P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite para essa entrevista. E agora, pra gente começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Benedito Augusto dos Santos, eu nasci em 30 de julho de 1966, na cidade de Ilhabela.
P/1 – E aí, você falou pra gente que você é conhecido como Ditinho, é verdade?
R – É. É um apelido, de mamãe, de criança. Dizem que todo Benedito nasce Ditinho, depois vira Dito e depois, Seu Dito e depois Nhô Dito quando é velhinho. Então, eu sou Ditinho, ainda. Ditinho é como todo mundo me conhece, aqui na Ilhabela, na região onde eu passei com os projetos musicais e eu me apresento dessa forma para qualquer pessoa.
P/1 – Vamos continuar, Ditinho. Fala pra gente o nome dos seus pais.
R – Augusto dos Santos e Laurici Moreira dos Santos.
P/1 – Conta um pouquinho da história deles, se eles são de Ilhabela, de onde que eles vêm…
R – Na realidade, eu sou filho adotivo, então, os meus pais são caiçaras: meu pai é pescador, a minha mãe também é caiçara, só que quando eu nasci, fatores da vida, eu cresci com outra família, então quando eu falo minha mãe é a minha mãe adotiva. E o meu pai, ele era um baiano que veio trabalhar em São Paulo na construção civil, migrou para a Ilhabela, conheceu a minha mãe e eles, juntos, me adotaram. Meu pai apenas me deu o nome na certidão, depois ele participou da minha vida até os seis anos e aí, eu continuei com a minha mãe, só eu e a minha mãe. Ele voltou… Esse meu pai voltou quando eu já tinha 21 anos, já era pai também e a gente até fez uma amizade, mas efetivamente, eu me criei mesmo com a minha mãe. Minha mãe adotiva.
P/1 – E você chegou a conhecer os pais dela?
R – Conheci. Conheci os pais das minhas duas mães, né? Mas a minha mãe adotiva, a Laurici é o Seu Tolentino de Jesus, pescador e a minha avó é a Dona… aí meu Deus! Me faltou o nome da minha avó agora…
P/1 – Não tem problema.
R – Mas é uma senhora de cor e eu sei porque a minha vó faleceu dentro da minha casa, na sala da minha casa e eu me lembro desse dia, que a minha mãe ficou desesperada. Os dois meus avós, eles tiveram um final de suas vidas, eles tiveram desvios mentais e a minha mãe cuidou dos dois. Faleceu o meu avô e, depois, minha avó e eu me lembro desse dia, a minha mãe desesperada e aí, quando a minha avó faleceu ali, eu me lembro bem da imagem dela, deveria ter uns sete, oito anos de idade.
P/1 – Conta pra gente, Ditinho, o quê que significou pra você ou significa ter sido adotado? Como é que era a relação com as duas mães? Ou saber disso?
R – Ilhabela, naquela época... Bom, eu comecei a entender essa história a partir dos dez anos de idade. Há 39 anos, Ilhabela era mais simples de viver, era a mesma dimensão geográfica, porém, [com] muito menos pessoas. Então, você olhava para a cara de uma criança e falava: “Esse não é filho de fulano?” ou “Tu é filho de cicrano, não é?”, e era, entendeu, porque as pessoas conheciam pela face de onde você era, da Armação, do norte, se você era do sul, então se você parecia com alguém conhecido de lá e as pessoas eram muito parentes uns dos outros, né? Enfim, a minha mãe adotiva, ela era branca e eu sou negro… Quando a minha mãe saiu do centro da cidade, da Prainha onde ela construiu essa amizade grande com a minha mãe genitora, elas eram muito irmãs, muito amigas, iam a bailes juntas, coisa e tal. Quando deu o problema de que ela teve que tomar essa atitude, eu sei porque e jamais julgaria. Ela procurou a melhor amiga e falou: “Olha…”, e aí assim, isso foi na vila, quando eu já tinha dois anos, o meu avô, esse que eu falei que faleceu, ele vendeu as terras dele lá na Prainha de Santa Teresa para uns suecos, uma família sueca comprou toda a área, aí ele deu para cada filha, ele tinha três filhas, uma parte. A parte da minha mãe, ela comprou lá no Itaguaçu, onde eu moro até hoje, um terreno. Elas, as minhas duas mães, já eram espiritas, frequentavam Umbanda e aí, a minha mãe abriu esse centro de Umbanda lá no Itaquanduba e as duas frequentavam. Eu via as duas lá, toda vida eu achava que uma era a minha mãe, né, a minha mãe era a branca e aí, quando eu fui crescendo, eu fui jogando bola com as pessoas, né, e aí, eu era muito bom de bola, eu driblava bem, mais ou menos assim como hoje, perto do Neymar, mais ou menos, tô falando sério (risos), eu era abusado na bola e aí, eu não tinha irmão mais velho, eu tinha, mas eu não tava convivendo com ele. Então, os caras me batiam, né, primeiro, eles entravam muito duro em mim pra desfazer os dribles, né, e eu achava que aquilo já era uma agressão, então eu queria brigar, mas eu apanhava dos maiores. A aí, quando eu batia, que eu também ia pra cima, eu era valente, aí eles falavam: “Filho de fulana, tu não é filho de cicrana…”, e aquilo, nossa, era… Eu ficava louco quando me falavam isso, aí eu queria brigar, brigar até apanhar e de tanto querer brigar, acho que os caras se assustavam: “Ele não quer parar, então eu vou correr”, né? E aí assim, eu comecei a desconfiar, ter essas coisas, só que a minha mãe, Dona Helena, que eu falo isso, ela morreu e eu amando ela demais. Talvez no último suspiro dela no hospital, eu tenha sido o único a entrar lá, tava toda a família que sempre conviveu ao redor dela. Reconhecidamente, todos já tinham um grande respeito, já me chamavam de primo, sobrinho e os meus filhos… Lá, agora, há pouco tempo, existe uma união, né? E aí, eu entrei na sala quando todo mundo, creio eu, já tinha entrado e aí, eu vi que ela tava viva e aí, eu segurei nela, coloquei a mão assim na testa e eu vi que ela deu uns respiros assim, fortes. Ela tava em coma induzido e aí depois eu sai, fiquei lá fora assim, tava todo mundo triste, alguns minutos depois, não sei quanto, ela faleceu. Bom, aí voltando ao assunto, a minha mãe, Dona Helena, morava na praia do Viana, lá no norte e aí, por coincidência, algum fato aconteceu, ela comprou um terreno próximo da minha casa, no bairro Itaquanduba, Itaquanduba e Itaguaçu são juntos, divide uma vala. O que divide uma casa da outra é praticamente um estádio de futebol, né? E aí, meus irmãos que eu não convivia começaram a jogar bola no estádio, jogar bola nas peladas, tinha o mais novo, o Cleber, e a gente começava a ver aquela semelhança, tal e aí comecei a entender aquilo, só que a minha mãe branca, ela tinha o maior ciúmes de mim. Ela tinha um ciúmes, ela não suportava que eu aceitasse isso, né? E quando começou a coisa a ficar muito evidente, inevitável de esconder, aí a minha mãe, um dia lá, ela com muita raiva, muita raiva, ela pegou e falou: “É a verdade, você é filho de Helena, mas é meu filho…”, aquela coisa toda, falei: “Mãe, tá tudo certo…”, eu procurei fugir do assunto, né, enfim, aí toda vez que eu via as duas juntas, eu olhava para duas mães, uma eu tinha mais apego, que era a minha mãe branca por conta de todo carinho, toda história de bebê, eu me lembro assim, eu não mamei no peito, então eu tomava… E era muito pobrezinha a minha mãe, ela tinha muita dificuldade, era faxineira, tal e o meu pai tinha ido embora, lá, o que me adotou. Então, eu tomava muita mamadeira de KiSuco, sabe, adorava KiSuco. Até hoje, eu não gosto de leite, que eu não fui habituado, né, KiSuco (risos). E aí, fui crescendo, era uma infância bacana que se resumia no quê? Eu sempre gostei de estudar, nunca repeti no colégio, jamais. Então, eu comecei com seis anos na Santa Casa, era assim a minha vida. Com seis anos, eu saía daqui do Itaguaçu e ia a pé toda essa reta aqui no Engenho D’água, sabe, ali e estudava na Santa Casa, Santa Casa de Misericórdia, era um hospital, muitas crianças nasceram lá, vários filhos meus nasceram lá, porque eu tenho vários filhos… Então, era um caderno, um lápis, sempre ponta de lápis, porque eu nunca tinha um lápis inteiro, era sempre doado por alguém, nunca era inteiro. Se era de tabuada, só tinha do seis para cima, né? (risos) E aí, eu sei que era o meu caderno dentro de um saco de arroz de cinco quilos, eu ia e aí, no intervalo, joga bola e come manga, goiaba, jabuticaba, carambola, tinha tudo com fartura dentro do Colégio Gabriel [Escola Estadual Gabriel Ribeiro dos Santos] que é a história de muita gente que estudou na Ilhabela, né? E quando eu voltava da escola… Bom, eu ia com o estilingue no pescoço, as pedrinhas mais selecionadas da cachoeira, porque essas pedras eram fatais no estilingue para matar passarinho, né? Ou as bolas de gude que não eram redondas, que vinham com defeito, porque elas não tinham o efeito da gente ganhar jogando bolinha de gude. Eu gostava sempre de ganhar, bolinha de gude, qualquer coisa, eu tinha que ganhar. Eu saía quase 15 para às seis da manhã para estudar às sete em ponto, estudava até meio-dia e eu chegava em casa sete horas da noite, mas naquela época, sete horas da noite parecia dez já, porque era aquele silêncio, menos pessoas, não havia carros, carro era uma raridade. Carro, talvez, os poucos que tinham, uns eram da fazenda Engenho D’água aqui que era o jipe que andava, tal, que o Seu Dito que morava aqui ia levar o filho na escola. Então, eu vinha com passarinho, vários passarinhos que eu matava, que eram para comer, né? Aí, eu tinha uma peneira, certamente emprestado de algum pedreiro que não sabia que eu tinha emprestado dele e eu escondia no meio do mato e tinham os pitus das cachoeiras, as cachoeiras eram limpas pra caramba, a gente jamais desconfiava que pudesse ser uma cachoeira poluída, né, e não era mesmo. Então, a gente pegava os pitus das cachoeiras, o camarão e levava, separava uns, deixava no saquinho com água para que eles ficassem vivos. Além da peneira que eu tinha emprestado do pedreiro, eu emprestava a canoa do cidadão que deixava na praia, sem ele saber também, aí ia nesse canal, remando, aí tínhamos as linhadas de fundo que era uma chumbada, dois empates, empate é um negocinho de ferro para poder o peixe não cortar, o peixe-porco, por exemplo, ele cortaria a linha, e uns anzóis. Aí, eu ia com os peixes-porco ou outros peixes, passarinho e essa era a rotina. Às vezes, eu fazia laço no mato, então aí, um passarinho maior, né, chegava em casa, a minha mãe pelava esses passarinhos, limpava e a gente comia, porque não tinha geladeira, então salgava… Essa era a minha infância. Só que para chegar às sete horas em casa, esse intervalo de meio-dia às sete horas, tinham essas… Pescar era assim: “Bom, o mar tá muito chamativo”, a gente sentia. O caiçara sente quando aquela situação é propícia para isso ou para aquilo, né? A gente tinha esse faro para caçar e para pescar. A bola era praxe, tinha que jogar bola, né? Então, eu chegava, deitava em cima dos cadernos, aquele campo imenso, que hoje é estádio, ficava deitado… Aquele cheiro de grama gostoso, sabe? Aquilo inspirava jogar bola, né? E aí, iam chegando um, outro, tal, tal, a gente rachava meio campo, quando era muita gente, campo inteiro, né? E era isso. A minha infância foi assim, foi indo, foi indo até que muito cedo, eu conheci o samba, né? E também muito cedo, eu casei. A segunda moça que eu conheci assim, ela devia ter 14 anos e eu tinha 16 para 17, eu já tava terminando o colegial, segundo grau completo, porque eu comecei muito cedo, com seis anos de idade, então nunca repeti, com 17 anos, eu já tava terminando e ela tinha 14. A gente se viu quando teve uma festa, estavam as minhas duas mães. Aí, uma era mãe de santo, a outra mãe pequena, as duas, uma do lado da outra e eu tocando tambor e cantando, eu convivia assim com as minhas mães. Nesse dia, eu conheci essa moça que chegou lá e ela era muito bonita, né, com um semblante de índia, com a tia dela que morava no Rio de Janeiro, em Niterói, que o parente da minha ex-mulher… é uma família gigante aqui, dos Feliz, dos Garcez e essas pessoas frequentavam o centro da minha mãe. Então, a irmã de Niterói levou a sobrinha que morava com ela, mas que tinha nascido aqui. E a gente ficou se olhando, olhando e aquilo foi… Eu diria que o negócio foi à primeira vista, né? Aí, ela foi embora, quando chegou no carnaval, eu já tava envolvido porque a partir de [19]84, eu já tava envolvido numa escola que tava nascendo, chamava Unidos do Garrafão, era um bloco carnavalesco de 30 pessoas, no máximo, sei lá e 19 ou 20 era a bateria, eu era o cara principal da bateria, embora fosse novo, eu comecei a frequentar as rodas de samba nos ensaios deles e desenvolvi o instrumento chamado repinique que era o instrumento repique, repinique que fazia as chamadas, as viradas de bateria. Enfim, foi ali que começou… aí eu fui pra sair, para desfilar nesse bloco no carnaval, no meio do carnaval, eu vejo essa moça, que eu tinha conhecido no centro da minha mãe. Aí, a gente se viu, ficou aquela coisa assim e alguém chamou pra levar embora, tal. Só que ela descobriu… e ela veio passar férias na Ilhabela e descobriu que eu estudava na vila, as primas [dela] estudavam comigo. Aí, ela ia, todo final de aula, subia no alambrado lá e ficava olhando. Por pouco, ainda bem que tava no final do ano, eu passei de ano, senão… (risos) e a gente vinha a pé, tal, aí tem uma longa história. Ela não quis embora mais, aí a família prendeu ela dentro de casa, porque sabia que ela tava namorando comigo. Naquela época, um jovem podia prometer o quê? Nada, né? Eu nem trabalhava, eu trabalhava de servente de pedreiro em alguns momentos para comprar um tênis, uma bermuda e, depois, parava, ia curtir a praia, tal. E aí, a família entendeu que isso não era legal e prendeu ela dentro do quarto durante os últimos quatro dias que ela ficaria na ilha até o outro tio vir buscar e levar embora para a cidade de Suzano. Aí, me contaram que ela tava presa lá dentro, aí: “Vai lá, vai lá”, mas eu fiquei com medo, porque era um povo forte, né, índio, dava medo mesmo, os caras briguentos, mas aí eu me enchi de coragem e fui. [Eu tinha o] Cabelo black power, bigodinho assim e a perna fininha, braço fininho, shortinho a lá seleção de [19]82, né, do Sócrates e do Zico, aquele shortinho Adidas. Aí, subi a rua, o coração batia mais que… meu coração vinha no queixo, assim: “Tum, tum…” Eu subi aquela rua e só parente do lado, do outro… Quando eu cheguei lá, aí a família se aborreceu com a minha presença e pegaram ela e, sabe, eu não reprendo ninguém, cada um tem suas reações, mas jogaram ela assim: “Vai, então quer ir, vai”, né? Aí, ela caiu assim, eu levantei e fomos os dois para a praia. Chegou na praia, eu falei: “Vai embora com o seu tio porque eu não tenho nada para te oferecer, não tenho trabalho, não trabalho, moro com a minha mãe, se a minha mãe… Minha mãe tem um ciúmes de mim terrível”, falando para ela, né? “E se ela souber que eu tô namorando, se te levar lá em casa, meu Deus, ela me mata, ela tem um ciúmes”, minha mãe planejava que eu fosse para Santos para fazer faculdade, já tava terminando o colegial, né? A maioria dos jovens de Ilhabela na época iam para Santos, houve uma evasão de caiçaras para a cidade de Santos e Guarujá para trabalhar na pesca lá de sardinha. Então, os caiçaras de Ilhabela se multiplicaram muito em Santos, então, todo mundo tinha um parente lá e ia estudar lá. Naquela ocasião, era o planejamento pra mim. Só que o que aconteceu? Eu tava na praia, cheguei lá em casa, falei: “Espera aqui na praia que eu vou lá em casa”, cheguei lá em casa, falei: “Mamãe…”, minha mãe tinha uma percepção danada quando a coisa ia ficar preta, tinha algum problema, tinha feito alguma coisa, os olhos não mentiam e ela sabia conhecer o meu olhar. Aí, ela falou assim: “O quê que é?”, eu falei: “Meu Deus!”, como é que eu vou falar se a mulher já vem desse jeito? Falei: “Olha mãe, a filha de fulano lá, ela não tem para onde ir”, minha mãe xingou a família inteira, me xingou, aí, eu voltei lá na praia correndo, aqui eu fazia correndo sei lá, cinco minutos para ir e para voltar, aí ela veio comigo, a moça pra ver se eu sensibilizava a minha mãe, falei: “Mãe, é ela aqui…”, a minha mãe: “Eu não quero saber de ninguém aqui, vai você embora também”, aí eu falei: “Meu Deus e agora?”, mas eu também tinha uma personalidade forte, né? Falei: “Só tenho uma bola e uma tacada”, aí fui lá, peguei uma mochilinha que eu tinha, que aí já tava no colégio, já tinha mochila, quando eu comecei era saquinho de arroz. Aí, peguei e botei nada dentro, botei nas costas assim e sai com a moça, né? Aí, falei: meu Deus, se eu chegar lá na curva da jaqueira, minha mãe não gritar o meu nome, tô frito, né, porque aí vou ter que bater o pé, e aí, daqui a pouco: “Ditinho! Vem cá, seu infeliz”, falei: “Oh Senhor, obrigado!” (risos). Aí, voltei com a menina. Cheguei lá, minha mãe assim: “Olha, é o seguinte, você vai ficar aqui na sala, dormindo na sala, você…”, falou pra mulher: “Vai dormir lá no quarto, tá? Vai dormir lá no quarto. Até eu saber] o que eu vou fazer e achar uma família sua para conversar”, não era como hoje, liga, whatsapp, não sei o quê... Apesar da proximidade, mas para encontrar, era um deslocamento, ninguém saía muito de casa. Bom, minha mãe, a branca, ela entrou no mercado em 82 anos, que eu vi, duas vezes. Alguém fazia compra pra ela, nem no mercado ela gostava de ir, já a minha mãe genitora, Dona Helena, ela era muito expansiva, era uma pessoa festeira, muito assim, tinha uma personalidade muito parecida com a minha, sabe, eu acho que eu sou muito assim, ela, né? Ela era falante, enfim, ela era uma liderança assim bem popular. Aí, o que acontece? Nessa brincadeira, o centro da minha mãe precisava fazer o piso e a minha mãe montou um forró do lado para poder arrecadar as coisas. Aí, cada um emprestava os seus discos, aqueles long plays, lá, os bolachão, disco de forró, aí botava lá amendoim, quentão, vinho quente, pipoca, cachorro-quente, fazia uma mini quermesse ali do lado na casa da comadre dela, que ainda não tava coberta e só tinham as paredes de bloco. Botava assim, uma lona, não tinha piso, né, as pessoas dançavam, o cabelo ficava vermelho, né, se fosse hoje, iam dizer que todo mundo ali era ruivo (risos). E aí, nessa brincadeira, eu ficava sozinho lá em casa, né, com a menina. Aí não demorou muito, ela engravidou do meu filho mais velho, o Jefferson e, enfim, eu comecei a ter uma vida de casado, aí já tocava, já era sambista, quem me levou para a música foi o meu cunhado, o irmão da minha ex-mulher e a gente formou um grupo e eu, desde então, com 16, 17 anos, já tava tocando nos bares e aí, foi quando saiu essa música… Uma música que chama “Pronúncia no Olhar” do Só Preto Sem Preconceito e eu achava aquela música fantástica, tocava no cavaquinho, achava a música linda, tocava no coração, né? E aí, nesse bar que a gente tocava era bar do Santista, Santista era um cara roqueiro de Santos, que veio pra cá, trouxe a família toda, a Suzana era a mulher dele e eles montaram um bar e o bar onde foi formado o Unidos do Garrafão em [19]85. Em [19]89, ele já não existia mais, sei lá, por algum fator, saiu dali e montaram as rodas de samba nesse outro bar do Santista. Do início do Garrafão até o bar do Santista, esses quatro anos, eu já tinha me tornado um sambista bastante eficaz, assim, sabe? Bastante forte na Ilha. Qual a diferença que eu tinha? Eu tinha uma memória muito boa para gravar música, então, quando os senhores cantavam aquelas músicas de sempre, sempre aquelas mesmas músicas, a vida inteira, eu aprendendo com eles ali, acabei aprendendo a beber, porque criança não podia chegar em roda de samba, que nem hoje, qualquer jovem vai e é facilitado. Às vezes, nem é muito preparado, já quer subir em palco, acaba subindo e tocando, mas naquela época tinha que ser bom. E os velhos não davam muitas chances para os jovens. Eu era muito jovem, mais jovem do que qualquer outro jovem que tinha entrado anteriormente para aprender, a não ser que o próprio pai tivesse ensinado. Haviam casos de pessoas que tocavam com o pai. Aí, eu sei que eu peguei essa autoridade no samba lá – vamos dizer assim – no bar do Perequê porque eu sabia de cor muitas [músicas]… Eu ouvia a música no rádio uma vez, ela já entrava 90% na minha cabeça, os outros dez eu podia até enganar, porque ninguém cantava 100% nenhuma música… A música era importante, eu aprendia, ela entrava naturalmente, daí: “Sabe aquela música?” “Não sei” “Sabe aquela música?” “Não sei” “E aí, neguinho, sabe a música?” “Sei” ‘Sabe nada, canta ai”, aí eu cantava. Na época, Alcione, Agepê, Martinho da Vila, Roberto Ribeiro, aí Ataulfo Alves, uma coisa mais antiga, mas que eles… sei lá, Lupicínio Rodrigues, Noel Rosa e ia entrando tudo na minha cabeça, sabe? Forró e tinha minha cachacinha ali, quer dizer, não era… Minha mãe nem imaginava que eu bebia, né? Aí, eu tomava porque, se eu não tomasse, eu não parecia homem e eu tinha um bigode vasto, eu com 14 anos, tinha um bigodão legal, mesmo, sabe? Tenho fotos disso. Com 18 e o cabelo grandão, né, magrelo, aquele bigode parecendo o Agepê na época e aí, eu comecei a pegar o meu espaço e lá no bar da Suzana, eu já tinha o meu primeiro filho, era jovem, tinha mulher, já tinha três filhos. Antes dos 19 anos, eu já tinha três filhos e eu tinha aquela vida de casado, só que eu já tinha esse feeling administrativo. Eu entrei como empacotador… Tudo nessa época, foi assim, muita sequência dos 18 anos. Aí, eu entrei no Mercado do Frade, que uma senhora me arrumou emprego lá, uma senhora que frequentava o centro da minha mãe, eu entrei como empacotador, em 15 dias, passei para organizador de gôndolas e como eu já tinha essa coisa administrativa assim, essa facilidade, eu comecei a entrar para a Contabilidade. Em dois meses, eu entrei para a Contabilidade do Frade. Fiquei três anos…
PAUSA
R – Então é isso, a minha infância foi assim, foi intensa e, ao mesmo tempo, foi interrompida no meio da adolescência por conta que vim a ser pai e tal. Como eu tava falando, o bar do Santista, eu iniciei no samba assim, em [19]84 no bar do Tiãozinho, lá, onde se fundou o Garrafão. Em [19]89, nós estávamos no bar do Santista e, já em 89, eu era chefe de escritório do supermercado do Frade, um pouquinho antes porque ele sempre se chamou Silva, né? Supermercado Silva, que é o sobrenome do Edson, que é o proprietário. E, nessa mudança da razão social para Frade eu tava lá, então eu era chefe de escritório, o que era o chefe de escritório? Eu fazia o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços] da empresa, fazia o RH [Recursos Humanos], eu fazia todos os pagamentos dos funcionários e já era um sambista respeitado por todos os sambistas de Ilhabela que tinham tradição. Barraca do Samba já me conhecia, que era um outro núcleo de samba muito forte, talvez, o mais forte, a Barraca do Samba, ali existe um grande baluarte do samba de Ilhabela e a minha fama do Perequê já tinha chegado na vila: “Tem um neguinho aí que toca cavaquinho e canta muito bem”. E o que eu fazia num dia? Eu trabalhava de segunda a sexta, eu era administrativo, mercado trabalha de domingo a domingo, eu só trabalhava de segunda a sexta. No sábado, quando era dia de pagamento, aí o proprietário, o Seu Edson falava: “Ditinho, eu gostaria que você viesse no sábado de manhã para fazer o pagamento pros funcionários, porque se eu pago na sexta, aí operador de caixa nem vem, vai pagar as contas lá em São Sebastião…”, todo mundo comprava coisa em São Sebastião, não existiam lojas aqui na Ilhabela, você comprava roupas em São Sebastião, qualquer coisa em São Sebastião, né? Então, você recebia, Ilhabela invadia São Sebastião pra gastar. Então, eu, de manhã, fazia o pagamento de todo mundo com uma ansiedade, porque já tava dando 12 horas da manhã e eu já tava vendo movimento no bar que era vizinho ao mercado, eu podia sentir que o povo tava chegando ali e aí, eu já descia da escadaria do mercado, tirando a camisa: “Tchau, gente, todo mundo recebeu”, tal, sentava lá e era sábado e domingo do meio-dia à meia-noite, direto, direto. A gente nem sentia passar o tempo, né? Enfim, às vezes, o meu patrão passava assim na calçada, que ele ia, por algum fator, ali do lado, batia nas minhas costas, falava: “Oh meu patrão, tudo bem?”, porque ele tava trabalhando e eu tava no samba. Aí, a coisa do Garrafão, essa escola de samba foi crescendo e o grupo Pronúncia no Olhar teve a primeira contratação, foi assim, os hotéis cinco estrelas de Ilhabela, quatro estrelas, vou citar alguns hotéis, tinha o Hotel Mercedes, Hotel Ilhabela e o Hotel Itapemar, três exemplos, eu entrava em várias pousadas, comecei a entrar em casas de magnatas, os caras inauguravam jardins quase do tamanho desses da fazenda, tava eu lá, inaugurava piscina, tava eu lá. Teve uma vez que um cara, não vou citar nomes aqui, o filho dele ganhou um helicóptero de presente, aí tava o helicóptero com laço de fita gigante assim e era presente de 21 anos para um garoto, tava eu lá. Quem tava nessa festa? Doutor Zé Yunes, que é uma pessoa muito conhecida aqui, tava o John Herbert da Rede Globo, falecido agora, tava o Michel Temer, que é o presidente [interino] da república, cantou com a gente assim, a música que ele mais gosta é Saudade da Professorinha, né? Então assim, eu comecei a me tornar um cara muito conhecido no meio dos ricos, dos caras bacanas, dos hotéis e da periferia também e o Pronúncia no Olhar e essa rapaziada me acompanhando pra lá e pra cá. Em 1992, eu já não era mais do Frade, eu era motorista do Yacht Club de Ilhabela, outra grande empresa que gera emprego na Ilhabela. Então, nesse ínterim, tinha um cara que era dono de um bar na Barra Velha, chamava-se Grão de Areia e ele era um cara que justamente tinha me ensinado a trabalhar no Frade, ele pegou o bar, mas não tava dando muito certo, sabe, só prejuízo. Ele era um cara muito animado, assim, ele era um gay bastante animado, gente boa demais, tinha um respeito comigo, um carinho, pô. E ele me chamava de Meu Santo, Paulete. Paulete falou: “Meu Santo, faz um samba lá pra essa bicha veia, que eu tô acabada, eu não ganho dinheiro lá”, sempre brincando e ele é um cara do Guarujá, ele era um cara diferente dos caiçaras, ele era mais… Falei: “Pô, Paulete, eu não posso, eu sou motorista do Yacht, não tem como eu tocar, eu tô pegando umas coisas para fazer durante o dia, tal e final de semana, quando eu não trabalho” “Meu Santo, pelo amor de Deus, me ajuda”. Aí, eu fui lá um dia e fiz um samba pra ele. Eu fiz o samba pra ele e o negócio ficou forte demais: “O Ditinho vai estar ai”, chapou de gente, daí ele vendia lá meia caixa de cerveja, ele colocou dez, falei: “Coloca dez” “Mas se eu não vender, vou tomar um prejuízo” “Coloca dez”, colocou dez, no meio da noite, ele teve que pegar mais dez emprestado e vendeu 20 caixas. Aí, ele: “Aí Meu Santo, se você ficar aqui comigo…”, aí, Meu Santo, né, o maior barato… Vale a pena lembrar que era um cara que me respeitava muito, meus filhos. Aí, eu falei: “Não dá, não dá Paulete, pra eu ficar aí com você, vou te fazer mais um pra te ajudar”, foi o mesmo sucesso, ele falou: “Faz o seguinte, pega isso aqui pra você, você anima o bar de todo mundo, imagina se você tem um seu! Você vai ficar rico”. Aí, eu peguei e falei: “Não Paulete, eu não quero ficar rico, pô, não é isso não. É complicado largar uma coisa certa por uma duvidosa” “Não, mas pega, pega, faz uma experiência. Abre quando você puder”, aí ele falou, falou, eu peguei o bar. Aí, eu como motorista, tinha cheque, tinha o nome limpo, tinha cartão de crédito, na época do Banespa, Banco [do Estado] de São Paulo que fica lá no centro, o Banespa era na Rua do Meio, onde é a Secretaria [Municipal] de Cultura, hoje é o Bar São Paulo, era o Banespa, bem ali no receptivo de navios. Aí, eu tinha um checão lá, quem tinha cheque naquela época era rei, né? Então, eu era desse hall aí. Aí, eu falei: “Tá bom, vou pegar”, moral da história, meu Deus, eu cheguei para os caras que tocavam comigo, falei: “Fulano, cicrano, beltrano, beltrano, eu vou pegar o bar e vocês vão ser meus sócios, pô, nós estamos junto”, que era assim, a gente ganhava… Eram cinco pessoas, se a gente ganhasse 250 reais, eram 50 para cada um, certo? Eu ganhava igual, tal, normal. Eu falei: “Vocês vão ser meus sócios” “Não, tá louco?”, ninguém tinha nem trabalho, né? Eu tinha trabalho. Aí, eles: “Não, pega você, a gente te ajuda, tamo junto” “Tá bom”, aí peguei o negócio. Peguei a perua do Yacht Club, aí fui lá no Ceagesp [Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo] pegar lá coisas para cozinha do restaurante do Yacht Club, aí deixei uma vaguinha para o meu bar, né, aí trouxe com o meu talão de cheques peças de queijo, presunto, um hambúrguer, abasteci o bar, tal e não tinha quem trabalhasse no bar, aí todos os caras tinham saído da cadeia, botei uns cinco lá para trabalhar, sabe? Os caras vagabundos, mesmo, não eram vagabundos, os caras não tinham tido oportunidade, tinham fama de ladrão, de bandido e iam preso toda hora. Eu botei uns três lá para trabalhar, uns quatro ou cinco para trabalhar comigo. Mas era impressionante, os caras eram muito leais comigo porque eu tinha dado oportunidade e larguei as coisas nas mãos deles, Deus o livre se alguém olhasse feio para mim, os caras pulavam o balcão, eu era Deus para os caras, sabe? Então, me sentia até seguro e botava no caixa, prestava conta direitinho, isso durou quatro semanas. Na quarta semana, com os meninos que tocavam comigo e o que eu fiz com eles? “É 50? Todo mundo vai ganhar 100 paus, sexta, sábado e domingo”, então assim, era 50, ganhava 100 e podia beber o que quisesse, eu nunca gostei de miséria, sabe, de coisa de ser mesquinho, nunca gostei disso. Falei: “Bebe o que quer, do jeito que a gente vende aí, só não fica bêbado que a gente tem que tocar, né?”. Aí, dava uns 100 paus para cada um por noite, era uma grana, sabe, que a gente já ganhava mais que os outros, ninguém ganhava cachê, só a gente. E aí, os caras começaram… Acho que foi alguém falou, fez a cabeça, falou na ideia deles e existia uma concorrência, existia a Barraca do Samba e existia uma sorveteria chamada Só Mudei de Nome do meu amigo Zé, que a gente tocava e aí, eles aceitaram uma oferta para tocar para esses dois comércios ganhando um pouquinho mais. Justamente no dia que eu fechei todo o comércio de palha de coqueiro, botei segurança e fiz a festa do Havaí, que todo mundo tinha que vim com colarzinho, camisa, cobrei, os caras não foram e até eu descobrir o que tava acontecendo, eu abri a portaria às 21 horas, meia-noite, cadê os caras? E como é que acha? Ninguém tinha celular, nada, nem era da época. Aí, eu peguei e falei: “Meu Deus, o que tá acontecendo? Não é possível, não tá faltando um, estão faltando todos”. Aí, um amigo meu chamado Davi, Davi do Ilhote, ele tinha um fusquinha, a gente tocava por aí tudo, quando eu não tava com o meu grupo, eu fazia as minhas brincadeiras no bar e o Davi era um cara muito presente, é quase um irmão assim. Aí o Davi falou: “Tinho…”, me chamava de Tinho: “Tinho, vamos lá pegar as crianças, rapaz”, eu: “Que crianças?”, eu apavorado e os caras: “Cadê o meu dinheiro?”, sabe? Muita gente, eu poderia apanhar ali fácil, mesmo com a moral que eu tinha, eu não tava certo, né? Aí, ele falou assim: “Vamos buscar as crianças?”, eu falei: ‘Que criança, rapaz?” “Teus filhos, rapaz, Jefferson e Andio…”, era Anderson e ele falava Andio: “E Andio”, falei: “Davi, mas eles são muito pequenos”, porque os meus filhos tocavam na minha casa, se vocês fossem na minha casa, eu tava no cavaquinho cantando, meus dois filhos mais velhos, eles tocavam timba ou tantan, já era tantan na época, o nome que é uma timba grossa de boca larga, né? E o outro tocava pandeiro. Só que assim, o meu filho baixo, até hoje, ele não cresceu muito, né, mas quando ele tinha sete anos, ele com certeza era muito pequeno e aí, eu falei: “Vamos, vamos”, eu nem pensei no dinheiro, minha vontade era de devolver o dinheiro de todo mundo, entendeu? “Pega os meninos, rapaz, vamos fazer um samba aqui”, falei: “Tá bom”, pegou o fusca, foi lá em casa, eu cheguei em casa, foi aí que começou a minha banda, que com certeza, essa banda Pronúncia no Olhar começou nesse dia. Ilhabela sabe quem sou eu na história de Ilhabela, na música. Desse tempo pra cá, as pessoas aqui sabem quem sou eu, os músicos sabem quem sou eu, hoje nós temos 40 bandas aqui, eu tenho certeza que vários se espelharam em mim e nos meus filhos. A gente realmente influenciou muito a musicalidade na Ilhabela, isso aí é fato, se eu morrer, alguém vai falar disso. Quando você é vivo, as coisas não são muito justas, ninguém dá as flores em vida, né? Mas o fato é que realmente, a gente revolucionou a música de Ilhabela, tanto na questão de influenciar a montagem de outras bandas, não só de samba, de rock, a molecada, de forró, sabe? Os caras olharam como eu levava a música, a seriedade que eu conduzia essa questão de tocar, mesmo quando era só um botequinho, sem ganhar nada, eu era muito sério naquilo, cansei de fechar bar de briga de porrada, porque o cara ia bater na garrafa lá quando a gente tava tocando, falava pra ele uma vez, na segunda, já… Então, eu sei que nesse dia, nós fomos lá em casa e, na minha casa, era um colchãozinho de dois dedos, assim, tinham uns colchõezinhos muito fininhos que certamente, eu tinha ganhado, realmente, por mais que eu trabalhava no mercado, aquela coisa e tal, mas as coisas não deu para mobiliar a casa, essa coisa toda, trabalhava no Yacht Club, mas tinham outras prioridades, né? Na minha casa, luz era precária, água era precária, então fui fazendo melhoramentos que eu podia e também comprar roupa para a molecada, não sei o que, eu gostava de andar bem alinhado e fomos dormindo no chão, lá, era um quartinho pequeno, que diferença fazia? Era melhor dormir todo mundo no chão agarradinho, no inverno, ficava todo mundo agasalhado, né? Era eu, a mulher, dois filhos e um na barriga. Eu sei que tirei a molecada do colchão: “Vamos tocar”, e naquela época, a molecada… os pagodeiros e os sambistas mais novos usavam macacões jeans, uma camiseta por baixo, às vezes, sem camisa e uma bombeta, um boné na cabeça e meus filhos viam isso e copiavam. Aí, eu falei: “Bota o macacão aí, vamos tocar?” “Vamos, pai”, era meia-noite, cheguei lá, levei os moleques, cheguei lá com o carro por trás, levei os moleques correndo, aí tinham esses bancos de bar, banco alto de balcão, eu botei o primeiro, faltou uns dois palmos para o pé alcançar lá embaixo onde apoia, falei: “Meu Deus!”, aí encostei eles na parede com as costinhas na parede, aí botei a tantan, que pegou aqui, assim, pra cima do nariz no bojo da tantan, ficou só o olho aparecendo. Aí, eu amarrei a tantan nele, assim, por trás, para não cair. A sorte é que esses bancos de bar que eu tinha, na época, ele tinha encosto, um encostinho baixo, eu aproveitei aquilo e amarrei e o outro meu filho, ele já era um pouquinho maior, o JJ e o pezinho dele já alcançava ali, mas ele era muito franzino, muito magrelinho, até hoje, ele é magro e a mão dele era pequena e um pandeiro de 12 polegadas, pra ele, era um pandeiro de 18, sei lá, de 16, era um aro 18 de surdo, né? Mas ele apoiava na perna e tirava um som daquilo ali [som com a boca] fantástico. E lá era um ambiente que dava acústica, sabe? Não tinha nada microfonado, não, só tinha um microfone para mim, meu cavaquinho ligado, esse pandeiro, a tantan do Bajo, o pandeiro do J, que hoje chama-se JJ, o Davi tocava um tamborim e um menino chamado Raça, que hoje faz frete aqui para Castelhanos, o caramba, fortão era um garotão que tocava um ganzá. Aquilo era o suficiente, mandava bem, aí eu taquei fogo no negócio, ninguém nem lembrou que tava três horas esperando. Aí, olha, eu comecei a ganhar dinheiro, aí mantive a molecada, sabe, mantive, quebramos os bares da concorrência, que parceiros meus tocavam, tanto é que eles iam pra lá, a vila fechava e a Barra Velha virou vila por causa desse Grão de Areia que virou Pronúncias Bar. Bom, eu fiquei um ano, quase dois anos ali. Aí, começou a ter problema de tráfico de drogas na porta, sabe, galera começou a vender um negocinho aqui e ali, minha mãe ficou com medo, falou: “Filho, sai de lá, você vai acabar batendo de frente, sai de lá, sai de lá”, eu vendi o bar. Quando eu vendi o bar, eu tinha comprado beliche para as crianças, o melhor colchão, uma cama de casal de responsa, hein! Aí, eu fiz mais uns quatro filhos naquela cama. Eu tive sete filhos no casamento. Aí, eu falo assim porque eu sou desse jeito, mesmo. E aí, comprei televisão, comprei três: uma para o quarto, uma para a sala, tudo a cor, né, não vou mentir que não tinha, tinha uma lá preto e branco, aquela chieira, sabe, para ver uma novela era terrível, né? Então, nem me viciava, porque tinha dia que não dava para ver. Aí eu sei que eu comprei uma para o bar, lá eu passava os filmes proibidos, aí os caras das obras iam lá, comecei a ganhar dinheiro no bar, final de semana era aquela vida dura samba, samba, samba, no intervalo, eu não tinha recurso, não tinha como evitar que os moleques tocassem e também não ia chamar os caras de volta, né? Aí, a mãe deles ficava no caixa lá, depois, ela não quis ir mais, aí eu comecei a pagar alguém para ficar no caixa para mim ou botava os caras do balcão que eu te falei para trabalhar com o dinheiro lá comigo. E eu apartava briga, recolhia garrafa, cantava, tocava, pegava os meus filhos, o caixa era grande, cabiam eles dois dormindo, no intervalo, depois, com pena acordava… Logo, eles foram se acostumando, organicamente, falando. Aí, começaram a me acompanhar e a gente fechou aquele bar, eu peguei um outro que terminou em [19]96, tá? Em 96, que chamou-se Boizão em frente ao supermercado Frade. Aí, já era mais consistente o samba, era meu bar, mas aí, eu já dividi, fiz uma sociedade, então eu ficava para fora do bar tocando, tinha gente que gerenciava, cuidava, pá, pá, foi mais um passo que eu dei no samba. Até chegar um cara e falar assim para mim: “Monta uma banda. Banda, contrabaixo, bateria, pô, tu com essas crianças aí vai ser legal pra caramba”, botei aquilo na cabeça, comprei uma bateria velha pro meu filho, que era o Bajo, o menorzinho, ele não alcançava o pé no bumbo também, mas aqui em cima, o bicho arrepiava, né? E aí, a gente começou, botei um teclado, esse meu filho mais velho já passou para violão, para teclado muito rapidamente e começou a cantar também, eu já passei o cavaquinho pra ele e fiquei com o violão e aí, começou o Pronúncia no Olhar em 97, oficialmente como banda em 97, no Festival do Camarão, que era gigantesco aqui no campo de aviação, era uma estrutura incrível, um negócio fantástico. Paralelo a isso, não sei se no mesmo evento, mas na mesma estrutura, vieram na época, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e a gente quando tocou a primeira vez, foi num show, eu não me lembro na época se era Fundo de Quintal, quem tinha vindo, que era um negócio glamoroso para o samba, a gente tocou a primeira vez dia dois de setembro, às vésperas do aniversário da cidade, como Pronúncia no Olhar oficialmente como banda, de 1997, por isso agora dia dois faz 20 anos. Bom, beleza, paralelo a esse samba, as escolas de samba, ok? E nesse interim, Unidos do Garrafão, quer que eu cante ou não?
P/1 – Eu quero.
R – Tá bom, vou cantar um samba que foi quando eu saí do Unidos do Garrafão. Eu saí dessa escola… Unidos do Garrafão era uma escola que cresceu como bloco, virou escola e aqui na Ilhabela, não havia competição de escolas de samba, era um desfile hors concours, né, e São Sebastião tinha a Liga, já e competição e tinha o acesso e o grupo especial. O Garrafão entrou no grupo de acesso. No primeiro ano, entendeu? Já entrou ali, já com o samba que a gente falou do circo, né? Aí quando foi no outro ano, a gente teve a ideia de falar da história da capital da vela, mas começando na Ilhabela da cana-de-açúcar. O quê que é cana-de-açúcar? Cana-de-açúcar foi o ciclo da cana que teve aqui em Ilhabela depois do café que inclui essa fazenda, a história dessa fazenda, com certeza e aí, o samba era assim: “De amarelo, azul e branco…”, que são as cores do Unidos do Garrafão, e o samba fala assim [cantando]: “De amarelo, azul e branco, que coisa mais bela, Garrafão hoje enaltece a capital da vela, de amarelo, azul e branco, que coisa mais bela, Garrafão hoje enaltece a capital da vela, eu disse quando a cana-de-açúcar brotou na vila bela girou doce riqueza, a realeza se encantava e no agá desfrutava da beleza da princesa. O negro teve o seu empenho na lavoura, no engenho, na colheita do café e seu folclore, sua crença e a cultura, beleza pura que gerou samba no pé. Gira a roda do engenho, mói a cana e dá um mé, no avanço do progresso foi açúcar e foi café. Gira a roda do engenho, mói a cana e dá um mé, no avanço do progresso foi açúcar e foi café. E vem dos mares, do sol nascente, a tecnologia da pesca artesanal e o pescado ilhabelense enterrava na área comercial, mas o turismo… mas o turismo chegou e a vida mudou no paraíso, toda beleza tropical virou alvo do capitalismo. Hotéis, mansões, um requinte escultural, na magia da paisagem natural. Jet Ski, hobby cat, topless e fio dental e a dança das velas colorindo esse canal. Jet Ski, hobby cat, topless e fio dental deslizando nessa onda, na onda do carnaval. De amarelo, azul e branco…”. Aí, esse samba foi campeão em São Sebastião. No outro ano, aconteceram alguns fatores e eu fiquei muito triste com a escola de samba através de um presidente que acabara de entrar naquela ocasião, em seguida, morreu um presidente e entrou um outro. O que entrou, meu amigo, não tenho nada contra, mas na ocasião, ele fez uma coisa muito ruim comigo, assim, eu era um baluarte do Garrafão, a gente iniciou a coisa, eu já tinha seis sambas na escola em nove anos e o décimo samba teria que ser meu e do meu parceiro, Osvaldo de Fininho, nós éramos dois caras que sabíamos tudo da escola, Osvaldo, fundador, também. Aí, a gente fez o samba, esse presidente queria ter importância na liga carnavalesca de São Sebastião, ele queria ser membro de lá, talvez até presidente. Então, ele convidou a liga de lá para poder acompanhar o lançamento dos dez anos do Unidos do Garrafão. Quando esse pessoal veio para cá, eles falaram assim: “Esse samba é plágio de um samba de dez anos atrás da escola Sol de Verão”, que era a escola super campeã de São Sebastião. Jamais plágio, plágio é copiar, né, tem toda uma regra para ser plágio, né? E aí, não era, a gente nunca… Nunca tivemos que ouvir uma coisa para compor outra, não tenho esse perfil, mesmo. E além de ser injusta a acusação, o camarada deu valor para aquilo e aí, eu tava com aquele bar que eu te falei, ele queria que eu fosse nos ensaios, só que eu não podia ir nos ensaios por conta de quê? Porque sexta, sábado e domingo eram os dias fortes do bar, mas eu podia ir de segunda a quinta e outra, eu era o cantor oficial e tinha gente para me ajudar. Então, eles podiam estar ensaiando e eu ia os outros dias da semana, menos sábado e domingo por conta do meu trabalho. Ele não aceitou isso e o que ele fez? Ele reuniu uma rapaziada que compunha lá, pegou a letra do meu samba de dez anos do Garrafão, pegou tudo, mudaram o tom da música, se muda o tom não é a mesma música, sol maior, botaram em sol menor a versão do samba inteiro. Quando eu fui cantar, nem pra me dizer: “Olha, mudou o samba, a gente fez isso, fez aquilo…”. Não, começaram, eu fui cantar, quando eu comecei a cantar o negócio que eu tinha feito e não sabia como cantar, eu fiquei muito: “Oh, espera aí que tá errado” “Não, tá errado você. O samba mudou” “Como mudou?” “Mudou” “O samba é meu” “Mas mudou”. Aí, aquilo ali pra mim foi como se tivesse morrido alguém que eu gostasse, sabe? Aí, eu sai dali muito triste, eles ensaiavam muito próximo da minha casa, na praia do Perequê, em frente o Captains, que em frente à sorveteria Só Mudei de Nome, que eu falei lá antes, né? E era muito próximo da minha casa, aí eu fui embora a pé, chorando … Nossa, aquela sensação de morte, de velório. Aí, muito em seguida, eu acho que sabendo disso, pessoas amigas minhas tinham pegado a Unidos de Padre Anchieta, que é a escola mais antiga de Ilhabela. E aí, de manhã, no outro dia, sete horas da manhã: [som de palmas batendo] na minha porta lá: “Ditinho”, sai, era o Mário Sérgio. Ele com a irmã dele, a Fátima, tinham pegado a Anchieta e eles vieram pedir a minha contribuição, se eu podia cantar com eles por conta de desfilar em São Sebastião e eles somente aqui na Ilha, então eram dias diferentes, se eu podia ajudar. Na realidade, depois ele me falou que ele tava sabendo de tudo que tinha acontecido, né, na madrugada, ele conseguiu saber, segundo ele. Aí, eu falei: “Não, não dá, cara, eu gosto muito da escola de samba, é impraticável, não dá, é muito amor assim, não dá, eu te agradeço…”, tal, mas passou uma semana, e ia se aproximando do carnaval, falei: “Vou ficar longe? Não dá”, falei: “Quer saber? Não deram valor pra mim…”, aí fui para o Mário Sérgio lá e falei: “Olha meu irmão, eu aceito o seu convite”. A Anchieta era uma grande escola, era um grande bloco gigantesco, mas ela não tinha quesitos, tudo dividido, porque como o Garrafão participava de São Sebastião, lá era competição, existiam oito quesitos, comissão de frente, alegoria, mestre sala e porta-bandeira, bateria, harmonia, tal, e aqui não. Então, ele tava construindo isso e eu cheguei com aquela bagagem que eu tinha da outra escola, a voz conhecidíssima das avenidas, né, aqui e lá. Aí, eu me lembro que eu mesmo toquei cavaquinho, eu cantei o samba, dei pitaco na bateria, arrumei a casa, sabe? O capital da vela, a capital da vela, aquele símbolo, assim, as pessoas falam com toda propriedade, inclusive, tem uma escolinha de vela recém-inaugurada agora por essa administração do Toninho Colucci que deu o nome de Eduardo Espiaut. Eduardo Espiaut era um argentino muito brasileiro, é um cara que praticamente fortaleceu o esquema da vela, aí foi secretário de turismo, buscou parada de navio para cá, é um cara assim, que tinha um amor por Ilhabela e construiu muito para Ilhabela. E eu trabalhei dentro da marcenaria, ele tinha uma marcenaria que era muito famosa, vendia seus produtos náuticos, seus móveis, de Angra dos Reis para cá, era tudo ele e criou também esse estilo de iatista, sabe? Essas jaquetas, moletons, calçados estilo dock sider, ele criou todo um estilo náutico, de iate assim. E o quê que acontece com ele? Dentro da marcenaria dele foi que eu conheci um parceiro de canto, que é o Tutula, hoje é um grande cantor aí de sambas de enredo, eu botei ele no Garrafão, eu saí e fui para a Anchieta. E o Eduardo torcia para a Garrafão, só que ele tava passeando na vila no dia que eu comecei a ensaiar na Anchieta e ele ouviu a minha voz que já era marcado pelo Unidos do Garrafão, aí ele veio e aí, me encontrou no intervalo e falou: “Ditinho, Unidos do Garrafão mudou para vila, não é mais Perequê?”, eu falei: “Não, Unidos do Garrafão tá lá, é que eu tô aqui na Anchieta” “Você está na Anchieta?”, não! Minto. Ele gostava da Anchieta, perdão, ele gostava da Anchieta, mas ele me reconhecia da história do Garrafão. Aí, ele falou assim: “Você tá na Anchieta, Ditinho? Poxa vida, então, estou cancelando minha viagem para Angra…”, que ele levava a lancha dele e passava o carnaval em Angra: “Estou cancelando minha viagem para Angra, porque, então, eu vou sair na Anchieta, na minha escola com você…”, e aí, eu comecei a construir aquela história música Pronúncia no Olhar e carnaval numa outra escola, que era Unidos de Padre Anchieta. Fiquei uns dez anos no Garrafão, né, e comecei aquele dia na Anchieta. Na Anchieta, eu fiquei 13 anos. Quando chegou em 2001, e a minha mãe, Dona Laureci, a branca, ela tinha o centro e muito engraçado isso, tinha o centro, as filhas de santo dela eram a ala de baianas do Garrafão. Eu saí também porque fizeram meio que uma sacanagem com a minha mãe, pegaram o aro de baiana dela, que ela sabia fazer com propriedade de mãe de santo, que era rodado, deram para alguém, pegaram a fantasia da minha ex-mulher que era de passista e deram para uma turista. E aí, aquela situação foi que deu problema, entendeu? Deu uma confusão, enfim, e a minha mãe genitora, Dona Helena, minha mãe negra, ela era da Anchieta, entendeu? Então, era sempre o contrário, né? Beleza. Aí, eu sei que eu fui para a Anchieta e aí, a família dela veio para o Garrafão, todo mundo para o Garrafão e eu sempre contra, né? Só que eu cheguei lá na Anchieta, a gente em seis anos, em quatro, cinco anos, a gente arrumou a escola e já antes de ter a competição em 2001, agora, tô falando de 2000, ano de 2000. Em 2001, o secretário de cultura que é o escultor Gilmar Pinna, embaixador cultural de Ilhabela, que tem essas obras bacanas aqui, né, ele era o secretário de cultura, ele criou a competição entre as escolas de samba. Existiam quatro: Sul da Ilha, Unidos do Garrafão, a Anchieta e Água na Boca. Beleza e só quem ganhava, né? Bom, aí ninguém tinha ganhado ainda, tinha a escola de samba Meninos da Vila que era do Gilmar, era um projeto que ele tinha criado. Bom, Meninos da Vila e Anchieta eram do centro da cidade; Garrafão, Perequê e o Sul da Ilha lá do extremo sul da Ilha. Bom enfim, começou a competição. O quê que fez a Anchieta? Ganhou. Campeã de 2001. Aí, 2002, Anchieta campeã de 2002, escola que eu estava. Em 2003, a gente ficou em segundo lugar e deu um descontentamento terrível por causa de resultado, teve um quebra-quebra, uma pancadaria terrível, foi uma coisa muito ruim que aconteceu, sabe, por causa de resultado. Beleza, a gente perdeu e ficou em segundo. A Anchieta ganhou quatro e cinco, ou seja, e seis também. Então, em seis anos, ganhou cinco títulos essa escola que a gente tava. Em 2006, aconteceu um fato, tô falando da parte musical, em 2006 aconteceu um fato na escola Anchieta não tão grave ou tão quanto aconteceu comigo na ocasião lá que eu sai. Aí, eu fiquei desanimado, falei: “Pô, não vai dar mais, acho que a história de carnaval acabou”, aí fui para casa, sabia que eu não ia voltar no Garrafão, porque tinha saído daquela forma, eles tinham criado o material humano lá, tal, já tinha para cada setor, por exemplo, nessa altura, eu era cantor, compositor, o meu filho mais velho era cantor, compositor e [tocava] cavaco e o meu filho mais novo era mestre em bateria e essa composição já tinha na escola de samba, então eu ia lá para tirar o lugar de alguém ou disputar? Não, né? E ali na outra escola, eu também não ia e eu só queria sair nessas duas, porque eram escolas que eu tinha construído, tinha afinidade, eu não saía por dinheiro, até ganhava o dinheiro, porque se pagavam valores para pessoas que vinham de fora, pagavam e o resultado era sempre bom. Aí, eu não dava também: “Eu quero ganhar tanto”, eles davam quanto eles queriam, né? E assim, em 2007, às vésperas do carnaval, faltando 20 dias para o carnaval, a Unidos do Garrafão, que tinha o presidente chamado Fernando Nascimento, amigo da gente, falou: “Elegância…”, aí o meu nome já era Elegância, Ditinho Elegância, por causa de escola de samba. “Elegância, pô, vamos sair com a gente no Garrafão, pô, a escola tá de cabeça pra baixo, meu pai tá morre, não morre no hospital, faltam 20 dias, não sei o que fazer…”, aí aquilo me sensibilizou, eu perguntei para as pessoas se tinham alguma rejeição, alguma coisa com relação a gente entrar, até tinha alguma coisa, mas depois eu fui descobrir, mas não chegou a mim, só que o presidente bateu o martelo, falou: “Não, o Ditinho vai cantar…”, lembra do Tutula que eu falei para você? Ele era o titular, só que quando eu cheguei, ele até por respeito, falou assim: “Onde você chegar, você é o primeiro, cara”, mesmo que ele cantasse mais do que eu, eu falei: “Não, vamos cantar juntos”, aí deu acordo. Na bateria, o mestre de bateria aceitou o meu filho e ainda falou assim: “Fica na frente da bateria”, e aí a gente preencheu a Unidos do Garrafão, que nunca tinha ganhado o carnaval em Ilhabela, nunca tinha sido campeão. Tinha sido campeão em São Sebastião, aqui jamais. Aí o que aconteceu? Nós fomos campeões em 20 dias, pegamos aquele samba da vela que eu cantei, pedimos uma mudança no estatuto para poder reeditar um samba já cantado, mas também ele nunca tinha concorrido em Ilhabela, né, ele saiu naquela época que era hors concours aqui, não tinha disputa. Aí, a Liga fez essa adequação no estatuto, no regulamento do carnaval, a gente reeditou esse samba, como ele já tava na mente das pessoas como o imortal, aí o meu filho já tinha um estúdio de música, fazia produções musicais lá, a gente gravou esse samba, gravou o áudio num ensaio, editou aquele áudio, fomos em São Paulo, compramos cem CDs, demos para todo mundo que tinha carro, nas casas e a gente foi com muita força e ganhamos o carnaval. Aí, eu ganhei uma moção de louvor na câmara como sambista, é a única moção que um sambista individualmente ganhou. Existem moções de escolas de samba, mas, individualmente, como sambista eu ganhei. Bom, e nessa brincadeira, o Pronúncia no Olhar vai… Meus filhos já estavam adultos, Pronúncia no Olhar, paralelo a isso, eu acho que aí estamos falando de 2000, 2006, a gente tinha cinco fã-clubes, só que os fã-clubes eram todos de São Sebastião e de Caraguá [Caraguatatuba] (SP), de Ilhabela ainda não tinha, nós tínhamos quatro, era um de Caraguá e três de São Sebastião. Aí, a gente tinha pouca oportunidade de tocar aqui na Ilhabela, sabe, tinham poucos lugares, não tinha muito valor, não dávamos muito valor, realmente, entendeu? Só que as rádios FM [rádio de modulação de frequência que transmite som com qualidade] do litoral falavam muito o nosso nome: “Pronúncia no Olhar em Caraguá não sei onde…” “Pronúncia no Olhar em São Sebastião…” “Pronúncia no Olhar…”, “São José [dos Campos] (SP), Pronúncia no Olhar”, aí o pessoal: “Pô, vocês são metidos, né, não tocam na Ilhabela, não sei o que…”, falei: “Não, a questão não é essa, a gente toca onde chamam, se falam de lá é porque chamaram lá”. Bom, aí começamos a vir para a Ilhabela, começou a aparecer: a prefeitura começou através de ouvir falar muito, começou a dar oportunidade pequena, mas dando, começaram a aparecer locais para tocar em Ilhabela, a gente começou a preencher esses locais e aí, fundou-se um quinto fã-clube na Ilhabela. E era incrível, sabe, era: “Vem pra mim, não sei o que, pá, pá, pá…”, nomes das músicas que a gente tinha gravado no CD e aí, eles tiravam e colocavam, né? E um monte de mulher assim, muita mulher, que era o fã-clube. E a gente foi crescendo, Pronúncia no Olhar foi sendo um negócio muito bom, muito forte, era muito aplicado, muita cobrança, eu era disciplinador, eu não admitia… A molecada foi crescendo e absorvendo aquele meu jeito de ter disciplina com a música, respeito com a música. Em 2005, eu fundei um bloco, estando lá na Anchieta, pessoal: “Funda um bloco” “Mas como funda um bloco?” “Não sei, funda um bloco” “Qual o nome?” “Não sei, Bloco do Ditinho” “Mas meu nome? Eu não gosto de fazer essa apologia a mim”, sabe assim? “Não, mas Bloco do Ditinho, quer um nome melhor? Você é o cara aí…”, falei: “Tá bom, então vai até achar outro nome”. Esse Bloco do Ditinho deu o que falar. Aí, cinco, seis, sete, oito, nove, cinco anos ele durou. Nesse período, eu tava na Anchieta quando ele nasceu, em 2005. Em 2006, eu tava na Anchieta, ele tinha dois anos. Aí, eu fui para o Garrafão e era assim, o que era o meu bloco? Meu bloco eram os componentes da escola que eu tava. Então, em 2006, quando eu saí da Anchieta e voltei lá no Garrafão, aí o meu bloco era o povo do Garrafão, né? E aí, eu fiquei cinco, seis, sete e oito e nove no Garrafão. Todos esses anos, meu bloco ganhou o carnaval, sempre ganhava. Ganhava porque a gente tinha uma imaginação, um negócio bacana ao ponto de a gente aprender a fazer aqueles bonecos de Olinda, meu filho foi para Caraguá, ficou dois dias lá na FUNDACC [Fundação Educacional e Cultural de Caraguatatuba], que é a Fundação de lá, de cultura, eles fizeram um curso e ele ficou sabendo. Daí ele ficou dois dias e aprendeu a técnica de fazer bonecão, cabeção de Olinda, né? A gente fazia aqueles bonecos e aí, o bloco saía com aqueles bonecões, era um negócio de louco, assim, tudo organizado, bacana, aquela pegada, música bonita, todo ano ganhava. E aí, o que aconteceu? Chegou em 2008, 2009, eu fiquei um pouco cansado, aí já tinha 25 anos de carnaval, 25 anos, né? É, 25 anos, aí eu sei que aconteceram umas injustiças, eu achava que o resultado tinha sido injusto com o Garrafão em 2008 e 2009. Achei injusto, achei que era injusto. Aí, em 2009, eu falei: “Não quero mais”, meu filho falou: “Pai, vamos ficar só com o bloco”, meu filho JJ: “Vamos ficar só com o bloco, meu, com o bloco, a gente não tem dor de cabeça, não tem revanchismo, é a gente ou você funda uma escola aqui no bairro. Itaquanduba”. Itaquanduba é o segundo maior colégio eleitoral de Ilhabela, sabe? Tem o Morro dos Mineiros, a baixada ali em cima tem mais ou menos unas quatro mil pessoas, entendeu? E aí, eu sou dali, né, daquela quebrada, aí eu falei: “Vamos tentar então”, o que eu fiz? Fiz uma mudança, fiz um pedido formal para Liga pedindo a mudança de categoria de bloco para escola do Bloco do Ditinho virar escola de samba. Isso era completamente aceitável porque o regulamento do carnaval dizia um bloco filiado há três anos pela Liga, ele pode virar escola, eu já era filiado há cinco anos e todos os anos eu ganhei. Isso já era uma legalidade, né? Aí, o que aconteceu? Eu entrei com um pedido, aí eles deferiram, eu já te contei o meu know-how de carnaval, né? Então, pensaram: “Se der asa pra cobra, o cara vai nasceu com escola aí, vai dar trabalho, né?”, aí foi um pouco desse pensamento, foi um pouco de egoísmo da parte das escolas de samba e eu falo isso abertamente, porque sem problemas, todo mundo sabe lá no seu coraçãozinho o que fez, né? Entendeu? A Liga também não foi legal com a gente e o prefeito disse que não tinha grana, era o primeiro ano do Toninho Colucci, realmente, ele entrou com a cidade quebrada e aí ele falou: “Não dá para mais uma escola, é mais verba”, só que a Liga não fez nada, não brigou, sabe, ao contrário, eles fizeram uma covardia comigo. Eu pedi para assinar por um ano. Aí quando teve a reunião lá que deferiram que não vai sair, não vai sair, eu olhei para as pessoas que estavam lá decidindo isso, para cada um e falei: “Essas pessoas não merecem mais do que eu ter uma escola de samba e elas têm”, falei: “Não merecem”, sabe? A presidente da Liga veio de fora, pessoa que abraçou Ilhabela, Ilhabela abraçou, eu ajudei muito ela na questão sambística, ela tá aí até hoje, um dia que ela vier, eu tô falando a realidade e ela não pode me ajudar, também não se esforçou muito e os presidentes também fecharam as portas para mim, eu me senti muito injustiçado até a hora que o meu filho falou assim: “Então é o seguinte, não tem dinheiro?” “É, não tem dinheiro” “Então, nós vamos sair sem grana, tá bom?”, aí todo mundo…Era impossível pensar, inimaginável falar: “Vai sair sem dinheiro”, né? Com dinheiro é difícil, imagina sem. “Nós vamos sair sem dinheiro, tudo bem?” “Então, vocês vão assinar um termo de responsabilidade que vai sair o primeiro ano sem dinheiro”, aí beleza, “Tá bom, a gente passa no cartório segunda-feira e vamos assinar”, assim que foi determinado, só que aí o meu filho falou: “Tudo bem, nós vamos sair sem dinheiro, mas vamos competir”, o cara nem vai sair, imagina competir! Acho que pensaram isso: “Tá bom, quer competir, compete, vai sem dinheiro e compete”, deixaram isso no termo: “Sairá como escola de samba a partir de 2010…”. Já tinha sido campeã como bloco em 2010. Em dois de julho de 2009, eu fundei a primeira diretoria do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Acadêmicos Leões do ITA, que é a minha comunidade, Itaquanduba, Itaguaçu, dois bairros e Leões porque é o meu signo, tenho tatuado aqui, Leões, então tem que ter um mascote, alguma coisa forte, né, e aí a gente escolheu o leão, todo mundo gostou do leão. E aí, o que aconteceu? Não tinha nada, tudo bem, assinamos e agora? Pra onde a gente vai? Aí, existe uma instituição internacional que se chama Lions Club, e tem o Lions Club de Ilhabela, Lions, leões, né? Aí, eu falei: “Vou lá”, e eu tinha feito muita coisa, tocar… Eu tenho dois filhos excepcionais, especiais, um de 21 anos e uma menina de 13. Então, eu já tinha feito coisas para Apae [Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais] para ajudar em algum momento, arrecadar brinquedos para crianças que era um projeto dessa cúpula do Lions Club de Ilhabela, as pessoas sabiam quem era eu. Toda vessa história de carnaval tinha uma repercussão grande do meu nome. Aí, eu fui lá ver se eles podiam me ajudar. Aí, eu acabei nem indo no cartório assinar o troco de um ano e já fui no Lions Club na reunião deles que era uma segunda ou terça-feira. Cheguei lá, falei: “Olha, é assim, eu não tenho projeto, não tenho nada, mas vocês sabem, a comunidade de Itaquanduba e Itaquaçu, infelizmente, é marginalizada por coisas que eu nem acho que são tão justas e atribuem à gente, nosso colégio é Carandiru, lá é marginalizado, não há nenhuma oficina cultural, não há um projeto social, não há nada lá e não havia mesmo. Não havia, Aí, eu falei: “Então, eu gostaria de formar uma escola de samba, isso vai me dar o direito…”, já expliquei que a Liga não queria me dar grana, tudo que tinham feio, eles acharam injusto a atitude da Liga, de todo mundo, inclusive da prefeitura contra a minha pessoa. Prefeitura deu a justificativa: “Não vou tirar da saúde, não vou tirar da educação” “Tudo bem, não tira, mas então cuida-se para a Liga ter um regulamento que funcione”. Ele [o prefeito] deu abertura para nascer a escola de samba, então tinha que ter o apoio. Aí, eu sei que contei tudo isso parta eles, eles me deram seis mil reais e o chefe deles me deu mais mil, seu Michemin. Aí, eu saí com sete mil de lá. Falei assim: “Eu não quero dinheiro, eu vou na loja e vou fazer uma lista de instrumentos que compreende esse valor e vocês depositam lá” “Não, Ditinho, leva o dinheiro que você vai saber comprar o que você quer”, e não deu outra, aí eu fui numa loja em São Paulo, na General Osório e fui na Redenção. E aí, o camarada já tinha esse link comigo de carnaval porque eu participava das duas escolas, eu consegui fazer daqueles sete mil quase 14, comprei instrumentos doados pelas escolas de samba de São Paulo, que trocam e eu fui fazendo aquela pechincha e trouxe um monte de instrumentos. Beleza. Agora sim, temos instrumentos, mas não temos bateria, não temos carro alegórico, não temos nada. Aí, um mecânico que tinha acabado de fazer amizade comigo em 2008 falou que tinha um chassi de jipe lá em Braganca Paulista (SP). Eu tinha uma Saveiro, ele precisava levar algo para o irmão dele que era dono desse chassi, eu levei e trouxe os três chassis, três carros alegóricos, tudo com sucata, fizemos três carros grandes, tá? Beleza. Quando eu fui assinar o bendito termo de responsabilidade de um ano, o que fez a Liga comigo? Mudou para três anos, quer dizer, eu ia sair três anos sem verba, que era exatamente o tempo que o nosso prefeito ia ficar no primeiro mandato. Beleza, só que ele não sabia disso e eu não tinha acesso, né, quando ele descobriu isso, as coisas mudaram. Aí, eu consegui… Começamos a ver a escola nascer, e fantasia, descobrimos um ateliê de fantasias e era tanto, aí naquele mesmo momento, eu sai do meu emprego que eu trabalhava, peguei meu Fundo de Garantia, eu nunca tinha visto três mil reais de uma vez só. Quando eu vi 18, eu peguei com uma mão, com a outra botei tudo na fantasia, sabe? Não tinha luz, não tinha nada em casa, não quero nem saber, botei, sabe? A gente estava possuído, eu e os meus filhos com aquela coisa e arrumamos mais parceiros, né? Tinha feito a diretoria e a injustiça faz você a ser forte. Aí o que fizeram com a gente ainda? Eu quero deixar isso registrado, porque Leões do ITA é a escola que hoje, apesar de ser a mais nova, sabe, as colocações em sete anos são incríveis, né, perto das outras que têm 40 anos, 35 anos, 18 anos, tem escola que nunca foi campeã e a gente já foi duas vezes, né? Tem escola que demorou 20, 23 anos para ser campeã, o caso do lá Fonte foi com seis anos, tem escola que nunca foi segundo lugar aí, sei lá, ou foi. A gente foi segundo lugar três vezes, assim, por muito pouquinho. Quando eu fiquei sabendo desses três anos, eu fiquei louco, falei: “Como?” “Tal, tal, tal…”, falei: “Tá bom, me dá ai” “Você é louco”, assinei, joguei o papel lá na mesa, fiz isso e sai. Continuamos o trabalho. Vai sair nove horas da noite, o desfile da escola de samba. Nove horas da noite é impossível, nem um bloco você organiza nove horas da noite no verão de Ilhabela, as pessoas até às oito horas estão na praia curtindo o solzão ainda, né? “Não, é nove horas, são seis escolas, nove horas”, mas Deus é muito bom, porque nessa hora assim, a gente indo para a vila levar as coisas, sabe, e a quando chegou nove horas da noite, faltavam 15 minutos, a escola estava toda desorganizada, era impossível, realmente. As pessoas trabalham aqui, a gente ia sair no domingo, as pessoas trabalham em restaurante, não sei o que. Bom, aí daqui a pouco, o telefone… Alguém vem com o telefone no meu lado para ir na minha direção: “O prefeito quer falar com você”, eu falei: “Boa noite, prefeito, pois não” “Ditinho, é o seguinte, eu tô aqui no trânsito em frente ao Hotel Ilhabela, mas eu não quero que você saia com a sua escola de samba enquanto eu não chegar, porque eu soube que você com toda a dificuldade fez um negócio bonito, eu quero estar no palanque para lhe aplaudir”, falei: “Prefeito, muito agradecido, eu fico muito feliz”, e fiquei muito aliviado, porque aí ele demorou um tempo, né, eu acho que era justo. As pessoas questionam até hoje, queriam desclassificar a minha escola, ainda, muita perseguição. Só que o prefeito falou: “Não, o cara fez tudo isso, eu quero aplaudir, eu quero ver”, aí esse tempo que o prefeito levou para chegar na vila, eu formei a escola, chegou todo mundo. Aí, nós saímos com uma vontade, que assim, o desfile é uma hora, a gente desfilou em 35 minutos, no pau, mas gigante a escola, samba lindo, falando de injustiça, quer que eu cante (risos)? Aí, qual é o meu primeiro samba do Leões do ITA, até canto um pouquinho pra você, não é que a gente tava criticando nada de política, não. O leão, em algumas situações, existe… A gente mexeu assim com Roma, que o leão tinha a ver com Roma, tinha a ver com a Grécia, o leão era do circo, o leão era o leão do Imposto de Renda, né, entendeu? E a gente fez um samba bem bacana, como é que é? [Cantando:] “Se é para falar de amor, eu tô que tô, se é para falar da paixão do meu povão, Leões do ITA faz a união e hoje… hoje na avenida, eu declamo na canção a brava trajetória desse nobre coração, fiel e furioso injustiçado por tanta perseguição. Caminho lado a lado com a comunidade, não fujo da batalha, quero paz e igualdade, Itaquanduba, Itaquaçu estão gravados no meu pavilhão, vem o swing, sente a pulsação. Quem não conhece, vem a conhecer, na selva, no circo, na tela da TV, sou da rainha, escudo e brasão, ao protetor do gaia, guerreiro da preservação. Sou o rei leão, um bambam no terreiro, sou africano, mestiço, brasileiro. O meu rugido ninguém pode calar, sou coração valente, hoje o bicho vai pegar. Lions, filantropia por a dia admirar, eis uma entidade de valor a contemplar, sublime trajetória repleta de amor do meu aplauso, tu és merecedor. Politica comprada e muita enganação e o que é sonegado cai nas malhas do leão, eu vou gritar para o mundo com garra e emoção, tenho coragem, bato no peito, eu sou campeão”. Com esse samba, o negócio levantou e a gente bateu em três escolas com verba e ficamos em terceiro lugar a um ponto e meio da campeã. Já nasceu assim a escola de samba. E o Pronúncia no Olhar sempre caminhando, qual o negócio do Pronúncia no Olhar? Enquanto um cara faz o carnaval em fevereiro com a escola de samba dele é só em fevereiro, ensaia, tira a escola, guarda os carros, vai trabalhar. O Pronúncia no Olhar, há 19 anos, toca o ano inteiro. Então, o povo do samba nunca fica abandonado, seja da escola A, B, C, D, E, mas eles estão coma gente o tempo todo, a gente tá fazendo o samba de Ilhabela, né, a gente colhe esse respeito o ano inteiro e nós somos sambistas de verdade, então a gente sabe fazer o carnaval, a gente sabe dar o swing, adequar as coisas e aí, nesse primeiro ano, a gente… ah, posso contar uma coisa?
P/1 – Conta.
R – É porque o Leões do IITA, eu considero o maior feito que eu fiz, fora o Pronúncia no Olhar foi Deus me dar quatro filhos músicos por excelência, cada um individualmente é fantástico, é fato isso aí, então assim, é uma obra que Deus me ajudou muito porque eu tive os filhos, entendeu? Mesmo que eu quisesse organizar isso, se eu fosse advogado, se eu fosse um OAB [da Ordem dos Advogados do Brasil], eu ia fazer quatro filhos irem para a OAB? Não, alguém ia querer ir para a Medicina, para a Educação Física, alguma coisa, ou até não querer nada, né? Mas meus filhos são quatro músicos excelentes, um negócio muito forte, coisa que vai dar mídia nacional, ainda, essa é a realidade, pode escrever. Aí, o Leões do ITA… Quando chegou em outubro do ano passado… do ano posterior [à saída da escola], que já tinha saído e feito esse carnaval, ainda não tinha verba e eu tinha assinado aquele documento dos três anos, né? Beleza, aí todo mundo assim: “Não é justo, não é justo” e nós fizemos um churrasco, juntamos a grana, o prefeito foi lá, chefe de gabinete, recebemos bem, só que umas irmãs que eu tenho lá no morro, umas mulheres do seu tamanho, assim, gigantes, que falaram: “Ah prefeito, como é que vai ficar esse negócio aí? Vão ficar sem verba? Tá certo isso aí? Disseram que a gente vai ficar três anos” “Como três anos?” “É, o senhor não sabe do documento que o Ditinho assinou? Que são três anos?” “Eu não sei de nada disso e nem acho justo, fala pro Ditinho ir atrás de mim, tá bom? Conversar comigo lá, vamos resolver isso ai” “Até porque, prefeito, nós ficamos em terceiro lugar, batemos uma escola que tinha verba”, aí falei: “Vamos descansar desse carnaval”, ficamos descansando uns dois meses e aí começou a chegar em outubro e nada de verba, eu tinha ido algumas vezes falar com o prefeito, não conseguia porque a Liga sempre: “Vamos junto, vamos junto”, e não ia. Aí, um dia o que eu fiz? Eu era presidente dos clubes de bairro do meu bairro, eu tenho dez minutos para falar na Câmara [dos Vereadores]. Eu falo pouquinho, né? E quando eu quero, eu falo muito bem, português perfeito e bem colocado, quando eu quero. Não faço muita questão, não. Aí, respeito a língua portuguesa, mas eu gosto de ser caiçara, de ser bem à vontade, falar linguagem do povão e tal. Eu cheguei lá na Câmara, pedi para ocupar a tribuna e falar dessa injustiça, porque eu queria pedir um documento que os vereadores assinassem para poder eu falar com o prefeito, porque eles diziam que o prefeito não queria falar comigo e não era verdade, entendeu? Mas eu não sabia que não era verdade. Aí, eu fui pedir apoio e quando chegou lá, eu vi a má vontade dos vereadores na ocasião. Aí, eu comecei o discurso, falei: “ Senhores vereadores, eu vim aqui como representante de uma comunidade…”, e vereador, infelizmente, é assim, não generalizando, sabe, tem o cabeça e o cabecinha, em todo segmento tem isso. Ele acha que, se você fortalece o presidente de associação de bairro, ele vai querer tomar o seu lugar depois, entendeu? Então, não vai dar arma para o cara, né? Não era o meu propósito. Aí, eu cheguei lá, eu falei: “Olha, é o seguinte, eu tenho o desfile do carnaval do Leões do ITA, têm cinco escolas que ganharam dinheiro público, a gente não ganhou por esse fator, por esse fator, por esse fator. Senhores, eu preciso falar com o prefeito por recomendação dele, ele quer que eu vá falar com ele, mas eu não tenho acesso, então eu queria que os senhores assinassem um documento para fortalecer…”, sabe, na época eu achava que isso era necessário, na ingenuidade, sei lá, de querer fazer tudo certinho. Aí, eu falei: “Só que tem um detalhe, esse documento, senhores, aí peguei a moção de louvores que eu tinha ganho lá em 2007, quando o Garrafão ganhou a primeira vez: Essa moção tem a assinatura de pelo menos seis dos senhores nobres vereadores, que me reconheceram como um grande sambista. Toda a minha história de carnaval, de títulos que eu ganhei com escola de samba x e y tá aí nos anais da história do carnaval. E hoje, com a minha escola, a gente saiu com o dinheiro do bolso…”, do jeito que eu falei pra você, eu contei lá e: “Só não se esqueçam os que não querem assinar que existe uma festa e um bolo. É uma festa, canta-se parabéns, seis crianças felizes, quando se corta, se corta em cinco fatias e uma criança sai chorando, infeliz, coitadinha dessa criança, cinco comem, saem sorrindo, brincando com as suas famílias e essa sai com a família triste, sem comer uma fatia de bolo porque não sobrou para ela. Essa criança se chama Itaquanduba e Itaguaçu, bairro que tem Leões do ITA, segundo maior colégio eleitoral de Ilhabela, onde os senhores vão pedir votos lá daqui a pouco, ok? Então, não assinem não, não precisa assinar, não”. Bom, eu consegui a maioria das assinaturas, alguns se abstiveram, algum se acovardou, fugiu, sei lá. Aí, eu peguei [o documento] mas não foi nem necessário, porque já tava em outubro, aí eu marquei uma reunião, nessa reunião foi todo mundo. Quando chegou lá na reunião, eu já tinha pego dois advogados e pedi para acionar a Liga para que passasse o regulamento do carnaval e o estatuto da Liga para que eles pudessem rever aquilo e mudar essa história para a gente ter a verba, como todos tinham. Aí, em reunião, ao invés deles pedirem para mim verba: “Vamos ver o lado do Ditinho”, não, começaram: “A verba tá pouca, vamos aumentar a nossa, não sei o que”, e aquilo me encheu assim, o saco, eu falei: “Olha, tudo bem, amanhã, eu tô indo para o Ministério Público e aí lá, eu vou conseguir o que eu quero”, essa foi a realidade. Aí, o prefeito ficou sabendo desses três anos, coisa e tal, aí achou aquilo uma sacanagem, falou: “Olha Ditinho, a partir de hoje, você tem a verba sim, é justo, o que você fez foi maravilhoso, todos aqui hão de reconhecer o seu trabalho, o que você fez é um negócio diferente, um negócio de valentia, mesmo”, falei: “Prefeito, eu tô saindo daqui feliz hoje e minha comunidade tá feliz também, se eu saísse triste, ia ficar muito triste lá”. E aí, a gente conseguiu a verba, começou a lutar de igual para igual, mas nesse carnaval que teve a verba, ficou em quinto. Em quinto, só não ficamos em último, né? Aí, os outros subsequentes, aí voltou, terceiro, ok, terceiro, segundo, segundo, primeiro e primeiro, 2016 fomos campeões, né? Moral da história, para encurtar o lance, todo esse know-how sambístico e carnavalesco… No ano passado, a Unidos de Vila Maria falou de Ilhabela e com essa história da gente escrever, coisa e tal e outros de Ilhabela também houve um concurso regional, a gente ganhou a fase regional e foi para final na Vila Maria, nós levamos sete ônibus de Ilhabela para torcer para o nossos samba na final, sete ônibus, vários foram de carro, então assim, quase que a metade da quadra, metade não, mas um percentual da quadra da Vila Maria era Ilhabela, São Sebastião, litoral comprou a treta do nosso samba, a gente tinha ganhado. Nós ganhamos uma enquete que teve pela SRZD [Sidney Rezende], que é um canal televisivo, um site televisivo que aborda todo o carnaval de São Paulo do primeiro grupo, do grupo de acesso e do grupo principal e essa enquete nos dois sambas da Vila Maria, a gente ganhou, sabe? A gente ganhou, nego telefona, vai subindo percentual, a gente terminou a enquete e ganhou. E fomos para lá, tal. E foi samba era muito bacana, sabe, o samba era muito legal, quer que eu cante?
P/1 – Esse eu quero. Que você cante Ilhabela pra gente.
R – Então tá bom, vamos cantar, falou de Ilhabela na versão do samba da Vila Maria. Ele começa assim: “Vou navegar, caiçara é o meu coração, Ilhabela pulsando na veia na cadência da vila emoção. Ilha, que maravilha, sua beleza me faz viajar, meus olhos já iluminados refletem nas aguas da mãe Iemanjá. O verde das matas de Oxóssi, natureza me encanta, mistério e magia na dança de um tangará. Índio cantou, lutou, resistiu, mas ao invasor depois se uniu. Cultura e tradições de um povo a colonizar, o negro deixou sua ginga e o canto no ar. Tem peixe na brasa, tem água da boa, na Vila Maria, o samba ecoa. Coqueiro balança, passarinho gorjeia, vi uma criança brincando na areia, de frente pro mar me deixe morar, no seu castelo de areia. Coqueiro balança, passarinho gorjeia, vi uma criança brincando na areia, de frente pro mar me deixe morar, no seu castelo de areia. terra encantada, baú de tesouro, só tem pirata onde tem ouro. Belas praias, cachoeiras para se banhar, o canoeiro via a sereia no mar na pedra do sino a cantar a fé… a fé que ilumina a avenida tá no tambor e na marimba seguindo em procissão, congada de São Benedito, a mais pura devoção, vou exaltando a capital da vela e trago o povo do samba na minha embarcação. Vou navegar, caiçara é o meu coração…”, é isso aí o samba.
P/1 – Como que é esse processo de cantar a sua cidade?
R – Primeiro que é assim, antes de… tem tantas histórias que não são só samba na vida da gente, né? Eu tenho uma história com a Contabilidade, além do Mercado do Frade, eu trabalhei no escritório da Tailha Contábil, aqui na Ilhabela, que eu sou o segundo funcionário, hoje é uma empresa idônea, conceituada, sempre foi, hoje ela tá sólida, tem vários funcionários, cuida da contabilidade de muitas empresas prósperas aqui da Ilhabela e eu fui o segundo funcionário a trabalhar nessa empresa no cadastro de funcionários, fui o segundo a ser contratado. Trabalhei em São Sebastião em outros escritórios de contabilidade, trabalhei em Santos, não morei em Santos, mas fiquei quase três anos trabalhando, não digo que morei, porque a cada 15 dias, eu tava aqui, ou semanalmente. Trabalhei numa empresa multinacional inglesa, chamada Wilson Sons, que é de terminais de carga, containers, rebocadores e ela atende Paranaguá (PR), Rio de Janeiro (RJ), Santos, Ilhabela, foi uma grande fase da minha vida, assim, financeira e então assim, paralelo a essa questão musical, eu sempre trabalhei, mas eu trabalhei também de servente de pedreiro, trabalhei de ajudante de pintor, ajudante de marcenaria tudo que era ajudante eu trabalhei, só não trabalhei muito de garçom, porque durou um dia só, né? Me botaram uma calca preta, uma gravata borboleta preta e uma camisa de manga comprida na beira da praia, quando eu vi meus colegas lá de bermudinha, só durou um dia o meu trabalho. Mas assim, até porque eu tinha filhos pra criar, né, hoje eu tenho dez filhos: Jefferson, Sidnei, o Jefferson é formado na Faculdade de Santa Cecilia em Pindamonhangaba como pianista, um cara que já foi pra Europa, ficou um tempo em Hamburgo, na Alemanha, tem um know-how incrível, o hino de Ilhabela, ele saiu da gaveta, o hino de Ilhabela foi escrito por Celina Belisário, mulher de Waldemar Belisário, um dos vários artistas imortais de Ilhabela, artista plástico, e ela escreveu e isso ficou engavetado na cultura durante anos, eu trabalhei cinco anos na Secretaria de Cultura como motorista, de primeiro de abril de 2004 às proximidades de 2009, quando eu sai e fundei a escola de samba, no cargo de motorista, carteira, CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. E depois, por volta de 2008, eu com CRC [Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo] na mão, saiu um concurso público… Não, minto, vamos ser precisos, eu sai desse emprego, fundamos a escola de samba e eu parei, não tinha escritório de Contabilidade, não tinha nada administrativo para trabalhar, e eu trabalhando de bico, isso há pouco tempo atrás, há seis anos, 2010, que eu fiquei aquele período desempregado, que eu fundei a escola de samba, eu voltei para a obra e tava trabalhando no concreto, mexendo com concreto, fazendo muro de pedra, de orelha seca, não é de pedreiro, não. Foi quando o prefeito encontrou comigo, o Colucci, eu quero deixar isso registrado, em algum lugar, a gente conversando, ele perguntou o que eu tava fazendo: “Tô tranquilo, tô ai” “Tá trabalhando onde?”, falei: “Tô na obra” “Que obra? Você é engenheiro, arquiteto, agora?”, falei: ‘Não, meu, sou orelha seca, sou servente de pedreiro” “Para, você com essa carinha bonitinha é pedreiro? Da licença” “Sou sim, prefeito, sempre trabalhei, tenho um bocado de filhos, quando não dá para escolher, não dá para escolher” “Vamos trabalhar comigo?”, aí eu falei: “Pô, seria bacana, se você me der a oportunidade, eu vou honrar com certeza”, acho que ele se sensibilizou ali com aquele papo que a gente teve, falou: “Me procura lá na prefeitura”, esse mesmo prefeito aí que tô até hoje. Aí, eu falei: “Tá legal”, aí eu fui na primeira vez, ele não pode me atender, na segunda, não deu, aí na terceira, ele me ligou, ele tinha pegado o meu telefone numa ocasião que a gente conversou dessa história, aí ele me ligou e eu tava no meio do concreto lá, com a bota, concretão e eu vi lá: “Prefeito Colucci”, atendi e ele falou: “Dá para você vir aqui falar comigo agora? Vamos conversar aquele negócio? Vamos resolver?”, falei: “Vamos sim”, aí sai, lavei lá o pé rapidinho, fui lá no gabinete e ele falou: “Eu quero que você trabalhe comigo no turismo, porque eu sei que você tem a formação administrativa, tal, falei: “Tudo bem” “Mas Ditinho, é pra trabalhar, hein, porque comigo o negócio é trabalho, tem que trabalhar”, falei: “Não prefeito, claro: o homem que trabalha com concreto não tem preguiça” “Tá bom”, apertou a minha mão e falou: “Vai lá, procura fulano, entrei na secretaria e fiquei ajudando no que eu podia, sempre fui solicito, voluntarioso, pedi pra ajudar, sempre querer somar, né, e aí, eu ajudei com os MEIs [Microempreendedor Individual] lá no turismo, quem legalizaram os jipeiros para trabalhar, que eles tinham que virar uma empresa, para ficarem numa condição legal de atender a prefeitura no receptivo, ou vender os seus serviços, né? Organizar isso aí, então a gente trabalhou nisso e lá, eu pude também, em algum momento, substituía funcionaria que já era uma pessoa bem antiga ali, saía de férias num processo de programa de compras, uma tela muito parecida com Contabilidade pública, com um software de Contabilidade, né, que eu viria ter depois, nem imaginado. Aí trabalhei um ano e dois meses, aí saiu o concurso público da prefeitura, eu já tinha 45 anos…
PAUSA
R – E quando eu fiquei sabendo que haveria um concurso público na Fundação de Arte e Cultura da Ilhabela, a Fundação de Arte e Cultura da Ilhabela que eu trabalhei no ano passado, ela fazia contratos em tempo por tempo determinado, depois, o Ministério Público proibiu isso, todo mundo tinha que fazer concurso público, tal e a Fundação fez o seu primeiro concurso público. Poxa vida, eu já tinha 45 anos, né, precisava de alguma coisa fixa, já apanhei pra caramba, eu só não sou um cara bastante… Como eu vou dizer? Na área contábil, reconhecido, porque eu tive que parar dez ou quinze anos para acompanhar os meus filhos na música. Eu os botei nisso, ou dei oportunidade, mas já tava na veia deles, quando eles aprenderam a tocar, eu fiquei com muito medo de perder os meus filhos para bebida, para as drogas, porque ia ter um momento que eu não ia conseguir pará-los, o prazer de tocar é imenso, você não consegue, pai e mãe não consegue segurar, entendeu? E aí, eu separei há quase 15 anos e quando eu separei, eu fiquei com todos os meus filhos. A gente conversou com a minha ex-mulher e falou: “Fica com você”, a gente sempre foi amigo, coisa e tal, mas eu que criei com a minha mãe minhas crianças. Eu e eles. E aí, quando eles começaram a ficar muito técnicos tocando os instrumentos, eu falei: “Eu tenho que andar com eles pra lá e pra cá”, aí eu comecei a ser dono de boteco, porque eu fazia o meu próprio horário, eu fechava o meu bar às duas horas da tarde pra tocar num churrasco com eles. Eu fazia o meu tempo e nisso, eu perdi bastante tempo naquela questão contábil, que era a minha formação, só que eu tinha o CRC, sempre fui pagando, direitinho e tal e quando saiu esse concurso, falei: “Vou fazer, mesmo o de auxiliar de serviços gerais ou auxiliar administrativo, que é mais difícil, mas eu preciso ter um vínculo empregatício constante, né, com 45, já. Mas só que alguma coisa falou no meu ouvido e foi Deus que falou assim: “Faz para Contabilidade”, só tinha uma vaga, né? Aí, eu sabia que ia concorrer um garoto que tinha saído de Ciências Contábeis, da faculdade, com a cabeça bastante fresca e tal, eu sempre com essa correria toda, com essa dificuldade toda, mas eu tudo bem, né? Aí, eu sabia que contabilidade pública é uma situação e em contabilidade privada é outra, na privada, por mais que eu não tivesse praticando, eu tinha noções básicas bastante consistentes, porque eu trabalhei na área. Da pública, pouca, e ninguém sai de ciências contábeis formado agora craque em contabilidade pública, o cara que disser isso aí, é uma inverdade, porque você aprende na prática. Eu sei que enquanto alguém ficava no whatsapp, facebook, sei lá o que, eu ficava ali, aproveitava os tempos que eu tinha ali que tava meio ocioso, ficava estudando no computador, na secretaria de turismo, eu ficava estudando contabilidade pública, ficava estudando, estudando e comecei a absorver aquelas coisas, pesquisar, não sei o que, e começava a me munir de informações básicas: lei 4.220 que rege a contabilidade pública, a 101 que é a lei de responsabilidade fiscal de 1999, que entrou em prática em 2000 e a 8666 que é de licitação, então essas três leis que regem a questão do setor público na parte financeira e orçamentária. Aí, eu comecei a pegar isso, tal, moral da história, estudei um bocado de coisas e passei em primeiro lugar e voltei para onde eu tinha saído, só que eu tinha saído como motorista, voltei como contador, né? Aí, tive o software, aí fiz vários treinamentos, tudo que saía de novidade eu ia lá fazer curso no Tribunal de Contas, quase toda hora, pedia para ir, pedia para ir, fui superando aquela situação, eram três anos de probatório aqui na Ilhabela, não sei se todo lugar é assim, mas eram três anos de probatório e a experiência é o probatório. Eu já estou há cinco anos. Com essa história toda, o Pronúncia no Olhar que é uma banda altamente respeitada com toda essa história de vida que eu contei, né, de pai também. Eu tava falando que eu tinha dez filhos, né, então deixar registrado aí. Dez filhos e quatro netos e 49 anos, 50 dia 30 de julho, se Deus quiser. Jefferson, Sidnei, Anderson, Laurelise, Alexander, Juninho, Yagho , Mariá e Ana Vitória. Aí tem os meus netinhos, Beatriz, Henry Augusto, Anderson Augusto e Mariá. Meu nome é Benedito Augusto, todos os meus filhos homens são Augustos, tenho mais um afilhado Augusto, o filho do meu afilhado é Augusto, meus dois netos são Augustos, hoje nós temos acho que dez Augustos. Aí, eu acho que de repente, eu mudei um pouquinho, não sei se conceito, não sei se dogma ou paradigma, sei lá… A secretaria de cultura é um pouco mais idosa do que a Fundação de Arte e Cultura de Ilhabela que nasceu, a Fundação nasceu em [19]97 e começou a ser operante a partir de [19]99. Eu conheci todos os secretários de cultura, todos. Todos que entraram tinham algum know-how, ou eram diretores de escola, ou uma professora gabaritada, teve o meu irmãozão Gilmar Pinna que já era embaixador da cultura, ou que já era um artista plástico incrível de Ilhabela. Todos os outros saíram da urna, foram eleitos pela urna, ou vereador, ou isso ou aquilo e aí, eles foram secretários, deixaram a sua contribuição, naturalmente, para a Secretaria de Cultura cada um desses que passaram, porque a coisa é uma sequência, todo mundo deixa lá o seu quinhãozinho, mas eu mudei a história, porque eu sai do meio do povão, não pelas urnas, não por status social, apenas história de vida e também contei algumas coisas que me credibilizam, que me dão créditos com relação à questão da minha formação orçamentista, contábil, né, mas sai de um meio dos funcionários da cultura, de um meio lá dos funcionários e liderá-los não é uma coisa tão simples porque o seu colega de trabalho, além de estar no seu patamar, ele é seu parceiro, para depois você dar ordem para ele, você organizar é uma coisa que você tem que ter não sei o quê que é, tem que ter dom, sensibilidade, conhecimento de causa, vivencia, né, e eu tô lá há quatro meses. Acredito eu que pelo o que eu ouço de fora dos depoimentos, das pessoas, se você olhar no facebook é incrível, uma aprovação absurda, assim, 1600 depoimentos: “Parabéns, prefeito”, até aqueles que são contra o prefeito, vários: “Parabéns, acertou”… Sabe, eu fico até assim, um pouco…Só agindo naturalmente eu entro num momento que a gente entra um pouco engessado, porque é um momento de transição política de um ano eleitoral, um ano eleitoral e que, às vezes, algumas situações podem ser entendidas como eleitoreiras, né, então o que eu tento fazer? Eu tento ser acessível, andar no meio do povão, receber todas as pessoas com status de grande artista ou a mais simples que tem, eu atendo todo dia lá, às vezes, fico na minha hora de almoço depois do expediente, continuo sendo o mesmo, vou aos bares, tomo uma cervejinha, vejo todo mundo. Ninguém me trata com deselegância, chamam de secretário com prazer: “Secretário de Cultura”, acho que eles se sentem, talvez, essa galera mais simples meio que homenageada e talvez, eu esteja abrindo uma possibilidade através dessa honra que o grande idealista, realizador, não preciso puxar saco porque um cara com o sofrimento que eu tenho, só agora aos 45 anos entrou no meio político, não precisa puxar saco de ninguém, né? Realmente, eu criei essa molecada toda que eu criei com bastante luta, né? Então assim, eu sinto que eu tô representando efetivamente a classe artística dos artesãos, das oficinas culturais, aquelas criancinhas, aquelas monitoras, né, e agradeço aqui, como eu falei, ser idealista, realizador, visionário Prefeito Antônio Luiz Colucci, porque através dessa honra que ele tá me dando (choro/emoção), talvez essas pessoas possam estar olhando para mim com outros olhos de capacidade, de competência, né, porque santo da casa não faz milagre. Raramente, o secretário é ilhéu, difícil, sempre é um cara técnico, vem de algum lugar, ou sei lá. E talvez eu esteja, como eu falei, quebrando esse dogma aí de abrir espaço para você que é artesão, para você que é artista plástico não renomado, venha ser um Secretario de Cultura, um presidente da Fundação de Arte e Cultura da Ilhabela por talvez eu estar provando que isso é possível, né, trabalhando com tranquilidade, com amor, com carinho. Então, isso aí é a essência que eu tenho, né, naturalmente se for contar tudo é muito complicado, muita coisa, muitos detalhes, mas musicalmente é isso. Pronúncia no Olhar, hoje, no dia 11 de julho de 2016 é composto do pai, que sou eu, Ditinho, Benedito Augusta, do maestro JJ que é Jefferson Augusto de Jesus, do Anderson Augusto, do Alexander Augusto e o Yagho Augusto, meus quatro filhos, eu, meu sobrinho Gambert e às vezes, meu sobrinho Giuleandro. Essa é a família Pronúncia no Olhar, um negócio fantástico, eu tenho toda a certeza… A gente é um pouco preguiçoso, não corre atrás, não manda material para site, não briga para aparecer em programa de televisão e não chegou nenhuma oportunidade ainda para o Pronúncia no Olhar entrar na mídia nacional. Eu sei porque, porque quando entrar a primeira, a gente vai estar maduro e preparado para abraçar, porque vai ser a única, entendeu? E aí, se não veio até agora em 19 anos, com tudo que a gente já fez, com tudo que a gente já implantou em São Paulo, tocamos nas melhores casas em São Paulo, com os melhores artistas. Do mercado musical, eu vou citar dois que a gente não tocou, o resto tocou. Três, aliás, Diogo Nogueira, Zeca Pagodinho e o Belo, Só pra Contrariar, Fundo de Quintal, o que vocês pensarem do mercado que imperou até hoje, a gente já tocou, participou do mesmo show, abriu o show, entrou no mesmo camarim. Tocamos em São Paulo, vou citar, no antigo Terraço lá da Vila Formosa, que era uma casa que nós entramos um dia como palco, no outro dia, era o Belo que tava no auge, no Alto de Pinheiros, lá no Carioca Clube, quem é de São Paulo sabe o quê que é, na [rua] Cardeal Arcoverde, a gente cansou de tocar lá com os melhores. Avenida, Clube Avenida no Alto de Pinheiros e assim, a gente não quis ir mais para lá, porque a gente gasta 800 reais para ir para São Paulo tocar e ganha, vai de repente, mil de cachê, a gente hoje tem que se sustentar aqui na Ilhabela, mas tocando aqui na Ilhabela, eu graças a Deus, moro bem, meus filhos mais velhos têm suas próprias casas, moram bem, todo mundo tá bem, tem o seu carro pra andar, têm o seu pão para defender todos os dias. O meu filho Yagho, o mais novo, quando achei que não ia acontecer mais nada, Yagho Augusto, com 12 anos, a mãe dele botou lá no site da Record num dos quiz, no limite da idade, era 12 anos, colocou o nome dele lá e de repente, veio uma cartinha, ele foi lá, fez o teste, foi uma criança de 12 anos, chegou com o cavaquinho no peito, cantando “Feitiço da Vila”, de Noel Rosa, imortalizado aí por Noel e Martinho da Vila e o moleque chegou lá: [cantando]. O João Gordo, aquele artista, tem a Kelly Key, pô, pessoal na peneira olhou, foram 14 mil inscrições, ele ficou entre os 600 e quando terminou o programa, ele ficou entre os 11 do Brasil, cantando samba. Pode entrar aí no YouTube, Yagho com Y, A, G, H, O, é meio diferente que eu coloquei Yagho, Yagho com Y, A, G, H, O, Ilhabela, entra lá no YouTube, você vai me ver lá na televisão com a mãe dele, com a família, a gente ficou três meses na televisão por conta do pivete. E hoje, esse cara tem 16 anos, é um músico incrível, assim como os outros e é isso, eu tenho certeza que Ilhabela se orgulha da nossa banda, pessoal que dá valor aí, realmente, é muita gente que se orgulha, agradeço ao prefeito mais uma vez o Pronúncia no Olhar, porque em algum momento lá atrás, eu não tinha nada a ver com a política, nem tava do lado do prefeito, sabe, e nem contra também nunca fiquei, contra político nenhum, essa é a realidade, sempre me dei bem com todo mundo. Podia até vestir uma camisa, mas nunca me tornei um cara inimigo de ninguém por conta de político e não pretendo e não vou, por mais que a pessoa queira, eu vou fugir disso. Sou fiel, sou leal a quem me deu alguma oportunidade na vida e friso, além da oportunidade dessa honra de ser secretário de cultura, o prefeito, lá atrás, colocou o Pronúncia no Olhar para tocar em todo aniversário da cidade ocupando o palco junto com Bruno & Marrone, Tiaguinho ex-Exalta Samba, tudo o que ele trouxe de melhor no mercado musical do Brasil. Nós dividimos um dia, isso já dura aí, quatro ou cinco anos, um dia foi do Pronúncia no Olhar, porque ele sabe que honra chegar lá e o que representa chegar lá, um palco naquela magnitude. Então, tá aqui mais um agradecimento que eu faço a este prefeito que com certeza, na história de Ilhabela, já seria imortal só por ser prefeito, mas por tudo que já fez, é um cara que vai muita gente sentir saudades aí, como eu disse, não preciso puxar o saco de ninguém, é tranquilo pra mim falar essas coisas, e é isso.
PAUSA
P/1 – Então, eu só queria que você contasse pra gente como é cantar a sua cidade, quer dizer, fazer esse samba falando de Ilhabela, como que é a emoção de cantar isso, de ir até São Paulo para cantar a sua terra? Ou mesmo ver o seu grupo, seus meninos indo representar a cidade nas apresentações?
R – Eu moro em Ilhabela, eu ando de carro há anos e anos aqui na orla da praia e talvez até os 30 anos, eu confesso que não dava muito valor, claro que eu nunca joguei um papel, não sou de jogar uma lata, um papel na rua, nada disso, mas sabe o que você sair de casa… Eu moro a 50 metros da praia, só não vejo a praia de frente porque tem uma curvinha, foi lá que eu tô nos meus últimos, como eu falei, fui com dois anos de idade para lá e eu já tô lá há 47 anos. Então assim, eu só viro uma curvinha, já vejo o mar. Mas assim, ônibus, pegar ônibus, ficar de costas para o mar sem olhar para o mar, esquecer que o mar existe, esquecer de olhar para a floresta, porque eu saía para trabalhar, ganhar dinheiro, ganhar pão, sustentar a molecada, às vezes, cansaço de muitas batalhas, só que um dia, eu vi alguém falar assim: “Como pode alguém ser infeliz ou estressado se acorda todo dia olhando para esse mar?, alguém me falou isso, alguém fez um comentário e eu absorvi isso. Aí eu perguntei pra mim: “Como pode você nascer aqui, pescar nesse mar que matou a sua fome quando era criança e você ignorar o mar toda vez que desce da sua casa, né?”, então eu comecei a olhar para Ilhabela, gostar mais, né, a começar a perceber… Tem gente que vem aqui na Ilhabela passar uma sexta, sábado e domingo, pega um barco, dá volta na ilha, conhece mais coisas do que eu que tive que ficar aqui batalhando para criar a molecada e etc., né? Eu comecei a prestar mais atenção, a valorizar mais, abrir os olhos mais, olhar mais para o mar, respirar o a fresco, sentir que não tem poluição. Aí, cantar toda essa gratidão que você tem por ter nascido num lugar desse, cantar essa admiração, esse prazer, esse privilégio, com certeza, eu fico muito feliz, só que os meus filhos, eu acho que eles são mais apurados. Eu já vinha falando isso e como os caras são contemporâneos de 30 anos pra cá, eles também absorveram esse carinho, esse prazer, sabem do significado de nascer num lugar como esse, sabem o quanto vale e já foram em três oportunidades: uma lá no Unidos do Garrafão, uma outra pela Unidos de Padre Anchieta, um samba maravilhoso falando de Ilhabela, porque em 2005, houve uma determinação que todas as escolas de samba falariam dos 202 anos de emancipação política de Ilhabela, então, todo mundo falou de Ilhabela, aí eu falei mais uma vez com um samba incrível, lindo pra caramba também: [cantando] “O vento bate, a vela dança, dança o povo na avenida…”, é lindo pra caramba. Aí, essa da Vila Maria, então o contexto da Vila Maria foi mais emocionante, né, porque no samba que a gente fez para o Garrafão deu um prazer da gente ganhar duas vezes, ganhamos um título inédito pela escola, que nunca tinha ganhado há 23 anos, pela Anchieta era fantástico, era uma vida curta que a gente tinha ali de poucos anos batalhando fez a escola ser muito forte, era uma união incrível que tinha naquela agremiação e a gente cantou, falamos dos baluartes do samba nesse samba e o meu nome foi citado, né? [Cantando]: “Veio Felinho…”, Felinho era o meu sogro, Felinho pai da minha mulher foi um dos caras lá do passado, ele morreu com 300 músicas de autoria dele, perdidas por aí, deve ter muita gente com papel, veio um povo da Argentina e gravou um documentário que eu tenho no nome dele, teve o filme “O Caiçara”, da Vera Cruz, aquela primeira empresa cinematográfica do Brasil, ele participou, entendeu? Então, eu casei com um cara… Com um cara, não (risos), casei com a filha dele e eu tive o prazer de carregar ele no colo, dar banho, sabe, o cara ficou cadeirante e prazer dar banho nele, tal, tal e era um cara que fazia eu cantar as músicas dele, tocando, e eu falei desse cara [cantando]: “Veio Felinho, Ditinho, Cassiano, Davi, Brejal…”, Davi do cavaco, um cara que tocava cavaco diferente, a filiação Paraguaçu, Carlito … Carlito da barraca, um cara do samba foi o Carlito, que a mãe dele e ele que começou, ele era o cara, Carlito era o cara, tem um cara, Arlindo Cruz, Carlito era o Arlindo Cruz de Ilhabela e Brejal era o mestre Brejal, que é fundador da Unidos de Anchieta, sua mulher a Creuza Maciel que tem aí, o programa da rádio e era um cara que morreu, eu admirei também… Algumas vezes, eu toquei samba dentro do cemitério na morte de alguns caras, acho que na minha vai acontecer a mesma coisa. Então assim, esse [samba] da Padre Anchieta foi legal eu exaltar esses baluartes do samba de Ilhabela, sabe? Falar da colgada, citar o Zé de Alicio, que é o secretário imortal assim, na história da congada, falar da vela sim, mas falar daqueles encantos para nós mesmo, sabe, para o público da arquibancada, nós mesmos, da Ilhabela, exceção de alguns turistas, tem uma magia. Com a história da Vila Maria foi fantástico, a gente cantou para uma comunidade gigantesca de São Paulo e enquanto durou essas eliminatórias até chegar a final, o samba nosso foi cantado em rádios, tocado em São Paulo, se tivéssemos ganhado na final, perdemos para o Dudu Nobre, uma honra para nós ser derrotado, não, derrotado não tem, nunca tem derrota, tudo tem um sentido lá na frente. A gente teve a oportunidade dada pela Vila Maria, agradecemos aqui também, Presidente Adilson, todo mundo lá, mas assim, chegar naquela quadra... Olha só, todo cantor de samba de enredo tem um ídolo, todo artista tem alguém em quem você se inspira, não precisa ser ídolo, mas que você se inspira, ídolo é Deus. Aí, eu sei que eu sempre me inspirei no Quinho do Salgueiro, Quinho falava: “Aí que bonitinho”, aí eu peguei esse negócio do Quinho do Salgueiro e comecei: “Aí que bonitinho”, e até hoje, depois de tantos anos, nego passa por mim na rua e fala: “Aí que bonitinho”, tal. E eu namorei com uma pessoa que foi a minha mulher e ela falou assim: ‘Preto, que sacanagem”, eu falei: “Que foi?” “Tem um cara no Rio de Janeiro te imitando”, ela não conhecia o Quinho, né? “O que ele fala?” “Aí que bonitinho! Que palhaço aquele abobado, fica te imitando”, eu falei: “Meu Deus do céu, eu que imito o cara, é o Quinho do Salgueiro” “Não, não, você quando fala é mais bonito”, aí olha só, Quinho do Salgueiro. Aí, você já ouviu falar de Haroldo Melodia? Haroldo Melodia fez [cantando]: “A minha alegria atravessou o mar e ancorou na passarela…”, fez: “A cigana leu o meu destino, eu sou rei…”, e tantos, né, tantos sambas imortais que Haroldo melodia da União da Ilha do Governador fez. O filho dele, o Ito Melodia que ganhou o estandarte de ouro em 2015 da melhor voz da avenida, olha só que louco: o samba da Vila Maria começou aqui com a gente, foi gravado pelo Ito Melodia para ir para as rádios, que foi com a voz do Ito. De repente, eu tava ensaiando lá no Leões do ITA, aqui no carnaval, um ano antes, o Ito melodia entrou na quadra, aqui na comunidade trazida por um parceiro nosso, amigo da gente e o cara cantou… Nossa… Pegamos aquele link com ele, ele gravou o nosso samba e pra gente disputar a final, não podia sermos nós da Ilhabela, tinha que ter um cara forte. Bom, quem veio? Quinho do Salgueiro. Foi muito incrível, só faltou ganhar. Se ganhasse, nosso samba iria ser cantado na avenida para 155, 165 países, seria uma grande consagração, a gente não chegou… Não ficamos frustrados… Acho que a gente ficou mais sonhando com isso acontecer e não aconteceu mas depois que esfria a mente, fica pensando o quanto foi bacana o Quinho, né? E para Ilhabela foi muito mais, nosso samba fez parte, dignificou, enalteceu toda essa eliminatória dessa escola de samba tradicional, Vila Maria que tinha o propósito de desfilar falando de Ilhabela em 65 minutos, mas como ela ficou entre as campeãs, desfilou o dobro, então o intuito foi até maior e foi incrível, foi uma experiência fantástica cantar a nossa Ilhabela, algo que é o palco, que é a terra, o torrão onde eu tô contando toda essa história da minha vida, de 49 anos, poder colocar isso em música e poder levar isso para outros lugares é fantástico. Cantar ao lado dos meus filhos é fantástico, olhar para um lado, ver dois filhos, para o outro, mais dois filhos é fantástico. Olhar a qualidade de cada um é fantástico e saber que muitos aí da Ilhabela me chamam de pai do samba é muito legal, fico um pouquinho envaidecido assim, e aí, a história continua, né, a história continua, se Deus quiser. Fico feliz de estar falando tudo isso aqui, sei lá…
P/1 – E para você que recebeu esse título de pai do samba, o quer que significa o samba e o carnaval aqui para a Ilhabela?
R – Eu não tenho esse título, mas algumas pessoas que fazem o samba aqui na Ilhabela e são bons falam: “Esse é o pai do samba”, mas eu aprendi com outras pessoas também, né? Só que a gente intensificou, a gente deu uma qualidade, deu um respeito para o samba. O samba, antes de mim, eu acho isso uma realidade, ele era cantado nos botequins, nas mesinhas de bar, mas só que em outras cidades, já tinham shows locais de palco, artistas faziam palco, tinha cavaco, violão sete cordas desde quando o mundo é mundo, né? Enfim, samba nasceu na Bahia, tomou conta do Rio de Janeiro, chegou em São Paulo, até chegar em Ilhabela, então em muitos municípios pequenos como a gente, como o nosso, existiam artistas que faziam shows, né, mas na Ilhabela, literalmente, haviam dois polos mais importantes, que era a Barraca do Samba no Perequê… Perdão, Barraca do Samba no centro da cidade, aos pés da igreja, cadeia e fórum, dois prédios que são marcos de Ilhabela. E o outro núcleo era o bairro do Perequê, que tinham os sambistas, que foi onde eu nasci como sambista. Dessa galera, antes de mim, sei lá, cachê constantemente, poder falar assim: vivo de música não integralmente, mas de música todo dia, durante anos e anos initerruptamente, durante anos e anos. Eu fiquei durante 15 anos, sexta, sábado e domingo, durante dez, 15 anos de não chegar menos de seis horas da manhã em casa, então, não foi para qualquer um, não. Até porque não tinha tanta concorrência, também, né? (risos) Hoje tem mais, mesmo assim, nosso lugar tá aí. Assim, é fantástico, pai do samba por isso, acho que cachê, organização, a organização que eu tinha, a gente tinha figurinos para tocar, tinha um momento que a gente tocava de terno, 11 caras de terno, porque a galera da frente ali eram cinco, e lá atrás tinham o baixista, baterista, um tecladista, mais não sei o que, percussão, nove, dez caras de terno. A gente ganhava o dinheiro, gastava tudo em roupa, não tinha mistura, mas comprava roupa, porque tava imitando o Só pra Contrariar, aquelas coisas todas do passado, que enfim, então pai do samba é assim, um ou outro que me chamam aí por conta dessa história mais antiga, né, que eu tenho e ainda não parou com o samba Ilhabela.
P/1 – E como é que ver a sua escola desfilando?
R – Aí, é grande emoção. É muita emoção, porque a gente fez a escola do jeito que fez e detalhe, gente, detalhe, toda escola começa assim, é um movimentinho, meia-dúzia de batuqueiros, bloquinho, entendeu? A nossa só usou a história do bloco para poder virar escola legalmente, mas o bloco não tinha batuqueiros, porque os batuqueiros do bloco eram os batuqueiros das escolas que a gente frequentava, então a bateria do meu bloco era a bateria da escola Anchieta e da escola Garrafão. Quando eu saí dessas escolas para sempre, para sempre – entre aspas – eu acho que sim, porque agora não tem como eu tocar as escolas, eu tenho a minha. A gente não tinha batuqueiros, nós compramos instrumentos, meus filhos, mestre, o Bajo, ele que formou e tinha preconceito, porque era assim, gente, qual é a emoção que eu tenho? Passa um filme na minha cabeça, como você consegue num bairro tão populoso onde se ouvia umas batucadinhas minúsculas dentro do estádio de futebol em dia de jogo, mas isso aí era uma vez, três ao ano, né? Agora você enfiar o negócio estridente, altamente barulhento, e quando o cara não sabe tocar é pior, tem aquelas falhas, para, começa de novo, para, tum, tum, para... O meu filho fazendo isso, ensinando aquela molecadinha do morro a tocar, no primeiro ano, saíamos acho que com 45, no segundo ano, já foi para 55, no terceiro, para 70, entendeu? E passa esse filme, o que eu fiz na época? Eu ia cinco horas da tarde, um sol de verão, que nós estamos falando do final do ano em Ilhabela, sol de verão, eu, meus filhos, meus afilhados, só um parênteses aí, éramos uns 15, né? E a gente tocando para poder fazer… Eu já prevendo a coisa, falei: “Tenho que fazer esse negócio aqui vim direto, porque a galera vai se acostumar com esse barulho, porque em algum momento, vou ter que jogar isso para noite”, e aí, a galera: “Mudou para noite”, não já enfiar na noite isso aí, e começava, sábado e domingo [som com a boca dos instrumentos]. E aí, quando foi o dia de chegar à noite, aí meu Deus, aí enfiamos lá dentro do ginásio de esportes e começamos. Pensa num povo que tinha a maioria comprado a sua televisão nova para assistir a novela das oito, entendeu, e justamente no horário nobre da Globo, começar aquele barulho. Tem que ser muito macho e eu acho que sou, macho, respeitado, querido acima de tudo, sabe, querido numa comunidade para você encaixar esse negócio lá. Não é um bairro igual aos outros, lá é diferente o negócio. É um bairro de uma minoria caiçara muito intensa, muito pouco caiçara ali, aí a grande maioria são hoje, cearenses, alagoanos, sergipanos, paraibanos, piauiense, os mineiros que foram os primeiros a chegar e povoar o Morros dos Mineiros, então assim, a tradição deles é ouvir um sertanejo, um forró, coisa e tal e bem alto, porque em qualquer lugar daquele, tem um som maravilhoso, pode até na casa não caber o som e a televisão, mas tem um som e uma televisão, né? E o cara quer ouvir o que ele curte e o samba não era tradição, então, todas essas barreiras, a gente enfiou esse negócio lá dentro, sabe, e a galera foi: “Ditinho, Ditinho…” “É Ditinho”, tem cara que deve me odiar. Aí, eu lembro que teve uma mãe que aí, o moleque foi, aí quando viu que aquele negócio tava ficando redondinho, primeiro ano, ele foi tocar, né, moleque assim, grandinho já, aí ele começou e ele tinha jeito, deu um surdo para ele, fazendo a primeira ali, tal, daqui a pouco a mãe dele que foi uma colega minha de escola chamou assim: “Faz o favor”, com uma cara de poucos amigos, falou: “Tira meu filho dessa bagunça aí, tira meu filho dai” “Tudo bem, calma” “Tira meu filho daí agora”, falei assim: “Olha minha senhora…” “Não tem nada de senhora, não, você me conhece. Tira o meu filho daí agora”, aí fui lá, cheguei no garoto e falei: “Filho, a sua mãe tá chamando você lá, então você deixa o surdo…”, ele tocando e eu falando: “Deixa o surdo devagarinho no chão, sai com calma, como quem não quer nada, vai lá com a sua mãe, tá bom?”, aí o moleque deixou o surdo, quando chegou lá, a mãe dele já catou na orelha e falou não sei o que, eu fiquei olhando, ele olhou pra traz assim, para mim, dentro do meu olho, lá de baixo ele olhou e a lágrima desceu, assim, sabe, e foi embora. Aí, beleza. Tiramos a escola de samba no primeiro ano, tiramos no segundo, no terceiro ano, o moleque já tava maior, ela veio trazer: “Dá para você dar uma oportunidade para ele?”, uma das coisas mais marcantes, assim. Então, passa todo esse filme, entendeu? Passa todos aqueles filmes, a dificuldade, coisa e tal quando eu vejo a escola entrar... Outra coisa, desde o primeiro ano até hoje, não é por nada, não, com todo o respeito a todos os sambistas, eles sabem que eu tenho, eu sou um cara bastante casca dura, às vezes, quando pisam no meu calo, assim, mas a questão é que hoje nossa escola é muito aguardada, todo mundo quer ver, todas elas querem ver o que esses caras vão aprontar com o negócio, porque em tão pouco tempo, são sete anos, os resultados são incríveis, né? Teve aí carnaval que a gente perdeu por meio ponto, por 0,25, então seriam quatro vezes campeã se ganhasse, né? É [uma escola] muito aguardada, foi muito sacrifício de fazer, hoje, é completamente respeitada e é a escola ser batida, tem que ganhar da gente para ser campeão, como a gente teve que ganhar dos campeões para ser campeão. Então, é isso, eu acho que é o maior feito que eu tive foi isso por conta da dificuldade que foi, do ambiente, tudo que a gente teve que passar para essa escola Leões do ITA acontecer, certamente, a minha imagem que já era uma imagem conhecida na cidade com esse vínculo pelo samba aumentou, porque esse feito foi sabido por todo mundo, até porque eu fiz questão de colocar em todas as mídias escrita, sabe, a história e muita gente leu e quem não leu, ouviu falar. Então assim, realmente, foi um grande feito. É uma coisa que é difícil acabar e é isso aí.
P/1 – Tá certo e a última pergunta vai ser quais são os seus sonhos, Ditinho?
R – Meu sonho? Olha, eu não sou um sonhador assim, como é que eu vou dizer? Sabe? Eu não sonho com o que é utópico, com o que é impossível, eu sonho médio prazo, sei lá, eu quero chegar ali, eu chego lá, depois, sonho com outra coisa no mesmo parâmetro, entendeu? Para não me machucar. Eu não sei se eu sou muito preparado para grandes decepções, sabe? Grandes frustações, não sei, é um processo de amadurecimento, entendeu? Às vezes, para criar alguém, você deixa de crescer, entende? Seu crescimento é a vida, mas, às vezes, você investe tanto em pessoas, que você acaba não assimilando muitas coisas, você assimila o que aquilo que você tá fazendo, mas quando você anda livremente… Então, eu aprendi que é assim, eu não tô preparado para sofrimento passional, sabe, essa coisa, eu sou um cara extremamente sensível e sentimental, chorão, entendeu? Então, eu me protejo um pouco, mas eu posso te dizer, eu quero ver o Pronúncia no Olhar na televisão, em mídia nacional ou eu estando junto ou não, mas eu gostaria de ver, é um grande sonho. Eu acho que Ilhabela vai ficar muito feliz e é um material humano artístico que Ilhabela tem, tem outros também capazes, muito capazes, mas o Pronúncia no Olhar é um produto feito, são irmãos juntos, não são um ou dois, são quatro, pode vir até neto, que já tá grande tocar e tem eu, o pai, né? Então assim, é um produto que se entrar na mídia, é um produto família, tem história para contar, eu já contei um pouco aqui, tem qualidade incrível para tocar em qualquer casa do país, qualquer lugar que toca uma banda do Rio de Janeiro famosa, do mercado, a gente pode tocar com a mesma categoria e competência. Então, quando isso acontecer… É um sonho, mas eu acho que é possível, por isso que eu acho que eu sonho com isso, quando isso acontecer, o produto sendo de Ilhabela vai ter mais glamour ainda, porque qualquer pessoa daqui que for e ficar sólida no mercado musical vai ser a primeira de Ilhabela, né? Então, é um produto que tá pronto, tá pronto para arrebentar Ilhabela, como eu disse, quando tiver a primeira oportunidade de um empresário vir, ou uma gravadora, ou algum investimento for feito, vai ter um retorno incrível, porque é um produto muito pronto, muito forte, quem já viu sabe o que eu tô falando. Esse é o meu grande sonho, o resto são conquistas que a vida vai me dar, passo a passo. Eu gosto da simplicidade também, eu gosto de andar bem arrumado, pareço meio metido às vezes: “Esse neguinho é cheio de querer, todo metido”, me ver passar de carro, mas não é nada disso. Quando conversa comigo, ou anda comigo, meio-dia, ou vai na minha casa, aí a pessoa entende como que eu sou, porque você conhece uma pessoa quando você vai na casa dela, lá na casa dela tá a realidade dela, como ela é, o quê que ela é, se ela fingir lá dentro, alguém vai condenar, entendeu? Se beber, aí fica mais vulnerável ainda (risos), que criança e bêbados falam a verdade. Então assim, sabe, eu sou um cara bem simples, só tenho uma paixão assim, negócio de loja, eu gosto de roupa, gosto de roupa, gosto de andar aprumado, hoje eu nem estou, porque eu até esqueci, senão, eu vinha aqui de um jeito que seria insuportável (risos), falou?
P/1 – Falou.
R – É isso aí, vamos que vamos. A vida continua até a hora que Deus quiser, mando um grande abraço para o meu povo de Ilhabela, para as suas lideranças, para todas as pessoas que colaboraram, contribuíram em todos os tempos para que Ilhabela seja o que é hoje, naturalmente que o pouquinho que cada um fez desde sua emancipação política e administrativa que já perdura há 200 e tantos anos foi importante para tudo isso que nós temos hoje e que estamos colhendo e que para a posteridade, quem venha a governar a minha cidade sejam pessoas sensíveis, futurísticas, que consigam fazer uma análise da cidade olhando lá uns 20 nos pra frente, no mínimo, para que os meus netos, os netos das pessoas, os seus netos possam desfrutar disso daqui com saúde, não só a saúde dos nossos netos, não só isso, mas a saúde da cidade, então é isso que eu desejo, enquanto eu for vivo, viver numa cidade saudável, bacana, que certamente, depende de gestões, né? Então, que todas as pessoas possam ter amor e carinho e não apenas olhar para status social de liderar uma cidade e sim, de amá-la, porque isso aqui não é para qualquer um, não, isso daqui é para privilegiados. Muita gente que veio aqui mal intencionado, Ilhabela não aceitou, mandou de volta. Tá bom?
P/1 – Tá joia, então, em nome do Museu da Pessoa e também, da prefeitura de Ilhabela, a gente agradece o seu depoimento. Muito obrigada.
R – Eu que agradeço a oportunidade, nada é por acaso, então se eu tô aqui falando isso tudo, né, até eu tô um pouco cansado de tanto falar (risos) é porque eu acho que é merecido, faz parte do destino e fica aí para a história esse depoimento, aí, agradeço demais ao Museu da Pessoa, esse projeto bacana que deixa registrado a vida, a essência do ser humano aí para posteridade.
P/1 – Obrigada.
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