Era Bebedouro, cidade do interior paulista próxima a Ribeirão Preto e Barretos. Pela rodovia da capital, seguindo de Ribeirão, passando Sertãozinho em direção Barretos. Bebedouro era na época, idos de 1987, uma rica cidade agrícola voltada à produção de laranjas. Ela disputava com Limeira...Continuar leitura
Era Bebedouro, cidade do interior paulista próxima a Ribeirão Preto e Barretos. Pela rodovia da capital, seguindo de Ribeirão, passando Sertãozinho em direção Barretos. Bebedouro era na época, idos de 1987, uma rica cidade agrícola voltada à produção de laranjas. Ela disputava com Limeira o apelido de Califórnia brasileira, devido à riqueza dos laranjais e fábricas de suco com a Cargill e Cutrale e Frutesp. Meu pai trabalhava, em cargo relevante, nesta última, minha mãe era jornalista da Gazeta da cidade. Tudo isso, percebo hoje, me causava muito orgulho.
Eu estudava, em 1987, no recém-criado, Colégio Objetivo. Como este se tornara concorrência da, quase única, maior escola particular da cidade, o Colégio Anjo da Guarda, no início os professores famosos da cidade não gostavam de dar aulas lá, apesar de alguns darem, o que era mais engraçado ou estranho ainda. Foi com um desses docentes, uma professora, que se deu o despertar da vontade de ser docente de história. Tratava-se de uma professora que, felizmente não lembro o nome (não é companheirismo da categoria, é que não lembro mesmo, se não, diria. Nesse relato me dou o direito de pensar como aluno e não como colega).
A docente, em questão, era daquelas professoras bravas que não combinavam a saia verde, o cinto roxo com a sandália de camurça vermelha (Isso causava rizo discreto nas meninas da sala, o que me proporcionou o primeiro contato com a maldade feminina). Suas aulas eram repetições, broncas e cópias incansáveis da apostila no caderno, que ela ordenava sem se levantar da cadeira e sempre lendo uma revista qualquer. O fato foi que, depois de não fazer tarefas durante o ano e ter me decidido em não gostar daquela figura docente (o que eu expressava com sinceridade com minhas notas medíocres), lá pelo quarto bimestre, ocorreu que, novamente não fiz a tarefa, então me deparei com a professora ao meu lado, com a mão em meu ombro. Ela constatando a tarefa não feita, proferiu a sentença, ou algo que, me lembro, soou mais ou menos assim:
- Não fez tarefa de novo! Desse jeito vou te reprovar esse ano em história.
Confere aqui explicar que, naquela época se reprovava por só uma matéria, que fosse somente história (pelo menos, eu acreditava nisso) e as notas eram nos décimos, centavos, migalhas como: 4,8 ou 5,7, ou mesmo 8,9. Com minha fúria de adolescente injustiçado (Eu nunca fui deseducado ou indisciplinado, não poderia) que aceita notas medíocre, mas, “reprovado”, “bombado” nunca; respondi que não, e logo ouvi um claro:
- Veremos!
Como resolvi o impasse, "fazer o que", rachei de estudar história, para as provas mensais e bimestrais, e algo aconteceu, como uma luz que se acende: Eu entendia história. Eu entendia história mais do que as outras matérias. Eu sentia que realmente sacava aquilo e passei a gostar cada vez mais daquele conhecimento. Eu era um aluno de sete, oito, oito e meio, vários seis, cinco, cinco e meio, e uns quatros raramente (“quatros” mesmo), mas, era um aluno curioso, daqueles que lê, estuda e entende o que gosta, nem sempre a matéria escolar; Buracos negros, tribos desaparecidas da América central, os planetas, e agora história.
Puxa, depois disso tive professores geniais também; JC ou Jota Cê (quase todo o colegial com ele e nunca soubemos seu nome de verdade. Um homem de aula-show, excelente de dar medo, cantava e dançava na sala, acendia velas, soltava bomba de fumaça, não em sentido literário); Pedro Ivo (com suas aulas mega dialogadas, como se diz “Saliva e giz” ou só saliva, quando, de moletom, ele falava, falava e falava, e nós aprendíamos com sua genialidade); e Dona Luciana, como não lembrá-la, que nos ensinava a pensar criticamente e criticar a rede Globo. Esta última foi minha professora lá para a quinta e sexta séries no Colégio Anjo da Guarda. Tive a sorte e o prazer, anos depois, quase trinta anos depois, de reencontrá-la numa reunião das autarquias municipais de ensino superior no Conselho Estadual de Educação. Ela reitora de bebedouro e eu, meteoricamente, vice-diretor de certa autarquia noutro município. Mas está é outra história. Sou professor, pois tive lindos e ótimos professores, até, aquela que desafiou o confuso adolescente. Tenho carinho na memória por todos eles, e certamente, gratidão.Recolher