Farma Brasil - Johnson & Johnson
Depoimento de Walter Pohl
Entrevistado por Luiz André e Carmen Natale
São Paulo, 10/10/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FR_HV008
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Vamos começar. Eu queria começar com a sua identificação. Então o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Walter Pohl. Eu nasci em São Paulo em 1934, 28 de junho. Meu pai, doutor Otto Herbert Pohl, cirurgião-dentista, nasceu na Alemanha e veio para o Brasil aos quatro anos. Formou-se aqui no Brasil, estudou, inclusive estudou em Pinda, e depois fez doutoramento na Universidade de Leipzig na Alemanha. Eu nasci em São Paulo, no Hospital Santa Catarina e...
P/1 - Sua mãe?
R - A minha mãe é dona Helena Pohl. Ela é de origem holandesa, nasceu em Minas na cidade de João Pinheiro em 1909 e o meu pai [em] 1909. Vieram pra São Paulo e nós moramos em São Paulo. Eu moro desde que nasci em São Paulo, excetuando-se um período da minha vida que eu saí do Brasil; isso foi [de] 39 a 1945 quando nós fomos, a família - meu pai, minha mãe e três irmãos; eu tenho mais dois irmãos, mais três agora, um nasceu depois, em Berlim. Nós fomos pra Alemanha.
Como eu já tinha contado, o motivo da minha ida pra lá é o seguinte: eu tinha poliomelite aos dois anos de idade e tratamento no Brasil não havia nessa época. Havia radioterapia e tudo mas não havia fisioterapia, recuperação, esse tipo de coisa. Então o professor Domingos Defini, que foi o meu médico, disse que a única saída era ir pra Alemanha, isto era em 39, começo de 39, fim de 38. Aí acabou-se decidindo, na época meu pai disse: "Bom, pro menino andar." Porque o médico disse que só havia... Ou uma operação no tendão pra eu não andar nas pontas dos pés, só isso, ou então a Alemanha.
Fomos e como nós já tínhamos conversado um pouco, fomos morar na cidade de Berlim. Lá nasceu o meu irmão, o último,...
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Depoimento de Walter Pohl
Entrevistado por Luiz André e Carmen Natale
São Paulo, 10/10/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FR_HV008
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Vamos começar. Eu queria começar com a sua identificação. Então o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Walter Pohl. Eu nasci em São Paulo em 1934, 28 de junho. Meu pai, doutor Otto Herbert Pohl, cirurgião-dentista, nasceu na Alemanha e veio para o Brasil aos quatro anos. Formou-se aqui no Brasil, estudou, inclusive estudou em Pinda, e depois fez doutoramento na Universidade de Leipzig na Alemanha. Eu nasci em São Paulo, no Hospital Santa Catarina e...
P/1 - Sua mãe?
R - A minha mãe é dona Helena Pohl. Ela é de origem holandesa, nasceu em Minas na cidade de João Pinheiro em 1909 e o meu pai [em] 1909. Vieram pra São Paulo e nós moramos em São Paulo. Eu moro desde que nasci em São Paulo, excetuando-se um período da minha vida que eu saí do Brasil; isso foi [de] 39 a 1945 quando nós fomos, a família - meu pai, minha mãe e três irmãos; eu tenho mais dois irmãos, mais três agora, um nasceu depois, em Berlim. Nós fomos pra Alemanha.
Como eu já tinha contado, o motivo da minha ida pra lá é o seguinte: eu tinha poliomelite aos dois anos de idade e tratamento no Brasil não havia nessa época. Havia radioterapia e tudo mas não havia fisioterapia, recuperação, esse tipo de coisa. Então o professor Domingos Defini, que foi o meu médico, disse que a única saída era ir pra Alemanha, isto era em 39, começo de 39, fim de 38. Aí acabou-se decidindo, na época meu pai disse: "Bom, pro menino andar." Porque o médico disse que só havia... Ou uma operação no tendão pra eu não andar nas pontas dos pés, só isso, ou então a Alemanha.
Fomos e como nós já tínhamos conversado um pouco, fomos morar na cidade de Berlim. Lá nasceu o meu irmão, o último, e o meu pai foi convocado pro exército alemão. Ele era cirurgião e dentista, então foi pra frente russa de 1941 até 45, quando ele terminou na Tchescolováquia.
Nós saímos da cidade de Berlim por causa dos bombardeios. Berlim, nessa época, foi muito bombardeada; eram bombardeios pequenos, não eram grandes, eram localizados. De lá, nós fomos pra Dresden e em Dresden ficamos até o bombardeio de três de fevereiro, nós o pegamos lá. Destruiu a cidade toda.
Depois, de acampamento em acampamento, encontramos o meu pai no dia sete de maio e no dia oito de maio terminou a guerra. No dia sete, nós ainda passamos pelo front russo e depois vivemos um tempo em Bruxelas, Paris. E depois [viemos] de navio, foi o segundo navio depois da guerra que veio pro Brasil; era um navio francês chamava-se "Desirade".
Começamos tudo de novo aqui. O meu pai não, só voltou em 49 porque quando nós nos entregamos ao exército americano, que era a intenção do meu pai e de um grupo de veículos da Cruz Vermelha, ele ficou lá até 49 trabalhando nos hospitais militares americanos e russos. Depois voltou - nós já tínhamos vindo em 45. Estudamos, começamos tudo de novo, fizemos faculdade.
P/1 - Que informações você tem de seus avós, você chegou a conhecer?
R - Sim, sim. O meu avô também era alemão, mas veio pro Brasil também com vinte anos, mais ou menos, de idade. Meu avô era entomologista, trabalhava com insetos, inclusive tem uma coleção dele no Museu de Zoologia do Ipiranga. Ele fez grandes coleções aqui no Brasil.
Com ele é que eu aprendi esta formação de biologia, sabe? Ele praticamente era o nosso professor em casa porque não tinha pai na época. Ficamos quatro anos sem pai, então era o meu avô que cuidava da gente. Ele então que lecionava e nos enveredou um pouco pra essa coisa de ciências biológicas, principalmente o meu irmão mais velho que é cirurgião-dentista e eu. Os outros são mais técnicos, um é economista e administrador de empresas e o outro fez eletrônica. E o meu avô, ele tinha um tio-avô que veio para o Brasil na época do Império e era botânico.
P/1 - Quais eram os nomes deles?
R - Era João Emanuel Pohl. Ele, inclusive, tem uns dez, quinze livros publicados em português. Na Biblioteca de Ouro Preto eu encontrei dez sobre… Mais sobre ciências naturais - a parte de botânica, zoologia, um pouco de etnologia. Ele escrevia sobre esses assuntos, viajava pelo Brasil. A especialidade dele maior era botânica; ele sistematizava, quer dizer, ele fazia taxonomia de plantas. Ele sistematizou uma série enorme de palmeiras do Nordeste, descreveu uma série de tubérculos brasileiros, era especialista nesse assunto.
Eu, então, me interessando mais por essas coisas, acabei fazendo Ciências Naturais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Procurei mais na área de Microbiologia; a minha especialização, na verdade, era Imunologia e Microbiologia.
Comecei na Johnson em 1959 como assistente de microbiologia. Entrei por um anúncio de jornal no Estadão e de lá fiquei até dezembro de 93. Fiquei 34 anos, saí de lá como diretor de pesquisas e garantia de qualidade da Farma Brasil.
P/1 - Bom, antes da gente entrar na Johnson eu ainda queria que você recordasse um pouco...
R - Deixa eu falar um pouco mais em 54. Na época em que eu entrei na faculdade eu tive o meu primeiro emprego remunerado, quer dizer, relativamente remunerado, como bolsista no Instituto de Cardiologia Sábbado D'Angelo, que era um instituto especializado em desenvolver implantes cardíacos. Acho que que foi o primeiro instituto aqui no Brasil que se especializou nessa área de coração e pulmão artificial, esse tipo de extra-corpóreos. Doutor Hugo Filiposi era o diretor do instituto e o doutor Sérgio Paladini foi meu professor; ele era professor de Fisiologia e Patologia Clínica da [Faculdade] Paulista [de] Medicina. Lá que eu comecei a trabalhar a primeira vez em ambiente de laboratório.
De lá eu fui para o Instituto Adolfo Lutz, também como biologista e bolsista; lá eu fiz todos os onze ou doze departamentos. Fiz microbiologia, imunologia, sorologia, meio de cultura, bromatologia, fisiologia, patologia clínica. Naquele tempo, estava começando a parte de vírus, também estava começando nessa época. Lá fiquei um ano e pouco, depois eu comecei a trabalhar no laboratório Veafarma como assistente de produção e da Veafarma eu saí pra entrar no laboratório Johnson.
Na época, na Johnson não existia a Farmacêutica separada, a farmacêutica era uma divisão da Johnson & Johnson. Comecei com assistente; dois, três anos depois cheguei a ser chefe do laboratório de sorologia, microbiologia e biotério. Uns dois anos depois eu peguei também a produção de soros e fios cirúrgicos, além do meu trabalho no laboratório. e depois começou a época de nós nos prepararmos pra vir pra São José dos Campos. Nessa época nós começamos a desenhar, começamos a colocar em prancheta o centro de pesquisa que está lá até hoje.
O nosso chefe, na época, era o doutor Bruno Vassel, um americano de origem alemã e que nasceu na Índia. Foi o nosso diretor de pesquisa na época, até que ele se acidentou, afastou-se. Aí veio o doutor Parera, que ficou provavelmente uns dois anos. Quando ele saiu, quem assumiu a diretoria de pesquisa, a gerência de pesquisa de desenvolvimento e garantia da qualidade era o Hans Fagen, na área de produtos do consumidor, e eu, na área de produtos médico-hospitalares - na época chamava-se… Englobava farma, produtos veterinários, dentais, hospitalares e diagnósticos. Eu era responsável por essa parte toda; isso incluía desenvolvimento de novos produtos, novas tecnologias, garantia de qualidade, controle de qualidade e microbiologia, [em] que nós prestávamos serviços pra toda a Johnson, não só pra médicos, mas também pra consumidores.
Fiquei nesse cargo uns quatro anos, junto com Hans Fagen na [área de] consumidor. Hans Fagen se acidentou na [Rodovia] Dutra e faleceu, aí eu fiquei sozinho durante um ano, mais ou menos - talvez um pouco menos, até chegar o Felipe Omes, que assumiu depois a gerência da consumidor. Depois a Johnson se desmembrou em produtos profissionais também, então a parte hospitalar, a parte dental passou para essa área de produtos profissionais. E nós ficamos com a Farma, com produtos veterinários e diagnósticos.
Isso foi até 1900... A diagnósticos, eu penso que deve ter saído em 76, mais ou menos; a veterinária um pouco mais tarde, aí ficou só a Farma. Até 1991, quando eu fui promovido pra diretor de pesquisa da Farma Brasil; fiquei por dois anos e me aposentei em dezembro de 93.
Nessa época nós tivemos uma série de highlights, alguma coisa que nós pontificamos onde a Johnson… A Johnson sempre foi uma empresa extremamente pioneira em suas áreas todas. Nós tínhamos companhias matrizes muito boas: nós tivemos a Jansen, que ainda hoje é uma das indústrias farmacêuticas mais criativas, em projetos novos, em produtos novos. Temos a Orto, que nos assessorava na área de dignósticos e de produtos ginecológicos, hormonais. Tínhamos a Cilag, que nos assessorava em uma série de produtos farmacêuticos para as mais diversas terapias. Esses eram as principais. Tínhamos também a Macnew que nos assessorou também em muitos produtos - toda essa linha Tylenol, Cotylenol é tudo da Macnew. E depois passou também para uma área que nós chamávamos de OTC, produtos over the count, ou seja, produtos mais de uso popular. E depois os produtos mais éticos, digamos, como é que se chama? De prescrição médica, ficaram com a Farma.
Alguns highlights que nós já pontificamos, que eu acho que onde a companhia se destacou e continua se destacando... Eu diria que na área de produtos diagnósticos nós nos destacamos porque éramos talvez o único fabricante de soros pra diagnóstico de grupos sanguíneos - fator Rh, grupos raros, grupos sanguíneos. Nós tínhamos uma linha de fabricação própria no Brasil. Eu acho que outro highlight da Farma também, no seu todo, é quando nós entramos no mercado com Gravindex, que foi um produto de diagnóstico para gravidez. Pra vocês terem um ideia, nessa época era um produto em látex que fazia um teste em lâmina. Levava dois minutos e tinha o resultado.
P/1 - Quando isso?
R - Isto eu diria que foi na época de 66, 67, por aí. Pra vocês terem uma ideia, o diagnóstico de gravidez vinha sendo feito em sapos nos últimos trinta anos, era a prova de Galli-Mainini, então a Johnson foi pioneira. Quando nós entramos com um teste imunológico para a gravidez, pra profissão médica isso foi uma coisa impressionante. O pessoal não acreditava, não podia entender que você em casa mesmo podia fazer o diagnóstico da gravidez. Então tivemos uma série de palestras e de aulas, nos institutos e em hospitais porque tudo era… Naquela época, trazer um produto desse para o Brasil era fora de série, porque o pessoal não sabia nem do que você estava falando.
P/1 - Foi lançado pela Divisão Farmacêutica?
R - Foi lançado pela Farma, que tinha uma divisão de produtos diagnósticos nessa época. Isso foi um highlight.
Eu diria que outro também foi o lançamento do Rogan, na época, pra eritoblastose fetal, que é a doença do recém-nascido. Na realidade, você não tinha nada pra imunizar a mãe. A mãe se sensibilizava e no segundo, terceiro filho já tinha aquele problema sério de perda de filho ou então de ter uma transfusão, enfim, qualquer coisa. O Rogan era uma substância desenvolvida pelo laboratório Orto; era um profilático a uma nova agressão imunológica pro próximo filho. O primeiro filho, se era Rh+ e a mãe negativo, podia causar esse problema, então com uma injeção de Rogan você eliminava esta sequela imunológica para o segundo filho.
Isso foi uma vitória, mudou a obsetrícia, a ginecologia, essa coisa [de] neonatal. Foi realmente isso.
Eu diria que são dois grandes highlights depois. Nessa época, a Johnson também tinha o seu laboratório de pesquisa. Nós desenvolvíamos os produtos, nós trabalhavamos muito na área de [doença de] Chagas, dignósticos imunológicos e hematológicos pra doença de Chagas. [Nós nos] associamos com o laboratório Nofil de Londres e com o Instituto Medicina Tropical da USP, [com o] professor Mário Camargo e desenvolvemos um ensaio imunoenzimático da Chagas, com hemoglotinação pra Chagas e um teste de látex, mas não chegamos a comercializar porque logo em seguida decidiu-se fechar a Diagnósticos, então esses produtos hoje estão sendo comercializados por um laboratório pequeno, que pertence a um grupo do Instituto de Medicina Tropical.
Nós trabalhamos muito na área de artrite reumatóide; saímos com um produto no mercado, um látex. Depois nós desenvolvemos pra estreptolisina óssea, para a parte de agressão cardíaca pelo estreptococos, pela garganta, extremamente sério. Fizemos mononucleose, proteína C reativa, quer dizer, desenvolvemos uma série de produtos aqui no Brasil. Mas só um ou dois foram comercializados, na realidade, porque não dava mais tempo. Foi nesta época que se decidiu não fazer mais nada aqui, nesse campo.
P/1 - E isso foi uma diretriz por motivos políticos? O que teria tirado a Johnson dessa área?
R - Eu acho que essa divisão não conseguia se sustentar sozinha. Acho que ela não tinha recursos suficientes pra… Pra você ter uma ideia, na época nós tínhamos uma escola de imuno-hematologia no Brasil, pra ensinar médicos e técnicos para aprenderem técnicas imunológicas de grupo sanguíneo. Não existia isso, fomos pioneiros nessa área também. Era um curso de pós-graduação, tivemos diversos professores aqui; diversos médicos hoje são expoentes em hematologia em diversos hospitais, no Einstein, no Santa Catarina, no Oswaldo Cruz - este era o nível que se trabalhava. Tudo isso custava muito dinheiro, então não havia… Eu penso que foi um problema de recurso também.
P/1 - Durante quanto tempo existiu o setor de desenvolvimento de produto?
R - Não. Esse setor de desenvolvimento continua até hoje na parte farmacêutica. Nós desenvolvemos produtos até hoje aqui no Brasil.
P/1 - O laboratório de pesquisa...
R - Esse laboratório de pesquisa biológica, que se trabalha com animais, pesquisa de imunização… Eu acredito que foi até 74, 75… Mais um pouco, 77.
P/1 - E foi criado em?
R - Foi criado… Isso já começou em 60, antes de 60 já tinha o laboratório.
P/1 - Com o biotério?
R - Já tinha biotério, que antes de eu entrar já se fazia pesquisa biológica, mas em outras áreas. Naquele tempo se trabalhava com estratos, com... A Johnson tinha uma das maiores coleções de enterobactérias do grupo Salmonella e Shigella, isso parecia uma pequena universidade nessa área.
Nessa época, inclusive, eu recebi o prêmio Felipe Hoffman de pesquisa por meu trabalho na área de látex e também por um trabalho que eu fiz pra consumidor que nós fizemos juntos - quer dizer, um grupo liderado por mim, onde nós desenvolvemos a tecnologia de esterilização de talco. Pode parecer um negócio simples, mas pra esterilizar é uma tecnologia extremamente complexa, porque o talco é um produto extremamente denso e que não absorve calor. Pra você conseguir entrar com um calor úmido dentro de uma espessura de cinco, seis centímetros que era, ou doze, vinte centrímetros, que eram os envoltórios, as embalagens, é um negócio impressionante. Era uma coisa muito complicada e isso ajudou muito a Johnson porque nós entramos praticamente… Isso é um outro highlight, a Johnson entrou no mercado com um produto infantil estéril e foi aí que nasceu também a ideia do produto asséptico.
Nós, através da Johnson Internacional… Eu fazia parte de um comitê internacional de microbiologia onde nós tínhamos um microbiologista da Inglaterra, outro da Austrália, eu e dois da Johnson Internacional. Nós estabelecemos normas de micro-organismos vivos em produtos que se destinavam a crianças. Por exemplo, se você tinha até então mil micro-organismos por centímetro cúbico de produto, a Johnson estabeleceu uma norma pra baixar pra dez. Isto representava uma revolução, porque as nossas fábricas não estavam preparadas pra isso, então nós mudamos tudo - todos os conceitos de fabricação, toda tecnologia, todas as fábricas, tudo foi isolado, tudo foi tratado por antissepsia, por desinfecção. Desenvolvemos toda essa metodologia para termos no mercado o produto mais puro pra uso infantil humano e pra adultos.
Até hoje perdura isso; a Johnson tem talvez o melhor produto em termos de micro-organismos vivos, níveis microbianos dentro do produto acabado. Isso foi tudo feito nessa época que também eu diria que foi um dos pontos altos da companhia, ela se destacou nisso.
Na área hospitalar nós temos também alguns highlights da época - isso eu estou dizendo na época que eu dirigia a parte de desenvolvimento de novos produtos. Nós tivemos um highlight muito importante, que é desenvolver gases não aderentes pra queimaduras e pós-cirurgia e o conceito de descartável. Até essa época não existia o conceito de descartável; vendia-se o produto, se esterilizava, punha numa autoclave no hospital e usava-se no cliente. Quando nós tomamos a decisão, quando a Johnson [tomou a decisão] de: "Não, nós vamos entrar numa linha asséptica, numa linha estéril", foi aí que nós desenvolvemos o descartável. Pra você ter uma ideia, o descartável era em papel; desenvolvemos o papel no Brasil porque não se podia importar na época, época difícil de importação. Eram papeis testados quanto à sua porosidade a micro-organismos - um negócio complexíssimo, tivemos que montar aparelhos especiais pra isso e foi.
Acho que também um dos highlights também foi entrar no Brasil com a esterilização a gás. Naquela época, só se esterilizava ou quimicamente com líquido, suturas. Ainda era com solução de Cubol, que eles chamavam; eram fios cirúrgicos em tubos e esse tubos eram fechados a lâmpada, fogo. E depois nós desenvolvemos, junto com os Estados Unidos, a Eticon, o que eles chamam hoje de primary e do overwrap, que são os envelopes que contêm as suturas - isso também foi desenvolvido nesta época.
Nessa época, a Johnson saiu de uma pequena empresa da Avenida do Estado e de repente decidiu se expandir em São José dos Campos. [Eram] prédios enormes, e de repente tinha que se fazer algo, tivemos que… Essas coisas começaram a nascer com a nova fábrica. Então viajávamos muito na época pra pegar essas tecnologias lá fora, são tecnologias extremamente complexas. O vapor de oxiteleno explode sozinho dependendo da temperatura, dependendo... São coisas muito sérias, muito complicadas e nós fizemos isso na época - junto com o grupo, evidentemente, aí veio o grupo da Eticon. Acho que isso foi um dos highlights também da hospitalar, diversos… Tecnologias que perduram na empresa até hoje. Na Veterinária, nós usávamos mais a parte dos produtos Jansen. Desenvolvíamos os produtos aqui, as fórmulas. Na Dental, nós começamos a introduzir a tecnologia de cimentos dentais de materiais dentários; fizemos almágamas, fizemos muito aqui no Brasil. Começamos com a tecnologia, depois passou pra profissional, aí nós não... E continuamos com a Farmacêutica.
A Farmacêutica, quando eu entrei em 1959… Eu acho que a produção dela - eu não tenho bem certeza, mas com o Fermino que entrou logo em seguida… O doutor Bueno era o farmacêutico responsável na época, ele se acidentou num automóvel e morreu, então entrou Fermino, se não me engano. Naquela época, se fabricava glicose injetável, glicose em pó com vitamina C, glicose em pó com vitamina B1, Calhamon líquido, acho que Rarical em drágeas já se fazia e uns dois ou três produtos da Cilag - Clistin… O Hidrax também já se fazia. Tinha o Clistin e tinha mais um outro, que se usava pra infecção de ouvido.
P/1 - Isso falando de 59?
R - Isso em 59.
P/1 - Quer dizer, já tinha havido a incorporação da Cilag e da Macnew.
R - Não, naquela época a tecnologia que nós recebíamos das matrizes era Cilag e Orto. A Orto na área de produtos, principalmente ginecológicos: cremes contraceptivos, cremes pra uso vaginal, esse tipo de produto. E depois tínhamos alguns produtos hormonais, porque depois fizemos um joint venture com uma empresa da Holanda; também tivemos alguns cremes contendo hormonais. E recebíamos tecnologia da Cilag, mas a Cilag tinha uma série de produtos antigos - produtos bons, conceituados, mas linhas não.
Acredito que foi em 60 ou 61 que começou a Jansen. Isso mudou radicalmente a empresa porque nós conceituamos aí um highlight que eu já disse, que é o Aldol, nós trouxemos para o Brasil. Eu diria que na psiquiatria foi Freud e Aldol, são os marcos. (risos) Os main stones. Sim, sério. Primeiro teve o Freud, com as suas teorias, e depois o Aldol, porque o Aldol ressocializava o homem, o tirava dos depósitos de seres humanos. Esse é um assunto muito importante, isso tem uma conotação…
A Johnson se destacou na área farmacêutica com isso, porque na época não era uma empresa muito conhecida na área farmacêutica, eram poucas pessoas que sabiam que a Johnson fazia produtos farmacêuticos. A Johnson era conhecida por talco, fraldas, produtos, Band-Aid, isso era Johnson. Johnson não era produtos, mesmo em diagnóstico também ela não… Apesar dela ter uma linha no Brasil, não era uma empresa conhecida, de porte, porque se especializava sempre na criança.
Depois do Aldol eu diria que vieram uma série de produtos, mas eu acho que o segundo produto mais importante foi o Nisoral, porque foi o primeiro produto que deu esperança para a terapia das micoses profundas. Nós tínhamos o Niconozol antes, mas o Niconozol era mais para fungos superficiais do tipo micrósporo e pra algumas leveduras, mas não era para micoses endêmicas brasileiras tipo blastomicose, actinomicose ou alguma série de outras aí. O Nisoral realmente foi o primeiro produto onde você podia fazer um tratamento em casa: você comprava vinte comprimidos, tomava e fazia um tratamento de blastomicose, porque antes disso blastomicose tinha que ser tratada em hospital, em clínicas universitárias; se tratava com um antibiótico que se injetava via parienteral e com cuidados médicos impressionantes, porque era de uma toxicidade bárbara e os estragos que a blatosmicose fazia nessa época era uma coisa horrível: pessoa sem nariz, sem lábios, pulmão todo comido. Era uma coisa muito séria e o Nisoral foi uma grande esperança; acho que foi assim, aqueles marcos na medicina. Acho que foi o Nisoral também.
Depois vieram evidentemente uma série de produtos, toda essa linha de hipnóticos, como é que chama? Anestesia, uma série de produtos que a Johnson lançou [e] que nós também somos pioneiros nessa área. Até hoje você vê, hoje nós temos até xampu antimicótico a base de cetoconazol, uma coisa fantástica. O Nisoral, por exemplo, até bem pouco tempo atrás o camarada achava que problema de caspa era um problema de couro cabeludo seco, essa bobagem. No fim, não era nada disso, é um fungo que causa isso, esse fungo se trata com um antimicótico.
Foi onde a Johnson novamente fez um highlight na sua área; dentro da sua linha de produto foi esse. Acho que esse foi um produto espetacular, esse xampu...
P/1 - O Triatop.
R - O Triatop e o Topic também, se não me engano. Tem o... Esse que temos na Farma, como é que chama o nosso...
P/1 - Que eu me lembre é o Triatop.
R - Não, não, o da Farma é… Bom, depois eu me lembro do nome.
Que mais? Quero contar mais alguma... Nós fizemos muitos trabalhos na época onde fomos highlights também, mas não especificamente visando o mercado. Uma coisa muito séria, que poucos laboratórios farmacêuticos no Brasil fazem ou fizeram: fazer pesquisa pra terceiros sem olhar a parte financeira, sem visar: "Bom, se sai é um produto novo, vamos vender e vamos ter o nosso lucro." Não, na época nós tínhamos um direcionamento também de trabalhar junto com universidades, junto com institutos, junto com áreas médicas em novas tecnologias.
Em 1978, 80, 82, nós nos engajamos num projeto de esterilização de fragmentos de tecido. Seriam tecidos de origem humana e tecidos de origem animal, para quê? Para transplante e para fazer próteses - por exemplo, prótese cardíaca, então você utilizava três, quatro válvulas humanas. Mas o grande problema desse material na época era colocá-las dentro. A parte cirúrgica já estava mais ou menos dominada, mas o problema era esterilizar esse material porque as endocardites pós-cirúrgicas eram… A estatística era enorme.
Nós trabalhamos com o professor Ênio Búfalo, que inclusive doutorou-se com o trabalho da Johnson, junto conosco; doutor Vicente Forte doutorou-se também junto com o trabalho, nós o assessoramos. Trabalhamos com o doutor Virginelli, todos os expoentes da época, o professor Zerbini. A nossa missão nesses projetos era conseguir esterelizar válvulas pra colocá-las na prótese e implantá-las, então nós desenvolvemos uma tecnologia a base de óxido de etileno mas não gasoso, líquido a um por cento a 4 graus centígrados. Isso solucionou o problema. Depois entrou o glutaraldeído, entrou uma série de outros produtos, mas o pioneiro na área, quer dizer, os pioneiros foram a Johnson.
Isso foi um ponto alto da companhia, outra coisa onde fomos pioneiros também [no] ambiente médico-hospitalar foram técnicas de desinfecção, antissepsia e esterilização química. Na época de 1960, 64, 65 o Brasil era muito fraco nessa área; não se conhecia bem o funcionamento de um antisséptico, de um desinfentante. Então fomos nós… Pra você ter uma ideia, fomos relatores de pelo menos doze ou quinze congressos de enfermagem hospitalar e cirurgia. Nós desenvolvemos, eu diria, as primeiras apostilas de uso de antissépticos e desinfetantes para todos os fins: para fins hospitalares, para fins cirúrgicos, para esterilização de material descartável - aqui no Brasil, naquele tempo, se reutilizava material descartável, então tinha que ter técnicas de esterilização pra isso, técnicas que não agredissem o produto; o produto eram plásticos. A Johnson também fez uma grande contribuição nessa área, isso também foi o nosso grupo da microbiologia, pesquisa, que trabalhou muito nessa área.
Esses highlights durante esses anos realmente deram a Johnson esse crédito, não é à toa que ela tem esse nome extremamente conceituado porque realmente o que ela diz ela faz, acredito que é um dos poucos laboratórios que faz isso. Esses produtos praticamente assépticos custam muito mais caro, mas mesmo assim a Johnson colocava no mercado o produto porque era um highlight, era um algo a mais para a mãe e para o usuário do produto.
Outro que eu gostaria de falar também na área de controle de qualidade… O conceito de garantia de qualidade, eu diria que nasceu na Johnson. Naquele tempo só se falava em controle de qualidade e alguma coisa mais, mas não era uma coisa conceitual; a companhia desenvolveu essa tecnologia. Nós tivemos Olef Greshnev, que era um dos pioneiros da época - era um colega nosso, trabalhou anos nesse negócio. As práticas corretas de fabricação, que na época eram o plus na área de garantia de qualidade, nós trouxemos para o Brasil em 74 e fomos o primeiro laboratório a dar aula sobre isso no Instituto Adolf Lutz para outros laboratórios, fomos pioneiros. Nesse ISO 9000 também, a Johnson é uma que está se esmerando muito nessa área porque conceito de qualidade na Johnson é coisa séria, não é uma coisa só pra por no rótulo e dizer que está lá. Pode ter certeza absoluta.
Mas isso demandava muito trabalho, muita coisa e aí nasceu o termo billboard, que são o número de microorganismos que você tem dentro de um ambiente de trabalho. Esse billboard é um nível intrínseco de contaminação de uma área fabril. Essa coisa foi amplamente divulgada dentro da Johnson e pra se chegar a esse nível intrínseco você tinha que reduzir, às vezes, o número de dez mil por centrímetros cúbicos pra dez, mas isso você não reduz assim.
P/1 - Como é que faz isso?
R - Atrás disso tem toda uma tecnologia de esterilização, de desinfecção, de antissepsia, de proteção do produto. Você tem que criar barreiras entre o produto e entre a pessoa que está fabricando o produto, então desenvolveu-se toda uma tecnologia de indumentárias, de uniformes, enfim, de proteger o produto. O objetivo era proteger o produto do ambiente e do ser humano.
P/1 - E isso nós estamos falando de quando? Quando isso foi implantado, 60 ou 70?
R - Ah, isso começou em 70, 72, por aí. As práticas corretas de fabricação começaram em 71; nós, em 72, 73, já estávamos falando nisso no Brasil.
Esses pioneirismos eu estou destacando bastante aqui porque esses é que dão vida à história da companhia. Esses são os pontos de referência, os referenciais da empresa - a nosso ver, eu digo sob o ponto de vista de um técnico, de uma pessoa que trabalhou sempre dentro da empresa. A gente se expunha muito em congressos, se expunha muito em seminários, dávamos muitas palestras. Mas eu digo, esse é um trabalho intrínseco ao produto, algo que você faz um ______ no produto. Isso nós fizemos bastante com [o] grupo todo da Johnson, até [hoje] estão fazendo.
P/1 - Bom. Pensando aí do ponto de vista histórico eu queria que você descrevesse a empresa quando você entrou. Como é que era falando especificamente de Farma.
(PAUSA)
R - Deixa eu situar no tempo a Farma. A Johnson & Johnson que eu conheço de 1959 - novembro, quando eu entrei na companhia, ela se situava na Avenida do Estado. Era uma empresa pequena: tinha um pavilhão de fabricação, tinha embaixo um outro pavilhãozinho de algodão, tudo manual. Em cima, tinha um laboratório que era tudo: a pesquisa, o desenvolvimento de produtos, numa área que pudesse ter talvez uns dez metros por quarenta ou cinquenta. Lá [se] situava tudo: diretor de pesquisa, secretárias, biblioteca, microbiologia, laboratório de desenvolvimento e garantia de qualidade, [uns] dois ou três quartos, eu diria, da fábrica.
A fábrica naquela época era, se não me engano, Johnson & Johnson Produtos Médicos - tem mais um outro nome: Médicos e Cirúrgicos - se não me engano, era o nome da Johnson quando eu entrei. Nessa época, não se contratava pessoas por headhunters, você colocava um anúncio no jornal de quatro centímetros por um, Estadão e pronto. Quem vinha, vinha e era entrevistado diretamente pelo diretor de pesquisa; não era, não tínhamos a área de Recursos humanos, essa coisa não existia. Tínhamos Recursos Humanos pra fazer folha de pagamento; a folha de pagamento inclusive não era feita [com] cheque, dava em dinheiro, era mensal.
Tínhamos uma área de escritório no lado direito, onde ficava o presidente da empresa, que na época era o senhor Willianson. Tinha um tal de senhor Peppers, que era responsável pela área de produtos de consumidor e tinha o senhor Sanches, responsável pela área Farma, já na época. E depois tinha o doutor Bruno Vassel, que era diretor de pesquisa pra empresa toda.
P/1 - Já se chamava de Farma, a Divisão Farmacêutica?
R - Não, eu se não me engano chamava Divisão de Produtos Farmacêuticos. Era uma coisa bem… Eram aqueles produtos que eu já falei pra vocês, eram uma linha pequena. O senhor Sanches é que foi o impulsionador, a pessoa que realmente deu o grande impulso a Farma com a Jansen, porque o crédito dele era acreditar nos produtos Jansen na época.
O Jansen naquela época era um laboratório desconhecido. Não era um laboratório... Não estava se falando numa Hoechst, numa Bayer; era um laboratório pequeno. O pesquisador principal naquela época era o doutor Paul Jansen, ele que era o homem que desenvolvia lá as fórmulas com mais dois, três - um médico que ele trouxe do Congo Belga e mais um veterinário e por aí vai. Mas não era algo enorme, eram pequenos os laboratórios na época; as exigências governamentais também eram bem menores. Hoje você nem poderia trabalhar nessa sistemática.
A Johnson daquela época, eu acho que tinha mais ou menos quatrocentos a quinhentos funcionários, no todo. Ela já tinha fábrica em São José dos Campos, que era [de] fiação, tecelagem, fazia o branqueamento do algodão e fazia pano pro esparadrapo. Os esparadrapos eram enrolados em São Paulo e os Band-Aids eram feitos em São Paulo, mas o plástico adesivo já era feito em São José dos Campos. Tinha uma cantina e só. São José talvez tinha cem funcionários, 120 talvez.
A ida do grupo todo pra São José - eu estou contando isso da maneira como nós recebemos a informação, às vezes tinha outras também, mas o motivo principal de nós irmos pra lá foram as enchentes do rio, o Tamanduateí. Nós sofremos diversas e a última, se eu não me engano, realmente a pior foi em 66, 68; praticamente destruiu a empresa, todo os seus estoques e todo o seu maquinário. E por azar nosso, além da enchente que cobriu as máquinas ainda atingiu um depósito de soda e esse depósito de soda se incumbiu de arrebentar com tudo: máquinas, motores. Foi um desastre, foi uma coisa pavorosa.
Aí se decidiu sair de lá. Foi aí o começo de São José, as novas fábricas; a Farma, inclusive, foi nessa época, de 70. Foi aí que começamos a construir o Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Garantia da Qualidade, está lá até hoje. Começamos a construir as fábricas de produtos ao consumidor, iniciou-se a construção da Eticon Suturas Cirúrgicas, os grandes depósitos da Johnson foram todos pra lá, que hoje é o Maracanã, e outros. Foi aí que começou a construção da Farma em prédio próprio, separado do complexo todo. E vis-a-vis à ruazinha lá começou-se a construir uma fábrica de máquinas, porque a Johnson fabricava as suas próprias máquinas - na época, não se podia importar máquinas pra fazer Band-Aid, pra fazer Modess ou qualquer coisa assim, tinha que se fazer, então a companhia fazia as suas máquinas também aqui dentro.
A Farma, oficialmente, acho que ela começou em 73, se não me engano, em São José dos Campos. Passou por diversas reformas e passou agora nesses últimos três anos ou quatro anos por uma reforma absolutamente substancial. Hoje a Farma é uma fábrica moderna, uma fábrica entrando pro século XXI, já; realmente de alto nível, dentro dos mais modernos conceitos de fabricação de um fármaco. Nós lutamos muito com isso porque a fábrica era bem construída, mas utilizava equipamento velho, então é a mesma coisa com os problemas que nós temos hoje em competir com as indústrias internacionais. O maquinário precisa ser moderno para poder competir em qualidade, em produtividade. E como esses conceitos de garantia de qualidade, de agora ISO 9000, exige uma série muito grande de tecnologias para você chegar a esse nível de produto.
Você pode fazer um comprimido e pode fazer um comprimido, quer dizer, existem duas maneiras de fazer um comprimido. Esse tipo de coisa só realmente se conseguiu agora com a nova fábrica. [Com] a fábrica anterior conseguimos também, sempre saímos dentro, mas à custa às vezes de muito sacrifício, muito dinheiro. Isso mudou, hoje é uma companhia moderna, uma fábrica moderna e onde você consegue inclusive controlar estes níveis que a gente fala - não só o billboard, você também pode ter níveis de contaminação química, não é só contaminação microbiológica. Você pega uma sala como esta, você fala: "Bom, traz um microbiologista e vamos tentar manter esse nível baixo de microorganismos." Você tem que mudar tudo aqui: o sistema de alimentação de ar, o sistema de exaustão, o sistema de filtros, o sistema de desinfecção de ar; tudo tem que ser feito numa área desta pra torná-la asséptica, eu não digo estéril.
Se você começa a ver uma sala dessas, que hoje vale, digamos, trezentos mil. Vamos dizer que ela vale trinta mil reais; com toda a tecnologia, ela vai pra trezentos. O custo é exponencial porque tudo tem que ser controlável, tudo tem que ser mensurável, tudo pode ser registrado e refeito. Não é uma coisa que se consegue fazer hoje e amanhã: "Bom, como é que eu vou fazer hoje?" Não. É linear. Isso foi feito na companhia nesses últimos anos e hoje realmente ela está dentro dos mais modernos conceitos, não tenha nenhuma dúvida; isso já nos últimos sete, oito anos.
Antigamente, as exigências governamentais não eram tão grandes e nem das casas matrizes. Antigamente, se tolerava cem micro-organismos por grama de talco, hoje não se tolera mais do que dez e talvez agora um, pode ser até que já mudaram, mas... E pra você abaixar isso é um log que você tem que abaixar e um log na reprodução dos microorganismos é uma geração só. Um microorganismo tem sete, oito gerações por dia ou mais, então são log, são exponenciais: dez a segunda, dez a terceira e por aí vai. Então pra você fazer a destruição você tem que fazer o caminho inverso também em logs, não existe essa história: "Bom, eu vou matar noventa, depois eu vou matar oitenta." Não, é cem, dez menos 0,1 e por aí vai.
É um negócio muito complexo e isso nós fizemos na companhia. Hoje, eu diria que a companhia nesse campo é a melhor, sem dúvida alguma. Isso, naturalmente, se reflete em todos os seus produtos.
P/1 - Eu queria entender em relação ao mercado internacional, porque me parece que dentro do Brasil a Johnson Farmacêutica teve um crescimento muito significativo dentro de todo o contexto internacional da empresa. Eu queria saber se isso é fato e a que o senhor atribuiria isso.
R - Bom, ela teve… Sem dúvida alguma, a Johnson passou por períodos difíceis.
P/1 - A Farmacêutica?
R - A Farma. Muito difíceis, nós pegamos anos extremamente difíceis. Você entrevistaram já o senhor Mário? Mário Ferrera?
P/1 - Sim, já conversamos com ele, não sistematizadamente.
R - Ele foi um dos que arquitetou esta coisa nova. Os produtos farmacêuticos no Brasil, historicamente, sempre foram tratados de uma forma errada porque se controlava o preço, se fazia uma série de coisas por parte do governo; o registro de um produto era uma odisseia, então era muito difícil trabalhar na área farmacêutica. Realmente isso era uma coisa muito séria, agora melhorou.
Nesses últimos anos melhorou muito com o Figueiredo e daí pra frente, quando o Brasil se abriu um pouco, as coisas melhoraram também com inflação. Mas eu diria que a Johnson Farma sempre podia vender acho que o dobro mas não conseguia por causa dos preços. Os preços eram tão baixos, era uma coisa tão… Pra você ter uma ideia, um produto que se vendia na Suiça, você vendia na Alemanha, você vendia nos Estados Unidos por oito dólares, aqui nós vendíamos por oitenta centavos, então era muito difícil. Nós batíamos recorde aqui de produção, eram milhões de unidades que se fabricava por mês. Eu acho que era uma das fábricas que mais fabricava unidades, mas na hora de reverter...
P/1 - De onde?
R - Do mundo.
P/1 - Em relação ao complexo?
R - As matrizes - a Orto, a Macnew e a Jansen - não faziam o volume de produção que essa fábrica de São José fazia, mas acontece que o retorno era muito baixo por causa dos preços, que eram absolutamente irreais. Isso mudou agora. Hoje a companhia se refez, se reestruturou e eu acredito que hoje se tornou extremamente rentável. Eu estou comparando com a Argentina; a Argentina também é rentável, por incrível que pareça é uma empresa pequena, mas também...
Internacionalmente, é difícil você fazer uma comparação porque esse conceito de lucro é diferente. Você pega uma empresa internacional do tipo Jansen; no seu bugdet ela coloca volumes enormes de recursos em pesquisa. É claro que lá no final o tal do lucro líquido vai diminuir muito, mas isso não quer dizer que ela não é lucrativa. Ela é extremamente [lucrativa], mas depende da maneira como se distribuem esses recursos.
Mas a Farma lutou muito. Nós tivemos uma série de revezes também, não foi fácil. [Na] área de produtos injetáveis, por exemplo, chegou uma época aqui no Brasil [em que] tivemos que tomar uma decisão de fazer na Argentina. Quem fabrica os produtos injetáveis é só a Argentina, a antiga Produfarma.
P/1 - Por quê?
R - Porque nós aqui não conseguíamos, porque dentro dos modernos conceitos de garantia de qualidade nós não conseguíamos atingir certos níveis que eram exigidos para produtos estéreis e injetáveis. Teríamos que colocar volumes enormes de recursos então decidiu-se… Eu acho correto fazer num lugar só, porque se não você dividia em dois lugares, o custo era o dobro.
Veja como é difícil, o volume de recursos que você precisa colocar dentro de uma área dessa é uma coisa impressionante, pra se conseguir esses níveis exigidos por conceitos modernos de fabricação de produtos farmacêuticos.
P/1 - Bom, você falou de um problema crítico. Houve outro momento de crise que valeria a pena aqui levantar?
R - Eu acho que o maior momento de crise que talvez tenha atingido a Farma foi nessa época de 66, 68, quando tivemos essa enchente grande. Acredito que a Johnson estava realmente à beira mesmo de… Se nós não recebéssemos injeções de recursos externos acho que nós teríamos.
Vocês não entrevistam o seu Honores nisso aqui, né? O seu Honores realmente foi uma pessoa muito importante nessa área, foi ele que negociou porque realmente a Johnson ficou a zero. Não tínhamos mais produção, não tínhamos mais máquinas, não tínhamos mais estoque, não tínhamos mais nada. A Johnson era um campo de lama, tudo dentro da lama: estoques, tudo, até caminhões - na época ainda tinha caminhões, a Johnson tinha frota naquela época - tudo estragado.
Nós começamos do zero. Só não foram atingidos os laboratórios porque estavam no primeiro andar e os escritórios lá pra cima, segundo e terceiro andar. mas tudo que estava na parte plana e na parte baixa foi destruído.
Eu realmente eu acredito que essa talvez a pior época da Jonhson na sua história no Brasil, realmente foi. Uma vez o senhor Sanches me contou um pouco dessa história... Senhor Honores. Realmente foi uma coisa muito séria, a companhia por pouco não fechou.
P/1 - Agora me parece também que houve momentos de… Pegando em termos de mercado nacional, em relação à nossa competição interna, disputando problemas [do] tipo controle de preços em mesmo nível, [parece] que a Farma conseguiu bons níveis em ranking nos anos 60. Isso aconteceu em função de quê? Teria acontecido, em parece que foi em 68 por aí que me parece que a Farma foi a primeira no Brasil, né, de todos os laboratórios nacionais?
R - Em preços médios de seus produtos?
P/1 - Em faturamento.
R - Não, eu não sei. Isso eu não conheço.
P/1 - Nos anos 60. O senhor Sanches nos contou.
R - Acho que nunca nós chegamos em primeiro lugar, acho que não.
P/1 - Foi no depoimento do Sanches.
R - Senhor Sanches? Bom, então ele sabe melhor do que eu. Mas eu sempre... Pelo menos o que nós víamos nos reportes de vendas mensais, nós sempre estávamos em terceiro, quarto, quinto. Mas em primeiro?
P/1 - É, me parece que houve um ano.
R - Se o senhor Sanches que falou, né? Eu não vou discutir porque ele sabe das coisas, não sou eu.
P/1 - Parece que foi um ano na década de 60.
R - Eu realmente não sei. É que naquela época também, 60, 65, 68, esse tipo de comunicação, essa informação não era divulgada. Quem sabia disso era só o senhor Sanches, o senhor Honores, o controller internacional e acabou. Não havia esse tipo de informação.
A Johnson não era… Era uma empresa do tipo paternalista, mas também a informação ficava só pro pai. (risos) Não era uma coisa que os filhos ficavam sabendo nessa época. Depois é que se abriu muito quando veio o senhor Backester e vieram outras pessoas da companhia internacional, aí a companhia se abriu um pouco mais, democratizou-se um pouco mais nessas informações. Geralmente, essas informações eram top secret.
P/1 - Eram confidenciais.
R - O senhor Sanches, você vê, ele sabe, mas realmente eu não sei. Eu não me lembro que nós fossemos os primeiros ou o primeiro. Eu sei que no preço médio por unidade nós sempre fomos… Nós sempre tivemos muita sorte, sempre estivemos bem situados. Mas houve umas épocas que nós caímos pra décimo, houve uma época que a Johnson caiu bastante. Esses números, essa parte financeira é difícil.
P/1 - Não é bem a sua área.
R - Eu sei de reporte que eu recebia. Eu fui membro do comitê executivo desde 73 na companhia, talvez eu fosse o mais antigo membro de comitê na companhia, tirando o senhor Sanches e o senhor Honores. Eu fui membro do comitê da Médico-hospitalar e fui membro do comitê da Farma. Teve diversas empresas que se criaram de nomes diferentes, eu sempre fui membro, então, mesmo assim… Tinha certas coisas que não se divulgava por completo. [De] todas as reuniões que assisti eu nunca soube que fôssemos o primeiro na Farma.
P/1 - Não.
R - Na área de produtos ao consumidor eu acredito. A Johnson, quando Ian Simpson e outros foram presidentes, eu acredito que chegou a bater recordes de vendas, mas não sei se a Farma se incluía nisso. Eu acredito que não.
P/1 - Bom, isso também não é o caso.
R - A Farma era uma empresa muito rica. E agora eu estou me lembrando um pouco do que o senhor Sanches falou. A Farma, nivelando-se com outros, talvez não fôssemos primeiro [lugar]. Eu não tenho bem certeza disso, mas em geração de recursos a Farma sempre foi eu acho que a número um, durante muitos anos. Por exemplo, São José dos Campos se construiu com muito dinheiro da Farma; a Consumidor, nessa época, não era muito rentável. Ela se tornou mais rentável depois.
P/1 - Bom, mas a construção foi nos anos 70.
R - Isso, nessa época. Eu acredito que nessa época a Farma gerava muito dinheiro, o senhor Sanches tem razão nessa parte de geração de recursos; eu não sei se fomos os primeiros. Tenho as minhas dúvidas, eu não tenho bem uma informação, aí estou especulando.
P/1 - Bom, eu queria falar um pouco sobre o cotidiano e ambiente de trabalho. Eu queria que você me descrevesse que tipo de relacionamento entre os profissionais, entre os colegas que se tinha dentro da empresa e como é que evoluiu isso.
R - Uma das coisas que nós começamos a perseguir era melhorar o nível do pessoal técnico, então nós começamos com mais ou menos quarenta por cento do grupo com nível universitário e terminamos com mais ou menos setenta e oito por cento, porque isso tem diversas razões de ser. Primeiro porque começaram muitas universidades no Brasil, nessa época começaram a nascer cursos de Biomedicina, de Biologia, de Farmacotecnologia, de Veterinária, uma série de… Eu sou de uma época que só se falava na profissão de advogado, engenheiro e médico, o resto era o resto.
A odontologia começou também a aparecer um pouco e veterinária era uma coisa insignificante - essa praticamente não era profissão, haja visto que várias dessas profissões nem conselho têm ainda, nem federal nem estadual. Na classificação do imposto de renda, na declaração de imposto, a profissão de veterinário e biologista classificou-se talvez nesses últimos sete anos porque antes não existia, eram outras. Então era muito difícil, você não tinha… Os recursos não eram grandes, a maioria do pessoal eram técnicos, químicos formados pela Oswaldo Cruz, outras escolas técnicas e era isso. Um ou outro fez Química na USP, USP tinha um curso de química muito bom, tem até hoje. Biologista eu acho que eu fui o primeiro durante… O único durante vinte anos na Johnson, porque biologista não costumava trabalhar em indústria - pra começar, não existia a profissão. Era professor de história natural e ele trabalhava normalmente em escolas, em ginásios do estado. Não existiam os cargos, por exemplo, de pesquisador em museus, pesquisador em laboratórios do governo; eram todos médicos e técnicos. Estas carreiras vieram depois e esse pessoal começou a, lógico, ir atrás de emprego, então nós começamos a melhorar trazendo gente de fora e fazendo um upgrade com o nosso pessoal.
A Johnson estimulava as pessoas a estudar, então pagava-se cursos, pagava-se curso técnico, curso universitário, enfim, fazia-se uma série de coisas. Muitas dessas pessoas que trabalharam comigo [por] vinte, 25 anos - alguns deles ainda estão na companhia - começaram como auxiliar de laboratório, ginásio e foram crescendo dentro da empresa, sendo estimulados pela empresa pra estudar. Isso trouxe esse resultado de quarenta a setenta e oito por cento.
Isso melhora muito. Não é uma coisa preconceituosa, absolutamente, mas o elemento universitário tem uma lógica de se expressar, uma forma de absorver novas coisas mais aguçada, porque ele passou por um treinamento maior acadêmico e então isso fez muita… Isso mudou muito o perfil do elemento técnico.
Com isso, também vieram as conquistas salariais, porque quando eu entrei na companhia... Não pensem vocês que a Johnson era um dos melhores pagadores, não. Esse nível foi melhorando à medida que se fez esse trabalho todo e também houve uma exigência maior. Você não pode pegar um biomédico e pagar o que você paga prum auxiliar. E isso foi fazendo crescer também essa parte, que é uma parte importante. Nós tivemos época em que os técnicos de laboratórios da Johnson ganhavam bem abaixo do mercado e isso foi inclusive discutido com o irmão do General Johnson, um dos técnicos falou do salário e ele ficou abismado. São coisas da história da Johnson que aconteceram, nós vivemos isso.
É claro que hoje a Johnson se situa bem. Depois teve muito trabalho também, a companhia investiu muito em recursos humanos, profissionais que conhecem a área porque nós tínhamos às vezes profissionais que eram assim um pouco assim mais curiosos, não eram bem assim da… Depois profissionalizou-se bem, isso melhorou muito. Mesmo as conquistas de benefícios, a Johnson não tinha benefício nenhum quando eu entrei, não tinha nada; aí começou a nascer a ideia de um bônus anual, de um aumento de mérito. Essas coisas foram conquistas, porque isso não nasceu assim. Promoções assim programadas, você fazer organogramas… Antigamente não se falava muito em organograma, o sujeito fazia aquilo e pronto, tirava ele de lá, punha pra fazer outra coisa e pronto. Era a mentalidade de laboratório pequeno, isso mudou muito. Hoje a Johnson é uma das melhores empresas, hoje você tem… Faltam algumas coisas ainda, mas eu diria que nos situamos entre os melhores.
P/1 - Como é que a empresa reagia? Vocês, de certa forma, colocam reivindicações...
R - Nós colocávamos as reivindicações na mesa.
P/1 - E a empresa discutia.
R - Reivindicávamos e… Nessa época, havia muito trabalho. Nessa época, um técnico, por exemplo, com um ano, dois anos de Johnson tinha emprego garantido em qualquer lugar da indústria farmacêutica, eram os mais procurados. Então você sabe, à medida que você vai fazendo turnover, vai mudando o pessoal, os salários também vão crescendo porque você é obrigado a pagar mais pra ter um novo empregado ou pra manter aquele que você não quer perder. Isto foi muito levado em nível de comitê; é claro que houve algumas brigas homéricas nessa história toda mas a gente levou, fomos trabalhando em cima disso e isso foi mudando um pouco o perfil - inclusive fez-se faixas salariais.
Felipe Omes foi uma das pessoas bastante importantes nessa área, junto comigo e outros, de mudar um pouco esse perfil. Premiações também tornaram-se um pouco mais rotina na Johnson. No meu tempo, quando eu ganhei [o prêmio] Felipe Hoffman, era um em cada dois, três anos que ganhava, ou quatro anos. Nós trabalhamos pra ter um pouco mais, porque a Johnson é uma empresa conceituada do Brasil, ela fazia muitos trabalhos que mereciam prêmios. Se você hoje entra no centro de pesquisa e olha à sua direita, antes de entrar no laboratório, você vai ver lá uns quatorze, quinze ou vinte nomes de pessoas que já receberam o Felipe Hoffman. Isso é muito importante porque isso estimula o pessoal técnico; o pessoal técnico se estimula assim, não existe prêmios de vendas, não existe nada disso pra eles.
O dia a dia do laboratório, do pessoal técnico sempre foi muito cordial, bastante acadêmico. A gente procurava manter a coisa num nível bastante alto, mas nunca tivemos problemas disciplinares e coisa assim. Isso na Johnson é muito raro, eu não me lembro de nenhum.
P/1 - Mas a empresa [é] um pouco, digamos assim, hierárquica e tem regras, uma certa rigidez de comportamento ou...
R - Tínhamos muita rigidez, sim. Tínhamos na época do…
Muita coisa mudou com a vinda de executivos estrangeiros também, executivos que vieram dos Estados Unidos, que já tem uma visão mais ampla, de conceito da empresa moderna. Os refeitórios foram melhorados, o refeitório executivo começou a ter mais acesso, nós começamos a ter acesso, do meu nível e outros iguais a mim - antigamente era só pra meia dúzia de diretores executivos e acabou, aquilo era uma gaiola de ouro. (risos) Nós batalhamos em cima disso, muito de nós pressionamos isso; não fui só eu, foram vários para que isso se tornasse uma coisa mais democrática. Isso mudou também.
Como eu disse a você, a companhia era uma companhia muito familiar, né, tipo família. Era muito fechada em muitos aspectos. Isso melhorou muito com vários executivos que entraram ao longo desses quinze anos, antes era tudo muito hierarquizado, sabe? Tudo muita hierarquia, você pode ir até lá e pronto, você pode vir até aqui e tchau. Isso mudou bastante na companhia e mudou pra melhor.
P/1 - E a possibilidade de ascensão sempre existiu ou antes era mais difícil?
R - Sempre existiu. A possibilidade de ascensão, sempre teve. Tem muitos hoje - talvez até hoje ainda tenha alguns -, na minha geração muitos subiram vários deles, foram pra membro do comitê executivo. Não fui só eu, foram diversos, lá na Gerivativa foram muitos, na Avanhandava foram também. Quer dizer, que nasceram dentro da companhia, ou começaram jovens; subiram muitos, muitos.
Você pode ver no clube dos 25 anos. Existem diversos executivos de alto nível lá dentro e são cria da Johnson, pessoas que se fizeram lá dentro, estudaram e se desenvolveram, enfim, subiram.
Mas isso a companhia... A companhia Johnson se destacava muito nisso. Na maioria das empresas farmacêuticas, o pessoal de alto nível era todo da matriz, [era] raro um brasileiro, raro um daqui, já nós aqui não. A Farma se destacou - não só a Farma, mas a Johnson em geral, porque ela dava muita oportunidade pra o pessoal daqui, treinava, levava para os Estados Unidos. Eu mesmo viajei, devo ter sido o técnico que mais viajou pela Johnson. Fui pelo menos umas trinta ou quarenta vezes para os Estados Unidos e para a Europa umas quinze. México, Canadá, mais não sei quantas vezes; [para a] América Latina, todos os países, praticamente.
Nós viajávamos muito, mas por que isso? Primeiro porque eu pertencia a alguns grupos internacionais [do] tipo comitê de microbiologia, comitê de novos procedimentos. Tinha uma série de comitês internacionais técnicos aos quais eu pertencia e outros, não só eu. E além disso viagens de estudo, ver novas tecnologias, novos conceitos, novas máquinas, novos equipamentos.
Você tem que imaginar que quando eu entrei na companhia em 59, mal e mal se fazia um teste de esterilidade. A primeira incumbência que eu tive na companhia… A minha chefe, que era dona Nina, me disse: "Olha, Walter, você precisa desenvolver técnicas microbiológicas pra doseamento de Vitamina B12, pantotenato de cálcio e ácido fólico do Rarical", que já estava no mercado e nós não sabíamos como fazer. Então nós trouxemos a tecnologia. Nós aprendemos, buscamos em literatura. Naquele tempo, você não tinha acesso de uma rede de comunicação por cibernética, por computadores, nós não tínhamos nada disso. O acesso que nós tínhamos era meia dúzia de bibliotecas, alguma coisa que a gente pegava lá na matriz, um bate-papo com algum técnico no laboratório lá em New Jersey e assim que as tecnologias vinham para o Brasil, porque as companhias eram muito isoladas. Não é como hoje, que você tem um ______ para um grupo de empresas, um outro _____ para outro grupo, tudo mais estruturado. Naquele tempo não tinha nada disso, era muito difícil na área técnica, na área de mercado sim.
Eu sempre achei que a Johnson sempre foi uma empresa muito bem estruturada em mercado, mas na área técnica você tinha que se virar, você estava sozinho. Quantas vezes o meu chefe também dizia: "Vai pra lá ver como eles fazem, traz aqui e pronto." Quer dizer, não tinha essa ideia de “vamos buscar um reporte no computador da Orto, vamos mandar fazer isso e aquilo”, não existia isso. Na época, quando desenvolvíamos produtos biológicos, por exemplo, os padrões internacionais eu é que buscava em Copenhague. Não tinha no Brasil e acho que até hoje ainda não tem.
Era um mundo totalmente diferente, era muito mais difícil. As incumbências eram mais incumbências práticas, era: "Olha, fulano, vai pra lá, pega um avião e tanto." Isso mudou um pouco, lógico com esse acesso todo que você tem, com essa logística toda a coisa é mais simples. Eu não digo mais simples, mas o acesso a informação é melhor. Naquela época, eu comecei fazendo isso, esse foi o meu primeiro trabalho.
P/1 - Eu queria que você pudesse me explicar um pouco. Desculpe se eu não sou suficientemente técnico.
R - Ah, não.
P/1 - Mas eu entendo que a função do laboratório é o desenvolvimento do sal básico e nesse caso você tem que ter o biotério. Isso existiu durante um período e não é o objetivo principal da pesquisa aqui, né?
R - O biotério, que seriam as colônias de animais. Nós tínhamos grandes biotérios no Brasil, na Johnson, nessa época, porque primeiro se fabricava soros em coelhos; segundo, [porque] se usava em coelhos pra teste de pirogênio pra injetáveis. Usava-se gatos ou camundongo ou hamster pra teste de toxicologia e anti-histamínicos. Camundongos nós usamos muito e ratos brancos pra fazer teste em produtos cirúrgicos.
Como eu estava contando um pouco antes, houve uma época que houve um _____ meeting nos Estados Unidos e uma senhora que é uma das acionistas da companhia perguntou se a Johnson ainda usa animais pra trabalhos, testes. E tivemos que dizer sim, mas como se combatia já esse tipo de uso - lembra, houve uma época... Até hoje, começou-se [a] combater, inclusive em nível de Wall Street, [o] uso de animais, porque achavam que os animais não eram tratados com dignidade. Então nós tivemos que começar todo um projeto novo [de] como substituir esses animais.
Começamos a substituir o teste de pirogênio por uma técnica imunológica. Depois a parte de toxicidade também por imunologia. Depois a parte de anti-histamínica também e os soros começaram a se fazer nos Estados Unidos por hibridomas, engenharia genética e com isso as coisas foram praticamente se modernizando. São coisas difíceis, não são coisas que você… Eu estou falando aqui em dois minutos, mas levou um ano pra gente se adequar à nova realidade.
Isso também foi feito e hoje está perfeitamente enquadrado dentro da tecnologia da companhia, está oficializado. Mas pra você mudar isso é mesma coisa que eu te falei de mudar o conceito de Galli-Mainini pra Gravidex, que é uma técnica imunológica. Hoje ainda tem laboratórios que resistem à ideia de fazer Chagas pela técnica de ensaio imunoenzimático; preferem fazer fixação de complemento, que é uma técnica de Machado Guerreiro que deve ter quarenta, cinquenta anos.
Você fala em termos de mais sensibilidade, mais especifidade - você muda conceitos, agora mudar conceitos médicos... Um médico aprendeu na faculdade que é assim, aí vem um gaiato e fala: "Não é mais assim, é assim." Até você mudar essa coisa, até a pessoa se sentir satisfeita e ter confiança nisso tudo, é como mudar uma geração.
Falei um pouco desses highlights porque, na verdade, você mudava conceitos e isso era divulgado através de congressos, através de seminários. A Johnson investiu muito nisso, nessa parte conceitual e até hoje ela faz isso. Ela não muda esta estratégia, essa filosofia que é dar o melhor sempre, e isso continua até hoje.
Agora tudo tem o seu custo. Nesse incidente - obviamente, não seria só por causa desse incidente, mas a Johnson estava já trabalhando, objetivando isso. Isso é uma coisa mais histórica da empresa, uma coisa que aconteceu, mas na realidade já estava se trabalhando, já se sabia o que ia fazer.
P/1 - A meta do laboratório, tirando a pesquisa do sal básico, são os testes de novos produtos que são lançados em nível internacional e são feitos testes laboratoriais aqui. Seria esse o trabalho de rotina dos técnicos de laboratório ou teria uma outra coisa a mais?
R - São duas rotinas. Você tem a rotina, digamos… Eu digo no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Garantia da Qualidade. Temos uma rotina pro técnico que trabalha na área de garantia de qualidade, é o elemento que ele não controla mas faz uma, coordena uma… Como é que diz? Ele não é um controlador de qualidade, mas é aquele elemento que dá o resultado final de que o produto está dentro...
P/1 - Das especificações.
R - Das especificações. Então se trabalha em nível de fábrica, amostras. Tem outro elemento que recebe essas amostras e faz a parte química, física - quer dizer, ele faz a análise do componente ativo, quimicamente. E tem um outro técnico que faz microbiologicamente: ele faz contagem de bactérias, vê se o produto é asséptico, se o produto está em condições perfeitas - esse é o técnico que trabalha nessa área de garantia de qualidade.
Tem agora também o técnico que trabalha em áreas de desenvolvimento de novos produtos. Esse é o técnico que trabalha em novas formulações; ele desenvolve uma nova fórmula em torno de um princípio ativo que vem de um dos laboratórios das matrizes, vem da Jansen ou da Cilag. Esse é o elemento que desenvolve fórmulas e ele também é responsável pelo age do produto, o envelhecimento pra ver se o produto se mantém estável durante o seu período de validade. Você precisa garantir ao consumidor de que esse produto, que está escrito que tem três anos de validade, que no terceiro ano seja igual ao primeiro dia. Isto é o elemento de pesquisa é quem desenvolve essa toda tecnologia. Ele também desenvolve o perfil do produto, a descrição do produto, a especificação do produto.
Além disso, ainda temos um outro perfil de um técnico, que desenvolve os métodos analíticos para esse novo produto. Por exemplo, você tem um novo produto, uma nova fórmula, então alguém precisa desenvolver o doseamento do cetoconazol numa suspensão. Ele é quem desenvolve a metodologia de desenvolvimento, e treina as pessoas nos laboratórios de controle químico.
Essa é a rotina na parte química e na microbiologia, outra vez a mesma coisa: o elemento recebe a fórmula e desenvolve os métodos que são necessários para garantir esta qualidade biológica, digamos assim, para o produto.
P/1 - Ok. Eu queria, aproveitando ainda que está na sua área, entender a importância da entrada da empresa na biotecnologia.
R - Bom, a Johnson no Brasil… Nós temos produtos fabricados por biotecnologia mas eles vêm de fora. A tecnologia é das casas matrizes, dos laboratórios originadores. Nós, aqui, só vendemos. É o caso seria aí o...
P/1 - A produção também.
R - Deprex, que é um hormônio estimulador de fabricação de hemácias, mas esse vem da Orto. É um produto que nós vendemos aqui.
P/1 - Não tem linha de produção?
R - Não, não. Muito complicado. O controle de qualidade… Só fazemos o controle do transporte do produto na maneira que ele chega no Brasil, nós fazemos um controle dos indicadores de temperatura e só.
P/1 - Então é só uma representação em nível de mercado do que de...
R - Em nível de mercado. Nisso a parte técnica não entra. Entra com o controle de qualidade, mas não na área de desenvolvimento e pesquisa.
P/1 - Ok. Eu queria então dar um guinada e buscar um pouco da sua vida pessoal. Acho que a gente passou meio rapidinho.
R - Está bom.
P/1 - Eu queria que você me dissesse como é que foi o seu casamento e...
R - Bem. Deixa-me falar um pouquinho...
P/1 - E quantos filhos você tem, um pouco da sua vida pessoal.
R - Bom, eu casei com uma moça de São Sebastião, do litoral norte. Isso tudo começou em volta de 1957, 58, quando nós íamos… Ainda com o meu pai, que estava tentando mudar pra lá. O meu pai mudou pra São Sebastião em 1960, morou [por] quinze anos lá. Ele saiu de São Paulo.
P/1 - Certo.
R - Isso começou com as minhas idas pra lá com o meu pai. Nós tínhamos um barco, uma traineira de alto mar que a gente viajava sempre de São Vicente pro litoral até Rio de Janeiro; até lá pra cima nós viajávamos com o barco. E nessas a gente começou a ficar em São Sebastião e conhecer o pessoal lá.
Foi quando eu conheci a minha esposa, a Mariazinha. Noivamos, eu acho que uns três meses, e casamos. Nós casamos em 60, em seis de fevereiro; eu já tinha o emprego na Johnson durante uns quatro meses. mas senti firmeza aqui na Johnson e falei: "Bom, agora eu posso casar." (risos)
A minha filha nasceu um ano depois. Tivemos uma filha só, ngela Helena, que casou faz uns seis anos atrás e eu tenho um neto de cinco anos, o Daniel. A nossa vida, na realidade, se resume em tudo aquilo que a gente conseguia na Johnson, porque você trabalha 34 anos - é praticamente uma existência dentro de uma empresa, então tudo girava em torno da Johnson, porque eu viajava e saía.
Nessa época eu viajava muito, pra você ter uma ideia tinha anos que eu saí sete vezes fora do país. Isso numa época de 1972, por aí, até 78. Eu viajava muito e chegava, naquele tempo não eram viagens assim, ir pra New Jersey ficar uma semana e voltar. Naquele tempo, a gente ia pra Europa, pulava seis, sete países em uma semana e voltava.
Era uma época de… É justamente isso que é interessante nessa história toda da Johnson, este nascimento da Johnson que a tornou uma empresa de porte. Na minha época nós estávamos, nós éramos uma empresa de vinte milhões de dólares, e eu saí da empresa quando ela estava em torno de trezentos ou sei lá quantos. É uma empresa que cresceu de uma forma praticamente exponencial.
Nós tivemos justamente essa boa época, de participar disso tudo, certo? Dessa coisa toda que vinha do nada muitas vezes, são coisas que se inventavam pra tentar chegar em alguma… O interessante era isso, então tudo aquilo que acontecia na Johnson praticamente envolvia a minha família, porque nós dependíamos quando você trabalha em um emprego só e durante tantos anos.
Eu achei que foi muito bom, valeu a pena. Acho que não fiz má escolha, tanto no casamento como no casamento com a Johnson. Apesar da gente sempre ter altos e baixos, valeu a pena, sim. É uma companhia que marca a vida da pessoa, não são essas companhias que você trabalha: "Poxa, trabalhei, perdi o meu tempo, não aprendi nada." A Johnson realmente dá essa satisfação às pessoas que vão galgando evidentemente postos mais altos - lógico, se você fica a vida inteira num torno também não deve ser lá muito agradável, mas tem que ter essas pessoas também.
Mas eu acho que a companhia deu sempre muitas oportunidades pra nós aqui brasileiros, sempre. Não só pra mim, eu digo pra uma série. Tem um batalhão de pessoas que cresceram na companhia, começaram como lavador de vidraria e hoje são gerentes, são pessoas que já estão no clube dos 25. É muito gratificante você ver tudo isso porque esse grupo todo de técnicos, a maioria da área da farmacêutica e das outras áreas, são pessoas que se formaram quando eu era gerente lá. Porque nós gastávamos muito, nós achávamos… Nós dávamos muita importância nessa parte de crescer dentro da empresa, sabe? É raro uma pessoa que saiu do nosso grupo e que não pegou um emprego melhor porque ela aprendia, nós fazíamos questão. Nós tínhamos aulas internas, tínhamos cursos, uma série de coisas dentro da Johnson, até hoje tem isso. Hoje tem curso de computação, curso disso, curso daquilo, ISO 9000, good manufacturing practice, enfim, essas coisas todas. A companhia tem ensinar tudo isso, não adianta ler um capítulo: "É isso que nós vamos dar amanhã." Não dá, você tem que dar aulas, tem que treinar as pessoas e nisso nós fomos bastante afortunados, sabe?
Nós criamos um grupo muito bom de pessoas que sabem o que estão fazendo, porque você sabe, essa estrutura é importante para uma empresa. Se você amanhã tem algum problema qualquer com uma entidade governamental, você tem que ter certeza que está mandando a pessoa certa pra lá pra discutir o assunto. Se você mandar uma pessoa qualquer, ela vai falar um monte de besteira lá e as coisas complicam, então você precisa treinar pessoas.
Eu acho que isso é o ponto fundamental de uma empresa: treinar as suas pessoas, fazer com que elas se sintam participantes, elas são importantes pra empresa - qualquer um, isso é importante. Eu sempre tive isso por norma e não fazia distinção: seja um lavador de vidro, seja um pesquisador, tratava sempre da mesma forma. Perguntava pela família, me interessava pelos seus problemas pessoais. É muito importante você saber que tem pessoas que… Pode ver, eu saí da companhia [e] me ofereceram pelo menos uns seis jantares. Você não oferece jantar pra uma pessoa que sempre te chateou a vida toda, né. (risos)
Esse conceito, essa maneira de treinar pessoas é muito importante. A companhia só cresce assim, eu não vejo outro jeito. Inclusive uma vez, há muitos anos, me falaram: "Você não deve ser um bom gerente, porque você dá muita liberdade pro seus funcionários." (risos) Eu falei "Pelo contrário, liberdade exige responsabilidade." Eu não me preocupo se a pessoa entra às oito e meia e sai às três ou se ele entra às sete e meia e sai às duas. Eu não, nós abolimos todo ponto lá; toda pessoa que trabalhou comigo não bateu ponto durante esses últimos quinze anos. Isso foi abolido, apesar de muita gente achar que aquilo era um excesso de liberdade. Mas eu acho que isso não funciona e nunca tive problemas, não tive nenhum problema disciplinar, nunca ninguém se aproveitou dessa ideia, não existe isso. A companhia cresce assim, não tenha dúvidas. Ainda dar bons salários e tratar a coice não resolve, você tem que tratar bem a pessoa pra ela se lembrar de você sempre, senão você não consegue um time bom. E eu sempre achei que nós tínhamos times muito bons, pelo menos os melhores por causa disso; eu acho que a pessoa tem que ser tratada como você gostaria de ser tratada. Não quero ser tratado a pontapés, eu não quero ser tratado com um sub-humano; eu quero ser tratado bem, pronto e assim nós fazíamos também.
Tenho até hoje amizade lá dentro. Pra você ter uma ideia, se eu quiser entrar hoje na Johnson sem crachá eu entro. Nenhum guarda da companhia me para, me breca na portaria por causa disso, a gente desenvolve um conceito de amizade dentro da empresa, sabe? Não a amizade pro sujeito se aproveitar de você, isso não existe, as pessoas não fazem isso. Você pode dar a liberdade que você quiser, o sujeito não usa isso contra você. Acho isso muito importante e é assim que funcionou durante esses anos todos.
Eu espero que continue sendo assim lá dentro, que os outros nossos seguidores façam a mesma coisa, não mudem porque não resolve o problema. A companhia, eu tenho certeza que ela cresceu por causa disso, porque as pessoas são tratadas como gente. E a companhia sempre tinha muito disso - não sei se até hoje é assim, espero que seja, porque essa coisa de tratar [as pessoas como] “eu sou o chefe e você está lá embaixo”, sorrir pra cima e pisar pra baixo não funciona. Pode ter certeza disso, porque eu vivi muito isso e não funciona; o sujeito se bloqueia e não sai nada, você não tem a participação. Na primeira oportunidade ele sai e você gastou todo esse dinheiro à toa, treinou à toa, jogou fora todo um trabalho às vezes de anos e anos por uma forma de gerenciar, porque alguém queria lá em cima, isso é errado.
Eu acho que as pessoas tem que… Nós temos que ser indivíduos e temos que imprimir a nossa individualidade na gerência. Muitas vezes me achavam muito irreverente. Inclusive meu chefe falou, até na minha carta de saída ele achava que eu era muito irreverente, falava as coisas de uma forma às vezes muito direta, sabe? Eu falei: "Não, não é questão de ser irreverente e ser direto. É ser humano, humano é assim." Já pensou a vida inteira você fazer média, ter que mostrar uma coisa que você não é? Está errado, você só consegue ficar tantos anos na empresa. Eu acho que tem gente que não gosta de ouvir o que eu estou falando, mas é bom que ouça. (risos) Porque é uma realidade, gente, ainda mais um time de pessoas técnicas, o técnico é um sujeito muito sensível. O técnico é um sujeito de grau universitário, politizado, ele não é qualquer um que falou sim é sim, falou não é não, ele aceita pela metade. Se alguém chega pra você e você diz: "Olha, o PT é bom pro Brasil." Se você é um universitário: "Bom, peraí." Você não vai falar: "É ótimo, jóia." Ninguém fala isso, um cara de formação vai dizer: "Não, temos que analisar, vamos ver os prós e contras". Assim que funciona tudo e nós fazíamos muito isso, acho que isso é muito importante nessa conceituação de ter um time.
O time é isso, mas também quando era pra vir as duas da manhã fazer numa leitura num cronomatógrafo tinha sempre dois, não precisava tirar no palitinho. Sempre tinha a pessoa que dizia: "O senhor pode ficar tranquilo, doutor Pohl. Eu estou aí as duas da manhã." Ele estava lá e era isso.
Isso é um time, eu acho que é assim que funciona, tudo isso que se fez aí, tudo isso que eu relatei pra vocês funcionou assim. Hoje ainda deve ter muitos lá dentro na companhia do meu grupo, eu digo desta formação, que estão lá até hoje e em postos chaves.
P/1 - Bom, eu geralmente concluo com uma avaliação, mas acho que você fez uma avaliação perfeita aí.
R - Obrigado.
P/1 - E eu queria concluir com o sonho. O que é que você gostaria de realizar que ainda não foi possível?
R - Bom, eu continuo na ativa. Você sabe que eu me aposentei, mas hoje nós trabalhamos com um laboratório americano na área de produtos diagnósticos para infecções intestinais, o laboratório Lexan. Nós temos duas empresas, a Konning e Bralexan, que nós representamos na América Latina e estamos fazendo um joint venture hoje com uma empresa grande também na área biológica, também na área de imunologia, diagnóstico para giárdia, pra entameba histolytica, pra clistosporídeos, rotavírus, clostridium, por aí vai.
Eu me sinto realizado. Acho que o que eu podia ter feito na minha vida [eu] fiz. Eu inclusive podia ter ficado na Johnson até os 65 anos, se assim eu quisesse, mas eu achei que não. Achei que chegou a hora de dar lugar pra outros. 34 anos, já sou membro do comitê, já sou membro do clube dos 25, eu tive uma vida.
Conforme contei pra vocês, eu tive uma vida bastante cheia de coisas. Eu estive na guerra na Alemanha, passei a guerra, sobrevivi ao maior bombardeio da Segunda Guerra Mundial em Desdren, atravessamos o front russo num decavê da Cruz Vermelha, a minha família. Eu tenho ‘n’ coisas pra contar, a minha vida não é uma vida assim, nunca foi uma coisa monótona. Eu fui músico, tive um conjunto, tocava em boates, então essas coisas todas fazem uma vida.
Hoje eu vivo pro meu neto, espero que ele tenha um vida feliz também.
O meu depoimento foi esse. Eu nunca me arrependi um dia de trabalhar na Johnson, às vezes tinha as minhas brigas porque pagavam pouco, mas de vez em quando a gente chegava lá. Tudo foi muito bom, as nossas chefias sempre idôneas, pessoas sérias. Eu tive a sorte de conviver com muitos bons chefes, pessoas que orientavam a gente na vida profissional, pessoas que entendiam as coisas. Não é fácil porque, às vezes, um homem de mercado não entende uma área técnica, certo? Então eu tive, nós sempre tivemos muita sorte.
A companhia sempre tinha pessoas muito bem escolhidas, nos lugares certos. Uns, claro, mais chatos, outros menos chatos, mas eu digo no seu todo. Valeu, viu? 34 anos não foram jogados fora, não.
P/1 - Está bom, Walter. Muito obrigado pela sua paciência.
R - Obrigado.
P/1 - Foi um excelente depoimento.
R - Se vocês quiserem mais algum depoimento sobre a área técnica, alguma coisa, eu estou às ordens.
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