Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Francisco Alves Ferreira Júnior
Entrevistado por Karen Worcman e Carla Gibertoni
Estúdio da Oficina Oswald de Andrade
São Paulo, 12 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 18
Transcrita por Rosália Maria Nunes ...Continuar leitura
Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Francisco Alves Ferreira Júnior
Entrevistado por Karen Worcman e Carla Gibertoni
Estúdio da Oficina Oswald de Andrade
São Paulo, 12 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 18
Transcrita por Rosália Maria Nunes Henriques
P - Poderia dizer o seu nome, o lugar onde nasceu e quando?
R - Olha, meu nome é Francisco Alves Ferreira Júnior, sou natural de Sacramento, estado de Minas, nasci em 1 de março de 1913 num lugar denominado Fazenda do Cafundó, porque o meu pai tomava conta da eletricidade da cidade e lá tinha a usina. Por isso é que tem esse nome de Cafundó. Porque lá chamava Usina de Cafundó e foi justamente onde nasci, em 1913.
P - Faz muito tempo isso?
R - Pegando uma calculadora, fica fácil.
P - Onde, em que parte de Minas fica isso?
R - Fica no Triângulo Mineiro, entre Uberaba, Sacramento e Conquista. E também tem uma ponte lá chamada Jaguara onde transitava num certo tempo a Mogiana. É no Triângulo mesmo, chamado Triângulo Mineiro, que fica a cidade do Sacramento.
P - Seu pai trabalhava lá, qual era o nome dele?
R - Olha, o nome do meu pai era Francisco Alves Ferreira e a minha mãe Antônia Maria de Jesus. Tenho certeza que esse casamento foi lá por 1912, 1911 por aí, que sou do 13. (risos)
P - É o primeiro filho?
R - Primeiro filho.
P - Tem muitos irmãos?
R - Não. Desse casamento, o meu pai foi casado duas vezes, desse primeiro casamento uma irmã só, falecida já, teve dois filhos só.
P - Depois ele se casou de novo?
R - Ele casou depois de 1923 porque a minha mãe faleceu em 22 devido àquela gripe espanhola que houve. Nesse tempo já estávamos morando para cá, já não era mais lá em Minas, já estava no estado de São Paulo. Inclusive a cidade era Franca. Ele era um eletricista, sempre trabalhou em empresas assim, de usina, fazendo ligação para as fazendas. Aqui no estado de São Paulo, quando viemos para cá, viemos para Franca e ele então trabalhava num lugar chamado Belo Horizonte. Era uma sub-estação da empresa de força elétrica, Empresa Francana de Força Elétrica. Ele trabalhava nessa empresa, então nós viemos para esse lugar chamado Belo Horizonte. Quando foi por ocasião da gripe, dessa gripe onde faleceu a minha mãe, então voltamos para cidade, ela ficou doente nesse Belo Horizonte e nós retornamos para a cidade. Aí já tinha mais ou menos 8, 9 anos, foi quando entrei no grupo escolar de Franca. Ela faleceu em 22, depois de 22 nós retornamos com a minha avó que tinha vindo morar em São Paulo, voltamos para Minas outra vez. Em 26 o meu pai casou-se novamente, então foi nos buscar lá em Minas, eu e minha irmã. Voltamos para São Paulo novamente, aonde ainda permaneço até hoje. Aí não voltei mais para Minas.
P - Nunca mais voltou para Minas?
R - Nunca mais voltei para Minas, de 26 nunca mais voltei em Minas.
P - Então vamos voltar agora para Minas. Como era a fazenda onde nasceu?
R - Recordo, não era bem uma fazenda, era uma usina que dava eletricidade para essa cidade de Sacramento e as redondezas ali, Conquista. Era uma usina, era a única usina que tinha naquele triângulo ali, essa Usina do Cafundó. Ela então servia à cidade de Sacramento, que tinha bondes nessa cidade, viu? Nós tínhamos uma estaçãozinha além da usina, faço uma base que seja pelo menos uns 80 quilômetros da cidade, passava a Mogiana, a estação chamava Cipó. Então tinha um bonde que vinha de Sacramento a Cipó e essa usina é que custeava esse bonde, essa usina era mais para dar força para esse bonde aí e um pouco de luz para a cidade. Então existia esse bonde aí. E esse bonde tinha um problema com ele, pulava fora da linha toda hora, era só dar uma velocidade, as rodas eram duras.(risos) Então ele saía muito fora dos trilhos. E o meu velho é que trabalhava na usina e nós, quando éramos pequenos, morávamos ali na usina também. Depois viemos para a cidade de Sacramento, foi quando houve a desavença que ele veio para São Paulo. Em 26...
P - Houve uma desavença?
R - Separou da minha mãe, eu tinha mais ou menos acho que uns 6 anos. Sei que em 22 já morava aqui em Franca porque participei do desfile da Independência. Ela faleceu em 22, justamente no dia 3 de setembro. Me lembro que no dia 7 de setembro estava com uma faixa, uma tarja de luto no braço. Então já estava no estado de São Paulo em 22. Quando foi 26 ele recasou outra vez então foi nos buscar, e eu e a minha irmã. Voltamos para São Paulo novamente.
P - Do que se lembra de sua mãe? Ela trabalhava?
R - Não, era dona- de- casa, ela não trabalhava, quem trabalhava era só o meu pai.
P - Quem morava na sua casa?
R - Olha, na minha casa morávamos com a minha avó e com todas as minhas tias, morávamos tudo junto. E vou dizer uma coisa para você. Sabe de que era a casa? De indaía, sabe o que é indaía? Indaía é uma folha assim, então eles faziam aquele, faziam a parede daquilo ali, se pegasse fogo, já viu. (risos)
P - O que é indaía? Me explica.
R - Indaía é um coco, um coquinho que dá no chão e dá uma folha como uma palma, é uma verdadeira palma e naquela palma bem trançada não entra água. Eles conseguiam fazer o telhado e as paredes com indaía, na parede jogavam um barro para ficar melhor. Agora o telhado, não. O telhado era um indaía sozinho mesmo.
P - Mas quando chovia não entrava água?
R - Não entrava água.
P - E quem fez a casa?
R - Olha, quem fez essa casa foi o meu pai mesmo, ele era muito curioso, viu? Muito curioso mesmo, tanto que ele deixou ferramenta, por isso é que fui aprender o ofício. Porque tinha muita ferramenta na minha casa, isso aí já depois que ele casou e já tinha outros dois irmãos do segundo casamento. E via aquelas crianças jogando, tinha já os uns 18 anos, olhava dentro das fossas, que o banheiro era fossa, olhava, vias as ferramentas lá dentro, sabe o que dizia? " Ainda vou aprender um ofício para poder aproveitar essas ferramentas que esses meninos jogam dentro daí. Vou aprender um ofício para poder usar essas ferramentas." Eletricista não mexe mais com isso, aí então vou aprender um ofício para usar essas ferramentas que esses meninos jogam dentro da fossa.
P - Como o seu pai virou eletricista?
R - Olha, isso aí não sei como é que ele virou eletricista. A convivência era muito pouca porque lembro que em 18, quando tinha 6 anos, ele já estava separando.
P - Por que ele brigou com a sua mãe?
R - Ah, mas ele era demais, (riso) ele era um elemento muito ativista demais.
P - Explica isso.
R - Modo de dizer, só que no segundo casamento aí não sei. Mas no primeiro casamento sei que acabamos vindo para cá por causa disso aí. Depois ele nos mandou buscar e ficou tudo certo. Posso enxugar o rosto?
P - Deve. O senhor está com muito calor?
R - Calor não, a vista chorando. Então sobre isso aí, depois que nós viemos para cá aí deu tudo certo até 22, até quando ela faleceu foi tudo bem, em 22.
P - Mas aí ela veio para cá também? Fizeram as pazes?
R - Ele foi nos buscar, veio os dois filhos, que era eu e a minha irmã, mais a minha mãe. Viemos morar nesse lugar que chamava Belo Horizonte. Lá ela ficou doente depois da guerra, aquela chamada gripe espanhola que ceifou um punhado de gente até no Brasil mesmo, por aqui.
P - O que lembra dessa gripe?
R - Lembro que foi uma gripe muito terrível, a gripe espanhola foi uma gripe que levou um punhado de gente.Tanto da Europa quanto aqui das Américas e ela não escapou dessa gripe não. Ela faleceu em 3 de setembro de 22. Como disse, até fiz parte da Independência lá, desfile da Independência já com tarja porque ela tinha falecido naquele tempo. E depois o resultado. Posso continuar aí?
P - Deve.
R - Ela faleceu, daí uns tempos a minha avó, morreu a filha, não ia ficar aqui. Então pegou, retornou para Minas e me levou e a minha irmã e ficou só o meu pai sozinho em São Paulo. Depois ele nos escreveu que estava noivando e que era uma patrícia, não precisava se incomodar. (risos) E que ia nos buscar. Eu morava com um padrinho meu e a minha irmã morava com umas outras pessoas em Ponte Nova, lá para o lado de Uberaba. Ele achou que era melhor trazer os filhos para junto dele. Então foi quando em 26 foi em Minas e nos trouxe de volta, eu e a minha irmã. E viemos morar com a nossa, como se diz?
P - Madrasta.
R - É isso aí.
P - Era boa, como se chamava?
R - Minha irmã não se dava com ela, mas ela me trazia na palma da mão, viu? Ela trazia na palma da mão, fazia roupa para mim, fazia, aquele tempo a gente, quando já estava mais tempo junto com ela, lá para o 27, 28, ela fazia as roupas para mim, tinha prazer de comprar as coisas para fazer, compreende? Me dava muito bem com ela. E foi então quando entrei para escola também, entrei para o Grupo Escolar aí Dr. Washington Luís, em Batatais, entrei mais ou menos em 27 porque cheguei em 26. E dos 27 entrei no segundo ano, passei para o terceiro e do terceiro passei para o quarto ano. Numa sala de 40 alunos, fui o único que fui para o quadro de honra do grupo, era do terceiro o único que tinha o boletim branco, quadro de honra do Grupo Escolar Dr. Washington Luís que tenho até hoje guardado na minha casa. O lápis não trouxe, mas está lá na minha casa lá, quadro de honra do grupo escolar em 1927, média para o terceiro ano do grupo.Filho de pobre não vai ser doutor, então vai sair e trabalhar. Arranjei serviço numa chácara para trabalhar. Então saí do grupo em 27, entrei nessa chácara ganhando 20 mil réis, que naquele tempo era mil -réis. Trabalhei uns dois anos na chácara.
P - Que idade tinha?
R - Tinha 17, 18 anos aí, já.
P - Então já tinha acabado a escola toda? Do primeiro até que ano?
R - Até o terceiro ano. Quando tirei, quando passei do terceiro ano que tirei média para o quarto ano foi quando o meu pai me tirou da escola e me mandou que fosse trabalhar. Me arrumou um serviço numa chácara.
P - O que fazia na chácara?
R - Ah, na chácara, depois virei quase o dono da chácara lá. O homem, ele tinha vacas leiteiras e tinha um moinho, ele fazia farinha e coisa e vendia lá e tinha um moinho. E depois passei a trabalhar lá, peguei tanta prática que depois ele deixou tudo para mim fazer. Recebia o milho, que ia comprar o milho para ele, fazia o fubá, preparava a canjica, que é uma outra máquina que faz a canjica para poder fazer a farinha. Porque a farinha é feita de milho, mas um milho trabalhado, não é esse milho grosseiro. Então é isso aí, ajudava a tratar, lá para o chiqueiro não ia porque tinha outro serviço e aí já era outro empregado. Mas fazia todo esse serviço para ele. E ainda vendia, tinha freguesia na cidade de Sacramento, de Batatais, na cidade de Batatais, que essa época a gente morava em Batatais. E distribuía tudo para aquela freguesia e ainda comprava o vinhozinho branco que o homem gostava muito de tomar, depois que vendia tudo ainda trazia a garrafinha de vinho para ele: "O senhor pode tomar o vinho, o resto é por minha conta." (risos) E assim trabalhei dois anos. E depois sabe o que fiz? Cheguei no meu pai: "Aqui, olha, já estou com 19 anos, tenho que aprender um ofício, vou sair dessa chácara e vou aprender um ofício." Continuo?
P - Lógico.
R - " Vou aprender um ofício." Então saí da chácara em 1931 ganhando 20 cruzeiros, fui ganhar 10 cruzeiros no ofício de marcenaria para aproveitar aquelas ferramentas que o garoto jogava dentro da fossa lá. Entrei nessa firma, trabalhei cinco anos, a maior parte na lustração.
P - Como decidiu aprender um ofício?
R - Ah, olha, estava trabalhando no campo e tinha um colega meu que trabalhava numa firma lá, nessa firma chamada João Fandacine. Ele falou: "Escuta, por que você não vem aprender o ofício aqui na João Fandacine? Você está trabalhando aí de coisa, está trabalhando nessa chácara aí, porque você não vem aprender um ofício aqui?" Então falei: "Ó," foi quando cheguei no meu pai e falei: "Olha, vou sair e vou aprender um ofício." Ele não fez questão também, não. Entrei, e resultado: acabei, quando vim para São Paulo... aí já estou bem adiantado, mas vou continuar...
P - Vai continuando, depois a gente volta.
R - Quando vim para São Paulo em 32, 37, deixei a nossa casa mobiliada com mobília que fiz. Falei:"Vou mudar para São Paulo, mas vou deixar a casa..." Fiz tudo, mesa, cama para os meus irmãos, minha irmã, fiz três camas lá, fiz a minha também. E depois então falei com ele: "Agora estou com 24 anos, 23 anos, vou largar do paletó do senhor." Ele falou: "Bom, se fosse a sua irmã ia fazer questão, mas como é você, pode ir." Foi quando vim para São Paulo, 1936, mas primeiro mobilei toda a casinha dele lá, deixei os móveis tudo mobiliado, a casa toda mobiliada, então aí que vim para São Paulo. Isso foi em 1936. Agora lá nessa firma que trabalhava antes cheguei no Fandacine, depois de cinco anos que estava trabalhando:"Se você não me der serviço no banco vou sair da empresa." Porque tinha a ferramenta, bem, peguei muita prática em marcenaria, aprendi tudo, comecei do nada lá, do verniz que a gente começa, do verniz mesmo. E dentro da empresa a gente é obrigado a aprender a dobrar uma serra, o bom marceneiro mesmo ele passa a mão nessa serra, faz assim, joga a serra, a serra dobra, faz assim e desmancha, se não souber ela bate no rosto também.
P - Como é? Explica de novo.
R - Chama serra de fita, ela vem enroladinha mas é uma serra que precisa de uma malícia. Para abrir ela você tem que abrir com um certo cuidado por dentro. Então você faz assim, solta no chão e ela abre. Agora, para fechar também você tem que ter uma malícia de fechar, depois ela pega um jeito, você joga no chão e ela fecha outra vez. Então, quando alguém chegava para aprender o ofício, a primeira coisa que o dono da fábrica fazia era dar uma serra para ele: "Abre essa serra aí." (risos) O sujeito que não abria a serra não ia trabalhar não.
P - E como se usava essa serra?
R - Essa é aquela serra, aquela serra de passar madeira, chama serra de fita. Tem uma roda em cima e outra embaixo, mas ela é uma fita mesmo, era uma coisa assim. Tem o dente de um lado só e do outro lado não tem dente. É como se fosse uma faca de dente. Então aquilo ali você tem que aprender para saber como é que abre porque elas são, ela não é guardada inteira, não é guardada enroladinha. Então para desenrolar ela tem uma malícia e para guardar também tem a mesma coisa, ela fica, ela faz três rodinhas depois, mas com a malícia de você dobrar ela para dentro. Então quando a gente chegava nas empresas a primeira coisa que o sujeito: "Suba assim, nego, camarada, coloca a serra para mim ali, faz favor."
P - Mas quando chegou nessa empresa disse que queria aprender ou já sabia?
R - Não, aprender, sabia que era aprendiz, entrei como aprendiz.
R - Não, aprender, sabia que era aprendiz, entrei como aprendiz.
P - E aí o que queria dizer, se não entendesse?
R - Ah, ele aceitou, naquele tempo...
P - Iria trabalhar com alguém?
R - Não, você chega na fábrica sem saber nada.
P - E aí o que mandaram o senhor fazer?
R - Verniz. Primeiro tinha que encher a mão cheia de verniz, porque o verniz qualquer um pega. Isso acontece. A primeira passada você dá que você lambuza tudo, não faz mal porque chega outro depois e termina. Mas a primeira coisa que dão para o camarada numa oficina é verniz.
P - E depois, o que acontece?
R - Depois, aí você vai pegando prática, você vai passando para outras coisas. Trabalhei cinco anos com verniz, aprendi a envernizar mesmo, trabalhava com qualquer verniz.
P - O que usava para passar verniz?
R - Usava goma laca, que usa até hoje. Hoje em dia o verniz já é outra coisa, mas antigamente era o verniz a goma laca. Então tinha o verniz a goma laca e tinha o verniz a breu, a gente usava um pouquinho de breu. Breu então dava aquele lustro, mas só que se cai água ali, já viu. O outro não, o outro era um verniz que parece verniz de piano, se caísse água podia limpar que o verniz ficava do mesmo jeito. Então trabalhei, aprendi isso aí. Então, quando ele me deu serviço no banco trabalhei também só um ano, um ano e pouco e já estava com vontade de vir para São Paulo
P - Que serviço no banco?
R - O banco era fazer as peças, foi aonde aprendi fazer as peças. Aí você ia ver, ia na máquina, ajudava na máquina, vinha no banco, serrava, montava, colava e fazia as peças. Tinha até esse colega que me levou para lá, é um oficial de mão cheia, o rapazinho. Ele trabalhava com jacarandá da Bahia, que é uma madeira duríssima, fez uns móveis para casa dele bonitos para diabo. "Stanislau fez móveis para casa dele, vou fazer para a minha também" Só que o meu fiz de pinho mas fiz mesa, o guarda-louça, ainda fiz com segredinho, com o cofre na frente, com espelho, com um punhado de coisas. Mas deixei isso aí feito quando vim em 36 para São Paulo.
P - Por que veio para São Paulo?
R - Ah, porque queria aprender coisa melhor. (risos) Sabe o que acontece? Lá onde eu morava tinha só quatro ruas. E tinha um colega chamado Francisco também e ele até eu chamava de Chiquinho Sabiá, chamava Francisco e então chamava Sabiá. "Sabiá, puxa, isso aqui não vai, a gente tem que mudar dessa cidade aqui e ir para São Paulo. Isso aqui, 9 horas não tem mais ninguém na rua." (risos) E com esse negócio acabei pondo na cabeça, acabei, tinha um cunhado meu aqui, cunhado não, primo. Era bombeiro, falei: "Souza, aí não tem lugar para marceneiro aí, é difícil arranjar serviço?" Ele: "Não, vem aqui que te arrumo serviço logo, vem aqui que vou te arranjar uma pensão para você aqui, vem para cá." E aí foi quando dei vontade de vir, falei com o velho, então vim. Quando foi maio de 37, lá, passei a mão numa maletinha que tinha, botei as ferramentas dentro e passei a mão nas bugigangas e vim bater em São Paulo aqui. Aquele tempo era o tempo da garoa, cheguei aqui com um frio danado, garoava, e o meu primo foi me esperar na estação. Agora tinha uma tia minha que morava aqui, ela era meio atrapalhada da cabeça, falou: "Você quer morar na pensão ou quer morar com a sua tia?" " Vou morar com a minha tia, vim com pouco dinheiro." Pior viagem. Fui morar com ela, ela era uma que todo dia mudava de casa. (risos) Cheguei lá e ela: "Muito bem." E fui morar com ela, daqui um pouco ela mudou de casa, mudou de coisa, e depois esse Chico Sabiá veio, ela falou: "Você aqui, estava bem. Agora com esse outro aqui não vai dar." Então mudamos para o Brás, para uma pensão os dois juntos, arranjei serviço numa empresinha lá e fiquei trabalhando por lá. (risos) Mas sempre dentro do ofício. Então foi aonde comecei aqui em São Paulo. Ah, falei do Fandacine onde o rapaz me arrumou? Entrei lá em 31.
P - Aonde?
R - Lá em Batatais. Entrei em 31 naquela firma.
P - Como se chamava a firma?
R - Luís Fandacine e Filhos, era encostado com a cadeia pública de lá. Resultado: trabalhei cinco anos e tanto, quando falei: "Se não me derem serviço no banco vou embora disso aqui porque lustração já sei." Então ele me deu um pouco de serviço e fui trabalhar numa outra empresa lá. Antes, primeiro fiz os móveis para casa lá, fiz, lustrei e levei tudo para casa, depois então pedi a conta e fui trabalhar numa outra empresa chamada Júlio Nori e Companhia. Trabalhei uns seis meses só para pegar o dinheiro para vir para São Paulo.
P - Ganhava bem nessa época?
R - Não ganhava, nada.
P - O que dava para fazer?
R - Sabe quanto? Não digo que ganhava 20 na chácara e saí para ganhar 10 de aprendiz?
P - Mas depois de cinco anos o senhor estava ganhando quanto?
R - Uns 20 ou 30 só também, lá para o Interior é...
P - O que dava para fazer com esse dinheiro?
R - Como o meu velho não pedia nada, fazia isso aí que falei, comprava roupa para mim, que a minha madrasta fazia uns terninhos lá de qualquer jeito. E é isso aí, continuava trabalhando lá até que vim para São Paulo.
P - Era muito festeiro lá em Batatais?
R - Olha, em Batatais era músico, viu?
P - O que tocava?
R - Banjo. Tanto que tenho uma foto em 1934, um dia falei com a minha patroa: " Tenho foto aí." "Ah" Então peguei, fui lá dentro e peguei, estou tocando banjo e em cima assim tem um camarada segurando o estandarte do cordão carnavalesco, está escrito 1934. Então está lá na minha casa para mostrar para quem quiser. Então desde 1934 fui muito inclinado à música, o meu velho até achava ruim, comprei um cavaquinho, ele chegava às vezes do serviço e estava lá. Então sabe como fazia? Passava a mão numa palha, palha de milho, e ia lá para o meu quarto. Ficava lá até meia noite tocando, fazendo aquelas posiçãozinhas. (risos) Depois, no fim, ele viu que fazia parte da orquestra, tocava bumbo numa banda, era rapazinho. Tocava bumbo na banda e tocava banjo na orquestra de lá da cidade, compreende? Inclusive revezava, tinha duas lá, a nossa era mais pobre mas tinha outra lá. Quando o outro faltava me chamavam lá para tocar lá.
P - Que tipo de música tocava?
R - Aquele tempo era bolero, era o samba-canção.
P - O senhor cantava também?
R - Para cantar sempre fui elemento muito mal, muito mal para cantar. Mas música, gostava muito de tango, de tocar tango, e o banjo, bolero. Para dizer a verdade ultimamente, agora ultimamente tinha um conjunto de rítmo. Sabe o que é um conjunto de rítmo? É um saxofone, bateria, violão elétrico, um pandeiro e um camarada que canta, isso chama conjunto de rítmo, faz festinha para qualquer um. Vê aí, vejo aí agora, é tudo os elétricos, mas naquele tempo não. Os instrumentos eram puxados na mão mesmo, ali. Tinha um conjunto de rítmo, fazia bailinho, fiz muito bailinho assim com conjunto de rítmo ultimamente. Tanto que no sindicato de marceneiro aqui formei uma orquestra que chamava Departamento Recreativo, em 56, que tocava para os metalúrgicos, tocava para os gráficos, essa turma aí fazia os piqueniques e não tinha orquestra, chamava a dos marceneiros. A única coisa é que não dava prejuízo no sindicato porque cobrava, pagava os músicos e ainda sobrava dinheiro para o caixa do sindicato. Tanto que uma vez houve uma eleição da qual eu fazia parte como oposição, perdi a eleição, o elemento que ganhou as eleições: "Nós vamos contratar uma orquestra." "Nada disso, a orquestra que vai tocar na festa de vocês vai ser a orquestra do sindicato dos marceneiros." "O quê?" "Nós tocamos para metalúrgicos, tocamos para os gráficos, marceneiro vai fazer uma festa e vamos contratar orquestra de fora, não. "Ah não, nós queremos orquestra de fora." "Então vocês pagam com o dinheiro de vocês." Porque era o tesoureiro, falei: "Não dou nem um tostão para festa de vocês, esse sindicato nosso aí." (risos)
P - Mas então chegou em São Paulo foi trabalhar aonde?
R - Olha, quando cheguei em São Paulo, primeiro serviço quem me arranjou para mim chamava, deixa ver, não, não. Cheguei em São Paulo, fui trabalhar assim que achei servicinho aí, na Rua do Arouche. Tinha muita fábrica, naquele tempo tinha fabricazinha, o Brás era só fábrica de marcenaria. Então fui trabalhar no Largo do Arouche, trabalhei uns dias até ganhando bem, ganhava 1500 por hora, que era um dinheirão danado Oito vezes um oito vezes cinco 40, 12 cruzeiros por dia.
P - Dava para comprar o que com esse dinheiro?
R - Dava para pagar uma pensãozinha e coisa. Como a minha tia passou a mão com as mudanças dela, fiquei sem dinheiro. Então comecei a pôr algum de lado com esses servicinhos. Depois foi serviço avulso, mas depois fui trabalhar numa firma chamada João Aguiar. E aí, sim. Ao invés de ganhar 1500 por hora sabe quanto passei a ganhar? 800 réis, 80, era 1 e 50 e caiu para 80, 80 centavos, no João Aguiar.
P - E por quê?
R - Porque o outro era serviço avulso e serviço registrado. E aí foi aonde que registrei a Carteira.
P - Primeira vez?
R - 80 centavos. Nesse João Aguiar trabalhei bem acho que uns dois anos. Depois saí, passei para Móveis Record, andei trabalhando numas firmas na Rua Piratininga, diversas firmas na Rua Piratininga. E futuramente entrei, em 40, no Gaspar Villa, onde fiquei 28 anos.
P - Antes disso nunca tinha registrado a Carteira?
R - Não, registrei a Carteira justamente no João Aguiar, foi o primeiro lugar.
P - Por quê? O senhor quis?
R - Não, não me passou. No Interior passou um departamento registrando Carteira, em 1932 registrei a minha Carteira no João Fandacine. É, tanto que ganhei cinco anos com aquele registro na minha aposentadoria. Registrei a Carteira no Fandacine em 32 quando passou essa turma lá. Então, de lá para cá fui registrar no Aguiar com os 80 centavos. E depois daí passei para o Gaspar Villa, em 42. Então aí passei a ter a Carteira registrada direto, até hoje,.Como trabalhei de 42 a 62 no Villa, lá fiquei todo esse tempo.
P - E que tipo de móvel no Interior e depois aqui, o senhor fazia? Quem era a freguesia?
R - Olha, lá no Interior nós fazíamos muito era o chamado guarda-louça. (riso) Agora aqui no Gaspar Villa nós trabalhávamos para a Prefeitura.Móvel de escritório, essas escrivaninhas que usa hoje em dia, eu era especialista em fazer essas escrivaninhas, essa de três gavetas de um lado, uma gaveta no meio, com segredo, trabalhei muito nessa aí, sendo que fazia a outra também, mas trabalhei muitos anos nisso aí.Como era um serviço mais leve, pouco espaço, então pegava sempre meia dúzia dessas coisas e em 15 dias dava elas prontas com tampo, lixadinha com mão e tudo, nada de lixadeira de rolo não, era com a mão.
P - Que madeira era?
R - Trabalhávamos muito na imbuia.
P - Vinha de onde esta madeira?
R - Essa era, imbuia, naquele tempo, aqui do lado, Paraná não é não, o Paraná também, vinha do Paraná também a imbuia. De móveis é o que mais tinha. E jacarandá da Bahia também, que era um serviço de luxo, aí já era um serviço mais de luxo. Mas aí já era quando trabalhava na prensa, trabalhei muito tempo no banco, depois fui aprendendo e acabei ficando na prensa, fiquei oito anos, trabalhei em prensa, só na prensa, larguei o banco.
P - Como se faz na prensa?
R - Na prensa a gente tem que comprar, a firma comprava as caixas de folhas e pegava elas, as caixas vem tudo assim, então pegava e juntava isso aqui.
P - Não entendi, explica de novo.
R - Olhe essa folha, a tora é isso aqui, redonda. Então a gente dá um corte, ela fica quadrada, então tem as laminadoras que, esse processo, nunca fui ver uma laminadora, mas elas tiravam aquelas folhas, cozinha madeira e aquelas folhas saem. E depois põe para secar e vende em caixas, cada caixa tem um desenho, cada pote tem um desenho. Então é isso aí. Se ela tem esse desenho aqui ela vem encurtando, então o folhador tem que aprender a juntar ela aqui. Tem uns bem aqui, ela está sempre com o mesmo desenho, olhe, está vendo? E a outra você joga aqui, então ela continua com o mesmo desenho quando é uma porta larga. Agora, quando é uma porta estreita, então aqui dá 60, já tem uma porta de um guarda-roupa. Mas a gente tem que selecionar quantas portas vai para fazer aquilo na prensa, prensa mesmo o aglomerado, e você passa uma cola que chama cascanite e coloca aquela folha, mas tem que ter um tempo porque senão a cola não seca. Ela dá um tempo aí de 30 minutos conforme você tempera ela e prensa é a pressão que segura aquela coisa. E ela assenta mesmo, a prensa tira aquela água e a cola escorre, não pode deixar bolha. Então tem a malícia, então tem que apertar os parafusos do meio jogando a cola para fora. Esse foi um serviço que fiz, fiz 10 anos mais ou menos na empresa.
P - Na?
R - Isso já foi no Gaspar Villa, depois que entrei no Gaspar Villa em 42 aí passei a ser prensista, mesmo porque nas outras empresas vim só aprendendo alguma coisa. Agora no Gaspar Villa foi que fui aprender a trabalhar em folha, inclusive...
P - Qual é o serviço mais complicado?
R - É o serviço mais de luxo. Ali fazia tudo, você fazia as portas dos guarda-roupa, dos armários, fazia, o marceneiro trazia as portas para você e você é que fazia o desenho para ele depois colocar lá. A porta de cima tinha que acompanhar a de baixo, sempre com o mesmo desenho, as portas de cima. Ou quando a folha era comprida você fazia ela comprida, depois cortava, trazia ela quase com o desenho pronto. Isso foi o serviço que fiz muitos, muitos anos. Fiz 10 anos prensa, nesses todos anos que trabalhei na marcenaria, 10 anos fiz de prensa, aprendi a trabalhar em prensa. E além do serviço de marcenaria, porque a marcenaria tem uma, a madeira tem uma malícia, ela está sempre assim, você corta ela e ela é assim. Agora, se o elemento fizer uma porta assim, ela jamais assenta. Então você tem que ter aquela malícia da madeira e fazer a porta assim, porque quando você põe uma fechadura para fechar, ela faz isso aqui. Agora, se ela for assim, você faz assim e ela faz isso aqui, ela jamais encosta no monte. Tem tendência sempre, cada vez puxar mais, assim não ela tem tendência, assim o ar de dentro puxa ela e ela então endireita, compreende? Então é uma malícia que tem quem trabalha com marcenaria. E fora as outras coisas que a gente pega prática de trabalhar aí. Fiquei com tanta prensa na marcenaria que queria comprar folha. Chegava lá na folha, o vendedor: "Aqui, uma caixa aqui, boa." Olhava a folha: "Não, faz favor, dá uma virada nessa caixa aí, tira a folha de dentro." Sabe o que eles falavam? "Puxa, você é mais exigente do que o dono que está comprando." Falei: "Sou mais exigente porque sou eu que trabalho com a folha." A folha às vezes tinha um sinalzinho assim e lá dentro ela tinha um buraco, já conhecia. Então olhava aqui e mandava virar ela, era uma tora, então olhava lá atrás, se aquela tendência estava para aumentar ou para diminuir e levantava a folha no meio e olhava: "Pode levar essa caixa." (risos) E os camaradas vendedores achavam ruim por isso, que a gente pega malícia, vê um sinalzinho de nada e lá dentro a folha estava estragada, então você não compra. E os vendedores também têm malícia, põe uma folha boa em cima e deixa as outras no meio, compreende? (risos) Então chegava "Vim aqui para comprar madeira, o patrão saiu, você..." "O patrão é ele," na cara do patrão, "mas quem trabalha sou eu.Ó, essa aqui está boa, esta aqui não, essa folha tem defeito no meio." Não dava outra, o sujeito, compreende? (risos)
P - Como entrou nessa firma?
R - No Gaspar Villa?
P - Sim.
R - No Gaspar Villa por intermédio de colegas de serviço. A gente trabalha num serviço, então você pergunta para o outro. Tinha um que trabalhava na Pascoal Bianco, ele não me arranjou serviço lá porque naquele tempo era uma das maiores firmas. Mas me arrumou uma pensão onde morei mais de 10 anos.O camarada me arranjou aquela pensão e com o conhecimento dos outros, que tinha dois elementos que eram do Interior, trabalhavam no Gaspar Villa, então disse: "Lá no Gaspar Villa tem uma vaga, porque você não vai lá?" Estava trabalhando em firma avulsa, então entrei no Gaspar Villa. Entrei lá em 42, como gostaria muito de sambar também, um dia ele me deu uma dispensa, mandou descansar. Então aí o camarada falou: "Por que você não vai no sindicato?" (risos) Você vê como é o negócio. "Por que você não vai até o sindicato?" falei: "Ao sindicato?" "Você está trabalhando e só porque você não vê coisa, agora esse camarada está aí." Então fui no sindicato, entrei de sócio, mas nunca...
P - Explica direito. O que gostava de fazer mesmo?
R - Dançar.
P - E aí eles dispensaram o senhor?
R - Ah, mas aparecia às 8 horas, aparecia às 9, todo mundo estava trabalhando e eu chegando lá. (risos) Tinha que levar essa dispensa mesmo. Resultado, depois então o camarada falou: "O Gaspar Villa tem esse negócio." Então entrei lá e depois um dia ele saiu, foi para Santos e lá voltei. Um dia cheguei lá e pedi a conta, aí pedi a conta, viu? Ele me dispensou, entrei de sócio no sindicato e pedi a conta lá também. Ele tinha ido para Santos, então um dia fui lá pegar ferramenta: "Puxa, isso não são coisas que se façam, você aproveita porque fui para Santos e pede a conta." Com ele, o Gaspar Villa, falei: "Não, o senhor foi para Santos, arranjei outro serviço aí e vou trabalhar." "Aqui, vai lá na minha casa mas não fala nada para ninguém." O patrão é sempre assim. "Vai lá na minha casa lá, volta na minha casa lá, amanhã, sábado e segunda-feira você vem trabalhar." Cheguei na segunda-feira, voltei, ele pediu para trabalhar, voltei para trabalhar, a turma queria saber quanto você estava ganhando, nem sabia. Resultado: depois voltei para trabalhar, o Gaspar Villa, ele mesmo, fez o salário, tinha um salário lá, ele mesmo fez o salário. Mas pensa que ele fez muito mais? Também não. Ele pôs lá, aquele tempo 20 centavos, que a gente fala hoje, é aumento para chuchu Lá para 40 o sujeito ganhava 1500, dava 1700, era um dinheiro toda vida. Então voltei para trabalhar. E no Gaspar Villa só saí aposentado. Ah, ficou meu amigo. Depois é tão verdade que quando estive no sindicato quem fez os móveis do sindicato foi ele, aquele tempo então fui buscar.
P - Em que ano foi pela a primeira vez no sindicato?
R - Ah, o sindicato em 57, depois que entrei no Villa ia nas assembléias, então o Salvador, que era o presidente "Por que você não vem aqui sempre? Por que você não toma parte numa chapa com a gente?"Falei: "Não, Salvador, não tenho competência para isso não."
P - O que o sindicato fazia de importante nessa época?
R - A mesma coisa, lutando para, naquele tempo não tínhamos o 13º não. Quando entrei no Villa fizemos muita greve por 13º, nós não tínhamos 13º, nós não tínhamos o salário família, nós não tínhamos salário desemprego, nós não tínhamos nada. Lembra que foi o Getúlio que começou com essa lei aí e depois nós então no sindicato assumimos a luta. Então fizemos greve para o 13º, inclusive a firma lá era delegado de empresa, cheguei lá e paramos a empresa e chegou a dona da firma que era muito minha amiga "Ó senhor Ferreira, deixa a turma trabalhar, senhor Ferreira." "Dona Anunciata, olha, a senhora dá um abono para a gente aqui, a gente, sabe, no fim do ano a senhora dá uns 5 reais para gente, 5 mil réis para a gente aqui, mas agora nós estamos lutando para 30 dias,dona Anunciata. Não posso deixar a turma entrar para dentro, não." (risos) E eles davam mesmo, todo ano eles davam aquele abono para a gente. "A senhora dá, a gente sabe que a senhora dá, coisa, mas nós estamos fazendo uma luta aí é para ganhar um mês, não dá para gente pôr essa gente para dentro." "Ah, por favor, vê se a turma entra para dentro." (risos) Não entraram, não. (risos) Sei que tive muita luta para sair, depois.
P - Quando foi essa greve? O senhor se lembra?
R - Essa foi lá para 50 e pouco, 54.
P - Tinha muitas greves em todos os anos?
R - Olha, aquele tempo nós formamos pacto de unidade e depois chegou, acho que Garcez, e desmanchou. O pacto de unidade era o sindicato dos metalúrgicos, o nosso sindicato sempre foi pequetinho, mas brigüento. Ver sindicato para brigar é esse nosso aqui, o marceneiro. Marceneiro nunca fica, é meia dúzia de gato pingado mas é um caso sério desde os tempos passados. Então nós tínhamos o metalúrgico, que é um grande sindicato, nós tínhamos o tecelão, que é outro sindicato forte, nós tínhamos os gráficos, que são sempre sindicato de luta, vidreiros, compreende, mármore e mais uns outros sindicatos aí. Mas os fortes mesmo eram o marceneiro, o metalúrgico, o tecelão, o vidreiro, esses sindicatos mais de luta. Então esses aí encabeçavam a coisa e os outros acabou, vinha seguindo. Então nessa parte fizemos tudo isso aí, conseguimos o abono. Sabe que o próprio marceneiro fazia, falava? "Será possível que o patrão vai pagar 30 dias de férias para a gente?" O próprio marceneiro, ele mesmo era descrente. Mas de tanto a gente convencer o companheiro, vamos aumentar a luta que isso aqui é a reivindicação de país mais adiantado que consegue isso aqui, vamos conseguir nós aqui também. E acabamos fazendo para o Brasil todo, acabamos conseguindo o 13º, o salário família, o desemprego agora é salário moderno, mas naquele tempo eles usavam o teto, eles davam um aumento de salário mas tinha o teto, chegava ali e dali para cima. Por isso é que digo, no marceneiro foi que deu o melhor aumento que esse sindicato já recebeu até hoje.
P - Mas o senhor depois virou da chapa do sindicato?
R - Não, sabe o que acontece? Quando fechou o sindicato.
P - Quando foi?
R - Em 64 já. Estamos pulando bem na frente, fui o interventor.
P - O que se lembra de 64, por que fechou o sindicato?
R - A turma estava avançando demais, já tinha um pacto de unidade, os trabalhadores estavam avançando demais, já tinham conseguido já o 13º, já tinham conseguido uma porção de coisas e a turma achou que tinha que dar um basta nisso aí. Foi então por isso que fechou o sindicato. Achou que estava, que ele estava muito comunizado aquilo ali, viu? Então assim, catar comunista, o patrão mesmo, esse, o Gaspar Villa, chegou na turma: "Ó, vocês não acreditam no que o patrício fala não, o patrício aí é comunista, viu?" Falava para algum empregado.
P - Patrício?
R - Era.
P - O que quer dizer patrício, senhor Francisco?
R - Patrício é preto, na nossa língua.Falo patrício, mas acho que ele fala: "O nego aí," estou abreviando a coisa.
P - Patrício é o preto. Então vou fazer uma intervenção. Quando o seu pai falou "Ela é patrícia," quer dizer que ela é preta?
R - Preta.
P - Pensei que era mineira, não sabia.
R - Não, porque a turma já ficava no preconceito, o preto também tem preconceito também, compreende? Não parece não, mas também tem um pouco de preconceito. Como lá o único preto dentro do sindicato sou eu, mas estou junto com aquela turma, viu as homenagens aí? A última homenagem aqui, a tesoureira, tenho certeza que ela é que foi comprar este Tech depois daquela homenagem que vocês viram naquele jornalzinho, mostrei o jornalzinho para... Fizeram uma homenagem aqui: "Justa Homenagem", está lá no nosso sindicato, fiz agora, foi mês passado. Então para o Ferreira deram esse Tech, deram um cartão de prata e ainda deu uma homenagem que estou segurando uma bandeira junto com o símbolo do sindicato. Está lá o pica-pau, que é o nosso símbolo, o bichinho está por aqui, está aqui, está o pica-pau, que é o nosso símbolo, e o Ferreira está segurando a bandeira com isso aqui. Então quer dizer que a gente tem que, aqui esse é o nosso símbolo.
P - Mostra para cima, levanta aqui.
R - O nosso símbolo.
P - Por que esse símbolo?
R - É que nós tínhamos, o jornalzinho nosso chamava "O Trabalhador em Madeira". Agora nós temos esse símbolo aqui,o pica-pau, que ficou sendo o símbolo dos trabalhadores marceneiros. Então, na última homenagem que fiz está o Ferreira e está dizendo assim: "O passado construiu o presente". Está o pica-pau de lá e o Ferreira de cá, segurando a bandeira. Falei: "Aqui não vai cair não, aqui não vai cair."
P - O que fazia no sindicato no começo? Que cargos tinha?
R - No começo fui o fundador da Associação dos Trabalhadores Marceneiros Aposentados.A diretoria que assumiu o sindicato em 81 tinha um item, item número nove, que era a fundação do departamento dos aposentados. Então o Joel, que é um elemento que está na federação hoje em dia, inclusive estava ontem lá, na reunião de ontem, é um elemento que depois que entrou no sindicato a coisa mudou, viu? Não é aquele elemento que quer a coisa só para ele, não.Antigamente participei dos outros, a turma era só aquela turma, eles não ensinavam, não. Tinha tanta liberdade que quando estava passando cola na mão lá, o patrão me falou: "Olha, você abre o sindicato" "Abrir o sindicato como? Já participei lá de uma tesouraria." Sabe como é o tesoureiro? Dentro da fábrica tinha o tesoureiro, dentro do sindicato não, mas tanto que ele me orientou que cheguei no presidente e falei: "Ó, se você não me desligar para o sindicato vou lá na Delegacia do Trabalho dizer que você não quer deixar assumir o meu cargo." (risos) Sabe o que eles fizeram? Mandaram vir todo dia às 4 horas, só pagava o sindicato depois das 4 horas.
P - Em 64 fecharam o sindicato e por que o senhor virou interventor? O que aconteceu?
R - Olha, para dizer a verdade, posso continuar?
P - O senhor está com sede?
R - Não. Sabe, em 64 fechou o sindicato, mas fechou todos os sindicatos.Fechou metalúrgico, fechou marceneiro, fechou todos, tudo quanto foi sindicato. Aquele Golpe Militar então fechou todos os sindicatos. O nosso era na Praça da Sé, esse foi o primeiro. (risos) Então alguém nomeou, que era um elemento de oposição, mas a turma, acho que foi a federação, a nossa federação. (pausa) Acho que a federação pegou e falou: "Vamos nomear, vamos pôr o Ferreira." A oficina minha, o Gaspar Villa, em vista da Cama Patente, que era um colosso, um da Cama Patente, um do Gaspar Villa e um de uma firma chamada Fergo S/A, que está fechando hoje em dia. Resultado:, então que havia sido tesoureiro e viu que dei a bronca na turma "Se você não me deixar assumir vou," então já conhecia a coisa de dentro, já tinha me formado como tesoureiro. Primeiro entrei como, na primeira chapa como suplente, a gente tirou o vice-presidente, já assumi a vice-presidência na primeira gestão minha, na segunda já passei para tesoureiro, aí já me escolheram, a turma: "Não, você vai ser," já me bajulando, "Você vai ser o tesoureiro nosso." "Outra vez?" "Não, você vai ser." Então aí passei para tesoureiro e como tesoureiro a turma então viu o tesoureiro lá dentro da fábrica. Não que eles passavam a mão, a diretoria trabalhava bem mas não tendo tesoureiro ali, sabe como é, quem respondia pela tesouraria era um funcionário, ele que fazia, que ia no banco, o presidente assinava, chegava lá e encontrava o papel só para assinar o cheque, compreende? Mas depois a turma falou: "Você é o tesoureiro, você é responsável pelo dinheiro disso aqui." Então já fui pegando qualquer coisa, foi quando exigi, então aí eles me passaram para 4 horas da tarde, trabalhava até às 4 horas da tarde, mas só pagava 4 horas da tarde, pronto. Chegava ali, não assinava cheque nenhum com antecedência. E depois na outra gestão, na segunda, não me aceitaram mais "Esse cara está exigindo muito aqui, vamos pegar outro." Então pegaram outro, então passei a ser oposição, inclusive com esses aí que me orientou também que era do outro lado, também não estava satisfeito.
P - Mas qual era a briga?
R - A briga era que a gente achava que eles não estavam agindo bem, podia comprar uma sede e não havia jeito de entrar dinheiro para essa sede. É tão verdade que em 64, quando do Golpe, esse aqui comprou uma sede, esse aqui não. Só que cheguei na categoria: "Aqui nós estamos despejados, temos um terreno lá, mas terreno é uma coisa, vamos vender o terreno para comprar uma sede ou vamos pôr as coisas do sindicato aí na Praça da Sé?" Então fizemos uma reunião no metalúrgicos, um dia até de greve na CMTC, que aquele tempo ela chamava "custa mais 30 centavos", a turma pôs o apelido, porque ela aumentou para 30 centavos, a turma então: "custa mais 30 centavos", quer dizer que não é CMTC, mas "custa mais trinta centavos" é a CMTC. Resultado:, fizemos aquela assembléia, tiramos uma comissãozinha lá com um pouquinho de gente, sabe que assembléia é assim, a convocação, primeira convocação, na segunda com qualquer número, pronto. Então pegamos com qualquer número e fizemos uma comissão, fizemos uma comissão, tinha até uns elementos que depois que viu que comprei a sede ficaram com dor de cotovelo, aqueles que eram do outro lado pus eles também, viu? Eles aparecem lá, entra na comissão, então entraram na comissão e chamamos a categoria. Fiz a reunião no metalúrgico, chamamos a categoria e mostramos o que estava acontecendo. Então foi autorizado a descontar um dia de cada um do aumento salarial que ia vir e eles tinham feito uma campanha para a sede própria, mas o dinheiro estava nas empresas porque eles foram sair em março, e é em março quando começa a entrar o imposto sindical. Então ficou aquele dinheirinho lá mas para recolher e a turma para pagar, vou dizer, não pagavam nem para ele, quanto mais para um que entra de novo. Só que a turma ficou com medo desse negócio de fechar sindicato, patrão não pagar, até o Sesi veio para o meu lado também para ajudar, viu? Tinha uma ajuda danada do Sesi nessa campanha. Resultado: então fizemos a campanha do salário e chamamos o advogado, tinha um advogado que cuidava de imóveis, dr. Pinto Ferraz, ele falou: "Tem uns imóveis assim na Rua Florêncio de Abreu aí, tem uma firma aí que está meio em perigo aí, tem uns andares lá para vender, vai lá dar uma olhada." Ele falou para mim. Cheguei lá, falei: "Sou do sindicato, estou interessado numa coisa, quanto é?" O cidadão: "Tem isso aqui, 30 milhões à vista." 30 milhões à vista naquele tempo era dinheiro toda vida. Chamei o dr. Ativa, que está lá até hoje lá: "dr. Ativa, tem um negócio que é 30 milhões à vista." Nós vamos dar um jeito, vamos fazer uma coisa aqui, oferecemos 15 e depois 15, vamos desdobrar isso aí, vamos ver se eles aceitam." Resultado: chegamos lá na Confermat, ela estava a perigo também para pagar umas dívidas dela lá, então aceitou 15. Então batemos naqueles que já tinham feito a campanha e fomos em cima em três, a diretoria era um punhado, mas nós éramos só em três interventores, presidente, falei: "Olha, como conheço toda a turma, conheço o dr. Cristovão Pinto Ferraz," que é esse que achou o imóvel, conheço dr. Ativa, conheço dr. Invantera, que é cunhado do dr. Ativa, conheço dr. Rubens, advogado, todos esses aí. Conheço Lindo Passione, que é o que tomava conta, fazia o papel de tesoureiro, conheço Américo Estéfani, que usava na burocracia ali, conheço o Giovanini, que era o que cuidava dos processos na Justiça do Trabalho, conheço Benedito Ventura, falei para os dois ali, que faz o INPS. "Então, como conheço esse pessoal, vou assumir essa presidência. Você, Herbert, que tem um pouquinho de prática de datilografia, assume o secretariado, e você Bigiatto, que é da Cama Patente, assume a tesouraria." E foi isso que fizemos. Em três. Quando foi em 66, sede na Florêncio de Abreu, sede comprada e paga, sabe o que o Gastão falou? "Você pagou porque tinha dinheiro." É que eles não sabem que tenho lá em casa os fax lá tudo guardadinho, viu? Hoje não precisa, porque a coisa mudou.
P - Mas aí ficou na presidência até 66?
R - Quando foi 66 liberaram, o nosso sindicato foi o primeiro a ser liberado, a justiça diz que Sindicato dos Marceneiros liberado pode dar a eleição. Convoquei a turma, dei a eleição, a sede cheirando tinta, perdi a eleição por quê? "Ferreira é do patrão, está sendo ajudado pelo Sesi, está sendo ajudado pelo patrão." E foi mesmo, só que nós compramos a sede e pagamos. Resultado: então eles fizeram a eleição "Ferreira é do patrão," sabe? "Trabalhador é aquele lá." Agora está tendo uma eleição aqui, eles estão falando: "O outro é palhaço, vai se sentar no colo do outro." Aquele que fica fraco é sempre assim. Como estou lá dentro também, que não posso puxar para o outro lado porque sou lá de dentro e tenho a cabeça no lugar, então fico ouvindo tudo isso aí. Resultado: então o que aconteceu foi isso aí, é que no fim fizemos esse levantamento todo, aquelas empresas que não pagavam vinham pedir folha para fazer a inscrição dos empregados que tinha lá. Só sei que quando vi tinha a importância do pagamento da sede e ainda mais dinheiro para receber das empresas. Então do Sindicato dos Marceneiros, na Florêncio de Abreu, só não tirei a escritura, porque se perder a eleição não ia tirar a escritura, ficou para os outros. Mas que tinha dinheiro para tirar a escritura, tinha. Então, então aconteceu foi isso aí, em 64. E sempre gozei de boas amizades lá dentro, que o que falo não preciso esconder porque estou falando o que é certo. Resultado: então essa diretoria do companheiro Joel, que é uma diretoria que deu uma guinada nesse sindicato mesmo, depois que entrou o Joel.
P - Quando foi que ele entrou?
R - Ele entrou em 81, não fazia parte das outras diretorias.
P - Mas de 66 até 81, quem ficou como presidente do sindicato?
R - Primeiro, quem ganhou as eleições quando eu estava foi Alberto de Oliveira Campos, já falecido, houve um acidente com ele, ele faleceu. E teve um outro que substituiu ele, chamava Antônio Quiaqui, esteve lá até pouco tempo e foi para a federação e nomeou o Nelson Rodrigues, Nelson Gonçalves, que ficou até agora Joel. E sabe, a gente fica num lugar e quando vê que a coisa está coisa, então aonde é a oposição. O Joel era um elemento da situação e agora é da oposição, sabe onde ele está? Presidente da Federação Brasileira, ele é o presidente da Federação hoje em dia, nomeou um elemento que está lá na diretoria do sindicato, 100%, que é um elemento cabeça no lugar, é o que está dirigindo o sindicato hoje em dia. E depois da década do Joel, Joel é um elemento que não quer a coisa só para ele. Foi dentro das bases procurar, os melhores elementos de oposição antiga estão dentro do sindicato, o Ferreira não era um elemento antigo, de oposição? Está dentro do sindicato, agora tem outras oposições. Quem era oposição está trabalhando dentro do sindicato e com curso, faz curso, todo mês tem curso, agora estão fazendo curso por causa, está mudando a coisa no Brasil, então precisa curso para essa turma não ficar no tempo do onça, compreende?
P - Então, quando foi que parou de trabalhar com madeira?
R - Olha, parei de trabalhar com madeira vai fazer um ano, porque até então vim do sindicato procurando serviço, não no sindicato, vim procurar serviço nas empresas. Tinha um companheiro que trabalhava nas empresas, falei: "Olha, tenho o meu carro e não custa nada, já sou aposentado e a gasolina agora é barata. Agora se vocês acharem para a Via Anchieta onde precisa de um prensista aí, pode falar que vou trabalhar."
P - Quer dizer, trabalhou na Gaspar Villa até quando?
R - Até 68. De 42 a 68, dentro do Gaspar Villa, trabalhei 28 anos.
P - Aí se aposentou?
R - Aí depois aposentei porque já tinha cinco anos do Interior, oito e cinco 13.
P - Mas aí se aposentou e continuou lá ou foi...
R - Quando aposentei, saí. Saí do Gaspar Villa, trabalhei em outras empresas aí, se fosse contar mesmo tinha trabalhado mais de dez anos numa outra empresa aí que não ficou no registro, compreende? Agora no marceneiro estou há nove anos, lá registrado no sindicato como prestador de serviço.
P - Do sindicato?
R - Do sindicato. E faço parte dos aposentados, sou da diretoria dos Aposentados Marceneiros de São Paulo, fundador.
P - Vamos voltar um pouquinho, qual era o nome das ferramentas que usava para fazer o seu primeiro trabalho e depois, quando virou prensista, o que mais usava? Seu primeiro trabalho o que era?
R - A primeira ferramenta que todo marceneiro usa é uma turquesinha , um martelo desses de arrancar prego, plaina, plaina que a gente chama é essa de raspar madeira, essa tudo moderna aí precisa dela sempre porque o acabamento é sempre dado no prédio. Raspadeira de mão, lixador de mão, chamado o bom marceneiro tem que saber fazer isso aí, se precisar fazer um móvel, ir para a máquina ele faz, porque ele fura com o arco de pua, ele faz tudo. Era o caso do meu pai, meu pai tinha todas as ferramentas, tenho o arco de pua que a gente põe o ferro até hoje, hoje em dia não, hoje o motor brbrbr, hoje não, naquele tempo era o arco de pua, não tinha motor elétrico, não. Então o marceneiro precisava de um serrote, um serrotinho de costa que era para o sujeito cortar, o serrote de costa, ele tem a costa, então é um serrotinho duro, é baixinho assim. Agora tem o serrotão grande que ele é mole para cortar uma madeira mais dura, então você passa um óleo nele, mas ele corta. Agora o serrotinho de costa é para fazer serviço, para fazer uma moldurinha, é aquele serrote de costa que a gente usa. Então é isso aí, serrote de costa, plaina, martelo, uma raspadeira, um dois ou três formão porque o formão precisava às vezes para abrir a boca chave, a chave tem um segredinho para enfiar, a gente fura ela depois a gente corta para fazer para a chave entrar na gaveta, então tem isso aí. Era a ferramenta que a gente usava, formão, a plaina, serrotinho de costa, o arco de pua com os ferros, e a galopa, se é uma coisa comprida, você não vai passar uma plaina desse tamanho, então tem ela, ela guia, ela põe qualquer coisa na linha. Onde ela pega, muito bem, onde ela não pega ou tem buraco ou tem lombo, o lombo ela tira para não passar em cima, se tiver lombo ela tira, deixa lisinho. Então isso aqui quando é porta assim que você vai ajustar uma porta, quando a porta está pegando em algum lugar, você olha bem e às vezes passa a galopa só ali onde está pegando, para trás não precisa porque senão abre um buraco na porta. Então é isso aí. A galopa, que chama, a plaina, serrote de costa, a chave de fenda precisa e o lixador, que é um pedacinho de borracha preso num pedaço de madeira que é para ficar liso. Então, se você pegar a lixa com a mão, alguma vez ela até roe ali toda a mão da gente aqui, porque a lixa sempre come um pouquinho, mas o sujeito que tem prática aquilo ali não é nada. É o que se precisa para um marceneiro. Ah, e um que se chama sargento, é uma base de ferro assim com uns buraquinhos, então você vai mudando, quer apertar uma porta assim você muda aqui, bota um pedaço de madeira para não machucar a peça dos dois lados e vai apertar. Então você cola as duas portas, põe as almofadas dentro, as almofadas que nós chamamos é a tira de madeira que vai dentro das peças, aqui é liso às vezes por dentro, aquilo ali chama almofada, que nós usamos. E aquilo ali já tem um canal por dentro e a gente tem que calcular também para não ficar forçando a madeira também, quando encostou ali não pode estar forçando porque senão ela embodoca e fica sujeita a trincar no meio. É isso que se faz numa marcenaria.
P - E quando vira prensista o que usa?
R - O prensista, esse já é uma coisa mais delicada, aí ele tem que aprender a malícia de folha, a malícia da prensa porque se o camarada não souber ele passa um coisa e fica toda cheia de bolha. E a folha você sabe, é um papel, é fininha, a folha é 1 milímetro, então você tem que passar aquela folha do jeito que quando chegar na lixadeira não pode ter bolha, que se tiver bolha fura, então estraga o móvel. Então você tem aquela malícia, então você passa a cola, tem umas chapas galvanizadas que a gente joga no meio com o papel. Põe um papel hoje, quando a prensa é quente, como não trabalhei em prensa quente, trabalhei na prensa em fria, então punha o plástico, o plástico não pega cola, então ajudava aquilo a frio, ele ajudava a estender a cola, depois você tirava, balançava, aquelas colas ficavam nele e a parte aqui ficava prensada, e a outra também que vinha em cima prensava, porque tinha aquela folha no meio que ajudava estender a folha. Esse é o segredo da prensa, é saber apertar, não podia apertar daqui para lá não, tem que apertar daqui para cá. Você aperta, aperta, vai jogando a cola para fora, aperta e aqui, se apertar aqui a cola vem para dentro, então aí não tem jeito mais. Daqui segura mesmo, ela vai empoçar aqui, então dá aquele defeito nas peças.Trabalhei oito anos em prensa, inclusive já comprei a folha, não disse que chegava lá e o camarada "O dono não fala nada e você vem falar aqui" Porque conheço a folha, já sei, se ela tem uma manchinha aqui ou ela termina ou ela está furada lá do outro lado "Então levanta ela que quero olhar lá no meio. Está bom, essa vai."
P - E isso na marcenaria, tanto da prensa quanto da parte do banco, quanto da parte... isso mudou, hoje em dia ainda é assim que se trabalha?
R - Hoje em dia, com o moderno agora, para se dizer a verdade, marceneiro não vale mais nada, viu? A máquina junta, tem a máquina quando ela corta, hoje em dia, sabe como que é que cortava folha? Com a régua, uma faquinha que o marceneiro fazia, uma faquinha, corta só de um lado, você tem que colocar no chão para ela não cortar para dentro, ela tem que cortar para fora, então você faz assim e a folha cai fora, e aquilo que fica dentro da régua aqui, essa junta bem, mas você tem que passar uma vez só, porque se passar duas vezes já começa a comer a coisa, já dá um defeito, compreende? Então quando era serviço que trabalhei em firma pequena é isso aí, agora firma grande. Ah, fazia portas também, lambris, sabe como fazia? Passava a mão num punhado de folha, a folha vinha em 20, passava a mão naquele pacote, 20 mais 20, 40, com mais 20, 60, passava a mão num pedaço de madeira dessa grossura assim, colocava a folha aqui, por dentro, mas aqui era lisinho, passava na máquina e ficava lisinho, e ficava assim. Agora, quando apertava aqui o que acontecia, apertava a folha, então você punha um negócio aqui, passava a mão num marceneiro, ligava a desempenadeira, passava uma régua, via que estava certinho, então pegava aquela madeira, aquele tronco, dois troncos, um de um lado e o outro do outro. Agora ele era assim, agora você apertava ele lá com o grampo, está vendo? Então essa folha está segura, então você passava aqui, quando você passava a madeira punha a régua na madeira, a madeira estava certinha, podia colar lá que estava certo também. Esse é o segredo de fazer porta grande como essas aí. Agora, quando era pouquinho a gente fazia na faquinha de mão, chama faquinha de mão que ainda tenho até hoje em casa. Aquela de mão a gente faz a coisa, hoje em dia tem um papel engomado, antigamente não tinha, a gente tinha que passar cola, passar cola de madeira que é uma cola difícil de tirar depois. Hoje em dia não, hoje tem o papel engomado, esse papel que a gente põe, mesmo esse aí, o branco, um outro papel que cola caixa, vocês sabem. A gente umedece ele e passa aquilo ali, primeiro põe um atravessado para segurar a folha, para não pôr tachinha, americano inventou isso aí mas punha tudo tachinha, então ficava parecendo um curativo. Depois tirava tudo e a cola vazava ali, o móvel ficava todo com aquele negócio lá. E depois eles mesmo acabaram vendo que com o papel engomado você segura a folha. Depois põe um pouquinho de água com o raspador de madeira e faz assim, sai toda a folha, a cola já está colada, já está colada embaixo, a junta aí já fica colada também. Então esse é o segredo da prensa.
P - Agora hoje em dia a prensa ainda é igual?
R - Não, a prensa hoje em dia é uma produção danada, sabe por quê? Porque quando você corta lá, chama guilhotina, tem uma máquina que chama guilhotina, comprida, ela tem 2 metros. Então você pisa nela aqui, é uma faca que deixa a folha já ajustada mesmo. Ela é assim, não é em linha reta, mas quando ela desce, ali para trás dela pode ter certeza que não tem defeito. Então depois a pessoa vai virando, agora o marceneiro tem que ter a malícia de colar a outra parte.
P - Chegou a se machucar alguma vez trabalhando, teve algum acidente?
R - Uma vez estranhei o Déia, uma vez, hora do almoço, estava cortando umas, olha a largura da madeira que estava cortando, a madeira é isso aqui, agora naturalmente a serra estava aqui, aqui é a guia, agora, com o entusiasmo de cortar, já estava acostumado com a máquina, estava fazendo umas peças como é que se diz, para armário, que eram umas peças desse tamanhozinho assim, mas que selecionava, chegava o caminhão de madeira lá e chegava lá e escolhia "Essa aqui serve para isso aqui, essa aqui não serve," que chegava e subia em cima, tanto que os caras de vez em quando descarregavam a madeira e eles traziam um garrafão de vinho "Ó, cadê o negócio," para dar para peãozada que ajudava lá. (risos) Resultado: que selecionava toda a madeira. Agora estava cortando e estava meio escuro lá, o coisa onde trabalhava e passando aqui lá. E com entusiasmo de passar aqui lá pus o dedão, hoje em dia não sei, não está os sinais não, mas chegou a entrar bem, não vou mais tocar violão. Quando fez vrum, fiz assim falei: "Agora o meu violão foi para o vinagre." (riso) Por casualidade entrou um pouquinho só, uma coisa dessa largura aqui, a serra aqui, ao invés de pôr a mão aqui por dentro pus a mão aqui no fim da serra. Foi só a única vez que me aconteceu. Ah, não, outra vez, trabalhando na prensa, na prensa não, na desengrossadeira, passando um sarrafin sobre esse dedo assim, tem um chamado baguete, um sarrafin que a gente põe atrás das portas aqui por dentro, ali por dentro passava uma meia dúzia e a máquina, a desengrossadeira, aquela máquina de fazer um barulho danado, passei o sarrafo, enfiei o sarrafin e o sarrafo prum, prum, prum. Aí pensei lá no baile lá e a mão está descendo, quando vi fez vrum, fez assim com tudo a ponta do dedo. Foi o único acidente que tive na marcenaria para aprender, para ficar esperto. Então só isso aí, mas raspando já pegou oito dedos. Estava vendo o cavaco que está batendo e esqueci e a máquina era perigosa, tem prensa, tem máquina, essa aí que é redonda, aquela era quadrada, era aqui, se pegasse na mão ela levava embora, acabou. Que a redonda ainda dá aquele soco, mas é que esbarrei, quando esbarrei na pontinha lembrei de pôr a mão para cima porque se botar para baixo, adeus dedos. A única vez que me aconteceu isso, no mais... Isso é lá por 1950 e pouco. (risos)
P - Hoje em dia ainda tem tanto marceneiro quanto antigamente?
R - Olha, o marceneiro bom eles estão aposentando, o marceneiro novo aí, hoje em dia é tudo automatizado, a máquina pega o material e dá lustrado lá na frente, precisa só carregar. Precisa, naturalmente, precisa uma mão-de-obra, precisa algum para fazer ali, não precisa mais os 20, 30 que precisava um tempo. Você pegar a madeira lá, serrar como estou falando, aquilo quem passava na máquina passava uma por vez. Hoje em dia nem quer saber de pedacinho de madeira, joga para lá para outro serviço.
P - Mas ainda tem aprendiz de marceneiro?
R - Tem, mas é muito pouco.
P - O aprendiz é diferente, tem que aprender coisas diferentes?
R - Inclusive estamos fazendo uma escola para nós lá, está lá no terceiro andar. Aí a prefeitura da vida aí embargou, mas está lá a escola para orientar, está mudando, viu? O plástico está tomando conta da madeira, hoje em dia o sujeito precisa acompanhar a linha porque senão ele fica na rua, o sindicato fecha.Uma que eles querem fechar mesmo, com esse negócio de fazer cada firma ter o seu sindicato, isso aí já é para enfraquecer a classe trabalhadora mesmo. Que depois já está automatizado, já tem a máquina que já pega, já lustra, só falta pôr no caminhão e levar para o freguês. É isso aí. Então está ficando difícil para ser dono de marcenaria.
P - Mas ainda se compra tanto móvel também, ou acha que estão comprando outro tipo de...
R - Não, móveis sempre compra , o sujeito quando faz aí o apartamento, aí sempre precisa, só que tem muita coisa aí que os plásticos estão substituindo. Vi uns móveis agora lá no marceneiro, não tem nada de madeira, a nossa cozinha lá, tem uma firma chamada Osir que trabalha o secretário geral nosso lá, geral não, ele trabalhou, agora ele está no departamento nosso lá. Móvel todo de plástico, o puxador de plástico, as portas tudo de plástico, não tem mais, tem um parafuso mas é na buchinha, a buchinha abre lá dentro porque isso não tem resistência, precisa ter uma buchinha que abre para segurar. Também quebrou aquilo aí, era uma vez uma porta, pode jogar e comprar outra. Então está modificada a coisa, tem um parafuso, mas já não tem mais a segurança da madeira. Porque a madeira não, ela segura e acabou, a não ser que espane. Hoje em dia não, hoje em dia a coisa está ficando difícil para ser dono de marcenaria. Então nós, no nosso sindicato, estamos estudando outra coisa, já estamos criando escola lá para já...
P - Para o pessoal trabalhar com plástico ou com madeira?
R - Não, para acompanhar a linha, porque a gente pode acompanhar a linha, o sujeito vai aprender também. Alguém tem que aprender, se não aprende fica só meia dúzia naquilo ali.E se não ensinar sai fora do nosso controle também, viu? Tem que segurar dentro da madeira, porque se não passa para o plástico.
P - E o senhor acha bom ou ruim?
R - Precisamos atualizar a coisa, a madeira já não está se plantando mais, então está acabando, vendendo o que tem. Agora, com esse negócio de área verde pode ser que replante. Mas então a Amazônia, é um pecado até ver aquela madeirada lá cortada, às vezes estragando porque o Ibama não deixa sair, o diabo, fica lá estragando aquilo lá, o sujeito derrubou, vai lá com os índios, ou mata os posseiros, tudo por causa da madeira. Agora nós estamos olhando isso aí e defendendo a madeira no Brasil.Nós só temos a Mata Atlântica aí, o resto a turma derruba tudo para fazer pastagem, o boi.
P - Então acha melhor que o móvel não seja mais de madeira?
R - Não, não, acho melhor que o móvel continue de madeira, a madeira é outra coisa, o sujeito quando morre põe num caixão de plástico, ele fica lá a vida toda.A madeira acompanha o camarada desde que ele nasce, e some com ele, vai junto. O plástico não vai e dá poluição ainda para a gente aí. Para sumir com ele tem que pôr fogo, para pôr fogo você faz fumaça, para fazer fumaça polui o país todo. O sujeito faz essas queimadas aí, até a cana de açúcar, essas queimadas, isso aí é um prejuízo danado para a saúde da pessoa.
P - Queria saber agora, voltando um pouquinho para ir terminando. O senhor se casou?
R - Me casei em, pensei que quando fosse casar fosse precisar de uma enfermeira, casei com 45 anos e a enfermeira sou eu.
P - É mesmo? Por quê?
R - Porque a cara- metade está sempre doente. Pensei "Quando precisar de uma enfermeira, vou casar." Casei em 57, graças a Deus vamos indo. Agora também chegou a minha vez. Mas só agora aos 83, mas estamos aqui. Hoje era um dia que sentei na cama e falei: "Será que vou lá?" Falei: "Mas tenho um compromisso." A patroa: "Você tem um compromisso, mas você está..." "Minha filha, compromisso é compromisso, não vou ficar deitado aqui ." E é isso aí. E vou no meu sindicato todo dia e lá tenho autorização, licença médica pela diretoria mesmo, um dia sim, um dia não. Chego lá, hoje era o meu dia que tinha um plantãozinho. Agora, se for lá no dia que não é plantão, até a tesoureira "O que o senhor veio fazer aqui?" "O que veio fazer aqui? Dar uma olhada nessa mesa aqui." Coisa de aposentado que está aqui para cobrar, o sujeito chega lá para cobrar e ninguém sabe de nada porque o presidente mora em Santos e o tesoureiro ainda está dentro da empresa. E o camarada, que o desligado é o que está aí, funcionário, e cai tudo em cima do funcionário. É tanto que a turma fala assim, tem um meu colega de serviço, nós somos em três, a mocinha, e o Zé, "Você é o tesoureiro, é o funcionário, é o boy, o segurança, você é tudo nessa associação."
P - Sua esposa nunca trabalhou? Esteve sempre doente?
R - Não, graças a Deus doente, não. A gente fala doente, estou dizendo isso aí porque ela está sempre colocando álcool na cabeça, coisa que nunca fiz. (risos) É isso que digo, pensei que quando fosse precisar de uma enfermeira ia casar, mas por isso que estou dizendo que a enfermeira sou eu, mas ela está tudo bem.
P - E ela é patrícia também?
R - É.
P - Não casaria se não fosse patrícia?
R - Não, de jeito nenhum, meu filho é casado com uma moça que trabalha na Globo. Ela trabalhava na prefeitura aqui, agora ela trabalhava na Globo de Sorocaba, como deu uma dispensa lá e então foi dispensada, e como ela tem um pouco de experiência, comprou um computadorzinho e está se defendendo em casa. E está estudando para dar aula lá, compreende? E a família estima muito o meu filho, e ele também se dá muito bem, e gosto muito da família dela. Não sou um camarada de preconceito não, não estou dizendo que sou sozinho lá dentro no marceneiro?
P - Por que não tinha patrício trabalhando com marcenaria? Não é normal?
R - Como? Você diz assim dono de marcenaria?
P - Dono de marcenaria.
R - Nada, dono de marcenaria não tem, não conheço nenhum.
P - E trabalhador?
R - Bom, trabalhador tem bastante, às vezes chefe de seção, chefe de escritório, agora dono de firma acho que o patrício ficou muito atrasado para ser um. Basta dizer aí mesmo, um deputado, um prefeito, precisa ser um elemento mais ou menos, de uma cultura mais ou menos. E é uma coisa que infelizmente o negro não tem, porque o atraso de 1888...Deram folga para ele mas não deu auxílio nenhum.É igual ao sem-terra, dá terra para gente e não dá um trator para ele plantar, não adianta nada. E assim por diante.
P - E me diz uma coisa.
R - Posso?
P - Pode, lógico. Me diz uma coisa, sei que está ficando cansado.
R - Não, cansado.
P - Se tivesse que mudar alguma coisa na sua vida, de toda essa história que me contou, o que seria?
R - Olha, para dizer a verdade estou muito satisfeito com a minha vida. Ganhando dois mínimos de aposentado depois de trabalhar 35 anos, dois meses e dez dias. Quando deu o salário mínimo era um salário que para duas pessoas, como a patrícia e o cachorro, estava sossegado. Mas hoje em dia se parar de trabalhar, acho nem para comprar o medicamento. Então estou satisfeito de estar lá no meu sindicato onde não fui pedir serviço lá, fui pedir serviço para fora. A diretoria mesmo, que sou um camarada que comecei de lá, que fui de Praça da Sé e depois despejado. Ah, falei dos aumentos, falei? Não falei do aumento, falei? Que consegui dar o maior aumento que os marceneiros, hoje em dia quanto é, cinco, seis? Dei 83, nós não pedimos 100 ou pedimos 200, se der 100 para o camarada hoje em dia para o camarada "Ó, senhor. Henrique, obrigado" E consegui mesmo um elemento da, como se diz, de uma chapa, uma chapa não, um elemento que entrou no sindicato, é isso que digo para você. Às vezes estou falando, me foge a coisa, palavra tudo simples, é uma coisa que usou comigo e não coisa. Se entro num lugar como entrei lá, e o que quer dizer, em três, que nós entramos em três.
P - Que o senhor entrou lá?
R - No sindicato quando entrei em 64, fechou o sindicato e entrei para abrir. Interventor.
P - Interventor.
R - E sou o elemento que foi o interventor e gozo toda a amizade dos da empresa, daqueles que ouviram os outros falar que era do patrão, do nosso companheiro Joel. Porque se estou no sindicato tenho certeza que aí tem o dedo do Joel, em 81 nós fundamos a Associação de Aposentados e vinha dois anos, passava mão no tesoureiro nosso, depois nós fizemos uma diretoria assim, trazia ele, dois anos nós vínhamos no sindicato, não era funcionário do sindicato não, trabalhava a semana inteira e vinha todo sábado, dois anos. Depois falei: "Você está por aí, tenho o meu carrinho, se você achar um serviço aí ,Via Anchieta, sou prensista, para mim , quebro o galho." Que estava trabalhando registrado, não estava com os meus dois salários mínimos não, aquilo lá era quebra. Resultado: chegou, o tesoureiro que era o Lazin, que é hoje em dia o presidente da nossa associação, chegou na minha casa lá, foi me procurar lá. Ele viu que estava procurando serviço, então ele foi na minha casa, ele e um companheiro que chama Francisco Moreno, deixaram um bilhete lá. E foi uma sexta-feira, ele falou: "Olha, nós arranjamos um serviço para você aí no Ipiranga, mas vamos esperar, o sujeito vai falar com o prensista e nós esperamos depois para você ir lá." Aí, quando cheguei lá na minha casa no sábado, aquele bilhete na porta lá, o sujeito: "Ó, foram na sua casa, deixaram um bilhete lá, quase que o cachorro não deixa nós entrar. É para você vir trabalhar no sindicato segunda-feira às 11 horas, você vai trabalhar das 11 às 3. Você vai ficar como um elemento aqui, chega essa turma, a turma é tudo nova aqui, e às vezes chega os velhos aí e eles não coisa e você já é da associação, você vai ficar por aqui, se você estivesse na empresa nós não íamos tirar você, mas você está procurando coisa, então você vai ficar aqui."
P - Bacana.
R - Então é isso que estou no marceneiro até hoje e tenho amizade de todo mundo. Então hoje em dia não voltava para trás, não.
P - E ainda tem um sonho que deseja que aconteça?
R - Quero que esse Brasil seja melhor daqui para frente, que essa criançada que está vindo aí, que já estou vendo que eles já estão com outra idéia, apesar do tóxico, como é que se diz, do cheira-cheira aí na Praça da Sé, a turminha está mudando a coisa e é por meio do esporte que nós, a gente, pode tirar essa molecada da coisa aí porque eles estão começando agora. Agora, se não tomar um conhecimento aí, colocar uma orientação na garotada, eles são o futuro do Brasil. Espero para o neto do meu neto que a coisa seja outra. É isso que espero. Porque até aqui nós plantamos, digo, e os outros da minha idade. E nós, é tão verdade que lá no sindicato meu estou lá segurando a bandeira do pica-pau e lá o camarada muito inteligente mesmo, diz: "O futuro criou o presente." Quer dizer que nós plantamos e agora temos que regar a árvore e toca para frente. E é isso aí, estou satisfeito no que estou, estou satisfeito de estar conversando aqui, dando essa entrevista aqui, porque acho que a minha turma do meu sindicato não sabe, quando eles vêm isso aí: "Puxa, como é que nós não sabíamos isso aí. Como é que nós não sabíamos que ele entrou e a turma queria tirar ele fora, já despejou na mesma hora e ele saiu daqui e foi para Florêncio de Abreu, nós tínhamos 30 anos que não comprava uma sede e ela saiu em 18 meses." Porque fiquei só 18 meses no sindicato, 18 meses liberou, fiz uma chapinha lá por cima porque quem trabalha não tem tempo de estar olhando muita coisa não, os outros que estão de fora "Aquele de lá, aquele podia lá." Teve elemento que pegou elemento de dentro da firma onde trabalhava e ganharam a eleição, vê como é que eles trabalhavam a cabeça do cara. E pensa que sou contra o cara, são tudo meus amigos, tem um aí que chama Guerisicon, é um lutador de caratê que nós tínhamos lá. Ele chegou um dia perto de mim: "Escuta, gostaria de entrar de sócio aí, mas como é que é? E lá tem luta?" Falei: "Ó, você entra de sócio, vai numa reunião de diretoria, mostra o seu programa, mas entra de sócio primeiro." E não deu outra. Depois ele ficou um lutador, é conhecido no meio do marceneiro aí, ele trabalhava no Sesi, era trabalhador lá no Brás lá, Sílvio Romero, agora ele saiu. Agora é meu amigo e era elemento, o elemento que ficou na prensa no meu lugar, mas quando ele chegou lá entrou numa chapa, sendo que dei todas as orientações para ele. (risos) Mas olhe, para dizer a verdade, não está me dizendo nada, sou amigo dele, e ele é meu amigo também, agora sei o que ele sente por dentro: "Ôcha, tem que pegar no pé desse aí que ele é melhor do que ." (risos) E assim a gente vai indo no marceneiro. Estou satisfeito, espero que seja um Brasil melhor, daqui para frente. Olha, nós conquistamos muita coisa que eles estão tirando dos aposentados hoje em dia, agora estão fazendo essa lei aí de querer que cada firma tenha um sindicato e isso vai ser ruim, ninguém aposenta mais nesse país, não. E depois eles querem 60 meses de desconto aonde? Fecha o, acha que a empresa vai agüentar um sujeito de 60 descontos. É um problema, então vejo assim, espero, tenho certeza, pelo menos, coisa que não gosto é andar para trás. Faço mais hoje porque vocês estão entrevistando.Mas isso aqui às vezes a minha patroa fala alguma coisa e falo: "Você também é do tempo do seu pai, naquele tempo também andava tropeçando em sapo." Não tem condição de andar para trás, tem que andar para frente. Então o problema meu é isso aí. Ontem mesmo falei, ontem tivemos uma assembléia lá para reajuste salarial e vi lá, estão fazendo seminário para a turma agora, essa diretoria está seguindo o que o Joel plantou, ele saiu, foi para a federação, mas o presidente que está lá está atento. E ele sabe que vim aqui hoje: "Ó, por que vocês não mandaram um político lá?" "Político não, você que está dentro de fábrica, toda vida dentro de fábrica." "A moça lá pediu isso mesmo, falei que ia mandar um político, ela falou que não, é você mesmo que tem que ir lá."
Entrevista de Francisco Alves Ferreira Júnior
São Paulo, 12/10/1996
Código de acervo: PEX_HV018
P - Então está bom, muito obrigada então, senhor Francisco.
R - É isso. Vocês ficaram satisfeitas?
P - Muito.
P - Lógico, a entrevista foi ótima.
R - Aí daí vocês tiram a conclusão que vocês quiserem, se vocês precisarem de alguma coisa é só falar que a gente está aí para informar, o sindicato estou lá, sou um funcionário de lá, pode telefonar para lá a hora que quiser, se quiser mais alguma coisa que falhou aí antes de vocês fazerem a montagem, vocês podem telefonar para lá que estou lá para responder. Muito obrigado. Tudo certo?Recolher