
R – Aí voltamos. Não, primeiro voltou meu pai. Meu pai me deixou com três meses, quando eu tinha três meses de nascida meu pai foi negociar outra vez pra Itália e ficamos nós. Ficamos minha mãe, meu dois irmãos que já eram moços, já tinham seu 18, 19 anos. Porque quando eu nasci um deles tinha 17 anos e o outro tinha 16. Então ficaram meus dois irmãos mocinhos, que já estavam trabalhando na, como é que chama aquela?
R/2 – Chrysler.
R – Chrysler, não tem aquela de carros? Eles estavam trabalhando lá e ficou minha irmã Antônia e eu, com três meses. Aí ele foi pra Itália e demorou bastante tempo pra voltar. Quando chegou eu já tinha meus quatro anos mais ou menos. Ele mandava dinheiro pra minha mãe, tudo, não faltava nada pra nós, estávamos bem. Aí a minha mãe achou que ele estava demorando muito, a minha mãe mandou uma carta pra ele, que naquele tempo era carta. Mandou uma carta falando pra ele: “Ou você volta agora ou não precisa voltar mais”. Minha mãe contou isso pra mim quando eu era moça, já, grande: “Ou você volta agora ou não precisa voltar mais porque eu tenho meus dois filhos que são como se fossem dois maridos. Eu tenho dois maridos em vez de um. E são meus filhos”, que eram os dois filhos moços, mais a minha irmã, que tinha três anos mais do que eu. E aí ele voltou, voltou logo. Sabe, ele trabalhava negócios, então quando dava ele vendia tudo e depois voltava lá e comprava novamente, era negociante. Ele voltou. Aí quando ele voltou eu já não conhecia, porque ele me deixou com três meses, voltou quando eu tinha três anos, eu não conhecia ele. Eu lembro que minha mãe contava que ele ia deitar e eu queria que ele saísse da cama, porque quem dormia na cama com ela era eu (risos). Depois fui acostumando, acostumando e ficamos lá até quando eu tinha acho que uns quatro anos, mais ou menos, aí voltamos pra Itália. Só que meu irmão Giuseppe, o mais velho, não voltou. Ele ficou lá nos Estados Unidos com a família italiana, uma família conhecida, ele não quis voltar pra Itália, voltamos todos menos ele. E lá, depois quando eu tinha cinco anos mais ou menos, cinco anos e meio, meu pai resolveu vir pro Brasil, pela segunda vez. Voltou a vir pro Brasil e eu me lembro que ele vendeu tudo, a casa da Itália eu lembro.
P/1 – Como é que era essa casa na Itália?
R – Era fim de rua, um sobrado. Em cima tinha dois dormitórios, embaixo tinha uma sala e cozinha. A escada era por fora, porque naquele tempo não se construía escada interna, construía-se escada por fora. Então a escada era por fora e depois entrava na casa. E o quintal era muito grande, o terreno, os fundos, era muito grande, tinha tudo que era um pomar. Tudo que era qualidade de frutas tinha. Tinha maçã, pera, nozes, avelã, amêndoas, todas essas frutas tinha lá. E tinha pé de figo, tinha parreira de uva. Era um pomar. E me lembro que a minha irmã ficou doente. Precisa contar também, pode contar?
P/1 – Pode contar, claro.
R – A minha irmã Antônia, ela tinha três anos a mais do que eu, ela ficou doente, uma febre muito forte, mas eu não sei o que era. Meu pai chama os médicos, tudo, estavam tratando dela. E a minha mãe, como ficava embaixo, em cima era o sobrado, a minha mãe dizia: “Fica fazendo companhia pra tua irmã”. Eu era muito pequena e ficava fazendo, mas de repente a minha irmã começou a ter convulsões. E eu via ela com convulsões e fiquei com medo e eu me escondia, me escondia porque pensava que minha mãe ia me bater, pensando que eu tinha feito alguma coisa pra ela. E eu começava a me esconder, correr pela casa, me esconder num canto, me esconder no outro, até a minha mãe subir, a hora que ela pôde subir, pra ver, aí viu que era convulsão. Ela teve que fazer um bom tratamento pra depois melhorar, né?
P/1 – E a senhora se lembra da viagem pro Brasil?
R – Lembro.
P/1 – Como é que foi essa viagem?
R – Lembro que meu pai vendeu tudo e daí nós vínhamos pra vir pegar o navio, não sei se era perto, não lembro direito, eu sei que era Nápoles e pegar o navio, não sei a distância, não lembro da distância. E passávamos por umas lojas que tinham vitrines, tinha umas bonecas grandes, bonitas. Aí eu falava pro meu pai: “Ah papai, eu quero uma boneca dessa”. Aí meu pai falava: “Quando nós chegarmos no Brasil eu te compro” (risos). Só que quando chegou no Brasil não comprou, porque as pessoas antigas pensavam em construir, não pensavam em coisas assim, achavam que não tinha necessidade, era mais o bem-estar, comer bem, o bem-estar da família, mas não tinha necessidade de boneca, então eu fiquei esperando a boneca (risos). E no navio, nós viemos de segunda classe, não de primeira, nem de última, de segunda classe. Navio pago, tudo. E no navio eu passei muito mal, a minha mãe também passou muito mal e a minha irmã não, minha irmã não passou mal. E conhecemos lá no navio um casal de argentinos, que eles iam pra Argentina. Era um casal que não tinha filhos. E esse casal ficou gostando tanto de mim, eu tinha meus cinco anos por aí, que eles queriam me adotar. E eu gostando deles, sem conhecer. Eu vivia no colo dela e meus pais não quiseram, logicamente, né? Não iam me dar. E aí seguimos viagem e eu não me lembro se eles desceram antes ou desceram depois, não sei no que o navio parou primeiro, se foi na Argentina ou se foi no Brasil, não lembro direito. E teve uma pane no navio também, um certo dia teve uma pane. Lembro que todo mundo ficou com medo, mas depois ficou tudo bem.
P/1 – Quando vocês chegaram no Brasil vocês chegaram onde?
R – Nós chegamos primeiro no Rio, no Rio de Janeiro, parece que deu uma parada, ficou uns dias parado. Aí conhecemos laranja-bahia que na Itália não tinha laranja-bahia e ficamos conhecendo a laranja-bahia, uma laranja grande e bonita, né? Ficamos dias no Rio e depois o navio seguiu pra Santos. Lá em Santos descemos do navio, aí meu pai pegou um táxi. Não, meu pai primeiro precisou esperar sair os baús porque ele trouxe uns quatro ou cinco baús, sabe esses baús? Cheio de roupa de enxoval. E naquele tempo roupa de enxoval era roupa tudo de linho, lençóis bordados, colchas bordadas. Roupa de enxoval pra vender pra quem ia casar, né? Então trouxe uns quatro ou cinco baús e teve que esperar liberar os baús pra depois. Pegamos o trem, parece que pegamos o trem e viemos até a estação da Luz, aí tivemos que esperar chegar a bagagem também. De lá meu pai pegou um táxi e fomos pra casa do meu tio, irmão do meu pai, que ele era italiano, mas ele veio muito menino, mocinho. Creio eu que ele veio junto com meus pais quando meus pais vieram a primeira vez. Meus pais vieram a primeira vez, ele era muito mocinho, veio, ele acabou ficando e meus pais voltaram, creio eu que foi assim. Porque ele era mais novo do que meu pai, ele acabou ficando e casou-se com uma senhora, moça, ele era moço, casou-se com uma moça que era viúva. Ela se chamava Angelina. E meu tio criou a filha dela como se fosse filha dele. Eles moravam na Rua Augusta, esquina com a Alameda Jaú. E daí eles tiveram filhos, tiveram Amélia, José, Carmino, Luís. Pera aí. Amélia, Josefina – esqueci da Josefina – Carmino, Luís. Quatro filhos eles tiveram. E uma das filhas formou-se professora, é a Josefina. Aquele tempo que dizia formava professora. E o meu tio, lá na Rua Augusta mesmo, só que agora está reformada, agora fizeram um andar acima, mas a casa está lá ainda. Fizeram mais um andar acima depois que venderam, os herdeiros venderam. Na parte da frente tinha um salão de sapateiro. Ele era artesão, fazia sapatos a mão. E fazia meia sola também. Então ele ganhava dinheiro desse jeito, conseguiu estudar a filha.
P/1 – Vocês foram morar com eles? Quando vocês chegaram no Brasil vocês foram?
R – Quando nós chegamos no Brasil nós fomos morar com eles nos primeiros dias, primeiros 15 dias moramos na casa dele. A casa era assim, de Rua Augusta com Alameda Jaú, mas o terreno era grande, então ele construiu um sobrado no fundo do lado da Alameda Jaú. Aí meu pai alugou dele o sobrado na Alameda Jaú enquanto ele, meu pai, comprou o terreno aqui no Jabaquara, na Rua Ibituruna e começou a construir. Enquanto isso nós moramos lá, até que construiu. E nesse entremeio o meu irmão Giuseppe, que estava nos Estados Unidos, veio pro Brasil, então ficou um tempinho, um mês, dois meses, ficou lá morando. E meu irmão Giuseppe, eu lembro que ele me levava no Trianon, levava eu e minha irmã passear no Trianon. Ele era muito sossegado, muito passivo, sabe? Ele pegava nós e levava nós no Trianon. Primeiro mês que ele chegou.
P/1 – E como era o Trianon naquela época?
R – Trianon eu não sei porque eu quase não vou no Trianon mais, eu nunca mais fui no Trianon. Era cheio de árvores, cheio de flores. Tinha muitas babás porque lá na Avenida Paulista era tudo gente rica, tinha babás e as babás iam levar os nenéns passear no Trianon. E o meu irmão Giuseppe paquerava as babás (risos). E a gente ficava brincando lá no Trianon. O Trianon era muito bonito, já naquela época era muito bonito, tinha muitas árvores, muitas flores. Era um parque, era um parque muito bonito. Era pertinho da Rua Augusta, o Trianon é pertinho da Rua Augusta, né?
P/1 – E a Rua Augusta, como é que era na época? Quais são as lembranças que a senhora tem?
R – Minhas lembranças, eu acho que já era calçada. A Alameda Jaú que não era calçada, mas a Rua Augusta já era calçada com aqueles, macaco, como é que chama? Como é?
P/1 – Paralelepípedo?
R – É, paralelepípedo, é. A gente falava macaco (risos), mas era paralelepípedo, a Rua Augusta. E a Alameda Jaú não era calçada, era terra ainda. Depois de muito tempo é que calçaram. E passava sempre um carrinho de mão vendendo frutas, parava lá na minha tia e a minha tia comprava as frutas. E comprou banana também. E eu não conhecia o que era banana, porque na Itália não tinha banana. Na época não tinha, não sei se tem agora (risos). Na época não tinha laranja-bahia e não tinha banana. Eu falei: “Meu Deus, que fruta é essa?”, a minha tia deu para eu experimentar, para eu comer, aí eu conheci o que era banana. Minha tia era muito boazinha, muito amorosa, tratava muito bem a gente. Meu tio, minha tia, meu tio era irmão do meu pai e ela era casada com ele. Muito boazinha. É o que eu posso falar de lá da Rua Augusta.
P/1 – E a senhora se mudou pro Jabaquara com a sua família com quantos anos?
R – Foi menos de um ano, acho que em seis meses o meu pai já comprou o terreno lá na Rua Ibituruna e já mandou construir dois quartos, cozinha e banheiro. E na frente deixou um espaço e atrás bastante espaço. Era um terreno que pegava quase duas ruas, chegava na metade, quase pegava a Rua Paracatu. Passava só um terreno no meio pra pegar a Paracatu. Então meu pai construiu os dois quartos, cozinha e banheiro, aí nós fomos morar lá. Fomos morar lá, meus irmãos foram trabalhar na Ford do Brasil, meu irmão Giuseppe também, mas só que ele não acostumou. Trabalhou um pouquinho só, um mês, dois meses, por aí, ele falou que não, que aqui no Brasil só se comia arroz e feijão, que ele não gostou de trabalhar. O Brasil em si, ele não gostou, aí ele quis voltar. Meus pais não queriam que ele voltasse. Nessa época eu tinha seis anos. Eu tenho que dar uma paradinha (emocionada).
P/1 – Claro, pode ficar tranquila, pode parar. Podemos retomar. A senhora estava falando que seu irmão Giuseppe quis voltar pros Estados Unidos.
R – Ele quis voltar. Meus pais não queriam que ele voltasse, ele voltou escondido da minha mãe e do meu pai, ele pegou e foi. Quando chegou em Santos ele mandou um telegrama para os meus pais que o navio já estava lá esperando ele e que mandassem a mala dele com a roupa dele. Aí meu pai teve que mandar a mala dele, a roupa dele e ele foi embora. Não se despediu de ninguém (emocionada). Eu tinha cinco anos e meio, seis anos. Nunca mais vi ele (emocionada, chorando). Desculpa.
P/1 – Imagina, a senhora fica tranquila, eu espero.
R – Porque ele era muito bom, muito bom, demais. O outro já era mais nervoso, o outro ficou. Ficou trabalhando lá na Ford. Aí depois ele mandava cartas que estava muito bem e tudo, meu pai mandava dinheiro pra ele, ele trabalhava também lá, acho que trabalhava no mesmo lugar que ele trabalhava primeiro. E depois veio, passou uns tempos, aí veio a Revolução do 24, que eu tenho documento aí, que se chama Revolução Esquecida.
R/2 – Aqui no Brasil.
R – Revolução Esquecida, que era a Revolução de 1924. Nessa revolução, eu lembro ela perfeitamente. Fizeram uma trincheira na Vila Mariana e quem passava da trincheira pra lá, da Vila Mariana pra lá era fuzilado. E justamente nessa ocasião meu pai brigou com meu irmão, aquele que estava aqui. Porque naquele tempo não podia se chegar tarde em casa e na época que nós estávamos morando na casa da minha tia, passando duas casas lá da Rua Augusta morava uma família italiana e meu irmão, o Rafael, o segundo, se enamorou dessa moça chamada Emília. E ia namorar, o certo, né? Mas meu pai era muito enérgico, exigente. Sabe, italiano, antigamente, muitos anos atrás. Meu pai brigou com ele, falou pra ele que não era pra voltar. Ele voltou às dez horas da noite, dez horas ele voltou pra casa, depois do namoro. E meu pai falou que não, se era pra voltar às dez horas que não voltasse mais. Ele não voltou mais, ele foi morar na casa da minha tia, que era lá perto da casa da noiva, ele passava duas casas e tinha a noiva. Aí estourou a Revolução de 24, que se chama Revolução Esquecida. E daí eles casaram na época da revolução. Os pais dela chamaram o padre em casa, fizeram um altar dentro de casa, chamaram os padres da Imaculada Conceição. É Imaculada Conceição que chama? Como é que chama aquela igreja?
R/2 – Paraíso?
R – Igreja mesmo, Imaculada, no Paraíso. Paraíso, é. A Igreja Imaculada. E fizeram o casamento, eles estavam casando, mas ninguém sabia nada, do nosso lado meus pais não sabiam nada. Eles casaram. Aí meu irmão não voltava pra casa e meu pai falou: “Eu vou lá na Rua Augusta, quem sabe ele está na casa da tia”, era cunhada dele, “Quem sabe ele está lá”. E quando chegou na Vila Mariana o soldado, tinha uma trincheira e o soldado falou: “Olha, se você passar daqui pra lá você é fuzilado, da Vila Mariana pra lá”. E na hora que ele falou isso passou, como é que chamava? Naquele tempo era granada. Não era granada, era um outro nome, não sei como chamava. Era uma arma que passava assim, esqueci o nome dessa arma, acho que era granada. Passou assim. Aí meu pai falou: “Bom, eu tenho que voltar porque não adianta ir pra lá procurar, se eu vou pra lá eu sou um homem morto, então eu volto”. Voltou pra casa. Aí depois que acabou a revolução é que ficamos sabendo que tinha casado. E na época da revolução era racionamento, tinha que ficar na fila do pão, o povo ficava assim de povo tudo querendo avançar no pão na padaria. E eu, menina, eu com a minha irmã, eu tinha meus seis anos, por aí, porque eu nasci no 17, até o 24 tinha sete anos, né? Eu ia com a minha irmã ficar no meio daquele povo pra pegar um pão. Pra pegar não, pra comprar, não era pegar. Mas era pra poder, no meio do povo. E era tudo assim, sabe, era tudo racionado e ruim de pegar. E a turma que morava longe, que tiveram tempo de fugir pra lá pro Jabaquara, ficavam tudo lá no Jabaquara porque não tinha revolução lá, a revolução era da Vila Mariana pra diante, pro centro, a Rua Augusta, Centro, a Praça da Sé, era tudo pro Centro. Pra lá não, pra lá era tudo calmo. Então pessoal que pôde fugir, fugiu tudo pra lá, ficavam nas casas pra lá. Essa revolução não sei quanto tempo durou, não me lembro direito quanto tempo durou. Depois o meu pai quis alugar a casa onde nós morávamos, no dois quartos e cozinha, e fomos morar perto do zoológico, que naquele tempo chamava-se Água Funda, agora se chama Avenida Miguel Estefano. Mas não tinha zoológico, tinha uma igreja chamada São Sebastião.
P/1 – Anella, a senhora se lembra do que a senhora brincava quando era criança?
R – Ah, brincava que nem as brincadeiras que a minha bisneta brinca agora. Ciranda cirandinha, ela brinca disso. Brinca de pega-pega, de esconde-esconde, essas brincadeiras. Como é que chamava? Tinha outra brincadeira, tinha uma outra brincadeira que eu esqueci, é da Rosa e o Cravo, o cravo brigou com a rosa, a rosa ficou doente, o cravo foi visitar. E como era o resto? Esqueci o resto. A rosa ficou doente, o cravo foi visitar... a rosa teve um desmaio e o cravo pos-se a chorar. Era assim mais ou menos, né?
P/1 – E com quem a senhora brincava?
R – Antes de ir pra escola, né? Isso foi na escola que eu brincava. Antes de ir pra escola. Eu fui pra escola, meu pai me pôs na escola com nove anos, muito tarde. Quer dizer, essa brincadeira já era na escola. Eu fui pra escola com nove anos porque meu pai foi morar lá perto do zoológico, lá na Água Funda e ele alugou um, como chama, um empório, armazém, né?
P/1 – A senhora estava contando que o seu pai abriu um empório, né?
R – Abriu um empório e nesse entremeio ele mandou construir lá na Rua Ibituruna mais dois quartos e cozinha, depois daquele dois quartos e cozinha mandou construir mais dois. E continuava trabalhando no empório. E depois ele mandou construir mais um quarto grande e cozinha, no mesmo terreno.
P/1 – E ele alugava esses quartos?
R – Alugava. Alugava e recebia os aluguéis. Depois ele vendeu o empório e fomos morar no primeiro dois quartos e cozinha, fomos morar novamente. Ele mandou construir mais dois quartos e cozinha. Depois ele mandou construir um sobrado na frente, naquele pedaço que tinha deixado na frente, mandou construir um sobrado com baixo e em cima. Em cima nós morávamos, fomos morar, que eram dois quartos e sala, depois tinha a cozinha, descia a escada assim e tinha a cozinha e embaixo tinha o armazém, meu pai abriu o armazém. Armazém, empório, não sei como é que chamava.
P/1 – O que tinha nesse armazém e empório?
R – Tinha secos e molhados, chamava-se naquele tempo. Era arroz, feijão, batata, latarias. E tinha geladeira que antigamente era diferente, era uma geladeira que comprava o gelo. Passava o caminhão do gelo e vendia gelo em pedras. Então meu pai comprava as pedras de gelo e punha naquela geladeira, era uma geladeira própria para empório. Então todo dia passava o caminhão do gelo e meu pai comprava gelo. E meu pai continuava trabalhando lá no armazém. Eu já era mais grandinha, já tinha ido na escola. Aí fui na escola, me lembro da escola. Eu tinha nove anos quando ele me pôs. Aí eu tinha que atravessar a Avenida Jabaquara e ir do lado de lá, mas eu ia. Era uma escola do governo. A minha professora chamava-se dona Carminha, ela era muito boazinha e ela gostava muito de mim. Eu era uma aluna, como diz hoje, puxa-saco (risos). Porque naquele tempo ninguém tinha carro e ela também não tinha carro, então quando ela ia embora, eu carregava a mala dela, para eu agradar ela eu carregava a mala dela até ela pegar o ponto do ônibus. Depois não sei por que o governo fechou aquela escola e abriu do lado de cá, na Rua Fagundes Filho, perto do São Judas, acho que chama Fagundes Filho, se não me engano. Abriu do outro lado e veio uma outra professora, Darci Marques da Silveira, muito boazinha também. Eu tenho cartões que ela me mandou depois que eu saí da escola. De Português, Matemática não, de Português eu era a primeira da classe. Agora já não sei falar mais, agora já falo tudo atrapalhado (risos), mas eu era a primeira da classe, dos alunos. Eu era muito peralta. A gente tinha meio dia de aula só e então eu tinha que ir pra casa, ia de manhã, eu ia de manhã e tinha que ir pra casa na hora do almoço. Eu fui pra casa de uma amiga pra pular corda, o dia inteiro pulando corda. Cheguei em casa era quase anoitecer e meu pai não sabia onde eu estava, minha mãe não sabia onde eu estava; logicamente eu tinha que levar umas palmadas, né, com razão. E uma outra vez eu fui também à casa de uma amiga em vez de ir pra casa. Eu fui pra, como é que fala aquela balança? A gente tinha uma corda, um negócio e a gente senta. É balança que chama?
P/1 – É balança mesmo.
R – Também fiz isso. Também levei as palmadas (risos). Peralta, eu era peralta.
P/1 – E a senhora estudou até que idade?
R – Estudei. Eu queria ser professora, mas meu pai, além de tudo o que ele tinha, ele achava que não tinha necessidade de eu estudar mais. Estudei até o quarto ano sem terminar, que era primeiro, segundo, terceiro, eu estava na metade do quarto ano. Aí meu pai achou que tinha que me tirar da escola para eu ir trabalhar. Aí a professora gostava muito de mim, eu era muito aplicada, Português principalmente, e a professora veio na minha casa, foi pedir pro meu pai: “Não tire a sua filha da escola porque a sua filha tem muito futuro e ela é muito aplicada” “Não, ela vai trabalhar. Precisa trabalhar, precisa aprender o trabalho”. Tá certo, me ensinou o trabalho. Eu agradeço meu pai que ele me ensinou o trabalho, não estudei. Aí, a professora ficou pra lá (risos).
P/1 – E com que a senhora foi trabalhar?
R – Fui trabalhar numa fábrica de meia. Eu tinha 13 anos, não tinha 14 anos completos. Minha irmã já estava trabalhando na fábrica de meia, ela tinha três anos a mais que eu, e eu fui trabalhar na fábrica de meia. Era pespontadeira.
P/1 – Qual é o trabalho da pespontadeira?
R – Pespontadeira tem várias máquinas: tem a máquina que faz o punho, tem a máquina que fecha o punho, tem umas três ou quatro máquinas. O meu trabalho era fechar o calcanhar, isso pré-pespontadeira. Então fui trabalhar. E ainda a gente fazia horas extras também, mas a gente vivia feliz, não se queixava de nada, não faltava nada, meu pai não deixava faltar nada, era do bom e do melhor. Ia no mercado da Cantareira, comprava tudo que era do melhor, tudo que era da melhor qualidade ele comprava, nesse ponto ele era muito bom. Só que ele era muito enérgico, queria tudo certinho.
P/1 – Qual era o nome da fábrica?
R – Fênix. É a fábrica de meia Fênix.
P/1 – E a senhora lembra o que a senhora fez com seus primeiros salários?
R – Ah, eu dava pro meu pai e meu pai me dava mil réis. Naquele tempo era mil réis? Eram mil réis. No fim do mês eu dava pro meu pai e meu pai me dava um mil réis. Eu fui juntando aquele mil réis. Depois meu pai dizia pra mim: “Dá pra mim que eu te guardo, porque senão você perde”. Aí eu dava pra ele e ele guardava. E a minha irmã a mesma coisa, minha irmã também dava o ordenado pra ele.
P/1 – A senhora juntou algum dinheiro e comprou alguma coisa que a senhora queria?
R – Não, depois meu pai faleceu. Consegui juntar 30 mil réis, mas estava com meu pai. Depois eu fiquei mocinha, eu tinha 15 anos quando meu pai ficou doente, teve derrame cerebral. Nós morávamos no sobrado, aí meu pai faleceu, em uma semana ele faleceu. Então os 30 mil réis não sei onde foi parar. Meu pai tinha um baú, daqueles que trouxe da Itália, estava fechado. Tinha muito ouro, muita coisa, muito documento. Eu não sei. Ah, minha irmã já tinha casado, esqueci de falar essa parte, que a minha irmã já tinha casado. A minha irmã casou, eu casei com o irmão do meu cunhado, com o irmão do marido dela. Ele chamava-se Eduardo, ela chamava-se Antonia e meu marido Ramon, e eu Anella. Minha irmã casou em setembro e o meu pai morreu em dezembro. E quando meu pai estava muito ruim, a minha tia onde nós fomos na Rua Augusta, minha tia estava perto da cama, assim, em pé, pondo água na boca dele, tudo, porque ele estava inconsciente porque ele teve derrame cerebral. Estava inconsciente e eu deitada do lado dele. Eu deitada do lado dele, vendo ele, ele faleceu. Eu vi ele falecer. E o baú era fechado à chave, ninguém sabia onde estava a chave e ninguém ficou sabendo o que tinha no baú, o baú sumiu, sumiu tudo.
P/1 – E como vocês fizeram com o sustento da casa depois que ele faleceu? A senhora estava contando como a sua família organizou o sustento?
R – Tinha os aluguéis das casas que estavam alugadas. Só que minha mãe, sabe, antigamente as mães iam muito pro lado dos filhos homens, entende? Porque era só eu que era mocinha, solteira, que morava com ela quando meu pai morreu. Mas elas eram muito assim: “Filho homem manda”. Morreu o pai? Quem vai mandar é o filho homem, entendeu? Então ela pegava todos os aluguéis e levava pra ele. Depois ele mandava mantimento, mandava coisas para nós. Porque antes disso tem uma outra história pra contar que eu esqueci. Porque daí eu casei, né? Eu não contei essa parte.
P/1 – Mas quantos anos a senhora tinha quando casou?
R – Dezenove anos.
P/1 – Dezenove anos.
R – É, já passou, né, esse pedaço.
P/1 – Mas o seu pai faleceu a senhora tinha 15 anos?
R – Eu tinha 15 anos.
P/1 – Então durante quatro anos a senhora viveu com a sua mãe.
R – É, ainda estava morando com a minha mãe.
P/1 – Então antes de contar do casamento, como foi que você conheceu o seu marido?
R – Espera aí, deixa eu contar. Eu já conhecia o meu marido porque ele era irmão do meu cunhado, né?
P/1 – E quando vocês começaram a namorar, como é que foi isso?
R – Foi na Revolução de 32 (risos). Eu ia trabalhar, aí teve um dia que ele veio me esperar para conversar comigo. E a fábrica era toda, porque era a revolução, a fábrica estava toda rodeada de soldados, de Minas, pra tomar conta, porque era Minas com São Paulo. Então pra tomar conta da fábrica era toda rodeada de soldados. Ele veio me esperar, a hora que eu saía da fábrica, aí começamos a namorar. Começamos a namorar namorico, sabe? Um namorico assim, um dia vem, um dia não vem, escondido do meu pai, né? Na época que eu comecei a namorar meu pai estava vivo ainda, meu pai conheceu o meu marido, ele morreu. Meu marido chegou a pagar o... porque depois, o meu marido com a minha sogra, eles foram morar em uma das casas do meu pai. O meu marido morava com a mãe dele e a irmã dele e foi lá pagar o aluguel pra ele, foi lá pagar o aluguel pra ele e ele gostou do meu marido, até ofereceu refrigerante pra ele, tudo. Do meu cunhado ele não gostava, do marido da minha irmã. Passou esse pedaço, quando minha irmã namorava, o meu pai determinou que ela podia namorar das três às cinco, só, de dia das três às cinco. Aí ele passou uns dez minutos da cinco. Meu pai chegou lá perto dele e falou: “Está na hora de sair”. E tinha uma escada no sobrado. Ele desceu aquela escada, se despediu do meu pai. E tinha assim, entre a escada e escada, e aqui tinha aquele. Meu pai ficou lá e ele desceu a escada, chegou lá embaixo na porta ele falou: “Seu Antônio, até domingo”, ele falou: “Até nunca” (risos). E não deixou mais namorar minha irmã e minha irmã começou a namorar escondido, até casar. Depois casou, casou diretinho, na igreja, tudo direitinho, mas contra a vontade do meu pai. E do meu marido ele gostou, quer dizer, era namorado escondido, mas ele não sabia, ele gostou dele, não sei porquê.
P/1 – Quanto tempo a senhora namorou o seu marido?
R – Cinco anos.
P/1 – E como era o namoro de vocês? O que vocês faziam juntos?
R – Ah, era um abraço, de vez em quando uns beijinhos. Namoro antigamente era assim.
P/1 – E passeava? Vocês saíam em algum lugar?
R – É, a gente saía pra passear. Eu ia muito na, onde é, como chama, Avenida Indianópolis? Tem a Avenida Araci. Avenida Araci que chama? Como chama aquela travessa lá perto da Avenida Indianópolis? É Alameda Araci, alguma coisa assim. Passeava assim, a gente passeava muito.
P/1 – Ia ao cinema?
R – Não. Não. Depois que eu namorava meu marido que eu conheci o que era cinema, não sabia o que era cinema, nunca tínhamos ido. Depois que namorava com meu marido um dia ele me levou no cinema. O namoro era desse jeito (risos).
P/1 – E quando é que vocês decidiram que iam se casar? Como é que foi o pedido?
R – Como é que foi? Eu estava contando que meu pai morreu, nós ficamos morando eu e minha mãe. Aí meu irmão que era casado, ele falou: “Morar duas pessoas só num sobrado, pra quê? Vamos alugar mais”, e já pegava o dinheiro que minha mãe levava. Pegar mais dinheiro do sobrado, até pra sobrar mais dinheiro. Ele quis alugar o sobrado e levou nós pra casa dele, que ele morava aqui na Tabapuã. Eu com a minha mãe fomos morar na casa dele. Só que eu era muito rebelde, sou franca a dizer, eu era rebelde e não aceitava certas conversas, certas coisas, eu não aceitava. Então eu chorava, eu ia deitar e chorava na cama, chorava, chorava. Eu falei: “Ai, sabe de uma coisa? Eu vou pra casa da minha irmã”, que a minha irmã já era casada e morava lá onde eram as casas do meu pai, numa das casas do meu pai ela morava lá. Eu fui morar na casa da minha irmã. Passados uns tempos na casa da minha irmã o meu irmão achou que não estava certo eu morar lá porque lá morava o meu namorado. E era namorado assim, namorico. Então eu tinha que ir embora pra casa dele. Eu falei: “Mas eu estou bem aqui”. E a mãe do meu namorado, que era a sogra da minha irmã, ela ia ao meu favor, ela dizia: "Não, ela está bem, pode ficar sossegado. Pode ficar sossegado que ela está bem aqui”. E ela era cega, porque ela ficou cega num dos partos dos filhos que ela teve, mas ela era um amor de pessoa, muito boa. Muito boa e gostava de mim. Mas o meu irmão achou que não, então meu irmão levou a minha tia, aquela tia da Rua Augusta? Levou a minha tia para me convencer. Eu falei: “Eu não quero ir pra lá” porque eu não me senti bem na casa dele. Aí minha tia falou: “Então você vem morar na minha casa”, aí eu fui morar na casa da minha tia. Também na casa da minha tia não estava me sentindo bem, tinha os três primos moços. Sabe como é mocinha? Fica sem graça, você sabe, fica sem graça. Eu falei: “Não está certo, meu Deus do céu, eu tenho vergonha”. Aí fui pra casa do meu irmão, o meu irmão lá no fim da Rua Augusta, perto da Nove de Julho, acho, ele morava lá. Ele já tinha um neném, o primeiro filho. E aí eu fui morar na casa dele outra vez porque a minha mãe morava na casa dele e eu fui morar na casa dele também. Eu vou contar um episódio interessante. Tinha o nenenzinho que era o primeiro filho dele, ele devia ter uns seis meses, por aí. Naquela Rua Augusta era tudo cheia de amora, tinha plantação de amora que era uma beleza, aquelas amoras pretinhas, sabe? E a minha mãe estava com o bebê no colo pra passear na Rua Augusta pra deixar a minha cunhada fazer as coisas, e eu junto com a minha mãe, era meninota, era novinha. Eu peguei o menino do colo da minha mãe, minha mãe não queria que eu pegasse e eu peguei e comecei a fugir, correr, com ele no colo. Pus ele aqui, o Toninho, pai da Emilie. Pus ele aqui e comecei a correr, fugir da minha mãe. E não é que o menino foi pra trás? (risos).
P/1 – E aí?
R – Caiu. Aí o menino desmaiou. A minha mãe catou o menino e correu pra casa da minha cunhada, o menino só voltou quando ela deu o peito pra ele. Era uma das coisas que eu aprontei (risos), tem que falar o que eu aprontei também, né? (risos) Ai meu Deus do céu.
P/1 – E quando a senhora se casou.
R – Depois, aí foi depois.
P/1 – Como foi o pedido de casamento?
R – Eu voltei pra casa da minha irmã, não fiquei lá na casa do meu irmão. Fui pra casa da minha irmã novamente, aí nós estávamos namorando. Então era aquele vai e vem, vai aqui, depois vai ali, depois vai ali, depois vai ali. Eu já estava cansada porque não tinha uma moradia certa. Uma hora: “Você tem que vir comigo”, outra hora, “Você tem que vir comigo, aqui você não pode ficar”. Aí eu cheguei pro meu marido, estava namorando já fazia cinco anos que namorávamos, eu cheguei pro meu marido e falei pra ele, ele tinha cinco anos a mais que eu, eu tinha 19 e ele tinha 24. Ele tinha mais juízo do que eu. Ele trabalhava na Brahma. Eu cheguei e falei pro meu marido: “Olha, ou vamos casar ou vamos desmanchar, uma das duas”. Resolvemos casar. Mas como resolvemos casar? Ele não tinha dinheiro porque ele tinha a família, que era a minha sogra e a minha cunhada, ele sustentava elas. Ele não tinha dinheiro, eu não tinha dinheiro, porque os aluguéis não vinham na minha mão, iam na mão do meu irmão. Não tinha dinheiro, então como é que nós vamos casar? Aí, e se vai ser bonitinho? Aí você vai gostar (risos). Eu contei esse pedaço pra você? Já né, ela já sabe (risos). Eu não escondo não, é coisa verdadeira. Aí no dia do casamento fomos pro cartório, eu e ele no cartório da Vila Mariana. Não, antes precisou correr 40 dias parece que é o proclama? É. Fomos lá, marcamos a data, foi dia 25 de junho de 1936. E marcamos a data, correu os 40 dias, fui eu e meu marido, fomos pro cartório. E naquele tempo precisava assinatura da mãe, do pai ou do irmão mais velho, porque eu era menor de idade, tinha 19 anos, naquele tempo era 21 anos, se não me engano. Então meu irmão com a minha mãe foram lá no cartório, e eu e meu marido fomos de lá de onde eu morava com a minha irmã, fomos pro cartório, só nós dois. Lá nos encontramos, a minha mãe assinou e meu irmão levou ela embora. Eles foram embora pra casa dele, ela foi embora pra casa dele, eu vim pra minha casa (emocionada), pra casa da minha irmã. Mesmo assim compraram uns docinhos lá, umas coisinhas lá, a gente comeu e eu fui morar em um dos quartos daquele do meu pai, em um dos quartos. Porque as casas já não eram mais nossas porque teve uma época que o meu irmão com a minha irmã começaram, praticamente foram os estranhos, cunhado com cunhado começaram a brigar, a achar que um tinha razão, outro tinha razão e apareceu um conhecido deles, falou: “Eu compro as partes”, mas ele era um homem muito ruim, ele era da política. Ele pertencia à política, não sei o que ele fazia na política. E o que ele fez? Ele comprou primeiro a parte da minha irmã por uma mixaria, dois contos de réis. Aí depois ele foi lá no meu irmão, onde meu irmão morava e falou: “Olha, você vai vender sua parte porque sua irmã já vendeu”, aí meu irmão vendeu também a parte dele. Diz que foi dois contos de réis, eu não vi, eles falaram que venderam por dois contos de réis. Aí ficou eu, meu irmão Giuseppe estava nos Estados Unidos, fiquei eu. Eu tinha casado, casei como? Aí conto esse pedaço. Fui morar em um quarto, um quarto só, não tinha cozinha, não tinha nada, tinha o terraço. Compramos um fogãozinho desse pequeno, não era fogão, era feito de lata de querosene, lata de, como é que chama essas latas de 20 litros? Lá se vendia essa fogão que era uma boca só, né? E fomos morar lá naquele quarto. Esse pedaço já falhou um pouco...
P/1 – Quanto tempo vocês ficaram nesse quarto, a senhora se lembra?
R – Ficamos nesse quarto uns meses, acho que uns seis meses ficamos nesse quarto.
P/1 – E depois vocês foram pra onde?
R – Aí minha cunhada, irmã do meu marido, morava na Alameda Jaú. Ela falou: “Vem morar comigo”, e eu fui morar com ela. Tinha um quarto a mais, um quarto dela. Era um sobrado e tinha uma escada que descia lá embaixo no quintal, o quintal lá embaixo. E do lado tinha uma casa e tinha uma empregada. E aquela empregada começou a se engraçar com meu marido. Ele era novo. E eu chorava. Chorava. Ia pra cama chorando. Um dia a minha mãe falou pra mim. Eu falei pra minha cunhada, ela falou: “Isso é coisa de moço, isso não é nada”, não tomou conhecimento. É irmã do meu marido, né? Aí um dia minha mãe veio me visitar lá e me viu chorando. Falou: “Por que você está chorando?”, eu falei: “Está acontecendo isso e isso”, ela falou: “Então, procura uma casa e muda. Não precisa você ficar aqui, e nem precisa brigar com teu marido”. Aí eu fiz isso. No dia seguinte meu marido foi trabalhar, eu fui lá pra Paracatu e arrumei uma casa de uma conhecida, que depois ela veio a ser madrinha da minha filha, ela veio ser minha comadre, e fui morar lá. Aí meu marido chegou do trabalho e eu falei pra ele: “Olha, eu já arrumei a casa pra mudar, vamos mudar. Ou você vem ou fica”, falei pra ele. Aí ele arrumou o caminhão e mudamos, fomos morar lá na casa dessa senhora na Rua Paracatu. Aí estava morando bem lá, aquela senhora era muito boazinha, tudo, mas ela era viúva. E ela tinha três filhos homens. E ela resolveu casar e o marido dela tinha mais três filhos, então ela estava precisando da parte que eu morava, aí ela me pediu a casa, que ela precisava. Aí eu fui morar na Rua Ibituruna, onde nasceu a minha primeira filha. Eu estava grávida, porque eu fiquei grávida quando eu morar na Alameda Jaú, fiquei grávida. Casei no 36, ela nasceu no 37.
P/1 – E como é que foi quando a senhora descobriu que estava grávida?
R – Quando eu descobri? Eu fiquei contente que eu estava grávida, fiquei contente, só que eu me achava esquisita. Mas tinha uma senhora da casa, era uma filha, tudo era muito boazinha, muito boazinha, e ela conversava muito comigo. Minha irmã morava na Rua Paracatu e eu na Rua Ibituruna, só que eu tinha mais liberdade com a dona da casa do que com a minha irmã, tinha mais liberdade pra conversar. E a minha irmã já tinha uma filha com dois anos, que eu fiquei morando na casa dela e nesses dois anos que morei na casa dela nasceu a primeira filha dela. Não, a primeira filha morreu, ela teve eclâmpsia. Ai, esse pedaço eu não contei! O pedaço mais interessante eu não contei.
P/1 – Mas pode contar.
R – Pode contar?
P/1 – Pode.
R – Eu morava com a minha irmã na época que meu irmão não queria que eu morasse, a minha irmã teve a menina. Ela teve aquela doença, eclâmpsia. É eclâmpsia que fala?
P/1 – Eclâmpsia.
R – Ela ficou fora de si. Eu, com 15 anos, a minha sogra me emprestou uma cadeira de balanço e eu ficava com a criança a noite inteira balançando a criança, mas a criança ficou doente, estava doente porque minha irmã não queria nem saber dela. Minha irmã ficou meio, sabe, por causa da doença que deu, quando ela teve a criança, né? A minha irmã não queria saber dela e ela, não sei o que deu, deu uma doença, diz que ‘mal do imbigo’, não sei o que quer dizer isso, ‘mal do imbigo’. E aí a menina estava doente, tinha sete dias. O meu cunhado foi trabalhar, minha irmã na cama, porque ela estava doente, doente mesmo. Eu peguei a menina, com 15 anos, 15 e meio, 16, por aí. Peguei o bonde, fui pela Paracatu, peguei o bonde, fui até na Vila Mariana que tinha uma farmácia e um médico. Passamos lá, ele receitou o remédio e eu ia pra casa pra dar o remédio pra ela, né? Com ela no colo, peguei o bonde outra vez. E a menina estava morrendo e eu não estava sabendo. Quando voltamos ia morrendo. No bonde, eu estava no bonde, desci a Paracatu toda à pé pra chegar até na minha irmã. Quando chegou lá na casa da minha irmã a menina morreu. Morreu nos meus braços. Ela chamava-se Maria da Penha, foi a primeira filha da minha irmã. E daí meu cunhado não estava em casa, não sei se era um sábado ou domingo, e o meu marido, que era meu namorado, ele tinha ido no circo, tinha circo. Então eu e a irmã dele fomos procurar ele lá no circo e trouxemos ele em casa pra ver o que tinha que fazer. Porque eu não sabia, meu cunhado trabalhava de eletricista e a gente não sabia em que casa ele estava. Aí nós achamos meu marido, que era meu namorado. Aí ele que resolveu fazer tudo, ele resolveu fazer o enterro, porque tinha que preparar tudo pra fazer o enterro da menina, né? Aí depois meu cunhado chegou. E nós juntamos uma porção, naquele tempo costumava, quando morria um nenenzinho assim, anjinho, né, dizia anjinho, uma porção de meninas, mocinhas assim, adolescentes, levavam o caixão. E levamos a pé até a Vila Mariana. Eu com essa idade, né? E quem tratava da minha irmã enquanto ela estava na cama era eu, que tratava da minha irmã, tratava dela, fazia comida e cuidava, lavava a roupa, tudo. Era minha irmã, né? Depois disso é que fui parar na Rua Augusta outra vez, foi depois disso. Fui parar na Rua Augusta, aí depois fui morar na casa da minha irmã outra vez. Porque quando eu namorava com o meu marido, que eu resolvi casar, né?
P/1 – E a senhora estava contando de quando a senhora engravidou. Como é que foi a primeira gravidez pra senhora?
R – A primeira gravidez. Parecia estranho pra mim, pra mim era uma coisa estranha, né? Aquela senhora onde eu morava me ajudava muito com conversa, conversava muito comigo. Eu lembro que desde essa ocasião, pra descer que vinha da rua pra dentro tinha dois degraus grandes pra ir lá onde eu morava, porque a dona da casa morava na frente e eu morava atrás. Em cima tinha outra família morando. E eu caí daqueles dois degraus, mas eu não tomei conhecimento e até hoje eu tenho aqui esse osso saltado. Eu estava grávida dela.
P/1 – E como é que foi o parto?
R – O parto foi um parto muito difícil porque ela veio ao contrário, ela veio pelos pés, ela não veio normal. Ela veio pelos pés e um pé fazendo um quatro, um pé em cima do outro. Aí meu marido quando chegou em casa, que me viu. Não, foi logo de manhã, passei a noite toda com dor. Era um domingo, até minha mãe vinha vindo da missa. Minha mãe não estava morando comigo. Aí a parteira passou a noite inteira, porque naquele tempo era parteira, meu marido: “Vou chamar a parteira”, era de noite, oito horas da noite foi buscar a parteira, a parteira passou a noite inteira em casa me ajudando, me aplicou uma injeção também, me ajudando. Aí quando chegou no fim ela teve que pegar, endireitar o pé dela, porque o pé dela estava assim, teve que endireitar o pé dela e puxar ela. Meu parto foi muito difícil. Mas eu aguentando sem esse esparramo que muita gente faz. Não. Sem esparramo nenhum, chorando, mas sem esparramo.
P/1 – E como foi a sensação de ver a sua filha pela primeira vez?
R – Ah, fiquei feliz da vida. E o pior que ela nasceu com bronquite. Não sei, diz que é porque eu tomava sorvete todo dia. Se é lenda, se é verdade não sei, todo dia eu queria tomar sorvete de palito, sabe? Diz que ela nasceu com bronquite e não se ouvir, tinha o berço, estava do lado da minha cama e eu a noite inteira balançando ela. Mas só que eu não ouvia ela chorar, porque ela tinha bronquite então não se ouvia o choro dela. E eu ia toda hora assim pra olhar, pra ver se ela estava chorando. Tanto de dia como de noite, eu ficava muito, pra mim a minha maior alegria era ela, né?
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Nelly, com y.
P/1 – E a senhora teve outros filhos?
R – Depois eu tive a Janete, a Marília; depois eu tive a Marlene, depois eu tive o Ramon, cinco filhos.
P/1 – E como é que foi ser mãe? O que mudou na sua vida, como é que foi ser mãe?
R – Maravilha. Como ser mãe, eu fui muito enérgica, sabe? Uma mãe enérgica, tinha que ter educação, tinha que respeitar os mais velhos, tinha que respeitar muito as pessoas mais velhas, os parentes. Quando eu ia passear eu levava eles. Eu ia passear na casa da minha cunhada, nessa que eu morei com ela, ela dizia: “Eu nunca vi criança igual as suas”, não deixavam cair uma migalinha na toalha. Que antes de sair de casa eu falava pra eles: “Olha, se comporta, não suja a toalha, não faz bagunça, não faz barulho, não briga”, antes de sair de casa. Então eles respeitavam, eles me respeitavam muito. Mas só que eu fui muito enérgica, de vez em quando apanhavam. Diz que não pode bater agora, né? Agora não pode bater, naquele tempo podia. E eu não me arrependo. Não me arrependo porque eu acho que eu formei filhos maravilhosos. Meu marido, ele era empreiteiro de pintura. No começo ele trabalhava de pintor, depois ele ficou sendo empreiteiro, aí ele tinha empregados e ganhava dinheiro. Eu pus meus filhos, desde ela que ela tinha três anos de idade, eu pus ela numa escola, onde eu morava lá no fim do Jabaquara lá, pra lá da garagem do Jabaquara, que era uma casa que eu tinha comprado com muito, esse pedaço eu pulei, com muito sacrifício comprei essa casa. Demos entrada e meu marido começou a pagar as prestações. De repente meu marido ficou doente, ficou um mês de cama e não havia meio de sarar. Quando ele melhorou esse dono que vendeu a casa pra nós, a prestação, ele fez várias casas na mesma rua e o meu marido trabalhava na Brahma. Como ele estava doente, tudo bem. Mas ele achou: “Fiquei melhor, vou aproveitar mais um pouco e pintar essas casas que assim eu ponho na casa. Dava aquele dinheiro, eu recebo”, porque continuava recebendo porque estava doente. “Recebo pra gente comer e aquele dinheiro extra põe na casa”. Acontece que alguém dedou e o fiscal da Brahma descobriu e pegou ele em flagra trabalhando e foi mandado embora. Foi mandado embora, entraram em acordo, uma mixaria, demos lá pra casa, aí eu tive que mudar e fui morar outra vez num daqueles quartos do começo de casada. Eu tinha a Nelly, eu falo Nélly, mas é Nelly, tinha a Janete e tinha nascido a Marília e a Marlene, tinha as quatro filhas. A Marlene era de colo, tinha acho que uns seis meses, só não tinha ainda o menino. Fomos morar tudo lá e minha mãe veio morar comigo. Tudo num quarto só. Mas antes de mudar da casa eu queria salvar a casa que tínhamos comprado (risos). Rafaela, me lembra que eu já te contei (risos). Eu falei: “Eu preciso salvar essa casa, meu Deus do céu”, então eu fui numa quitanda e comprei, sabe essas cestas que a gente põe aqui no braço, que é de vime, de palha, não sei o que é? A gente punha aqui no braço, enchia de banana, comprei uma cesta cheia de banana, falei: “Vou vender banana, vou ganhar um dinheiro a mais” (risos). A Rafaela dá risada porque outro dia eu contei pra ela. Eu falei: “Eu conto esse pedaço? Eu tenho vergonha de contar esse pedaço”. A Rafaela falou: “Não, não tenha vergonha, não”, a Rafaela falou pra mim, que isso é uma honra pra senhora”.
P/1 – Pode retomar, por favor.
R – Antes de eu mudar, de largar a casa, que eu queria salvar a casa, né? Então ia pintar essas casas meu marido, antes de ser mandado embora, ia pintar as casas de dia e de noite. Eu tinha uma, duas filhas só, nessa época tinha só duas. Porque eu morei quatro anos lá naquela casa, eu tinha só duas filhas, a Nelly e a Janete. E naquele tempo fazia-se a pintura, depois tinha umas estampas, todas trabalhadas, como é que se fala? Chamava-se estampa.
R/2 – Era de flores.
R – Era tudo flores, sabe? Então tinha que por lá e com uma bomba de Flit...
R/2 – Que tinha tinta dentro.
R – Então alguém tinha que segurar a estampa e ele tinha que ir com a bomba de Flit pintar pra sair a flor. Então eu tinha que ir junto pra segurar a estampa. Eu tinha que levar as duas, não ia deixar as duas sozinhas em casa. Eu levava um colchãozinho, deitava elas no chão, elas estavam dormindo e nós, isso antes. Depois, aí, falei das bananas. Fui vender as bananas, uma no colo, a outra pela mão. Vendi uma dúzia de bananas só, não consegui porque não nasci pra vendedora, nunca consegui vender nada. Vendi uma dúzia de banana. A mulher falou pra mim: “Você passa amanhã porque eu estou sem troco pra receber”. Passei no dia seguinte ela não me atendeu (risos). Aí depois eu fui tintureira (risos). Conheci uma senhora, e essa senhora falou pra mim, para eu lavar o terno do marido dela. Porque a história dessa senhora é uma história que ela veio a ser a minha comadre depois, mas é uma história muito longa, quer dizer, que vem depois. Conheci essa senhora, ela era uruguaia, paraguaia, o que é mais perto da Argentina? Uruguai ou Paraguai?
P/1 – Acho que Uruguai.
R – Uruguai, isso. O marido dela era uruguaio. E o meu marido ficou muito amigo dela, sabe? E ela ficou sendo minha amiga. Aí ela me falou: “Vem lá na minha casa, vem lavar meu quintal”, ela tinha cachorro. Aí eu ia lavar toda aquela sujeira de cachorro. No fim, quando eu ia embora ela dizia: “Muito obrigada” (risos).
P/1 – Mas ela não pagava a senhora?
R – Não. Porque ela era amiga e ele era amigo do meu marido. Aí lavei o terno dele: “Você lava meu terno”, eu lavei o terno dele, fui tintureira (risos), também não pagou. Depois disso eu tinha ela, a Janete e grávida da Marília. Eu falei: “Sabe de uma coisa? Eu vou buscar”, aquele que vendeu a casa pra nós morava aqui na Apotribu, perto da Paracatu. E de lá onde eu morava, no fim do Jabaquara, tinha que pegar bonde, não tinha ônibus naquela ocasião. Ou tinha ônibus? Tinha ônibus sim. Eu falei: “Eu vou pegar roupa pra lavar, deles, assim eu ponho na casa”. O meu marido trabalhando. Aí ele trabalhava por conta dele, trabalhava junto com o empreiteiro, o empreiteiro dava as casas para ele pintar na época, ele não era empreiteiro ainda, ele era só pintor. Então eu fui pegar roupa para lavar. Aí eu, trouxas de roupa, uma de uma lado, outra do outro, outra na barriga, pegava condução, vamos embora lavar. Depois que estava limpa, outra vez retornava pra levar. E assim trazia a suja e levava a limpa, trazia a suja e levava a limpa. Punha lá na casa. O que ele ganhava era para comer e aquilo era pra por na casa. Mas chegou uma certa época que não deu mais. Aí acho que não estou esquecendo nada, né? Depois da roupa (risos).
R/2 – Aí a senhora alugou a sala.
R – Ah!!! Quando eu morava nessa casa.
R/2 – Isso eu lembro bem.
R – É (risos). Quando eu morava nessa casa meu marido ainda não tinha sido mandado embora, não tinha ficado doente, eu tinha só a Nelly e a Janete. A Janete era pequetitica e a Nelly, porque elas têm diferença uma da outra de um ano e dez meses; quando a Nelly tinha um ano e dez meses a Janete nasceu, então elas eram muito pequenininhas. Então a minha casa era assim, tinha um quarto, sala, cozinha e banheiro, né, que eu já contei. E o meu marido alugou a sala da frente, que era a entrada. Alugou para uma sede de futebol. Sede. A turma quando faz reunião é aquele barulho. E o meu marido voltando tarde pra casa porque ele trabalhava de dia na Brahma e ganhava ordenado da Brahma, e pintava os carros da Brahma, extra, aí ganhava de noite o extra, tudo isso pra gente salvar a casa. Ele chegava em casa meia-noite, uma hora, porque ele ficava, era ele com quatro amigos, os quatro amigos pintavam os carros, que são esses caminhões da Brahma, sabe qual é? Eles pintavam os carros. E eu lá, com as minhas duas filhas abraçadas. A sede estava alugada com aquele barulho, se eu quisesse ir no banheiro não podia ir porque tinha que passar assim pra cozinha pra depois ir pro banheiro. Não podia ir. Eu com as minhas duas filhas abraçadas, chorando, até meu marido chegar.
P/1 – Era para algum time específico que vocês alugavam?
R – Não lembro. Acho que era mais amigos, não era time famoso, não. Sabe quando se junta vários amigos e jogam futebol? Era um time de lá do bairro. Mas eu não podia sair, ir na sala no meio de tudo aqueles homens, né? Não podia. Passava as noites assim, desse jeito, quase todas as noites, quase todas as noites.
P/1 – E vocês perderam a casa?
R – Perdemos a casa. Perdemos a casa e fomos morar novamente naquele quarto.
P/1 – E depois vocês conseguiram se reestabelecer?
R – Aí meu marido conseguiu conhecer, onde nós morávamos lá, conhecer um senhor, doutor Rubens Nascimento Gonçalves que era um dentista, não sei como ele conheceu. E ele era muito rico, até ainda existe o prédio, na Avenida Ipiranga, perto da São Luís, se chama Edifício São Bartolomeu. E ele tinha a mãe dele, chamava dona Rosa, gostava muito do meu marido. Meu marido pegou todas as casas, da família toda. Eles eram médicos, dentistas, o outro era engenheiro, o outro era? O que o outro era? Tinha um... tinha o dentista, o engenheiro, o médico e tinha um outro, eram em quatro irmãos. O outro irmão não me lembro o que era, eu sei que um dos irmãos morreu no braços do meu marido, de tão amigos que eles ficaram. Eles eram amigos, amigos. A mãe deles tratava o meu marido como se fosse filho dela. Ela era uma senhora muito rica, mas ela era doente, então ela não descia dos aposentos dela, é daqui da Praça Califórnia, sabe onde é a Praça Califórnia? Ela morava lá. E todos eles tinham casas e tinha esse Edifício São Bartolomeu, era da família, que o pai dele tinha morrido e deixou de herança pra eles. Eles eram muito ricos. E essa dona Rosa, quando meu marido ia lá pra fazer os orçamentos das casas pra pintar, levava lá pra dona Rosa e ela dizia: “Não, é o Ramon? Manda subir”, ninguém subia lá, só os parentes dela, ninguém subia. “Ah, é o Ramon? Pode subir”. Ela tratava ele como se ele fosse um filho. Então lá ele conversava com ela e tudo, e depois os filhos assinavam o orçamento e o meu marido executava. Aí o meu marido começou a arrumar empregados. Ele começou a comprar escadas e vários empregados. Eu morando, aí já estava morando num quarto grande. Porque aí teve uma reviravolta porque um dia eu peguei meus filhos, só não tinha o meu filho, tinha as quatro crianças. Fui visitar a minha irmã que morava na Praça da Árvore e saí, fechei, meu marido tinha ido trabalhar. E quando eu voltei a porta estava trancada por dentro porque o inquilino que morava no outro quarto grande, que eram dois quarto e cozinha, lembra que eu falei que construiu? O inquilino mudou e esse que comprou as partes, que eu falei, falei pra você que comprou a minha parte também.
P/1 – Falou.
R – Cheguei a contar, né?
P/1 – Do seu pai, você diz? Do seu pai, aquele senhor que comprou as partes da sua irmã e do seu irmão.
R – Da minha irmã, do meu irmão e depois mandou, pediu para mim que eu tinha que comprar e eu pedi a minha parte também. Esse homem era muito ruim. O que ele fez? O inquilino tinha mudado, ele entrou naquele quarto grande, passou a tranca, porque tinha uma porta, entre um quarto e outro tinha uma porta. Mas a porta era fechada porque morava outro inquilino, a porta era fechada, mas não era trancada, era fechada só porque o inquilino tinha confiança, ninguém ia entrar no quarto do outro. Aí ele foi e passou a tranca. E quando eu voltei pra casa com as quatro filhas pequenas e fui abrir a porta, a porta não abria, a porta estava trancada. Aí eu voltei pra casa da minha irmã chorando, desesperada. Meu marido chegou, nós fomos pra casa da minha irmã que ela morava na Praça da Árvore, chorando não sabia o que tinha que fazer. Aí nós fomos na Ordem Política Social, nós fomos lá pra contar pro delegado, não sei se era delegado, fomos contar o que podia fazer, o que tinha acontecido. Que as casas eram todas do meu pai, só que depois foram vendidas as partes, mas não foi vendida a parte do meu irmão dos Estados Unidos e não deram nada pra minha mãe, porque disse que minha mãe era casada na Itália e só tinha direito à terça parte, então o direito dela era aquele quartinho, só. Então o que a gente tinha que fazer? Aí eles acharam que era impossível, eu com quatro crianças e a minha irmã foi junto com meu cunhado, com mais três que ela tinha, passamos a noite inteira na Ordem Política e Social pra ver o que tinha que resolver. Aí resolveram e foram buscar ele na casa dele, dois cavalarianos. É cavalariano que fala? Esses que montam a cavalo, aqueles cavalos grandes?
P/1 – Soldados de cavalaria.
R – Soldados, é. Eles foram buscar ele na casa dele e levaram ele preso. E foram abrir a porta pra mim. Aí eu retornei. Eles falaram pra mim, os da cavalaria: “Agora a senhora pega o quarto também porque a senhora tem quatro filhos, como é que a senhora vai ficar nesse quartinho só?”, era só abrir a porta, eles abriram a porta que estava trancada, a porta da frente. Abriram aquela porta do meio e me mandaram ficar no quarto grande. Aí eu fiquei com dois quartos e cozinha, e banheiro. Passei tudo isso (risos), mas tudo é passagem, né? Eu estava falando que meu marido depois ficou empreiteiro, porque essa família toda, eram cinco, seis irmãos e a mãe, todos eles davam as casas para ele pintar. Então ele arrumou empregados, aí começaram a trabalhar os empregados e ele só fiscalizava, porque ele tinha que fiscalizar, né? Ele tinha que ir numa obra, tinha que ir na outra obra, tinha que ir às vezes aqui, uma em Santana, outra nas Perdizes, outra no Jabaquara, é assim, sabe? Ele só fazia isso e dava ordens, ensinava como tinha que fazer. E aí começou a juntar dinheiro e eu começava a juntar um pouquinho de dinheiro. E teve um sábado quando ele recebeu, quer dizer, dava tudo pros filhos, pus os filhos tudo na escola paga, tenho todos os nomes e as escolas, eu tenho tudo aí. Pus os filhos na escola paga, desde ela quando era pequenininha, pus a Janete na escola paga, pus a Marília, a Marlene e o Ramon na escola paga. Aí tinha nascido o Ramon depois, lá no quarto grande, aí fiquei grávida do Ramon. Minha mãe faleceu. Esse pedaço eu não contei. Minha mãe ficou doente, nessa época minha mãe estava na casa da minha irmã, porque a minha mãe era assim, ela ficava um pouco na casa do meu irmão, um pouco na casa da minha irmã, de vez em quando ela vinha pra minha casa. E ela tinha muito ouro também, é, ouro próprio dela que ela usava que tinha lá da Itália. E onde ela ia, ela carregava o ouro. Se ela ia pro irmão, carregava; se ela vinha pra minha carregava. Tinha um cordão de ouro grande, ela dizia assim pra mim: “Esse cordão aqui é pra repartir pras quatro meninas”, que eu já tinha as quatro meninas, né? Estava grávida do menino. Ela dizia: “Olha, é pra repartir com as quatro meninas”. Aí ficavam lá sentada num murinho junto com a Marlene, que era a mais novinha, ficavam as duas lá, a Marília de uma lado, a Marlene do outro e ela lá sentada no murinho lá mesmo. E a Marlene falava que era menina e ela falava que era menino, ficavam o dia inteiro naquela (risos) as duas, menino, menina, e passavam o dia. Daí... o que eu estava contando?
P/1 – Estava contando da sua mãe, você ia falar que ela adoeceu.
R – Minha mãe ficou muito doente na casa da minha irmã, veio embora pra minha casa. Veio pra minha casa onde eu tinha um quarto lá, fiquei com um quarto só, não fiquei com o outro quarto pequeno, não, estou enganada, fiquei só com o quarto grande. Saí do quarto pequeno e fiquei com o quarto grande. O quarto pequeno foi alugado, aquele que comprou as partes alugou o quarto pequeno, tem hora que eu esqueço.
P/1 – É muita coisa, né?
R – Ela me faz sinal e me lembra, ela me lembra porque ela sabe de tudo. Daí eu fiquei com o quarto grande com os quatro filhos, mais a minha mãe e o casal, eu e meu marido, naquele quarto grande e cozinha. Nessa época a minha mãe ficou doente na casa da minha irmã. Aí ela veio da Praça da Árvore até a minha casa, dava pra vir a pé. Ela veio, estava muito doente, ela estava muito abatida. Eu falei: “O que a senhora tem, mãe?” “Eu não estou bem”, aí quando foi de noite deu derrame nela. Deu derrame nela, ela ficou uma semana. Uma semana não, ficou um ano e pouco, dois anos quase, né?
R/2 – O quê?
R – A nonna. Ficou doente, né? Ficou doente, aí ficou na minha casa e depois meu irmão pôs ela no Hospital das Clínicas. Ela ficou no Hospital das Clínicas e depois foi pra casa do meu irmão e depois minha cunhada trouxe ela pra minha casa. Naquele quarto. Meu irmão tinha casa na Tabapuã, tinha casa, dava para ela ficar lá porque tinha mais do que um quarto, a casa dele era maiorzinha. E a minha irmã morava num sobrado, também dava pra ficar lá, mas ela veio pra minha casa. Tudo bem, ficou na minha casa. Daí, deixa eu lembrar. Lembra alguma coisa, Nelly.
P/1 – Ela faleceu, né?
R – Aí onde ela ia, carregava. Essa última vez que ela foi eu não sei onde ela deixou a caixa de ouro. Ela levou, antes dela ter o derrame, ela levou a caixa de ouro dela e eu não sei onde ela deixou a caixa de ouro. Não sei. Não posso falar porque não sei, né? E daí a nonna ficou lá em casa doente. Ela ficou muito ruim depois, né?
R/2 – Ficou em coma.
R – Entrou em coma. Na terça-feira antes da Páscoa entrou em coma e nós, para eu não deixar as crianças porque elas eram tudo crianças, a maiorzinha era ela que tinha nove anos. O menino não tinha nascido ainda, ele nasceu depois de 15 dias, 15 ou 19. Ela morreu dia 20, ele nasceu dia nove. Quantos dias foi?
R/2 – Dezenove dias, né?
R – Foi 19 dias? Ou quinze dias, uma coisa assim que ele nasceu. Eu estava bem. Aí a minha mãe ficou em coma na terça-feira, terça, quarta, quinta, sexta, no sábado ela faleceu.
R/2 – No Sábado de Aleluia.
R – Sábado de Aleluia. Eu pra não deixar as crianças verem a agonia dela, naquele tempo, agora se fala coma, naquele tempo falava-se agonia. Meu marido chamou o médico, tudo, o médico falou: “Não teve como salvar ela, ela teve o segundo derrame”. Já tinha tido derrame, fazia um ano que ela tinha tido o derrame, depois de um ano ela teve o segundo derrame, aí não tem como salvar. Ela faleceu no Sábado de Aleluia, o enterro foi no Domingo da Páscoa. Eu fui passar uns dias na casa do meu irmão. A minha cunhada falou pras meninas não ficarem impressionadas, porque naquele tempo fazia-se enterro em casa, meu marido fez tudo, mandou forrar o quarto de luto, tudo, tudo. Naquele tempo forrava-se o quarto, forrava-se tudo e punha aquela porta lá na frente, que era como se fosse uma cortina, tudo de luto. Meu marido pagou tudo na época.
P/1 – Ela foi velada em casa?
R – Foi velada em casa. Naquele tempo velava-se em casa. Dificilmente. Porque 68 anos faz, meu filho está com 68 anos. Então 68 anos atrás costumava-se velar em casa. E a minha irmã levou as meninas pra casa dela, pra passar a noite na casa dela. E, deixa eu lembrar. Foi feito o enterro, fizeram o enterro, depois do enterro, aí depois de uns dias...
R/2 – A senhora foi pra tia Emília.
R – Fomos pra casa da tia Emília. Mas antes, antes foi feita as contas, porque quem pagou foi o papai que fez o enterro. Até hoje eu costumo falar papai, que naquele tempo elas eram crianças e eu não perdi o costume, eu falava “o papai” e até hoje eu falo papai, não consigo acostumar a falar “teu pai”. Ele pagou tudo, né? Aí meu irmão veio em casa acertar contas pra ver. Aí meu marido mostrou todos os documentos, tudo, enterro, velório, tudo, né? Aí ele fez a conta, não sei do que ele tinha gastado, e deu elas por elas. Agora eu não vou falar, não convém eu falar do que ele descontou, entendeu? Esse pedacinho eu quero pular.
P/1 – Tudo bem, não tem problema. Não precisa falar, não.
R – Do que ele descontou o que o meu marido gastou. Fica elas por elas. Meu marido era muito calmo, muito passivo, muito, muito sossegado. Não era de briga. “Tudo bem. Já paguei mesmo, já gastei. Ela merecia porque ela era uma boa sogra”. Ele tinha até medo de conversar com ela porque ela falava italiano, ela não sabia falar português. E o meu marido não sabia falar italiano. Meu marido tinha medo, alguma palavra ele trocava com ela, muito pouco, porque ele tinha medo que ele falasse alguma coisa que pudesse magoar ela.
P/1 – Podemos retomar então. Estava falando que o seu marido falava muito pouco.
R – Meu marido começou a ganhar dinheiro porque pôs empregados e começou a ganhar mais dinheiro. Então chegou num sábado ele recebeu dinheiro, sobrou, de tudo as roupas, porque ele nunca deixou faltar nada pra elas. Escola paga, aí eu tinha quatro filhas na escola paga, tem o nome das escolas, tenho tudo aí. Elas estavam, as quatro na mesma escola, Escola Dom Bosco. Ela lá na Rua Paracatu. Aí teve a época da Revolução do 32, tivemos a época da Revolução do 32.
P/1 – Isso foi antes, né?
R/2 – Isso foi antes.
P/1 – A senhora comentou. Foi quando começou a namorar o seu marido até.
R – Do 32.
P/1 – A senhora começou a namorar.
R – É, mas a Revolução demorou muito. A Revolução do 32 demorou. Foi na Revolução do 32 que vocês tomavam leite?
R/2 – Não, foi na... sabe quando foi isso, mãe? Foi no tempo do Hitler.
R – Ah, a revolução do Hitler.
P/1 – Na Segunda Guerra Mundial.
R – A Segunda Guerra Mundial, eu ia contar agora da Segunda Guerra Mundial. Então elas estavam todas na escola paga, meu marido estava ganhando muito bem. Enquanto as outras crianças, de vizinhas, comiam farinha de mandioca com café, elas comiam, como chama?
R/2 – Leite condensado.
R – Leite condensado. Porque era tudo racionado, era tanto pra cada pessoa. Para cada pessoa era cem gramas de pão, então eu tinha quatro filhos, mais eu e meu marido, eram seis e eu punha a minha mãe também, porque minha mãe não tinha morrido ainda. E meu marido era amigo dos padeiros, então enquanto as pessoas ficavam na fila pra pegar esse pão racionado, o meu marido entrava, era amigo deles, entrava pelo armazém e ia na padaria e comprava dois filão, sabe filão? É aquele pão comprido, pegava dois filões, embrulhava no papel, não no jornal, no papel, como chama, aquele papel pardo, enrolava, depois punha jornal por fora, pra turma da fila não perceber, porque senão eles iam brigar com os padeiros. Mas ele era amigo dos padeiros, então elas comiam pão e os outros comiam farinha de mandioca. Então para elas era sempre do bom e do melhor. Meu marido não deixava faltar nada. Aí sobrou ordenado que ele recebeu, das casas que pintava, sobrou dois contos de réis, era um sábado. Eu peguei, aí já tinha nascido o Ramon, já tinha nascido o meu filho. Eu peguei os cinco, o menino no colo, eu falei pro meu marido: “Agora nós vamos sair e vamos comprar um terreno, vamos dar entrada, pra gente construir qualquer coisa”. Saímos, chegamos lá no Planalto Paulista, só que na parte mais baixa, não na parte rica, a parte mais baixa que era a parte mais pobre. Não favela, as favelas fizeram depois. Quando comprei o terreno passava um corregozinho só no meio, a gente pulava o corregozinho. Nunca a gente esperava que ia virar um córrego enorme, virou um córrego enorme. Aí o meu marido foi ganhando dinheiro e construiu, a gente estava morando ainda na Ibituruna, né? Construiu um quarto, cozinha e banheiro, aí nós mudamos. Deixei aquele quarto lá pra não haver mais encrenca, mais briga, porque era um inferno.
R/2 – Mas depois mãe, você esqueceu dessa parte. A senhora morava na parte do seu irmão dos Estados Unidos. Aí acertaram.
R – Ah sim! O meu irmão que morava nos Estados Unidos, ele me mandou uma procuração para eu receber a parte dele, só que esse dinheiro que era a parte dele, era uma parte de dois contos que nem os outros venderam, eu não podia pegar dinheiro na mão. O juiz determinou que tinha que ser depositado, então ficou depositado no nome dele, Giuseppe Catapano, ficou depositado, não foi mexido. Depois de muitos anos, aí essa história vem depois, quando o Toninho foi pros Estados Unidos, isso vem depois. Aí construiu o quarto, cozinha e banheiro e fomos morar. Construíram assim, mutirão, os amigos que vieram a ser minha comadre, meu compadre, vieram a ser depois, que foram padrinhos do meu filho e os filhos dele fizeram mutirão e fizeram quarto, cozinha e banheiro. Aí fomos morar em um quarto, cozinha e banheiro. Ficamos morando lá, mudamos de lá e larguei lá. Aí o meu irmão já tinha mandado a procuração, já estava depositado o dinheiro, tudo, né? Depois meu sobrinho, filho do meu irmão, aí da Tabapuã, ele era solteiro e quis ir pros Estados Unidos. Mas para ir pros Estados Unidos na casa do tio exigiam que tinha que levar não sei quanto em dinheiro e tinha que ser chamado por uma pessoa que morava lá. Aí meu irmão que morava lá chamou ele. Aí como ele tinha um filho que se chamava José Catapano, ele pôde retirar o dinheiro, que era o mesmo nome do meu irmão José. Ele retirou o dinheiro e levou pro tio dele, parte daí tudo certo. Depois meu marido começou a ir ganhando mais dinheiro, meus filhos continuavam estudando em escola paga. Aí a minha filha tirou o diploma no Colégio Santa Amália. Ela não quis estudar mais, ela estudou até tirar o diploma, a mais velha. Depois ela quis ir em Inglês-Português, foi no Inglês-Português pago. Depois o que foi fazer mais?
R/2 – Comércio.
R – Foi estudar Comércio, também pago. Depois a Janete também desistiu de estudar, não quis estudar mais, teve o diploma de quarto ano, não quis estudar mais. Os que quiseram estudar, estudaram, os que não quiseram, paciência. Ela não quis estudar mais, aí ela foi aprender corte e costura.
R/2 – Bordado.
R – Ah, bordado. Até numa casa de uma parente dos Basile, sabe, do marido que ela casou. Essa Janete, que é avó dela, avó da Rafaela, ela casou. A minha cunhada e o meu irmão casaram, lembra que eu contei? No fim, a minha filha, que é a avó dela, casou com um dos filhos dos irmãos da minha cunhada, entende? Mas isso fica pra depois, né?
P/1 – Pode reformular se a senhora quiser. Com quem ela casou?
R – Com o filho do irmão da minha cunhada, que era Basile. Já não era mais Catapano, nem Scarpelle, era Basile. Eles se namoraram, se conheceram numa reunião de família.
R/2 – Ela já conhecia, né?
R – Não. A gente já conhecia a família porque meu irmão casou com a minha cunhada. Mas fizeram uma reunião de família quando esse meu irmão Rafael, o que morava aqui, foi passear. Depois de 30 anos ele foi visitar o irmão, que eu tenho até a fotografia do jornal, estão os dois irmãos juntos que se encontraram depois de 30 anos. Então quando eles voltaram de lá dos Estados Unidos fizeram uma reunião lá na casa dos Basile, e como a gente já era meio parente, porque meu irmão era casado com a irmã deles, nós fomos nessa reunião. E nessa reunião a minha filha conheceu um dos filhos deles, e eles casaram. Que é a avó e o avô dela.
R/2 – Onde a senhora parou?
P/1 – A senhora estava dizendo até onde estudaram todos os filhos, qual que foi o caminho que eles seguiram, cada um deles.
R – Isso. Aí ela estudou até Comércio, depois a Janete foi fazer bordado. Não sei se ela foi fazer, não foi fazer datilografia não.
R/2 – Acho que não. Porque ela casou nova também.
R – Ah é, depois ela casou nova, ela casou muito nova. Ela começou a namorar e casou, né? É. E a outra, a Marília, que era a terceira, essa estudou, estudou pago, escola Dom Bosco. Era Escola Dom Bosco, depois ela foi numa outra escola, como chamava? Santo Agostinho. A outra escola saiu porque nós mudamos de casa, aí ela foi estudar também pago, Escola Santo Agostinho. Depois ela se formou, primeiro diploma de quarto ano.
R/2 – Santa Amália.
R – Não, antes de se formar ela foi estudar no Colégio Santa Amália, que está lá até hoje. Conhece o Colégio Santa Amália? Na Avenida Jabaquara, esquina com a Miguel Estéfano, está lá, Colégio Santa Amália. Era colégio de freiras. Pago. Depois ela se formou no ginásio. Essa quis continuar estudando, se formou ginásio pago, no Colégio Santa Amália. Aí não tinha mais lá no Colégio Santa Amália, era só até o ginásio. E aí eu fui procurar colégio, melhor que tinha. Fui em um colégio, lá não tinha vaga. Fui em outro colégio não tinha vaga. Encontrei vaga no Colégio Imaculada, como é que chama aqui no Paraíso?
P/1 – Imaculada Conceição.
R – Isso, ela foi estudar lá. Ela se formou de, como é que chama, depois de ginásio?
P/1 – É colegial.
R – Colegial.
R/2 – Depois que ela foi pra PUC, né?
R – Depois. Ela continuou estudando lá pago, porque lá paga uma nota e só estudava gente rica lá. Ela ficou meio traumatizada porque diz que perguntavam pra ela, perguntavam pra todo mundo: “Quantas empregadas tem?” “Eu tenho três”, “Você quantas empregadas têm?” “Eu tenho duas”. Hoje ela me conta isso, né? “E você, quantas tem?” “Eu não tenho nenhuma empregada” (risos). Porque era colégio de gente rica, mas eu quis pôr ela no colégio de gente rica. Não por orgulho, por amor, porque eu queria que meus filhos fossem, sabe, do melhor. E ela lá se formou, como é que se fala?
P/1 – É colegial, antes da faculdade.
R/2 – Depois presta exame pra faculdade.
P/1 – Fez lá três anos, aí foi pra faculdade da PUC. Sabe onde é a PUC Monte Alegre? Lá ela se formou advogada. Ela quis estudar, então ela estuda. Os outros não quiseram continuar estudando, ela quis estudar, estudou. Se formou advogada. Nesse meio tempo que ela se formou meu marido ficou doente, ficou muito doente. Mas ela se formou advogada, mesmo com ele doente, ele pagando, se formou advogada. Depois ela quis fazer, antes do meu marido falecer, ela quis fazer, como é que fala?
R/2 – Concurso público.
R – Ela foi fazer o concurso. Esse concurso ela prestou o concurso e passou. Passou e se formou Procuradora do Estado, tudo pago.
R/2 – O concurso não foi pago.
R – Não. Mas ela teve que fazer, como ela?
R/2 – Ela fez um curso à parte.
P/1 – Pra poder prestar o concurso
R – E ela teve que pagar. Apostila, essas coisas, o material tudo. Aí ela se formou Procuradora do Estado. Ela se formou em 1986?
R/2 – Foi antes do papai morrer.
R – Dois anos. Nesse entremeio, eu pulei uma coisa.
R/2 – A Marlene casou.
R – A Marlene casou. A Janete já era casada quando meu marido morreu. Fizemos uma festa, ela morava na Iguatemi, eu morava na Iguatemi, pulei esse pedaço. Que teve uma época que meu marido largou. Não, ele não largou de trabalhar de empreiteiro. Ele trabalhava de empreiteiro e comprou um bar, na Rua Iguatemi. Comprou um bar. Ele trabalhava de dia de empreiteiro e de noite, até meia-noite, uma hora, no bar. Eu fazendo as coisas, morava atrás do bar, na Rua Iguatemi. Morando na casa dos seus avós. Avós, né?
R/2 – Bisavô.
R – É, bisavô da Rafaela. Nós morávamos lá de aluguel. Então eu de noite fazia as coisas, porque elas trabalhavam, aí ela trabalhava. Trabalhava ela e a Janete, a Marília só estudava. E a Marlene era menor.
R/2 – A Nete não, Nete já era casada.
R – A Janete já era casada, já tinha casado.
R/2 – Eu trabalhava.
R – Trabalhava ela...
R/2 – E o Ramon.
R – E o meu filho mais novo. E eu tinha que fazer as coisas, a limpeza da casa, tudo, de noite. E de dia meu marido ia trabalhar de empreiteiro, e eu ficava no bar. O que eu passava no bar. É difícil ficar num bar porque vêm bêbados, vem gente sem educação. Eu era nova ainda, eu tinha 40 e poucos anos, recebia cantadas, eu fazia de conta que não entendia nada, pra poder ficar no bar.
P/1 – Esse bar era de vocês.
R – A casa não, a casa era dos bisavós da Rafaela. Era alugada.
P/1 – Mas o bar era de vocês.
R – O bar era nosso. Mas como meu marido não era do ramo não dava lucro. As crianças vinham durante o dia comprar um litro de leite que não dá lucro nenhum, pão, leite. Aí eu enchia a mão das crianças de bala (risos). É, eu enchia de bala a mão das crianças, cada um que vinha comprar leite e pão, e vinham comprar só leite e pão, porque depois, de noite que era o mais bravo que meu marido ficava, que ganhava-se um pouco. Mas ele não era do ramo, não deu lucro nenhum. Então não deu lucro nenhum e vendemos o bar e fomos morar na mesma rua, Rua Iguatemi, só que numa casa alugada. E lá nessa casa alugada casou minha filha Marlene, que era a quarta filha. A primeira é ela, a segunda é a Janete, a terceira é a Marília que se formou. Mas aí ela tinha que esperar, ela foi nomeada Procuradora do Estado, só que tinha que esperar o número dela, porque fez um concurso, prestou concurso, então tinha que esperar chegar o número dela, porque eram vários que ganharam. E quando chegou o número dela, aí foi, papai já tinha falecido, né? Aí meu marido já tinha falecido quando chegou o número dela.
P/1 – Quando que seu marido faleceu e do que ele faleceu?
R – Antes disso a Marlene casou. A Marlene casou e nessa época ele tinha ganhado muito dinheiro porque daí ele tinha muitos empregados, que a vida deu aquela reviravolta, sabe? A vida é essa, uma vez vem de um jeito, outra vez vem de outro. Ele ganhou muito dinheiro e eu economizava sempre. Não era de jantar fora, não era de festa, de teatro, cinema. Não. Era só criar filhos. E ele também. Criar filhos e dar do bom e do melhor pros filhos. Então ele ganhou muito dinheiro, juntou esse dinheiro. A minha filha Marlene casou, fizemos uma festa, uma festa, porque lá onde eu morava na Rua Iguatemi, não no bar, na casa alugada, tinha um quintal enorme. Tinha mais de 300 pessoas. Ficou uma semana uma cozinheira, doceira e cozinheira, ficou uma semana na minha casa, de dia e de noite, dormia na minha casa. Meu marido ficou. Era uma senhora de cor, mas uma senhora tão limpa, tão limpa, tão, cheirava, ela... sabe? Eu pus ela pra dormir na minha cama, meu marido foi dormir na sala e deixou ela dormindo na minha cama. Ela ficou uma semana de dia e de noite ela ia dormir meia-noite, uma hora, só fazendo doces e salgados, doces e salgados, doces e salgados. Foi pra 300 pessoas, mais de 300 pessoas, uma festa enorme. Meu marido já estava meio doente. Aí casou a Marlene, depois de um ano mais ou menos. Nesse meio tempo tem um caso aí que eu contar que eu passei muito desgosto, muito nervoso. Como eu posso falar? O meu filho tinha o quê? Quando aconteceu isso foi antes da Marlene casar, ou quando a Marlene casou?
R/2 – Quando aconteceu o quê?
R – Que o Ramon foi jogar bola.
R/2 – Ah (risos), foi depois que a Marlene casou.
R – Ahhh, foi depois. Mas o papai era vivo ainda. Depois que a Marlene casou. Ele saiu num sábado, ele gostava muito de jogar bola. Ele era molecote, tinha o quê, 20 anos? É, 20, 21. Mocidade, né? Ele era muito bom menino, educado, não tinha vício, não tinha nada. O vício dele era só fumar, naquele tempo fumava, né? Mas não fumar essas coisas não, era cigarro. Fumava um cigarrinho aqui, um cigarrinho ali, que o pai também fumava. Ele saiu num sábado pra ir jogar bola: “Mãe, eu vou jogar bola”. Foi jogar bola e não voltou pra casa. E a gente esperando, esperando. Dez horas da noite, saiu de manhã, com roupa pra jogar bola, não roupa boa. Saiu e não voltou. Meu Deus do céu, o que aconteceu? E eu lá chorando. Era onze horas da noite. E aí foram buscar a Janete lá onde ela morava na Vila Prudente. A Janete foi buscar a Marlene que morava na Penha, vieram tudo pra minha casa. Espera o Ramon chegar, espera. Amanheceu o dia...
R/2 – Vocês foram procurar também.
R – É. Aí durante a noite, eu e meu marido fomos procurar em tudo. Quem sabe ele está em algum bar, quem sabe ele está, aconteceu alguma coisa e ele está em alguma delegacia. Fomos, não estava em nenhum lugar. Meu marido foi até no necrotério. Eu não tive coragem de entrar, ele entrou. Nada. Quando foi no dia seguinte, no domingo, eu chorando e orando desesperada, o que aconteceu, o que não aconteceu, a família desesperada. Era onze horas (risos). Essa você não sabe, né? A sua avó sabe, o seu pai também sabe. Teu pai não, teu avô. Chega ele, era umas 11 horas, belo e sossegado, sabe? Me viu chorando lá no quintal. “Mãe, a senhora está chorando por quê?”, nessas alturas o que eu ia fazer? Ia bater? Eu levantei a mão pro céu: “Graças a Deus, meu filho apareceu”. E ele: “Mãe, o que aconteceu que a senhora está chorando?” (risos).
R/2 – Ele foi num baile, né?
P/1 – Ele nunca explicou o que era? Onde ele estava?
R – Explicou.
P/1 – O que aconteceu?
R – Aconteceu que ele estava jogando bola, terminou de jogar bola, o amigo dele falou: “Olha, lá perto da minha casa”, não sei onde que era, “perto da minha casa tem um baile e tem cada menina bonita (risos), tem cada menina bonita lá perto da minha casa” “Ah, mas eu estou com essa roupa”, ele me contou depois, né? “Não faz mal, eu te empresto minha roupa” (risos). Emprestou a roupa dele pra ele. Serviu, né, e foram pro baile. E, logicamente, o baile foi até de madrugada, até de manhã. Ele chegou em casa às 11 horas: “Mãe, a senhora está chorando por quê?” Dei graças a Deus, levantei a mão pro céu, ficou tudo em paz.
P/1 – A senhora ia contar do falecimento do seu marido.
R – Aí o meu marido ficou doente. Quando minha filha Marlene casou, ele já estava meio doente, tinha muita tosse, muita tosse, muita tosse. Os médicos falaram que isso não era nada, que era tosse, não era nada. Ia no médico, era tosse, não era nada. Aquilo foi se agravando, se agravando, até que o doutor Rubens, que era o primeiro dentista que meu marido conheceu, ele veio em casa, eles ficaram sendo amigos, ele veio em casa ver por que ele estava doente, que estava com febre, a febre não passava. Aí ele aconselhou ele: “Vai tirar uma chapa”, porque a gente falava e ele não queria ir. Aí o doutor Rubens falou pra ele: “Vai tirar uma chapa do pulmão, que é bom você ir”. Aí ele foi. Tirou várias, tirou acho que não sei, umas dez, tudo de quanto é lado, aí deu que ele tinha câncer no pulmão.
R/2 – Primeiro deu que tinha água no pulmão.
R – Ah, deu que tinha água no pulmão, é. Ela lembra, tem coisas que eu esqueço. Aí depois...
R/2 – Tinha que operar.
R – Foi se tratar com um médico, primeiro com o médico que morava lá na Doutor Antônio não sei o quê, esqueci o nome dele.
R/1 – Pneumologista.
R – Pneumologista, é. Aí o pneumologista falou, aconselhou ele a ir com um médico especialista porque ele achava que era câncer no pulmão. Nós fomos num especialista que era professor de médicos, ele era diretor do Hospital Santa Cruz. Aí ele confirmou que ele tinha câncer no pulmão.
R/2 – Depois que operou que confirmou.
R – Ah, depois que operou. Aconselhou ele a operar, aí ele operou. Operou, nós ficamos todos na igreja rezando porque a gente não sabia ainda se era câncer maligno ou benigno, nós ficamos todos lá. Quem ficou na porta do hospital?
R/2 – Eu e o Ramon.
R – O médico era o diretor, médico pago, né? Cobrava uma nota naquela época. Mas como a gente tinha juntado dinheiro, tinha dinheiro na época. Quem que ficou na porta do hospital?
R/2 – Eu e o Ramon.
R – Você e o Ramon, né? O resto ficamos na igreja, que no Hospital Santa Cruz tem uma igreja. Ficamos rezando para que nada acontecesse. E nisso o médico abriu a porta, ainda não tinha terminado a operação e falou pra ela e pro meu filho que era câncer maligno no pulmão esquerdo encostado no coração. E que tirou o que pôde tirar, que não podia tirar mais, porque senão ele ficava na mesa de operação, então ele tirou tudo quanto ele podia tirar. Depois fechou, aí foi pro quarto, fiquei lá com ele dia e noite, nove dias no Hospital Santa Cruz. Pago. Na época eu era muito, como que fala uma pessoa que não, como que fala uma pessoa que tem energia? Eu tinha muita energia, sabe? Eu agia, eu não esperava alguém agir pra mim, eu que agia. Eu que levei ele pro hospital, eu que fiquei com ele nove dias e nove noites no hospital. Elas trabalhavam, elas vinham visitar ele, depois voltavam. Depois tivemos que ter o resultado. A gente sabia que era câncer, aí tinha que buscar depois, tinha que ver o resultado. E quem foi buscar o resultado nesse dia antes de sair do hospital, quem foi buscar o resultado foi a Marília. Ela que era muito sensível, muito estudiosa, mas muito sensível. E ela foi buscar o resultado com o professor. E ela chegou lá com o resultado muito abatida, muito diferente da hora que ela foi. Eu falei: “O que aconteceu?” “Nada mãe, não aconteceu nada”. Não quis me falar nada, não me falou. Aí deu alta, já sabia o resultado, ela já tinha nas mãos. Fomos pra casa, ele continuou com febre, continuou doente, o médico deu três meses de vida, ele durou um ano. Eu tratava ele como se fosse uma criança, porque daí ele começou a enfraquecer, enfraquecer, enfraquecer, aí eu tinha que tratar ele, até a meia eu calçava pra ele (emocionada). Eu sentava ele na cama, aí eu ajoelhava e calçava a meia pra ele (chorando). E ele fez assim na minha cabeça, ele falou: “Nós estamos perdidos. Nós estamos perdidos”. Porque ele já estava sabendo, mais ou menos, que a gente não contou pra ele, nós não quisemos contar. E pra mim, meus filhos sabiam e pra mim vieram contar depois de três meses. Eu só fiquei sabendo pela minha cunhada.
R/2 – Fui eu que contei pra senhora.
R – Foi a tia Angela, não foi a tia Angela? Foi você que me contou? Ah, tem coisa que eu esqueço, né? Ela que contou. “O papai não está bem, ele tem isso, isso e isso”. Depois de três meses que eu fiquei sabendo. E eu tratava ele como se fosse uma criança, dava banho nele e tudo. Tinha a minha cunhada que vinha às vezes passar uns dias pra vir fazer companhia, ela vinha passar uns dias em casa. E foi passando o tempo e ele cada vez pior, cada vez pior, até que. E a minha casa, eu morava na Rua Iguatemi, 252. E tinha aberto o Hospital Iguatemi a menos de um quarteirão, né, Nelly? Se formaram um monte de médicos e abriram o Hospital Iguatemi. E aquele Hospital Iguatemi tinha vários médicos. Antes do meu marido falecer, essa minha Marília, essa que se formou, ela ficou muito doente, esse pedaço eu esqueci. Ela teve mononucleose infecciosa. Ela tinha 18 anos e esses médicos da Iguatemi, que era uma casa, não era hospital, era uma casa grande que vários médicos abriram essa casa que era um hospital. Eles vinham em casa visitar minha filha e cobravam, todos os dias. Minha filha ficou um mês de cama. Todos os dias eles vinham em casa, uma vez vinha um, outra vez vinha outro, então eles eram todos médicos conhecidos. E justamente nesse hospital os médicos vinham lá em casa. Teve uma noite que meu marido estava muito mal, aí veio a Janete com o marido, com os filhos, já tinha o Reinaldo, já tinha os três filhos, né? Vieram lá em casa, veio a Marlene, que tinha já uma filha, tinha a Marisinha já, tinha um ano e meio a Marisinha, veio também ficar lá em casa durante a noite e eu disse: “O que nós vamos fazer? Papai está muito ruim” “Então vamos chamar os médicos do Iguatemi”. Aí dois ou três médicos do Hospital Iguatemi vieram, durante a madrugada, era de noite. Vieram lá. Primeiro foram naquele médico pneumologista, de noite. Aí esse pneumologista falou: “Olha, melhor de tudo é chamar o que está mais perto”, então chamaram os que estavam mais perto, vieram dois ou três em casa. Ficamos na sala, ele estava no quarto, fomos pra sala fazer uma reunião pra ver o que a gente vai fazer. Aí eles se reuniram, os médicos, e acharam que ele tinha que ser hospitalizado, no Hospital Iguatemi. Eu entrei no quarto e falei pra ele, falei: “Olha, os médicos estão achando que você tem que ser internado no hospital”, ele falou: “No hospital eu não vou” “Tá bom. Você não quer ir, não vai”. Por que ia mandar ele pro hospital contra a vontade, já estava bem mal, já estava sabendo o que ele tinha. Aí eu falei pra eles: “Olha, papai não quer ir pro hospital” “Tá bom, então fica aqui”. Falei assim pra ele: “Olha, você não quer ir pro hospital, mas eu vou lá nos médicos, vou conversar e ver o que está precisando pra trazer aqui em casa”, que o médico tinha falado que precisava de um oxigênio.
R – Pode continuar?
P/1 – Podemos retomar.
R – Parei onde?
P/1 – Estava contando do seu marido, que era bom ir pro hospital.
R – É. Aí os médicos disseram que precisava de oxigênio. Eu falei: “Tudo bem”, fui lá, mandei vir o oxigênio. Veio aquele tubo de oxigênio, pôs do lado dele, que a hora que ele passasse mal ligasse o oxigênio. Mas quem diz de deixar o oxigênio lá? Ele não deixou. Ele falou: “Tira isso daqui!”, aí levamos pro quarto delas. Tirou, ele não quis. Aí depois passou, quanto tempo passou mais ou menos, Nelly? Um mês? Não, acho que uma semana, né? Passou uma semana, ele estava muito mal. Mas ainda na última noite ele ainda ficou assim, ele era muito, sabe, forte. Ele ainda ficou assistindo televisão até dez horas da noite, ainda conseguiu deitar, deitou. Quando foi de madrugada eu acho que era uma hora, duas horas da madrugada, aí deu aquele acesso, aquele acesso, e daquele acesso a Nelly com o meu filho, meu filho já estava mocinho, já tinha 20 anos?
R/2 – Mais, tinha mais.
R – Vinte, 21 anos, que dava pra ir a pé, que era um quarteirão lá no hospital. Foram correndo, meu filho perdeu o chinelo na rua, chegou lá descalço. Foram buscar o médico. E a minha filha Marília foi de madrugada, saiu lá fora e foi chamar uma vizinha, a vizinha não escutava, que era do outro quintal. A vizinha não escutava, demorou pra escutar. Era de madrugada, um perigo, ela uma moça, ela tinha 27 anos, que ela se formou com 26. Foi lá chamar a vizinha, a vizinha não escutava, depois ela escutou e veio. Eu gritando feito uma desesperada, com ele no colo. Porque ele caiu no meu colo. Vou te contar um caso aí que você vai se admirar. Eu estava com vestido que estava muito calor, era mês de novembro, foi dia quatro de novembro. Agora dia quatro vai fazer... Quanto Nelly?
R/2 – Já perdi a conta, faz tanto tempo.
R – Quarenta e seis anos.
R/2 – É.
R – Vai fazer 46 anos. Ele estava com 56. Eu estava com um vestido bem surrado, sabe? Meio esbranquiçado. Estava muito calor, eu estava com aquele vestido. Ele caiu nos meus braços e foi morrendo, morrendo, eu gritando. Sozinha! Porque ela com o meu filho, que era solteiro, o resto já tinha casado. Aí a Marília foi chamar a vizinha. Ele caiu nos meus braços, ele morrendo nos meus braços. Não posso contar porque é anti-higiênico a gente contar o que aconteceu na morte, né? Meu vestido ficou intacto, não teve uma manchinha dessa. A cama e o colchao precisaram ir pro lixo. Esse é um caso, não sei.
R – O nome Janete foi tirado de uma artista de cinema, Jeanette MacDonald. MacDonald, né?
P/1 – MacDonald, tá certo, tá certo.
R – É isso mesmo? É. E o nome da Marília foi tirado de um romance que eu estava lendo. Não romance Marília de Dirceu, não, um romance que eu estava lendo, Marília. E o nome Marlene foi tirado... o nome da Marlene sabe como foi? Foi tirado também de uma artista de cinema, ela era pra ser chamar Ramona, é uma história também. Era pra se chamar Ramona, mas quando eu estava na cama, que eu tinha tido ela, o meu marido trouxe um copo de leite para eu tomar. Na hora que eu peguei o copo de leite caiu na cama, molhou toda a cama. E na época falava-se que o nome Ramona dava azar, não sei se é verdade, se é lenda, não sei. Eu falei: “Ah, não vai chamar mais Ramona”. Aí eu peguei uma figurinha de artista, Marlene Dietrich. Dietrich, não é isso?
P/1 – Dietrich.
R – Olha, eu olhei.
P/1 – E o nome da Nelly?
R – Nelly foi de uma valsa argentina. Era uma valsa. Ramon foi do nome do meu sogro. Meu sogro chamava Ramon, meu marido chamava Ramon, e eu pus o meu filho de nome Ramon, só que meu filho chama Ramon Salvador Scarpelle. Eu pus o Salvador no meio.
P/1 – Eu queria que a senhora me falasse dos seus netos. Quantos netos a senhora tem e como é que foi ser avó?
R – Maravilhoso. Onze netos, onze netos. Maravilhosos todos eles, todos. Foi a minha maior alegria. O meu primeiro neto foi o Reinaldo Basile, que é o tio dela, filho da Janete, porque a Janete casou primeiro. Ele é o meu primeiro neto, tem 54 anos. É um amor de pessoa, hoje mesmo ele me ligou, ele me liga sempre. Ele é casado, mas ele é um amor de pessoa, tão bom. E tem o Rubens, que é o segundo filho da Janete, é mais do que um amor, que é o pai dela. Só que de uma maneira diferente, sabe, cada um é de um jeito, um é assim, outro é assim, né, cada um de um jeito, é um amor. E tem a Valéria que também é um amor também, que é a mais nova, que é casada também. Muito boazinha, um amor também. E tem os outros netos, que são filhos da Marlene, todos eles. Precisa falar o nome de todos?
P/1 – Se a senhora quiser, pra deixar registrado.
R – Tem a Marisia, que é a mais velha. Tem a Andréia, que é a segunda. A terceira que chama Patrícia e tem o quarto que chama Marcelo. Eles são avós também, já são avós. E tem a Marília que tem um filho só, que chama Maurício. E a Nelly que não quis casar. Foi noiva com 15 anos. Foi noiva, namorou oito anos, mas naquele tempo era namoro. Meu filho era pequeno e ficava no meio dos dois (risos), ou então a Marlene, era pequena também e ficava no meio dos dois. Mas não casou porque ele era muito trabalhador, muito bonzinho, tudo, mas ele bebia. E eu explicava pra ela, mas ela tinha 15 anos. Fizemos uma festa no noivado dela, eu aceitei ela com 15 anos pra namorar em casa, porque se namorasse na rua eu tinha medo que acontecesse alguma coisa, então eu preferia aceitar ela com 15 anos namorar em casa do que de repente ela ficar namorando na rua, acontecia alguma coisa, né? Então fizemos até uma festa. E ela namorou oito anos com esse moço, depois ela desmanchou quando ela tinha 22 anos. Eu falava pra ela: “Esse moço bebe”, mas ela era muito criança: “Ah mamãe, bebe nada” “Está bêbado” “Não, imagina, não bebeu nada” (risos). Não entrava na cabeça dela. E quando ela tinha 22 anos aí ela falou, aí que ela entendeu, “Vou desmanchar porque ele bebe”. Aí ele desmanchou definitivamente. Ele gostava tanto dela, mas não conseguiu largar a bebida. Porque ela dizia: “Você larga a bebida”. Ele não conseguiu largar a bebida. Ele gostava tanto dela, que ela trabalhava na Papelaria Correia Dias lá na Praça João Mendes e ele esperava ela sair do trabalho pra ir atrás dela, pra ela pegar o ônibus: “Você quer? Eu me ajoelho aqui na Rua Direita, pra você ficar de bem comigo”. Ela falou: “Não, não, não”. Durou mais oito anos. E depois ela namorou, namorico assim de mês, dois meses, namorava com outro um mês, dois meses, depois chegou numa certa idade ela falou: “Chega, não quero namorar mais”. Acho que ela tinha 40 anos, mais ou menos, ela falou: “Ah não, não vou namorar mais”, porque aquele namorico de um mês, dois meses, três meses e o namoro já tinha mudado, já queria um namoro moderno e ela não era moderna. E ela disse: “Sabe de uma coisa? Não quero namorar mais”. Não namorou mais e não casou, ficou sendo minha companheira. Quer dizer, eu moro na casa dela, porque depois eu vendi minha casa. Depois de muitos anos eu vendi minha casa e ela comprou esse apartamento com o trabalho dela, quer dizer que eu moro com ela.
P/1 – Há quantos anos a senhora mora com ela?
R – Desde que ela nasceu (risos).
P/1 – Ah, vocês nunca...
R/2 – Não.
R – Desde que ela nasceu. Setenta?
R/2 – E sete.
P/1 – Quando a senhora vendeu a casa a Nelly morava com a senhora, foi isso?
R – Sim, sim.
P/1 – Entendi.
R/2 – Ela alugou a casa dela.
R – Aluguei e fui morar na Iguatemi, né?
R/2 – É. Aí depois que eu comprei esse apartamento aqui, aí foi muito tempo. A casa dela continuava alugada, depois ela quis vender. Tudo bem.
R – Ah é, minha casa continuava alugada.
P/1 – E a senhora veio morar com ela.
R – Aí resolvi vender, dar a parte pros filhos casados, eu quis dar, eles não exigiram nada, não queriam nada. Eles: “Não, não, não”, eu falei: “Não, a parte do seu pai é vossa. A minha parte é minha”. Eu sempre quis a coisa correta, certa. Eles pegaram porque eu exigi, não que eles. E tinha um apartamento em Santos, meu marido tinha comprado também um apartamento em Santos, na Praia Grande, eu vendi também porque estava dando muito trabalho, quebrava, o zelador, administrador não arrumava, eu peguei e vendi também. Tudo com a procuração deles, sempre de acordo com os filhos. Aí eu dei a parte deles também, também ele não queriam, não queriam, não queriam. Eu falei: “Não, o que é vosso, é vosso”.
P/1 – E quantos bisnetos você tem?
R/2 – Treze.
R – Onze netos. Ah, eu não contei os outros netos, né? Tem a Andreia, depois tem a Patrícia, depois da Patrícia tem?
R/2 – Marcelo. Já falou.
R/3 – Os do Ramon.
R/2 – Os do Ramon a senhora esqueceu.
R – Ah, é! Do meu filho! Tem Alessandra, tem a Vanessa e tem o Rafael, que são filhos do Ramon. Já falei de todos. Ah que bom que você me lembrou, meu Deus!
P/1 – E os bisnetos, quantos são?
R – Bisnetos são 13.
R/2 – Tem do Rubens.
R/3 – Acho que ela conta, né? Conta aí, bisa.
R – São 13.
R/2 – Fala aí um pouquinho de todo mundo.
R – De todos mundo?
R/2 – Dos bisnetos.
R – Dos bisnetos?
R/2 – É, dos netos e dos bisnetos.
R – Os netos são todos uns amores, todos. Começando por Reinaldinho e terminando pelo Rafael, todos. Reinaldo, eu falo Reinaldinho até hoje, com 54 anos. Reinaldo Basile Júnior. Reinaldo, Rubens, Valéria. Depois dela quem vem? Marísia.
R/2 – Marísia é da Marlene, né?
R – Da Marlene. Da Janete são três. São três? Três. Depois tem da Marlene, da Marlene tem a Marísia, Andréia, Patrícia e o Marcelo.
R/2 – Depois vem da Marília que é o Maurício.
R – Não, é o do Ramon.
R/2 – É o do Ramon primeiro.
R – Ramon. Ramon casou primeiro que a Marília. Marília casou com idade. Do Ramon, Alessandra, Vanessa e Rafael. Aí a Marília casou. Marília casou já com uma certa idade, casou já com 36 anos, que é aquela que é formada. Aí nasceu o Maurício. Então contando um por um são todos uns amores, todos, do primeiro até o último.
R/2 – Agora os bisnetos.
R – Os bisnetos são 13. Primeiro bisneto quem foi?
R/2 – É do Rubens primeiro, porque o Reinaldinho não teve filho.
R – A Rúbia já é casada, faz três anos que casou. Depois tem a Rafaela, que é um amor. A Rúbia é um amor, a Rafaela é mais outro amor. É duas, né?
R/2 – Duas.
R – O Rubens tem duas.
R/2 – Aí vem a Valéria.
R – Depois tem as bisnetas da Valéria.
R/2 – Não, as filhas da Valéria que são suas bisnetas, não a bisnetas da Valéria (risos).
R – As filhas da Valéria, que são minhas bisnetas. Tem a Caroline e tem a Stefanie. Duas. Que são, nossa senhora, são uns amores. A Carol, nossa senhora. A Stefanie. Depois vem quem? Bisneta?
R/2 – Depois vem da Marlene, né?
R – Depois vem da Marlene. Bisneta, tem. Coitada, essa minha neta ficou viúva, o marido dela morreu muito moço.
R/2 – Não mãe, a Andréia.
R – A Andréia, morreu, mas ela teve três, quatro filhos. Três, né? Com o marido dela ela teve a Bárbara, me ajuda, Rafaela!
R/3 – A Bárbara, o Lucas.
R – O Lucas.
R/3 – A Débora.
R – E a Débora. Isso. Aí o marido dela morreu muito moço. Nossa, quanto que eu chorei quando o marido dela morreu. Pra mim ele era um filho, era um filho. Ele vinha aqui nesse apartamento aqui, numa véspera de Natal, sabe quantas pessoas tinha? Trinta e três pessoas, só da família.
R/2 – Você lembra disso? Lembra, né?
R – Eu lembro a Rúbia, quando começou a andar a primeira vez. Eu estou vendo ela, abrindo a porta e a Rúbia entrando, estou lembrando disso. Então, 33 pessoas tinha. E esse que morreu, que era marido da Andréia, ele teve leucemia. Ficou muito doente. E nessa véspera de Natal que tinha 33 pessoas ele estava aqui. Ele já estava doente. Ele sentou perto de mim, não tinha lugar nem pra sentar, tinha gente sentado no chão. Eu estava sentada aqui, não nesse sofá, outro sofá. Ele sentou aqui: “Vó”, ele me chamava de vó, “Vó, eu gosto de conversar com a senhora porque a senhora tem muita experiência na vida. Como eu gosto da senhora”. Isso foi na véspera de Natal. Dava impressão que ele não tinha nada, ele estava fazendo tratamento, tudo. Quando foi no dia dois de fevereiro ele foi pro hospital, ficou uma semana, fez transplante, morreu. E ela ficou viúva, essa minha neta Andréia. Ela tem três filhos, depois ela arrumou um marido e teve mais um filho, Rafael, também chama Rafael. Tem a Bárbara, a Débora e tem o Lucas. E tem o Rafael, chama o pequenininho. E tem a Patrícia, que tem duas filhas. Tem a Tamara e tem a Rafaela, tem outra Rafaela. São todos uns amores. Depois dela, quem é que tem mais? Chegou 13? Ah, imagina! E tem a Rafaela da Patrícia.
R/2 – Já falei.
R – Falou?
R/2 – É, depois tem a Pietra.
R – Depois tem a Pietra que é neta da Marília.
R/2 – Sua bisneta. E depois tem o João Marcelo.
R – Depois tem o João Marcelo que é o neto da Marlene. Chegou a 13?
P/1 – A Vitória é a última.
R – A Vitória! A Vitória, meu Deus do céu! Que é filha do Marcelo. Tem a família.
P/1 – A família é enorme, né?
R – É, de vez em quando não digo que falha?
P/1 – É muita gente mesmo.
R – É. Falta alguém, né?
P/1 – Anella, eu vou encaminhar pro fechamento, tudo bem? Eu vou encaminhar pro encerramento do depoimento, tudo bem?
R – Depois fica pro próximo, como é que fica?
P/1 – É, a gente pode conversar pra ver como vocês querem. Mas eu acho que essa nossa conversa dá um panorama bom da sua vida, da sua trajetória. Pensar que a gente saiu da infância e chegou dos bisnetos é uma, acho que cobre a trajetória.
R – É uma boa trajetória.
P/1 – É uma boa trajetória. Eu queria fazer duas perguntas finais pra senhora, pra fechar, que são perguntas que a gente sempre faz. A primeira é: Quais são seus sonhos, hoje?
R – Qual é o meu maior sonho?
P/1 – Seus sonhos.
R/2 – Sonhos.
R – Daqui pra frente?
R/2 – É.
R – Meus sonhos? É ver toda minha família sempre unida. Sempre, porque ela vive unida, minha família. Então, o meu maior sonho é que minha família continue unida e que depois que eu me for, vão continuar sendo unidos, porque eles são uma família maravilhosa. Na minha família, todo mundo fala pra mim que eu tenho uma família maravilhosa. Onde eu vou, ou quem vem aqui, porque até os vizinhos, porque eu não vou na casa de vizinho nenhum porque é o meu gênio, meu gênio é esse, de ficar dentro de casa. Principalmente agora, mas eu sempre fui assim. Então eu tenho alguns vizinhos que às vezes vêm me visitar. “Eu venho visitar a senhora, mas a senhora nunca vai na minha casa”, eu digo: “Vocês não reparem, eu agradeço de fundo do coração que vocês vêm me visitar, porque meu gênio é esse”. E todo mundo que vem nesse apartamento fala que aqui tem um bom astral, que aqui é gostoso, que aqui é bom e que aqui tem bons, como é que fala?
R/2 – Fluidos.
R – As pessoas falam fluidos. E outra coisa que eu quero contar é que onde eu vou, vamos supor, eu vou no hospital, me tratam maravilhosamente bem. Médicos. Eu fiz aniversário no hospital. Os médicos, eu fiquei na sala de criança, como é que era? Na ala das crianças. Você sabe que os médicos das outras alas subiam lá onde eu estava pra me conhecer. “Eu quero conhecer aquela senhorinha que dizem que é assim, assim e assim”, que as enfermeiras falavam de mim. Falavam não sei, acho que falavam muito bem porque eu sempre muito bem, mesmo que doesse, e não doía porque eu estava com pneumonia dupla, mesmo que doesse uma injeção, uma aplicação, qualquer coisa, eu agradecia: “Muito obrigado, muito obrigado, muito obrigado”. Desde a faxineira que vinha fazer a faxina eu agradecia: “Muito obrigado”. Mesmo que eu estava com dor. Se tinha que passar perto de uma pessoa eu peço licença, eu aprendi isso de pequena, então sempre tratei as pessoas muito bem.
P/1 – Pode finalizar.
R – O que eu estava falando?
P/1 – Estava falando que a senhora é sempre bem tratada.
R – As enfermeiras me tratavam muito bem. Vinham pessoas, os médicos vinham das outras alas, que tinha várias alas no hospital, eles vinham lá pra me conhecer, pra me abraçar, pra me cumprimentar, que eu passei o aniversário no hospital. Que não pude ir no casamento da minha bisneta, que a irmã dela casou no dia 25 de julho e eu fiz aniversário eu estava no hospital. Ela casou dia seis...
R/2 – Agosto.
R – Dia seis de agosto, né? Aí eu vim pra casa dia...
R/2 – Dia 27.
R – Dia 27 eu vim pra casa, não tinha condições. Eu tinha comprado roupa, está até hoje, ainda não foi usada.
R/2 – Nem usou aquela roupa (risos).
R – Ainda não foi usada. Eu falei pra ela ainda, onde ela vai usar pra mim. Não foi usada. Sapato, tinha comprado tudo pro casamento, eu não esperava ficar doente. E não pude ir no casamento da minha bisneta, primeira bisneta que casou. Não pude ir. Então meu sonho é esse, é minha família sempre unida e continuar unida até depois que eu me for. Eu sou uma pessoa, eu fui muito nervosa, fui muito nervosa, mas eu sabia ter educação com as pessoas, sempre tive educação com as pessoas. Fui muito enérgica com meus filhos, fui muito enérgica, não fui boazinha, não. Quer dizer, boa como mãe, mas enérgica também como mãe. E agora ela tem que me aguentar porque eu estou muito, como é que fala?
R/2 – Ela está chorona. Ela chora.
R – Eu estou muito chorona. Estou muito assim, sem paciência, sabe? Não tenho paciência porque estou aqui mostrando pra vocês que eu estou sem dor nenhuma e eu mostro pros que vêm aqui, pros casados, todos, eu mostro que eu não tenho dor nenhuma. Mas eu tenho uma tonelada em cada perna. Se eu sair dessa cadeira agora e ficar em pé eu caio, não tenho equilíbrio, eu caio. Ela tem que me segurar ou então eu vou me segurando. Eu tenho uma tonelada, daqui pra baixo é uma tonelada. Não é que eu estou paralisada, não, mas é peso enorme, entende? Porque eu levei um tombo muito grande no banheiro, então eu fraturei várias costelas. Eu fiz a ressonância e a ressonância deu. Então eu tenho esse problema, de noite eu não consigo dormir, tenho que tomar calmante, eu tenho que, às vezes, não tenho maneira, não tem onde pôr as pernas, onde pôr os pés, não sei como pôr. Aí eu quero vir para a sala. Ela fala: “Mas se a senhora vai pra sala eu vou também”, aí eu fico lá. Então eu dou essa impressão que eu não estou sentindo nada, mas estou, entendeu? É a minha maneira de ser.
P/1 – E Anella, como é que foi contar sua história? O que você achou de contar sua história?
R – O que eu achei? Ah, há muito tempo, já fazia um tempo, acho que já faz quanto? Um ano, dois anos? Que eu queria contar tudo o que eu passei e tudo o que foi bom e o que foi ruim. Meu marido foi um ótimo marido, muito sossegado. Não é sossegado, muito educado, sabe? Nunca. Às vezes eu era mais nervosa, ele não. Ele era calmo, então ele me acalmava. Mas eu nunca fui de dizer palavrões, chamar a atenção dele, não. Ficava nervosa só, às vezes por um motivo qualquer, né sabe, casal sempre tem um motivo qualquer. Eu ficava nervosa, mas ele sempre me acalmava. Ele foi um marido muito calmo, muito educado, muito bom. Não tenho mais nada pra contar.
P/1 – Está ótimo, muito obrigada viu Anella, foi ótimo. A gente encerra.
R – Eu é que agradeço, vocês foram uns amores.
P/1 – A gente é que agradece.
R – Vocês foram muito bons, muito compreensivos. Vocês foram muito educados comigo, foram muito pacientes.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher