P/1 – Ki, primeiramente gostaria de agradecer a sua participação e para começar gostaria que você falasse para a gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Ki Hyok Song. Nasci em Seul, na Coreia do Sul, e cheguei ao Brasil no ano de 1987.
P/1 – E a data do seu nascimento?
R – 22 de outubro de 1980.
P/1 – Você poderia falar os nomes dos seus pais?
R – Meu pai se chama ______ ______ ______ e minha mãe ______ ______ ______.
P/1 – E qual é a atividade deles?
R – Eles são comerciantes também. Eles estão na região do Brás.
P/1 – E você sabe os nomes dos seus avós?
R – Não sei, nem cheguei a conhecê-los para falar a verdade.
P/1 – Que lembranças você tem da sua infância?
R – Você fala de lá na Coreia?
P/1 – Lá na Coreia.
R – Olha, uma coisa que me marcou muito na Coreia foi a atividade de taekwondo, que é como se fosse o futebol aqui no Brasil. Todo mundo pratica! Cheguei a ficar na faixa vermelha. Eu era muito moleque e dois amigos meus, eu não tenho mais contato com eles porque faz muito tempo, mas eram meus amigos assim dia, noite, final de semana, sempre. Um se chamava (Bong?) e o outro se chamava (Sel?). É tudo o que eu tenho de lembrança da Coreia.
P/1 – Você tem lembranças da sua casa, do lugar onde você morava lá?
R – Tenho. Tenho lembranças da minha casa. Minha mãe sempre foi modelista, não é à toa que estamos neste ramo de comércio. Então era um comércio de fazer modelagem na frente da casa, era um espaço assim amplo e atrás era onde a gente morava, que era a sala, dois quartos no fundo, banheiro, cozinha do lado esquerdo. Eu lembro que a gente bagunçava muito porque, não sei se vocês entendem de modelagem, mas vai muito papel. Então acaba sobrando muito papel! A gente fazia espada de papel, fazia barco, avião, fazia casa, fazia um monte de coisa! Eu e meu irmão mais velho. Teve uma vez que a minha mãe ficou muito brava porque era uma porta de vidro de correr, ela pedia para a gente não deixar a bicicleta lá porque qualquer dia a bicicleta ia tombar e ia prender a porta e a gente ia ficar preso do lado de fora. E foi o que aconteceu, cara. Ela ficou muito brava! Mas no final das contas deu tudo certo, eu consegui passar pela frestinha da porta e abri. Tirei a bicicleta e a gente conseguiu abrir a porta.
P/1 – Você falou do seu irmão mais velho, quantos irmãos você tem?
R – Eu tenho um irmão mais velho que o nome dele é Daniel, batizado, e o Salomão, que nasceu aqui.
P/1 – Eu gostaria que você falasse para a gente como era brincar na Coreia. É diferente do que você brincava aqui, como é que é?
R – É diferente porque aqui no Brasil, aqui em São Paulo principalmente, as casas ficam no meio do comércio, tem os bairros residenciais agora, mas na época não eram tanto. Eu cheguei a morar bastante tempo no Brás. E lá na Coreia não! É um bairro estritamente residencial, com alguns pontos de comércio como padaria, mercearia, açougue, essas coisas, mas que não tinha movimento nenhum de veículo. Eram ruas assim, a maioria eram vielas, então o movimento de carros era quase zero. E aí a gente brincava muito na rua, de bicicleta e o trânsito, como já disse, era muito pequeno. Tinha o rio principal que seria o nosso rio Tietê aqui, mas o de lá é bem mais limpo. Então a gente ia bastante próximo do rio, sempre vigiado por adultos e a gente brincava bastante lá. Era mais legal. Não sei se eu era mais inocente, mas era mais legal. Aqui eu sempre tive um pouco mais de receio, mesmo para andar de bicicleta, quando a gente era moleque aqui. Para andar aqui é difícil, os parques ficam meio longes, fica difícil de brincar aqui um pouco.
P/1 – Você comentou que a sua mãe tinha loja na frente da casa.
R – Não chegava a ser uma loja. O pessoal chegava com roupas e falava: “Eu precisava de modelagem dessa roupa para fazer em quantidade”. Eles traziam serviço e eles vinham retirar o serviço também. Porque modelagem é papel. Dava para dobrar ou enrolar e levar.
P/1 – Você se lembra dessa época de criança se você ajudava a sua mãe, ou alguma coisa assim?
R – Atrapalhava! Certeza! (risos) Atrapalhava. Nossa! Da parte dela não lembro muito, lembro mais do meu pai, que ele foi farmacêutico. Ele sempre chegava muito tarde. Só que a medicina na Coreia é um pouco alternativa. Até hoje a acupuntura é considerada uma parte da medicina e meu pai se tornou acupunturista. Toda vez que ele tirava aquele estojinho de acupuntura, a gente tinha que brincar com as agulhas. A gente vivia se furando e meu pai sempre dava bronca quando sumia agulha e ele tinha que comprar mais. Lembro um pouco mais da atividade do meu pai, era mais ligado com o meu pai do que com a minha mãe.
P/1 – Você se lembra da escola lá?
R – A escola. Eu não cheguei a frequentar a escola em si, só aquelas escolas do pré, que só vai até o pré e depois tinha que ir para um colégio. Eu não lembro muito bem, mas a escola lá é mais, como é que eu posso dizer? Completa do que a daqui. Não é um período de quatro ou cinco horas. É um período integral. Todos os colégios são período integral. Até o colégio, até o 3º colegial. O colégio exige atividade extracurricular que você faça dentro da escola. Então você sempre vai para a escola sete, sete e meia e, volta cinco e meia e seis horas para casa. Isso desde criança.
P/1 – E você sabe por que a sua família decidiu vir para o Brasil? Como é que foi?
R – A situação na Coreia sempre foi meio difícil. Teve uma melhora no final da década de 90 para o começo de 2000, mas sempre foi muito difícil. A amiga da minha mãe, uma das melhores amigas que ela já teve na Coreia, ela veio para o Brasil e em São Miguel Paulista tinha uma fábrica enorme de algodão. Mas era algodão de todo o tipo! Desde algodão de farmácia até algodão que vai em roupa, em estofado. Tinha uma fábrica enorme. E ela falou: “Vem para cá que aqui está bom. O Brasil está crescendo e a gente vai se acostumando”. E ai a gente resolveu vir para cá. Acho que demorou na época, a gente veio de avião tudo, mas acho que demorou acho que cerca de seis meses. O meu pai pegou o que ele tinha, minha mãe também vendeu tudo o que tinha, a gente pegou todo o dinheiro, foi para o Japão, eu não lembro muito bem dessa viagem, mas a gente foi para o Japão, depois fomos para a Itália, passamos um tempo nos Estados Unidos e chegamos na Bolívia. E aí quando chegamos na Bolívia acabou o dinheiro! Daí meu pai conheceu um coreano lá que na época tinha também uma fábrica enorme de plástico. Só que não eram esses plásticos quaisquer. Era plástico para fazer lona de caminhão, um plástico mais resistente. E ele era super rico lá. A gente ficou na casa dele uns três meses. Até hoje ele é bastante amigo do meu pai e ele trouxe a gente de carro de La Paz até o Rio de Janeiro! Do Rio a gente chegou aqui em São Paulo e encontrou essa amiga da minha mãe em São Miguel Paulista.
P/1 – Como é que foi para você todas essas mudanças, até mesmo essa viagem?
R – Mudança para quando se é criança é difícil. Ainda mais quando você muda de país. Você sabe que não está indo só viajar, passar umas férias e voltar. Você sabe que você está indo, deixando todos os seus amigos, está deixando tudo o que você tem na Coreia e você não sabe quando você vai voltar para o seu país mesmo. Foi um pouquinho difícil para mim. Para o meu irmão acho que foi mais fácil, por ser mais velho, ele já entendia um pouco mais. Mas eu lembro quando a gente chegou aqui, na Bolívia mesmo ele já falava: “Nossa, mãe, eu queria voltar para a Coreia. Aqui ninguém me entende, aqui eu não tenho amigos, aqui não consigo fazer nada”. Foi um pouco difícil por esse lado. Mas, a gente foi levando. A gente foi levando de boa. Graças a Deus nunca faltou nada para a gente.
P/1 – Vocês se estabeleceram em São Miguel Paulista?
R – A gente ficou morando lá um ano. Essa amiga da minha mãe também é coreana, casada com um coreano daqui, eles tinham uma casa muito grande. Tinha acho que uns, na época eu não sei se porque quando a gente é criança parece tudo maior, mas na época era uma casa de dois andares e era muito grande. Tinha um quintal enorme atrás! Eles tinham um cachorro que a gente brincava todo dia. Em cima tinha, se não me engano, seis quartos, fora uma sala que tinha no meio. E a cozinha e a sala de estar ficavam embaixo. Mas era muito grande. A gente ficou morando na casa deles, ocupando dois quartos. Eu e meu irmão em um quarto, meus pais em outro. Se eu bem me lembro eles não tinham filhos. Essa amiga da minha mãe não podia ter filhos, eu acho. A gente ficou morando lá um ano, foi superlegal, mas teve alguns incidentes que levou a gente a sair de lá e vir a se instalar no centro de São Paulo. Vocês querem saber o incidente? (risos) Bom, como a gente não falava nada de português, a gente foi encaminhado para uma igreja. Inclusive nessa igreja a gente recebeu um batizado, junto com o batizado a gente recebeu um nome em português. Para facilitar, porque meu irmão Daniel, mais velho também, ele se chama Ki também. Então para facilitar ele ficou com o nome de Daniel e eu fiquei com o nome de Paulo. A gente ficava todos os dias nessa igreja com os filhos de outros, amiguinhos, todos tomando conta. E eu nunca tinha brincado de cabra cega na Coreia. Não existe esse tipo de brincadeira na Coreia. E aí o que é que aconteceu? Eles vendaram os meus olhos e falaram que era a minha vez. Só que eu não sabia o que fazer. Eu só sei que eu saí correndo e eu bati não sei aonde. Eu tenho a cicatriz até hoje que é essa aqui da sobrancelha. Isso a gente já estava aqui em São Miguel há uns três meses. Aí minha mãe ficou super chateada, achava que eu ia ficar cego de um olho, aquela coisa toda. Depois passou mais uns dois ou três meses e minha mãe sempre trabalhando de modelagem aqui. Ela estava com uma tesoura para cortar o papel e fazer o molde. Meu pai, ele falou que trouxe um gato para mim, ou algum animalzinho de estimação. Eu fui super feliz correndo abraçar minha mãe e o meu pai. Só no que o que a minha mãe estava trabalhando, eu pulei em cima dela, ela virou com a tesoura, a tesoura entrou no pescoço, eu tenho quatro pontos aqui. Segundo o médico na época, parece que a ponta da tesoura ficou acho que tipo um centímetro da minha jugular. Foi muito pouco! Não era para eu ter morrido na época. Devido a esse incidente maior, minha mãe brigou com o meu pai, falou que meu pai não fazia nada e como o meu pai também não falava o português, ele não tinha trabalho. Ele não fazia nada. Farmacêutico, exercer função de farmácia aqui no Brasil é uma coisa complicada. Ainda mais se você não sabe falar português. Então falava que não cuidava bem da gente, mas que também não trabalhava, não fazia nada. Aí foi brigando, brigando, e a gente resolveu voltar para a Coreia: “Vamos voltar para a Coreia porque lá tem a minha irmã, têm meus irmãos, a gente dá um jeito, tal.” Só que aí meu pai falou: “Eu não quero voltar para a Coreia para pedir ajuda de volta”. A gente estava em uma situação razoável. “Agora a gente vai chegar lá, todo mundo em uma situação um pouco menos do que a gente, pedindo ajuda?” Ele estava falando para a minha mãe que não tinha vindo para o Brasil para voltar como se ele tivesse feito um tour pelo mundo e voltar sem nada. Aí meu pai tinha trazido um pouco de dinheiro, na época era pouca coisa, 5000 dólares eu acho, 4000 dólares. O que não era... Para gente era muita coisa, para quem não tinha nada! Meus pais começaram, eles mesmos, a vir aqui para o centro de São Paulo pesquisar casa para alugar, essas coisas todas, apartamentos, e encontrou um coreano. Porque a maioria dos coreanos chegou aqui na década de 80, comecinho de 90. E tinha uns coreanos, como todo o mundo, tem os pilantras. E acabaram levando esse dinheiro do meu pai. Ou seja, a gente ficou zero! A gente já estava ruim, ficou no fundo o poço! Eu não sei, essa parte não me lembro bem porque eu era muito criança, mas parece que teve um desentendimento por causa de dinheiro, porque a amiga da minha mãe falou: “Você estava com dinheiro, não falou nada! Podia ter ajudado vocês a alugar uma casa ou qualquer coisa assim”. A gente não sabia nada aqui. Na Coreia não existe esse negócio de fiador para você alugar uma casa, essas coisas. Aí ela ficou super chateada, meio que expulsou a gente do nada. Aí o marido dessa amiga da minha mãe entrou, fez o favor de trazer toda a nossa bagagem depois aqui. E a gente começou a frequentar uma igreja coreana. Inclusive até hoje a gente frequenta essa mesma igreja. A gente chegou a sair dessa igreja, mas acabou voltando para ela. E aí a gente começou a vida aqui em São Paulo, um apartamento na Rua Barão de Ladário, quinto andar. Eu lembro muito bem desse apartamento porque era muito grande. Eu volto a falar, eu não sei se porque a gente era criança e parecia tudo muito grande, mas era muito grande! Tinha dois quartos enormes, uma sala maior ainda, uma cozinha razoável e uma dependência de empregada. E meus pais ficavam num quarto, no outro quarto meu pai montou uma mesa grande para minha mãe trabalhar com modelagem, que era a única coisa que a gente podia fazer na época. Eu e meu irmão, a gente ficava no quarto da empregada. A gente estava praticamente, assim, zerado. Estávamos passando muita necessidade, mas foi, acho, a época mais feliz. Como família a gente não conhecia ninguém! Eu me aproximei muito dos meus pais, principalmente com minha mãe. Eu não era muito chegado com ela. Com os meus pais, com o meu irmão. Porque na Coreia cada um tinha o seu círculo de amizade e cada um frequentava um grupo de amigos diferentes. Aqui não. A gente ficava um amigo do outro, como a gente não tinha ninguém. Então foi muito bom! A gente ficou lá por praticamente uns seis ou sete anos desse jeito, a gente no quartinho de empregada. Só que chega uma hora que a gente cresce e não cabe nem eu direito no quarto de empregada, que era muito pequeno. Aí a gente começou a dormir na sala, nossa sala virou nosso quarto praticamente. Aí eu lembro que a gente juntava os sofás e aí a gente dormia. Na hora de acordar tinha que colocar os sofás no lugar de volta e, a gente arrumava a casa e tal. A gente só ia para o quarto da empregada para se trocar, mesmo depois do banho, essas coisas. Aí minha mãe ficou grávida. Inclusive, me deixa só fazer um parêntese aqui, que é uma história engraçada esse negócio da gravidez da minha mãe. Meus pais casaram super tarde para a época. Meu pai casou com 32, minha mãe já tinha 31 na época. Para época era super tarde até mesmo na Coreia. Então eu brinco até com o meu pai: “Pô, pai, você só fez a gente quando foi comemorar. Você casou, foi comemorar teve o Daniel”. Aí quando o Daniel nasceu... Na Coréia o filho mais velho ser menino é uma coisa assim muito importante: “Ele foi comemorar e nasci eu”. Porque eu e meu irmão mais velho, acho que tem onze meses de diferença, não chega a ser um ano: “E aí quando você chegou no Brasil e que você conseguiu sair, ficou independente, você foi comemorar e teve o Salomão.” Aos 38 anos de idade. 39 anos de idade. Então eu brinco um pouco assim. Aí minha mãe ficou grávida do Salomão. Foi um parto difícil, porque a gente não tinha dinheiro e a hospitalização aqui sempre foi cara. Só que teve uma felicidade também. Um primo do meu pai, a gente não fazia ideia, ele já estava aqui no Brasil. Tinha uma fábrica muito grande de química chamada Unizinco, em São Bernardo do Campo. O cara, para gente, era milionário! Tinha três carros! Tipo, na casa ele tinha duas TVs! Então o cara para a gente era milionário. Tinha uma casa em Peruíbe. Depois que a gente conheceu esse primo do meu pai, eu não lembro bem como foi, acho que foi minha tia da Coreia que falou: “Olha, se lembra do primo tal? Ele está aí no Brasil também já faz um tempo. Tenta contatar ele”. Foi mais ou menos naquela época em que não tinha internet nem nada assim. Acho que foi um ano tentando encontrar o cara assim, sabe? Ele ajudou bastante a gente. Nossa, ajudou muito! Não só financeiramente, mas a explicar as coisas como funcionam aqui no Brasil. Ele ajudou bastante. A gente ia direto para Peruíbe. Teve uma vez que eu fiquei tanto tempo em Peruíbe que não queria voltar para lá nunca mais. (risos) A gente ficou uns 35 dias diretos. Meus pais trabalhando aqui em São Paulo e a gente em Peruíbe com os meus primos de São Bernardo. E meus primos são todos mais velhos porque o meu pai é o caçula da família. Meus primos são todos mais velhos e meus primos também certeza de que eles não me aguentavam mais! Aí a gente ficou bastante tempo. Quando a gente voltou para São Paulo minha mãe falou que a gente não era filho dela, porque a gente estava muito moreno. (risos) Foi engraçado! Como eu já disse, foi uma das melhores épocas da minha vida, essa parte da Barão de Ladário. Foi muito bom.
P/1 – Como é que foi para aprender a língua, entrar na escola aqui?
R – A língua, sinceridade, não lembro com aprendi. Eu lembro que vinha na época de São Miguel Paulista, como a fábrica era grande, tinha muito funcionário que vinha, principalmente a empregada doméstica. Ela vinha e eu ficava enchendo o saco dela. E eu ficava falando para ela que eu queria usar a colher e eu não sabia falar como era colher, então mostrava para ela, ela me falava o que era. Copo, coisas básicas. Fui aprendendo bastante com ela as primeiras coisas. E a segunda coisa que eu aprendi foi palavrão. Qualquer língua a segunda coisa que a gente aprende é palavrão. Então aprendi bastante palavrão também, mas se você perguntar para mim se foi muito difícil aprender português, não me lembro. Eu lembro que meu pai me enfiou na escola e: “Se vira”. E com o meu irmão foi a mesma coisa. Inclusive a escola foi uma fase muito difícil. Acho que a mais difícil na minha vida aqui no Brasil, no começo, foi a escola. Não só pelo nome, que o pessoal zoava, imagina, Ki. Agora não sou tanto, mas eu era bem cabeçudinho. E o meu irmão mais ainda. O apelido dele era Pirulito na escola, por exemplo. Meu irmão também fez taekwondo, eu fiz taekwondo. Eu não ia levar desaforo de uns caras que eu nunca vi na minha vida. Então virava para o meu irmão e falava assim: “Eu acho que eles estão zoando com a minha cara”. Aí meu irmão: “Não. Eu tenho certeza que eles estão zoando com a nossa cara”. Aí a gente soltava a mochila e a gente batia em cinco, seis moleques, assim, tranquilo. Porque taekwondo o que é que você aprende? Chute. A base do taekwondo é chute. Você brigava chutando, você briga à distância. E os caras vinham dar soco na gente, antes que eles chegassem a um metro da gente, já estavam levando chute na cara, no peito. Então a gente brigava bastante na escola. Lembro que foi muito difícil. Tanto é que chegou uma vez, acho que foi com o meu irmão mais velho, ele na saída da escola, foi muito engraçado. Tinha um grupo de coreanos, panelinha era mais forte do que nunca naquela época, meu irmão saiu correndo assim do portão. Falei: “Nossa, o que é que foi Dan? O que é que aconteceu?”. Ele falou: “Não, não. Tem um pessoal querendo brigar com a gente, mas vamos para casa que não estou afim de brigar hoje”. Olhei para ele e falei: “Imagina, a gente nunca apanhou deles, por que é que não quer brigar?”. Quando eu vejo o colégio inteiro está vindo atrás da gente. Era muita gente, inclusive tinha menina no meio, sabe? Foi uma coisa bizarra. A gente correu tanto, a gente correu tanto. (risos) Mas foi legal.
P/1 – Você lembra o motivo?
R – Eu não lembro agora, eu não lembro porque foi o motivo. Meu irmão tinha aprontado! Tinha mexido com alguém da turma ali que era muito querido ou fez chorar. Não sei o que é que foi. Só sei que ele não quis falar e até hoje eu não sei o porquê é que foi. Mas foi engraçado. Tem umas fases muito engraçadas. A gente ficou dois dias sem ir para o colégio. A gente falava para o meu pai que ia, a gente não ia. (risos) Era uma quarta, ficamos quinta e sexta sem ir, abaixou a poeira no final de semana e na segunda-feira a gente voltou a ir. Uma coisa muito engraçada.
P/1 – A escola era próxima à casa de vocês?
R – Era. Vocês conhecem a região do Brás? Agora é Colégio Bom Jesus na época era Colégio Santo Antônio do Pari, perto daquela igreja Santo Antônio do Pari que é famosa. Ficava atrás dele. E a Borges Ladário, eu morava na primeira quadra, então era uma caminhada de uns cinco, seis minutos. Era uma coisa super tranquila de ir e voltar. Claro que o meu pai acompanhava a gente e vinha pegar a gente na escola. Mas, às vezes, como a gente aprendeu o caminho de volta ele não ia mais. A gente ia e voltava a pé tranquilo.
P/1 – Você tem alguma lembrança de alguma matéria que você gostava mais, ou algum professor?
R – Sempre gostei muito de História. A História do Brasil, não sei se por ser somente 500 anos. Você pode achar engraçado falar somente 500 anos, mas é muito fácil de aprender! Era gostoso de você ver porque são fatos muito recentes ainda. A História da Coreia, por exemplo, tem pelo menos 4000 anos de idade. É uma coisa muito antiga e por ser mais antiga é muito chato para a gente. Não queremos saber muito daquelas coisas de três, 4000 anos atrás, de como foi inventada a escrita coreana. A gente não quer saber de verdade. É meio chato. Porque também teve muitas guerras, na época com a China, com o Japão. Teve muita guerra. É legal, mas eu me interessei muito pela História do Brasil que está interligada com a europeia. Os portugueses, os espanhóis e os holandeses que vieram aqui. Até cheguei a fazer uma faculdade de História depois, mas acabei desistindo. Tinha que ler muito livro. Eu gosto de ler, mas por prazer, não porque eu preciso ler.
P/1 – Você mencionou naquele episódio da briga na escola que tinha uma panelinha de coreanos. Tinha muitos descendentes coreanos nessa escola?
R – Meu melhor amigo na época no colégio ele se chamava (Ju?). Agora ele é advogado, está advogando para um escritório forte aqui em São Paulo, não lembro qual agora. Foi meu primeiro amigo coreano aqui no Brasil, foi esse (Ju?). Uma história meio triste a dele, mas ele superou. O irmão dele morreu, o irmão dele também era bem amigo do meu irmão mais velho porque as idades deles batiam também. E o pai dele também já faleceu. Enfim, ele sempre foi muito inteligente e sempre brigava muito também. Eu não sei o porquê a gente tem essa mania de brigar bastante, os coreanos. Mas eu lembro que tinha uma panelinha de seis coreanos. Era eu e (Ju?), o meu irmão, o irmão do (Ju?) que era o (Dong?) e dois (Songs?), o (Song Ju?) e o (Song Park?). A gente sempre andava junto. Era intervalo, a gente já sabia o nosso cantinho de se encontrar e passar o intervalo juntos. Na saída todo mundo morava meio que próximo assim, então a gente ia embora junto. De manhã a gente também, quando dava a gente se encontrava para vir junto para a escola. Quando não vinha a gente ia para a casa da pessoa que não veio perguntar por que não veio, se estava tudo bem. Mas sempre foi assim, sempre nós seis.
P/1 – E que lembranças você tem do bairro nessa época, do comércio, como é que era?
R – O bairro nessa época ainda era bem tranquilo. Agora a Igreja Santo Antônio do Pari tem uma praça em frente. Está tomada por bolivianos. Nada contra eles, mas eles são muito baderneiros. Então eu lembro que aquele parque tinha um balanço que a gente sempre ia depois da escola. Um balanço de três lugares, eu sempre brincava lá. Tinha, acho que é gira-gira que fala. Tinha um gira-gira que a gente brincava bastante, tinha um tanque com bastante areia para a gente ficar brincando lá também. O comércio não me lembro muito bem, mas tinha um fliperama perto dessa praça também. O oriental em geral adora vídeo game. A gente também frequentava bastante, não a ponto de passar o dia, mas a gente sempre ia, todo dia a gente ia. Tinha uma loja de brinquedos, na verdade não de brinquedos, de lembranças, mas tinha uma parte dessa loja que era só de brinquedos. Aí sim a gente passava duas horas só olhando e o dono acho que era oriental, carequinha assim, meio velho. Ele odiava a gente! Porque a gente ficava o dia inteiro olhando e não comprava nada. A gente não tinha dinheiro para nada! Eu lembro que o comércio era bom nessa época. Era bastante, não movimentado, mas nessa época meu pai falava que quem fazia camiseta ganhava dinheiro. Quem fazia camisa de polo era milionário. Na época, assim. Porque não existia essa tecnologia têxtil aqui no Brasil ainda. E acho que a gente até hoje contribuiu bastante com essa tecnologia têxtil, não do tecido em si, mas confecção de roupas. Tanto na parte... Mais na parte feminina com certeza, mas na parte masculina também. A gente está crescendo bastante nesse ramo. Então eu lembro que o comércio era uma coisa simples, mas se ganhava bastante dinheiro naquela época. Era claro que a inflação também era um absurdo, mas eu lembro que era legal assim o comércio, era saudável o comércio. A concorrência era uma concorrência saudável.
P/1 – E o Ki adolescente? Os amigos eram os mesmos da escola, eram amigos brasileiros? O que é que vocês faziam e aonde?
R – Eu fiquei na Escola Santo Antônio do Pari até a quarta série. Na quarta série eu fui para o Colégio Anglo Latino. Já não existe mais esse colégio, mas eu fui para o Colégio Anglo Latino porque meu pai fez uma amizade com um coreano também e ele mandava os filhos para esse colégio, falava que esse colégio era muito bom. Só que ficava na Aclimação, ficava muito longe. E só tinha período da tarde. Meu pai odiava que a gente estudava à tarde. A gente ficava dormindo até nove, dez horas da manhã e ele achava que a gente ficava preguiçoso. Ele preferia que a gente acordasse cedo, fosse para escola, voltasse, almoçasse e aproveitasse o resto do dia. Então a gente perdeu uma hora indo e voltando do colégio e acordando tarde ainda de manhã. E realmente eu fiquei vagabundo. Eu repeti uma série lá. Meu pai quase me matou, porque passar de ano era obrigação; Não merece prêmio por isso. Você passar tudo com dez, aí sim quem sabe ele te dá um prêmio. Um presente de Natal mais... Meu pai sempre foi muito exigente no estudo. Eu fui para lá com meu irmão e com esses amigos novos que eu fiz. O Colégio Santo Antônio sempre foi um colégio meio fraco, a gente não precisava estudar muito para ir bem nas provas. O Colégio Anglo Latino realmente era mais forte, era mais puxado, e a gente encarava como se fosse o Santo Antônio. Meu irmão não repetiu por pouco e, engraçado, repeti por causa de História. Foi a única matéria que me repetiu, cara. Tipo eu fiquei de Português, Matemática e História. Passei em Matemática, passei em Português, mas eu acho que o professor era meio sacana, não gostava de mim. (risos) E eu repeti por causa de História! Por causa acho que meio ponto, ou até menos. Eu não lembro agora. Só sei que o meu pai não falou comigo durante um mês! Ele estava muito chateado, mais chateado do que bravo. E aí a gente acabou voltando para o Santo Antônio. Aí eu fiz a quinta... Repeti a quinta série. Fiz a quinta série de novo, fiz a sexta. A sétima série meu pai me mandou para o Colégio Etapa. Falei: “Pai, se você me mandar para um colégio puxado é bem capaz que eu repita de novo.” “Não, mas se seu irmão vai, você vai junto!”. Falei: “Tá bom”. Cheguei no Etapa, comecei a tirar meio nas provas, porque é muito mais puxado do que o Santo Antônio. Sem exagerar, dez vezes mais puxado. Matemática eram três professores. Na sétima série já tinha Geometria, já tinha vários tipos de Matemática. Português eram dois, um de Redação, um de Gramática. Tinha um de Inglês, tinha Educação Artística, era História da Arte e Educação Artística. Era uma coisa assim. Era muito puxado. E o Colégio Etapa, apesar de ser puxado, não é um colégio muito bom porque as quadras são muito pequenas. Então a gente não tem uma atividade física boa para fazer lá dentro. Eu acho que quadra é um ponto muito importante. Lá na Coreia mesmo, todos os colégios, para ser colégio, você precisa ter um campo de futebol de campo na frente do colégio. Então eu não sei se é por causa disso, mas eu acho importante também a atividade física. Só que eu não repeti lá no Etapa, porque eu tinha prometido para a minha mãe que eu nunca mais ia repetir na vida. (risos) Aí eu consegui passar de ano na sétima, na oitava. No primeiro colegial continuei no Etapa. Aí já tinha pegado as manhas do colégio, sabia como tinha que estudar. Estudava mais mesmo! E fui fazer a Fuvest no terceiro colegial. Eu tinha prometido para a minha mãe que ia passar em qualquer faculdade, mas de preferência uma USP ou até mesmo a GV, que ela estava disposta a pagar. Mas nessa época já estava bem, já não estava tão necessitado. Meus pais já estavam com duas lojas assim e tal. Minha mãe falou assim: “Não tem problema, desde que você passe. Porque como você já repetiu de ano, não vai fazer cursinho, porque aí você vai perder mais um ano e eu não quero isso para você”. Só que eu não passei em nenhuma. Passei na FMU, só que o meu pai falou: “O quê? Você fez Etapa para fazer FMU? Imagina!”. Aí acabei passando na PUC. Eu fiz dois anos de Economia. Mas é muito chato Economia. É muito chato. Então eu acabei desistindo, falei para o meu pai que eu não queria, meu pai ficou insistindo, mas eu já não era mais tão moleque. Então acabei nem indo, falei para o meu pai que podia parar de pagar. Ele não parou de pagar. Aí eu fui lá e tranquei a matrícula. Aí ele falou: “Não está vindo mais boleto”. Eu falei: “Fui lá e tranquei a matrícula, porque eu não quero mais fazer. Quero estudar, quero fazer um cursinho, quero fazer História que é uma coisa que eu gosto”. Aí ele falou: “Não, porque História não dá dinheiro, porque...”. E coreano tem essas coisas: Tem que ganhar dinheiro. Eu não sei se porque a gente já estava um pouquinho melhor de vida, eu não dava tanto valor para dinheiro assim. Nunca fiz muita questão de ganhar muito dinheiro. Aí eu cheguei a fazer dois anos, só que nessa época eu já trabalhava para o meu pai. Eu já ia para a loja todo dia, já tinha uma função dentro da loja que era gerenciar a entrada e saída de mercadoria. Tudo o que entrava e saía quem controlava era eu. O fluxo de dinheiro quem controlava era o Daniel, por ser mais velho. Eu fiz faculdade, aí percebi como é difícil trabalhar e estudar. Eu nunca achava que isso ia ser tão difícil. Mas realmente é muito cansativo. E aí acabei também não terminando a segunda faculdade. Enfim, eu fiz duas faculdades só que não tenho nenhum diploma.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Você tinha falado que o seu pai tinha arrumado um espaço para sua mãe trabalhar no apartamento. Como é que se deu a abertura das lojas e tudo mais?
R – Foi assim: minha mãe começou a trabalhar para os outros. O pessoal trazia a roupa e dizia: “Olha, eu preciso de molde dessa roupa”. Então ela desmembrava a roupa, desenhava com giz no papel, recortava e levava o molde e a peça descosturada de volta para a costureira costurar. Esse amigo do meu pai que falou para a gente ir para o Anglo foi quem deu a ideia. Falou assim: “Olha, a sua modelagem cai bem melhor do que as dos outros. Tem um caimento muito bom. Você faz modelagens grandes. A sua modelagem é muito boa. Por que é que você não arrisca a abrir uma loja?”. Meu pai falou assim: “Nossa, imagina. A gente não tem dinheiro para isso, a gente não tem nada praticamente. O que a gente está fazendo aqui dá para a gente sobreviver e guardar um pouquinho para uma emergência”. Ele falou assim: “Não, então eu banco vocês. Porque do jeito que sua roupa veste bem, vocês vão ganhar dinheiro muito rápido e depois de um ano vocês me pagam. Ou quando der, depois de dois anos vocês me pagam”. Meus pais ficaram conversando entre eles e decidiram abrir realmente uma loja. Só que como a gente estava apertado tinha que enxugar o máximo de gasto possível. Meu pai alugou uma loja que ficava um pouco fora do centro comercial do Brás, porque foi no Brás. Ficava bem longe, na verdade, da Rua Oriente, da Rua Miller, da Rua Maria Marcolina, que é o centro. Para não ter uma loja e uma casa, a gente montou uma loja com a casa atrás. Putz. É uma bosta isso. É muito ruim porque, imagina, de manhã cedo já de sábado tem gente trabalhando na parede do lado e as paredes a gente não conseguia levantar de concreto, tinha que ser aquelas de gesso. Uma casinha muito meia boca. A gente passou lá também um bom tempo. Meu pai juntou um dinheiro e resolveu abrir essa lojinha. Porque até quando a gente mudou para esse ponto, era um ponto estritamente para a minha mãe fazer modelagem. Era um espaço bem maior! Um tio meu, bem mais novo, é um primo mais novo da minha mãe, acabou vindo para cá e ele era um marceneiro assim muito bom. Ele acabou comprando madeira e a gente fez uma loja toda de madeira e vidro. Eu lembro que quebrei a vitrine, assim, no primeiro dia da inauguração. Meu pai ficou muito puto. (risos) Aí a gente montou essa loja. A minha mãe falou que foi a primeira compra dela, convertendo a moeda para os dias de hoje, foi uma compra de mil reais em tecido. Ela falou que não conseguiu dormir a noite inteira, porque ela achava que alguém ia vir e levar esses mil reais que ela tinha de tecido embora e ela não ia conseguir fazer mais nada. Ela falou que ficou uma semana sem dormir direito! Porque como ela apostou todas as fichas no tecido, na modelagem... Nossa! Foi difícil esse tempo. Mas realmente, o que esse novo amigo do meu pai falou ele tinha razão. A gente ganhou dinheiro muito rápido. Dessa loja a gente foi para um loja na Conselheiro Belisário. Que é uma paralela à Oriente. Depois dessa loja da Conselheiro, a gente abriu uma junto na Rua Miller, de esquina com a Oriente. A gente manteve essas duas por um bom tempo e na época de mais ou menos 93, 94, explodiu o box. O pessoal pegava lojas grandes e espalhava boxes, aquelas lojinhas de plástico mesmo, um lugar bem pequeno, e colocava para alugar. Eu lembro que na época meu pai chegou a ter até dez boxes ao mesmo tempo, espalhados pelo Brás inteiro. Aí deu uma enxugada, a gente ficou com dois, uma na Miller e uma na ________, que ficava atrás da Rua Barão do Ladário e que tinha estacionamento para ônibus, essas coisas. E a gente ficou um bom tempo. Aí depois meu pai abriu uma loja na Oriente mesmo, fechamos os dois boxes que tinham sobrado e ficamos com três lojas. Meu pai fechou a da Conselheiro Belisário, porque estava dando muito gasto, ficamos com a da Miller e com a da Oriente. A Rua Miller hoje ainda ela é uma rua muito importante no Brás. Ela é uma rua assim que é referência no Brás. Têm as roupas mais refinadas, mais bonitas, o pessoal da Miller, a maioria do pessoal da Rua Miller vai para a Europa pegar a tendência lá, traz para cá, que é o que o pessoal do Bom Retiro faz também.
P/2 – Você comentou que acabou, acidentalmente, quebrando a vitrine no dia de abertura da primeira loja. Conta pra gente como foi isso?
R – (risos) Meu pai, na hora de instalar os vidros, ele foi colando os vidros na madeira e fazia uma gambiarra com parafuso que, mesmo se a cola descolasse, o vidro não caia, então ficava. Eu não sei por que diabos eu fui martelar uma madeira que estava segurando o vidro. E eu tinha certeza absoluta que não ia acertar o vidro, que ia acertar a madeira! (risos) Puf. Foi só um totozinho de nada! Te juro, assim, não era para quebrar!
P/1 – Você estava falando do período em que teve a explosão dos boxes ali no Brás e depois da loja que tinha um estacionamento para ônibus.
R – Isso. Meu pai acabou fechando. A gente até acabou fechando a loja da Miller porque a Miller, como disse, era um negócio muito refinado, a gente não conseguia acompanhar o passo deles. Então ficava uma loja muito largada no meio na Rua Miller. Então acabamos passando o ponto para frente e ficamos só com uma loja na Rua Oriente. Isso foi em 97, se não me engano. Em 98 meu pai conseguiu pegar um ponto ótimo na Rua Maria Marcolina, bem perto dessa loja da Oriente. Ele fez uma mega reforma. Tipo, todo mundo do Brás veio ver a loja porque a loja foi na época... Para estar lá onde a gente estava, era uma loja muito bonita, uma loja super ultra moderna. Então todo mundo veio só para ver como estava a loja na inauguração. Eu lembro que tinha tanta gente lá na loja! E a loja é grande, ela tem oito de frente e 50 de fundo. Não tinha espaço para a gente passar. Era muita gente. Depois disso a gente deslanchou. O meu pai começou abrir mais umas lojas. Mas a gente ficou com essa da Oriente e a da Maria Marcolina por um bom tempo. Aí meu pai começou a ir para o Bom Retiro. Ele viu que o pessoal no Bom Retiro era umas roupas mais refinadas. Você vendia menos e lucrava mais. Você conseguia embutir mais lucro na peça porque se você vendia, se você tem um custo de três reais numa roupa e vende a dez no Brás, você teria um custo de cinco reais na roupa e você conseguia vender por 20 lá no Bom Retiro. Então a gente começou a sacar isso e a gente resolveu ir. Teve uma oportunidade única, meu pai acabou abraçando essa oportunidade e abriu também Bom Retiro. E aí a gente ficou com quatro lojas ao mesmo tempo. Nessa época a gente já estava super bem. Meu pai falava que ele nunca tinha imaginado que ele ia ficar desse jeito quando chegou aqui. Quando ele lembra a fase que ele passou aqui na Barão de Ladário, lá em São Miguel Paulista, ele nunca achou que fosse ficar tão bem de vida. Não que a gente seja rico agora, mas a gente está super bem agora. Em comparação com muitos coreanos que chegaram na mesma época, a gente está super bem. Meu pai contou uma coisa muito engraçada depois que a gente comprou nossa primeira casa, porque até então a gente só morava de aluguel. Meu pai só investia na loja, porque era o que tinha retorno e tal, mas meu pai resolveu comprar uma casa lá no Belém. Meu pai sempre gostou muito do bairro do Belém: primeiro era que estava próximo do Brás; segundo porque era um bairro super tranquilo, assim como eu falei que na Coreia são bairros totalmente residenciais. Agora está um pouco mais movimentado, mas na época era um bairro super tranquilo. Ainda é. Meu pai gostou muito do Belém. A gente já sofreu assalto aqui dentro das nossas casas, mas a gente foi lá para o Belém, estamos lá agora, vai fazer agora uns 22 anos que a gente está lá morando. Muito tempo! Deixa só eu retomar... Eu perdi um pouco o que eu ia falar.
P/2 – Do Bom Retiro?
R – Ah, tá. Uma coisa muito engraçada que o meu pai falava. Ele falou para a gente quando ele comprou a casa. Ele falou que quando ele era moleque ele tinha que, história de coreano, ele tinha que subir duas montanhas para chegar à escola, mas que ele ia todo dia e voltava todo dia. E num desses dias teve uma cartomante, que lia as mãos, uma cigana, e os amigos do meu pai falaram: “Vamos lá. Vamos lá (Mo?) ver a nossa sorte”. Esses dois amigos do meu pai ainda são amigos, são os melhores amigos, e falou que leu a mão do primeiro e falou assim: “Você vai ser uma pessoa muito importante na Coreia ainda”. Aí o segundo falou assim: “Você vai ser uma pessoa que vai tomar decisões muito importantes para o nosso país”. Aí meu pai olhou e falou: “Ah, ela vai falar merda de mim”. (risos) Olhou para a mão do meu pai e ela falou assim: “Olha, engraçado, você não vai ser uma pessoa rica aqui na Coreia, você vai ser uma pessoa muito rica fora da Coreia”. Aí meu pai falou: “Se liga! Você está viajando velha! Imagina! Eu, rico?”. Meu avô da parte do pai faleceu quando o meu pai tinha seis anos. Na Coreia quando a mulher sustenta a casa ela tende a gastar, a casa perde força, sabe? Meu pai falou que vendeu muita coisa que tinha na época. Não tinha muito, mas vendeu quase tudo o que tinha para poder mandar os filhos para a faculdade. Não só meu pai perdeu o pai dele aos seis anos, mas como o irmão mais velho que começou a tomar conta da casa, ele morreu num alpinismo. Ele praticava alpinismo e acabou caindo e morreu. Então ele, como caçula, e três irmãos mais velhos em cima dele, ficou tomando conta da casa. Foi muito difícil para ele também. E ele falava para essa velha: “Imagina, estou super apertado. Imagina que eu vou ser rico um dia”. E realmente, meu pai ficou muito bem de vida aqui, não acho que seja rico, mas ficou muito bem de vida aqui. Esse amigo que a cartomante leu a mão, que ia ser uma pessoa muito importante na Coreia, ele agora é presidente do banco central da Coreia, faz uns oito anos. O outro amigo dele, se não me engano ele é alguma coisa na alfândega, mas, tipo, ele é um cara superforte. Ele controla o que entra e sai da Coreia, uma coisa assim. E realmente o meu pai falou: “Realmente aquela velha que eu fiquei tirando sarro estava certa”. (risos) Ele contando foi muito engraçado.
P/1 – E agora voltando um pouquinho para a loja, como é que se dá a escolha dos funcionários? São pessoas da colônia coreana também? Quem trabalhava nessas lojas? Você e seus irmãos?
R – No começo, e eu acho que foi para todas, a maioria das lojas coreanas, meu pai e minha mãe é que tomavam conta da loja. Eles não saiam nem por decreto lei da loja. Eles entravam às sete e meia e só saiam às seis horas da tarde. Quando um saía é porque precisava ir ao banco e voltava. Nunca ficava fora. Nunca deixava de vir trabalhar. Era uma forma de você controlar a loja e fazer vista grossa para os funcionários da fábrica, para eles não ficarem relaxados ou darem uma de folgados, espertos, assim. Então ficava sempre. Eles não tinham vida social. Final de semana, sábado eles abriam a loja para vender também o varejo e domingo ia para a igreja. A vida deles era loja, casa e igreja. Era isso. Não tinha uma vida social, não viajavam muito assim. Na verdade meu pai falou que achava até engraçado no Brasil ter tanto feriado assim. Na verdade todo mundo acha, porque começa a morar aqui, tem muito feriado. Ele não entendia o motivo dos feriados. (risos) Não sei. Mas para eles começarem a ir viajar e deixar a loja, demorou muito tempo. Eu acho que a maioria dos coreanos. Pelo menos os coreanos que estão bem agora, que estão firme, que estão em uma situação financeira bem estável, eles fizeram isso no começo, certeza. Isso foi uma explicação para o coreano crescer tanto no mercado de roupa. Eles não deixavam um gerente. Era o patrão que ficava. Então não perdia negócio. Se o cara chegar: “OIha, eu vou levar todas as peças daquele modelo, só que você está pedindo dez reais, faz a seis.” “A seis não dá. Eu faço a sete e 50. “Então me faz a sete”. Não deixava de perder negócio. Porque quando é a gente, fala: “Não posso. Eu não posso fazer. O preço é esse e tal”. Então nunca deixava de fechar negócio. E compras também. Você ia comprar tecido, negociar com a oficina de costura, como você estava sempre na loja você conseguia negociar. Você conseguia pensar um pouco mais, falar assim: “Não, eu posso perder um pouco aqui, mas lá na frente eu ganho mais um pouco”. Tinha esse jogo de cintura. Hoje em dia tem muito gerente em frente às lojas que não conseguem fazer esse negócio. Tem gerente que consegue, que está há muito tempo. Mas foi basicamente isso que aconteceu.
P/1 – E como é que são essas fábricas, elas são de vocês também, ou são de outras pessoas e vocês só usam o serviço?
R – Não. Geralmente as fábricas ficam juntas com as lojas. A loja é o piso térreo e o segundo ou terceiro andar são fábricas. Porque coreano gosta de ter tudo ao controle. Eles não gostam muito de: “Ah, vamos de deixar a fábrica lá em São Miguel que é mais barato o aluguel tudo e deixar a loja aqui. Não. Eles gostam de ter tudo perto. Pode sair o custo um pouco mais caro, mas eles têm tudo, gostam de ter esse tipo de controle. A maioria das lojas tem fábrica ou junto com a loja, ou muito próximo da loja. A fábrica geralmente tem duas partes: a parte de acabamento e a parte de produção. A parte de produção, você compra o tecido, enfesta ele, põe a modelagem e corta. O único serviço que é terceirizado, acho que é um dos únicos terceirizados, é a oficina de costura. Você manda para a oficina de costura, quando volta aí entra a parte do acabamento. Vem o arremate, elas passam, dobram, embalam e vai para a loja. Então para não perder tempo nesse processo eles gostam de ter a fábrica, pelo menos a parte de acabamento, junto com a loja para se tiver algum pedido: “Olha, não tenho.” “Não. Espera aí. Dá essas seis camisas dessa, separa tudo que a cliente vai levar agora. Desce dez camisetas, tal”. Geralmente é feito assim. Agora com a tecnologia está criando, já há um tempo já vem sendo criado dentro das fábricas um terceiro setor e muito importante, que é setor da modelagem, agora por plotter. A gente ganha muito tempo porque você não precisa ficar em cima do tecido enfestado riscando. Ela já imprime, enquanto você esta enfestando ela já imprime. Assim que você termina de enfestar você já põe o papel em cima, já corta pela modelagem e já manda para a oficina, porque antes perdia muito tempo. Antes a gente fazia três cortes, quatro cortes por dia no máximo. Agora você chega a fazer seis, sete. O dobro pelo menos. Então tem essa parte da tecnologia também.
P/2 – Você se lembra de quando o seus pais conseguiram começar a contratar funcionários, para quais serviços eles contrataram funcionários?
R – Como eu te falei, a pessoa que começa, geralmente naquela época não tinha muito dinheiro. A pessoa que era contratada mesmo, eram as vendedoras. Só! Cortar era geralmente o pai. No caso o meu pai cortava, se realmente necessário um ajudante de corte, um ajudante geral que fazia tudo na verdade. Enfestava junto, ajudava a amarrar a modelagem e mandar para a oficina. Inclusive motorista. Meu pai colocava no carro dele. Meu pai tinha um Chevette, ele colocava no carro dele, ia lá para São Miguel, ia para Poá, eu acho também. Uns lugares um pouquinho longe, assim. Ele levava o serviço e ia buscar o serviço. Ajudava muito. Meu pai fazia de tudo! Inclusive a administração, porque minha mãe ficou na parte da criação, na modelagem. Ela que via modelos, tal. Pelo menos nessa época de 80 a 90 as fábricas coreanas, as lojas coreanas, funcionavam dessa forma.
P/1 – Como é que você começou a trabalhar nessa área?
R – Como te falei a gente ia para o colégio às sete horas da manhã, voltava ao meio dia, almoçava na loja mesmo e no final da tarde voltava com os pais para casa, para o Belém. E aí você começava a aprender as coisas que a sua mãe faz, o seu pai faz. “O pai por que é que você faz assim?” “É para ter o controle e tal”. Imagina, eu sempre fui muito pentelho assim, sabe? Então eu ficava pentelhando a minha mãe o dia inteiro. O que minha mãe fazia? “Olha, seu pai vai fazer oficina a tarde, vai com seu pai, fica no carro com ele, vai dar uma volta. Aproveita você conversa com o seu pai, não deixa ele cair no sono, porque fica dirigindo”. “Tá bom”. Então eu ia. Eu fui muito mais para a parte da criação e da produção. Meu irmão mais velho já foi para a parte das vendas, ele gostava de lidar com o público. E eu acompanhava o meu pai, ia para oficina com ele. Ele falava: “Anota isso para mim”. Tipo, anotava o quanto a gente trazia, o que estava sendo entregue, determinava um prazo para ele entregar. Eu comecei a pegar gosto pela coisa. Eu falei: “Ah pai” quando eu fiz 18 anos falei “Ah pai, se você quiser eu vou lá fazer oficina”. Tanto é que o primeiro carro que eu ganhei do meu pai foi uma Saveiro, já para colocar os cortes atrás, ir para a oficina e pegar corte, voltar. Mas eu sempre gostei de pick-up, então eu não me importei muito. E aí eu fui pegando, minha mãe também, ela me mostrava muita coisa: “Essas cores muito chamativas, muito “cheguei” aqui no Brasil não vira”. Na época era o azul, o vermelho quase ninguém usava, o amarelo na época ninguém usava. E na Europa eram cores novas, tendência. Minha mãe me ensinou muita coisa também sobre tendência. A gente pegava o estilo europeu e não podia fazer da mesma forma para aqui pro Brasil. As brasileiras têm um corpo totalmente diferente das europeias. Tem mais busto e tem muito mais bunda. Brasileiras não gostam que, por exemplo, um vestido que tenha um rabo assim de saia. Elas odeiam isso. Não sai de jeito nenhum. A calça saruel, por exemplo, que agora está superforte, mas para entrar no Brasil insistiram dois, três anos seguidos na tendência para o Brasil aceitar. Minha mãe, eu percebi que ela tem muito o olhar para ver o futuro assim das tendências. Ela saca muito rápido essas coisas. Só que o problema dela é que ela leva muito old school na modelagem. Então ela acaba pecando um pouco nisso. Mas aí, como ela me ensinou bastante coisa também, eu acompanhava bastante viagem para Paris. Depois minha mãe começava a viajar duas ou três vezes para Paris, para Nova Iorque. Acompanhava bastante, aí peguei gosto pelo francês. Nossa, francês faz muito tempo que eu não falo. Eu cheguei a fazer Aliança Francesa uns seis meses. Inglês eu já falo bem, passei dois meses na Inglaterra e eu acho que é só. Eu comecei a gostar!
P/1 – E como é que foi essa transição, essa graduação de você acompanhar o seu pai para pegar os cortes, levar os cortes, até ficar controlando o que entra e o que sai, o seu irmão também cuidar do fluxo do dinheiro? Como é que foi?
R – A gente percebeu que os nossos pais se matavam muito de trabalhar. Então o meu irmão mais velho chegava para mim e falava: “Por que, sei lá, sexta-feira que você volta um pouco mais cedo do colégio, por que você não vai fazer oficina lá? Vai lá fazer oficina. Você não tá fazendo nada assim. Vai um dia sim um dia não na loja. Vai à oficina”. Meu irmão que me dava puxão de orelha, porque quem trabalhava realmente sempre com o meu pai foi o meu irmão. O meu pai sempre levava o meu irmão para o banco, sempre o levava para negociar com os proprietários. Então ele tem essa artimanha financeira. Então eu achava que estava indo super bem e eu ficava em casa, não fazia nada, ficava com o meu irmão mais novo. Ficava o dia inteiro assim. Nas férias ficava visitando os meus amigos. No meio do dia o meu amigo ligava: “Vamos para a praia?” “Tá bom. Vamos”. A gente voltava no dia seguinte. Então o meu irmão chegou e falou assim: “Por que você não começa a representar um pouco lá na loja? O pai já estava ficando cansado. Vai você fazer oficina. Você já sabe onde fica. E se você não sabe, “quem tem boca vai a Roma”. Vai lá”. Aí eu comecei a ir. Falei: “Pai, você quer que eu faça oficina hoje? Você está com cara meio de cansado”. Aí ele olhava assim: “Você está louco?” “Não, pai, fica aí, eu faço hoje. Vou aqui no mais perto. Vou lá pego uma coisa e vejo se está tudo certo”. Aí ele falou: “Tá bom. Então começa a fazer oficina”. Só que aí depois minha mãe sentia a necessidade de ter um motorista, porque como eu ficava sempre na parte da tarde, a gente acabou contratando um motorista e como eu já conhecia a oficina eu acabava indo muito com ele. E o que a minha mãe percebeu? Que quando eu ia com o motorista, o motorista não demorava tanto para fazer o mesmo trajeto. E quando eu não estava ele demorava um pouco mais, nada muito mais, mas uma questão de meia hora, 40 minutos, sempre. Ela começou a perceber. Ela falava: “Olha, começa a acompanhar o motorista”. Então eu fui ficando mais nessa parte de criação. E acabei gostando. Achei, achava mais legal assim e eu gostava de acompanhar minha mãe nas viagens. Ela já casou tarde, ela já tinha certa idade comparada com outras donas de loja e eu percebia que muita gente, não que invejava, mas achava legal o filho acompanhar a mãe. Não fazer ela carregar sacola. Como a minha mãe era um pouco mais velha assim. A gente já viajou muito de avião com free upgrade assim, sabe? Eu falava assim: “Minha mãe é de idade e não está se sentindo muito bem”. Eu falava para ela colocar no business ou na primeira classe. Mas eu falava: “Não dá para você colocar pelo menos na primeira fileira?”. Aí o cara olhava para a minha mãe, olhava para mim: “Espera aí que eu vou ver se tem algum lugar no business.” “Não. Não precisa.” “Não! Agora eu faço questão!”. Minha mãe falou que a primeira viagem de primeira classe que ela fez foi comigo. (risos) Pela Air France, a gente voltando de Paris. E realmente a minha mãe estava muito mal. Ela estava tão feliz de entrar na primeira classe que passou tudo, sabe? Eu falei: “Mãe, seu mal é dinheiro, vou te falar”. Primeira classe cura tudo. (risos) Foi a única vez que eu viajei de primeira classe também. Mas era legal, foi legal.
P/1 – E como é que chegou na loja que está hoje?
R – A minha esposa, eu conheci ela no colegial. No primeiro colegial, a gente namorou bastante tempo e quando deram seis anos de namoro eu falei para ela brincando: “Quando fizer dez anos de namoro a gente casa. Deram os seis anos e eu tive que casar”. (risos) E na Coreia tem uma tradição, os filhos mais velhos têm que casar primeiro, essas coisas todas. Só que eu falei: “Dan, você não tem namorada, eu tô com ela já há dez anos nas costas, seu não casar com ela, puts, complica, né? Posso casar com ela antes de você?” “Não. Claro. Lógico que pode!”. Ele também adorava a minha esposa assim, ainda adora. E a gente acabou casando em 2007. Minha esposa ficou grávida em 2009. Só que trabalhar com família é legal, porque você tem o seu tempo. Num feriado que você quer emendar, você acaba emendando. “Oh, pai, eu não vou vir trabalhar nesse dia, dá um jeito”. E o meu pai sempre entendeu. Só que começou a ter umas divergências. O Daniel achou que eu estava levando muita parte, até a parte dele na loja. Eu falei assim: “Dan, eu já falei para você, eu não faço muita questão...”. Não sei se é porque nunca me faltou nada, mas eu nunca fiz muita questão, nunca tive muita ambição pelo dinheiro. Eu falei: “Faz o seguinte, eu vou abrir a minha loja e você fica com tudo aqui. Vamos nos ver só na casa do meu pai, quando a gente fizer um churrasco. Não quero mais falar de negócio com você, porque senão a gente vai entrar em atrito, o Lucas precisa de um tio mais velho.” que é o meu filho “Então vamos fazer assim? Cada um fica na sua, não se mete e tal”. E o meu pai odiou. Meu pai não gostou da ideia, ele achava que eu tinha que trabalhar para ele porque eu cumpria muito bem a minha função. O Daniel também, mas eu cumpria muito bem a minha função. Ele falava: “Porque você vai sair por causa disso e daquilo. Não consegue se entender com o seu irmão. Para! Você é o mais novo, tem que entender.” “Não, pai! Eu não tenho que entender. Eu faço a minha parte, ele faz a dele e acabou”. Acabou entrando em atrito até com o meu pai. Então eu falei: “Olha, mãe, é melhor eu sair e a gente fica bem como família. Como sócios ou como algo desse tipo que envolva dinheiro eu não quero fazer parte”. Minha mãe pegou, ela também não gostou: “Tá bom. Você vai sair? Eu quero ver se você vai conseguir montar uma loja”. Eu não peguei um real dos meus pais. Eu vendi o carro que a gente tinha ganhado de presente de casamento, vendi minha moto, fiz uma dívida e acabei abrindo essa lojinha. Meu pai... Eu entendo. Entendo um pouco o lado. Eu até fiquei bravo no momento, mas agora eu olho para trás e entendo. Realmente eu estava deixando o meu pai na mão, não tinha deixado ninguém para fazer a minha função lá. Então eu entendo um pouco o meu pai mais agora do que na época. Acabei abrindo essa loja. Quando eu abri meus pais realmente não acreditaram que eu tinha aberto uma loja. Eles vieram, junto com o pastor, fizeram o culto de inauguração e estou lá até hoje. Minha sogra me ajuda bastante com essa loja. Meu sogro me ajuda bastante. Eles são mais novos que os meus pais, então eles têm a mente mais aberta. Eles não acham que a gente tem que ficar confinado aos pais, essas coisas todas.
P/1 – Sua esposa também é descendente de coreanos?
R – Sim. É descendente de coreanos. Ela também nasceu lá. Ela veio bem menor do que eu. Ela veio acho que com dois ou três anos de idade para cá.
P/2 – Você já mencionou que os seus pais tinham aberto umas lojas no Bom Retiro, duas lojas que eu me lembre. Então gostaria que você explicasse para gente, de uma forma mais geral, quando você abriu sua loja e quando os seus pais abriram as lojas, o que era o bairro do Bom Retiro na época de abertura das lojas e o que é hoje?
R – Meu pai assumiu essas duas lojas, essas lojas já existiam e ele assumiu em 2002. Na época a Rua Aimorés e a Rua Professor Cesare Lombroso, ainda hoje são referências de moda no Brasil todo. Inclusive para quem está no Brás, para quem está em qualquer lugar do Brasil. Muita gente vai comprar lá. Quando a gente abriu, realmente, o mundo era outro. Não se comparava Brás com Bom Retiro. Pelo menos na rua que a gente estava. Nossa, foi difícil também a gente se adaptar a isso porque no Brás a gente ganhava em quantidade e no Bom Retiro a gente tinha que ganhar em qualidade. Uma coisa que a gente nunca tinha... Não que a gente não tivesse qualidade, mas a gente não ganhava muito em qualidade, era mais em quantidade. Então a gente tinha que reconfigurar todo o nosso processo de trabalho. A gente tinha que esquecer que ia ganhar em quantidade e tinha que fazer mais qualidade. A gente percebe realmente que é mais difícil trabalhar no Bom Retiro porque no Bom Retiro para você conquistar o cliente, você precisa ter peças diferentes. Para você conquistar clientes no Brás, você precisa ter preço, prazo. E no Bom Retiro não. O pessoal do Bom Retiro vem, realmente, para gastar dinheiro. Eles não estão nem aí se uma blusinha vai custar 50 reais e eles vão ter que repassar essa blusinha por 100 reais na loja deles. Se for um produto diferente e bonito, dentro da tendência, eles levam. Então foi muito difícil. No Brás a gente cortava seiscentas peças de um modelo. No Bom Retiro a gente chegou a cortar 200 peças, 300 peças. E mesmo com essas 200, 300 peças a gente lucrava mais do que com as 600 peças no Brás. Então foi difícil. A gente só tinha fornecedor que tinha tecido mais barato, só tinha aviamento de uma forma um pouco mais barata, a gente nunca usou aviamento top, os aviamentos mais caros. A gente não nunca usou tecidos muito caros. Então para gente foi um baque assim. Falamos: “Nossa, como aqui a gente vai trabalhar em cima desse tecido? A gente vai vender a quanto?”. Então foi difícil no começo. No primeiro ano eu lembro que foi super difícil. Aí no segundo, como já tínhamos passado por duas coleções, começamos a levar bem. Mas em 2003, 2004 ainda a concorrência ainda era saudável. Ninguém copiava de ninguém, pelo menos não descaradamente. Agora já tem uma cópia, eles fazem igualzinho e fazem questão de colocar na vitrine. E não é uma loja que está aqui, ou noutro... É uma loja de frente para a outra, do lado da outra. É uma concorrência meio desleal. E a mesma peça, o mesmo tecido, se você está vendendo, sei lá, a 50 reais, o vizinho vai lá e vende por 45. Se ele colocasse a 50, o preço fosse justo, o cara ia entrar na loja que ele mais simpatizasse. Mas, no total das compras, cinco reais de diferença em cada peça faz diferença. Então é uma concorrência muito desleal. E outra coisa, a moda assim, a moda é cíclica. Agora está numa época da moda que não tem mais o que criar. A gente pode remodelar o que já existe. A gente pode refazer o que já existe para uma coisa de tendência. Mas você não consegue criar coisa nova. A gente não tem mais a Yves Saint Laurent, a gente não tem mais Coco Chanel, essas coisas. Então a gente não consegue criar coisa nova. A gente consegue pegar uma coisa que já existe e melhorá-la. Só que quando você pega uma coisa que já existe e melhora, todo mundo já teve essa coisa e também consegue melhorar. Então a concorrência... A concorrência não, mas o mercado está super saturado. As peças estão muito parecidas, muito iguais. A gente vai chegar em uma época que, creio eu, a roupa não seja tão mais lucrativa nos próximos dez anos. Está com os dias contados. Porque se você passa pela rua, o que eu sinto muito agora, com a diferença de oito, nove anos atrás é isso. Quando você andava pela Aimorés e pela Lombroso só tinha novidade. Todas as lojas estavam com coisas novas na vitrine. Podia até ter uma coisa ou outra igual ou parecida. Mas sempre tinha uma novidade em cada vitrine. Hoje em dia não. Hoje em dia é o mesmo modelo de vestido com duas alças, ou com alguma coisa em cima. Então está muito saturado. O pessoal não tem mais para onde ir e está todo mundo começando a fazer coisa igual. A diferença grande que eu sinto é isso. E o mercado no Brás, é que no Brás eu também passei um bom tempo, mas o que eu sinto no Brás, a diferença de dez anos para agora, o comércio ilegal cresceu bastante no Brás. Isso não tinha tanto assim. Não só dos camelôs, mas a feirinha da madrugada, agora com a fiscalização nem tanto, mas abrigava muita gente com mercadoria sem procedência assim. Então de procedência duvidosa, sabe? E o que eu sinto em relação a Vinte e Cinco... A Vinte e Cinco eu sempre visitei bastante por causa dos aviamentos que iam nas roupas. A Vinte e Cinco melhorou bastante. Em questão de qualidade, em questão de preço, em questão de... O comércio em si está bem melhor. Ele sim! Agora eles estão com uma concorrência saudável. Porque antes não. Antes era tudo muito barato, era tudo muito igual, era uma feira assim na verdade. Agora não. Agora você vê que tem um muito produto refinado, mesmo sendo produtos chineses você vê que os produtos são de qualidade.
P/1 – E você pode descrever a sua loja para a gente? Como é que é a fachada, como é que ela é?
R – A nossa loja ela foi planejada de uma forma muito carinhosa. Por ser uma loja pequena, a minha esposa pensou bastante. Não numa coisa muito difícil. A gente pensou muito no nome. O primeiro nome não ia ser esse, mas a gente não conseguiria colocar porque já tinha outra loja que não é aqui no centro de São Paulo, mas é dentro do Estado de São Paulo. Então pela JUCESP eu não ia conseguir colocar esse nome, ou usar esse nome. Mas foi uma forma muito carinhosa que a gente pensou. Por ser uma loja muito pequena, a minha loja, a gente teve que utilizar o espaço ao máximo, tanto no estoque como na loja. A gente tentou fazer uma loja que fosse aconchegante para a pessoa poder entrar e se sentir à vontade, se sentir num lugar agradável, mas que também tivesse roupas que chamassem à atenção, que quebrasse um pouco a rotina do Bom Retiro. Porque o ramo de vestidos para festas, que eu estou fazendo agora, também está muito saturado. Mas todo mundo que chega fala que a gente tem sempre um vestido diferente. E a proposta minha e da minha esposa com a loja é essa. A gente quer fazer uma coisa diferente, a gente quer fazer uma coisa que os outros não tenham. Até mesmo que se tenha que andar na contramão da tendência para fazer isso. E dá resultado. A loja, eu digo para a minha esposa, se a loja fosse um pouco maior, só um pouco, a gente ia vender bem mais. Só que é muito caro o metro quadrado no Bom Retiro, a gente não tinha condições. Ainda a gente não tem condições de pegar uma loja de rua mesmo, por exemplo, eu to naquela galeria e tal. Assim, eu estou super feliz com a minha loja. Nem se compara a minha loja com a dos meus pais, ou dos meus sogros, mas é uma coisa minha, é um negócio meu. Não precisei pedir para ninguém. Ninguém vai chegar em mim e falar: “Olha, fui eu que te dei a loja, você só está aí por causa de mim”. Porque coreano eu não sei, acho que ele tem esse negócio de você querer crescer sozinho, você passar por todas as fases. Por mais que o meu pai me desse uma loja e falasse assim: “Já que você casou, toma essa loja para você”. Acho que eu não ia aceitar de começo. Eu iria querer passar por fases, por tudo o que eles passaram. Não da mesma forma, mas sentir um pouco o que eles sentiram, a dificuldade, para dar mais valor às coisas. A geração dos coreanos de hoje, inclusive o pessoal que está com 18, 20, 20 e pouco. A gente vê que eles não dão muito valor para as coisas. O pessoal que já passou um pouco por isso, acho que dá um pouco mais de valor, não somente ao dinheiro, mas às coisas que a gente consegue conquistar. Minha loja é super pequena. Os amigos dos meus pais ficam espantados: “O que você está fazendo aqui nesse buraco?”. “Não. A loja é minha.” “Pede para o seu pai abrir uma!” “Não, imagina! Eu não vou pedir para o meu pai abrir uma”. Eles acham que... Brasileiro eu não sei, brasileiro tem uma cultura bem diferente. Eles acham que o que é do pai é seu. Eu nunca pensei dessa forma. De verdade. Minha esposa também não. As minhas gerentes, como tem muita loja agora precisa colocar gerente. As minhas gerentes falam: “Nossa, Paulo, por que você não volta? É tudo seu isso aqui”. “Não. Não tem meu nome aqui. É tudo dos meus pais”. Se eles resolverem deixar alguma coisa, muito agradecido. Se não deixar também, não tem problema. Estou me virando muito bem, não estou passando necessidade. Acho que não sou só eu que penso assim. A minha geração, quem é um pouco mais novo, que passou um pouco por isso, acho que a maioria pensa assim.
P/1 – E essa rotina de oficina, corte, fábrica que você tinha na loja quando você trabalhava com os seus pais, Como é que é agora?
R – Agora a gente, acho que devido ao trânsito, devido ao estresse, devido a tudo, acho que começa a terceirizar mais. A gente começa a contratar motorista para fazer isso. A gente não corta mais. A gente contrata um cortador. Com a tecnologia da plotter a gente contrata um operador de CAD para essas coisas. Então a gente dá mais folga para a gente mesmo. A gente passa um pouco mais tempo comandando, ordenando do que a gente mesmo fazendo. Porque a gente já passou por isso. Os funcionários ficam impressionados. Uma vez faltou cortador e os meus dois ajudantes de corte estavam lá deitados em cima da mesa e tal. “Pode enfestar aí. Pode terminar de enfestar.” “Não, mas o cortador não veio.” “Tudo bem. Eu corto”. E os caras deram risada. “Ah, você vai cortar, não sei o quê, não sei o quê.” “Eu corto”. Os caras enfestaram. Peguei a máquina de corte e eu cortei mesmo. Eu demorei um pouco mais que um cortador, porque não tenho tanta prática. E os caras ficaram abobados. Falava assim: “Meu, eu sei fazer o que vocês sabem fazer. Se eu não soubesse, eu não tinha condições de ordenar, faz isso, faz aquilo. Porque se nem eu sei o que vocês estão fazendo como é que eu posso mandar?”. Então minha mãe sempre falou muito isso, se você quiser mandar em alguma pessoa você tem que fazer melhor do que ela. Porque senão ela vai fazer de qualquer jeito e você nem vai saber o que ela está fazendo. Então eu aprendi um pouco de corte e costura, aprendi um pouco de operador de CAD também. Eu cheguei a fazer um curso. Eu também acho importante você, antes de você mandar, você passar um pouco pelo que ele passa para dar valor para o trabalho da pessoa também. Porque às vezes você não dá muito valor, fala: “Pô, esse cortador é o devagar”. Às vezes o tecido é mais fino, ele escorrega mais. Então tem que saber entender também os funcionários.
P/1 – E voltando agora para a fachada da loja, você falou que teve todo um carinho ali para preparar. Como é que estão expostos os produtos, como é que é?
R – A loja não tinha mezanino. Eu falei para a minha esposa: “A gente vai colocar dois banquinhos de um lado, dois do outro. A loja é pequena. A gente não vai poder expor mais vestido”. Aí a minha esposa teve uma idéia: “Vamos fazer um mezanino, a gente coloca mais quatro, cinco manequins lá em cima.” E foi o que a gente fez. A gente gastou uma... A gente tinha gastado no começo assim uns dez ou 12 mil para fazer a reforma. Acabamos gastando quase 30! (risos) Para fazer esse mezanino, pra fazer a... Aí a gente fez e a gente foi escolher a pedrinha, a gente foi escolher a madeira para colocar lá. Eu acompanhei todo o processo. Por ser galeria não podia trabalhar de dia, tinha que trabalhar das oito até às quatro da manhã. Então eu troquei o meu relógio biológico. Foi um pouco cansativo, mas valeu à pena. Eu nunca deixei passar um detalhe: “Ah não. Faz o que você achar melhor”. Não. Eu nunca fiz isso. Pelo menos na minha loja que eu estou agora: “Essa pedra aqui não está legal. Vamos lá, a gente vai à Telha Norte, escolhe outra. Essa madeira está muito larga, vamos colocar um pouco mais fininha”. Eu sempre fui detalhista. A minha esposa ela faz faculdade de artes, eu não sei agora, Santa Marcelina, uma coisa assim. Ela é perfeccionista. Para ela tem que estar perfeito tudo. E ela cedeu em muita coisa: “Ah, não está do jeito que eu queria, mas tudo bem, está legal, está bonito”. A gente pensou em tudo. A gente pensou nos mínimos detalhes, a gente pensou no balcão, a gente pensou na arara, pensamos nos cabides, pensamos nos plásticos, pensamos em todos os detalhes, desde os pequenos até os grandes. Eu tenho um carinho muito grande pela loja.
P/1 – Quantas pessoas trabalham lá? Quantos funcionários, quem atende?
R – Eu fico lá e tem a Kate. A Kate, não sei se vocês repararam, é uma loira que está lá, uma loirinha, uma menininha. Ela entrou com 16 anos. Coitada dessa menina cara! Porque ela trabalhava em um lugar no Brás que ela trabalhava das oito às sete da noite e de segunda a sábado. De domingo ela trabalhava das 11 às quatro da tarde. Ela ganhava tipo 330 reais para fazer isso. (risos) E não tinha registro, porque isso não existe, é trabalho escravo praticamente. (risos) Eu fiquei com dó dessa menina, só que eu senti que ela, a irmã mais velha está casada e já não mora mais com ela. Ela tem mais duas irmãs mais novas e eu senti que ela tem vontade de trabalhar. Porque uma carteira em branco, uma menina de 16 anos. Eu, se fosse pegar o currículo dessa menina, eu nunca ia dar uma chance para ela. Primeiro que a meninada não tem responsabilidade hoje em dia, qualquer coisinha que eu falar, qualquer coisinha que não gostar: “Ah, peço as contas” e vai embora. Eu odeio gente que faz isso, cara. Segundo, carteira em branco, não tem experiência nenhuma. Como é que eu vou contratar uma pessoa em uma loja nova, como vendedora? Só que ela foi super esforçada, ela ficava até tarde comigo estudando os códigos, decorando o preço, fazendo o controle de estoque. Ela é uma menina super esforçada. Ela está super bem agora. Gosto muito dela, ela tem responsabilidade e a outra menina. (troca de fita)
P/1 – Você estava falando das suas funcionárias, você falou da Kate.
R – Então, e tem a Leninha. Ela foi indicação de uma gerente minha da loja do meu pai, mora na mesma rua inclusive dela. E ela trabalha bem também, nada de mais, nada de menos, mas ok.
P/1 – Quais são os horários e dias de funcionamento?
R – De segunda à sexta das oito e meia às cinco e meia e de sábado das nove às duas.
P/1 – Você teria como apontar um horário, um dia de maior frequência?
R – Terça, quarta e quinta. E sábado por causa dos varejos.
P/1 – Você comentou que a sua loja fica dentro de uma galeria. Qual a diferença de ter uma loja dentro de uma galeria e uma loja de rua?
R – Eu não sinto tanta diferença porque a minha loja fica praticamente na entrada da galeria. O pessoal da rua vem bastante ainda. Mas eu acho que você tendo uma loja na rua, você tem um espaço mais privativo para você e para as suas clientes. Elas ficam mais à vontade. Loja de rua é bem maior do que qualquer loja de galeria. Então os lojistas do meio da galeria eles sentem uma diferença grande porque o produto não fica bem exposto. Assim, pelo menos aos olhos do público. Mas o pessoal que tem interesse de comprar mesmo, eles acabam entrando, eles vêm, eles procuram mesmo nas galerias. Agora o pessoal que é novo e acha que não vai ter nada na galeria, mas qualquer galeria sempre tem coisas diferentes.
P/2 – E em termos de segurança, em termos de fechamento mais cedo, faz diferença também?
R – No Bom Retiro não faz tanto porque o movimento lá começa umas dez e vai até umas cinco. No Brás já faz uma diferença grande. Eu lembro que o meu pai abria a loja às seis horas da manhã e o horário de funcionamento da loja ia até cinco. Geralmente é aquele pessoal que vem de ônibus das cidades que ficam oito, nove horas de viagem. Então eles saem de lá dez horas da noite, chegam aqui umas quatro, cinco da manhã, por isso que teve o surgimento da feira da madrugada, o pessoal já saia dos ônibus e no final da tarde já estavam voltando para a cidade deles. No Bom Retiro também tem ônibus, mas o pessoal já se programa melhor, eles sabem que o Bom Retiro não abre tão cedo. O movimento começa umas nove e meia. Tem gente que abre cedo, eles já têm o público deles, já abre há bastante tempo cedo.
P/1 – Agora vamos para uma parte mais prática. Quais são os produtos, qual o tipo de roupa que vocês vendem?
R – Eu na minha loja atual estou vendendo vestido de festa. Tanto para aniversário, debutante, casamento, formatura, ou até mesmo um vestido que não seja só de festa, mas para um jantar mais de gala. São vestidos longos e longuetes.
P/1 – E por ser um ramo bem específico, vocês trabalham com vestidos sob medida, encomenda, alguma coisa assim?
R – A gente já chegou a trabalhar, só que é muita dor de cabeça porque no papel fica uma coisa, depois que você veste no corpo não fica tão bem. Principalmente vestido de festa. Para você ter uma ideia do vestido de festa que você quer, que ele arme um pouco mais na parte de baixo, ou a cor no papel sai de um jeito, no tecido nem sempre fica tão bom assim. Então a gente não trabalha sob medida e nem sob encomenda. A gente indica alguém que possa encurtar a barra, possa encurtar um pouco na lateral, mas sob medida aí seria um outro segmento, seria mais de locação, essas coisas.
P/1 – E como é que funciona o estoque?
R – A minha loja sendo pequena eu não tenho muito estoque. Toda vez que eu estoco alguma coisa é porque eu sei que o vestido sai. E tento ter o maior número de cores possível. Porque o Brasil por ser muito grande, para você ver o pessoal do sul prefere cores mais sóbrias, como o azul noite, o preto, um vermelho mais queimado, não aquele vermelho chamativo. O pessoal do norte, do centro do Brasil para cima, eles preferem vestidos mais “cheguei” assim. Umas cores mais fortes como o amarelo, vermelho sangue, ou azul royal, essas cores assim. A gente tenta ter o maior leque de cores possível.
P/1 – E quem são os fornecedores? Onde é que vocês vão comprar tecido, aviamento?
R – O tecido tem uma fábrica muito forte que é uma fábrica nacional, eles também trabalham com produtos importados, mas a fábrica nacional deles é muito boa que é o Bordados Cury. Na verdade só me vem esse nome na cabeça agora. Tem outras fábricas também, mas esse Bordados Cury, o interessante deles é que eles conseguem fazer composé de tecidos. Eles têm tecidos diferentes, de tipos diferentes, com as mesmas cores, ou seja, dá para você usar dois, três tecidos no mesmo vestido, mesmo sendo tecidos diferentes. A gente consegue fazer um composé legal.
P/1 – E como é que é essa relação com eles? Vocês vão buscar os tecidos, eles entregam, como é que funciona?
R – Na verdade eles vêm na loja com a cartela de cores, com o que eles têm. Na verdade são umas malas grandes, porque são muitos tecidos e são meio volumosos. Eles vêm na loja, mostram, a gente faz o pedido. Tem dois tipos de pedidos. Tem o pedido de pronta entrega que eles já têm no estoque deles e, tem o pedido de programação em que eles vão fabricar o tecido ainda, vão tingir, e eles entregam com a programação que a gente fizer. Programação de 30, 45, 60 dias para frente, até mesmo 90 dias.
P/1 – Tem algum modelo, alguma cor que você goste mais, ou que você acha que vende mais?
R – Isso varia muito porque, por exemplo, para casamento, se for madrinha ela quer uma cor em que ela fique um pouco apagada porque vai ficar do lado da noiva. Mas se ela não for madrinha, nem convidada, se ela for acompanhante, acompanhante de convidado, ela vai querer um longuete, uma coisa mais simples. Aí já não importa tanto a cor, porque ela não vai aparecer em nenhuma foto. Varia bastante. Não tem nenhum modelo que eu prefira mais ou prefira menos. Depende de cada ocasião em que ela vai usar o vestido.
P/1 – Como é que vocês atraem os clientes? Vocês fazem promoções ou é pela exposição nos manequins, como é que é?
R – Eu trabalho de duas formas. Tem a exposição nos manequins, porque vestido de festa é diferente de roupa que você compra, uma calça, uma blusa. Você precisa ver como fica com o seu tom de pele. Depois que você prova, a mulher planeja o cabelo, planeja a jóia que vai usar. No vestido de festa vem muita gente que vem pessoalmente comprar. A gente tem o site na internet também, mas o site da internet é mais exclusivo assim para pessoas que pretendem alugar, pretendem revender, porque elas já sabem como veste mais ou menos, e só de olhar pela internet já tem uma noção de como seja o vestido. Então elas acabam usando bastante. Os atacadistas usam bastante o site. Os varejistas nem tanto. Elas preferem vir experimentar e levar a roupa.
P/1 – E você falou que esse mercado está saturado, porque as lojas não têm muita variedade, enfim, os modelos são quase iguais. O que você acha que é o diferencial da sua loja para que o cliente vá nela?
R – O diferencial é que como a gente trabalha com essa Bordados Cury, a gente consegue fazer um composé de tecidos. A gente trabalha com chiffon e cetim ao mesmo tempo, organza e cetim ao mesmo tempo, assim num mesmo modelo. O que diferencia, a minha esposa por ter feito a FASM, ela cria modelos exclusivos. Não que as outras lojas não tenham, mas a gente tem uma marca registrada assim, vamos dizer. As outras lojas não conseguem fazer os nossos vestidos. Podem até chegar próximo assim, ficar parecido, ou lembrar, mas igual não conseguem fazer. E quando eu digo saturado é que aumentou muito o número vestidos de festas, das lojas de vestidos de festas. Eles têm procurado bastantes produtos importados. E lá fora não tem muita variedade. Até tem, mas para você trazer aqui para o Brasil já acaba não compensando muito. Então a saturação está neste... Porque os fornecedores... Eu já fui para a China fazer mercadoria, por exemplo. Quando você fala que é do Brasil, eles já sabem mais ou menos do que é que você vai gostar, então acaba mostrando tudo a mesma coisa para pessoas que vêm do Brasil. Então por mais que não seja igual, o tecido vai ser igual, as cores vão ser iguais, então acaba aparecendo tudo a mesma coisa. E por isso que está saturando o mercado de vestido de festa.
P/2 – Como você falou agora há pouco, roupa de festa é diferente de uma roupa normal. Então pensando nisso, como é que o cliente que compra na sua loja, tanto o varejista quanto o atacadista, como é que ele costuma levar e conservar o vestido para não amassar, para não dobrar? Tem uma embalagem especial? Como é que é?
R – Todos os vestidos de festa nosso estão embalados individualmente nos plásticos que cobrem todo o vestido. A gente tem uma técnica que, não que não vai amassar, mas amassa bem menos. E a gente ensina uma técnica, no caso para as varejistas, para elas poderem usar, qualquer coisa desse tipo. Então quando a gente tem essas atitudes, a cliente acaba voltando muito para comprar ou acaba indicando muito a minha loja assim: “Olha, me ofereceram isso, me ensinaram isso, aquilo, tal”. Então acho que tem certo diferencial no atendimento também.
P/1 – E se você tivesse que definir, por exemplo, um perfil de cliente da sua loja, como é que é? Uma pessoa mais velha, ou são...
R – Perfil de cliente. São adolescentes que estão passando para a fase adulta. Dos 22 até os 35, 40 anos de idade. Mas a margem que eu tenho percebido bastante é dos 25 aos 30. Elas fazem questão de estarem vestidas com um vestido de festa diferente. Quando você é mais velha, ou quando você é muito nova, parece que não faz tanta diferença, desde que você esteja como um vestido de festa. Mas o pessoal que já foi à vários casamentos, ou várias formaturas, elas querem estar diferentes. Não sei se posso chamar isso de vergonhoso, mas para elas é vergonhoso chegar a uma festa e estar com o mesmo vestido de outra menina, mesmo que você não conheça. Então elas vêm bastante. A pessoa que procura coisa diferente é esse pessoal dos 25 aos 30 que já frequentou casamento, já frequentou bastante formatura e quer estar com um vestido diferente.
P/1 – E por serem vestidos que são usados em ocasiões específicas, mesmo assim acontece de um cliente se tornar fiel à loja e voltar outras vezes?
R – Sim. Sim porque a gente trabalha com lançamentos. Assim, não vou dizer toda semana, mas todo mês tem lançamentos. Tanto de vestidos curtos, como de longos, a gente tenta manter, digamos o peixe fresco. A gente nunca fica na mesmice. Quando a gente começa a achar que está na mesmice já começa a correr para fazer coisa nova. Minha esposa viaja para fora para pesquisar tendência. Aqui no Brasil nem tanto, mas nos Estados Unidos, você sabe que a formatura deles é a coisa mais importante assim do colégio, da faculdade. A gente vê até em filmes que é uma coisa muito importante. Então eles investem muito em vestidos de festa. Então a gente acaba indo bastante para lá. São caríssimos os vestidos de festa lá. São caríssimos exatamente por causa desse valor que eles carregam, esse valor cultural que ele têm. Mas são muito bem trabalhados, muito bonitos e a gente também tenta acompanhar um pouco a tendência americana nesse caso. Também um pouco européia e tal, principalmente de Paris e Londres. Mas aqui a gente tenta seguir um pouco a linha americana, com as novidades.
P/1 – E agora, você se lembra de alguma história engraçada, ou de alguma coisa que aconteceu na sua loja, ou com algum cliente, uma coisa que marcou?
R – Engraçada... Bom na loja do meu pai tinha uma cliente assim, ela devia ter, ela tinha acho que umas seis, sete lojas no interior de São Paulo e ela vinha toda semana comprar na loja do meu pai. Minha gerente virou para mim outro dia e falou assim: “Olha, ela só compra quando você está aqui”. Eu falei: “Não. Imagina, não tem nada a ver”. Uma senhora de uns 40 e pouco, chegando aos seus 50 anos de idade. E realmente, depois que ela falou isso eu comecei a reparar. E ela sempre me trazia lembrancinha, cumprimentava de beijinho e ficava várias horas conversando comigo assim, quando me pegava lá. Parece que as meninas também se tocaram e começaram a perguntar para ela: “O que você acha do Paulo? Não sei o quê tal”. E ela respondia que se fosse por ela, ela me levava pra loja para trabalhar com ela, tal não sei o quê. Foi super engraçado, porque depois que eu abri minha loja, parei de ir naquela loja e ela me viu na loja nova e falou assim: “Nossa, vou abrir uma loja de vestido de festa para comprar com você agora”. Tem essas histórias mais engraçadas, mas a que eu lembro agora é essa assim.
P/2 – Tem como você dizer para a gente, qual é o grosso dos seus clientes, se é o atacado ou o varejo? E também no Bom Retiro, o que é que é o grosso? O atacado ou o varejo?
R – No Bom Retiro o grosso é o atacado. A nata mesmo é o atacado. Tem atacadista que vem toda semana e que acaba levando no total das compras, compras de dez, 15, 20 mil reais. Essas pessoas que têm bastantes lojas espalhadas no interior ou nas cidades assim menores acabam levando bastante. Mas na localização que eu estou, para mim o mais forte é o varejo. Porque fica na José Paulino tal, a pessoa que vai lá mesmo são os consumidores finais. Já o pessoal que está na rua assim, tenho certeza que o grosso é o atacado. O atacado representa bem mais.
P/1 – E agora, qual a principal forma de pagamento na sua loja?
R – Cartão de crédito. Todo mundo com cartão de crédito. É muito raro dinheiro e é mais raro ainda cheque. Cheque praticamente está sumindo do mercado. A principal forma de pagamento cartão de crédito, depois o de débito e aí vem dinheiro e cheque.
P/1 – E você acha que existe uma diferença muito grande de preço entre as lojas?
R – Não. Acho que não. A diferença não é tanto assim. Tem sempre uma loja ou outra que é muito barato, ou que é muito caro. Mas a maioria mantém a sua média, não foge da média.
P/1 – E vocês têm algo parecido para os clientes mais conhecidos com aquele sistema da caderneta: “Leva o vestido, depois você me paga”?
R – Não. A gente não trabalha assim. Porque a situação econômica no Brasil agora está muito instável. Então teve cliente que vinha toda semana e comprava dez, 15 vestidos e agora vem uma vez por mês e leva seis vestidos. Eu até pensei em trabalhar com consignação, mas a gente não trabalha assim. Acho que é arriscar muito.
P/1 – E como é para vocês trabalhar com produtos que a matéria prima varia muito o preço por causa da inflação e tudo o mais? Houve períodos de maior dificuldade, como é que foi?
R – Sim, teve uma época... Na verdade tem uma época do ano que o fio do tecido sobe muito, que é na parte de agosto, setembro, porque fica muito escasso o fio mesmo de algodão, ou de qualquer outro tecido. Pela grande procura. Mas a gente, como eu te falei antes, não tem tanta surpresa assim. Com a programação, até o tecido chegar você já pagou uma boa parte dele, não oscila tanto em relação a valores, preços de tecido, não oscila muito.
P/1 – E indo para uma parte mais de considerações, o que é que você acha que mudou mais no seu ramo de atividade, na venda de roupas, desde que você começou a trabalhar com isso, para hoje em dia?
R – O que mudou mais? O brasileiro tem ficado mais detalhista. Tanto o homem como a mulher brasileira, eles não compram mais agora o que é mais barato, não tem mais aquele pensamento de que tudo o que é caro é melhor. Não. Eles procuram mais, eles saem, digamos, comparando mais os preços e depois de comparar os preços, eles começam a ver qualidade. O que é um bom sinal, né? Nessa balança eles veem qual é o melhor custo-benefício. Isso tem mudado bastante. Antes o que era mais barato saía, com certeza. Mas agora não. Agora o pessoal tem ficado mais detalhista, mais chato, para essas, para qualidade, atendimento principalmente. Atendimento faz uma grande diferença. Antes o pessoal por mais que ele não fosse muito bem atendido, o preço está bom tal, vamos levar. Agora o atendimento com certeza é muito importante. Eu falo até para as meninas da loja: “Nem que seja para você vender um única peça, tem que atender bem”. Isso faz uma diferença muito grande. Isso eu acho que mudou bastante.
P/1 – E você comentou toda essa preocupação com as tendências e tudo mais, você falou do atendimento. Existe algum tipo de treinamento das suas funcionárias, até para entender o que elas estão vendendo, como é que é?
R – O treinamento mesmo em si não existe. Como eu fico bastante tempo na loja e os donos da loja também ficam na loja vendo o atendimento, pelo menos na parte de vendas, porque o primeiro cartão de visitas da loja é a vendedora. Se ela for grossa ou se ela estiver de TPM, dor de cabeça, qualquer coisa e não atender bem, quem acaba mesmo sendo prejudicada mesmo é a loja, é a empresa. Então não existe, pelo menos na minha loja não existe um treinamento específico, mas qualquer coisa que eu acho que não agradou o cliente, qualquer coisa que ela fez... Sempre tem uns malucos que acham que porque olhou para o lado acha que não está levando ela a sério. Mas a maioria não é assim. Então eu fico em cima das meninas. Falo: “Olha, não precisa falar assim com a cliente”. Mas não existe um treinamento específico para essas coisas.
P/1 – E vocês já trabalharam com algum tipo de publicidade?
R – Anunciar mesmo a gente não anunciou. O que a gente faz ao invés de anunciar, não que o retorno seja pouco, mas para o nosso ramo assim acho que ainda não é tão válido para anunciar em canais de grande mídia, tipo TV ou rádio. Acho que não compensa tanto. O que a gente faz ao invés de gastar dinheiro com isso, a gente faz, como é que eu posso dizer? São folders, livrinhos, caderninhos de dez, 12 páginas com os vestidos, com uma modelo vestindo os vestidos para elas terem uma noção. Porque no cabide a roupa realmente fica sem graça. E a mulher, principalmente a que tem bastante curvas essas coisas, ela gosta de ver a roupa em uma modelo. A gente investe nesse sentido, mas não em anunciar em jornal ou coisa do tipo.
P/1 – E como é que veio a ideia de fazer um site?
R – A internet é fato que a gente precisa ter hoje em dia. Para tudo. Muitas clientes pedem: “Vocês não tem site para a gente dar uma olhada nos vestidos?”. E muita gente realmente liga para a loja com o site aberto, fala: “Eu quero esse vestido. Queria ver as cores que tem. Eu quero tanto dessa cor. Manda esse, quero esse outro modelo”. Porque está tudo com código dos vestidos. Então foi na verdade mais um mal necessário do que, a gente realmente: “Ah, vamos investir na internet”. Não foi essa a ideia. Foi porque realmente as outras lojas acabam tendo e como a gente não tem a gente fica defasado. Ficando defasado, o cliente deixa de vir. Então foi mais um mal necessário do que realmente a gente tentar investir na internet.
P/1 – E fala para mim agora qual a maior diferença, maior vantagem, maior dificuldade de agora que você trabalha, tem sua própria loja com a época em que você trabalhava com os seus pais. Você tinha certa autonomia, mas mesmo assim era um empregado. Qual era a maior diferença?
R – A diferença é que na loja assim eu tinha... Por exemplo, um funcionário vinha falar comigo: “Olha, Paulo, está precisando disso, disso e disso, eu estou precisando de um aumento”. Tinha que chamar meu pai, falar: “Olha, pai, o funcionário está assim assado, precisa de aumento, de férias, o que é que você acha?”. Aqui não! A minha funcionária vem falar comigo direto. Fala: “Olha, Paulo, estou precisando de aumento, tal, não sei o quê”. A gente conversa diretamente, não fica esse pombo correio. A diferença é que você não precisa ficar fazendo cerimonia para falar com o seu pai porque você gosta daquele funcionário. Então fala: “Está bom. Eu vou te dar aumento, tal.” “Não, preciso falar com o meu pai primeiro”. A diferença é que você tem carta branca para fazer tudo. E isso também é um pouco ruim porque se você fizer alguma besteira, está sobre a sua responsabilidade. Isso é uma droga, mas os pais a maioria das vezes estão certos. Quando meu pai fala: “Não. Não sei o quê, não sei o quê. Eu acho que não precisa ser feito desse jeito”. Eu ficava meio bravo, falava: “Pô, mas você tem que ver o lado do funcionário também”. No final das contas ele realmente estava certo. Então a gente acaba deixando de fazer um pouco de besteira, porque ele me barrou. A diferença é essa. Você não faz assim, porque se você fizer uma besteira na loja, puts! Você não sabe o que você foi fazer. Mas às vezes é legal você ter o contato direto com o funcionário.
P/1 – Como você acha que a sociedade via o comerciante de origem coreana quando a sua família começou e como você acha que ela vê ele hoje?
R – A sociedade coreana, o problema dela é que ela é muito fechada devido às guerras que se passaram tal, eles não se abrem muito. Mas daquela época para agora eu acho que não mudou muita coisa. Não mudou muita coisa porque ainda os donos daquela época são os donos de agora. Por mais que os filhos tenham assumido, ou por mais que tenham colocado algumas outras pessoas para gerenciar as lojas, elas não mudaram muito, pelo menos não a forma como eles pensam. Então acho que não mudou muito ainda. Acho que para mudar a gente tem que conquistar um pouco mais de espaço aqui. Porque o problema do coreano, eu acho que o brasileiro também vê isso, é que eles não investem em São Paulo, no Brasil. Eles não têm um investimento assim. Eles podem investir nas lojas deles, podem investir no bairro que eles estão fazendo. Mas, por exemplo, eles não estão preocupados com segurança. A gente não investe muito na segurança do próprio Bom Retiro ou do Brás. A gente não investe na segurança das nossas residências. Por exemplo, o pessoal está concentrado, a coreana está concentrada na Aclimação, no Bom Retiro. Eles não se preocupam em manter um elo com o policiamento, por exemplo. Tanto é que a Aclimação, ali é perigoso para você andar a pé. Então eu acho que o que falta na colônia coreana para que tenha uma boa visão assim é investir no país que ele está agora. Sabe, tanto em segurança como em educação, essas coisas.
P/1 – Você falou do investimento no próprio bairro, na loja. Como é que você acha que os outros comerciantes do Bom Retiro enxergam os comerciantes coreanos?
R – Eles não gostam muito. Isso é fato. Eles perderam bastante espaço, principalmente os judeus que dominavam a área do Bom Retiro. Eles perderam muito espaço. Outro problema dos comerciantes coreanos é o plágio que eu te falei. Acabam copiando muito do vizinho, disso e daquilo, então os comerciantes que não são coreanos não gostam muito dos coreanos como comerciantes. Como pessoas eu não sei, mas como comerciantes tenho certeza de que eles não gostam muito. Eu tenho amigos judeus que eu converso com eles um pouco. Não são muitos, mas eu converso, eles não demonstram muito isso, mas se eu fosse um judeu não ia gostar de ter um comerciante coreano vizinho. Acho que isso é fato sim, sabe?
P/1 – E você participa de alguma associação sindical, ou de comerciantes?
R – Eu até gostaria de participar, mas não tenho envolvimento com nenhuma coisa assim. O coreano é muito individualista. Se ele está bem, ponto. Não quer saber do resto. Então isso acaba realmente atrapalhando um pouco, na verdade.
P/1 – E como é que você vê a presença dos bolivianos no bairro? Você acha que tem crescido?
R – Cresceu bastante. Tanto no Brás, aliás, principalmente no Brás e no Bom Retiro cresceram bastante. Depois da anistia que o Lula deu, muitos bolivianos que não tinham documento, que tinham até receio de sair na rua porque não tinham documento, você vê que eles estão circulando bem mais pelos bairros. É uma coisa boa, mas o problema é que eles, como te falei, são muito baderneiros. Os bolivianos que eu conheço pelo menos, não é regra, mas eles bebem muito. Eles, eu não sei, eles têm um problema com bebida, com água também. Eles não tomam banho. Não sei, eles são meio estranhos.
P/1 – Agora uma parte mais pessoal. Eu queria que você dissesse para a gente qual a sua principal atividade hoje, o que você gosta de fazer quando não está na loja?
R – Olha, hoje é curtir o meu filho. Está com um ano e sete meses. Puta, eu olho para trás da minha vida, não fiz nada de bom. A única coisa que eu fiz de bom foi fazer o meu filho. Ele é que nem eu, super arteiro, muito pilha! Ele não para quieto, mas é passar o tempo com ele. Antes disso eu tinha outros hobbies, mas agora o principal hobby assim, principal atividade que eu tenho é curtir ele.
P/1 – E você gosta de fazer compras?
R – Gosto. Gosto de fazer compras. De todo o tipo, não só de roupa, mas eletrônicos. Carro, por exemplo. Quando o meu sogro vai comprar um carro, quando meu pai vai comprar um carro eu vou e gosto de dar a minha opinião. Mas o que eu mais gosto de comprar mesmo é tênis. Putz, eu tenho uma infinidade de tênis. Não sei, acho que uma coisa que eu gosto de fazer é colecionar tênis.
P/1 – E onde é que você vai comprar? Você compra no próprio Belém que é o bairro que você mora, ou você vai para outro lugar?
R – Eu já tentei procurar no Belém e eu não achei nada legal ou pelo menos do meu estilo. Então eu compro bastante nos shoppings assim. Tem umas lojas bem legais. Tem umas lojas, agora está entrando bastante loja, digamos, muito personalizadas, coisas únicas. Então eu acabo comprando bastante.
P/1 – Fala para a gente como é que é o seu dia-a-dia. Você acorda a que horas, para onde você vai?
R – Acordo por volta das seis, seis e meia. Fico um pouco com o meu filho, aí eu vou para a loja. Geralmente eu volto para pegar a minha esposa, que ela dorme até um pouco mais tarde. Então eu volto, almoço com ela ou com o meu irmão que está no Bom Retiro também. Meu irmão mais novo. À tarde eu fico na loja, faço coisas do banco. Depois de fechar a loja de segunda e quinta eu vou para a casa dos meus pais com o meu filho, para eles brincarem um pouco com meu filho, ele fica mais próximo dos avós. De terça e sexta eu fico na casa dos meus sogros com o meu filho também e de quarta é um dia que eu reservo para mim e para a minha esposa. A gente sempre sai, a babá dorme, então a gente sai sempre. No final de semana, cada final de semana é um caso. Em outubro eu tive cinco casamentos, um em cada final de semana. Tem final de semana que a gente fica o dia inteiro em casa sem fazer nada brincando com o Lucas e curtindo a casa. Tem final de semana, quando eu vejo que o tempo está bom, a gente vai para a praia e assim vai. Este final de semana não tenho nada planejado, não tem uma coisa que eu faça sempre assim. Só tem uma coisa que eu vou para a igreja, porque meu pai é presbítero e tal. E o Lucas também gosta desta rotina da igreja. Ver outras crianças, ver pessoas diferentes.
P/1 – E pensando assim bem para o futuro. Você gostaria que o Lucas se tornasse comerciante?
R – Ah é muito estresse lidar com o público. Não é uma coisa fácil. Eu preferiria que ele fosse, sei lá. Eu queria que ele fosse piloto! Piloto de qualquer coisa. Fórmula 1, ou avião, sabe Nascar, sei lá! Dakar, qualquer coisa assim. Porque não tem piloto coreano. Tem japonês, tem brasileiro, tem italiano, tem americano, alemão. Mas você já viu piloto de Fórmula 1 coreano? Não existe cara! Nem de, sabe, moto GP, nem nada, entendeu? Então eu queria que ele fosse piloto. Mas isso eu não vou obcecá-lo, não vou. Se ele quiser ser, vai ser tal. A única coisa que tem que ser mesmo é corinthiano. Desde que a gente chegou aqui, eu, meu irmão, todo mundo, sempre torceu para o Corinthians assim e tal. Eu não sei. Então ele já não pode ver um símbolo do Corinthians que ele já sabe, já levanta às mãos para cima, já é fanático. E outra coisa que eu não queria que ele fosse, é que ele fizesse uma tatuagem. Nada contra quem são tatuados, mas é uma coisa difícil. Você tatuar o seu corpo é uma coisa que fica para sempre assim. Eu acho não sei. Nada contra. Nada contra mesmo. Mas eu só não queria que ele fizesse tatuagem.
P/1 – Agora só voltar um pouquinho para o bairro do Bom Retiro. Eu queria que você me dissesse, você acha que o bairro vem se transformando? Houve grandes mudanças nos últimos anos?
R – Olha, grandes mudanças não, mas mudanças estéticas. O pessoal tenta melhorar as calçadas. O policiamento melhorou consideravelmente nos últimos três, quatro anos. Mas mudanças assim...
P/1 – Com relação ao transporte, ou o comércio se especializou, ou não?
R – Ah sim. O comércio eu acho que não. O transporte no Bom Retiro é um caos porque só tem uma rua para entrar e duas para sair, sabe? Então é bem caótico lá dentro. Mas não é que a gente não esteja acostumado já, a gente já sabe meio que cortar o trânsito por lá. Transporte eu acho que não mudou muita coisa. Porque o metrô sempre existiu lá, o metrô Tiradentes e a Estação da Luz. Os trens também da CPTM que tem lá, não houve grandes mudanças.
P/2 – E no perfil do público? É um público que é da região, um público que vem de fora, um público que está procurando coisas diferentes? Tem alguma transformação nesse sentido?
R – Sempre o pessoal, a maioria é de fora de São Paulo. Tem sim de dentro do Estado de São Paulo, mas a grande maioria é de fora do Estado de São Paulo. O público varejista tem mudado um pouco. O pessoal que comprava só em shopping. O Bom Retiro ficou um pouco mais divulgado nesses últimos anos. Então a gente vê que é um pessoal que tem um poder aquisitivo um pouco maior, não que seja classe A, mas é um público de um poder aquisitivo um pouco maior. Você vê que vem muitas senhoras assim que já estão bem estabelecidas financeiramente. Com essas senhoras vêm as sobrinhas, vêm as filhas, vêm as amigas.
P/2 – E é um público que se desloca pela cidade para ir até lá, ou um público da região?
R – Não. Eles vêm de todos os cantos de São Paulo. Tem gente que vem do Morumbi, tem gente que vem da Lapa, do Tatuapé, tem gente de São Miguel, tem gente de todo lugar de São Paulo. Locomovem-se bastante.
P/1 – Agora uma parte mais de avaliação final, queria que você dissesse para gente qual foi a maior lição que você tirou da atividade comercial?
R – A maior lição que eu tirei é que você tem que pagar os impostos. Isso é fato. A gente acha que a gente é esperto, que a gente consegue sonegar um pouco. Não dá! Se você sonega, cedo ou tarde você cai. Isso já aconteceu várias vezes. É uma coisa meio revoltante porque nem tudo é revertido para os nossos benefícios. Mas uma coisa que você tem que estar em dia é imposto. Isso é uma lição que realmente eu tirei. Tiveram coreanos que levaram baques muito grandes, achando que nunca iam levar. Lojas que estão lá há 15, 20 anos e do nada baixa a fiscalização e revira, sabe, o baú assim e tem muita coisa assim. Então uma coisa que tem que estar em dia é o imposto.
P/2 – E agora sim, uma perspectiva de futuro, mas para você. Qual o seu maior sonho?
R – Meu maior sonho? O meu maior sonho é dar aula. Eu já dei aula de Português para os coreanos aqui. Não é a mesma coisa. Meu maior sonho é dar aula. Eu queria dar aula em escola assim para o pessoal do colegial, ou um pouco mais abaixo. Não muito criança, nem faculdade. Mas o meu maior sonho é dar aula.
P/2 – De História?
R – De História é uma boa, mas não necessariamente. Mas eu gostaria, sim, de dar aula. Eu acho que é um sonho meio impossível. Não sei como vai ficar meu futuro para frente.
P/2 – Quando a gente perguntou da sua loja, você mencionou que inclusive a escolha do nome foi feito com certo carinho. Quer explicar isso qual era o nome também?
R – O nome a gente quis colocar o nome que fosse fácil, mas que fosse um nome assim bonito também. Não um nome simplesmente fácil. E a gente tinha escolhido o nome de um tecido, que era um tecido super raro, um tecido super bonito, que era Chalise. Só que a gente tentou, mas não deu. E o Cloquê também é o nome de outro tecido. Só que esse tecido que eu coloquei na verdade é um tecido que a gente não usa para fazer roupa nenhuma. Aí a gente falou: “Não, o nome está diferente tal”. Não que eu tenha me arrependido, mas se eu tivesse um pouco mais tempo teria pensado melhor. Cloquê é um nome meio... É diferente, mas não se guarda tão fácil. Mas o pessoal lembra bastante. Eu percebi que o pessoal lembra bastante.
P/1 – E o que você achou de ter dado essa entrevista para gente e ter participado do projeto?
R – É legal. É super legal a gente poder compartilhar umas coisas, ainda mais experiências únicas na vida. Acho que vai servir de lição para qualquer outra pessoa, nem que seja só para dar umas risadas assim. (risos) Acho que foi legal. Foi bom.
P/1 – E teve alguma coisa que a gente não perguntou e que você gostaria de falar?
R – Eu acho que não. Falei bastante.
P/1 – Então está certo. Em nome do Museu da Pessoa e do Sesc São Paulo agradeço muito a sua participação.
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