P/1 – Primeiro, eu queria agradecer a sua presença, por ter vindo até aqui conversar com a gente. E eu queria que o senhor falasse, pra gente deixar registrado, o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Carlos José Macedo, eu nasci em treze de fevereiro de 1958, na cidade de Teófilo Otoni, no nordeste de Minas Gerais.
P – E o nome dos seus pais?
R – Orlando Prates Macedo é meu pai e Marlene Moreira Macedo é o nome da minha mãe.
P – E os seus avós?
R – Avós paternos são Orácio Macedo e Araci Prates Macedo, e os maternos são Perciliano Moreira e Ester Moreira.
P – E, Carlos, qual é a origem da sua família?
R – Meus avós maternos são baianos, lá do sertão da Bahia mesmo, minha avó era nascida em Condeúba, no sertão da Bahia, cidadezinha muito pequenininha. Agora, meu avô paterno era aqui do estado do Rio, de Cantagalo, do norte do estado do Rio. A família Macedo é grande aqui no Rio de Janeiro, principalmente no norte do estado. E ele foi, então, para Teófilo Otoni trabalhar na estrada de ferro Bahia–Minas e lá conheceu a minha avó, que é da família Prates, a família tradicional do norte de Minas, principalmente mais pro norte mesmo, perto de Montes Claros. Aí se conheceram lá, se casaram e deram origem à nossa família. Família Macedo, já que os Prates são um ramo bastante grande na região.
P/1 – E como seus pais se conheceram? Como foi a união?
R – Já nasceram em Teófilo Otoni, então, eles já se conheceram lá. No colégio, eles são mais ou menos próximos, três anos de diferença. A minha mãe era secretária de um colégio secundário, então, estudaram, conheceram, tinham amigos em comum, aí se conheceram lá em Teófilo Otoni.
P/1 – E me conta um pouquinho como esses avós da Bahia, como essa família de várias partes do Brasil, Rio de Janeiro, Minas... Você conviveu com esses avós? Quais são as...
Continuar leituraP/1 – Primeiro, eu queria agradecer a sua presença, por ter vindo até aqui conversar com a gente. E eu queria que o senhor falasse, pra gente deixar registrado, o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Carlos José Macedo, eu nasci em treze de fevereiro de 1958, na cidade de Teófilo Otoni, no nordeste de Minas Gerais.
P – E o nome dos seus pais?
R – Orlando Prates Macedo é meu pai e Marlene Moreira Macedo é o nome da minha mãe.
P – E os seus avós?
R – Avós paternos são Orácio Macedo e Araci Prates Macedo, e os maternos são Perciliano Moreira e Ester Moreira.
P – E, Carlos, qual é a origem da sua família?
R – Meus avós maternos são baianos, lá do sertão da Bahia mesmo, minha avó era nascida em Condeúba, no sertão da Bahia, cidadezinha muito pequenininha. Agora, meu avô paterno era aqui do estado do Rio, de Cantagalo, do norte do estado do Rio. A família Macedo é grande aqui no Rio de Janeiro, principalmente no norte do estado. E ele foi, então, para Teófilo Otoni trabalhar na estrada de ferro Bahia–Minas e lá conheceu a minha avó, que é da família Prates, a família tradicional do norte de Minas, principalmente mais pro norte mesmo, perto de Montes Claros. Aí se conheceram lá, se casaram e deram origem à nossa família. Família Macedo, já que os Prates são um ramo bastante grande na região.
P/1 – E como seus pais se conheceram? Como foi a união?
R – Já nasceram em Teófilo Otoni, então, eles já se conheceram lá. No colégio, eles são mais ou menos próximos, três anos de diferença. A minha mãe era secretária de um colégio secundário, então, estudaram, conheceram, tinham amigos em comum, aí se conheceram lá em Teófilo Otoni.
P/1 – E me conta um pouquinho como esses avós da Bahia, como essa família de várias partes do Brasil, Rio de Janeiro, Minas... Você conviveu com esses avós? Quais são as lembranças?
R – Com meu avô materno eu não convivi porque ele faleceu quando a minha mãe tinha seis anos de idade só e a minha mãe era a caçula da família, então, eu não tive a oportunidade de conviver. Minha avó materna, que era baiana, morou conosco até falecer. Faleceu ainda... Nós tínhamos uma proximidade muito grande com ela, porque ela morou conosco pelo menos uns dez anos, já no final de vida. Quando nós viemos pra Belo Horizonte, ela veio morar conosco, ela morava em Teófilo Otoni. Aí meu pai foi gerente de banco em várias cidades no interior de Minas, e a última antes de chegar a Belo Horizonte foi uma cidade aqui perto da divisa com Espírito Santo, que chamava-se Manhumirim. Nessa época a minha avó morava em Teófilo Otoni, e quando a gente mudou ela já foi, uma parte do tempo para Manhumirim. Depois nós viemos pra Belo Horizonte e ela veio definitivamente morar conosco em Belo Horizonte. Meu avô... Os dois tiveram uma curiosidade muito interessante, meus dois avós se casaram com aproximadamente 45 anos de idade, e as minhas avós tinham 22, 23 anos mais ou menos. Então, a diferença era muito grande, mas meu avô paterno faleceu com 94 anos, então foi possível, ainda, conhecê-lo e conviver bastante tempo com ele. A minha avó também. Como a gente, mesmo tendo saído de Teófilo Otoni, estava sempre indo de férias, eu fiquei com tios morando lá e ela morava com um dos meus tios, então, a gente estava sempre visitando, assim como eles também vinham a Belo Horizonte algumas vezes. Então, a gente conseguiu conviver bem. Meu avô nasceu... É muito interessante porque ele é de 1878, então, ele nasceu e com dez anos de idade, eu fico imaginando aqui, foi proclamada a Lei Áurea. Com onze ele assistiu, ele morava no Rio aqui, ele assistiu à Proclamação da República. Então, ele era uma pessoa que lia muito, ele morreu com 94 anos ainda lúcido, lendo perfeitamente. Foi um acidente vascular cerebral, mas eu tive uma boa chance de ainda conviver muito com ele.
P/1 – Como era essa convivência? Como eram as suas férias?
R – As minhas férias, normalmente, nessa época, eu ia quase sempre a Teófilo Otoni visitar a família. Às vezes a gente ia, como o pessoal de Teófilo Otoni sempre frequentou as praias do sul da Bahia, a gente ia à praia, o mineiro adora ir à praia ali. A gente ia pro sul da Bahia, principalmente a uma praia que se chama Alcobaça. Praticamente, ela era habitada por teofilotonenses, baianos e teofilotonenses. Então, o pessoal do nordeste de Minas ia muito a essa praia. A gente também... De lá eu conheci Porto Seguro ainda numa fase totalmente inexplorada, turisticamente inexplorada. Prado, Caravelas, Alcobaça, Porto Seguro e Teófilo Otoni, minha família era... Meu tio mexia com fazenda, então, a gente passava muito tempo na fazenda desse meu tio lá em Teófilo Otoni.
P/1 – E dessas viagens à praia, tem alguma memória marcante? Ou alguma memória que o senhor queira contar pra gente?
R – Olha, eu me lembro que Alcobaça era uma cidade, uma vila, praticamente, e você tinha uma área de cajueiros imensa, eu tinha também o meu padrinho, que era de Teófilo Otoni e tinha uma casa em Alcobaça, que eu também cheguei a frequentar. Então, têm muitas memórias boas, era uma comida excepcional que a gente comia. Não tinha restaurante, eram pensões onde você comprava mesmo as coisas, serviam cajus em bandejas na praia, aquele caju recém-colhido ali, nas árvores. Era muito legal, a cidade era muito pequenininha, você andava praticamente descalço na cidade, não precisava... Era de bermuda, sem camisa e descalço, tinha uma longa extensão de praia. Para uma criança, na época, de cinco, seis, sete, oito anos de idade, quando a gente frequentava era muito interessante, era muito bom frequentar lá.
P/1 – Carlos, deixa eu só voltar um pouquinho, o senhor falou que os seus dois avós casaram com 45 anos. Por que eles casaram assim, mais velhos?
R – Olha, sinceramente, eu não sei. (risos) Talvez fosse até mais interessante ainda, os meus bisavôs da parte paterna, os meus dois bisavôs casaram... As minhas bisavós eram sobrinhas deles. Por quê? Naquela época se casava entre família pra se manter o patrimônio, então, os pais da minha avó paterna eram tio e sobrinho, também tinha uma diferença de idade fantástica. Então, era meio que uma tradição da época, se casar com... (risos) E da minha avó, o meu avô materno era fotógrafo, ele era meio artista, entendeu? Então, acho que deve ter alguma coisa a ver. (risos) Como eu não tive contato com ele, porque ele faleceu já com a minha mãe ainda muito nova, não tive muito contato, mas imagino que seja algo assim.
P/1 – Você teve contato com alguma das fotos que ele tirou?
R – Tem, nós temos muitas fotos antigas que ele tirava, tem da minha avó, tem de parentes. Tinha uma profusão de fotos, tanto de um lado quanto do outro, a família sempre teve, vamos dizer, muitas fotos tiradas. Tem fotos dele, inclusive, antigas, naquele perfil tradicional, bigodão... Então, a gente tem muitas fotos e tem da minha avó também.
P/1 – Agora, conta pra gente, com esse pai gerente de banco, essa coisa de morar em vários lugares, como foram essas experiências de mudar?
R – Olha, na verdade, eu mudei muitas vezes, mas até sete anos de idade, com sete anos nós chegamos a Belo Horizonte e me estabeleci. Então, por incrível que pareça, eu tenho memória, inclusive, de cidades em que eu morei com dois, três anos de idade. Eu posso, inclusive, descrever. (risos) Eram tão pequenas que eu consigo descrever. Se eu chegasse a elas, eu conseguiria chegar na minha casa. Então, uma, por exemplo, chama-se Malacacheta, muito pequena, ao norte de Teófilo Otoni, é uma cidade de praticamente quatro ruas, duas que iam e duas assim. Então, eu me lembro perfeitamente que eu morava aqui e tinha uma pequena montanhazinha, tinha a igreja do lado, uma rua, a agência do banco ficava logo no fim dessa rua, perto da praça principal, você tinha uma segunda rua que corria paralela e duas que cruzavam, tinha uma farmácia, era uma cidade muito pequena. E eu morei nessa cidade dos dois aos quatro anos de idade. Uma que eu não me lembro, logo quando eu nasci, que meu pai morava, é uma cidade que se chamava Antena, era bem na divisa com Espírito Santo, perto de Teófilo Otoni. Mas dessa eu não tenho recordação, só sei que era uma cidade extremamente violenta, ficou violenta por muitos anos, tinha muitos crimes de disputa de terra, disputa da divisa de Minas com Espírito Santo, era uma região que chamava Contestado, então, tinha ainda muita guerra pra botar a fronteira pra lá, pra cá, pegar a fronteira, essa foi uma. A segunda foi Pedra Azul, essa eu já não tenho, também, grande lembrança, foi pouco tempo. Depois, a terceira foi Malacacheta, posteriormente foi Manhumirim, e aí eu já tenho bastante lembrança. Nós moramos dois anos, é uma região de café, uma região de produção cafeeira, me lembro dos vidros de café, dos armazéns da própria cidade. Eu tive oportunidade de passar nela depois, viajando, e o interessante é que você era criança, você lembra das coisas num tamanho que, quando você chega adulto, parece que tudo ficou pequeno a cidade diminuiu, os prédios todos diminuíram. (risos) Eu fiquei surpreso, passei em frente às duas... Morei em duas casas lá, uma era em cima da agência, que no passado era tradicional, se fazia a agência e se fazia a casa do gerente em cima, então, passei lá. Depois, a outra casa que a gente também morou, num outro lugar, era um lugar muito frio, muito frio mesmo, muito próximo da Serra do Pico da Bandeira, na serra do Caparaó. Então, era um lugar muito frio. Me lembro também que nove, dez horas da manhã, no inverno, com a neblina, você não enxergava praticamente nada, nem um palmo à sua frente, tal era a neblina na cidade que caia no inverno.
P/2 – E teu pai era gerente de que banco?
R – Do Banco do Estado de Minas Gerais que, na época, chamava-se Banco Mineiro da Produção. Na época, Minas Gerais tinha uns três bancos estatais, tinha o Mineiro da Produção, tinha o Banco Hipotecário e o Banco de Crédito Real, além da Minas Caixa. E meu pai trabalhava num desses bancos. Ainda quando a gente mudou para Belo Horizonte, houve a fusão de dois deles, que era o Hipotecário e o Mineiro da Produção, que passaram a se chamar BEMG, Banco do Estado de Minas Gerais, até que ele foi privatizado e vendido pro Grupo Itaú.
P/2 – E esse banco era um banco de fomento?
R – Não, ele era um banco comercial normal, um banco estatal comercial, fazia todas as operações. Meu pai fez carreira ali, foi contador. Meu pai tem formação em contabilidade, foi contador, foi gerente, foi inspetor, isso é uma espécie de auditor, inspetor de agências, e ele terminou a carreira dele como... Chegou a diretor da instituição e se aposentou depois disso. Depois, ele ainda participou num grupo pra fazer o saneamento de alguns outros bancos, para fazer a privatização. Participou no banco Agrimisa, por exemplo, que foi um banco que o governo de Minas teve que assumir por causa das dívidas. Ele chegou a participar e fez alguns outros trabalhos depois de aposentar na Secretaria do Trabalho do Estado de Minas, mas trabalhou quase... Trabalhou dos dezesseis aos sessenta, começou numa transportadora em Teófilo Otoni, uma importadora. Porque Teófilo Otoni, a característica básica da economia de Teófilo Otoni, é que é uma das maiores produtoras de pedras preciosas do mundo, então, você tem uma série de empresas de lapidação e exportação, importação. Então, ele começou trabalhando numa empresa dessas aí. E depois ele se formou em contabilidade e começou a carreira dele aos vinte, no banco.
P/1 – E essa coisa de morar em cima da agência? Você acompanhava o dia a dia da agência?
R – Era muito interessante, eu me lembro, por exemplo, em Manhumirim, a gente... A escada dava pra agência, então a gente, às vezes, estava brincando, sentava na escada e via a agência trabalhando lá embaixo, todo o movimento da agência. Eu tinha cinco anos de idade, cinco, seis anos, então muitas vezes a gente sentava e ficava na escada vendo o movimento da agência, ele trabalhando lá e os clientes chegando, entrando, era muito interessante, essa casa, também, ela tinha um terraço gigantesco, algo assim, impressionante pros dias de hoje, um terraço, e tinha um rio no fundo. Então, a gente ia muito, brincava nesse terraço, às vezes descia, passava pra beira do rio ou ia pra escada ver o movimento. (risos) Era uma cidade tão pequena que, com seis anos de idade, a gente andava a cidade toda, a gente andava a cidade toda sem qualquer medo, risco, não tinha controle, não tinha praticamente nada, todo mundo era conhecido, era muito legal.
P/1 – Carlos, você mencionou essa coisa de brincar, quais eram as brincadeiras preferidas?
R – A gente sempre jogou muito futebol, como todo menino. (risos) Basicamente tinha, na época, também aqueles índios apaches, que vinham de plástico, carros e carrinhos da época, não tinha essa profusão de hoje, mas você tinha ainda algumas coisas, e futebol sempre preenchendo a maior parte das brincadeiras.
P/1 – E a questão dos amigos, por morar em várias cidades até chegar em Belo Horizonte, quem eram seus amigos?
R – Basicamente, os meus amigos que ficaram dessa época são meus primos, propriamente ditos, com que a gente tinha um contato mais permanente, porque íamos e voltávamos, ficávamos em Belo Horizonte, mas voltávamos a esses locais. Então, meu pai teve vários amigos, amigos de longa data dessas cidades todas, mas nós como éramos muito pequenos - eu sou o mais velho minha família são cinco irmãos -, então a gente não conseguiu definir amizades, a não ser os próprios parentes nesse período, até a gente se fixar em Belo Horizonte.
P/1 – Eu queria que você contasse um pouquinho pra gente da sua trajetória escolar, qual foi a sua primeira escola?
R – Isso é outra coisa interessante, eu só comecei no primeiro ano do antigo curso primário. Como meu pai tinha um conceito de que queria que os filhos brincassem até certa idade… Então, apesar de, por exemplo, nessa cidade que é Manhumirim, que eu morei antes de chegar a Belo Horizonte, ter um pré-escolar, ele não admitia que a gente fosse colocado porque ele queria dar infância. Só aconteceu comigo, também, porque os outros, já em Belo Horizonte, entraram no ritmo escolar. Então, eu cheguei no primeiro ano do curso primário, no Grupo Escolar Francisco Sales, em Belo Horizonte, e foi aquele trauma, porque eu não tinha participado, nunca tinha visto. Na verdade, a minha mãe me ensinava a escrever, desenhar letras em casa e eu cheguei naquele primeiro momento ali meio perdido. Saí de uma cidade muito pequena, nós chegamos no dia do Natal em Belo Horizonte, a mudança foi feita no dia do Natal. Quer dizer, nós chegamos lá dia 25 de dezembro de 1964 e, logo depois, eu estava começando a estudar sem um grande período de adaptação. Eu só tinha morado em casa, fui morar num apartamento em Belo Horizonte e fui pra escola. Foi um choque, então, no primeiro momento, mas depois eu me acostumei e gostava bastante dessa escola, desse Grupo Escolar, então foi muito interessante.
P/2 – Eu vou voltar um pouquinho. Você lembra da primeira impressão que você teve de Belo horizonte? Vocês foram morar em que bairro lá?
R – Nós fomos morar - e meus pais moram até hoje no mesmo local - no Prado, é um bairro tradicional de Belo Horizonte, mas nós chegamos e o apartamento ainda não estava pronto, então nós fomos ficar no apartamento do meu tio, que já tinha vindo a Belo Horizonte e era também do mesmo banco, o Banco do Estado. Ele já era gerente do banco em Belo Horizonte, então nós nos hospedamos no Gutierrez, que é onde ele morava na época, enquanto o apartamento acabava de ficar pronto. Ele também morava num apartamento nesse bairro Gutierrez, mas o que eu me lembro é o seguinte: nós chegamos numa chuva descomunal, não parava de chover, foram dias seguidos de chuva, praticamente ficamos presos em casa nos primeiros dias, essa é a primeira impressão que eu tenho de lá, (risos) muita chuva, muita chuva. Até que a gente pôde se mudar pra nossa casa e aí o Prado era como se fosse uma cidade do interior. Era um bairro, naquela época, em que você fazia tudo o que se fazia em uma cidade do interior, os carros paravam na rua, ninguém roubava carros, não tinha esse problema. Jogava-se futebol na rua, (risos) fechava-se a rua e jogava-se futebol, os carros paravam, esperavam as crianças saírem. Então, era um bairro, realmente, em que a gente teve uma vida quase que de interior, não houve um grande choque, só o inicial. Mas depois a adaptação foi tranquila, foi perfeita.
P/1 – E agora, Carlos, eu queria te perguntar desse novo impacto de estudar em uma escola, as primeiras dificuldades... Quem foram os primeiros professores que marcaram? Quais eram as atividades?
R – Eu entrei, na época, tinha uma divisão por desenvolvimento, então, você tinha no Grupo Escolar quatro ou cinco salas de aula para o primeiro ano. Por exemplo, tinha primeiro, segundo, terceiro, quarto... Acho que eram só quatro na época e eu entrei na terceira sala, ou seja, como eu não tinha histórico de desempenho, eu entrei quase lá no fim. Provavelmente a quarta era a dos repetentes, (risos) eu entrei na última que não era dos repetentes. Aí teve outro impacto quando eu me adaptei, eu já estava adaptado há três meses e fui mudado pra primeira sala, e aí quebrou todo aquele... (risos) Eu estava em pleno, vamos dizer, desenvolvimento ali, e fui mudado pra primeira sala, aí tive que me readequar. Já foi outro impacto para uma criança de sete anos que nunca tinha estudado em nenhuma escola, que foi a mudança de sala de aula, a troca de professora, de colegas, mas essa professora, eu me lembro até hoje, ela morava no Prado, no mesmo bairro, um dos meus colegas era irmão dela, um irmão caçula dela, e acabou que a gente teve um relacionamento muito grande, eu ia à casa dele e, consequentemente dela, porque ela ainda morava ao lado da igreja do Prado. Ela chamava-se Ana Maria Bourel, era de uma família de espanhóis, e teve uma influência muito grande nessa parte de alfabetização, leitura e foi bastante importante na minha formação.
P/1 – E a escola tinha festas? Quais eram os eventos comemorados?
R – Naquela época, com o governo militar, a primeira coisa é que você já entrava com o hino nacional, você tinha que perfilar de manhã, tinha aquelas marchas militares e tocava-se o hino nacional. Então, ficava todo mundo em fila, entrava sala por sala, saía a primeira, saía a segunda, saía a terceira, nisso tocando aquelas marchas daquele autor americano que tinha um sobrenome em português que era Silva. E tocava o hino nacional enquanto estava todo mundo entrando na sala. E a gente tinha aula de Educação Física, naquela época, coisa que hoje desapareceu, mas tinha, tinha competições... Esse Grupo, nós ficávamos em frente o campo do Cruzeiro, no Barro Preto, muito perto do décimo segundo batalhão de infantaria do exército, então, você tinha competições ali, no batalhão de infantaria. Terminavam as aulas, a gente ia pra assistir o fim do treino do Cruzeiro, naquela época, que tinha Tostão, Dirceu Lopes, o grande time do Cruzeiro. O Cruzeiro também estava, naquela época, desenvolvendo uma campanha de marketing nas escolas, então, eles iam às escolas ou, quando você ia lá, distribuíam bolas autografadas, réguas... Então, você tinha contato com os jogadores. A gente tinha, por exemplo, o jornalzinho do Grupo, que eles recebiam a gente pra serem entrevistados como se fôssemos repórteres. Então eu me lembro bem. Eu fiz pessoalmente uma entrevista com o Piazza, que foi capitão, depois, da seleção brasileira, campeão em 1970, ele sentado e a namorada dele, que depois se tornou esposa, morava ao lado do Grupo, ao lado do campo, aí estava a gente sentado na varanda da casa dela, eu e mais um outro colega, fazendo uma entrevista, sei lá, com oito anos, na época, escrevendo a entrevista que a gente fez com ele. Então, era muito rico o processo, era uma época em que os grupos escolares tinham um padrão de ensino muito alto e eu tive esse desenvolvimento todo. Até o quarto ano primário lá, que na época era isso, me formei, tive notas muito boas, recebi um troféu de primeiro lugar no quarto ano. E dali a gente partiu pro curso de admissão, que alguns de você não sabem nem o que é, (risos) mas eu fui fazer o curso de admissão. E esse curso de admissão foi o seguinte, quando a gente estava... A PUC Minas estava, na época, inaugurando um colégio, que era um projeto de uma pedagoga que dava aula na PUC Minas, desenvolvendo um colégio, que ela queria que fosse tipo um colégio de aplicação, um colégio-modelo similar ao que já existia na universidade federal e outros lugares têm. Era um projeto diferente em que eles escolhiam sete alunos de alguns grupos escolares, faziam a escolha dos sete melhores alunos dos grupos e levavam pro curso de admissão deles, esse curso reunia e formava uma turma de, aproximadamente, provavelmente uma ou duas turmas de sessenta alunos, para extrair depois cerca de trinta para formar uma turma só. Então, eu fiz a admissão na PUC, na época. Ela era ao lado do Palácio da Liberdade, num prédio bem ao lado do Palácio da Liberdade. O que eu guardo de lembrança disso é de chegar, às vezes, à tarde com bombas de gás lacrimogêneo ainda fumegando, porque tinha ainda toda aquela manifestação de estudantes contra o regime militar, e como era do lado do Palácio, às vezes era reprimido com bombas de gás lacrimogêneo. Então, às vezes eu chegava, com dez anos de idade, e a gente passava com um lenço no nariz, porque ainda tinha fumaça saindo de bomba de gás lacrimogêneo na porta da escola. Fiz o admissão lá, era muito legal, também, porque era do lado da Praça da Liberdade, então, você tinha todo aquele envolvimento, tinha também lanchonetes do lado pra gente que estava ali estudando, era muito interessante, ao lado da Savassi, também, você descia a praça da Savassi, em Belo Horizonte... E nós ficamos ali durante três anos, aí a PUC transferiu o colégio pro bairro Dom Cabral, onde hoje é o campus principal dela. Era um antigo seminário, um prédio antigo que era muito interessante também, porque era cheio de passagens subterrâneas. Por ser um seminário, uma construção antiga, tinham coisas interessantes, e lá ficava. A gente tinha um recurso de ter uma praça esportiva grande e nós fomos pra lá quando eu estava no terceiro ano do ginásio, correspondente à sétima série, hoje. Aí eu terminei o ginásio, fiz o segundo grau, tive o científico lá e fiz vestibular, tanto pra ela quanto pra UFMG, e passei nas duas. Fiz um vestibular pra Engenharia Mecânica na PUC e de Metalurgia na UFMG, mas como meu desejo mesmo era cursar Metalurgia, eu optei por ir estudar na Universidade Federal de Minas Gerais.
P/1 – Antes de a gente chegar na parte da faculdade, eu vou querer saber mais. Eu só queria entender, voltando um pouquinho, do seu dia a dia em Belo Horizonte, a convivência com a tua mãe, com esses irmãos... Conta, um pouquinho antes de chegar no curso de admissão, como foi.
R – A convivência, como eu te disse, era como se fosse uma cidade do interior, era um prédio com três apartamentos e todo mundo tinha uma vida quase que familiar, todo mundo participava da vida de todo mundo. A minha mãe, por exemplo, era uma pessoa que sempre cuidou, era quase que uma médica quando as outras crianças se machucavam. As mães não tinham coragem de levar, a minha mãe que levava pro hospital, ela fazia consulta médica. (risos) Eu dizia assim: “Você ainda vai ser presa ainda mãe.” Então, ela fazia recomendações e as pessoas sempre procuravam ela para eventuais consultas. A gente tinha também, dessas passagens anteriores de cidades, alguns amigos médicos que foram colegas do meu pai, da minha mãe e que se tornaram médicos em Belo Horizonte. Lá no Prado fica também um importante hospital, que é o hospital Felício Rocho. Então, um grande cirurgião que era amigo nosso da cidade de Malacacheta, onde meu pai foi gerente anos antes, se tornou um grande cirurgião, o principal cirurgião do hospital. Dali minha mãe conhecia todos os médicos para recomendar pras pessoas, a partir dele tinha toda essa facilidade. Jogava-se bola na entrada do prédio, na rua em frente, você tinha também, lá... A gente andava o bairro inteiro, praticamente, andava o bairro sem ser molestado, andava até a igreja, que ficava umas dez quadras de lá, você tinha também um batalhão da polícia militar perto, a gente andava ali tudo na maior tranquilidade, às vezes, soltando umas bombas. (risos) Às vezes fazia algumas coisas desse tipo, batendo campainha e correndo. Eu me lembro que quando as primeiras casas começaram a utilizar interfone, você batia e quando a pessoa vinha atender, você fazia “e aí? e aí?” e corria. Era uma infância mesmo de cidade do interior. Comparativamente, hoje, seria uma infância de cidade de interior. Eu morava em prédio, mas a convivência nesse prédio era total, chegava-se ao seguinte: minha mãe nos colocava no ônibus com sete anos, o motorista levava, ele era o mesmo há anos. Poucos anos atrás, ela reencontrou esse motorista do ônibus, que era de táxi, ele nos pegava com sete anos, colocava na frente, levava até o Grupo, parava na porta e na volta era a mesma coisa. Então, era quase que uma vida de interior mesmo, todo mundo conhecia todo mundo. E o Prado, hoje, está mudando, porque lá estão as principais confecções de Belo Horizonte, se tornou um pólo de confecções e está virando um bairro comercial. Mas, ainda hoje, a minha mãe conhece quase todas as pessoas de lá. Ela está com 77 anos, mas anda o bairro todo, vai, atende algumas amigas, leva comida pra uma vizinha que tem quase noventa. É que, hoje, só ela leva comida todos os dias pra ela, o almoço pra ela, e ela só aceita o almoço da minha mãe. Então, houve uma integração total.
P/2 – Você nos comentou que nesse processo do bairro, da escola, do convívio, você passa um pouco essa fase, que é exatamente após o governo militar, e fala até dos movimentos estudantis e tal. como isso era percebido por você? E como isso era tratado dentro da sua família? Comentava-se alguma coisa, falava-se alguma coisa?
R – Não, meu pai teve alguns colegas presos, bancários, que eram do movimento sindical bancário. Na época que algumas pessoas foram presas, da relação dele, agora, assim, dentro... Ele realmente era uma pessoa que, à época, era contrária ao regime militar e os comentários dele eram sempre simpáticos a... Ele era um partidário de João Goulart, na época, quando foi deposto, e era extremamente, radicalmente contra, vamos dizer, a revolução militar. Então, o que me vem na cabeça são os comentários dele, que foram sempre contrários à ditadura militar. Ele sempre apoiou, votou em candidatos da oposição da época, que era possível, Tancredo... Meu pai tinha um amigo, também, da cidade de Manhumirim, que foi secretário do Tancredo Neves, foi um deputado por diversos anos, chamava-se Genésio Bernardino, foi o líder quando Tancredo foi governador de Minas, ele era o presidente da Assembleia quando Tancredo assumiu a posição de candidato, ele saiu do governo e o Hélio Garcia ficou governador de Minas. Ele chegou a ser governador por algum tempo. Então, meu pai tinha toda essa ligação com o pessoal do banco, alguns amigos e amigas também, pessoas que ele conhecia, foram presas durante o governo da revolução, e ele ainda tinha essa ligação política com pessoas que depois vieram integrar o MDB da época, da oposição. Apesar de ser primo de um senador, que foi o Murilo Badaró, que era da situação, também muito amigo dele, também da família Prates, era Murilo... A mãe dele era prima primeira da minha avó. Mas a posição dele foi sempre essa, e a gente, que vivia na PUC, a gente não conseguia muito ter o relacionamento, porque o colégio funcionava na parte da tarde e os cursos superiores funcionavam na parte da manhã e da noite, então, a gente funcionava, praticamente, isolado, só tinha um reflexo mesmo das bombas, dos movimentos, do que sobrava, vamos dizer, dos movimentos ali, da repressão aos movimentos.
P/1 – Quais foram as suas primeiras impressões quando você viu o movimento e todas as bombas?
R – Não causava muita surpresa, não. A gente lia, via as notícias. Esse colégio, eu não me detive muito a esse colégio, mas um dos projetos dessa pessoa que projetou esse colégio, ela queria que ele fosse um colégio diferente. Então, pra você ter uma ideia, em 1969, nós tínhamos aulas de como trabalhar em equipe, coisa que até hoje você não encontra nos colégios. Então, eu tinha aulas desse tipo e nós tínhamos aulas de biblioteca, ou seja, você tinha que ficar determinado período na biblioteca, aprender a fazer consulta e produzir alguma coisa na biblioteca, era um projeto bem diferente pra época. Eu diria que era tão avançado que, hoje, poucas escolas aplicam. O grande problema é que essa pessoa que idealizou esse projeto, com dois anos ela morreu. A gente tinha iniciado o colégio e, depois disso, foi se perdendo o propósito original dela e se tornou um colégio comum, depois de algum tempo. Mas os primeiros anos dele, enquanto ela era viva, enquanto o projeto dela persistiu, era absolutamente diferente de tudo que se tinha na época, ela era realmente uma pessoa à frente do tempo dela.
P/1 – E durante essa trajetória escolar no colégio de admissão, já na PUC, tem alguma matéria que você gostava mais, que ia melhor?
R – Olha, eu gostava menos de Português. (risos) Apesar de gostar muito de ler, do Português mesmo, Gramática nunca me foi simpática. Eu gostava muito de Geografia, gostava de Matemática. Nessa fase, ainda, a gente não tinha Física, mas eu gostava. As matérias que eu era mais a fim eram as matérias mais técnicas mesmo, mais exatas, exceto Geografia, que eu gostava muito. Eu sempre gostei muito de cartografia, de relevo, clima, de informação, então, isso sempre foi muito importante. Até hoje eu entro no Google Earth e fico lá, horas às vezes, olhando relevo, altitude, vendo localidade. (risos) Sempre foi uma coisa que eu gostei muito também.
P/1 – Você já pensava no que você queria fazer da sua vida? Quando você pensou pela primeira vez: “Talvez eu queira fazer isso, aquilo”?
R – Naquela época existia, praticamente, uns dois ou três cursos padrão, onde você, praticamente, se destinava. (risos) Então, você tinha toda a pressão que era assim: ou você ia ser médico ou engenheiro e, em segunda, vamos dizer assim, em segunda aparecia Direito e essas outras coisas. Na verdade, você era quase direcionado a fazer Medicina ou Engenharia. Como eu já tinha alguma afinidade com as Ciências Exatas, o meu direcionamento natural seria para Engenharia, mas eu cheguei a pensar em fazer Geologia também, inclusive, foi a minha segunda opção. Na época, você colocava a primeira opção pra UFMG e a segunda opção. A minha segunda opção à Metalurgia foi Geologia.
P/2 – E por que Metalurgia?
R – Veio o segundo grau e eu sempre gostei muito de Química, e Metalurgia, vamos dizer, basicamente é uma Química Inorgânica, vamos dizer assim. Eu gostava de Química e mais a Inorgânica do que Orgânica, e como a Metalurgia aplica muito os conceitos de Química Inorgânica e de Termodinâmica, as disciplinas que eu gostava, então, a minha decisão foi mais ou menos voltada... Além de ser uma tradição de Minas, a Metalurgia, você tem um mercado grande de siderúrgicas. Na época, já existiam em Minas a Usiminas, a Mannesmann, a Belgo Mineira, então, você tinha toda... E era, também, um curso bem conceituado na época, a UFMG vivia... Sempre a primeira escola de Minas tinha sido a Escola de Ouro Preto, que era tradicional em Metalurgia. Aí a UFMG, na época, investiu muito na formação de doutores e de mestres, Naquela época, ela tinha subido absurdamente o padrão de qualidade de ensino de Metalurgia, então, basicamente foi por essas... Eu fiz Mecânica na PUC porque não tinha Metalurgia, então, como eu tive que fazer uma opção e não tinha Metalurgia, eu fiz o vestibular pra Engenharia Mecânica, mas na UFMG eu fiz a opção para Metalurgia e a segunda para Geologia.
P/1 – Antes de contar do seu período na faculdade, conta pra mim da sua juventude, quais eram os lugares que você gostava de sair com os amigos, quais eram os lazeres...
R – Na minha juventude, o grande lazer... Eu tinha um primo que era músico e, naquele período, a gente vivia muito esse período de música, de rock. E esse meu primo era músico, ele formou alguns conjuntos em Belo Horizonte, é compositor. Hoje, ele é um dos grandes compositores de jingles de Minas Gerais, tem um estúdio. Na época, ele foi praticamente criado conosco, ele veio do interior com dezesseis anos, de uma cidade próxima a Teófilo Otoni, chamada Nanuque, e como a gente tinha uma idade próxima, ele é um pouco mais velho do que eu, tinha sido locutor de rádio no interior, então, ele veio pra Belo Horizonte estudar, mas ele não estudou porcaria nenhuma, ele só começou a participar de festivais, e eu fui seguindo como ele também. Ele se integrou a algumas turmas, eu tinha alguns colegas que mudaram de colégio e nessa mudança da Praça da Liberdade da PUC para o bairro Dom Cabral, que era um bairro distante, alguns colegas saíram por causa da distância e foram pra outros colégios, isso fez com que a gente interagisse, fizéssemos a interação entre turma diferentes, cujo elo eram os antigos colegas da turma do colégio da PUC. Aí ele também passou a interagir. Nesses colegas, você tinha músicos e acabou se formando um grupo, então. Uma atividade que a gente tinha muito era acampamento, nós acampávamos em vários lugares, acampamos em diversas serras, em rios, cachoeiras. A gente escolhia locais e saía meio que sem rumo mesmo: “Vamos pra tal lugar.” Mas não tinha nem passagem de volta, era tudo uma aventura. A partir de quinze anos de idade, eu fiz diversos acampamentos em reservas, na Serra dos Cipós, Serra da Piedade, Santa Bárbara, Lagoas. E fizemos um evento interessante, nós fomos fazer um acampamento perto de Santa Bárbara, perto de Barão de Cocais, também, onde é o colégio Carracci. Hoje até temos uma unidade lá que é a unidade de Santa Bárbara. Nós fomos acampar e éramos mais naturalistas, então a gente não levava barraca, a gente levava lona, esticava uma corda entre duas árvores e ficava ali embaixo, levava um saco de dormir, fazia comida, não levava fogão, era pedra, a gente montava com pedras… E nós fomos acampar na beira do rio, um rio muito bonito em Santa Bárbara, e depois que a gente montou tudo, chegou uma pessoa a cavalo e disse: “O que você estão fazendo aí?” “Ah, nós vamos acampar” “Toma cuidado, porque se eles abrirem a represa lá, vocês vão ficar debaixo d’água. Essa região fica toda inundada se eles abrirem a represa.” (risos) E aí a gente: “E agora? A gente desmonta tudo? O que a gente faz?” Fomos lá na hidroelétrica perguntar se eles tinham previsão de abrir a represa e eles disseram: “Não, não tão cedo a gente vai abrir a represa.” E a gente ficou. E esse acampamento marcou muito, porque foi numa Semana Santa, e aí, quando a gente estava pra chegar nesse local, nós atravessamos o rio... Você atravessa o rio, que batia aqui, e passamos as coisas de mão em mão, fazia um fila indiana e passava de mão em mão pra atravessar o rio. E na volta, quando a gente acabou de desmontar a barraca, começou um temporal, não parava de chover e a gente ficou debaixo da lona, esperando: “Vai passar, vai passar.” E não passava nunca. Aí, em determinado momento: “Agora vamos embora, não tem mais jeito.” E a gente já estava com fome porque a gente já tinha desmontado tudo, então a alimentação era leite em pó com um pouco de Nescau na boca, misturado na boca, e aí: “Agora não tem jeito, vamos embora.” Atravessamos o rio que já tinha subido, ao invés da água bater aqui, já estava batendo aqui. (risos) Passamos e chegamos todos molhados na estrada. Fomos tentar pegar um ônibus, era uma estrada de chão e só passava um ônibus num determinado horário lá. Aí, quando ele viu a gente todo enlameado porque tinha atravessado o rio, com lama, ele não parou. (risos) Nós tivemos que caminhar mais de dez quilômetros até a rodovia principal. Chegamos lá, todos os ônibus passavam cheios, final de Semana Santa, último dia de Semana Santa e nenhum ônibus parava. Quando deu oito horas da noite, a gente estava num posto esperando, aí passa um caminhão - me lembro até hoje-, um caminhoneiro de Recife, e nós convencemos ele a esticar até Belo Horizonte. Ele ia dormir lá e a gente pagaria todo o dinheiro que a gente tinha no bolso, que era a passagem mais o que tivesse, pra ele continuar até Belo Horizonte e dormir num hotel em Belo Horizonte com o dinheiro que a gente... (risos) E convencemos, aí fomos na carroceria do caminhão, debaixo da lona, chovendo... Ainda chegamos, sei lá, na madrugada, quase, em Belo Horizonte, e ele nos largou na Pampulha, que é uns dez quilômetros do centro, ainda. (risos) Nos largou lá: “Agora vocês ficam aqui e vão.” Ainda fomos à pé até as nossas casas, andando, num final de Semana Santa. E, assim, nós fizemos diversos acampamentos mais ou menos dessa forma, em fazendas, em cachoeiras, isso era o principal. E música, sempre tinha um festival, meu primo ganhou alguns festivais de cidade de interior. Então, quando tinha algum festival a gente ia em turma, ia assistir ao festival, dar apoio, depois eles sonorizavam. Eu também tive muitas vezes, acompanhei ele fazer a sonorização para músicas que iam tocar em Belo Horizonte, eu ia pra ser o assistente dele na sonorização, não ganhava nada com isso, ia só pra ajudar e assistir ao show de graça, ele fazia a sonorização... Então, a vários shows que foram feitos em Belo Horizonte e que ele sonorizava, eu ia com ele, assistia. Era a vida, assim, meio boêmia mesmo, a gente saía à noite, os ônibus em Belo Horizonte paravam de circular meia noite naquela época, não tinha mais circulação, então a gente voltava a pé pra casa de onde estivesse. E ele, com o violão, onde tivesse aberto um bar, parava-se, tocava-se um violão ali, sentava-se, tomava-se uma cerveja e chegava-se, às vezes, em casa, quatro horas da manhã, cinco, aos finais de semana. E, fora isso, tinha o esporte também. Como eu tive uma proximidade ali com o Cruzeiro, a gente esteve ali. Meu pai foi conselheiro do clube também, eu tinha um vizinho que chegou a ser diretor, então, a gente vivia muito essa parte da vida esportiva do clube, frequentava estádio, o próprio presidente era nosso amigo, foi por muitos anos presidente e por muitos anos nosso amigo, e a gente tinha toda essa mordomia de frequentar a concentração, vestiário... Então, tivemos, também, todo esse envolvimento durante esse tempo.
P/1 – Teve alguma vitória do Cruzeiro que mais te marcou?
R – Ah, tive várias, eu conheci jogador, por exemplo, eu ia buscar jogadores novos que chegavam pro Cruzeiro. Eu convivi numa fase áurea, ao contrário de hoje.... (risos) Uma fase áurea, que, pô... Com Nelinho, com Tostão, Piazza, Dirceu Lopes... Foram vários filtros ali... Eu era garoto quando o Mineirão estava sendo lançado, meu pai comprou cadeiras cativas, então, a gente tinha cadeiras cativas no estádio, ia a praticamente todos os jogos. Depois que ele ficou conselheiro e ligado ao presidente, então, a gente tinha uma... São várias... Talvez a que mais tenha me marcado foi a Libertadores de 1976, que foi a primeira, tinha o Jairzinho jogando na época também, no Cruzeiro, era muito legal, eu frequentava... A gente ia ao vestiário depois dos jogos, eu voltava... Era interessante porque esse nosso amigo era tesoureiro, depois ele foi diretor financeiro do Cruzeiro e a gente vinha com a renda no carro dele, pegava uma mala de dinheiro, malas de dinheiro, e ele levava pra depositar no banco no dia seguinte, carregava a mala de dinheiro, esperava receber e levava pra casa pra depois, no dia seguinte, para depositar.
P/1 – E, Carlos, o seu primo músico, que tipo de música ele tocava? Que tipo de lugar eram os festivais?
R – Ele tocava mais no início rock, depois eles formaram um conjunto de música típica, música típica brasileira, um conjunto mais de... Começava aquelas músicas, também, meio de protestos. Esse primeiro conjunto deles chamava-se Ingazeira, você já vê que é bem regional o nome, e ele tocou, chegou a gravar alguns CDs próprios, autofinanciados e ganhou um Prêmio Sharp, em São Paulo. Mas ele toca música variada desde versões do Stevie Wonder até composições próprias de blues, de rock, música variada.
P/1 – Agora me conta, como foi o vestibular? O processo de entrada na faculdade... Você prestou PUC e UFMG, conta um pouquinho.
R – No processo de entrar na faculdade, bom... Eu fazia o segundo grau da católica e, naquela época, a católica não tinha um cursinho integrado, então eu fui fazer um cursinho em Belo Horizonte, chamava-se Palomar, eu estudava na parte da tarde na católica e fazia à noite, das sete às onze da noite. Eu fazia o cursinho e comecei a frequentar... Ele era no centro de Belo Horizonte, ou seja, eu saía do bairro Dom Cabral, que era bem distante, e ia pro centro, chegava, emendava direto, ficava até onze da noite e fiz lá. Aí, quando eu comecei a frequentar, eu percebi que a minha base do colégio tinha sido muito boa porque eu não tinha dificuldade e consegui ver que muitas pessoas tinham, aí eu fiquei relativamente tranquilo, fiquei tão tranquilo que eu não estudei muito pro vestibular e meu pai ficou extremamente preocupado com isso, ele achava que eu não ia passar porque eu continuava a acampar, fazer... Mas eu fiquei tranquilo, eu chegava, os exercícios do cursinho eu fazia lá mesmo, então, nesse ínterim que eu chegava do colégio, eu não levava mais nada pra casa, a não ser as coisas do próprio colégio. Eu fiz o primeiro vestibular na PUC, o resultado veio, passei, aí eu fiquei mais tranquilo ainda, eu passei a nem ir direito às aulas do cursinho e falei: “Agora não vou mais, já passei, o próximo, se vier, é lucro.” (risos) Agora, o interessante é o seguinte, na véspera do vestibular da Federal, um cabelo inflamou no cotovelo, meu cotovelo ficou desse tamanho, praticamente meu braço não mexia, começou aqui a inflamar e foi infeccionando, e eu fiz mais ou menos assim: entrei no vestibular e fiz, passei mal, estava com febre no dia, com tudo, mas falei: “Acho que fiz bem.” E deu certo. Agora, é interessante como eu recebi o resultado do vestibular, eu fui pra uma fazenda de um amiga no sul de Minas, em Paraguaçu, e iam divulgar o resultado do vestibular. Nós fomos pra lá, estávamos lá, era uma fazenda isolada, uma de plantação de eucaliptos, muito bonito, um lago bonito, uma casa antiga, e foi divulgado o resultado, só que o meio de comunicação era um telefone de manivela. Na época, ainda, você rodava e falava com a telefonista, então, como é que a gente soube do resultado? Eu e mais uns dois ou três tínhamos feito vestibular, nós éramos quatro, aí nós ligamos para a telefonista por aquele telefone de manivela: “Você está com jornal aí? Tem jornal aí?” Ela: “Tenho” “Então olha a lista do vestibular aí, olha o curso tal.” (risos) Assim ela foi lendo, dois passaram e dois não passaram. (risos) Então, depois disso foi uma festa, uns bebendo pra comemorar e outros bebendo de tristeza por não terem passado, metade bebendo... (risos) Mas foi assim que a gente soube. Disso eu me lembro até hoje também, a telefonista olhando o jornal, lendo pra gente e dizendo: “E fulano?” Tinha os outros colegas: “Olha mais se fulano passou.” E ela na linha conosco, lendo o jornal e passando.
P/1 – E a sua entrada na faculdade, como foi? Como foram os primeiros anos, as matérias com que você mais se identificou?
R – Na faculdade, a Federal tem um ciclo básico que era feito no campus da Pampulha, eram dois anos de ciclo básico e três anos ciclo profissional, que é feito para os engenheiros na escola de engenharia, que é no centro de Belo Horizonte. Então, o ciclo básico é a novidade. É um campus muito grande que a Universidade Federal tem lá, eu acho que foi tranquilo, ali eu me identifiquei muito com informática, que era o início de computadores. Vocês não pegaram isso, mas era perfurando o cartão, a gente tinha que fazer programa... Não é igual hoje, que você pega um software pronto, bota os números e dá um resultado final. A gente tinha que pegar o problema, fazer o programa, perfurar os cartões, rodar e, se desse erro, você voltava pra corrigir o erro, substituía cartão, rodava de novo. E para isso era um computador pra toda a universidade, então, pra você conseguir entrar na fila, a gente, às vezes, chegava cinco, seis horas da manhã lá no computador pra poder rodar os programas. Mas eu gostava muito. Nesse período eu ganhei muito dinheiro, inclusive, fazendo programa pros outros, os trabalhos que os outros não queriam fazer... (risos) Pra quem não tinha jeito, eles me pagavam para fazer o trabalho pra eles, então eu fiz muitos trabalhos para outras pessoas, mas chegava cinco horas da manhã, seis horas da manhã pra poder entrar na fila no início lá, pra pegar a máquina de perfurar cartões e colocar. E tivemos as matérias básicas, cálculo e outras coisas, também, que eu me lembro que foram marcante. A minha turma de cálculo numérico foi a primeira a trabalhar com calculadora ao invés de régua de Cálculo na UFMG. Quer dizer, era a primeira turma que passava a utilizar calculadora, admitia-se calculadora ao invés da famosa régua de Cálculo. E lá era um lugar muito interessante, era um lugar amplo, você tinha a área grande... Lembro ainda de quando nós tínhamos aqueles shows, aquelas famosas edições clandestinas do jornal Movimento, greves de protesto contra a revolução, shows, como o Sérgio Ricardo, que era um cara extremamente perseguido na época, era de esquerda, então tinha shows ali no pátio seguidos de greve. Nós tivemos muita movimentação ali, ainda, nessa época, porque eu entrei em 1976 lá, então, fiquei 1976 e 1977, a gente estava ainda com a revolução bem forte, com muita restrição, muita restrição em liberdade de imprensa, comunicação, então, quando se cassava uma edição do movimento, ela logo aparecia lá dentro, o pessoal dava um jeito e já circulava lá dentro. Foi uma fase interessante, ali a gente teve turmas misturadas, não era só de Engenharia Metalúrgica, você tinha também Engenharia Química, pessoas de Química, nesse período. Algumas pessoas trocavam de turma, em contato com a turma, porque ficam mais ligadas a pessoas de uma turma... (risos) Não pelo desejo de... Como a decisão, às vezes, é muito cedo e você não está muito certo do que quer, então, por afinidade pessoal, algumas pessoas trocaram. Então, havia pessoas que eram de Química e vieram fazer Metalurgia, e no nosso curso ninguém deixou, não, nós tivemos mais adesões. Aliás, nenhuma perda e algumas adesões.
P/1 – E durante esse período de faculdade, você chegou a pensar alguma vez em trabalhar com gás?
R – Não, jamais, meu pensamento era todo voltado à Metalurgia, porque era, vamos dizer... Minas era o principal centro siderúrgico do país, então, jamais, na época, eu pensei em trabalhar com gás, não. Eu não tinha a menor perspectiva de trabalhar com gás, porque o grande mercado pro metalurgista são as empresas metalúrgicas, siderúrgicas, e o gás, vamos dizer, é uma aplicação nessa indústria, é aplicado na indústria siderúrgica e metalúrgica.
P/1 – E você fez algum estágio durante a faculdade?
R – Fiz, eu fiz na Usiminas, em Ipatinga, um estágio de férias, e fiz estágio numa empresa que se chamava Cimetal, na época, também, um estágio mais longo, de férias também, mas mais longo. Essa Cimetal, hoje, é a Gerdau, é do grupo Gerdau, que era uma empresa mineira, na época, do grupo Hime, e foi depois Cimetal, que eram engenheiros, dois irmãos que se uniram a outra pessoa, saíram da Belgo-Mineira e compraram essa siderúrgica da Hime, e que hoje é a Gerdau Barão de Cocais, que é nosso cliente, que é cliente da White Martins. Eu fiz estágio lá e tinha, inclusive, uma planta, ali foi o meu primeiro contato com uma planta de separação de ar. Era muito interessante porque era uma planta muito pequenininha e você via o oxigênio no banho, um azul lindo, azul claro lindo, ali, líquido, à temperatura criogênica. Diferentemente das nossas plantas, onde você não tem contato com o produto, lá, não. Lá você chegava a ver o produto nessa planta, foi o primeiro contato que eu tive com o oxigênio líquido e aplicação para produzir aço, porque na época eles tinham um equipamento, tudo pequenininho, era o menor convertedor de aço - que a gente chama de LD com injeção de oxigênio - no mundo, na época. Era espanhol e tinha acabado de ser, vamos dizer, instalado lá, em Barão de Cocais.
P/2 – Como é que é a aplicação do gás nesse aparelho, nesse equipamento? Pra que serve, como é feito?
R – Nesse aparelho, o que acontece é o seguinte, como é o processo de produção de aço? Você produz primeiro o ferro gusa, nesse processo em alto-forno, o ferro gusa tem um teor de carbono mais alto e o aço é uma liga de ferro com carbono, mas com teor de carbono mais baixo. O que você faz no que a gente chama LD é um processo que foi criado na Áustria e Alemanha, Lins e Danovitch, duas cidades, uma da Alemanha e outra da Áustria, onde o processo foi desenvolvido. Hoje o pessoal chama de BOF, Blast Oxygen Furnace, forno de oxigênio. Você, então, injeta o oxigênio para reduzir, oxidar uma parte desse carbono e as outras impurezas. Então, o que acontece? Na reação, o carbono vai virar CO2, CO, CO2, e algumas impurezas, alguns metais vão virar óxidos que têm uma densidade diferente do metal, elas vão sobrenadar, você remove o que a gente chama de escória e fica com o metal, vamos dizer, com o aço, teoricamente purificado. O processo funciona assim: o oxigênio funciona como oxidante do que você quer eliminar como impureza ali do metal que você deseja.
P/1 – Me conta um pouco das suas funções na Usiminas e depois na Cimetal.
R – Na Usiminas eu trabalhei na fundição. Na verdade, a Usiminas não tem uma fundição para vender produto, é que ela é uma empresa tão grande que ela tem uma fundição só para produzir peças de reposição para ela, então, eu trabalhei nessa fundição, lá eu tive o primeiro contato com o equipamento com que eu fui trabalhar na White Martins, que era um forno elétrico. Então, eram vários fornos elétricos, um pouco diferentes dos nossos, porque eles trabalhavam com sucata, um forno elétrico que você refunde o metal, refunde sucata, e tinha outros tipos de fornos, como fornos de indução, indução elétrica, e lá se produzia, basicamente, peças para reposição e, fundamentalmente, o que a gente chama de ventaneiras de cobre, que é a peça onde o ar, e às vezes o oxigênio, é injetado no alto-forno pra você produzir o ferro gusa, que vai ser a matéria prima principal pro aço depois. Lá, a cultura era fortemente japonesa, porque a Nippon Steel era sócia da Usiminas, então, eu tive o primeiro contato com a cultura da qualidade, todo mundo vestido igual, do presidente à... Aquele mesmo ritual das empresas japonesas, a Usiminas era uma empresa estritamente, altamente disciplinada, é uma disciplina bem oriental mesmo, seguindo mesmo os princípios da Nippon Steel. Tinha, inclusive, técnicos da Nippon Steel e eu, dentro do setor. Então, a gente fazia reuniões, eu participava, foi muito interessante. Eram muitas pessoas de diversas escolas, nível secundário, nível técnico e nível superior. A gente ficou num hotel ao lado de um campo de futebol imenso, então, a diversão também era futebol, praticamente. Era um calor insuportável, que Ipatinga faz um calor insuportável, mas foi muito interessante, era um estágio em que você não fazia nada, você era um observador, tinha que fazer um relatório, mas foi interessante por causa disso. Já na Cimetal, como era uma empresa pequena, eu tive que fazer um trabalho, foi meu primeiro trabalho. Eu fiquei no setor de laminação. A Cimetal produzia o que a gente chama de aços não planos, vergalhões e cantoneiras para construção, e era um equipamento muito antigo. Você tinha risco nessa área porque tinha esse laminador, ele vinha e você, de vez em quando, tinha um encaixe que era feito... Você vem, basicamente, com o lingote de dimensões maiores, o laminador vai afinando isso pra fazer um vergalhão redondo ou uma cantoneira e a conexão entre essas fases do equipamento. Era como se fosse uma máquina de macarrão, você vinha afinando, era a mesma coisa, só que a conexão do equipamento, que era muito antigo, tinha mais de cem anos, era manual, então, quando saía desse, ele tinha que pegar com uma pinça, o funcionário, e jogar lá. De vez em quando, ele errava, essa barra de material quente subia e ficava a metros de altura. (risos) Tinha que sair todo mundo correndo. Com, essa era a área, agora, o meu trabalho era o seguinte, eles tinham que fazer essa movimentação no material com ponte rolante, só tinha uma ponte rolante, e o trabalho que eles me deram foi fazer um estudo de tempos de movimento pra ver se justificava o investimento em uma outra ponte rolante para fazer a movimentação de material dentro do setor. Aí eu tive que fazer o trabalho, inclusive, em turnos, ficar um período do meu estágio de manhã, depois à tarde, depois à noite e terminar todo esse estudo de tempos e movimentos para justificar. Foi justificado e a ponte foi instalada. É interessante que eu também conheci uma pessoa que trabalhava na área de alto-fornos e posteriormente veio a trabalhar na White, ele já era engenheiro formado, eu conheci visitando, e essa pessoa, depois, foi ser nosso colega no carbureto, na White, anos depois.
P/1 – E na laminação, o gás entrava em alguma etapa?
R – Não. basicamente, o gás entra, vamos dizer, na siderurgia, em algumas mais especializadas. vamos dizer, o grande volume ou entra no alto-forno, para produzir gusa, para enriquecer o sopro. Normalmente, você sopra ar, mas se você quiser ganhar temperatura e produtividade, você enriquece com o oxigênio, então, você sopra um ar enriquecido com oxigênio. E o outro grande consumo de oxigênio é a aciaria, o maior consumo. O outro é de nitrogênio, que todos os equipamentos, quando você pára, normalmente precisa inertizar, porque em todos esses processos metalúrgicos, normalmente, você produz CO, monóxido de carbono, que é um gás venenoso, tóxico e asfixiante também, o CO2, que é asfixiante. Então, quando você pára um equipamento desse e vai fazer uma intervenção nele, você tem que inertizar, tem que botar uma atmosfera, substituir aquele gás por outro gás inerte para não ter risco de explosões e esse tipo de coisa. E aí o nitrogênio também é muito usado, você tem algumas aplicações específicas para hidrogênio em que você usa um processo específico, argônio, e não é o caso dessas duas empresas em que eu estive, mas existe um processo com argônio, que é um processo desenvolvido pela Union Carbide, antiga acionista da Praxair, de onde nasceu a Praxair. Esse processo deixa no ar o oxigênio decarburization, é um equipamento especial que foi desenvolvido por um engenheiro da Union Carbide e tem outras aplicações, mas, fundamentalmente, as de maior volume, são essas aí.
P/1 – Carlos, agora conta um pouquinho pra gente, o desenrolar da sua trajetória profissional depois desses dois estágios. Como foi?
R – Bom, eu me formei, acabei de me formar, aí eu tirei umas férias, estava de férias quando me chamaram. Me formei em plena crise com uma tremenda falta de empregos, nós estávamos na segunda grande crise do petróleo. Pra vocês terem uma ideia, quando eu entrei, em 1976, nós visitamos o pessoal que estava se formando na faculdade e eles tinham quatro, cinco, seis propostas de emprego. Cinco anos depois, quando eu me formei, em 1980, ninguém tinha quase nenhuma, porque estava em plena crise do petróleo. Então, naquele tempo, eu falei: “Olha...” Fiz alguns contatos e falei: “Olha, não vai sair tão cedo.” Fui pra praia, pra Alcobaça, estou lá, quando eu cheguei na praia: “Volta aqui porque tem uma empresa te chamando.” Aí eu voltei pra Belo Horizonte. Essa empresa era uma siderúrgica de uma cidadezinha perto de Belo Horizonte, Sete Lagoas, que tem várias empresas siderúrgicas que produzem ferro gusa, praticamente, só que era uma empresa sem estrutura nenhuma, então, eu comecei lá. Trabalhava, inclusive, sábados, muitas vezes à noite, e eu comecei trabalhando no primeiro dia. Eu fui chamado porque eu tinha um colega que era brilhante, foi o primeiro aluno da turma, e eu tinha uma relação boa, nós fazíamos trabalhos juntos e tal. E esse meu colega, o pai dele era o grande projetista de auto-fornos de Minas Gerais, de pequenos auto-fornos. Essa empresa chamou-o e ele falou: “Não, eu não vou porque eu...” Ele projetou, durante a escola, uma fundição pra ele, ele sozinho projetou tudo, inclusive prédios e tudo, e ele já saiu da escola pra montar essa fundição com o pai e dois filhos, então, ele me indicou, falou: “Eu não vou, mas estou indicando essa pessoa pra você.” Eu fui, comecei lá em plena crise e aí já não entendi: “Por que me contrataram?” O campo de futebol tinha sido coberto de produto que não conseguiam vender, mas comecei, entrei, tinha três auto-fornos, trezentos funcionários, e não tinha nem organograma, quem desenhou o organograma fui eu. Depois, de trezentos funcionários, dez em liberdade condicional, e eu entrei no seguinte: parando um equipamento e botando outro em operação, fiquei 72 horas dentro da unidade, e assim foi. Era um trabalho muito difícil, sem recursos, o pessoal não tinha formação, os donos eram de outro ramo de negócio, um era dono de uma rede de açougues, outro era dono de um hotel nessa cidade, outro era fazendeiro e outro tinha uma recapagem. Eram quatro sócios, então, eles não entendiam absolutamente nada do negócio, só sabiam que o negócio, na época, todo mundo fazia. Quem tinha dinheiro ia lá, colocava, fazia e exportava gusa, então, você tinha benefícios fiscais, incentivos fiscais para plantar florestas e tal, era carvão vegetal. O que, vamos dizer, me ajudou aí, foi o meu primeiro contato com o carvão vegetal, que viria a ser depois, quando eu entrei na White, na parte de carbureto, uma das principais matérias primas para produção de carbureto. Era essa luta, tirando funcionário da cadeia, um batia o carro, era uma confusão. E eu ainda ficava responsável pelo transporte, então, o pessoal tinha uma transportadora que trazia o minério de ferro pra eles, sumia motorista, desaparecia e você tinha que procurar onde estava. Imagina um recém formado entrando numa empresa dessas condições. (risos) Mas eu ainda consegui desenvolver alguns trabalhos, tive que acertar a parte de análise deles, o laboratório suava ácido, porque o ataque pra você fazer a análise, seja do gusa, seja do minério, é com ácido, então, como não tinha a exaustão adequada, você tinha a condensação de ácido nas paredes. Até que eu me desentendi com o diretor industrial, que era filho desse dono que era açougueiro, veio de uma rede de açougues e não entendia nada, e um belo dia ele mandou cancelar, depois de eu fazer aquele esforço todo de acertar a análise de matéria prima deles, ele disse que não precisava daquilo pra fazer cálculo, o que a gente chama de cálculo de carga, para você obter o produto desejado. Aí eu me desentendi e saí, com cinco meses eu saí de lá. Acho até que suportei muito. Quando eu saí, voltei a fazer contato com os colegas e teve um colega meu que disse: “Olha, eu estava tentando a White Martins, eu sei que tem uma vaga aqui em Belo Horizonte pra parte de processos, um primo meu está trabalhando lá, só que eu recebi um convite de uma outra empresa do norte de Minas e até foi indicação de um professor nosso. Por que você não vai?” Aí eu me inscrevi e fiquei aguardando. Sei que eu saí no finalzinho de agosto, me inscrevi e quando foi no início de dezembro, recebi uma ligação da White aqui do Rio dizendo que eu... Aliás, talvez até um pouco antes, no final de novembro, porque eu vim aqui ao Rio dia treze de dezembro para fazer a entrevista lá no centro: “Olha, no dia tal esteja aqui pra fazer as entrevistas.” Era pro projeto Iguatama, que eu nem sabia onde ficava, apesar de ser em Minas. “A área é Carbureto de cálcio, a gente está contratando gente pra treinar pra ir pra lá.” Aí eu fui pra faculdade, fiz uma pesquisa sobre o processo de produção de carbureto, encontrei alguma coisa na biblioteca da universidade, procurei me localizar de onde era Iguatama e vim. Aí eu vim, passei por uma primeira entrevista com o então responsável pela operação toda da época, o Hélio Guimarães, pelo futuro gerente da fábrica, que se chamava Dias Pereira, pelo gerente de recursos humanos, Eugênio Garcia, e, finalmente, pela pessoa que ia ser encarregada do nosso treinamento, que era um italiano que chamava-se Franco Cadorim. Eu sentei com ele e a primeira coisa que ele me fez foi o seguinte, pegou um papel e me mostrou: “Isso aqui pra mim não é nada.” Eu falei: “Mas o que é isso?” Era um telegrama do Ministro, da época, de Minas e Energia, César Cals, (risos) pedindo a minha contratação, que eu não sabia. O que aconteceu foi o seguinte, eu tinha um primo que era assessor do Ministro em Brasília e, por acaso, ele ligou e perguntou o que eu estava fazendo e tal: “Ah, ele está tentando, ele se inscreveu na White Martins.” Então, ele foi lá e mandou. (risos) Eu não sabia de nada, aí começou nesse clima, ele querendo... Ele era terrível, foi nosso primeiro chefe, mas ele: “Ah, não quero...” Mas aí a conversa foi. Fui visitar a empresa em que esse meu amigo, que me indicou para White Martins, foi trabalhar, no norte de Minas. Lá eu almocei com ele e com outras pessoas que estavam lá com ele, e tinha uma pessoa em estágio, que se chamava Giovanni, Giovanni Cadorim, e a conversa foi desenvolvendo. Ele falou: “Meu filho está fazendo...” Aí eu falei: “É o Giovanni?” Aí ele: “Você conhece meu filho?” (risos) Aí eu falei: “Conheci. Se é o Giovanni, conheci há pouco tempo.” Aí ele se desarmou completamente: “Então, é o seguinte: você passa amanhã em Barra Mansa.” Não estava previsto nada, era pra eu vir pro Rio: “Amanhã você vai conhecer a fábrica.” No dia seguinte, dia catorze, eu tive que pegar um ônibus e ir pra Barra Mansa. Entrei lá na fábrica, um calor insuportável, e ele já me botou pra... Pegou uma pessoa lá, depois, que já estava contratada, era um engenheiro experiente, tinha trabalhado com ele também no norte de Minas, e falou: “Mostra a fábrica pra ele.” Aí eu saí andando a fábrica inteira. Terminamos e ele falou: “Agora você pode voltar e voltar pra trabalhar.” Assim. E fui no pessoal de RH, o pessoal de RH fez o contrato: “Não, olha só, você tem que fazer os exames primeiro, você não pode vir trabalhar sem os exames aqui.” Aí eu não falei mais com ele. O pessoal de RH: “Você vai pra Belo Horizonte, pra nossa unidade de Belo Horizonte, lá você pega os exames que tem que fazer, faz e depois você se apresenta.” Fui, peguei os exames necessários... Tinha feito os exames só que, na época, pediam um eletroencefalograma, não sei pra quê, mas pediam, e esse eletroencefalograma só ia ficar pronto no início do ano seguinte, seria o primeiro dia útil pra ser contratado e o setor de Rh achou ótimo: “Ah, tudo bem, você começa no dia quatro de janeiro, primeiro dia útil, traz os exames e começa dia quatro.” Eu estou lá em Belo Horizonte, aguardando pra passar o Natal, o Ano Novo, aí eu apresento. E numa sexta-feira no dia seguinte, anterior a isso, dia dezoito de dezembro, ele me liga numa sexta e diz o seguinte: “Se você não estiver aqui até domingo, não precisa vir mais.” (risos) Aí eu pego, compro uma passagem, amanheço num domingo de manhã em Barra Mansa e vou pra fábrica: “Você está contratado.” Ele me recebe e me bota pra trabalhar, eu começo a trabalhar com ele normalmente, entendeu? Aí, na segunda ele chega pro RH e diz assim: “É pra contratar ele.” Ela fala: “Não vou contratar sem o exame.” Eu fiquei trabalhando uma semana com a briga entre ele e o RH, me contrata e não me contrata, uma coisa inimaginável hoje, e eu lá trabalhando normalmente. Aí chega a outra segunda-feira, esse gerente, que era o gerente principal, o Hélio Guimarães, fala assim: “Olha, perdi a paciência, contrata ele logo que eu não aguento mais esse italiano aqui.” (risos) Falou pro RH: “Contrata logo. Depois, se der errado, vocês demitem depois. Contrata logo.” Aí, o que aconteceu? Não tinha mais passagem pra eu retornar no Natal, não tinha passagem pra eu retornar no Réveillon, então, eu passei a noite do Natal viajando e a noite do réveillon viajando, nesses dois períodos. Porque chegou o Natal que, se eu não me engano, era... Acho que era uma quinta ou sexta, aí eu não trabalhava, eu falei: “Vou ficar fazendo o quê aqui em Barra Mansa? Mal cheguei, vou fazer o quê num hotel?” Aí tive que viajar na noite de Natal, cheguei quatro horas da manhã em Belo Horizonte, já era dia 25. No réveillon eu também cheguei, estava com ingresso... Eu estava o seguinte: com o réveillon marcado no Grande Hotel de Araxá. Cheguei e não tinha mais como ir, eu cheguei eram dez horas da noite em Belo Horizonte, não dava mais pra eu ir pro Grande Hotel de Araxá. E assim foi a minha entrada, já foi tumultuada, já foi motivo de confusão. (risos) Aí nós começamos, foi se formado um grupo. Na época, esse grupo era realmente para operar a fábrica de Iguatama, e tinha uma previsão de seis meses só, ficamos em treinamento só seis meses. Quer dizer, no meio do ano já estava sendo iniciada a operação de Iguatama, veio a crise, aí pronto, não tinha mais dinheiro pra se tocar o projeto, o projeto parou. Então, o que a gente fez? Primeiro, eu fiquei no hotel com uma pessoa que hoje é o gerente de Iguatama, o Gilson Menezes, e depois nós alugamos um apartamento - eu, o Gilson e um outro engenheiro, que era o Roberto Francisco - e compramos tudo pra três meses: cama da pior qualidade, colchão da pior qualidade, pra ficar três, quatro meses. A gente não ia levar isso pra lá e aquele tempo foi se alongando, então, a cama desarmava, de vez em quando ela abria a noite e caía no chão, foi muito interessante. Como o projeto não saía, aliás, nem se iniciava, uns dois anos e pouco depois, o pessoal da chamada engenharia de carbureto de cálcio e nós formamos um grupo que era de engenharia de processos. A nossa missão inicial foi, primeiro, sermos treinados, depois, era contratar técnicos que iam operar a fábrica, de nível médio e dar aulas pra eles, formar os técnicos. Então, a gente deu aula de Matemática, de disciplinas básicas e também de Metalurgia e Eletrotécnica. Nós tivemos treinamento, também demos treinamento e fazíamos a seleção. Naquele tempo era sempre um processo traumático no qual você tinha que eliminar as pessoas. Você tinha que dar o treinamento, aplicava testes e depois dizia quem fica e quem não fica. Esse processo durou um bom tempo, como o projeto atrasou, as pessoas que não queriam mais esperar, mesmo as que não eram escolhidas para sair. Aí a gente teve que contratar outra turma e essa contratação era feita em escolas de nível médio. Técnicas foram feitas em Minas Gerais, tinha-se um grupo já sabendo que não ficariam todos, era tipo uma seleção mesmo, de acordo com o que ia se desenvolvendo ali durante os treinamentos. E era sempre um processo traumático, porque você acabava se relacionando com eles, era todo mundo solteiro, começando a trabalhar, jogava futebol junto e você tinha que escolher alguns pra ficar e outros pra sair. Assim foi formada a equipe.
P/2 – Quando vocês foram contratados pra fazer a implantação da fábrica de Iguatama, na verdade, ela tinha sido uma planta que já tinha sido construída e organizada antes ou não?
R – Não. Na verdade, esse projeto foi concebido no início da década de 1970, depois da primeira crise do petróleo como o acetileno é produzido a partir do carbureto, produzido a partir do carvão vegetal. O Brasil produzia quase nada de petróleo, era extremamente dependente, então, a ideia era substituir o gás natural, o GLP principalmente, por acetileno. Era pra economizar petróleo, no caso, GLP e petróleo. O gás natural era muito incipiente na época, o uso, e isso foi feito, diversas indústrias constituíram o LP, existia uma comissão interna de conservação de energia em que você tinha que propor pro governo, de consumo de diesel, consumo de LP, e alguns consumos foram proibidos. O de LP na siderurgia, por exemplo, que a gente... Quando você produz a chapa de aço, se chama escarfagem, que é a limpeza superficial da chapa, que era feita com GLP. Foi proibido utilizar o GLP e muitas siderúrgicas passaram a usar o acetileno. Então a gente, nesse projeto, um dos primeiros trabalhos que nós fizemos foi preparar toda uma apresentação com o ciclo de produção para o Ministério de Minas e Energia do Brasil, na época. Então, era uma coisa alinhada com a estratégia, tanto que a fábrica de Cubatão foi idealizada para um forno no início e, depois, dois, até três anos, nunca aconteceu, mas essa era a previsão original. Então, a fábrica foi concebida para sustentar esse crescimento em decorrência da primeira crise do petróleo, só que ela vai se desenrolando. Ela começa a terraplanagem, se eu não me engano... Não, ela começa o projeto em 1975, mas só em 1979 se inicia a terraplanagem do terreno lá, e aí vem a segunda crise. Quando veio a segunda crise, faltou o quê? Dinheiro pra terminar a planta. E aí, a história que eu sei, que contam, é que veio a época de 1980 e um diretor financeiro, que era considerado um gênio da Union Carbide, um espanhol, Ricardo Estevam, ele vem e faz o que eu vi num livro de contabilidade, hoje é um case de contabilidade, dos primeiros, se não o primeiro, leasing break do Brasil. No que consiste isso? Ele vende o que está construído pro banco Itaú, recebe esse dinheiro,, com o dinheiro ele termina a fábrica e recompra via leasing depois. A fábrica começa a produzir, pagando já com o resultado do negócio em operação e aí viabiliza o fim da fábrica nesse período. O que acontece? Começa-se a ativar de novo o projeto. E eu vim descobrir depois, também, que eu e mais esse outro amigo meu, o Alberto, que morou conosco, nós éramos o stand by da turma. E aí veio uma oferta pra gente vir como gerente de processos aqui da engenharia pra fábrica, aí em novembro de 1983 eu e ele nos mudamos, dia primeiro de novembro de 83. Nós viemos transferidos aqui pra trabalhar na matriz, na área de Engenharia, na Mayrink Veiga, e nesse período eu desenvolvi a parte de projetos, processos do tratamento de efluentes da unidade, desenvolvi para Barra Mansa, a gente desenvolveu ainda vários trabalhos pra Barra Mansa, que estava em plena operação, e depois a gente vai pra Iguatama, efetivamente, pra fazer a parte que a gente chama de check out, que é o cheque dos equipamentos, comissionamento e partida da fábrica. Mas foi muito interessante ainda em Barra Mansa, nossos primeiros trabalhos, além desse aí, dessa apresentação que eu me lembro bem, por encomenda da comissão interna de conservação de energia, me foi encomendado um trabalho de eliminar o consumo de diesel. Depois, tínhamos um sistema de despoeiramento que foi comprado de uma empresa norueguesa, chamada Elkin, que não funcionava, o pessoal da fábrica não conseguia colocar em operação. Aí a White contratou um instrutor técnico, esse Hélio Guimarães, que era, então, o nosso gerente chamou o italiano que era o nosso chefe, o Franco Cadorin, e disse: “Olha, eu quero que você colha uma pessoa e essa pessoa vai ter que saber até a especificação dos parafusos desse equipamento depois que ele for embora.” E eu fui escolhido pra isso. Então, um dos trabalhos que eu fiz foi esse, aprender com esse norueguês e colocar aí depois, vamos dizer, virar uma espécie de especialista do equipamento.
P/2 – Que era pra lavagem?
R – Lavagem e recuperação do gás. Isso é um grande, vamos dizer, é o que trazia grande vantagem econômica pra fábrica e pra gente, porque esse gás que sai do forno de carbureto, ele é um gás combustível, então, além de estar jogando o particular na atmosfera, você também perdia um gás combustível, você perdia energia. Então, quando você lavava esse gás, você injetava ele como combustível no forno de calcinação, que é onde o produto é cal, que é a matéria prima pra depois eu colocar no forno de carbureto. Você integrava a fábrica e dava a ela uma grande vantagem competitiva em relação aos concorrentes, que não tinham, inclusive, esse sistema, mas esse equipamento. Eles não conseguiam colocar em operação, então o forno não se fechava, ficava perdendo... Ligava, desligava, ligava, desligava, e a nossa missão foi, então, dar, vamos dizer, continuidade operacional a esse equipamento.
P/2 – É isso que você chamam de fechar o forno?
R – Isso, fechar o forno. Fechar. Mas, pra fechar, eu tenho que ter exaustão do gás de tratamento, se não, não adianta fechar.
P/2 – Agora eu entendi o que é fechar o forno. (risos)
R – Fechar o forno porque o padrão é o seguinte, os fornos de caloria... Você tinha os mais antigos na época, que eram abertos. O que significa aberto? Não tem tampa. Então, todos os gases eles, vamos dizer, jogados na atmosfera, sem tratamento algum. Quando você fecha, você tem que ter um sistema que faça a exaustão desse gás, mas tem que ter a lavagem deles também aí esse foi o trabalho, a gente conseguiu colocar ele em operação num bom nível de operação e aprender. Escrevemos todo um manual de operação e os trabalhos são sempre em grupo. Nesse trabalho eu tinha essa segunda pessoa, que é o Roberto Francisco, a gente trabalhava na mesma sala, ele é engenheiro mecânico e eu de metalurgia, e a gente se complementava nesse trabalho. Depois, a gente teve também um trabalho muito importante, esse eu fiz diretamente, pessoalmente com o Eduardo, que veio com vocês. Como eu vim de uma formação escolar da faculdade de Minas Gerais de metalurgia, que é muito voltada para metalurgia extrativa, então, o auto-forno, forno elétrico, isso é diferente do estado do Rio, São Paulo., uma que a gente chama de metalurgia física, que é metalografia, tratamento de aço, essas coisas mais ligadas à própria estrutura do aço, não à produção. Então, a gente tinha, eu tive um professor que era o Pablo, em fornos elétricos, e a gente começou um trabalho que foi desenvolver o que a gente chama de curvas características do forno elétrico, são as curvas que mostram pra você. Então, o segredo de um forno elétrico consiste em você colocar o eletrodo que funde a matéria prima aqui a uma distância em que você vai ter o menor consumo de energia possível para produzir o seu produto. No caso, o nosso era carbureto de cálcio. Então, você precisa dessas curvas. Depois, a gente fez um trabalho estatístico pegando folhas de operações antigas, pegando os melhores resultados, fazendo uma regressão linear e botando, vamos dizer, diversas potências do forno, qual seria a faixa ideal de operação. Então, esse foi um trabalho muito importante também que a gente fez, que trouxe um ganho, com certeza, de redução de energia, de consumo específico de energia, trabalho conjunto também. Participavam outras pessoas, mas, fundamentalmente, nesse trabalho, eu e o Eduardo participamos mais. Depois, ainda em Barra Mansa, eu comecei a desenvolver o trabalho que originou essa patente, porque na produção de carvão vegetal, pra você ter uma ideia, na época, você produzia gases que também você jogava pra atmosfera, esses gases são ricos em alcatrão, que pode ser um combustível. Então, a gente pensava em recuperar esse alcatrão e utilizar na calcinação como combustível complementar ao gás do forno, era preciso, na época, recuperar isso, então, a gente desenvolveu esse trabalho, chegou a ser implantado, mas nós paramos de recuperar o alcatrão. Isso foi implantado das fazendas da White, de reflorestamento, nós recuperamos muito alcatrão, só que depois não houve uma evolução, em termos de tecnologia, porque esse alcatrão contém, também, ácido acético, que é corrosivo, então, você precisava fazer um reinvestimento em equipamentos de inox, ficava num custo muito alto e esse processo foi paralisado. Ainda lá, eu iniciei também a parte de preparação do tratamento de efluentes, porque quando nós fechamos o forno e lavamos o gás, tinha outro problema, um efluente líquido. Então, precisava tratar esse efluente, aí foi de novo contratada uma consultoria da Elkin, um outro norueguês veio e eu fui a pessoa eleita pra acompanhá-lo e aprender com ele. Era um sistema único no mundo, um sistema de circulação e ele era o único técnico dessa empresa norueguesa, Elkin, que conhecia, foi ele que criou o sistema e quem conhecia o sistema. Eu também tive uma interação muito boa com ele, com isso eu consegui absorver muito bem. Depois disso, nós fizemos... Eu fiz um projeto básico pra planta de Iguatama, que era basicamente o mesmo projeto, só que com capacidade muito maior do que era pra Iguatama, e foi o meu principal trabalho já na engenharia, depois que eu fui pro Rio.
P/2 – Como é que se dá o tratamento desse efluente?
R – O efluente é o seguinte, você tem, basicamente, saindo do forno de carbureto, partículas, o particulado do próprio carbureto de carvão vegetal e cal. Então, você forma uma espécie de borra e esse tratamento era o seguinte: você ia por uma região que a gente chama espeçador, decanta esse material, esse pó, só que molhado, porque ele está morno; você volta com a água que fica limpa, torna pra fazer a lavagem e depois esse material, depois de decantado, ele passava por um filtro, que a gente chama de filtro rotativo, separava o que é água de novo e se obtinha uma poupa, já aí bem mais seca do que você tinha; esse material, depois, era destinado ou pra um aterro, ou, depois, nós desenvolvemos reinjetá-lo no forno de calcinação, quando a gente desenvolveu a reinjeção. Aí você fechou o processo completamente, você mandava e depois aproveitava todo o material, nada saía do processo.
P/1 – E essa coisa de fechar o processo, o tratamento de efluentes, quando das questões do meio ambiente... Eu queria que você falasse um pouquinho das regulamentações na época, como essa questão era tratada?
R – Quando o projeto Iguatama começou a se desenvolver, nós não tínhamos sequer legislação em Minas Gerais pra preservação ambiental, então, o que a White assinou com o governo de Minas foi um termo de compromisso no qual existiam alguns parâmetros, baseados em São Paulo, que já tinha legislação pela CETESB [Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental]. Então, se baseou a legislação da CETESB e assinou um termo de compromisso com alguns parâmetros que a gente deveria atender, algumas condicionantes até por isso, porque desde aquela época eu tenho envolvimento com a área de meio ambiente, eu trabalhei nessa parte de lavagem de gases, tratamento de efluentes, então, foi assinado um protocolo, um termo de compromisso em que a gente procurou atendê-lo. Algumas coisas não eram cobertas, foram se desenvolvendo, aí a medida que você foi, vamos dizer, tendo as fiscalizações, pediam mais alguma coisa, pediam mais outra e assim foi se desenvolvendo o processo, até que há poucos anos, logo quando eu estava vindo pro Rio de volta, a White assinou com o ambiental de Minas o que a gente chama de licenciamento corretivo, e a gente fez como se tivesse licenciando de novo, atendendo a nova Legislação, apesar de que a gente já atendia praticamente a tudo.
P/1 – E agora, também pensando em Iguatama, como era a questão do controle de qualidade, pensando nessa fase da regulamentação brasileira, na época?
R – O controle da qualidade a legislação brasileira pouco influenciava, nós tínhamos o seguinte em termos de produtos, por exemplo, as normas internacionais, porque não existia norma brasileira pra carbureto de cálcio. Tinha norma americana, norma alemã, norma japonesa, norma francesa, mas não tínhamos uma norma brasileira. Então, como a gente, já naquela época... Primeiro, a gente tinha um padrão americano, que trabalhávamos com a Union Carbide, mas começamos mesmo a trabalhar com as outras normas, inclusive quando a gente começou a pensar em exportação, porque logo que a gente entrou, basicamente, não havia exportação de carbureto de cálcio e a gente, como eu te disse o seguinte, aquela estratégia do governo teve o auge o início da década de 1980, quando a gente estava com as duas fábricas, porque quando entrou Iguatama, a fábrica de Barra Mansa e Saudade, que era muito antiga, que era de 1946, ela foi fechada. Ela tinha um processo, era um forno aberto, não tinha como fechar, é um processo que trabalhava com eletrodos de grafite, que era mais custoso, então se fechou aquela fábrica e a gente chegou, se eu não me engano, no ano de 1988, ao pico de produção nossa de carbureto de cálcio. No Brasil, foram mais de cem mil toneladas no ano e aí começa-se a ter o declínio quando se inicia o governo Collor, na década de 1990, aí cai muito e a gente perde um grande cliente, o nosso principal cliente, que praticamente tirava todo o produto, o equivalente à produção de Barra Mansa da outra fábrica, que era Pombal. Ficamos as duas somadas, a gente podia produzir em torno de nove mil toneladas ao mês com esse cliente, o Rhodia, ele muda o processo dele, que é da Rhodia de São Paulo, e vai produzir. Ela usava o carbureto pra produzir PVA que é utilizado em tintas e tal, muda o processo pra álcool, vai produzir lá no nordeste do Brasil com a Companhia Álcool Química do Nordeste, que era estatal, ela assume e aí fica o mercado extremamente... Você perde, praticamente, a capacidade de uma fábrica, a gente briga com esse… Começa o esforço de exportação, mas em 1990 vem o plano Collor e aí se fecha a fábrica de Barra Mansa em decorrência da queda absoluta do mercado. Aí já não era mais só essa queda, você tinha uma outra, não justificava ter duas fábricas e a gente teve que fechar a fábrica de Barra Mansa e fomos ficar, então, a partir daí, só com o Iguatama operando, e está assim desde então.
P/1 – Como foi superar essa coisa do momento de crise? Como que Iguatama conseguiu continuar, além de ter perdido o principal cliente?
R – Esse cliente era um cliente da fábrica de Barra Mansa, a decisão por Iguatama era lógica. Primeiro que ela tinha o dobro da capacidade da fábrica de Barra Mansa; segundo que a fábrica de Barra Mansa era da década de 1960, Iguatama de 1985, então o custo de produção de Iguatama era muito melhor do que o de Barra Mansa porque ela produzia o dobro, o custo fixo era diluído, tinha praticamente o mesmo número de funcionários e produzia quase o dobro da produção de Barra Mansa. Então, essa foi a base da decisão. Agora, foi um esforço, nós ficamos um tempo operando as duas fábricas, tipo, o mínimo aqui, o mínimo aqui, era sacrificante você balancear falta pras duas, e quando você desce de um certo nível de produção, seu consumo sobe, seu custo sobe, então, você ficava balanceando ali pra ter o melhor custo entre as duas e manter operando, sendo que a gente sabia que só operando em Iguatama o custo final seria melhor, mas ainda ficava aquela esperança de se colocar um novo cliente, se desenvolver novos clientes de exportação, até que não foi mais possível.
P/2 – E qual foi a estratégia de se pensar essa nova fábrica de carbureto de cálcio, o que significou essa estratégia, exatamente, pra companhia?
R – Estrategicamente, pra companhia, era uma visão de falta de petróleo, de produzir acetileno que era um gás produzido à base de carbureto, que usava carvão vegetal, uma energia renovável, que substituiria gases, principalmente o GLP, gases que são feitos de petróleo, então, essa era a estratégia que motivou a empresa a investir nesse negócio.
P/2 – E dentro desse processo histórico, qual foi a virada de página dessa fase? No sentido, assim, de crescimento dentro desse histórico todo.
R – A virada se dá depois do fechamento de Barra Mansa, porque o que aconteceu? Os negócios eram, nós éramos todos White Martins, os nomes misturados, então, depois disso, os negócios foram separados, a White separou os negócios pra tentar entender quem era quem, porque você vê um resultado ali, tinha um negócio que contribuiu mais e outros que, inclusive, não contribuíam, mas tiravam resultado. Então, se separou, se criou uma empresa que chamava Companhia Concal, que era para produzir carbureto, era uma empresa em que nós ficamos totalmente separados, com balanço próprio, uma empresa separada pra ver se a gente dava ou não dava resultado, essa foi a grande jogada. Aí nós tivemos que tratar a empresa como empresa separada e a administração foi toda própria, nós tínhamos muito mais autonomia porque, por sermos uma empresa separada, e aí foi feito um grande esforço, já foi uma equipe criada com espírito de fazer melhoria, de estar sempre procurando melhoria, criada pra mexer com processos, com melhoria. E a gente começa, aí, a fazer melhorias, inclusive no negócio, porque o negócio, na época, ficava distante, o negócio ficava aqui no Rio de Janeiro. O pessoal fazia o negócio e a fábrica produzia, a partir desse momento, toda a administração vai pra Iguatama. Aí a gente começa realmente a trabalhar e, quem foi como líder, nessa época, a pessoa tinha começado em Iguatama, foi pioneiro de lá, inclusive a família era de lá, apesar de ter sido criado no Rio, ele se chamava Mário Rezende, ele veio como líder e a gente começou todo um processo de otimização do negócio, alavancar mercado, alguns mercados que tinham diminuído, que a gente tinha perdido. A gente conseguiu, então, fazer uma grande volta, e o negócio de carbureto começou a ser um dos mais rentáveis da companhia. Nessa época, eu era Gerente de Produção, estava na produção, ele era o Gerente do Negócio, eu tinha passado pro Controle da qualidade e foi muito pequena a minha passagem. Eu fiquei dez meses no Controle da qualidade e dez meses depois eu assumi a gerência de Produção da fábrica, eu tinha 29 anos. Aí você já assume uma responsabilidade maior, eram cerca de 160 funcionários na Produção, no Controle da qualidade eram muito menos pessoas, trabalhava no Controle da qualidade e Utilidade, Tratamento de efluentes, Tratamento d’água, e a gente vai nesse esforço. Eu também passo um período fazendo Desenvolvimento de mercado, nesse período inicial eu saio pra fazer Desenvolvimento de mercado, publicações em clientes, fico um ano e pouco fazendo isso, mas esse é todo um período muito curto, porque já em 1992, por aí, o Mário, que tinha ido pra lá pra administrar o negócio, vem pro Rio pra assumir tudo o que a gente chamava de Produtos Industriais, Soldagem, Carbureto, Cilbrás, aí eu fico como gerente, vamos dizer, Gerente Industrial da fábrica de lá e a gente dá continuidade. O que a gente desenvolveu? Desenvolveu um forte programa de qualidade, nós implantamos o sistema de garantia da qualidade, a gente tinha uma administração muito austera nesse período todo, uma administração extremamente austera, valorizava cada centavo, tinha o controle de tudo, era um controle muito forte que existia, era tudo na mão. Com isso, a gente conseguiu chegar no resultado que, praticamente, se perenizou ao longo desse período aí, da década de 1990 pra cá. Conseguimos desenvolver um parceiro pra fazer a aplicação principal, que era em siderurgia, aí voltamos a siderurgia, o carbureto, que originalmente havia um grande mercado de carbureto, era a produção de acetileno. A gente vendia pra White Martins, transferia pras fábricas da White Martins, pra produzir acetileno, esse mercado cai, o acetileno cai em declínio, declina no mundo inteiro o uso de acetileno, substituído por novas tecnologias com corte a laser, até à água, gás natural, ou outro tipo de tecnologias que faziam essa operação de corte e solda mais baratas. As fábricas de carbureto vão fechando em todo o mundo, mas sempre que fechava, a gente ganhava um pedacinho a mais (risos) porque, quando a fábrica fechava, ela não fechava porque vendeu 100% da venda, ela fechava porque perdeu 70%, 80%, então sobrava 20%. Então, o mercado sempre acabava oferecendo oportunidade melhor de implantação pra gente, e a gente desenvolveu fortemente essa estratégia de exportação, de balancear, vamos dizer, a produção da fábrica com o mercado externo. Nós chegamos a exportar pro mundo inteiro, pra Europa, pra Austrália, pra África, América Central, América do Sul, Estados Unidos, chegamos a exportar pra várias partes do mundo, mas quando o mercado crescia aqui, a gente diminuía a exportação porque a margem era menor na exportação, nós desenvolvemos um parceiro pra fazer uma coisa que era importante, moer muito finamente o carbureto pra fazer pressão e tirar enxofre do gusa. O que acontece? O principal do carbureto, hoje, chama-se sulfuração de gusa, acontece porque você tem enxofre nos minerais que você usa pra produzir o gusa, se você deixar esse enxofre no ácido pronto, ele forma um composto que chama-se sulfeto de ferro que, quando você vai produzir a chapa, vai produzir madeira. Ela fica líquida à alta temperatura, uma temperatura de cerca de mil graus, fica líquida e vai formar uma bolha na chapa, é como se tivesse, depois... Bom, então se você deixar o enxofre no aço, ele vai produzir um defeito quando você tiver laminando, fazendo a lâmina de aço que vai ser utilizada depois pra produzir veículos, fazer geladeiras, equipamentos, então, você tem que retirar esse enxofre ainda na fase, quando você produz o gusa, logo depois, você tem que retirar esse enxofre, diminuir esse teor de enxofre, e aí você injeta no carbureto uma injeção com nitrogênio, que é um gás da White, também. Você faz a injeção numa lança com metal, com carbureto de cálcio, o carbureto vai reagir com esse enxofre, vai produzir o sulfeto de cálcio, esse sulfeto vai ser escorificado mais uma vez e removido do ferro gusa, que depois vai ser utilizado pra produzir o aço. Então, essa é a aplicação, hoje, principal do carbureto na siderurgia. Existem outros de menor volume, mas o grande volume é esse. E uma das coisas que a gente fez, foi através dessa parceria, consegui reativar mercados de empresas siderúrgicas como a CSN, por exemplo, que tinha desativado. Ela comprava carbureto granulado no passado e tinha uma moagem, mas desativou. Ela não tinha, era custoso reativar essa moagem, passamos a fornecer já moído pra ela. Fizemos também essas aplicações em Belgo Mineira e grandes siderúrgicas em geral. Com isso, o nosso mercado, nós conseguimos encher a fábrica novamente, e o grande segredo do carbureto de cálcio é ter a fábrica cheia, se você tiver a fábrica cheia, você já tem um custo bastante competitivo pra ter uma qualidade de negócio bastante boa.
P/1 – Me explica um pouquinho a questão das embalagens, do transporte e distribuição do carbureto de cálcio.
R – Também, a gente desenvolveu, a gente chamava na época de time da qualidade, a White implantou o projeto de qualidade total, mais ou menos ali em 1988, e você tinha dois pilares desse programa de qualidade total, ciclos da qualidade que eram, vamos dizer... Havia grupos de funcionários que se juntavam espontaneamente e desenvolviam projetos de melhorias pra empresa, havia premiações, concursos regionais e nacionais, e vários projetos foram desenvolvidos pelos ciclos. Havia times da qualidade cuja diferença era a seguinte: eles não eram espontaneamente constituídos, tinham um objetivo específico, eles identificavam um problema e juntavam pessoas pra desenvolver esse trabalho. Um desses times também, que marcou a minha trajetória, foi um time multifuncional com o pessoal das plantas de acetileno. No passado a gente utilizava tambores de duzentos quilos pra transportar o carbureto pras plantas de acetileno, o que acontecia com isso? O tambor é um pouco rígido, você tem mais dificuldade de estocagem e, mais do que isso, o custo de transporte do produto ficava maior porque a relação entre peso de embalagem e produto é muito menor do que se você tivesse a embalagem leve. A gente começou a desenvolver, então, o que a gente chama de big bag, que eram aquelas bolsas plásticas pra transportar o produto. Enquanto o tambor lavava duzentos, duzentos e vinte quilos de carbureto, essas embalagens - que tinham um peso muito menor que o tambor, porque elas eram PVC laminado, são ainda de PVC laminado - levavam quatrocentos e cinquenta quilos, então, havia uma tremenda otimização, além do espaço da própria carroceria do caminhão, que fica melhor utilizado com os big bag. Então, a gente conseguiu fazer uma grande otimização, tanto de tempo, movimentação, você tinha que movimentar dois tambores pra colocar a mesma quantidade carbureto no gerador de acetileno, houve uma melhora significativa nesse processo. Esse time tinha mais três ou quatro gerentes fixos mesmo. Nós tínhamos eu e mais dois gerentes. Um que era de São Paulo, foi gerente de operações de São Paulo e já faleceu, essa pessoa chamava-se Antônio Fernando; o outro, que foi uma das pessoas que mais ficou na empresa, que é do nordeste, chama-se Mário Jaime Zimes; e tinha Fernando Martins, também, que era engenheiro e trabalhava na área de Acetileno. E nós ficamos nesse grupinho mais forte aí, de quatro pessoas, e desenvolvemos uma série de trabalhos, mas o principal foi esse, a mudança da embalagem, mudou totalmente uma cultura da empresa, teve que vencer paradigmas, porque você não podia transportar carbureto com material plástico, e até hoje está implantado, teve início na década de 1990 e até hoje você utiliza. Inclusive, paradigmas internacionais que outras empresas não admitiam, a própria Union Carbide na época não utilizava, então, foram vencidos vários paradigmas pra gente chegar nisso daí.
P/1 – Carlos, como se dá o encerramento da sua fase na fábrica de carbureto da sua passagem pra diretoria?
R – Bom, um dos grandes desafios, ainda, que a gente teve de Iguatama, foi um tremendo choque cultural com a comunidade. Era uma cidade com seis mil habitantes. Pra você ter uma ideia, no primeiro momento, quando a fábrica foi pra lá, tiveram que ser construídas duas vilas residenciais porque não existiam residências suficientes pros funcionários. Houve um grande choque cultural, tudo isso levava, vamos dizer, aos conceitos de uma cidade grande, um Rio de Janeiro e tal, então você tinha vigilância em tudo e o pessoal não admitia isso de. Nós tínhamos 28 vigilantes e tinham dez policiais na cidade, (risos) então eles chegavam e pensavam assim: “Se vocês quiserem, podem tomar a gente aqui, eles têm uma força policial maior, mais do que o dobro da cidade.” E o pessoal lá não admitia ter que se identificar para entrar na vila residencial, entendeu? Fora isso, eles tinham uma grande expectativa de gerar um grande número de empregos pro pessoal da cidade, mas o que acontece? Não tinha ninguém com formação, era uma cidade eminentemente rural, você não tinha mão de obra formada lá, então houve todo esse choque que culminou com uma greve. Um dos candidatos, um dos políticos da cidade, de oposição, na época, tinha parentes no PT [Partido dos Trabalhadores], convenceu o pessoal a formar um sindicato com base territorial na cidade, formou um sindicato e promoveu uma greve de sete dias. Foram praticamente sete dias em que a fábrica ficou parada. Então eu estava, ainda, novo nesse processo, nessa greve, como Gerente de Produção, eu estava novo. Eu tinha retornado, depois que eu participei do comissionamento da fábrica, eu retornei e fiquei mais quase dois anos aqui no Rio, viajava pra lá e pra cá, mas sediado aqui. Voltei e fiquei dez meses no Controle da Qualidade e logo depois que eu assumi a gerência de produção veio essa greve, que foi traumática. Aí, vários conceitos tiveram que ser remodelados, foi um dos motivos de depois, não muito tempo depois, eu ter assumido a gerência da fábrica. Por quê? O que aconteceu? Como nós quando chegamos lá, éramos... Tinha uma república no meio da cidade, não vivíamos nas vilas, o pessoal que foi pra assumir o negócio já foi direto nas vilas, então, nós tínhamos todo um relacionamento com a comunidade, nossa república era frequentada por todo mundo, sequer trancava a porta. Ninguém nem sabia onde estava a chave da porta porque a gente trabalhava em turno, e aí, por trabalhar em turno, um saía, outro entrava, o carro dormia de vidro aberto, até com a chave na ignição. Nada acontecia em termos policiais, então era uma tranquilidade... E a gente interagiu muito mais, nós que éramos mais novos, a ponto de que acabei conhecendo a minha esposa, minha futura esposa lá. (risos) Então, a gente tinha uma interação forte e eu acabei me casando lá em Iguatama. E tinha algumas famílias... Porque o pessoal que foi geralmente não tinha, e o passo seguinte nosso, o grande passo, foi restaurar essa confiança. A partir daí nós desenvolvemos inúmeros trabalhos com a comunidade de Iguatama que resultaram numa interação muito grande depois disso, a ponto da gente ser chamado, quem estava lá, pra tudo quanto é evento da cidade. Recebíamos políticos, ministros, a gente ia à comunidade, eles visitavam a fábrica, governadores... Então, fizemos projetos, nós restauramos e construímos diversas salas de aula, restauramos colégios inteiros, restauramos a igreja inteira da cidade, então, foram vários projetos. Nós doamos o laboratório pra uma faculdade de Ciências Biológicas que foi instalada lá, então, foram feitos diversos trabalhos para que a gente conseguisse realmente ter uma forte interação com a comunidade, porque quando a gente instalou em Iguatama, Iguatama pulou, na época, quase quinhentas posições só com ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços] da fábrica, e o nosso ICMS, até quando eu saí, representava 85%, 90% do ICMS da cidade. Então, nós fomos o maior empregador disparado da cidade, foi um trabalho também muito grande pra se restaurar esse relacionamento e a confiança. Aí, como a gente sempre teve um excelente desempenho em Segurança, Saúde e Meio Ambiente, meu envolvimento com o meio ambiente eu já expliquei pra você, vem de longa data por estar projetando, acompanhando a legislação, depois eu fui Coordenador de Meio Ambiente da fábrica por um longo tempo. Eu estive no Controle da Qualidade e, quando eu fui Gerente de Produção, optei por continuar a ser o Coordenador de Meio Ambiente. Sempre trouxe essa parte de Meio Ambiente muito forte comigo e o desempenho de segurança da fábrica também. É verdade que é uma fábrica grande, com quase trezentos funcionários, tinha índices comparativos com empresas do ramo muito bons e eu já havia recebido alguns convites pra voltar ao Rio de Janeiro, alguns que eu tinha recebido anteriormente, mas sempre optei em ficar, preferi ficar. Eu tinha a opção pessoal, a minha família era de Belo Horizonte, meus pais moravam lá, me casei em Iguatama, estava lá com a família da minha mulher, então, era muito cômodo pra mim. Minhas filhas eram pequenas, a cidade oferecia, ali, enquanto fossem pequenas, excelente qualidade de vida, eram criadas perto da avó, perto da família em Belo Horizonte, então, eu relutei muito até vir pro Rio. Quando eu recebi o convite de vir pra cá para assumir a área de Segurança, Saúde e Meio Ambiente, a minha primeira filha já tinha ido para Belo Horizonte morar com os meus pais pra começar o segundo grau lá, a gente optou por colocá-la no colégio Santo Agostinho, de Belo Horizonte. A gente já pensava, então, porque as outras duas estavam para iniciar o segundo grau, em ter um apartamento em Belo Horizonte para elas estudarem lá e a gente ficar relativamente perto. São três horas de viagem, mas a gente fazia regularmente aos finais de semana, e aí veio o convite para assumir a diretoria de Segurança, Saúde e Meio Ambiente, e a gente pensou: “Olha, já que elas vão ter que se mudar mesmo pra estudar, vão ter que ir pra um grande centro.” E a gente optou, então, por atender esse convite pra elas poderem estudar, completar a formação aqui. Eu, como já tinha morado aqui três anos, no passado, já conhecia a cidade, pra minha mulher era uma novidade muito grande, ela vinha sempre a passeio comigo aqui, mas pra mudar, realmente ia se afastar da família. Foi uma experiência importante as minhas filhas, elas acharam maravilhoso, pré-adolescentes, mudando de uma cidade de oito mil habitantes para o Rio de Janeiro. (risos) Elas acharam maravilhoso, como acham, ainda, até hoje, não pretendem sair daqui.
P/2 – E vocês vieram morar onde?
R – Nós viemos direto pra Barra. Nós vínhamos pra cá e nós vínhamos visitar esse nosso amigo que morava aqui na Barra, ele tinha uma casa aqui e ele tinha acabado de construir uma outra casa, estava se mudando e me ofereceu: “Você não quer vir pra minha casa? Eu alugo pra você a minha casa aqui em condições ótimas e tal você toma conta dela pra mim.” Então, inicialmente a gente veio pra essa casa dele, porque a gente estava acostumado, nós vínhamos passear aqui, normalmente nos hospedávamos no bairro Rezende, esse que foi meu chefe em duas oportunidades, quando eu estive no Controle da Qualidade e, depois, quando eu fui Gerente Industrial, ele estava também, fomos pares em algumas oportunidades. E aí: “Pra gente se localizar, vamos pro mesmo lugar que a gente fica, ficamos um tempo, e depois a gente estuda um outro lugar. Quando já estiver acostumado, estuda outra oportunidade.” E assim veio, nós viemos pra cá, eu fiquei dois anos nessa casa, depois eu comprei um apartamento aqui nesse bairro novo, que é a Península, está pertinho aqui, porque aí elas passaram a estudar na PUC [Pontifícia Universidade Católica], duas na PUC e uma na FGV [Faculdade Getúlio Vargas], no Centro, e lá onde eu morava era praticamente Recreio, era o fim da Barra, você já tinha um tempo a mais de deslocamento. Como elas saíam, basicamente pra sair aqui na Barra, basicamente por aqui perto, estudaram também aqui no início da Barra, fizeram o segundo grau aqui, no colégio PH, aqui na Barrinha. A gente preferiu se localizar aqui, vamos dizer, no meio da Barra, pra poder facilitar a vida.
P/1 – Bom... Então, Carlos, agora a gente vai encaminhar a entrevista pra parte final, eu queria que você contasse pra gente quais foram os maiores aprendizados desse tempo trabalhando com gás na White Martins.
R – Olha, a verdade é que eu trabalhei pouco com gás. (risos) Eu trabalhei com produto sólido, que era o carbureto de cálcio, a matéria prima pro acetileno. No meu caso, o trabalho que eu fiz com o carbureto de cálcio me permitiu aplicar muito conhecimento da minha formação, eu tive o privilégio de aplicar muito da minha formação universitária no negócio em que eu trabalhei. Apesar de que algum tempo depois você vira administrador, deixa de ser engenheiro, mas vira administrador. Eu apliquei muito do meu conhecimento escolar, do que eu tive de aprendizado escolar, na linha de produção, principalmente no início, onde eu tive que desenvolver diversos trabalhos em engenharia de Processos, mas também esses trabalhos, essa formação levaram a algum aprendizado de aplicação de gases. Os processos metalúrgicos, todos eles têm fase gasosa, então, a gente também aprendia, eu posso dizer que se eu tivesse, por exemplo, entrado na parte de aplicação de gases, eu teria plena tranquilidade de entrar nesse ramo de atividade dentro da empresa. Pelo conhecimento de siderurgia que eu adquiri na minha fase inicial, mais o conhecimento que você tem de termodinâmica, que trabalha muito com gás também, com players de gás, então, eu tive toda essa chance. E a vinda pra cá, pro Rio, foi que me abriu. Hoje eu tenho que aprender, não no detalhe, o processo mesmo de fabricação de gases pra aplicar, vamos dizer, o conceito de prevenção de Segurança, Saúde e Meio Ambiente também.
P/2 – Eu quero voltar um pouquinho. O que significa pra White Martins, estrategicamente, ter uma diretoria que pensa Segurança, Saúde e Meio Ambiente? O que isso significa pro negócio da Praxair?
R – Olha, a Praxair talvez seja uma das empresas, eu posso te dizer, talvez, uma das cinco no mundo, que trazem como princípio operar de forma segura. Ela está no Unisys Security Index já há um longo tempo é a única empresa do segmento que está no Security Index. O que a gente aprendeu desde o início, quando eu entrei em Barra Mansa, a formação da cultura de Segurança, Saúde e Meio Ambiente da Union Carbide, ou da White Martins, ou da Praxair, ela estava se iniciando. Quando eu entrei na empresa, ainda era aquela briga para usar a EPI, que era o equipamento de proteção individual, óculos, capacete, resistência em uso, e nós vivemos todo esse desenvolvimento. Hoje, você falar isso na White Martins é um negócio completamente fora da nova geração que já entra aqui, alguém não querer usar o equipamento de proteção individual. É uma discussão que eu nem escuto mais, a gente nem escuta. e desde, talvez, até influenciado pela origem do acidente de Bhopal que decretou, vamos dizer, o encerramento das atividades da Union Carbide, a empresa da qual a gente se originou, é um princípio. Todas as coisas têm que começar, você vai começar um novo negócio, princípio, ele é seguro? Não é? Você tem que fazer avaliações de impacto. E isso vem, hoje, já no sangue de quem trabalha na White Martins, é condição de empregabilidade, se você não gosta de trabalhar dessa forma, você tem todo o direito, mas não vai trabalhar nesta empresa. Existem coisas na White, qualquer funcionário tem a obrigação, não é nem o direito, de interromper qualquer atividade dele ou de qualquer outra pessoa se ele sentir que aquela atividade não está sendo produzida de forma segura. Então, a primeira coisa foi estabelecer esses princípios, esses princípios são pétreos, a empresa respeita, ela investe muito em segurança, em cultura, principalmente, de segurança, e eu posso dizer pra você que é uma das razões dela ter o desempenho diferenciado, inclusive, dos concorrentes deste segmento. O segmento químico, então, nem se fala, é um segmento de gases que já tem um padrão alto, e se pegar a indústria como um todo, já é um outro patamar, patamar top mesmo. Pra vocês terem uma ideia, esse ano, até agora, nós temos operações na América do Sul inteira e não há nenhum incidente por perda de tempo lá na empresa, não ocorreu nenhum acidente com perda de tempo, de funcionários na empresa.
P/2 – Carlos, falando de uma operação extremamente complexa, porque vocês atuam em diversos segmentos e vocês têm, também, unidades de negócio diferenciadas, que vão desde a medicinal até a siderurgia. Hoje, toda essa operação, o negócio, quando se fala em Segurança e Meio Ambiente, está sob sua diretoria?
R – É, na América do Sul.
P/2 – E quais são as estratégias, os cuidados e onde vocês têm maior dificuldade pra que isso seja implantado ou seja mantido?
R – O grande desafio nosso - porque nosso negócio é extremamente pulverizado, você tem unidades grandes, médias e pequenas - é você fazer chegar, da mesma forma, a mensagem em todas as unidades, lidando com culturas diferentes, você tornar essa cultura muito, vamos dizer, homogênea. Então, o esforço de comunicação é muito grande pra isso, eu acho que a vantagem que eu levo, de repente, em relação a alguns antecessores, é que eu vim da operação, então, eu consigo entender um pouco a linguagem do pessoal que opera. Eu não tenho formação, por exemplo, em segurança específica, minha formação é em operação, eu trabalhei com operação. E você, de vez em quando, tem que formar uma forte estrutura de comunicação, esse é o grande segredo. Eu não posso ir lá pessoalmente a centenas de unidades,levar essa mensagem, então, você não tem que estar pontualmente presente, mas você tem que estar o tempo todo colocando a mensagem na mente das pessoas, porque segurança, se você esquecer... Tá tudo bem... Se você esquece por pouco tempo, essa mensagem sai, o pessoal relaxa, o senso de vulnerabilidade cai... Então, um dos grandes segredos é você manter o senso de vulnerabilidade o tempo todo de que está tudo bem, mas algo pode acontecer.
P/2 – E como é que você trabalha, por exemplo, com uma operação que usa terceiros? Vamos pegar o caso, por exemplo, do transporte, que na verdade vocês terceirizam o transporte. Como vocês controlam essa operação? E aí, assim, num país como o Brasil, com dimensões enormes, com problemas de estradas existentes, estradas extremamente ruins, até na América do Sul tem lugares piores que aqui, como vocês lidam com isso?
R – Olha, esse era um dos grandes desafios que a gente tinha, porque a gente viaja em torno de sete e meio milhões de quilômetros por mês, você imagina uma exposição de sete e meio milhões de quilômetros por mês trabalhando com empresas terceirizadas que não têm o mesmo nível de cultura nossa. Então, é feito um grande esforço de treinamento desses motoristas, esses motoristas recebem um treinamento, grande parte, feito por nós, eles têm um treinamento forte de aculturamento. As empresas, ao longo do tempo, vão adquirindo também essa filosofia, as empresas que trabalham conosco, tanto que, por exemplo, os motoristas que trabalham conosco são extremamente desejados no mercado, já trabalharam conosco pela formação e pela cultura que eles acabam adquirindo, mas, mesmo assim, a gente tinha um sério problema, porque o motorista está sob o seu controle dentro da unidade, na hora que ele sai do portão, ele é tudo, ele é o presidente, seja no trânsito, seja no cliente. Então, o que a gente começou a fazer? O acidente mais complicado pra gente é quando tombam o caminhão, quando tomba uma carreta nossa com produto, principalmente se estiver levando gás líquido, muitas vezes você tem que interromper isso, fora as consequências de risco pro motorista. Felizmente, a gente tem muito pouco, um percentual muito baixo de acidentes com o lesões graves ao motorista, mas aí você tem um outro com a comunidade, você tem que interromper rodovia, você tem que... Tivemos que fazer um trabalho muito forte, tem três anos mais ou menos, em que a gente começou a desenvolver com uma empresa de Minas Gerais, e aí vai a minha ligação. Eu descobri essa empresa através de uma pessoa, essa pessoa é um engenheiro que foi meu estagiário em Iguatama, é filho do médico que fez o parto das minhas três filhas e foi meu estagiário, era brilhante e eu queria contratar, mas ele disse: “Não, eu não vou trabalhar pra ninguém, vou trabalhar pra mim.” Então, há uns três, quatro anos atrás, eu encontrei ele em Belo Horizonte, num final de semana, e perguntei pra ele: “O que você está fazendo aqui?” Aí ele: “Estou desenvolvendo um projetozinho aqui, vem ver no meu carro.” Um engenheiro mecatrônico, ele me mostrou o que ele chamava de tacógrafo eletrônico, e aí eu disse pra ele: “A gente tem interesse nisso, me dá seu cartão que eu vou entregar pro pessoal que trabalha na Distribuição, porque a gente tem pensado em desenvolver algo pra fazer um monitoramento dos nossos veículos, controlar a velocidade e mais outras coisas.” A gente vinha tentando aquilo com empresas grandes que não se dispunham a customizar pra gente, só vendiam o produto, o tradicional GPS, e o controle de velocidade. Como ele era de uma empresa pequena, ele se dispôs a desenvolver, conseguiu desenvolver um sistema, hoje, que faz contato de voz com o motorista, ele registra a viagem inteira. Se ele estiver com velocidade excessiva ele dá alarmes pra reduzir. A gente associou isso, depois desse sistema desenvolvido, a uma campanha de premiação do motorista, que faz com que... Nós criamos um sistema de controle, precisávamos motivar eles a atenderem aos comandos e aos controles, então, a gente criou uma campanha de remuneração desse motorista se ele atingisse determinada pontuação no final do mês. Então, como esse sistema funciona? Você inicia uma viagem, está com cem pontos, à medida em que você vai dirigindo, você comete infração, você vai perdendo ponto, mas se você não comete mais, você vai ser genuíno na quilometragem e vai subindo a sua pontuação. Então, se ele chega ao final do mês com 99%, nem 100%, você só pode perder 1% dos pontos, ele recebe uma premiação extra no final do mês; se ele fica acima de 95%, ele é um bom motorista, não vai receber premiação em 95%, 94%, mas recebe, é um bom motorista; se ele fica abaixo disso, você começa a pensar em retreiná-lo; se ele fica abaixo de 85%, obrigatoriamente ele é retreinado ele tem que se adequar. Então, com isso a gente conseguiu corrigir o comportamento do motorista. Hoje, os motoristas que trabalham conosco, mais de 98% deles recebe a premiação, ou seja, consegue mais de 99%. Estendemos isso pra América do Sul. Essa empresa, ela é pequena, não tinha condições de estender pra América do Sul, então, começamos a desenvolver com outras empresas na América do Sul. Nos outros países ainda não tem nível de profundidade de serviço dessa empresa, mas nós começamos a desenvolver com empresas da Argentina, da Colômbia, Venezuela e estamos transferindo isso pros outros países. Hoje, 100% da frota é monitorada, nós não temos todas as funcionalidades que tem aqui no Brasil, mas 100% da frota, hoje, é monitorada por esse sistema de líquidos. Na parte de cilindros, em que o risco é menor, o risco de tombamento é menor, as rotas que a gente chama de transferências, as rotas mais críticas, também são monitoradas. Então, conseguimos reduzir significativamente esse tipo de evento aqui no Brasil. No Brasil, não, na América do Sul esse ano a redução foi fantástica. E o nosso objetivo é zerar. A gente sabe que tem, às vezes, algum tipo de acidente, que somos vítimas. Esse ano nós tivemos três tombamentos, sendo que dois foram provocados e o terceiro eu não tenho como evitar. Se o caminhão me bate na lateral, me fecha, eu não tenho como evitar. O nosso objetivo é zerar aqueles que são evitáveis, que dependem da gente, então, esse é o grande objetivo desse projeto. E o que tem tido sucesso, hoje, eu diria, é benchmarking, inclusive, tem empresas fazendo benchmarking com a gente por causa desse sistema. Ele me permite, por exemplo, saber onde o meu caminhão está a qualquer momento, a gente plota todos os cliente no mapa, no Google, eu sei se ele está chegando pra esclarecer pro cliente. E tem outras vantagens adicionais além da segurança, atuar preventivamente, e o que a gente está tentando fazer agora para botar uma cereja nesse bolo é desenvolver um sistema preventivo de identificação de fadiga, que identifica quando o motorista está querendo dormir e, de alguma forma, a gente soa um alarme, toma uma medida pra que ele não durma ao volante. E câmeras de ré, câmeras frontais... Vamos chegar, quase, ao piloto automático com o piloto. (risos)
P/2 – Como você atuou muito nessa questão da proteção ambiental dentro da sua carreira, quais foram as principais mudanças que você percebeu, os principais marcos vividos pelo Brasil nessa questão da proteção ambiental?
R – No início, quando eu comecei com a proteção ambiental, a legislação era muito incipiente, você tinha no estado de São Paulo e no estado do Rio de Janeiro, e como eu te disse, Minas Gerais sequer tinha ainda a legislação ambiental publicada, depois passou a ter. Eu acho que a fase inicial é aquela de contaminação de água, solo, aquelas contaminações típicas. Depositavam resíduo de qualquer forma, não se tinha o menor cuidado, não se fazia limpeza em rios, tratamento de esgoto não existia e não existe, até hoje, em cidades. Por exemplo, nós instalamos a fábrica de Iguatama com o tratamento de esgoto e a cidade não tem tratamento, agora que está se investindo em tratamento. Existia realmente uma falta de conscientização de em que aquilo ia dar, então, você contaminava uma área, saía daquela... Estava ainda no início aquele movimento de Cubatão, aquela poluição monstro que era em Cubatão, e aí veio-se poluindo. Os parâmetros vieram a ser aprimorados e cada vez mais restringidos, então, você já teve na década de 1990 o início do problema do clima, das transformações climáticas. Tivemos a Rio 92 aqui, que já trouxe uma mudança. Aquela contaminação física mesmo, de poeira, de efluente líquido, efluente sólido, contaminação do solo, você já começa a mudar pra gases de efeito estufa. E o que a gente está vivendo hoje, outra... Nós podemos assumir, mesmo há sete anos, que havia um país da América do Sul que não tinha ainda uma legislação ambiental. Hoje, todos os países têm e ela fica cada vez mais restritiva. Outra coisa que impacta muito a gente é porque todos os níveis governamentais começam a legislar, então, municipal, estadual, federal, aí você já começa a ter uma superposição de legislações: “Qual eu atendo? Atendo essa? Atendo essa?” Existe também um outro problema, que é muito órgão querendo faturar com isso, eles exigem e começam a te cobrar taxas, taxas diversas, taxa municipal, taxa federal... Todo mundo, hoje, quer morder uma fatia desse bolo pra se autofinanciar e, no final, esse dinheiro vai e cada vez mais sobrecarrega as empresas, a parte burocrática está ficando extremamente pesada. Então, uma diferença, por exemplo: você tinha, quando você renovava uma licença no passado, quatro, cinco adicionais; hoje, você tem 28, trinta condicionantes pra você cumprir e são, vamos dizer, embutidos nas licenças ambientais alguns requisitos que não têm nada a ver com meio ambiente, mas é pra forçar que a empresa cumpra. Tipo alvará de funcionamento, pagamento de IPTU em dia, que não têm nada a ver com o ambiente, mas são pra forçar a empresa a estarem em dia. Com isso, alguns municípios jogam pra dentro como uma condição da licença ambiental. Você tem uma série de coisas que estão sendo trazidas, que não são necessariamente ambientais, e estão sendo trazidas pra dentro do ângulo do licenciamento ambiental. Outra grande mudança que vem ocorrendo agora, ultimamente, são as avaliações de risco pra comunidade que, no passado, também não eram exigidas. Hoje, em quase todos os estados principais, pra você renovar uma licença, você tem que fazer avaliação de risco para ver se o risco daquela operação é aceitável pra comunidade que está no entorno da unidade.
P/2 – E quem faz essa avaliação?
R – Nós fazemos essa avaliação, nós temos pessoas que fazem quando o trabalho é muito grande.
P/2 – Vocês mesmos se autoavaliam?
R – Não... A avaliação de risco? Essa é a técnica... Essa avaliação você trabalha com uma técnica de software para isso, a gente tem... Isso tem que ser apresentado ao órgão e ele diz se está ok. Eu executo o trabalho, nós fazemos a avaliação de risco das nossas operações, tanto internas, pra você adotar medidas de prevenção, como fazemos essa pra entregar pro órgão e ele dizer se está aceitável ou não. Nós fazemos vários trabalhos, tecnicamente, vários trabalhos. Agora, quando o volume é grande, a gente subcontrata, às vezes, para uma empresa externa fazer projetos grandes, às vezes de maior responsabilidade, de que a gente ainda não tenha o conhecimento, como por exemplo o Gás Natural Liquefeito na planta de Paulínia. Como era uma primeira do gênero pra Praxair, nós contratamos fora para que fosse feita a análise de risco, aí entra no projeto ainda para se desenvolver. E a gente trabalha com análise de risco desde a fase de projeto até a operação, fazemos revisão da análise de risco nas nossas operações. A nossa política exige que sejam feitas de cinco em cinco anos revisões de análise de risco operacional e fazemos avaliação de risco para novos produtos. Novos projetos, antes de serem colocados no mercado, têm que sair num nível de segurança que é determinado pela Praxair para que a gente possa comercializar qualquer produto, então, todo trabalho é conduzido dessa forma.
P/1 – Agora, Carlos, eu queria que você contasse pra gente, durante a sua trajetória com o carbureto de cálcio e também com sistema de segurança e meio ambiente, qual é o maior legado? Tanto da produção do carbureto, do que a White Martins conseguiu desenvolver em termos de segurança, todo o desenvolvimento do processo de industrialização brasileiro.
R – A utilização de gases é crescente no mundo, você vê que cada vez mais é utilizado em indústria eletrônica. Ele é fundamental, por exemplo, pra você produzir alguns eletrodos, chips, você utiliza gases, não vou nem dizer pra tratamentos hospitalares, gases novos. Nós trabalhamos, também, produzindo misturas gasosas pra outras aplicações, é utilizado pra anestesia, é utilizado pra sustentação respiratória, o CO2 hoje é usado pra tratamento estético, na parte industrial, na siderurgia, na petroquímica... Quer dizer, está presente em quase toda a cadeia produtiva e, mais do que isso, na parte de segurança. Todos esses processos precisam, um dia, ser inertizados, tornar a atmosfera inerte onde você possa trabalhar, aí entra o nitrogênio, o CO2... Na indústria alimentícia, hoje, pra conservação de alimento você usa nitrogênio, usa CO2 pra carbonatação ou pra conservação porque quando você usa um gás inerte, você está evitando que o produto que coloca dentro da embalagem seja oxidado, evitando a oxidação, esse produto tem uma vida extremamente mais... Congelamento, congelamento muito rápido, se você come, hoje, um hambúrguer congelado, muitas vezes ele é congelado em temperaturas hidrogênicas, com o nitrogênio, na câmara de nitrogênio, por exemplo, pra que ele não perca as características. Então, a gente está presente em toda essa camada. Na parte de carbureto, carbureto é matéria prima fundamental, hoje, pra siderurgia, porque a gente vai ficando cada vez mais com matérias primas menos nobres, elas são mais impuras e precisam ser purificadas, então, a aplicação é pra melhorar a qualidade do ar, isso é importante. Com o acetileno você tem um gás que, mesmo com essa tecnologia toda, ainda é quase fundamental pra estaleiros, pra produção de navios, pro corte de chapas muito grossas você ainda usa muito o acetileno. E eu ainda acredito que num futuro, não sei quando virá, a forma como a gente produz carbureto, que é uma forma quase renovável, porque o carvão vegetal é renovável, ela pode ter ainda um desempenho. Quando o petróleo finalmente decair, tiver muito reduzida a produção do petróleo, eu acho que, ainda, um dia, poderá voltar a ser um gás importante pra produzir energia mesmo, porque tudo é uma questão de custo hoje, é inviável pelo custo. Hidrogênio é extremamente inviável pelo custo, mas hoje já está se viabilizando em diversas aplicações porque tem uma vantagem e um diferencial fantástico, que é o seguinte: queima de hidrogênio produz água, de combustível produz CO2 que vai afetar a camada de ozônio. Isso na parte de combustível. Na parte de combustão de hidrogênio é fundamental, mesmo o hidrogênio, pro diesel, você usa o hidrogênio pra poder tirar o enxofre, o mesmo enxofre que você tira com o carbureto você tira do diesel com o hidrogênio. É um desenvolvimento, eu acho que a indústria de gás está presente em quase tudo na vida, está presente em quase todos os ângulos da produção industrial.
P/1 – E o que significa a White Martins fazer cem anos?
R – Pra gente estar incluído nesse hall de empresas centenárias... Eu particularmente, vou completar trinta anos, vivenciei 30% dessa vida. Primeiro eu tive uma breve passagem de cinco meses em outra empresa e desenvolvi praticamente toda a minha carreira na White Martins, então, é uma segunda família. Talvez eu tenha convivido mais tempo com a White Martins do que com a minha própria família e conheci diversas pessoas, passamos por experiências grandes. Eu acho que o diferencial da White Martins é o ambiente de trabalho, a gente sabe que a pessoa, uma vez que saiu da empresa, pode ter todos os defeitos, mas o seguinte, a liberdade de você se expressar, de você acessar as pessoas que estava nos cargos mais altos, ela sempre foi uma característica da empresa. Aquela hierarquia rígida na White Martins quase nunca existiu. Existia, vamos dizer, em nichos, mas como espírito geral sempre foi uma empresa muito aberta, dinâmica. Nessa área, então, em que eu estou, não tem um dia que seja igual a outro. Essa área de Saúde, Segurança e Meio Ambiente, você controla crises, você controla acidentes, acidentes de clientes: “Fechou a rodovia, como eu chego com o oxigênio lá?” Caíram as barreiras aqui no... Como aconteceu, por exemplo, no final do ano, no Rio de Janeiro: “Eu preciso levar o oxigênio pros hospitais, como é que a gente faz?” Então, essa administração, como é um produto crítico pra saúde, é um produto que não pode faltar em hospitais, se estiver então numa UTI [Unidade de Terapia Intensiva], ele não pode faltar. Você tem toda uma dinâmica aqui de garantir que esse produto esteja sempre chegando, e a empresa, conhecendo o histórico... Uma empresa que foi fundada por uma empresa brasileira, no início da década, pioneira no trabalho que executa, foi pioneira e sempre trabalhou dessa forma, evoluindo. É uma empresa que se renova sempre, é uma empresa grande, mas que tem mobilidade, extrema mobilidade. Uma vez eu vi, numa revista, um comentário de um presidente, um concorrente nacional, que a White Martins é um elefante, mas que se movia como um animal pequeno, entendeu? Então, essa é muito a característica, é uma empresa que define as coisas muito rapidamente, tem um poder de reação muito rápido, e a gente que trabalha na White estranha outras empresas, porque a dinâmica é tão grande... Tem pessoas que, por exemplo, saíram da White e foram pra empresas estatais e que não conseguem se adaptar, porque a velocidade das coisas é tão... Outro dia eu estive com uma pessoa, que foi pra uma empresa estatal, eu não vou dizer o nome, ela foi almoçar conosco e ela disse: “O meu chefe me chamou pra eu deixar de ser tão ansiosa porque eu estou atrapalhando o grupo, porque eu quero fazer as coisas muito rápido. Eu me acostumei aqui e lá as pessoas não têm essa preocupação, essa curiosidade, então, eu estou estranhando muito, eu não consigo ter essa velocidade que eles têm, eu quero fazer as coisas rápido e não consigo, e aí fui chamada a atenção por querer fazer as coisas muito rápido, mas eu me acostumei aqui (risos) a fazer as coisas, assim, com velocidade, fazer várias coisas ao mesmo tempo.” Então, acho que esse é o diferencial, é uma empresa ágil, te dá oportunidade se você trabalhar, te dá muitas oportunidades de desenvolvimento, mobilidade, muita mobilidade se você for uma pessoa que se interessa, tem centenas de unidades espalhadas por aí. Eu acho que fundamentalmente esse é o perfil da empresa.
P/1 – O que você acha da ideia de comemorar esses cem anos da White Martins, e do processo de desenvolvimento industrial da cadeia do gás, através de um projeto de memória oral?
R – Eu acho a ideia excepcional, eu acho que as suas melhores lembranças são aquelas que ficam gravadas pra gente. Por exemplo, as melhores lembranças estão em fotografias ou em filmes, a gente guarda pra rever tempos depois e você recordar o tempo. Eu acho a iniciativa excepcional, porque vai ser uma fotografia da nossa época aqui, além de uma fotografia dessa época trazendo, também, informações de um período longo da empresa, períodos de transformações que a gente viveu, modernização, uma empresa que saiu de uma economia fechada, foi pra economia aberta, viveu esse momento, essa transição de Plano Real. A gente pôde viver tudo isso e exigiu esforço e agilidade extremamente grandes pra conseguir conviver com essas fases que o Brasil teve nos últimos anos, principalmente nesses trinta que eu vivi, saindo de crise de petróleo, crise econômica, e poder ter participado dessa fase e agora estar registrando, eu acho excepcional.
P/1 – E o que você achou de dar essa entrevista pra gente? De contar a sua história?
R – A entrevista eu acho que foi extremamente relaxada. Eu acho que poder contar histórias é uma coisa extremamente boa, porque você primeiro vai voltando no tempo, busca, faz buscar lembranças que estão meio escondidas aqui, você vai buscando e tentando... Se eu fosse voltar ao início, teria muito mais coisas ainda, mas a gente busca trazer as principais lembranças e é como voltar no passado, entrando na empresa e vivendo todo o processo de novo aqui dentro, acho que foi extremamente positivo e gratificante pra mim poder estar dando esse depoimento pra vocês.
P/1 – Eu agradeço.
P/2 – Obrigada.
R – Obrigado.
Recolher