Entrevista de Roberto Liáo
Entrevistado por Luiz Egypto
17/04/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV024
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto
00:13
P/1 - Bom dia professor, muito obrigado por ter aceitado nosso convite! Eu gostaria que o senhor começasse dizen...Continuar leitura
Entrevista de Roberto Liáo
Entrevistado por Luiz Egypto
17/04/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV024
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto
00:13
P/1 - Bom dia professor, muito obrigado por ter aceitado nosso convite! Eu gostaria que o senhor começasse dizendo seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - Bom dia Luiz! Meu nome é Roberto Liáo Júnior, eu nasci no Rio de Janeiro em 26 de fevereiro de 1962, fiz 59 anos em fevereiro próximo passado.
00:36
P/1 - Qual a sua atividade atual?
R - Eu sou professor de matemática
, minha formação inicial na UFRJ, nos anos 80, ingressei em 80 e fechei o curso em 1984 e trabalho nessa área desde então. E sou professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal, da antiga Fundação Educacional do Distrito Federal, atualmente em exercício na Escola Parque 308 Sul, que é uma escola de anos iniciais.
1:04
P/1 - Qual o nome dos seus pais, por favor?
R - Papai chamava Roberto Liáo, mamãe Nice Cid Leal. Eu sou neto de espanhol por parte de mamãe, e sou bisneto de chinês por parte de papai.
1:19
P/1 - Você conheceu os seus avós?
R - Eu conheci meu avô paterno, Raul Liáo, que faleceu eu tinha por volta de uns 15 anos, que era filho do imigrante chinês, mas o vovô de mamãe, e as vovós, não tive possibilidade de conhecer, por conta das circunstâncias da época e os limites de proteção à vida.
1:45
P/1 - Qual era a atividade dos seus pais?
R -
Mamãe não exercia atividade profissional, e papai foi servidor do Banco do Brasil durante muitos anos, e na década de 1960, ele se transferiu ao Banco Central. Uma das razões da gente ter vindo morar em Brasília, em 1973. Eu vim morar em Brasília, em 73 por força de uma transferência de trabalho de papai, e 73/74/75/76 e 77, voltei só com mamãe para o Rio, permaneci lá até 84, conclui o ensino médio e faculdade na UFRJ, e depois voltei para Brasília em 84.
2:27
P/1 - Na sua família, havia histórias a respeito dos seus avós, de onde eles vieram, o que eles faziam?
R – Vovô tinha aquela aparência muito marcada, oriental, os traços... Muitos objetos de decoração na residência, isso do lado do papai.
Vovô também foi funcionário do Banco do Brasil, chegou a ter uma loja. Como o nome é muito marcado, Liáo, as pessoas sempre perguntavam, confundiam. Então vovô chegou a ter uma loja de moda e tudo mais, tinha outras quatro tias além de papai, então, de certa forma essa ascendência ficava muito viva. E mamãe, ainda que os meus avós tenham falecido cedo, tinham tias que haviam imigrado, mas ainda falavam de maneira muito carregada, aquele português-espanholado. Então eu lembro de uma tia de mamãe, tia Maria, que falava aquele português mais carregado para o espanhol, então era esse vínculo da família Cid.
3:51
P/1 - Você tem irmãos?
R -
Sim! Eu tenho um irmão mais velho, eu sou de 62, ele é de 54, esse irmão por parte de pai e de mãe, e tenho outros três irmãos e uma irmã, Rose, Renata e Renan, que são mais jovens do que eu de outro relacionamento do meu pai.
4:13
P/1 - Como é que era sua casa de infância, sua casa lá no Rio, e depois para Brasília, como foi essa mudança na cabeça do garoto?
R – Olha, o Rio, eu nasci no bairro de Botafogo, vivia no Flamengo e morei em Laranjeiras, e para nós, o futebol é algo que é uma marca registrada, na Cidade do Rio de Janeiro. Botafogo é o bairro que deu origem ao Botafogo, clube de futebol, glorioso Botafogo; o Flamengo é uma das paixões da nossa vida, herdada familiarmente, desde o vovô, tenho flâmulas aqui da década de 40, que eram do meu avô, e eu com 6, 7 anos já estava no ombro do papai, na geral [do Maracanã], assistindo aos jogos. Então ter nascido em Botafogo, vivido no bairro do Flamengo e morado em Laranjeiras. Laranjeiras é o bairro que abriga o Fluminense, Fluminense esse que deu origem ao departamento de futebol do Flamengo. Então o futebol e a região... Eu morava próximo ao Aterro do Flamengo, eu tenho fotos de pequeno brincando com meu irmão, com 4, 5 anos, brincando na construção do aterro, uma área que foi aterrada na orla carioca, que é um lugar belíssimo, encantador, literalmente era nossa praia, porque a praia do Flamengo, de um lado você visualiza o Pão de Açúcar e o bondinho, e do outro lado, você visualiza o Cristo [Redentor]. São imagens emblemáticas e absolutamente espetaculares, que permeiam até hoje a minha vida, e a minha casa, com fotos, com cartazes, com pôsteres, enfim. Estudei jardim de infância em uma escola bem pertinho de casa, uma escola centenária, Alberto Bacci. Primeiro e segundo ano, depois o terceiro e quarto ano, estudei em uma escola chamada Anne Frank, que era vizinha ao Palácio Guanabara. A geografia do Rio, o clube, a sede social do Fluminense, ele é colado ao Palácio Guanabara, que é a sede do executivo no estado do Rio de Janeiro, que por sua vez, a escola Anne Frank, é colada a sede do Palácio Guanabara também, e que tem como vizinho de frente, o consulado da Alemanha, que ganhou notoriedade internacional na década de 70, por conta de algumas ações da luta armada. Essa região foi onde a gente viveu e começou a tomar contato com a vida. Já em 75, vindo para Brasília, passei a estudar na Escola Classe 108 Sul. Aqui no Distrito Federal, tem essa concepção urbanística: você tem escolas para meninos menores, mais próximo de casa, e à medida que vão crescendo, você vai para áreas vicinais às residências. Aqui em Brasília tem a L2, no Plano Piloto tem a L2 e a W3, abrigam as escolas para meninos mais velhos, de anos finais ou ensino médio, científico, nome que ao longo do tempo foi tendo. Então essa história da praia, em especial a praia do Flamengo e o Maracanã, são determinações muito vivas na nossa memória, que a gente guarda com muita alegria, com muito carinho.
8:10
P/1 - Esses seus primeiros tempos da trajetória escolar, algum professor ou professora que tivesse marcado a sua lembrança?
R – Olha só, na quinta série, já com essa paixão viva pelo futebol, em 1975, 1976, 5ª ou 6ª série, aí teria que recupera aqui os arquivos, a seleção brasileira de futebol, perdão, voltando... 74, porque foi a preparação para a Copa do Mundo de 74, dá para registrar bem, essa coisa de Copa do Mundo na nossa memória, elas são recortes de situação geopolítica, Claro que a nossa compreensão é de uma forma, que vai sendo mais refinada e elaborada, mas tanto os títulos, quanto as derrotas esportivas do nosso clube de coração, que é o Flamengo, quanto as Copas do Mundo, elas articulam outras situações da vida, que dão mais nitidez temporal, pra você ver, agora recuperei. Em 74, a Seleção Brasileira veio fazer um jogo preparatório, em um período ainda muito duro da nossa história, ainda sob a ditadura cívico-militar, que nas lentes de um menino de 11, 12, 13 anos era um desfile, passando aqui no Eixo Monumental, próximo à nossa residência. Havia paradas militares, paradas cívico-militares, que desfilavam os equipamentos das forças de repressão, mas na visão de uma criança, era o desfile de uma instituição, soldados marchando, enfim. Então em 74 teve esse jogo da Seleção Brasileira, com a seleção do Haiti, uma seleção pouco expressiva no cenário internacional, na modalidade do futebol. Entretanto, um jogo preparatório, na cidade de Brasília, e nós da Escola Classe 108 Sul, com a nossa paixão pelo futebol, eu e mais três ou quatro colegas, fizemos uma proposta à época, para professora de Comunicação e Expressão, se bem me lembro, esse era o nome da disciplina, para fazer entrevista com jogadores da seleção brasileira. E lá fomos, fomos buscá-los no hotel, fizemos a entrevista, tiramos fotos, não fomos ao jogo, é bem da verdade, mas conversamos com todos aqueles que eram os astros internacionais, e à época, parte deles havia sido tricampeão mundial, na Copa do Mundo do México. Então eram figuras reconhecidas internacionalmente. O Pelé não estava mais na delegação, que era um astro de outra galáxia, mas vários daqueles que haviam sido campeões em 70, Rivelino, Paulo César, estavam lá e foram muito acolhedores. Ainda tenho guardado numa fita cassete, e algumas fotografias, essa entrevista. Não caminhei na direção do jornalismo, mas essa paixão pelo futebol certamente criou uma expectativa de, na hora de decisãode um curso superior, buscar alguma coisa próximo a isso. Talvez tenha sido essa paixão pelo futebol, em especial pelo Flamengo, que tenha me levado a decidir fazer o vestibular unificado da Cesgranrio, em meados dos anos 1980, para a UFRJ.
11:53
P/1 - E o que esse garoto queria ser quando crescesse?
R -
Aquela paixão pelo futebol era sempre algo presente. Então aquela fantasia de ser jogador de futebol, e estar na atmosfera ligada ao futebol... O Maracanã era muito presente, muito vivo para nós, se não presencialmente, pela idade, mas em alguns momentos, papai tinha esse cuidado, de fazer a nossa formação esportiva dentro do Maracanã, pelo radinho. Rádio era algo que fazia parte da nossa vida, tanto a Rádio Mundial, que era a rádio, que só tinha AM, que tocava as músicas contemporâneas, que vinham circulando pelo mundo, quanto à rádio Globo, Rádio Tupi, Rádio Nacional, que a gente ouvia, e com toda a imaginação, levava uma partida de futebol, e o que era ser um profissional de futebol, para dimensões intangíveis à realidade, e que a nossa imaginação fazia flutuar permanentemente.
13:01
P/1 - Pelo modo, você faz o vestibular e tem que optar por um curso. Qual foi essa opção?
R - Olha só, na À época havia um vestibular unificado no Rio de Janeiro, e havia alguns vestibulares pontuais. Eu me lembro de ter feito vestibular pontual na universidade do do Rio de Janeiro, para Educação Física, e um dos colegas que eu lembro, que era um astro, e é querido pela nossa, como a gente se autodenomina, nação rubro-negra até hoje, é o Adílio. O Adílio fez vestibular na minha própria sala da UERJ, mas aí pelas necessidades profissionais, ele dificilmente tem tempo para poder dedicar a alguma atividade concomitante que não seja o próprio futebol, pelas viagens, enfim, mas é um ídolo, querido até hoje, de todos nós. Cheguei a ficar em dúvida, considerei a possibilidade de fazer Oceanografia, talvez pelo encanto do mar, da beleza do mar, e da orla, morando no Rio de Janeiro, e na nossa memória de criança, aqueles passeios que fazíamos pela orla, passando por Copacabana, Ipanema, Leblon, indo até a Barra da Tijuca, e ir até Barra da Tijuca nos anos 70, final dos anos 60, e início dos anos 70, era um passeio contemplativo praticamente, porque era uma área inabitada e sem perspectiva, cercada por lagoas, pelo mar, uma beleza. Então esse encanto de uma cidade litorânea, é possível que tenha aberto essa possibilidade da Oceanografia. Considerei também a possibilidade de fazer Veterinária, pelo vínculo com bichos, animais, animais domésticos. Mas o amor, a paixão pelo Flamengo, pelo futebol, preponderou na decisão da escolha para Educação Física. E tem um aspecto interessante Luiz, porque o processo seletivo era semestral, e nossa área vem superando ao longo das décadas, esse corte que estratifica gêneros, por aptidões físicas, enfim, a gente deu conta de superar isso, mas a época, para ingressar em uma universidade de Educação Física, você fazia processos de aptidão física, você precisava correr, você precisava nadar, você precisava ter uma certa habilidade com
bolas de diferentes modalidades esportivas, então se você não atingisse determinados parâmetros gerados previamente, você sequer tinha direito de cursar. O que anunciava uma determinada concepção no processo de formação. Então a gente vem rebatendo aí nesses últimos 30, 40 anos, já conseguimos superar esse "teste de aptidão". Nas convergências que a vida apresenta, a confirmação da minha opção por ingressar na Universidade Federal do Rio de Janeiro, se deu exatamente no Estádio Mário Filho, que é o Maracanã. Então o Maracanã acolheu todos aqueles que haviam sido aprovados no vestibular unificado do Cesgranrio, em fevereiro de 80 e lá, dentro do estádio do Maracanã, eu ratifiquei. “Olha, eu vou iniciar o curso de Educação Física”, que para mim é uma alegria absoluta, e como diria alguns da mídia na década de 80, inenarrável!
16:52
P/1 – E como é que se dá a transferência para Brasília?
R – Olha só, não foi com alegria, porque o Rio de Janeiro, com todas as contradições, continua sendo encantador, não à toa com todos os conflitos e contradições ela carrega o subtítulo de Cidade Maravilhosa. Para uma criança que morava próximo à praia do Flamengo, tinha o Maracanã praticamente como sua segunda casa, vir para Brasília era uma coisa que não fazia os olhos brilhar. Então, isso lá pelos seus 11 anos de idade, mas uma decisão familiar, quando papai e mamãe anunciaram a decisão de virmos para cá, era entrar no nosso Fusca e virmos para Brasília. Se bem me lembro, paramos próximo a Belo Horizonte, para fazer o pernoite, para poder virmos depois para Brasília. Isso em fevereiro de 1973, o ano que eu fiz 11 anos.
18:02
P/1 - Essa Brasília que você encontrou, como é que era essa cidade, para esse garoto tão acostumado com tanta imensidão no Rio?
R -
Aqui, uma coisa que me recordo com muita nitidez… Nós vivíamos no nível do mar e viemos para uma cidade com 1.100 metros, então, não raro, a gente sentia aquela falta de ar. Uma cidade, como diz a gauchada, com muita espraiada, muita terra ainda, e olha que Brasília, para minha perspectiva infantil, Brasília era praticamente a Asa Sul. É onde eu vivia. Eu morava na 108, estudava na 108, estudava na Escola Parque, e hoje sou professor da escola em que fui aluno com 11, 12 anos, em 73, 74. Era uma cidade ainda com 13 anos da sua fundação, com muitos vazios habitacionais, com muitas projeções, que com o tempo a gente identificou, elas foram ocupadas, e claro, quase um assalto urbanístico que foi feito a Brasília. Se você anda um pouquinho para o limite daquilo que foi configurado como Patrimônio Cultural da Humanidade, a cultura especulativa é um horror. Se iguala dramaticamente aos grandes centros, sob a égide da necessidade de as pessoas terem um lugar para viver. Entretanto, oculta essa sanha especulativa, a ganância inerente ao modelo societário que ainda vige entre nós. Então, era um lugar de muitos espaços, de muita amplitude, de grama para poder brincar e correr, jogar bola, de vias muito amplas, mas pouco movimentadas. Mas um aspecto curioso, e cheguei a chamar atenção e conversar com colegas, já agora, mais recente no processo de Semana de Apresentação da nossa escola Parque, pois estou nessa escola desde 2014 como docente. Conversava com colegas: a repressão, que parecia algo oculto, na verdade, para uma fração da sociedade, aqueles que não estavam no enfrentamento direto, aqueles que não tinham abraçado o enfrentamento com a ditadura cívico-militar, ou tinham familiares muito próximos, e recentemente, essa semana agora, o aniversário de Zuzu Angel, que é uma das marcas mais emblemáticos da resistência, de frações de classe que pouco ou nada tinham a ver com o enfrentamento, e que não são convidadas… Colocam na sala a problemática, e uma posição muito clara, muito digna, de alguém que ao longo da história, tinha distância de determinados níveis de enfrentamento. Pois bem: nós tínhamos uma figura aqui em Brasília, que chamava-se popularmente de “Graminha”. Graminha era um servidor da administração, que vinha sorrateiramente caminhando pelos gramados das quadras, para impedir que as crianças tivessem o direito de jogar bola na grama. Então os gramados, o paisagismo, o planejamento urbanístico de Brasília, em especial da Asa Sul, ele é muito refinado, muito cuidado, uma densidade de árvores, de plantas, de árvores frutíferas, manga, abacate, alguma coisa quase que impensável em determinadas regiões metropolitanas do nosso país, e pelo mundo lá fora. Então é um jardim a céu aberto. Havia muitos gramados, e a garotada apaixonada pelo futebol, especialmente em ano de Copa do Mundo, se mobilizava a jogar bola. E, sorrateiramente, apareciam esses funcionários da administração, o que em outros contextos, nós identificamos com nitidez, o que representava a força do arbítrio, em um processo de repressão às liberdades lúdicas da população. Então, em um determinado contexto, os meninos mais velhos começaram a reagir, impedindo que se tomasse a bola, que era um bem precioso – uma bola de futebol de couro ou de “capotão”, como algumas culturas a denominam –, era como tirar a própria expressão da vida de muitos de nós. Então começou a ter reação, enfrentamento com esses trabalhadores, que eram designados pela administração a fazer esse cerceamento do direito de brincar nos espaços públicos. E num determinado momento, as Veraneios vascaínas, como foi popularizado em alguns grupos aqui, Capital Inicial, Legião Urbana, as Veraneios vascaínas começaram a acompanhar esses “Graminhas”, porque os enfrentamentos eram um corte de resistência à opressão, de maneira desarticulada, ingênua, mas evidenciando que a repressão não era só nos calabouços, mas a repressão estava na aparente liberdade dos espaços, estava oculta a repressão de um aparato cívico-militar dos mais sangrentos da nossa história recente.
24:07
P/1 - Vamos dizer que por essa via, foi a sua primeira aproximação com os movimentos sociais?
R – Bem, movimentos de massa, decerto, o Maracanã me apresentou. As torcidas, aquelas multidões, 50, 60, 70,80, 90 mil pessoas. A paixão e a fidelidade pelas causas, à paixão pelos clubes de futebol, ela nos apresenta de maneira indelével: é um acordo, um vínculo que não tem possibilidade de ser rompido. Então, não sei se a título de uma transferência, ou ampliação dos vínculos com causas populares, tanto as arquibancadas, em especial a geral do Maracanã, que durante muitos anos, já mais
rapaz, fui frequentador, vi finais de Campeonato Brasileiro, Libertadores, Campeonato Carioca na geral, era um dos lugares mais interessantes você acompanhar, colado ali no seus ídolos, nos jogadores que faziam a sociedade sonhar. Não obstante, o acesso a amplas frações de classes, que tinham a possibilidade de estar no espetáculo esportivo, de atletas de nível internacional, atletas que eram da seleção brasileira, e já no início da década de 80, começaram a jogar em equipes dos centros do capitalismo central do futebol, a Europa. Então, essa resistência aos Graminhas e a presença popular, as massas nos estádios de futebol, decerto me deram ferramentas e pilares fundamentais, os andaimes para que pudesse erguer essas possibilidades, dessas opções de classe, que a gente toma ao longo da vida.
26:09
P/1 - Na sua volta para Brasília, no seu retorno para Brasília, você já tinha um curso completo, e como é que foi a sua primeira experiência profissional?
R – Olha só, eu mantive sempre muitos vínculos de amizade, de familiares, meu pai, meu irmão, continuaram a morar aqui, e meus vínculos de amizade sempre estiveram muito fortes. Brasília era uma um lugar que eu estava em casa, e o Rio de Janeiro era um lugar que eu estava em casa. Até hoje eu me sinto em casa, tanto em Brasília, quanto no Rio. Tenho uma dupla cidadania candanga, e não à toa eu deixo as minhas bandeiras aqui, do Distrito Federal e do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, estado no qual eu nasci e que se transformou no Rio de Janeiro em 1962, foi anexado ao Rio de Janeiro na década de 70, unificando, que era o Distrito Federal. Meu irmão, que é de 1954, nasceu no Distrito Federal em 54 e se tornou um cidadão do Distrito Federal a partir de 73, não mais retornando. Então, profissionalmente, eu terminei a graduação, não tinha expectativa, ainda que eu tivesse feito um conjunto de estágios, desde o primeiro semestre, escolinha de futebol no Flamengo, escolinha de natação no fluminense, colônia de férias, enfim, tudo que aparecia, a gente ia para adensar. Primeiro de uma maneira um pouco difusa, mas aquilo que aparecesse, ser fiscal de corrida de rua na Lagoa, lá estava eu. Não precisava, pela proteção familiar que tinha, eu não precisava buscar experiências na área de intervenção profissional, no mundo do trabalho, mediado pela remuneração. Eu ia pela declaração, para entender um pouco mais da realidade do mundo do trabalho, e agregar, adensar o nosso currículo. Então, vindo para cá, eu tinha muitos amigos queridos, mais ninguém ligado à educação, e tampouco educação física. Então eu coloquei um anúncio em um jornal de grande circulação à época, que era o “Correio Braziliense”, como professor de natação. Peguei o currículo que eu tinha e saí caminhando em todas as escolas da L2, e da W3, e eu ficava antenado em todos os anúncios que aconteciam nos classificados para poder me apresentar ao trabalho. E um aspecto interessante Luiz, que uma das primeiras decisões que eu tomei ao vir a Brasília, foi procurar a sede da APEF,
que era a Associação dos Professores de Educação Física, me filiar e procurar a sede do sindicato professores e me filiar, antes mesmo de ingressar no mundo do trabalho. Isso no ano de 1984. Nosso sindicato foi fundado em 79, então o sindicato ainda estava no jardim de infância, hoje na educação infantil, ingressando nos anos iniciais, e já são 37 anos de vínculo com o Sindicato dos Professores, esse foi meu ponto de filiação. Pagava lá o carnezinho, pegava o carnê, fazia mensalmente o pagamento no banco, antes mesmo de ingressar, de ter as primeiras possibilidades de ingresso e que se apresentaram no início de 85, 86, 87 nas escolas privadas, no momento em que o nosso sindicato abraçava as lutas dos trabalhadores, dos estabelecimentos privados, e da rede pública. Era um sindicato só, porque ele, fundado em 1979, tinha atribuições de um guarda-chuva mais amplo do que depois se definiria como os ramos de atuação. Então, tivemos assembleias e encontros, em uma época do processo de redemocratização, anos 1980, luta pelas diretas, em 84 as lutas pelas diretas, todas essas lutas, da criação dos partidos políticos, a criação do Partido dos Trabalhadores, no início dos anos 80, a criação da Central Única dos Trabalhadores, a partir da CONCLAT, em agosto de 83, enfim. Todas essas lutas com o processo de redemocratização, com a ditadura cívico-militar dando sinais de esgotamento, criaram as condições objetivas para que os trabalhadores se apresentassem novamente, se colocasse novamente;
e nós, já com seus, quatro, cinco, seis anos de luta, tínhamos um sindicato que se formalmente havia sido fundado em 79, tinha em sua direção companheiros que fizeram parte de agrupamentos, a construção dos partidos do espectro de esquerda, que se mantiveram ainda na ilegalidade, mas aqueles que já haviam sido legalizados ou fundados recentemente, de agrupamentos que se articularam, fizeram resistência, alguns ainda na luta armada. Então muitos desses companheiros foram nossos docentes no movimento sindical, foram nossos companheiros, dirigentes. E aqui eu não posso, simbolicamente, e correndo o risco de ser injusto, mas para ficar numa manifestação de apreço, de gênero, eu não posso deixar de mencionar a querida companheira Lúcia Iwanow e o querido companheiro Marcio Baiocchi
como grandes companheiros, grandes docentes, do nosso movimento sindical, para simbolicamente saudar um companheiro de cada gênero, nessas lutas. Tive a honra de fazer parte de coletivos de direção com eles, então em 85, 86, 87, enfrentamento, assembleias do nosso movimento, no Cine Brasília, que é um cinema belíssimo aqui da nossa cidade, um cinema público, o festival de cinema acontece neste cinema. As nossas assembleias, eram no Cine Brasília, os professores das escolas particulares e invariavelmente, depois dos enfrentamentos, depois das greves, as direções das escolas nos procuravam, dizendo que, parece que não havia uma identidade com projeto pedagógico das escolas, se é que havia algum projeto pedagógico nas escolas, mas o fato é que, aqueles que participavam das lutas passavam a carência dos acordos, eram convidados a buscar uma outra intervenção no mundo do trabalho. E assim se deu: 85 greve e demissão, 86 greve e demissão, 87 greve e demissão. Em 1986, fiz o concurso para Secretaria de Educação, fiz um concurso no processo seletivo para ingressar no Serviço Social do Comércio, o SESC, fui trabalhar no SESC em 87, continuei trabalhando em academias, clubes, e ingressei na Secretaria de Educação em maio de 1989, durante uma greve. Então a gente toma posse, se apresenta na Regional de Brasilândia e imediatamente vai para o [estádio] Mané Garrincha para participar das nossas primeiras assembleias, já na rede pública de ensino em 1989. Esse é o nosso cartão de visita, é o acolhimento, as boas-vindas que o movimento sindical deu a um conjunto de trabalhadores que tomavam posse, e se não no mesmo dia, na mesma semana, já estavam no quadrilátero do antigo Mané Garrincha, que é uma história de lutas e um lugar de definições dos nossos movimentos desde muito cedo.
34:19
P/1 - Quando é que você entra organicamente na direção do sindicato?
R – Bem, as lutas e as greves, toda a preparação das nossas lutas, por conta das deliberações e da necessidade da defesa da profissionalização da educação, da conquista dos planos de carreira, faz com que o nosso sindicato se mantenha em movimento permanente. Ele não tem o movimento trienal, por conta das eleições internas, ele não tem movimento quadrienal por conta das eleições gerais, ele é um sindicato que desde a primeira hora, ao se reconhecer como sindicato de uma fração de classe, e de uma categoria profissional como a nossa, de docentes, professores, ele se coloca em processo de revolução permanente. Então não tem interstício, não tem intervalo. Esse processo de lutas e movimentações contínuas, faz com que, aqueles que vinham, de uma tradição de lutas em outros espaços, eu já participava das lutas do nosso sindicato na escola privada, então não era estranho para mim a metodologia de trabalho que o sindicato organizava:
as assembleias descentralizadas, para envolver os trabalhadores de cada uma das Regionais de Ensino, e à época tínhamos 11 Regionais de Ensino, uma direção colegiada, que era algo que se contrapunha a uma cultura da hierarquização das relações sociais. Então você tem uma direção colegiada, mas afinal, quem é o presidente do sindicato, ou a presidenta do sindicato? Então uma das decisões políticas de maior densidade na horizontalização das relações sociais e políticas, foi a decisão política do nosso sindicato não mais ter um sistema presidencialista, mas ter uma direção colegiada. Então isso era emblemático, no projeto societário, nas lutas, e que perspectiva de sociedade nós vislumbrávamos, queríamos e continuamos a querer construir. Uma sociedade nas quais se reconheça a diversidade, a pluralidade de cada ser humano, entretanto não se estabeleçam hierarquias, nem por divisas, nem por titulações, nem por holerites mais adensados ou menos adensados, mas que sejam reconhecidos como determinações de uma mesma realidade. Então aquilo que filosoficamente alguns autores, nas mediações muito refinadas que fazem, entendendo a realidade como um complexo de complexos, é isso: lidar com a complexidade da vida, entretanto sem estabelecer hierarquizações, dando a força material da simultaneidade das lutas e da complexidade da vida. Então, na condição de militante de base, participando de representação de escola, participando nos comandos de greve, você acaba sendo apresentado para fazer parte do comando de greve, representando Regionais de Ensino, e algumas vezes eu representei a Regional de Ensino de Brasilândia. O nosso estatuto à época tinha artigos que definiam a constituição das delegacias regionais, e representantes desses regionais, como possíveis quadros a serem acolhidos na direção do sindicato. Então numa dessas vacâncias, companheiros nossos foram eleitos para mandatos parlamentares, a nossa companheira que havia sido presidenta do nosso sindicato, a companheira Lúcia Carvalho, foi eleita deputada distrital pelo Partido dos Trabalhadores, e outros companheiros foram cumprir outras tarefas, e nesse processo abriu-se vacância na direção do sindicato, e alguns companheiros que eram representantes das regionais foram ratificados em assembleias da categoria para poder fazer parte da direção colegiada do Sindicato dos Professores.
39:15
P/1 - Professor, como é que a gente pode analisar a atuação do movimento sindical, em momentos em que o governo, é um governo aliado, um governo popular e democrático aliado. Há conflitos aí, de algum modo, que precisam ser mediados. Como é que foi a sua experiência nesse aspecto, e que avaliação faz hoje, o que ocorreu à época?
R – Vejo pelo ineditismo e a experiência do então autoproclamado governo democrático e popular, de 1995 a 1998, do qual tive a possibilidade de fazer parte na condição de dirigente na área de Educação Física, Esporte e Lazer. O ineditismo de uma experiência de um governo com matriz filosófica convergente às matrizes filosóficas daqueles que eram herdeiros da tradição de lutas da esquerda, criou tensões que reciprocamente tivemos dificuldade de superá-las. Então contradições, que é uma das categorias de análise necessária à compreensão, a partir da matriz filosófica que interpretamos a realidade e somos herdeiros da tradição de lutas de um movimento que, nesse mês passado, completou o sesquicentenário, a Comuna de Paris, então todos aqueles que levantam bandeiras vermelhas são herdeiros das Internacionais, são herdeiros da Comuna, são herdeiros da organização dos trabalhadores, com as suas matrizes, matizes diferenciadas, enfim, todos nós não levantamos bandeiras vermelhas casualmente, não foi uma escolha fortuita, mas elas representam as lutas históricas dos trabalhadores. E pela primeira vez no país, desde o processo de redemocratização, temos um governo de uma aliança de esquerda, de centro-esquerda. Criaram-se conflitos, que não demos conta de superá-los. Haviam de um lado alguns setores que, a desqualificar o movimento sindical, e não somente o movimento dos trabalhadores em educação, entendiam que aqueles que permaneceram no movimento sindical eram viúvas do governo democrático popular, porque não haviam conseguido ingressar no governo – o rebaixamento evidente do debate. E, ao mesmo tempo, alguns companheiros que haviam ingressado no governo, ao terem pouca habilidade ou não ratificarem, na sua condição de dirigentes, a serviço de qual projeto societário estavam naquele contexto da história. Então, aliados podem se colocar como adversários circunstanciais, mas não são inimigos de classe. Em determinados momentos, as tensões internas e passamos momentos muito tensos, que foram as eleições do Sindicato dos Professores. Haviam dois coletivos com representatividade, com história de luta, com reconhecimento da categoria, que por divergência de concepção de política de alianças, e o papel estratégico do movimento sindical num governo democrático e popular, foram para os embates das urnas, tivemos mais de um turno, e a derrota não foi uma derrota daqueles que estavam no governo, foi uma derrota do nosso projeto societário, naquela quadra da História. Então, se avanço tivemos com o governo democrático e popular, equívocos cometemos nas relações com os movimentos sociais, posto que, são aliados estratégicos de primeira hora, são sujeitos sociais coletivos, fundantes de um projeto societário que, nos limites da democracia que alguns denominam burguesa, mas é bom sempre lembrar que cada avanço, cada metro quadrado de avanço, é conquista da classe trabalhadora, as concessões são menores do que as conquistas que os trabalhadores têm. Então não à toa, vamos disputar mandatos populares, com representantes dos trabalhadores, não necessariamente representantes das categorias profissionais, mais representantes dos trabalhadores, para que estabeleçam os embates necessários, nos limites que a democracia impõe, com as amarrações da burocratização da vida pública que se tem. Mas, enfim, tivemos uma experiência muito enriquecida no quadriênio do governo democrático popular, mas profundamente contraditória nas relações com os movimentos sociais, em especial com o movimento sindical.
44:29
P/1 - No caso do SINPRO, essa contradição pode estar expressada naquela famosa assembleia, que votou pela expulsão de nove companheiros?
R – Sem dúvida! Sem dúvida! Eu fui um daqueles que me manifestei absolutamente contrário. Era algo que desqualificava a trajetória histórica, não só dos companheiros, e aí não era individualizar, porque qualquer um dos companheiros que lá estivesse, que expressasse legitimamente as suas concepções de mundo, e algo que pelo grupo majoritário se apresentava como hegemônico, era tratado, não como contradição, mas como uma traição – o que é inadmissível. Uma assembleia de militantes, eu estive lá nesta assembleia, uma assembleia de militantes, que cometeu um equívoco histórico, reparado tardiamente, mas uma marca, dentro dessas contradições, daqueles que tiveram no governo democrático popular, e daqueles que permaneceram nos movimentos sociais, em especial no Sindicato dos Professores, de fato, talvez tenha sido o mais emblemático equívoco de estreitamento e negação, como disse anteriormente, em uma categoria que é fundante na compreensão dos movimentos, nas determinações sociais, econômicas e políticas, que a contradição. Não lidar com a contradição é não honrar a tradição de lutas das Internacionais, da constituição de partidos de esquerda, da constituição dos movimentos sindicais, da constituição e daqueles que deixaram seu sangue pelas calçadas para que a gente pudesse bradar as nossas palavras de ordem nas ruas.
46:16
P/1 - Quais o senhor considera hoje, os grandes desafios que são postos para o SINPRO?
R – Alguns companheiros que a gente lida, nessas relações intergeracionais, o último concurso de dentro do Distrito Federal, na nossa área, foi em 2014. Primeiro, avivar que na carreira docente é necessário não permitirmos a negação da profissionalização do trabalho docente. A precarização do trabalho, ela é combatida a cada dia, não pela direção do sindicato, mas coordenada pela direção do sindicato, coordenada pelo SINPRO, mas politicamente, cada companheiro, cada militante de base, entender que o contrato temporário ele tem uma função determinada. Contrato temporário, não pode ser o falseamento da precarização institucional do trabalho pedagógico. Então é bom frisar: difícil você identificar categorias, que têm trabalhadores precários como nós temos, como contrato temporário, que associados às lutas gerais, são protegidos pelas nossas decisões de assembleia geral. É difícil você ter um trabalhador precário que tem o direito de expressar sua posição política, participe dos nossos movimentos, participe das lutas gerais e inclusive das nossas greves, e não tenha a retaliação como uma contrapartida da sua decisão política. Mas ao mesmo tempo, a gente convive com os avanços de um período de reacionarismo institucional, que ganhou mais força desde o golpe cívico-militar, em meados de 2015-16. Então, essas forças tenebrosas se juntaram ao governo ilegítimo, golpista, que criaram bases para um projeto que internacionalmente tem sido identificado como um projeto de ataque a vida, um projeto genocida, que existem representações já no Tribunal de Haia, para que possa fazer juízo de valor quanto à prática de dirigentes do governo da República Federativa do Brasil. Então, esse grupo que constitui essa aliança macabra, desde meados de 2015, impõe com as suas maiorias circunstanciais no Parlamento, impõe legislações que empurram o movimento social para trás. Então resistirmos, não capitularmos, não baixarmos nossas bandeiras, reafirmarmos a dignidade, reafirmar a necessidade da profissionalização da carreira docente, e nós temos uma evidência muito concreta nesse contexto histórico da pandemia, e fica a nossa solidariedade, às famílias enlutadas. A resistência de não voltarmos à escola antes que haja vacinação, não só para os docentes, mas para toda a população. Desde março de 2020, nós, trabalhadores da educação do Distrito Federal, coordenados pelo Sindicato dos Professores, tomamos uma decisão política, de não voltar às nossas atividades presenciais antes de que toda a população seja vacinada. Então, essa é uma manifestação concreta, objetiva, força material das nossas lutas em defesa da vida, em defesa daqueles que pouco ou nada têm. Nós nos colocamos como a voz daqueles que não têm voz para se expressar. Esta é uma tarefa histórica do Sindicato dos Professores. E não à toa você vê o Sindicato dos Professores em todas as lutas do Distrito Federal, não só aquelas vinculadas às lutas dos trabalhadores da educação: em todas as lutas onde houver injustiça, a direção e o movimento sindical dos professores lá estará. Onde houver alguma coisa que atente contra a vida, e a dignidade humana, o Sindicato dos Professores estará lá para levantar as suas bandeiras em defesa da vida.
50:45
P/1 - Queria imaginar a seguinte situação, o senhor está diante de um jovem, de uma garota, de um rapaz, que decidiu ser professor. O que você diria para eles?
R – Sejam bem-vindos a uma categoria de tradição de lutas!
51:03
P/1 - O SINPRO tem uma característica de extrapolar as pautas meramente corporativas, isto é, tem essa presença mais ampliada, na vida social do Distrito Federal. Isso é o que fortalece, e qual é a sua avaliação sobre isso?
R – Sem dúvida! Uma parcela da sociedade insiste em associar, certamente pela tradição de aparelhamento de sindicatos em outros contextos da nossa história recente. Então, os sindicatos de classe, não corporativos, que não se vinculam somente às suas pautas, a mediação com real é a sua pauta, a mediação com o real é a defesa dos trabalhadores da sua área de intervenção, da sua matriz. Então, o nosso sindicato é dos professores, mas é um sindicato dos trabalhadores em educação e um sindicato de trabalhadores. Então, vincularmos as nossas lutas, sermos solidários, e não somente no quadrilátero geográfico do Distrito Federal, mas pelo espaço estratégico em que nos situamos, na capital da República Federativa do Brasil, não temos movimentos nacionais ligados aos interesses dos trabalhadores que não passem pela luta, pela solidariedade, pela força material, do Sindicato dos Professores. Sejam eles ligados aos trabalhadores da educação ou às lutas mais amplas em defesa do trabalhador e do trabalho, por extensão da vida digna e para todos. Então o papel estratégico que temos, desde a nossa gênese, por estarmos nesse quadrilátero denominado Distrito Federal, temos a nossa sede em Brasília, que é a capital, então, é uma casa que acolhe amplas frações de classe, inclusive os movimentos sociais organizados, não somente os sindicatos. Nós temos uma aliança muito forte como os trabalhadores sem-terra, com os trabalhadores sem-teto, enfim, todos aqueles trabalhadores que lutam pela dignidade da vida, lutam por dar força material àquilo que o livrinho verde que foi escrito lá em 1988, com muita luta, reafirma como direito social. Seremos aliados desses movimentos que afirmam palavras aparentemente perdidas no texto de uma legislação, mas elas ganham força, elas ganham vida, quando cada um de nós, cada uma de nós, com os nossos chapéus, com os nossos carros de som, com os nossos protetores, estamos bradando ali as palavras de ordem, representando a muitos milhares e milhões de companheiros pelo Brasil afora.
59:15
P/1 - Sem lhe pedir nenhuma bola de cristal, mas eu queria uma reflexão sua sobre o futuro da educação no Brasil. Como é que o senhor enxerga isso?
R – Uma das bandeiras que o movimento sindical levantou, a partir dos anos 1980, como herdeiro da tradição de luta daqueles que foram massacrados, foram sufocados, por conta da repressão cívico-militar em períodos repressivos da nossa história, e aqui me refiro aos partidos comunistas, que completam seus centenários neste momento da história. Uma contradição, diríamos até uma falsa contradição, entre partidos de massa e partido de quadros. Articularmos a formação continuada a partir da luta, a partir da daquilo que autores nos apresentaram como a filosofia da práxis, a intervenção e conhecimento, o chapéu de palha e o manifesto do Partido Comunista permanentemente sobre as nossas mesas. Orientando, e ratificando, a serviço de que projeto estratégico e societário estamos. Então, ao longo das nossas lutas, e em um passado mais recente, a que me refiro ao nosso plano de carreira 2007, nós conquistamos o afastamento remunerado para estudos. Essa é uma evidência de que concepção de formação humana lidamos com a educação. E formação humana para nós é isso: é educação, é intervenção, é luta política, é formação/titulação, seja ela nas escolas de formação sindical, seja ela nas escolas do movimento dos Trabalhadores Sem Terra, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, seja ela na academia, seja ela nas universidades, nas especializações, nos mestrados, nos doutorados. Então essa articulação com a formação continuada, seja na afirmação e nas lutas da nossa EAPE [Escola de Aperfeiçoamento do Profissionais da Educação], como espaço de formação, nós temos uma escola de formação de trabalhadores em educação, já mudou de nomes em alguns momentos, mas enfim, o papel estratégico da EAPE é não permitir, como em passados não tão remotos assim, a formação fosse meramente a apresentação de diplomas, que poderiam ser feitos pela troca com a mercadoria universal, em aqui, ali, acolá.
Então, para nós, não tem acordo. Formação, não tem acordo com mercadoria universal, não tem acordo com a possibilidade de instituições de procedência não muito identificada com as lutas gerais dos trabalhadores, ser uma instituição que amplie a formação desses trabalhadores. Claro que a nossa categoria ao longo de sempre, lutou pelo processo de formação, não só pelo avanços do nosso plano de carreira, absolutamente legítimo, entretanto, o Estado e a própria Secretaria de Educação apequenavam a EAP, e o Estado no plano mais amplo do país, apequenava o horizonte de ingresso, nos mestrados, doutorados e nas especializações. Então, restava a mercantilização dessa área. Negar o processo de mercantilização da formação de trabalhadores em educação faz parte dessas lutas do horizonte. Tem alguns autores e alguns sambistas que eles sempre nos chamam atenção, o querido Paulinho da Viola: “O meu pai sempre me dizia,/ meu filho tome cuidado,/ quando eu penso no futuro,/ não esqueço do passado”.
Então, olhando para frente, caminhando para frente e avante, nós participamos de um grupo de pesquisa que é o AVANTE, o avante da tradição das lutas italianas, o avante do Partido Comunista Português, ou avante da divulgação dos escritos do nosso companheiro da filosofia da práxis, nosso querido companheiro Antonio Gramsci, avante!
Não temos bola de cristal, mas lidamos com a história, lidamos historicidade das lutas e lidamos com a organização dos trabalhadores. Ao reafirmarmos em cada mandato, seja ele o mandato sindical, seja ele um mandato na condição de docente de uma escola pública, o mandato na direção de uma gestão democrática, que é uma das nossas bandeiras de lutas, gestão democrática, trabalho coletivo, horizontalidade das relações, reuniões colegiadas semanais, para reafirmar o projeto político pedagógico da escola; despersonalizar, ainda que nós tenhamos estrelas que brilham em cada coletivo, a unidade da nossa diversidade é que cria e amplia as possibilidades de amplos setores, que ao longo dessas últimas décadas, ampliaram seu processo de formação, titulação, não somente para erodir, mas ampliando as ferramentas teóricas, para intervir de forma mais qualificada nessa realidade e darmos os saltos qualitativos necessários para que construamos um país que seja, de fato, para todos. Que os 220 milhões de seres humanos nascidos sobre esse triângulo, nessa unidade geográfica que nós temos, tenham direito a uma vida dotada de sentido, tenham o direito a uma vida que seja uma vida do século 21, na qual tudo que tem de mais avançado, tudo que tem de contemporâneo, seja acessado a todos, em todos os lugares, em todos recantos, em todos os rincões de nosso país.
1:00:10
P/1 - Eu vou voltar um pouco para o lado pessoal. O senhor é casado? Tem filhos?
R - Eu sou divorciado e tenho uma filha, que me presenteou com um neto querido em 2020, que é o Samuel, minha filha Raíssa. E aqueles que disserem que 2020 foi um ano perdido, ano que meu neto nasceu, evidentemente não é um ano perdido, é um ano de grande alegria e êxtase para nós.
1:00:37
P/1 - Queria uma reflexão sua rápida, sobre esse conceito de escola Parque e escola Série, que foi a sua como aluno e agora como professor. Isso é um conceito de Anísio Teixeira. Como o senhor avalia essa concepção de escola, que análise é capaz de fazer?
R – Brasília, anos 60, naquele contexto que alguns historiadores trataram do período do presidente Bossa Nova, da bossa nova apresentando o país ao mundo, no campo esportivo e mais uma vez o futebol, entrelaçando as nossas determinações políticas, e o Brasil se anunciando na Suécia em 1958, ratificando a sua posição de protagonismo no futebol em 1962 no Chile, um presidente que anuncia a interiorização da capital do país, 50 anos em 5, a concepção teórico-metodológica da universidade de Brasília, e nesse contexto, o sistema público de ensino do Distrito Federal. Nesse contexto, as Escolas Classe e as Escolas Parque, é a perspectiva do que? Da permanência, da ampliação do tempo e da qualidade de formação dos nossos meninos e das nossas meninas. Então, a geografia, a proximidade geográfica das Escolas Classes e das Escolas Parque permitia naquele contexto, moradores das então superquadras, a nomenclatura que temos são superquadra sul, superquadra norte, isso no projeto urbanístico da cidade de Brasília, então você estudava a poucos passos da sua residência em um período, a poucos passos da sua residência você estudava no outro período, e tinha a possibilidade da proximidade da residência. Isso naquele contexto da década de 60, e início da década de 70. Evidentemente esse projeto foi ceifado, a ditadura cívico-militar quando se instala, ela é uma política de arrasa-quarteirão, e dentre essas degradações que a sociedade é vitimada, o projeto estratégico da Universidade de Brasília, e o projeto estratégico da Escola Parque, articulado às Escolas Classe ele passa a ser rebaixado. Então ao longo dos anos, evidentemente os trabalhadores em educação, por suas organizações, por suas afirmações e reafirmações e a sua prática docente, fortaleceram a tese da ampliação dos tempos e espaços, e não casualmente a gente amplia na Lei de Diretrizes e Bases, nos planos nacionais de educação, nos planos distritais de educação, porque participamos, o nosso movimento organizado, daquilo que viria a se transformar na Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, a Confederação dos Professores do Brasil, nós participamos ativamente das lutas pela educação pública na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Então, bases legais para o que a gente vive 10, 20, 30, 40 anos depois, elas estão fundadas o nosso projeto estratégico societário. Quando a gente lida com a perspectiva de futuro sem nenhuma perspectiva visionária, mas lidando com a historicidade, lidando com as perspectivas e a metodologia de envolvimento dos trabalhadores, dos colegiados, da afirmação de bandeiras já exitosas em outras experiências da administração pública, você amplia as possibilidades sem qualquer intuição, mais lidando com a materialidade, lidando com o concreto da vida, lidando com concreto da gestão democrática, lidando com o concreto da ampliação dos tempos e espaços dos filhos dos trabalhadores na escola. Então, o quadro que nós temos no Distrito Federal ele é bem distinto, passados aí quatro, cinco décadas. Essa semana é aniversário de 61 anos da nossa cidade, a realidade social econômica é bastante distinta, o projeto educacional
de ampliação das escolas Parque, elas ficaram restritas praticamente ao Plano Piloto, Asa Sul, Asa Norte, pontualmente uma na cidade de Ceilândia e outra na cidade de Brasilândia, mas com uma outra perspectiva. Então ainda a ser estudado, a ampliação presencial das nossas crianças no âmbito das escolas, mas para isso é necessário que venhamos a superar legislações, que são restritivas, da ampliação de investimento na educação pública. Recentemente, vimos acompanhando uma manifestação, e as contradições que falávamos a pouco, as contradições da luta, nos parece, diria curioso, mas é uma das estratégias dos setores conservadores, se apropriar das bandeiras de luta dos movimentos organizados, daqueles que são herdeiros da tradição de lutas históricas dos trabalhadores, apresentar essas pautas, só que desidratar o seu conteúdo político pedagógico. Então, de maneira velhaca, algumas forças reacionárias, apresentam a educação como um setor estruturante da sociedade, um setor central, prioritário, mas com uma estratégia ardilosa de criar as condições da legalidade destituída da legitimidade, de forçosamente impor um retorno dos trabalhadores da educação às unidades de escola, sem que haja a vacinação, nesse contexto de pandemia. O que é absolutamente inaceitável e se associa ao projeto que atenta contra a vida, como afirmamos anteriormente, já tratado internacionalmente, como o projeto genocida, de negar a ciência, se associando a uma concepção de mundo anacrônica, medieval, e negacionista. Então, as nossas lutas. Lutamos com a ciência, lutamos, a partir daquilo que tem de mais refinado, mais envolvido nas áreas de conhecimento, e o que tem demais desenvolvido e mais refinado nesse contexto, em relação à pandemia, é o isolamento social, é a proteção, é vacinação dos amplos setores da população, sem qualquer tipo de experiência macabra, que certamente atentará contra a vida, como a experiência concreta tem afirmado.
1:08:21
P/1 - Muito bem professor, eu acho que eu estou satisfeito. Alguma coisa que gostaria de ter dito eu não o estimulei a dizer? Talvez a referência ao nascimento de Marielle no aniversário do sindicato?
R – Pois bem, nós vivemos uma contradição permanente. Há pouco, o nosso aniversário de 42 anos do nosso sindicato, 14 de março de 1979, e nesse mesmo 14 de março, há mais de três anos, barbaramente a nossa querida companheira Marielle foi assassinada. Marielle que nasceu em 79, no ano que nosso sindicato foi fundado, e bárbara e tragicamente foi assassinada, junto ao seu motorista, a 3 anos. Então a saudação, Marielle VIVE e representa as lutas pela emancipação humana, pela emancipação das mulheres, pela emancipação dos trabalhadores, para emancipação de homens e mulheres em todo o nosso país.
1:09:39
P/1 - Professor, como é que o senhor se sentiu dando essa entrevista para nós?
R - O SINPRO, como afirmei anteriormente, desde os meus 22 anos de idade, quando eu fui à sede do nosso sindicato, na época no Setor Comercial Sul, manifestar o meu interesse e meu compromisso de me filiar ao sindicato, desde então o SINPRO é parte constitutiva da nossa vida, seja na proteção dos nossos direitos, seja nas relações fraternas que constituímos ao longo da vida. Nós temos um conjunto de companheiros e companheiras com os quais caminhamos juntos, desde os anos 80, que são bravos, alguns já fecharam o seu ciclo dentro da Secretaria de Educação, e aqui me ocorre manifestar, também com pesar, mas com alegria, lidando com esse sentimento contraditório, um querido companheiro, Rubens Guedes Memória, foi dirigente do nosso sindicato, também companheiro nosso de educação física, que recentemente faleceu, companheiro Carlos José de Siqueira, um bravíssimo companheiro das lutas, que também não deixou há pouco mais de 10 anos. Enfim, o sindicato, quando a gente levanta as nossas bandeiras, chamando atenção, seja ela numa assembleia, numa conferência, na representação no Parlamento local, do Parlamento federal, junto ao Supremo Tribunal Federal, defendendo as nossas bandeiras de luta, defendendo as confederações que representamos, seja ela na Esplanada, bradando as nossas palavras de ordem. Quando a gente levanta as bandeiras “o SINPRO somos nós, é nossa força, é a nossa voz”, não é tão somente uma palavra perdida ao vento, mas de fato ela representa aquilo que o SINPRO se tornou desde 1979, e na minha vida desde 1984, nas nossas lutas diárias. Vida longa ao Sindicato dos Professores, vida longa a luta dos trabalhadores, e vida longa ao movimento de trabalhadores em todo mundo.
1:12:12
P/1 - Para fechar professor, me diga quais são os seus sonhos?
R - Mais uma vez lidando com a poesia, o Clube da Esquina nos ensinou que nossos sonhos não envelhecem. Daqui a pouco eu passo a ter o direito de pegar o meu cartãozinho para estacionamento prioritário – este ano eu fiz 59 anos. Então, ao lidarmos com a companheirada das novas gerações, naquilo que chamamos dessas relações intergeracionais, e conseguirmos dialogar com companheiros que vieram à vida no ano que você se filia ao sindicato, ou no ano que você termina a sua graduação, por não transigirmos uma vida dotada de sentido e significado, com uma vida que seja plena, que não seja rebaixada, que nós não tenhamos cidadãs e cidadãos de segunda classe, de segunda categoria, de terceira categoria, que não vacilemos em relação a questões que o desenvolvimento científico e tecnológico já deu conta de resolver, então as nossas lutas elas não cessarão. Bem certo que o nosso tempo cronológico não dará conta da complexidade, e outras lutas virão a partir da superação do que hoje para nós é tratado como inaceitável, daquilo que para nós hoje é tratado como desumano, como representante da barbárie. Nós lidamos com aquilo que tem de mais refinado, que tem de mais avançado, e tudo que o ser humano tiver feito, em qualquer lugar do mundo, de mais refinado e mais avançado, ao nosso entendimento, cada um dos seres humanos que representa a humanidade, terá direito de acesso e apropriação. Então, enquanto isso não se der, e como é um processo permanente de avanços e retrocessos, de lutas, de derrotas e de vitórias, nós estaremos ladeando aqueles que bradam essas palavras de ordem. Então, fortalecer a dignidade de cada ser humano, faz parte dos nossos sonhos. Tudo aquilo que cada um de nós tem de mais avançado de proteção ao que se configura, genericamente, a tratar como direito social, estaremos ao lado. Então, essa é uma das nossas expectativas, Os sonhos, certamente não envelhecerão, e a nossa prática concreta, não só a nossa docência, mas como as relações com as gerações que têm nos sucedidos, nós estamos com o coração tranquilo que essa luta tem muitos e muitos anos adiante. E lembro Apolônio de Carvalho, uma figura que emblemática das nossas lutas, em vários momentos do século XX, nos grandes enfrentamentos bélicos internacionais, comendas da Resistência Francesa, comendas de resistência ao processo de redemocratização do nosso país, sonhar vale a pena. Lá na sua virada já, da décima década de vida: “Apolônio, você ainda reafirma aí o projeto histórico socialista, o comunismo, como horizontes estratégicos da humanidade?” Ele falou: “Sem dúvida, nós ainda temos muito tempo para poder dar conta dessas tarefas históricas”. Então, fortalecer essas convicções. O nosso tempo cronológico é insuficiente, nós somos herdeiros e outros serão herdeiros das nossas lutas pela emancipação humana num projeto societário que supere a barbárie e horror da vida que é mensurada pela mercadoria universal.
1:16:41
P/1 - Professor, muito obrigado pelo seu tempo e pela bela entrevista que nos concedeu, muito revelador e muito bom ouvi-lo. Saber que essa luta continua né?
R - Não tenha dúvida. Mais uma das nossas palavras. É muito honroso, qualquer convite, convocação que o SINPRO faz, nunca é um convite, é sempre uma convocação, para qualquer tarefa desde 1984, tem sido assim. Então quando a gente brada essa palavra de ordem “a luta continua”, a luta continua sempre, sempre continua, e é necessário que ela ganhe forças materiais, e essas forças materiais a gente tem tido a cada avanço, a cada conquista dos nossos planos de carreira, a cada trabalhador e trabalhadora, a cada trabalhador precário que sai para poder exercer o seu direito de gestante, isso evidencia que as nossas lutas elas estão ganhando força material. Nós não permitiremos nem que os setores reacionários avancem, e nem que os céticos preponderam.
1:18:04
P/1- Muito obrigado pela bela conversa que nós tivemos.
R - Muito honrado. Na luta sempre!Recolher