Projeto Pessoas
Depoimento de Tatiana Toffoli Soares
Entrevistada por Karen Worcman e Rosana Miziara
São Paulo, 08/05/2018
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV673_Tatiana Toffoli Soares
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
R – Estava bem na época certa, a época de escalar. Tudo e...Continuar leitura
Projeto Pessoas
Depoimento de Tatiana Toffoli Soares
Entrevistada por Karen Worcman e Rosana Miziara
São Paulo, 08/05/2018
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV673_Tatiana Toffoli Soares
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
R – Estava bem na época certa, a época de escalar. Tudo ele escalava, aí você ia cozinhar, quando via, o moleque estava em cima de não sei o que, atrás do armário, subia escada, você tinha que tirar a escada…
P/2 – Essa foto tá ótima, você tá com um sorriso ótimo!
R – Frederico e Lara. A Lara agora tá… isso faz tempo, isso aqui foi quando…
P/1 – Eles estão com quantos anos, agora?
R – Agora, a Lara vai fazer 15 amanhã e o Frederico tem 11. Esse aqui foi no Prêmio… o Baré ganhou um prêmio no Telas, festival de telas, revelação e…
P/2 – Que ano, isso?
R – Isso foi 2016.
P/2 – Agora, mais recente.
R – Recente, é…
P/1 – Onde foi?
R – Foi no Ibirapuera, é um festival chamado Telas que é um festival de audiovisual. Aqui é no Telas também. E aqui com as duas ceras, com as personagens do filme, quando elas vieram para São Paulo. Isso aqui quando eu fiz um curso de piloto.
P/2 – Esse aqui é quando você fez o curso de piloto?
R – É, exatamente. meu ex-marido era um pouco assim, de repente: “Ultraleve, ultraleve”, aí quando viu, comprou um ultraleve.
P/1 – É ele?
R – Não. Esse é o professor, um alemão. E aí, ele falou: “Você quer fazer o curso?”, eu falei: “Claro, né, vou voar com ele sem saber nada de voo?”, achava que era melhor fazer o curso, mas não é assim, qualquer um vai fazer o curso de piloto, porque até voava bem, sabia voar, porque voar é mão, né, é ritmo. Agora, tem uma coisa que se faz quando você faz o curso que é stolar o avião, que é você baixa a rotação do motor e você sobe o nariz do avião até que ele cai e se ele entrar em parafuso para a direita, você tem que dar pedal para esquerda. Se ele entrar em parafuso para a esquerda, você tem que dar pedal para a direita, pensa! A pessoa, direita, esquerda… nossa, eu não tinha condições, não tinha nervos pra isso, entendeu? Então, dei stol uma vez assim, a primeira vez que ele deu stol comigo, pus as mãos atrás do banco como se fosse resolver alguma coisa, né? Assim, apavorada, imagina se eu vou dar stol, não acho divertido. Tem que achar isso divertido para voar, né? tem que achar divertido, de repente, você estar nessa situação que eu não…
P/1 – Conversando com a morte.
R – É, tem um risco ali, né, tem assim, um domínio sobre o risco. Você achar que você consegue estar numa situação de estresse e estar calmo.
P/2 – E ele pilotava?
R – Ele pilotou e tal, mas aí depois, acabou vendendo…
P/2– Durou um tempo?
R – É, durou um tempinho.
P/2 – Como que ele chamava?
R – O meu ex-marido?
P/1 – Isso.
R – Guilherme.
P/1 – Ele era do sul?
R – Não, daqui.
P/2 – Com ele que você morou no barco?
R – É, com ele que eu morei no barco.
P/1 – Ah, você morou nesse barco aqui?
R – É, nesse barco aí.
P/1 – Em Parati?
R – É, por um ano.
P/1 – Ele era navegador?
R – Era. É, ele é até hoje. Eu também comecei a velejar com 15, né?
P/1 – Ah, é verdade.
P/2 – Você contou lá no workshop.
R – Aqui trem até uma coisa, posso pegar aqui?
P/1 – Pode pegar.
R – Que é engraçada, eu trouxe várias coisas porque é difícil, né… aqui tem uma matéria que saiu quando a gente morou no barco. Olha isso aqui, eu e a minha irmã gêmea, né, que eu tenho uma irmã gêmea, na época que a gente velejava, a gente foi correr um campeonato, aí saiu essa matéria da gente, as duas… puseram bem em cima da Daina, né, o nome , né?
P/2 – Dainara?
R – É, Dainara, minha irmã.
P/1 – Por que Dainara? Esse nome é…
R – Então, esse nome… essa história é boa. A minha mãe não sabia que iam ser gêmeos, não contaram pra ela. A minha mãe era pequenininha, aqui tem a foto dela e do meu pai, a minha mãe era pequenininha, mignon assim, um metro e 45 e o meu pai era mais alto e aí, todo mundo sempre protegia ela, sempre. Todo mundo sempre fazia tudo pra ela, ela conseguia isso: “Não, deixa que eu faço”, e ela ficava ali, trabalhava, ganhava dinheiro, sempre foi boa com dava e ganhava dinheiro, uma pessoa muito generosa com o dinheiro, o dinheiro fluía pra ela e ia embora também, ela era extremamente generosa, mas ela tinha isso, que todo mundo fazia tudo que era prático pra ela. Ela não lembra de ter nos dado banho quando a gente era bebê, porque todo mundo ia lá dar banho na gente, porque eram duas. Quando a gente nasceu, ela não sabia que eram gêmeos, ela tinha escolhido o nome Tatiana e não tinha escolhido o outro nome. E a gente nasceu num hospital católico e aí, ela disse que acordou da anestesia e tinha uma freira lá com uma lista de nomes, um livro de nomes e começou A, B, C… ela disse que quando chegou no D, ela não aguentava mais aquela mulher deixando ela tonta, né, porque ela ficava tonta com o livro, muita pressão e aí, ela falou acho que Dainara ou Daiara e a mãe entendeu Dainara e ela falou: “Dainara, gostei”
“Mas não é Dainara, é Daiara” “Mas eu gostei de Dainara, vou pôr Dainara”, e aí, virou Tatiana e Dainara e virou Daina, né, minha irmã todo mundo chama de Daina. Aqui eles aqui no casamento, esse é o algum que eu fiz para a Lara quando ela nasceu. Aí tem os avós paternos, maternos.
P/1 – Vovó Maria Lucia…
R – Mãe do Gui.
P/1 – Ele é da?
R – Ele é daqui de São Paulo, ele nasceu em Pernambuco, mas a família dele é de São Paulo. Foi um período que meles ficaram lá, os pais e aí… Parati, né, que faz parte da minha vida fortemente, adoro Parati.
P/1 – Vocês moraram onde em Parati?
R – Moramos na marina, na Marina do Engenho, marina do Amyr Klink. A gente morou na marina e tinham vários amigos que até hoje eu sou amiga dessa época.
P/2 – Moram lá?
R – Moram lá, ou moram… tem um que tá na Nova Zelândia…
P/1 – Lá em parati Mirim, você diz?
R – Não, Parati Mirim é onde a gente tem casa, mas Parati… eu morei em Parati. Eu morei em Parati Mirim também. Aí, quando eu morei em Parati Mirim, eu descobri que eu nunca vou morar numa fazenda, assim, porque eu preciso morar num lugar que eu vou na padaria, que eu encontre com alguém e dê “oi”, sabe assim?
P/1 – Aquilo que a gente tava falando.
R – Aquilo que a gente tava falando vindo pra cá, exatamente. Sabe, essa coisa de morar isolado, assim… eu gosto de ficar isolada, eu gosto muito de ficar sozinha, adoro sozinha, adoro mesmo, assim. Ficar em casa sozinha no silêncio, eu amo. Nem som eu ponho. Mas eu gosto de gente… (risos) dura dois dias, vai dando… eu e minha prima, a gente teve filhas na mesma época.
P/1 – Ah, você fez uma narrativa aqui?
R – É, fiz uma narrativa.
P/2 – Você deu pra sua filha?
R – É. Todos os detalhes de quando é que começou… como é que foi o parto, aí as pessoas estavam esperando. Aqui, os tios, quem passou…
P/1 – Nove de maio de 2003?
R – É, 2003 nasceu a Lara, eu virei mãe, que não é fácil, né? A gente tem que aprender. Ela nasceu gigante, né, 3.740, muito grande ela era muito grande, muito pesada…
P/1 – Foi parto natural?
R – Foi natural.
P/1 – Foi em que hospital?
R – Foi na Pró-Matre.
P/1 – Eu também tive filho lá.
R – Aí depois, o Fê foi no São Luiz. Mas o Fê não foi natural, porque ele era tão grande que achavam que como eu tive… demorou muito pra nascer, foram 12 horas de trabalho de parto, que ele também… que eu não era tão boa parteira, assim, né?
P/2 – Parideira.
R – Parideira, é! Aí, quando a Lara nasceu, o Gui foi até a porta e falou pra minha irmã: “Agora eu sou mais importante do que você”, doce ilusão, né?
P/1 – Nossa, e você teve tempo de fazer isso com filho?
R – O pobre do segundo não teve isso, né? Frederico, tadinho, a Lara que teve, né? Na maternidade e tal… e ela dormia muito assim, a Lara foi uma bebê assim, que não deu trabalho, sabe? Punha ela pra dormir 11, ela acordava às cinco. Ela dormia à noite inteira, a gente dormia…
P/1 – Esse é pra ela?
R – Esse é pra ela. Eu vou fazer o do Fê um dia. Aí é aquela coisa, né, eu fiz, acho que ela tinha nascido fazia no máximo um ano, então tem fotos, muitas fotos desse mesmo período, né?
P/2 – É quase fazer um bordado, vai criando…
R – É! Olha o tamanho do peito! Eu tive muito leite e eu tive muito problema no mamilo, né?
P/1 – De dor?
R – de dor, de sangrar, né? Aí, eu brinco: “Nossa, todo muno preocupado se faz parto normal, se não faz parto normal, ninguém fala da amamentação que é cara, de quatro em quatro horas depois que nasce, ninguém fala sobre isso”, aí você fala com as amigas que tiveram filhos, aí você arranja o telefone de uma enfermeira, então todo mundo que me ligava depois e falava que tava grávida, eu falava: “Pega o telefone dessa enfermeira, porque se você tiver o mamilo sangrando, você liga pra ela que ela vem te ajudar”, porque a minha…
P/1 – Sua amiga?
R – Não, minha prima. Aqui em São Paulo, moro, eu, minha irmã e minha prima Luciane, e aminha prima teve filho na mesma época que eu, teve uma menina também.
P/1 – Ah, vocês moram juntas?
R – Elas não tem nem um mês de diferença. E aí, um amigos que andavam muito juntos na época, Lala deitada… Lala no colo do pai…
P/2 – Olha para o lado, tira uma foto.
R – Exatamente, Lala olhando para o pai… com a minha irmã, né?
P/1 – Igualzinha…
R – Igualzinha. Que ela chama até hoje de Titita, porque ela passou a chamar de Titita e ela disse: “Eu quero que você me chame de Titita”, então até hoje, ela chama de Titita. Quando a gente foi… aqui, essa foto do cartório, quando a gente foi registrar ela, a pessoa do cartório achava que a gente estava mentindo, que ela não tinha aquela idade, porque ela era muito grande, a gente teve que provar…
P/1 – Quem era grande assim, o pai? Você não é…
R – Não sei, uma coisa dela mesmo, não é… ele é alto, mas também não é… meu pai era alto…
P/1 – Aí aqui, você trouxe… você tem alguma da sua família original? Pai e mãe?
R – Tenho. Cadê aquela? será que eu peguei aquela da tia? Eu tenho uma foto que é engraçada, eu acho que ela deve estar aqui, são as fotos antigas, né? Deixa eu ver… eu tenho uma foto que é… eu adoro essa foto, que a gente tinha poucas fotos, né? A da minha família original, mesmo, que a gente tá no colo do pai e da mãe, eu não consegui tirar, tinha que trazer no porta-retrato, mas essa foto eu gosto muito, porque eu acho muito de época. Os tios, as tias, sabe? Eu sempre gostei muito dessa foto, era o nossos aniversário de um ano, aí as duas aqui no colo dos primos, né, a Luciane aqui minha prima que mora aqui e aí, o meu pai tá aqui, a minha mãe aqui, minha vó por parte de mãe, aí as tias, né, os tios, tia…
P/1 – Quando é isso?
R – Isso foi 70, né?
P/2 – Você nasceu em 69?
R – 69. E aqui as duas, foto clássica, porque antigamente não tinha isso, você chamava um fotógrafo e vinha essa foto linda nesse papel incrível, com esse contraste incrível, eu acho lindo, a gente não tem mais isso, né? Até a fotografia era em preto e branco, tal, mas não tem muito, né? Uma foto com essa qualidade mais, né?
P/1 – E vocês moravam nessa casa?
R – A gente morava num apartamento lá em… que até hoje, a gente ainda tem esse apartamento lá em Porto Alegre. Isso aqui já é outra época, aqui meu pai e minha mãe, já são os dois falecidos, né, os dois faleceram de câncer, já faz bastante tempo.
P/1 – Os dois?
R – Os dois, é. Primeiro minha mãe, minha mãe sempre lutou contra o câncer, né, desde que eu tenho 15 anos, assim, ela tinha 30 quando eu nasci e a Daina, meu pai tinha 45, então eles foram pais temporãos, né? Então, meu pai era dedicação total assim, o tempo inteiro com a gente, levava e buscava, ele fazia mamadeira, ele que cozinhava, ele que… ele era meio mãe-pai, assim, no aspecto do cuidar, que a minha mãe sempre foi cuidada, então ela continuou um pouco sendo cuidada e aí, ela teve câncer e aí, ele conseguiu falecer dois anos antes dela, também teve um câncer, não cuidou direito, sei que estava fazendo um trabalho aqui em São Paulo, o trabalho deu meio errado, foi uma coisa chata pra mim, mas a minha irmã veio de Porto Alegre e falou: “Vai pra Porto Alegre que o pai tá mal, você precisa levar ele pro hospital”, aí eu fui pra Porto Alegre: “Eu preciso te levar para o hospital”, aí levei ele pro hospital e não saiu mais”, aí foi aquela coisa de se revezar para cuidar.
P/1 – E aí, ela ficou só?
R – Ela ficou só e depois de um tempo, veio morar com a gente. Ficou um ano com a gente, também aquela coisa de tio e tia, a família é muito… eu sempre falo assim, a gente não se dá conta quando as coisas estão acontecendo, né, da urgência da ação. Mas você é filha, tá acostumada a ser filha, que eu tava ali com mãe e pai, eu fico filha, esperando que venha alguma coisa e aí, uma tia falou: “Levem a sua mãe para São Paulo, porque ela não vai durar muito”. Aí, minha irmã foi buscar, a gente trouxe ela pra São Paulo, ela ficou morando um pouco comigo, um pouco com a minha irmã, foi bem na época que eu casei e aí, ela ficou assim com a gente. E aí, depois de um ano, um ano e pouco, ela faleceu mesmo.
P/1 – Ela nem conheceu a sua filha?
R – Não, faleceu um ano antes. Ela nem conheceu, nem me viu grávida, nem conheceu. É engraçado, quando você tem filho, você escuta a voz dos teus pais, né? Eu descobrir o que era reinar depois de ter filho, porque eu dizia: “Lara, para de reinar”, falei: “Gente, reinar não é birra, reinar é querer ser rainha, querer decidir tudo”, eu nunca ouvi desse jeito o meu pai falando reinar, eu ficava tentando entender o que o meu pai estava querendo dizer, pra mim era: deixa de ser chata, mas não é chata, é mais específico, né, deixa de ser rainha, né, deixa de decidir. Aí, eu entendi essa palavra usando com a Lara, sabe assim?
P/1 – Apareceu, nasceu de volta?
R – Nasceu de volta e várias palavras, né?
P/2 – Várias expressões você retoma, né?
R – Várias expressões você retoma depois que tem filho, né?
P/1 – Posso passear um pouquinho aqui?
R – Pode, fica à vontade. Esse aqui é aquele desenho que eu falei, que o Guazelli fez pra mim, porque assim, a gente morava num apartamento pequeno de dois quartos, duas meninas animadas, né? E aí, o pai comprou dois banquinhos baixinhos pra gente assim, e a gente morava no lado da escola que a gente estudou, uma escola pública. E a gente brincava olhando pela janela quando vinha o recreio, porque o recreio era dentro de casa, porque o apartamento inteiro era para o colégio e justamente, para um pátio que as crianças, até… que as crianças brincavam, as menores e a gente ficava nesses banquinhos, eu e a minha irmã e a gente olhava as crianças saindo da sala e a gente dizia: “Eu sou essa”, e ela dizia: “Eu sou aquela”, a gente escolhia uma para ser e aí, a gente brincava como se fosse elas, a gente se projetava ali, então se uma ganhava, se a outra não ganhava, a gente olhava para aquela pessoa ali, para aquela menina e era eu e a outra era ela. E a gente ficava nesses banquinhos, então essa imagem aí que o Guazelli desenhou, que ele disse que u não contei pra ele, mas acho impossível que eu não tenha contado… e é engraçado, que o prédio é o meu prédio, entendeu? Não é o prédio da escola, então eu via a escola na verdade, mas sei que é exatamente a memória do meu prédio, aqueles prédios compridos que tinham aqueles corredores grandes, sabe? Cheio de portas que eu tinha tanto medo, às vezes, de espirito, sei lá do que, que eu saía correndo, assim (risos)…
P/1 – E a baleia?
R – A baleia é coisa do Guazelli, a baleia é Guazelli…
P/2 – Demais!
R – Não é demais? Eu falei: “Eu vou levar porque é tão…”
P/1 – É lindo.
R – É lindo, não é?
P/2 – É lindo demais.
R – Eu tenho que enquadrar esse aqui.
P/1 – A sua época de novela, né?
R – É, época de novela, aqui, aqui… Ana Raio, porque eu entrei na faculdade… sempre fui muito irrequieta, sabe aquela história de todo mundo: ”Você e muito volúvel”, eu ouvi isso muitas vezes, isso recentemente, eu ouvi da minha tia, aí eu falei: “Mas minha tia, pensa bem, fiquei casada 13 anos, sou documentarista há… trabalho em televisão desde sempre, né, eu acho que eu não sou… não se aplica mais”. Mas fica aquela coisa da…
P/1 – Essa daqui?
R – Essa é na novela, o casamento da minha personagem, da Ana Raio. Essa aqui é na época do mochilão na MTV…
P/1 – Que você saia fazendo…
R – É, que foi a primeira coisa que eu dirigi, aqui no Mochilão também, esse também, Mochilão com a equipe.
P/1 – Aqui onde é? No Ushuaia?
R – É, no Ushuaia. Ushuaia não, na…
P/1 – No parque que vem depois do Ushuaia, não é?
R – É antes do Ushuaia, ali no…El Chaltén, El Calafate, esse aí é no Glaciar, no Perito Moreno. Durante um período da minha vida, eu fiquei muito assim, sempre tinha uma mala na…
P/1 – Por causa desse programa?
R – É, e desse outro que era a Expedição Caiçara que era de viagens., Eu tava na MTV trabalhando no Mochilão e aí pintou um projeto que tinha um barco envolvido e tinham crianças e tal, adolescentes, né, uma coisa mais educativa. Aí, eu saí do mochilão para fazer esse porque tinha o barco. Esse é o aviãozinho.
P/1 – E aqui?
R – Aí é a Lara em Parati Mirim. Quando chegou a luz, estavam subindo os postes, aqui ela no barco. Foram criados no barco, né, meus filhos…
P/1 – Esse barco viajou?
R – Não, viajou pouco. esse aqui na escola, na escola pública. Eu estudei toda a vida em escola pública, só na faculdade que… esse é no Ana Raio…
P/1 – Por que vocês foram morar no barco se vocês não viajaram?
R – A ideia era viajar, mas você precisa de um planejamento pra viajar, né? Aí aqui é de dança, né?
P/1 – Chamara Rainha do Brasil a escola?
R – É. Esse aqui foi o primeiro… então, eu entrei no primeiro ano com cinco anos para seis, os pais… esse era o baile, uma peça de teatro. Os meus pais trabalhavam, os dois, né, então a gente desde quatro anos, a gente ia no jardim, né? Daí, cinco anos, jardim,? Aí, o pai falou: “Não, não dá, vocês têm que ir para o primeiro ano… pré e primeira série logo”, e aí nos pôs numa escola particular para poder nos colocar de cinco pra seis porque a gente fazia aniversário em março, então nós sempre fomos as mais novas da sala, assim, sabe? Entrou na faculdade super cedo, tudo muito cedo, né? Aí, aqui outra novela que eu fiz. Essa aqui na época em que eu gostava de fotografia, num encontro de fotografia em Campinas, a gente veio de ônibus, eu e uma amiga pra cá, nunca tinha vindo. Aqui é o baile também.
P/1 – O Baile é uma peça?
R – É uma peça de teatro, a última peça que eu fiz e aqui também, eu gosto muito dessa foto, aqui. Aqui são os adolescentes da Expedição Caiçara, mas aqui… eu adoro essa foto, eu e o Fefê, meu filho Frederico na época que a gente morava no barco, olha o tamanho dele! Ele era pequeno pra gente sair viajando assim, sabe? Tinha que ter mais experiência para isso. E aí, a gente acabou ficando lá e depois, acabei votando e acabei separando. Aí, foi bastante difícil eu… porque eu sempre gostei de barco, assim, eu sou aquela que ando no píer olhando os barcos, sabe?
P/1 – E isso durou quanto tempo, o barco?
R – Morar foi um ano, mas assim, a vivência a bordo, desde 99, 2000, né? 99 até 2012, 13, né? 2012… a gente sempre ia pra barco e tal, mas eu comecei a
velejar com 15, dos 15 até os 19, era todos os dias, assim, eu ia para o clube e velejava, se não tinha vento, não velejava…
P/1 – É um afetismo mesmo, né?
R – É. É muito bom, porque no barco você se locomove sozinho, vai pra lá, vem pra cá, imagina com 15 anos, 16 anos? Era tudo, né? Imagina, fui criada num apartamento pequeno, né? Então, o barco pra mim era o mundo, né?
P/1 – Mas esse marido seu foi por causa do barco?
R – Quando eu conheci, não tinha barco, logo que eu conheci, mas quando a gente começou a namorar, a gente já tinha o barco. Depois, se separar do barco foi difícil (risos). Eu tenho uma amiga que quando a gente voltou do barco, que tava aquela confusão toda, ela falou assim: “Esquece o barco, pensa nos teus filhos” (risos).
P/1 – Por que essa separação é do barco? Terminou aí o…?
R –
Logo depois que voltou, né, porque barco coloca muita coisa em cheque, quando você tá morando num barco, você tem que ser muito organizada, você tem que ter muita… as pessoas falam que é ume espaço claustrofóbico, o barco não é claustrofóbico. O barco é um espaço muito livre, na verdade, e você tem que ter pouca coisa, e você tem que ser muito organizado com o que você tem. E aí, essa convivência precisa ser muito harmônica, né, senão, vira um caos, porque qualquer coisa já vira um caos, qualquer coisa já fica bagunçado, qualquer coisa já tá fora do lugar, qualquer coisa já é um risco. Então, rolou uma situação… rolou várias situações que eu digo: “Não dá…”
P/1 – Chega?
R – É, chega. Mas foi muito por causa do barco, teve acidentes, coisas que eu falei: “Não, não dá, tem que… não é agora, né?, eu tenho muitos amigos que têm barco, né, que moram em barco, que velejam, que fazem charter ou que cruzaram o Pacifico, então barco, tem muito barco por aí, né? Se quiser velejar é só visitar.
P/1 – Vamos andando pra lá?
R – Vamos. Ah, deixa eu só mostrar essa daqui, posso voltar?
P/1 – Pode, lógico.
R – Isso aqui, olha… deixa eu esperar elas virem.
P/1 – O quê que é?
R – Isso aqui é um cinema, chama Cine Ideal, do Francisco Toffoli, ele fazia Cine Mambembe e o sonho dele era ter um cinema, um cineteatro e aí, ele construiu isso em Viamão, é um prédio histórico, tombado agora, né, a fachada é tombada.
P/1 – Isso que a gente ia perguntar.
R – Eu imaginei, por isso que eu pensei: deixa eu falar porque… nenhuma foto de família, eu acho que teve alguma coisa, uma peste e a família queimou todas as fotos do cinema, não tem nada! isso aqui alguém tem do arquivo público de Viamão, e aí, eu imprimi na internet.
P/1 – Ótimo!
R – Você viu que não tem dificuldade para me entrevistar, a pessoa fala, né?
PAUSA
P/1 – Nunca contou a sua vida?
R – Não, conto assim, sem gravar, né? Gravando, nunca!
P/1 – Nunca?
R – Não.
P/1 – Aí que bom.
P/1 – Então, agora a gente vai começar de uma maneira bem simples, que eu vou perguntar o seu nome, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Tatiana Toffoli Soares, nasci em Porto Alegre, no dia 21 de marco de 1969.
P/1 – E o nome do seu pai e da sua mãe?
R – Meu pai chama Faustino Machado Soares e a minha mãe, Dirce Toffoli Soares.
P/1 – Você pode me contar um pouquinho da história da família dele, dela e depois, como eles se conheceram?
R – Sim, é uma história… como eles se conheceram é muito bonito, assim, eu gosto da história da família, porque eu acho que se confunde um pouco com a história do Rio Grande do Sul. Meu pai, por parte de pai, minha vó chamava Maria, nem sei o nome do meu avô, não conheci, meu pai e ele não se davam bem, então foi uma figura que eu nunca quis saber muito. Eu sei que ele era bem mais velho que a minha vó, minha vó era da Itália, era Della Vecchi o sobrenome, e eles vieram num navio da Itália para o sul, pararam no Uruguai, ela nasceu nesse navio ou logo que chegou no Uruguai e aí, eles virem entrando pelo Rio Grande do Sul e o meu avô por parte de pai, o pai dele era charqueiro, carregava charque, carne salgada, né, e o meu avô ia junto. E numa dessas viagens, ele já mais velho, passou por uma cidade, pegou a minha vó e roubou ela, né?
P/1 – Lá no sul?
R – Lá no sul. Ela foi com ele e ela nunca mais viu a família. Essa é a história que eu sei. Quem contava essa história era a minha mãe, né, não era…
P/1 – Eram os pais da sua mãe?
R – Os pais do meu pai. Mas quem contava essa história mais era a mãe, né? Mãe conta mais histórias. E eu sei que a minha mãe dizia: “Talvez, ele não tivesse roubado, né, talvez eles tenham entregue, porque essas famílias eram muito pobres e tinham muitos filhos”, né? Então, isso e uma coisa que eu não sei se eles deixaram ela ir ou se eles não souberam que ela foi.
P/1 – E aí, essa história, você conviveu com esses avós, não?
R – Não, só com a minha vó um pouco, eu tinha duas avós Maria, então era a vó velhinha, a mãe do pai era a vó velhinha. E tem uma história ótima porque ela era… eu lembro bastante dela, ela morreu eu acho que eu tinha seis anos e meu pai sempre sustentou ela. Ela veio pra Porto Alegre, teve uma época que ela veio para Porto Alegre, meu pai trouxe ela e uma irmã pra Porto Alegre e aí, ele sempre sustentou, sempre alugava uma casa e dava um dinheiro pra elas viverem até ele morrer, ele sustentava essa irmã. Ela trabalhava também, mas ele tava sempre cuidando dela. E aí, a minha vó, ela tinha… o colchão dela e o cobertor eram de plumas de ganso, assim, então ficava aquela cama fofa e uma das brincadeiras minha e da minha irmã era fingir que aquilo era uma piscina. Então, a gente ficava na ponta da cama e se jogava e aí, ficava a marca, afundava (risos), a gente voltava, ficava na ponta e pá, como se fosse uma piscina. A gente brincava disso, a minha tia ficava brava com a gente porque a gente deixava a cama uma bagunça e a minha vó, obviamente, achava divertida a nossa brincadeira. Mas é uma lembrança muito forte da infância essa brincadeira de fingir que a cama da vó era uma piscina por conta dos colchões de pluma que eram muito altos, né?
P/1 – E ela morava num apartamento onde?
R – Sempre morava nuns lugares mais simples assim, eu me lembro muito de um lugar que ela morou que era uma casa de madeira lá no Partenon, lá em Porto Alegre, no fundo da casa… na entrada pela garagem, tinha um… grudado mesmo na casa principal, tinha uma outra casa, que devia ter um quarto, uma cozinha e uma sala que era onde elas moravam e um patiozinho assim, que até plantaram um pinheiro na época e tal. Eram lugares bem simples.
P/1 – Ela morava lá com a sua tia?
R – Com a minha tia, é.
P/1 – Que não casou?
R – Que nunca casou. Nunca casou. Ela tinha… essa minha tia, ela faleceu faz pouco tempo e tinha uma vida muito solitária, assim, sabe? Uma pessoa que tinha uma vida muito solitária. Um pouco porque ela era difícil, então, ela acabou que você tentava ajudar, mas aí, você achava… no final da vida dela, assim, a gente tinha um apartamento… a gente até esse apartamento que eu me criei, esse de dois quartos lá na General caldo lá em Porto Alegre, a gente ofereceu pra ela ir pra lá, morar lá, mas ela não quis, então ela foi… quando ela ficou doente e tal, meu pai já tinha morrido, minha mãe já tinha morrido e ela não tinha nenhum mais irmão em Porto Alegre e ela morava cuidando de uma garagem, então era uma garagem de carros e tinha uma construção na frente, que é tipo uma construção de vigia, que ela morava ali.
P/1 – Por quê?
R – Porque entrava e saía gente, né?
P/1 – E era o trabalho dela?
R – Era o trabalho dela, mas a pessoa que tinha a garagem tinha a vontade que talvez, ela saísse, entendeu? Mas ela não saía, ela ficou lá até ter um piripaque, encontrarem ela, levarem pro hospital, aí um tio foi lá, buscou ela e levou para Curitiba e ela ficou numa casa de repouso até falecer. Essa tia. Mas é uma coisa meio triste, né? Sempre foi difícil pra mim, minhas tias de Porto Alegre ligavam: “Vocês não vão levar a tia de vocês. A casa é de vocês. deixa que o irmão cuida. Vocês têm a vida de vocês”, sabe?
P/1 – Isso, uma irmã dela?
R – As minhas tias por parte de mãe: “Vocês não vão assumir isso, vocês estão aí, vocês são jovens, vocês têm a vida de vocês, vocês não vão assumir isso, deixa que o irmão assume”, e aí, o irmão assumiu. Ele assumiu, ela foi pra Curitiba. A gente visitou algumas vezes, ela conheceu os filhos, mas bom, nem muito pra Porto Alegre eu vou, também, nunca fui muito lá. Mas ela tinha essa coisa de muito solitária, né, essa minha tia. E aí, ela fazia bala de coco pra vender, umas balas maravilhosas. Quando o meu pai vinha,q uando eu morava no Rio, ele trazia sempre um saco de bala de coco, sempre teve essa coisa do carinho com a bala de coco (risos). Ela tinha um armário que eu queria muito ter herdado e as minhas tias não guardaram pra mim, que era um armário de madeira baixinho, parecia uma geladeira, porque a porta era grossa, assim, então quando você abria o armário, tinha lugares para pôr potes grandes nas portas, achava aquele armário… devia ser um armário muito antigo, assim, de campanha de interiorzão, assim. E sumiu o armário que a gente ia herdar, a gente tinha um olho naquele armário.
P/1 – Isso é a família do seu pai, né?
R – É.
P/1 – E a família da sua mãe? O que você sabe dessa história?
R – A família da minha mãe é de Viamão, ela nasceu em Viamão e teve… eram três mulheres, a Tetê, depois a tia Flavia, a minha mãe, aí o tio Paulo… tio Pedro Antônio, tia Heloisa e tio Paulo, eram seis, né, com a minha mãe. E minha vó Maria também, portuguesa, né, Caetano o sobrenome. E o meu avô Toffoli com essa família que eu conheci bastante, que é a família Toffoli, com vários irmãos, tios, primos e tal. Eles vieram da Itália, não sei exatamente quando, mas ali por essa coisa do cinema, né? Eu lembro do dia que eu entrei nesse cinema da família, assim, que era um telão, tinha um… que eu fiquei assim, super emocionada, devia ter sei lá, me dei conta disso uns seis anos, sete anos e tal, essa família, ela veio pra cá e se fixou em Viamão e aí, tinha a história do cinema, que eles gostavam muito de cinema, então, minha mãe, os meus tios foram criados nesse cinema, moravam numa casa com arvores, então eu tenho muita essa memória da minha mãe contando as histórias deles, a minha vó matava galinha, sabe, essa vida bem rural, numa cidadezinha pequena que é Viamão, que é do lado de Porto Alegre, já foi capital do Estado anos atrás. Eu sempre tive essa visão deles naqueles córregos de água, tomando banho e a árvore, subindo na árvore, essa infância da minha mãe ali, naquele lugar. Aí, o meu avô morreu, o meu avô era dentista, né, e o consultório dele era no cinema, tinha uma sala dele e aí, ele morreu muito cedo, com 45 anos. Minha vó ficou com seis filhos e pirou, pirou totalmente, foi para um hospital psiquiátrico…
P/1 – Pirou mesmo?
R – Pirou mesmo! Uma coisa… fez uma coisa assim, contra ela mesma, assim…
P/1 – Tentou se suicidar?
R – Não, uma coisa mais pesada.
P/1 – O quê?
R – Ela arrancou os dentes.
P/1 – Quando ela ficou…?
R – Ele era dentista, né, tinha todos os equipamentos. Forte, né?
P/1 – Ah, ele já era…
R – Ele era dentista…
P/1 – Mas isso não foi quando eles eram crianças?
R – Não, o meu avô, tô falando do meu avô. Meu avô…
P/1 – Ah, seu avô era dentista?
R – Meu avô era dentista e a minha vó cuidava das crianças e ele morreu com 45 anos e o que contavam é assim, se o meu vô saía para jogar num dia, minha vó chagava mais tarde, ela era meio terrível, assim, sabe? Tipo, muito cheia de si, assim. E aí, quando ele morreu, ela pirou, ela não aguentou assim, ela entrou num parafuso e aí, os irmãos todos da minha mãe foi cada um para um lado, né? Cada uma foi… minha mãe foi para uma tia e o outro pra outra tia e outro foi não sei para quem… desmantelou a família eu acho que por um ou dois anos, porque a minha tia mais velha, Tetê, ela vendeu a casa, ajudou, quando ela tinha 18 anos, vendeu a casa que era a casa deles em Viamão, que era ao lado de uma casa que até hoje é da família, que eu vou bastante, toda vez que eu vou a Porto Alegre, eu vou a Viamão visitar essa casa e aí, ela vendeu essa casa e comprou um apartamento em Porto Alegre, pegou minha vó e levou pra lá para cuidar de todo mundo. Então, eu conhecia
minha vó normal, era uma vó.
P/1 – Ah, você conviveu com ela?
R – Convivi. Ela era normal, mas aí depois, eu fui saber da família. Ela só tinha umas brincadeiras malucas assim, de se jogar no chão e fingir que ela estava morta. Ela se jogava no chão e fingia que tava morta e eu lembro de já ter ficado apavorada e lembro de falar: “Aí, não dá bola, ela tá…, sabe, de alertar os outros mais novos que ela tava brincando. Olha a brincadeira que ela fazia com a gente, que maluquinha! Ela tinha uma coisa, assim, sabe, uma coisa meio má, meio… ela chamava o meu pai para trocar o gás e o meu pai dizia: “Mas por que você tá me chamando? Você tem um monte de filho, tem dois filhos” “Porque pode explodir” (risos). Meu pai brincava: “Os Toffoli, os Toffoli…”, não era os Toffoli, era os Caetano, né, porque minha vó era Caetano, né? Mas tinha essa coisa, tinha uma coisinha ali que era engraçado, não era aquela vó… ela era, quando eu ficava doente, eu ia para a casa dela, ela fazia canja, ela fazia sopa, todo domingo, a gente ia para a casa dela, ela fazia macarrão, né, fazia mais comida italiana, mesmo, a gente comia muita comida italiana, mas ela tinha essa coisinha que eu sempre convivi com isso. Depois outra vez, ela foi internada, então eu fui no hospital lá de Porto Alegre, eu visitei, vivi isso depois quando tinha uns 14, 13 anos, de visitar, porque aí depois mais velha, ela via um árvore e aquela árvore fez ela também voltar no tempo, eu convivi com a minha vó depois de novo, também, mais doidinha, assim, andava pela casa… assim (risos), família é família, né, sempre tem as histórias, né? Tinha alguma coisa do pai que eu queria contar, mas depois que eu acho uma história bacana, que o meu pai não se dava com o pai dele, ele me contou uma vez que ele usava umas lousas… uma vez que eu fui ver, fiz um Mochilão em Porto Alegre, cheguei lá, teve um problema no carro, a gente ficou esperando um tempão e o meu pai foi me encontrar no hotel, eu tava no hotel. Aí, ele ficou me contando essa história. Que eles moravam numa fazenda no interior, uma fazenda simples assim, chamava Fazenda Fazendola, sei lá, e que eles não tinham caderno, que eles usavam umas coisas de madeira assim, não sei se você já ouviu falar nisso. Depois eu vi numa coisa tibetana que eles têm essas coisas de madeira também, escreviam numas como se fossem uns quadros-negros individuais, assim. E que o meu pai quebrou o lápis que ele usava e que o meu avô tirou ele da escola. Então, enquanto os irmãos dele estudavam, ele não estudava, ele cuidava dos porcos.
P/1 – Eles moravam no campo?
R – Moravam no campo, mas tinha uma escolinha dentro do lugar, assim, e tinham um monte de filhos, 13 filhos, a minha vó teve, ele era um deles. E aí, ele quando chegou em Porto Alegre pra ir para o Exercito, meu pai, analfabeto. Então, ele aprendeu a escrever em Porto Alegre e ele era um grande leitor e uma pessoa que tinha uma memória gigantesca, fazia conta assim: tanto mais tanto é tanto, menos tanto, é tanto… a cabeça dele era muito boa, assim. Eu acho até por ele ter sido um analfabeto inteligente como era, analfabeto até os 18 anos.
P/1 – Ele não foi pra escola?
R – Não foi pra escola. depois, eu acho que ele fez supletivo, né?
P/1 – Aí, ele foi pra lá. E o que mais você sabe da história dele?
R – Aí, ele ficou no Exercito três anos. E uma vez, a gente estava num camping, que depois numa época, a nossa vida… quando a gente tinha 15 anos, 16, 17, a gente ia para um camping e aí, uma pessoa chegou para o pai e falou assim: “Você é o Faustino, né?
“Sou” “Você não deve estar me reconhecendo, mas eu era (choro/emoção)…”, acho tão bonita essa história. Ele falou assim: “Eu era um dos meninos que você dava comida” (choro/emoção), porque como ele tava no Exercito, sobrava comida e tinham uns meninos de rua que vinham pedir e o pai dava. Foi sei lá quantos anos, ficou três anos como cozinheiro…
P/1 – Ah, ele foi ser cozinheiro?
R – Ele foi ser cozinheiro no exercito. E ficou três anos lá como cozinheiro. (choro/emoção) Você vê como roda a vida, né, a gente foi encontrar… eu acho bonito isso da vida, sabe, que você vai encontrar a pessoa de igual pra igual num camping, todo mundo junto, né? Acho isso bonito, assim. Acho bonito porque fala dele, assim, da generosidade (choro/emoção).
P/1 – O quê que mais dele te faz assim, emocionar da lembrança da… da sua lembrança de infância com ele? Você lembra de momentos especialmente…
R – De infância? Tem uma… deixa eu só secar o meu rosto aqui para dar continuidade…
assim, eu lembro… tem várias coisas interessantes, que o meu pai era o cozinheiro da casa, né? Ele é que cozinhava e ele fazia muitas comidas de campo, né? Arroz carreteiro, guisado com batata, era sempre comida de uma panela só, né? Ele gostava dessas comidas e ficava lá cozinhando, cozinhando. “Pai, não tá pronto?” “Não”, assim, coisa simples, cebola, tomate, alho, mas ficava muito gostoso, porque ele deixava aquilo na panela, sabe, nunca tava pronto, pra ficar bom, né? E ele gostava muito de caminhar, andar pela cidade ou quando a gente tava fora da cidade, andar pra cá e pra lá, ele gostava muito de sair para caminhar e a gente sempre caminhava com ele, eu e a minha irmã. E a minha mãe, como a minha mãe era essa… a minha mãe tinha essa história de ser pequenininha, né, que eu contei, que ela era pequenininha, mignon, e tal, ela não era muito atleta, né? E ela dizia: “Mas Faustino, elas não vão aguentar. E se elas não aguentarem?” “Elas esperam e na volta, eu pego elas”, então eu e a minha irmã, a gente sempre teve essa história de caminha bastante, eu tenho em mim, a caminhada muito forte., porque ele caminhava. Então, sempre que eu tenho alguma questão para resolver, eu vou caminhar. Sabe assim? Eu vou caminhar, se eu estou com alguma coisa pra resolver, fico dias caminhando, uma hora, duas horas por dia. Eu lembro quando eu mudei do Rio pra São Paulo, eu saía de Copacabana, eu mora na Santa Clara, descia até a praia, ia até Ipanema no meio da praia, entrava, dava volta na Lagoa, voltava e fazia o mesmo caminho, isso dá quase três horas. Mas é que eu queria mudar para são Paulo e tinha que esperar, então eu ficava… (risos), caminhava pra absorver aquilo, então caminhada é uma coisa que eu acho muito bacana e que ele toda a vida caminhou. Toda vida, ele sempre assim, eu relaciono o meu pai muito com a caminhada e a cozinha. Essas duas coisas, assim.
P/1 – O quê que ele fazia, assim, para viver, que ele sustentava a sua vó, qual era o trabalho dele?
R – Então, e aí, eu vou contar como eles se conheceram. Meu pai e a minha mãe se conheceram na prefeitura de Porto Alegre, os dois eram funcionários públicos, toda vida foram funcionários públicos e ele trabalhava na prefeitura e ela também. Minha mãe, 30 anos, muito tímida, muito tímida e o meu pai 45, ela nunca tinha… não sei se teve algum namorado antes, acho que não, ela era uma mulher bonita, mas quieta, na dela, tímida. E aí, ele deixava todos os dias, um bombom na gaveta dela. Então, quando ela voltava do almoço, tinha um bombom que ele deixava e aí, um dia, ela ficou curiosa de saber quem deixava o bombom, né? Aí, eles se conheceram e começaram a namorar e a minha mãe adorava doce, então, ele teve muita esperteza, assim, sabe, de ter paciência de deixar aquele bombom lá todo dia até que ela se interessou em saber quem era a pessoa que deixava o bombom, que deve ter demorado, porque ela era muito, muito tímida, assim, muito tímida! Então aí, ele trabalhava numa profissão que quando ele se aposentou, acabou, porque ele era o último.
P/1 – O quê que era?
R – Ele era cobrador da prefeitura. Ele ia pela cidade cobrando os impostos, o que fez com que ele virasse um cabo eleitoral, né? Porque ele era super ligado à politica, super ligado à politica. Completamente ligado à politica, porque claro, ele entrava na casa de todo mundo, ele visitava, então, ele estava sempre… todo o período dele em Porto Alegre, até conhecer a minha mãe, foi muito ligado à politica.
P/1 – Que politica? Você sabe que tipo de politica? O quê que ele era envolvido?
R – Ah, era com esquerda, né, sempre, né?
P/1 – Era ligado à esquerda?
R – Ligado à esquerda, muito ligado à esquerda. Totalmente, assim, PDT, PTB na época, né? Era PTB, né?
P/1 – Getúlio?
R – É, Getúlio, PTB, era essa a linha dele, né? Eu lembro que quando teve abertura, o meu pai implicava muito com a volta do Brizola, que ele achava uma pessoa muito vaidosa, porque quebrou a esquerda, assim, ele achava que a esquerda tinha que permanecer unida quando houve a abertura, né? Mas assim, aqui no Brasil, as coisas nunca são como são, exatamente, né? Você sempre tem outras coisas por trás, né? Mas ele muito ligado à politica, se falava muito de politica em casa…
P/1 – Muito?
R – Muito! O tempo inteiro. politica era um assunto. Eu lembro muito assim, na época da… quando eu era pequena, do meu pai sair para reuniões, da minha mãe ficar preocupada, essa coisa de sair à noite e ser perigoso na época da Ditadura. E tem uma cena boa também da gente que foi na época das Diretas, teve um grande comício das Diretas em Porto Alegre, e eu estudava no Julinho, que é uma escola pública de Porto Alegre muito conhecida, o Júlio de Castilhos, uma escola gigante, só de colegial, né, na época, segundo grau, e tinham sei lá, 17 turmas de primeiro ano, 14 de segundo, 13 de terceiro, então uma quantidade de gente absurda! De manhã e de tarde, acho que de noite também tinha aula. E uma escola boa assim, minha mãe tinha estudado também no Julinho, né? E eu lembro que na época das Diretas, o meu pai foi até o Julinho, porque todo mundo do Julinho foi a pé até a… eles chamam da esquina democrática lá em Porto Alegre, né, nós fomos a pé até a esquina democrática e lá, a gente encontrou, sem querer, com a minha mãe que tava com a turma dela do lugar onde ela trabalhava na época que era a Justiça do Trabalho, que a minha mãe fez concurso e entrou na Justiça do trabalho e aí, ele trabalhava na prefeitura e ela trabalhava… era funcionária federal, né, se aposentou como funcionária federal e ele se aposentou na prefeitura. Então você imagina, ele era aquele cara que levava um monte de papelzinho…
P/1 – Tati, eu queria voltar um pouco em você com ele, assim, você era muito ligara a ele?
R – Sim. Aos dois, né? Aos dois.
P/1 – Mais a algum dos dois?
R – Não sei, porque cada um tinha uma… eu gosto de caminhar e gosto de cozinhar, então, eu acho que eu… tanto pra minha mãe, quanto pra minha irmã, minha mãe sempre dizia: “Aí que bom, a Tati tá aqui, ela vai cozinhar”, que a minha mãe nunca gostou de cozinhar. Então, se tiver uma cozinha, quem vai cozinhar sou eu, entendeu? se o meu pai não tiver, quem vai cozinhar sou eu, né, é meio isso assim, então eu peguei esse gosto pela cozinha e por caminhar dele, muito forte, né? mas ele era uma pessoa brava, né, todo mundo tinha medo dele, porque ele era alto, grande assim, quieto, assim, ele era um cara… ele não era muito sociável, assim, né, ele era bom de conversar, muito aberto, né?
P/1 – Você também tinha medo, não?
R – Não. Ele vinha com a mãozona, né, para dar uns tapas, naquela coisa quando a gente era criança, rolava uns tapas de vez em quando, mas não era uma coisa comum, não era o dia a dia, é que a gente aprontava, a gente era muito terrível, as duas, eu e a minha irmã. A gente brigava muito, a gente… como eu disse, ele dizia: “Para de reinar” e eu descobri o que queria dizer isso depois de ter filhos, eu reinava, sempre fui terrível. Era muito irrequieta quando eu era criança, acho que toda criança é, né, morar num apartamento pequeno, a gente brincava muito na rua, a gente vivia… eu brinco que eu fui criada na rua, né, eu fui criada no bairro, andando de um lado, indo visitar, encontrava não sei com quem. Então, esse fluxo que até hoje eu gosto, eu exercitei na infância, mesmo. Era um bairro pequeno, né, Azenha, os vizinhos todos estudavam na mesma escola, então você dava uma volta na quadra que você encontrava com todos os seus colegas. Eu brinco muito com essa imagem assim, eu morava num prédio, ao lado da escola, né, essa escola pública, Duque de Caxias, numa esquina era o sapateiro, o filho do sapateiro era meu colega, na esquina da frente, era o bar, a filha da dona do bar era minha colega, na outra esquina era um açougue, o filho do dono do açougue era meu colega, só na outra esquina que não tinha nada e na outra quadra, a igreja. Então, a gente ficava muito ali. E na rua de trás era a feira. Então era aquela coisa, sabe, de desenho infantil, aquele universo do que
participa da vida de uma criança, né, assim, você vai fazer Primeira Comunhão, ia na igreja, o batizado era na igreja, a festa de não sei o que era na igreja, meu pai não entrava de jeito nenhum, né, dizia que padre era tudo sem vergonha, me largava na porta, mas ele não…
P/1 – Sua mãe era católica?
R – Ela não… assim, depois de mais velha, assim, quando ela tava mais velha, ela até tinha um terço dela, mas ela não era ligada a religião, assim, pelo menos, não abertamente, assim, talvez, não quisesse afrontar, problema com o pai, não sei, minha família nunca foi muito religiosa, assim, minha família sempre foi muito de conversar, falar, bater papo, trocar ideia, todas as mulheres juntas, rindo, sabe? Minha família tem uma coisa muito de rir de si mesmo, assim, sabe? De rir assim, uma coisa mais… não é muito… ninguém é muito religioso, assim. E deixa eu pensar mais alguma coisa do pai, que tenha vindo, eu vi alguma imagem… mas me lembro muito dessa história de como ele cuidava da nossa comida, sabe, ele era o cara que fazia a feira, que ia no supermercado, que fazia o sanduiche pra levar na escola, a gente sempre levava um Tupperware com sanduiche de queijo e mortadela, sabe, manteiga e queijo, mortadela e um suco de laranja. Volta e meia, dependendo do suco de laranja que eu tomo, eu sinto o gosto do suco de laranja que eu tomava todos os dias (risos). O dinheiro era muito curto, era tudo muito feito ali, assim, tudo em casa, a gente nunca ia em restaurante, só ia para a casa dos parentes. Eu acho que essa claustrofobia da infância e que me fez ser tão curiosa para fora, sabe, assim, de querer conhecer mais coisas, mais… acho que tem um pouco a ver com isso, né? Essa timidez da mãe também, minha mãe era muito, muito tímida, a ponto de andar e você via que ela não sabia o que fazer com os braços dela…
P/1 – Quando ela andava.
R – Quando ela andava. E ela dizia: “Eu não quero que vocês sejam tímidas como eu sou, porque atrapalha muito”.
P/1 – Ela dizia isso?
R – Dizia muito: “Vocês não podem ser tímidas”.
P/1 – E o que você achava? Você admirava ela? Você queria ser como ela? As roupas, ou era indiferente pra você? Como era essa… já na infância?
R – Ah, a mãe, a gente era muito próxima, bom, te a minha irmã aí junto que fica tudo meio misturado, essa coisa do feminino, né, porque a minha mãe era uma pessoa muito, muito aberta, ela era assim, ela era tímida com ela, mas ela podia estar em qualquer roda de qualquer pessoa, nunca ia julgar nada, entendeu? Ela ficava na dela, ela nunca fez um julgamento de uma amiga, de outra amiga, que isso… não, ela era totalmente na dela. os dois eram muito abertos, na verdade, muito, muito abertos. E ela era muito companheira: “Vamos no banheiro comigo”, a gente tinha essa coisa, sabe, de ficar juntas assim, fazer… estar sempre meio junto assim: “Vamos ali comigo?”, “Vamos não sei o que comigo?”, tem uma coisa que até hoje… esses dias, eu tava com uma amiga em casa e ela tinha que ir pra casa dela, eu moro em Perdizes, ela mora em pinheiros, eu falei: “Deixa que eu vou te levar”
“Vou chamar um Uber”
“Não, eu te levo”, porque tem isso da infância, né, vamos juntas, te deixo lá, não vai pegar um Uber, qualquer pessoa, eu saio de casa, pego o meu carro, e levo a minha amiga na casa dela e vou pra casa, porque é o meu carro. Não tô expondo, né, não vai se expor a pegar um Uber pra ir, minha amiga, como se fosse… né, então acho que é um pouco essa coisa da família, assim, sempre meio juntas, assim, uma transitando ao redor da outra. E minha mãe amava roupa, amava! Adorava comprar roupa. Então, eu lembro muito da gente, a gente morava perto da
Azenha, que é uma rua que tem muitas… acho que até hoje, é assim, muitas lojas, pré-shopping, né, é um bairro… Azenha é um bairro classe média baixa perto do Menino Deus… entre Menino Deus e Partenon, assim, e tem essa rua de comércio que tem… eram muitas lojinhas e tinha uma loja que ela adorava que era TOC, era na esquina da nossa rua com a Azenha. E ela era amiga das meninas, as atendentes, quando a minha mãe chegava, ficavam felizes, porque ela gastava dinheiro com roupa, entendeu? E comprava pra mim, pra minha irmã, pra ela e para quem tivesse junto, ela era assim, se tivesse uma amiga, ela sempre comprava uma roupinha. E ela gostava muito disso, assim, de comprar roupa. E foi muito louco, quando ela faleceu, eu pensei: e agora, as roupas da mãe, o que eu vou fazer? Ela já tinha dado todas as roupas.
P/1 – Ah é?
R – Já tinha… não tinha mais nada no guarda-roupa, do que ela trouxe, as roupas dela para São Paulo, mas o que ficou em Porto Alegre, vazio o guarda-roupa, já tinha dado. E ela fazia uma coisa, ela era muito cuidadosa, ela que lavava roupa, ela que cuidava da roupa na casa. Sempre teve alguém que trabalhava enquanto a gente era pequena, né, mas depois… então, ela fazia no cabide, ela fazia uma proteção para a roupa, sabe? Uma almofadinha para não pegar aqui, então os cabides dela eram todos com essas almofadinhas, assim, pra não estragar a roupa, toda cuidadosa, vaidosa assim.
P/1 – isso que a gente tá falando é de um apartamento que vocês moraram, você, sua irmã, com eles lá?
R – Isso, é.
P/1 – Isso até quando?
R – Isso até… deixa eu ver… quando é que eu vim pra… 98, 99…
P/1 – Ou seja, a família nunca mudou de lá?
R – Não. A gente, quando… a gente entrou na faculdade com 16 pra 17, 18, 19, 20, aí quando a gente tava com uns 20 anos, 19, 20, a gente já pensava em morar… alugar um apartamento com os amigos, né, a gente já queria sair de casa, né? E aí, eles saíram. Eles compraram uma casa num condomínio na zona sul e a gente ficou no apartamento, só que logo, eu fui pro Rio e minha irmã ficou sozinha no apartamento. E aí, eu fui pro Rio, fui morar no Rio, sai de Porto Alegre em 1990, acho que foi junho, mais ou menos, eu tinha 21 anos. E nunca mais voltei a morar lá, eles moravam na zona sul, bem perto do clube de vela que a gente frequentava, né?
P/1 – Então, vamos voltar um pouquinho, né, como que você… conta um pouquinho essa parte da escola, vocês entraram numa escola, uma escola pública, e ali foram até?
R – Então, a gente entrou… a gente estudava em escolas… no jardim de infância quando a minha mãe voltou a
trabalhar, em dois jardins de infância, um de manhã e outro de tarde, a gente não parava, tinham aquelas casas que as pessoas recebiam em casa, as crianças, né? Então, a gente frequentava uma dessas casas que não era uma escola, né, era bem pequenininha, né, não tinham tantas mulheres que trabalhavam na época também, eu acho, né? Que pagavam pra deixar o filho em algum lugar, então sei lá, tinham 20, 25 crianças,
gente ficava de manhã numa escola e de tarde, em outra. E aí, quando a gente foi fazer a primeira série, meu pai falou: “Vou pôr vocês na escola particular”, pôs no rainha do Brasil para fazer primeira série, para poder entrar mais jovem, né, com cinco pra seis, porque só pode entrar na escola pública com sete, né, no primeiro ano, primeira série, né, antigamente. Então, a gente foi pra essa escola e depois foi pra pública, pra essa do lado de casa, né? Que era… tipo, tocava o sinal, a gente descia correndo e entrava pra dentro da sala, a gente sempre teve essa relação muito boa com escola, eu sempre adorei escola, adorei, sempre gostei de estudar, nunca precisaram me ajudar com lição, sempre pra mim era uma coisa que eu tinha obrigação de fazer, fazia e acabou. Aí, eu me formei o primeiro grau nessa escola e aí, fui para o Júlio de Castilhos e aí, uma turma dessa escola do Duque, uma turma de vizinhos ia a pé, todo mundo ia a pé juntos até o Júlio de Castilhos, devia dar uns 15, 20 minutos a pé e depois, a gente voltava de ônibus. Aí, a gente fez o segundo grau, nessa época, a gente começou a velejar…
P/1 – E da onde nasceu essa história de velejar?
R – Então, nasceu de Santa Catarina, a gente ia muito para Canavieiras acampar num camping que tinha lá, que acho que até tem, até hoje que era um camping… não tinha nada em Canavieiras, né, conheci aquilo lá sem nada, né, Canavieiras tinha três, quatro… sei lá, pouquíssimas casas, né? Agora tá uma loucura.
P/1 – É em Florianópolis?
R – Florianópolis, é! E a gente ia para esse camping que ficava do lado de um rio e fomos vários anos seguidos, uns cinco anos seguidos nesse camping. E aí, Canavieiras fica do lado de um praia chamada Jurerê, que tem uma sede do Iate Clube, então a gente via o pessoal velejando e eu lembro de um amigo um dia que falou: “Vamos velejar num laser, vamos até a Ilha dos Ingleses”, que fica em frente a Canavieiras. E aí, nossa, achei aquilo: como assim, sabe? E velejando num velerinho, num laserzinho até uma ilha e entrar na ilha, baixar o barco, nossa, achei aquilo… imagina, eu tinha 14 anos! Achei aquilo, tipo, genial assim! Aí nasceu essa paixão, aia
gente comprou uma prancha, juntamos um dinheiro, compramos uma prancha horrorosa assim, e aí a gente foi… é engraçado esses nichos, né, lá no Rio Grande do Sul tem uma pessoa que chama Renato Pozolo que é a pessoa que organizou a vela assim, fora de clube, principalmente prancha vela e tal, ele que organizou lá, então ele tinha uma guarderia que era uma… ele formou uma associação, associação da Ucha de Windsurf e a gente entendeu que lá a gente podia guardar a nossa prancha e aí lá, a gente aprendeu a velejar porque as pessoas nos ensinaram, a gente não sabia nada, quando eles olharam a nossa prancha: “Vocês que compraram esse bacalhau?”, era uma coisa horrorosa que a gente tinha comprado, era assim, completamente… logo depois, a gente comprou outras duas pranchas, rapou a poupança e comprou duas pranchas e a gente passou a velejar. Aí, todos os dias, a gente ia para o clube velejar, nos ensinaram, nossa, era uma delicia, né?
P/1 – E seus pais não tinham nenhuma relação com…?
R – Nada! E assim, a gente nem tinha dinheiro para velejar, não sei onde é que a gente conseguiu… sabe aquelas coisas que acontecem? A gente rapou a poupança, comprou duas pranchas, duas velas, era material usado, equipamento usado, tudo era muito caro na época, né? E a gente passou a velejar todos os dias, aí corria campeonato, nunca fui muito atleta, era mais o gostar mesmo assim, nunca fui muito competitiva, assim, nunca foi minha onda de ser muito competitiva. Aí, a gente começou a andar nessa turma da vela e na turma do… ia muito no Jangadeiros também, que era um clube perto do lugar onde a gente velejava. E aí, a gente passou depois a velejar de 470 que é um barco maior e a gente ganhou o barco, um patrocinador comprou e a gente usava esse barco e aí, a gente continuou correndo regata e tal. Mas na época, a gente entrou na PUC, né, fui fazer… minha vida também de faculdade foi bem confusa, mas a gente entrou na PUC e aí, era muito diferente, nessa turma do clube, muito direitista, todos tinham votado no Collor e a gente cheio de opinião, fazendo Jornalismo, não combinava, assim. Era um choque, assim, sabe? Porque geralmente, essa turma de vela é muito fechada assim, pessoal que nasceu no clube, vive naquele clube e vai morrer naquele clube, assim, aquela coisa…
P/1 – Esse era o pessoal da vela?
R – Da vela. Era muito fechado, assim. Pessoal de Wind, da prancha vela era mais aberto, mas o pessoal do clube que a gente frequentava…
P/1 – Mas isso era uma parte da sua vida?
R – Era uma parte da minha vida, mas foi interessante, eu estudei a vida inteira em escola pública, né? Então, no primeiro dia que eu fui pra PUC, eu fui de abrigo, né? Lá no sul fala abrigo, moletom. Nossa, você chegava lá, pessoal todo vestido, montado. de batom, de lápis. Assim, eu não conhecia a burguesia assim, não conhecia as pessoas com grana, fui conhecer no clube e na PUC. Então, eu me lembro que foi um choque pra mim, eu tive um choque quando eu entrei na PUC por essa questão de diferença de classe e pela questão de diferença de oportunidade, eu nunca tinha tido Sociologia, eu nunca tinha tido Filosofia, eu tinha tido História mal e porcamente porque eu acho, sinceramente, que na época, a gente só estudava Idade Média, por uma questão de politica, não se estudava a história da Europa, só estudava Idade Média, eu sei tudo de Idade Média, porque era só Idade Média, sabe? depois que eu me dei conta disso, claro Tati, como que na escola pública vai estudar outra coisa na época da Ditadura?
P/1 – Mas aí, só me conta um pouco, quer dizer, você escolheu Jornalismo por?
R – Então, eu escolhi, na verdade, eu gostava muito de desenhar, pintar. Então, quando eu entrei na faculdade, eu entrei em Publicidade, entrei assim, quase por acaso, né, porque acabou a aula, eu mal estudei, prestei vestibular, era muito jovem, né e entrei, consegui entrar, eu e a minha irmã, as duas entraram na PUC, as duas entraram na PUC…
P/1 – Mas aí, você tinha dinheiro? Quem pagava a PUC?
R – Meu pai.
P/1 – Teu pai pagava?
R – Foi difícil, pagava pras duas. Era uma época em que não tinha dinheiro pra nada. E aí, a gente entrou na PUC e eu entrei em Publicidade. Aí, na primeira aula de Marketing, segunda aula era Marketing, terceira aula era Marketing, falei: “Gente, o que eu tô fazendo aqui? não tem nada a ver comigo”, aí eu tranquei, prestei vestibular para Arquitetura e entrei em Arquitetura. Aí, fiz dois semestres, um semestre e meio e falei: “Mas quê que eu tô fazendo aqui? Vou fazer casa pra gente rica? Como é que eu vou fazer casa? Como é que eu vou viver disso?”, não conseguia enxergar, era uma faculdade bem ligada a desenho e eu não era assim, uma grande desenhista assim, e aí, eu acabei voltando para a PUC e aí, para fazer Jornalismo com a intensão de ser fotojornalista e depois, com a intensão de fazer Antropologia Visual. Amava isso assim, eu era monitora de fotografia, ficava no laboratório, inventei um curso de fotografia lá no… eu vim num encontro de fotografia nacional em Campinas e conheci Milton Guran, conheci vários fotógrafos interessantes, mas o Milton Guran me interessava mais porque ele era antropólogo, né, ele tinha essa formação mais de Antropologia, assim, quando você não se forma, como é? Lacto sensu… ele tinha um titulo, mas ele não era formado, mas ele tinha um titulo. E aí, eu levei ele para fazer um curso lá em Porto Alegre que virou um curso que em cinco, seis anos, o Milton foi pra Porto Alegre dar essas aulas, porque eu inventei isso, falei com a PUC, a PUC topou e a coisa rolou. Eu era muito ligada, mas ao mesmo tempo, eu fazia teatro. Comecei a fazer teatro quando entrei na faculdade e pra mim,. era assim, aquela emoção que eu sentia na vela, eu sentia no palco. Então, eu troquei, assim, eu sai da vela e fui para o teatro. E aí, eu fazia vario cursos e tal, comecei a fazer peça de teatro e aí, no meio disso, já fazia Jornalismo com a intensão de ser fotojornalista…
P/1 – Quer dizer, então você saiu da publicidade para Arquitetura… e aí?
R – Da Arquitetura para o Jornalismo, voltei pra PUC, pro Jornalismo na PUC com a intensão de fazer fotografia. Quer dizer, eu fazia essa coisa do desenho das linhas para fotografia, porque na época, eu não me via jornalista, fazendo textos, eu era mis da imagem, sempre fui da imagem, então como eu não resolvi a imagem na Arquitetura, eu fui resolver a imagem no Jornalismo fazendo fotojornalismo, essa era a minha ideia. E tinha, podia ter emprego, se eu saísse da PUC, eu ia trabalhar na Zero Hora, já tinha emprego, já tinham me oferecido estágio e tal, mas aí, eu fazia teatro ao mesmo tempo e aí, o teatro foi mais forte, porque aí, o… agora, deixa eu lembrar o nome dele, Carvalho… foi diretor da Globo…
P/2 – Luís Fernando Carvalho.
R – Luís Fernando Carvalho. Ele foi pra Porto Alegre escolher elenco para o “Riacho Doce”, ele queria que a personagem principal do “Riacho Doce”, que a Vera Fischer fez fosse uma pessoa novata do sul, pensa! Foi a Vera Fischer (risos).
P/1 – Foi exatamente o que ele precisava.
R – Exatamente o que ele precisava. As coisas são assim, né, são sempre assim, uma coisa é o que a pessoa pensa em ideal, né, o Luís Fernando Carvalho foi par o… eu acho que o sonho dele no inicio devia fazer cinema, né, que acabou na época do Collor, né, então ele foi pra televisão como muitos foram pra televisão e aí, na televisão, ele fez uma televisão diferente, né, dentro da Globo, ele conquistou um espaço bom, mas aí nessa época em que eu conheci ele, ele tava no inicio, né? E aí, ele foi pra Globo, ele foi pra Porto Alegre e eu queria muito fazer esse teste
e dizia: “Gente, como é que eu vou fazer esse teste?”. Porque eu trabalhava como produtora, já, assistente de direção nos comerciais, né, tipo júnior, assim, mas trabalhava, fazia faculdade, fazia teatro, tudo ao mesmo tempo e ainda fotografava, não sei como é que tinha… eu me lembro de ser aflita para dormir, eu dizia: “gente, eu vou dormir quantas horas hoje?”, porque eu acabava saindo tarde, aí eu tinha que ir para a faculdade de manhã, faltava na aula, tinha trabalho… aquela época em que a gente tem muita energia. Eu falei: “Como é que eu vou fazer esse teste?”, para as pessoas… eu fazia teatro, mas ninguém ia me chamar, eu não era uma pessoa tão conhecida lá no teatro, era jovem. Aí, eu falei: “Vou fazer uma entrevista com o Jorge Furtado”, tinha que fazer uma entrevista na faculdade. E eu fui bem assim… [pra ver se ele me convidava para fazer, juro pra você, eu fui bem… (risos) ele nem sabe. Nunca contei. Minha irmã trabalhava, a
gente fazia filme na Casa de Cinema, a Casa de Cinema já tinha começado, a gente tava perto dessa turma. E aí, liguei par o Jorge e fui fazer a entrevista da faculdade com o Jorge e aí, no meio, falei que eu era atriz, ele falou: “Nossa, o
Luís Fernando Carvalho tá vindo aqui fazer testes, eu vou falar com a Nora…”, que já era a esposa dele e era a produtora que estava trazendo o Luís,” Vou falar pra ela te chamar”, e eu fui fazer o teste e o Luís Fernando Carvalho amou meu teste e aí, eu fui pro Rio. Assim que eu fui pro Rio fazer o “Riacho Doce”, só que…
P/1 – Aí, você largou tudo?
R – Larguei tudo, eu tava no penúltimo semestre da faculdade, abandonei tudo e fui. E foi bm difícil, porque na verdade, eu fui fazer essa… imagina, nunca tinha nem me imaginado numa novela, porque eu não morava no Rio, isso não era uma possibilidade para mim, eu fazia teatro e pensava em fazer Antropologia Visual, e ser fotografa, essa era a minha… mas eu amava fazer teatro, mas teatro ali, restrito, né, bem restrito. podia continuar sendo atriz o resto da vida, mas imaginava isso. Então, nunca tinha me imaginado numa novela e aí, eu vou pro Rio, nem sabia como fazer as coisas direito lá e não caio no núcleo… a gente foi para Fernando de Noronha gravar e eu não cai no núcleo do Luís
Fernando Carvalho, cai num outro núcleo que obviamente, não estava para fazer a personagem principal, era para fazer um outro personagem, mas não rolou, eu era muito gaúcha, entendeu? Não me encaixava ali. Aí, eles me tiraram dessa Minissérie, continuaram me pagando e me pagaram um curso de… com a Glorinha Beuttenmüller, famosíssima na época, né, para perder o sotaque. Então, eu fui fazer esse curso com ela, voltei, que eu era uma gaúcha “Bá tchê”…
P/1 – Não dava certo, né?
R – Não dava certo. nada encaixava assim, eu via aquilo de fora, o personagem que era o meu irmão era um ator muito mais velho do que eu, sabe, eu era muito virgem ali para aquela situação toda, assim. E aí, eles me tiraram, eu fiquei fazendo esse curso com a Glorinha Beuttenmüller, entendendo o R do carioca com o R do gaúcho, porquê que é… ate hoje, eu tenho um pouquinho do vicio desse curso dela, de umas coisas de um R que às vezes, vem que é desse curso dela, mais carioca, assim. E aí, quando acabou o meu contrato com a Globo, eu fiquei super sem chão, né? Eu disse: “E agora?”…
P/1 – Mas durante esse período que você foi pra lá, você largou tudo?
R – Eu larguei tudo. Namorado, família…
P/1 – Por que você queria muito ir pra Globo?
R – Eu queria muito uma coisa diferente, né? Queria muito uma novidade, né? Eu sou uma pessoa das novidades, se passar um barco aqui e dizer: “Vamos pra não sei onde?”, é: “Vamos”, entendeu? Eu adoro! Uma novidade é comigo mesmo.
P/1 – Mas assim, e para o seu pai e para a sua família que estava pagando a sua faculdade, tudo isso, teve estresse?
R – Não, nenhum. Quando a gente tinha 13 anos, a gente discutia muito com o meu pai, muito, muito! E um dia, o pai falou assim: “Ok, eu sou de outra geração, eu não vou me meter mais na vida de vocês, e ele nunca mais se meteu e até quando eu pedia palpite, ele dizia: “A vida é sua, você tem que pensar”, que era um horror por um lado, né, porque ele não guiava, como eu digo, eu fui um pouco criada na rua, assim mesmo, sabe? A ética moral, a base da família é extremamente forte, sou muito parecida com eles, sólida e forte, mas esse mundo da rua, por ter um pai e uma mãe com essa questão difícil de família, eu acho que foi uma coisa que eu e a minha irmã, a gente conquistou sozinhas, mesmo, assim. A gente foi… sabe, como se portar, como é que faz, a gente aprendeu um pouco…
P/1 – Mas aí, quer dizer, só voltando para esse momento, então você foi convidada e tchau?
R – Tchau. Eu tinha a sorte que a minha irmã, na época, namorava um menino do Rio, o Pedro e o Pedro… então, eu fui para a casa do Pedro e fiquei dormindo no quarto do Pedro por uns dois meses, três meses até alugar um apartamento e tal. E os meus pais me ajudaram a alugar esse apartamento e a Kika, que até e irmã do Pedro, até hoje ela faz tradução pra mim, dos meus programas todos, ela que é tradutora pra inglês, ainda tenho contato com eles, assim, e aí, eu fui e fiquei morando lá. Quando acabou…
P/1 – Só voltando, você foi pra ter essa vida de atriz e não teve. O quê que você sentiu naquele momento?
R – Ah, foi um horror, né? Porque eu não entendia, eu era muito ingênua! Eu era, imagina, boba, né? Gaúcha! Dezenove anos, 21 anos, na verdade, 21 anos, não tinha noção do quê que era o Rio, do quê que era a Globo, sabe? Às vezes, eu escuto histórias da Globo, eu digo: “Gente, eu super sei”, entendeu? Eu super sei, eu tenho muita intuição para entender os ambientes, assim.
P/1 – Então, o quê que te aconteceu, efetivamente, lá que foi te… o quê que aconteceu lá? Você chegou lá, foi e aí… me conta a situação.
R – Eu cheguei lá no Rio e aí, fui direto para Fernando de Noronha, né?
P/1 – Que a gravação era lá?
R – A gravação era lá. E foi um elenco, todo mundo adorava, assim, né, Denise Dumont, fiquei muito amiga da Denise Dumont, Cassia Kiss cuidava tudo que eu comia: “Não vai comer isso, tem que comer aquilo”, eu fiquei muito próxima da Cassia, da Denise Dumont, foram muito: Pedro Vasconcelos, Nelson Xavier, tinha uma turma muito bacana ali. E depois, aí a gente foi para Fernando de Noronha, mas ninguém me treinou, ninguém ensaiou comigo, me largaram lá, entendeu, para fazer as cenas, eu não tava preparada.
P/1 – E aí? Me conta como foi que a cena não deu certo.
R –
Eu não decorava o texto direito, não sabia… não tava pronta para… eu não tinha… o teatro, o que eu tinha do teatro era uma coisa muito mais ensaiada, elaborada, construída, né, nos ritmos, nos tempos. Novela é outra coisa, televisão é jogar texto fora, né? É tipo: “O que você vai fazer?”, muito pequenininho, não que eu fizesse grande, mas eu nem… interpretação para televisão é outra coisa completamente diferente. Você tem que estar… tem que ter uma manha ali, sabe? Você vê muito isso, você vê atores que entram que são péssimos no inicio, até eles pegarem a manha de fazer televisão, estarem seguros ali, né? Se sentirem seguros e tal. Eu não me senti… eu me senti insegura e eu não estava preparada para aquilo, assim, não estava mesmo, ninguém… se eu tivesse com o Luís Fernando teria sido diferente, porque o Luís Fernando estava com o elenco novo, todo mundo que era jovem e nunca tinha feito nada tava com o Luís Fernando. A Valéria Alencar, que depois eu fui encontrar na “Ana Raio e Zé Trovão”, tava lá, eram várias pessoas… o Pedro Vasconcelos também nunca tinha feito nada, era um elenco novo. Aí tem várias, a Aleteia que depois acho que não fez mais nada. Mas tinham uns atores ali que era um núcleo de jovens da série, que era o pessoal do núcleo que era o núcleo do lugar, né, do vilarejo, né, eram os caiçaras, os caboclos, as pessoas do lugar. E eu tava num núcleo que era um núcleo chique, pessoa loira assim, castanha clara, do sul, eu era do núcleo chique, então, o núcleo chique, quem dirigia era um outro diretores, que até a gente brincava que eram diretores de trânsito, assim: “Senta aqui, vai ali…”, ninguém cuidava do emocional do personagem, entendeu? Ninguém cuidava do ator novo que chegou, ele que se cuide, entendeu, cada um que se vire. Você tá na selva ali, né? Globo é diferente, né? Acho que dependendo do núcleo que você cai, com o diretor que você cai, ator brinca, né? Tem diretor de trânsito, senta, levanta, o cara só pensa no seu personagem em termos de atuação. depois, quando eu fui para a “Ana Raio”, eu descobri isso muito, né? Pra você pedir para fazer a cena duas vezes, você tem que implorar para o diretor: “Eu posso fazer melhor, eu posso fazer, por favor, deixa eu fazer, eu não gostei”, ou você tem que errar no meio, que aí, ele tem que fazer de novo, se você não tiver gostando. Na minha época, era assim. Agora… faz tempo, né? Não sei como é que é. Mas eu sempre tive muita sorte. Quando eu cheguei no Rio, eu fui fazer duas aulas, três aulas, eu fui fazer aula com o Moacir… aí, Moacir Chaves era o meu colega, mas o Moacir Goes, que na época estava com os Bufões, lembra? Lá em cartaz, ele tava fazendo muito sucesso na época, com ele e com a Ana Kfouri na CAL, então eu cheguei e fui fazer essa aula na CAL, fui fazer aula com a Helena Varvaki, que é uma pessoa muito conhecida da turma do teatro do Rio, ela fez teatro com o Eugenio Barba na Itália e ela veio com uma técnica de teatro físico, então, de cara fui fazer aula com ela, que eu já sabia dela e ia na CAL. Então, na CAL, eu conheci o Augusto Madeira, o Gugu, que é um ator que tem feito muitas coisas agora. E na Helena Varvaki, eu conheci o Moacir Chaves, que me levou para fazer uma aula muito bacana de voz também com a Ana… esqueci o nome dela, Ana Frota, uma professora maravilhosa para ator, maravilhosa! Ana frota, muito legal e que foi uma maravilha assim, na minha vida, aprendi muito com ela de texto, assim. E aí, eu fiquei fazendo essas aulas, porque eu tava contratada da Globo e fui fazer aula no parque Lage também…
P/1 – Isso quando você voltou?
R – Isso quando eu voltei do Riacho Doce, então, eu fiquei ali meio perdida, né, meio entretida ali fazendo aquelas aulas.
P/1 – Mas você estava bem? Feliz?
R – Eu tava bem, eu tinha entendido, assim, um pouco que não era… eu não sabia que eles não iam continuar, que eles não iam me oferecer alguma coisa além, né? Aí quando acabou o contrato, aí o meu chão caiu, porque eu disse: “E agora? O quê que eu vou fazer?”, não sabia o que fazer. Eu lembro que eu vim de um curso de… eu gostava muito de pintar, né, sempre gostei muito de Artes Plásticas, fui fazer Arquitetura, então, eu fazia um curso no parque Lage com o Charles Watson e eu lembro que eu saía do curso e não sabia para onde ir, assim, fiquei completamente perdida, assim, fiquei: “O quê que eu faço?, e ainda… não sabia o que fazer. Aí, eu continuei lá, porque eu tinha um dinheiro, né, eu tinha recebido um dinheiro, gastava pouco, então eu continuei no Rio e pensei: agora eu vou ficar aqui. Aí, aluguei um apartamento mobiliado pra ficar por três meses e nisso eu tinha levado o meu material, minha fita e tal na Manchete, na época, tinha Manchete. E eu me lembro que tem um amigo meu que até hoje eu conheço, que era meu colega de Helena Varvaki que eu dizia: “Eu vim fazer televisão”, e aí ele: “Tá”, aí quando eu entrei, quando eu fui fazer o teste para fazer “Ana Raio e Zé Trovão”, que eles queriam justamente uma gaúcha, a minha personagem justamente entrava no sul, eu entrei, fui fazer “Ana Raio e Zé Trovão”, um dia ele olhou pra mim e falou assim: “Tati, achei tão louco que você falou que veio aqui fazer televisão, daqui a pouco você tava lá fazendo televisão”, e foi assim, ingênua, boba, né? Aí, eu fui fazer esse teste da “Ana Raio”, as meninas do elenco eram ótimas, assim, era uma coisa paralela
Globo, assim, na época, só tinha Globo, Globo, né, então era um núcleo forte que tinha feito… o Jayme Monjardim tinha dirigido “Pantanal”, que tinha sido um super sucesso e ele tinha feito essa novela “Ana Raio e Zé Trovão”, uma novela itinerante, justamente com a ideia de levar o sinal da manchete para vários lugares do país. A ideia por trás era essa, então onde a gente chegava, tava chegando o sinal da Manchete ali também, era um esquema, assim, de distribuição, mesmo, de sinal. E aí, eu entrei na novela para fazer uma participação no sul, mas a minha personagem ficou e eu me lembro, que aí, eu me preparei, né, eu disse:
“Não, não posso passar por isso de novo. Agora eu tenho que estudar com afinco”, então ficava lá estudando, estudando, tomando chimarrão e estudando o texto. Eu lembro que um dia, chegou o Jayme e falou: “Eu quero te ver”, porque eu acho que eles estavam decidindo se a personagem continuava ou não, e aí, eu nem tinha gravado, eu acho, não tenho certeza e ele falou:
“Eu quero que você vá… estude uma cena e faça a cena comigo, faça a cena no meu quarto”, eu peguei o Eduardo Silva que era o meu parceiro de cena, que a minha personagem tinha um romance com o personagem dele e a gente estudou, estudou e estudou a
cena e aí, foi fazer a cena pra ele. Eu lembro que quando a gente estava passando a cena, o Jayme ouviu e falou: “Ótimo, tá bom, não precisa fazer”, e aí, eu fiquei na novela. Eu me lembro que eu ficava um pouco constrangida, assim, porque quando a gente foi para o sul, eu entrando, assim, sem saber quase nada, os atores que faziam as cenas coadjuvantes do sul, da novela no sul eram todos muito mais experientes do que eu, muito mais. Eu ficava constrangida que eu tinha um papel na novela e aqueles atores maravilhosos não tinham, entendeu? Porque claro, é uma coisa de onde você está, né? O teste foi feito no Rio, né? Ninguém fez teste lá em Porto Alegre. Então, teve essa sorte assim, de eu ter feito esse teste no Rio, tinha sotaque, eles me escolheram. E aí, eu fui e aí, fiquei na novela oito meses viajando, cada vez num lugar, era muito interessante a gente, o elenco, né, Tamara Taxman, Lolita Rodrigues…
P/1 –
Era bom?
R – Era bom.
P/1 – Era muito diferente do clima que você viveu na Globo?
R – Muito. Os atores… cada lugar que a gente chegava era uma gincana, né, porque não tinha hotel para todo mundo, então tinha que alugar. Quando tinham hotéis, as cidades vizinhas faziam peregrinação para o lugar onde estava o elenco da novela e a gente não conseguia ficar quieto, porque ficavam gritando os nomes dos personagens. nessa hora, eu vi o como era boba essa coisa do autógrafo, porque as pessoas nem sabiam…
P/1 – Você achou bobo ou você achou bom?
R – Achava bom, mas eu sempre fui um pouco crítica, né, então eu achava assim: gente, por que eles estão me pedindo autografo, entendeu? Eu dava, achava simpático, mas eu não era isso tudo, entendeu?
P/1 – Mas você se sentia bem?
R – Me sentia bem, claro, né, você tem trabalho reconhecido, as pessoas reconheciam, né, eu achava interessante isso, mas era muito novo tudo, né? Assim, era tudo muito novo. Eu via como isso era frágil, né?
P/1 – Na época, você viu?
R – Sim, na época eu via, porque como eu tava com um elenco que era mais velho, um elenco novo, eu via muito as atrizes mais velhas, o quanto elas tinham perdido espaço, elas eram maravilhosas, elas eram muito melhores do que as atrizes mais novas, muito melhores. Elas roubavam a cena sempre que elas estavam em cena, só que o papel melhor era da mais jovem, então tinha essa coisa cruel na profissão, né? Assim, você tem poucos papeis para mulheres mais velhas, pouquíssimos. Então, sempre a menina nova, bonitinha tem o papel melhor, mesmo que ela não seja boa atriz, mesmo que ela ainda esteja em formação, ela vai ter um bom papel. Aí tem umas que são incríveis desde sempre, mas… né, você tem ali atrizes muito boas, atores muito bons que não têm personagens bons, né? Eu convivia, porque a gente tomava café da manhã. Outra brincadeira do elenco era: “Quem tá gravando hoje?”, porque só a Ingra Liberato gravava, né? Na época era só Ana raio, Ana raio, todas as cenas tinham a Ingra e o elenco inteiro ficava no hotel: “Quem tá gravando hoje?” (risos), aquele elenco lá, todo mundo parado, comendo café da manhã, almoço, janta… (risos). Engraçado, né, a gente brincava com isso, assim, que a gente não gravava, na época, a Ingra era casada com o Jayme, então eles ficavam mais afastados da gente. Muito queridos, a Ingra é muito legal, mas tinha essa coisa, né, de personagem principal. O Almir também, o Almir Sater ficava muito separado do elenco, assim. O elenco… eu chamaria do baixo clero da novela, né, a turma toda ali. E aí, quando eu voltei… aí foram meses fazendo a novela, quando eu voltei para o Rio, eu reencontrei o Augusto Madeira, o Gugu que tinha feito curso comigo na CAL e ele tava montando uma peça que era “O Baile”, e falou: “Uma atriz saiu, você quer o papel?” “Claro”, é outra coisa minha, eu sempre disse “Claro”, sempre fui animada. “Você quer fazer?” ‘Quero”, então as pessoas, às vezes, até iam falar com outras pessoas, mas eu sou tão animada que elas acham que eu quero, então vai ser eu. Várias vezes, eu ganhei coisa por ser animada: “Eu quero fazer, pá, pá, pá…”, as pessoas acabam tendo confiança nessa minha animação. E aí, eu fui fazer “O Baile”, e aí, “O Baile”, eu fiquei fazendo até vir morar em São Paulo.
PAUSA
P/1 – Tati, eu queria antes da gente continuar essa parte, ir mais numa coisa assim, nesse período todo e antes, a sua relação com… primeiro com amor…
R – Aí… minha tia Tetê, essa que levou a família pra Porto Alegre, a que é a mais velha, ela dizia: “Tati, você ama o amor”, porque eu sempre fui uma pessoa apaixonada, assim, sempre gostei, assim, sempre… eu sou muito apaixonada pelas coisas, não só por uma pessoa, sou apaixonada pela pessoa, pelos meus amigos, assim, eu quando gosto de uma coisa, eu gosto muito, eu fico muito envolvida.
P/1 – Mas qual foi o seu primeiro amor?
R – Ah então, foi na vela o meu primeiro amor foi na vela. Eu comecei a velejar e aí, lá na vela, eu conheci… eu lembro dele saindo com uma aquavela, assim, sabe, segurando a retranca, a gente saía com a vela montada, assim, e aí, segurando a retranca. Saindo da guarderia assim, para cruzar e eu olhei e disse: “Nossa, que interessante essa pessoa”, e aí, ele fazia Medicina, já, e eu não tinha entrado na faculdade, eu tava ainda acabando… estava no terceiro ano do colegial. E aí, eu lembro que ele começou a ir de ônibus com a gente, no horário que a gente ia velejar e aí, começou a rondar assim, e aí, uma hora a gente começou a namorar. Eu tinha 16 anos, assim, quando isso aconteceu.
P/1 – E você era… ele era apaixonado por você também?
R – Nós éramos muito apaixonados, assim, muito apaixonados, assim. Sabe aquela coisa de primeiro namorado que você acha que você vai casar? Tinha isso, assim. Mas aí, era uma pessoa muito ciumenta também, não gostava de dançar, eu sempre gostei de dançar e aí, eu via a minha irmã vindo… tipo, quando a gente foi fazer vestibular, eu tinha ido pra praia com ele e família e tal e tal e minha irmã tinha ido pra Santa Catarina de carona com umas amigas, tinha voltado de carona, tinha ido pra cá, tinha ido pra lá… tinha feito várias coisas e eu tava naquela coisinha ali, com o namorado, falei: “Hummm, acho que é cedo pra isso”, né, e aí, eu me lembro que teve uma hora que eu terminei. Aí, eu tive um segundo namorado… porque esse era mais certinho, assim, queria me enquadrar, né?
P/1 – O primeiro queria te enquadrar?
R – Ah, queria me enquadrar…
P/1 – Vocês brigavam de ciúmes, assim?
R – Não. Mas ele tinha ciúmes, ele por exemplo, no dia em que eu fui num campeonato que a gente correu, um campeonato bobo de final de semana. mas o primeiro campeonato que… eu não velejava, velejava… não tinha equipamento, não velejava super bem, eu velejava, né, não era uma campeã e tal, velejava. E aí, eu nunca ia bem nas regatas, né, mas teve uma regata que tinha uma coisa de vento, que todo mundo foi para um lado e eu e outra pessoa fomos para outro. E aí, eu tirei segundo lugar nessa regata e ele não quis ficar pra eu receber o prêmio: “Não, vamos embora, vamos embora”, ele nem se deu conta que eu tinha tirado segundo lugar e que eu ia receber uma medalha. Eu tinha, sei lá, 16 anos, 17 anos.
P/1 – E você foi embora?
R – Fui embora! Eu sou muito… eu tenho um problema que é uma coisa boa por um lado e ruim por outro. Eu sou muito adaptável, o nome da minha produtora chama Elástica, né? Eu tenho uma coisa de ser… sabe assim? Eu me adapto, eu durmo onde tiver que dormir, eu como o que tiver que comer, eu sou um pouco… eu me adapto…
P/1 – Mas você foi embora bem ou puta?
R – Eu fui embora… eu falei… eu fui embora bem, sem entender que eu tava passando por aquilo, sabe? mas eu sou muito cuidadosa com isso, eu acho que ao longo da minha vida, essa coisa do amor… e não só do amor, das relações, mas muito pautado acho que por esse inicio, porque eu não tinha essa referência. meu pai e minha mãe, não havia opressão entre eles, ninguém mandava em ninguém. Ali, era democracia, entendeu? Os dois tinham o mesmo poder, eu nasci numa casa onde o homem não mandava na mulher e nem a mulher mandava no homem. Ali era… os dois eram iguais, ganhavam o mesmo dinheiro, sustentavam aquela casa, era um arrimo moral da família, os dois eram abertos, então vim de uma família onde tudo se conversava, onde nada era tabu, onde eu podia ser eu, aí de repente, cai com um namorado que queria me oprimir na verdade, eu me lembro que quando eu mudei para arquitetura, ele achava que eu tinha mesmo que mudar para Arquitetura, quer dizer, ele se metia muito na minha vida. Aí, eu queria ir para o clube de velas, quando eu quis ir velejar de 470, ele era contra, ele achava aquele clube horroroso, ele achava aquelas pessoas horrorosas. Hoje, ele é sócio do clube, sócio desse clube, aí eu digo: Você é sócio desse clube?” (risos) Hoje eu dou risada, acho engraçado, mas era muito preconceito, ele tinha muito preconceito, então eu acho que ele me… não queria ir na festa, não queria dançar, quer dizer, o que era divertido para mim, pra ele não era. E aí, um grande amor, eu era completamente apaixonada e tal, primeira pessoa com quem eu transei, era toda uma situação, mas teve uma hora que acho que como eu tinha esse espelho da irmã, né, eu quis separar.
P/1 – E ele?
R – Foi muito duro. Ele sofreu. Eu também sofri, porque eu também me arrependi, mas também não podia voltar atrás, então eu também sofri, mas separei. E aí, depois de um tempo, aconteceu uma história bastante interessante, que eu tava na casa de uma amiga, porque a gente ia… eu já trabalhava, então, fazia faculdade, trabalhava, fazia aquele monte de coisas o mesmo tempo, e ia para Santa Catarina passar um feriado, acho que de carnaval e aí, uma amiga ia de carro com o namorado e eu fui dormir na casa do namorado dela, que eu nem conhecia, porque de manhã ia chegar um amigo dele e a gente ia sair. E aí, de manhã, quando chega o amigo, abro a porta, eu: uau! Achei lindo o amigo, assim, achei super interessante o amigo. E aí, a gente foi pra Santa Catarina de carro e esse amigo foi dirigindo e ficava me olhando pelo espelho retrovisor: ele tá me olhando, esse cara tá me olhando, só que ele namorava, ele tinha 24, eu devia ter 19 ou 20…
P/1 – Esse primeiro namoro…?
R – Foi 16, 17, né? Foi tipo um ano, oito meses, mas parece que foram… nessa época é tudo muito longo, né, a impressão que a gente tem é muito… mas deve ter sido um ano esse primeiro namorado, um ano, menos de um ano, eu acho. Esse segundo namorado, ele namorava uma mulher mais velha que ele, tinha 30 anos, que morava lá na praia, tinha sido casada com estrangeiro, tinha um filho, morava no meio lá, chegando na Praia da Luz, ali, no caminho entre as praias, eu achava ela assim, super esperta, né, morava lá na praia e tal, já tinha morado na Alemanha, era pá, pá, pá e eu tinha 19 anos e ele tinha 24. Então, eu lembro que a gente… ele nos deixou no lugar onde a gente tava, que tava a minha irmã, vários amigos de Porto Alegre e tal e aí, ele foi lá para a casa da namorada dele e aí depois, ele foi nos visitar e a gente conversou e tal, aí ele começou a namorar as duas, né? Me namorava e namorava… aí, a gente foi pra Porto Alegre, e ela foi pra Porto Alegre…
P/1 – No carro?
R – Não, em outro carro. Eu lembro que a gente foi de Florianópolis até Porto Alegre se beijando, foi uma coisa assim, a gente ficava se beijando, era totalmente apaixonada, assim. E aí, ela foi pra Porto Alegre e aí, ficava, né, eu dizia que um dia ele saía com ela, outro dia, ele saía comigo, um dia, ele saía com ela, um dia ele saía comigo e eu lá na minha idade, uma hora eu falei: “Olha, não dá. Você vai ter que decidir ai”, porque eu encontrava com ela e ela era um pouco agressiva comigo, era uma situação chata.
P/2 – Ela sabia?
R – Ela sabia. Ela sabia que tinha aparecido uma menina ali, que ela devia me achar uma menina boba, né? Eu tinha 19, ela tinha 30 e ele surfava e acho que surfa até hoje, assim, é um cara muito assim, médico homeopata, ele é todo na linha, assim, e aí, ele acabou terminando com ela e a gente ficou namorando até eu sair de Porto Alegre.
P/1 – Foi esse que você largou?
R – Esse que eu larguei. Virei as costas e fui embora, veja bem. Bem… nem pensei. Olha que maluca, né? Porque é uma pessoa que foi muito importante na minha vida, até hoje, acho… pra mim, ele é uma referência, muito mais do que o primeiro namorado, que tinha essa coisa de opressão, né, que é um cara que depois que eu encontrei, também, mas esse segundo namorado, pra mim, era a minha referência de uma relação, assim, porque ele gostava de natureza tanto quanto eu, a gente viajava bastante, a gente gostava de poesia, ele fazia Medicina, mas ele era um médico homeopata, ele não acreditava na Medicina como o primeiro acreditava. O primeiro, no fundo, achava que eles eram a elite da faculdade. esse outro não, achava um absurdo ter que fazer plantão, ele dava um jeito de não virar duas noites no hospital, ele tinha… era um cara mais crítico, assim, mais… tinha uma visão dele das coisas que eu achava muito interessante.
P/1 – E essa coisa entre o amor e o sexo, como é que foi, assim? A primeira vez que você transou foi com esse primeiro namorado?
R – Esse primeiro namorado.
P/1 – E isso?
R – Ah, foi ótimo, né? Eu tive muita sorte assim, de ter transado com namorado, que a gente escolheu transar, né? A gente se preparou para transar, escolheu transar, então era uma coisa muito tranquila, amorosa, mesmo, né? Foi tudo muito amoroso, assim, e esse segundo namorado também era muito amoroso, assim, mas o segundo namorado era mais… ele era mais experiente, tinha namorado uma mulher mais velha, então ele tinha mais experiência, assim. E ele era mais do sensorial, da coisa mais sutil, mais… menos o relacionar-se, né, ele era mais… foi bem bom assim, eu ter tido essa relação com esse segundo namorado, porque não era um homem machista, não era um homem machão, não era um homem opressor, era um cara bem de igual pra igual, assim. Então pra mim foi muita sorte, assim, eu tive uma boa referência logo de cara assim, de sexo, né? Da coisa que a sensualidade não tá só na transa, né, só na penetração, né? Eu brinco com a minha filha, eu digo: “Sexo não é penetração. Penetração faz parte do sexo. Se você não descobrir, se você for logo…”, porque ela é adolescente, né,
Se você for logo, levar o sexo para a penetração, o que vai acontecer? Você não vai descobrir o seu corpo, se entender a sua sensualidade, né, e o que é a sensualidade do outro. Então esse pré é muito importante, né?”, um pouco do tabus funcionam um pouco como uma… acho que como um lugar de aprendizagem, né, então acho que isso eu tive muito e tive muito com esse segundo namorado, porque ele era um cara mais da poesia da vida, do tempo das coisas. Ele é calmo. esses dias, eu vi ele dando uma entrevista de homeopatia, ele fala tão lento até hoje, sabe? E eu agitada e ele ficava só me olhando, sabe? Um cara assim… tudo pausado para falar, ele era muito calmo, muito calmo. Internamente, a gente nunca sabe, né? Mas externamente… até hoje, um cara muito calmo.
P/1 – Mas e aí, você no Rio, você largou ele, foi pro Rio, você teve… qual veio ser a sua outra grande experiência assim? Até agora, boas experiências, né?
R – É.
P/1 – Você não teve nenhuma…?
R – Então, no Rio, foi difícil namorar, né? Eu que sempre tinha namorado, no Rio nunca namorei. Nunca namorei. Tive várias histórias, às vezes, até ao mesmo tempo, mas nunca tinha namorado, ninguém queria namorar. Pra mim, era super difícil isso, assim, sabe? Eu me lembro que quando eu vim para São Paulo, logo depois, eu namorei também, eu falei: “O Rio não dá, gente, não dá pra namorar no Rio, que coisa é essa?”, não consegui namorar no Rio. não, namorei até. Namorei uma pessoa lá no final, mas foi um namoro assim…
P/1 – Nada marcante?
R – Nada marcante, meu amigo, assim, conheço e tal, mas não foi uma coisa marcante, assim. Tive uma grande paixão no Rio. Tive duas grandes paixões, assim, mas ninguém me dava bola, retirante, né? Quando você sai do seu lugar, que você tá na sua cidade e você vai pra outra, ainda mais que eu sai do sul e fui pro Rio, né, quer dizer, quem eu era ali? Não era ninguém, né?
P/1 – E você se sentia assim?
R – Ah, sentia! Eu tinha insônia. Pra mim, era muito difícil. O Rio foi muito difícil. O Rio me ensinou uma coisa, que a vida não é só trabalho, porque eu era muito focada em ser atriz. Então, assim, eu fazia aula de corpo, fazia aula de voz, eu não ia pra praia porque eu não podia ficar bronzeada, eu não viajava final de semana, eu não ia para Porto Alegre porque tinha o curso que eu não queria faltar, era extremamente regrada, sabe assim?
P/1 – Você queria aquilo?
R – Queria aquilo. Era totalmente focada naquilo, tanto que eu fiquei quatro anos no Rio e eu fiz coisas, né? Eu tava no segundo Rio Encena, dançando com o Henrique Schuller como bailarina e eu nem era bailarina, mas tava lá dançando com ele. Fiz três peças de teatro, o Antônio Pinto que é um amigo meu agora e tal fez uma trilha para “O Menino Maluquinho”
que eu fiz como atriz lá, né, então, eu conheci o Antônio Pinto lá no Rio. Depois fiz “O Baile”, fiz a novela, fiz muitas aulas, conheci muita gente, são meus amigos até hoje, então eu vivi muito lá, né, fiz muitas coisas lá, mas só, só, só trabalho, nunca fui numa cachoeira dali da… como chama?
P/1 – Paineiras.
R – Paineiras! Nunca fui na Cachoeira do Paineiras! Parecia que eu não podia me deleitar com o Rio, sabe? Eu tinha um foco, eu tinha que ganhar dinheiro, eu tinha que trabalhar e os meus pais me sustentavam, né, porque eu conseguia dinheiro uma época e na outra época, não conseguia, trabalhei no Dr. Smith, teve uma época em que eu estava ensaiando uma peça que não estreava nunca, eu não me lembro qual foi a peça, não estreava nunca e do jeito que eu sou agitada, devia faltas sei lá, um mês, dois meses pra estrear. Não, era uma peça que a gente nem chegou, na verdade, não chegou a montar, tava enrolada, enrolada, era “A Tempestade”, do Shakespeare. E aí, eu lembro que eu fui trabalhar naquela boate Dr. Smith, que depois o pessoal do Dr. Smith, eles fundaram o Conspiração, né? Então, eu trabalhava na porta, fiquei uns três meses lá à noite, anotando nome das pessoas que entravam, porque eu queria que as coisas andassem, né, e assim… e às vezes, ficava meio parado, né? Na época, não tinha cinema, só tinha a Globo e só tinha teatro e Globo, eram as duas coisas, mas o teatro não sustentava, né?
P/1 – E a Globo, você não conseguia voltar?
R – É, eu ia, fazia teste aqui, teste ali, mas…
P/2 – Tinha vontade de voltar para a Globo?
R – De fazer… tinha vontade de ser atriz onde fosse, né? Mas eu achava muito humilhante aquilo, sabe, que você vai, fica lá, aquele bando de gente, aquele monte de ator esperando por um papel, você vai, faz o teste. Achava aquilo assim, tão difícil, né, de conseguir furar aquilo. Mesmo que eu já tinha feito duas novelas, né, uma inteira, uma participação, mas era difícil aquilo pra mim, eu achava que aquilo não tinha… sabe, eu era mais ampla do que isso, eu brinco que ator é aquele cara que não sabe fazer outra coisa, sabe? Que é tão bom naquilo, tão bom, que não pode conceber a vida de outro jeito, porque é muito difícil, é uma profissão muito difícil, eu acho assim, muitíssimo difícil. Acho assim… as pessoas dizem: “Mas um ator é sempre ator”, porque eu digo que eu fui atriz, né? Não, eu fui atriz, uma coisa que eu realmente deixei pra trás, assim, virei outra coisa, né?
P/1 – Então, eu queria entender, só preá gente resumir esse período do Rio, que foi longo, então, quatro anos, né?
R – É, foram quatro anos.
P/1 – Como você me resumiria assim, se isso te causou alguma marca, né, de você no conseguir, ou ser rejeitada ou foi um período que na sua vida… como você…
R – Foi bem difícil. Foi bem difícil, porque primeiro teve essa rejeição do “Riacho Doce”, né, que pra mim foi um baque, assim, que eu lidei, mas foi um baque. Assim, eu acho que eu tive muita sorte de ter feito outra novela depois e depois, ter feito outra e ter feito teatro e tal e estar num lugar legal, assim, eu estava sempre ao redor de pessoas legais. Mas pra mim foi muito difícil, porque eu pensava: como é que eu vou viver desse jeito? Porque eu não era de lá, então eu tinha um custo fixo e eu não achava… assim, os meus pais me ajudavam, mas até quando seria aquilo? Então, as minhas opções eram assim: ou a Daina vinha pro Rio e a gente, aí, dividiria ali os custos, né, mas ela acabou vindo para São Paulo e eu vim para São Paulo por causa dela.
P/1 – Ah, uma hora você desistiu?
R – Desisti de morar no Rio. Minha ideia era, eu pensava: meus pais em Porto Alegre, minha irmã em São Paulo e eu no Rio não tem sentido. Achava que não tinha sentido isso. E aí, eu vim pra São Paulo por causa dela, porque ela decidiu vir pra cá porque foi chamada para trabalhar na TVC. Na época, o que que a gente tinha? Televisão e publicidade, né? Então, ela também tinha feito… ela fez… a Dainara… o primeiro filme que ela fez foi “Ilha das Flores”, né, ela foi assistente de produção no “Ilha das Flores”, então depois, ela ficou fazendo ou direção de produção ou assistência de direção para o Jorge, então filha da Nora Goulart, assim, praticamente filha da Nora, cria da Nora, braço direito da Nora, ali da Casa de Cinema e tal, e ela tava lá. E aí, chamaram ela para vir para São Paulo trabalhar numa produtora, Ana Braga chamou ela e o Gordo, né, que é um diretor do sul que veio pra cá, então os dois, mas principalmente, a Ana Braga puseram pilha pra ela vir, e aí, ela veio. E aí, ela veio pra cá e eu tava com a peça em Brasília, estava com “O Baile” em Brasília e de Brasília, eu vim direto pra cá. os meus amigos foram pra Chapada dos veadeiros e eu vim pra cá porque eu ia morar em São Paulo. E aí, eu fiz as mudanças. E aí, teve uma história aí que foi… mas assim, o período do Rio pra mim tem um certo trauma porque eu não tava pronta, eu era muito jovem. Então, quando uma pessoa jovem vai para um lugar aqui, outro ali, eu sempre acho… é complicado, porque é uma cultura muito… a cultura do sul é muito diferente da cultura do Rio. é outro jeito de pensar, é uma outra ética. Eu me lembro que eu ia ver as peças e um amigo meu, Kiko Marques que é um diretor de teatro que tá aqui em São Paulo, ele gostava de conversar comigo, porque ele dizia: “Você tem muita opinião”, ele queria saber qual era a minha opinião sobre a peça, porque claro, eu vinha do sul, lá todo mundo tem muita opinião, inclusive, na minha opinião, é opinião demais, às vezes, sabe, um pouco cricri, meio… assim, no Rio todo mundo gostava de tudo, sabe? Tudo era bom, eu achava aquilo muito festivo e eu tinha a minha opinião: “Gosto disso, gosto daquilo…”, detalhe, eu discutia mais aquilo, né? Imagina, tinha feito faculdade de Jornalismo, cheia de opinião, metida pra caramba. Então, eu aprendi um pouco no Rio
ater um caminho do meio, assim, sabe? não ser tão cricri como no sul e também, não fiquei tão festiva como é a turma do Rio. Mas eu tinha essa… pra mim, foi muito difícil, assim, foi muito difícil. Quando eu cheguei, eu acho que eu estava bastante traumatizada, assim…
P/1 – Do Rio?
R – Tava, eu não dormia à noite, eu não dormia direito lá, sabe, eu tinha uma… foi uma batalha, né, foi uma luta e eu não via muito um fim naquilo, o que eu ia me tornar ali.
P/1 – Você se sentia rejeitada?
R – Talvez um pouco rejeitada, né, talvez sim. Não totalmente, porque se eu fosse contar a história, era uma história de sucesso, né?
P/1 – Dentro de você…
R – Dentro, um pouco, eu acho que sim. Era uma história que eu não acreditava 100%, sabe, e eu também sempre fui muito… assim, eu me lembro que eu era muito amiga da Giovanna Gold e ela dizia: “Tati, mas você não se imagina numa capa de revista?”, eu não me imaginava numa capa de revista, entendeu? não era isso pra mim ser atriz, para mim, ser atriz era a emoção que eu sentia na vela, a emoção no palco, a emoção da cena, a dramaturgia, o teatro, o grupo, pra mim, era aquele momento de você estar exposto. Aquele ao vento ou a plateia, né? E que eu, depois, recuperei esse sentimento no documentário, né, que eu faço essa linha assim, que o documentário pra mim é isso também, mas era isso pra mim, não era assim, o sucesso, ser amada. Não era isso, entendeu? Eu sempre fui amada, então nunca busquei isso, né? Era muito uma coisa mais… eu gostava muito do teatro, assim, gostava muito, eu sou muito dramática, né, eu sou muito dramática, sou muito expressiva, então era uma maneira de eu trabalhar com a minha energia, assim, sabe, de experimentar a minha energia e o meu corpo nas situações, sabe, de sentir, eu gosto de sentir as coisas, então acho que ser ator pra mim era sentir aquilo. Eu sou muito empática, se você contar uma história pra mim, eu vou me transportar para aquele lugar, eu vou sentir o que você sentiu, eu sou muito empática. É um problema, assim, isso até. Então, eu usava isso no teatro, eu usava essa característica minha, assim. Tanto que quando eu entrevisto, quando eu vou para os lugares, as pessoas ficam muito à vontade, porque é quase se como eu me transformasse nelas, entendeu, eu fico na mesma vibração, eu não me ponho acima, né, eu fico na vibração delas, assim, eu tento sumir, tento desaparecer e isso, no teatro, eu experimentava isso, né, gostava muito, adorava. Os tempos, os silêncios, as falas, a emoção. Então, conduzir a emoção… tem muita coisa pra… o teatro te da oportunidade para aprender muito, você nunca tá pronto, você tá sempre em processo e eu gostava desse processo, eu gosto do processo. Eu não gosto das coisas muito prontas, eu gosto da vivência do processo, acho que isso que eu gostava no teatro, só que isso não era profissão, profissão é outra coisa, tinha outros… nossa, o que eu vivi no Rio, eu vivi tanta coisa louca, é muito louco, o lugar é muito doido, as pessoas são muito doidas, as pessoas não tinham palavra pra nada, era tudo muito solto, muito ego, muita… pra mim, era difícil esse grupo, assim, tanto que os meus amigos são amigos do teatro, mesmo, são pessoas do teatro, inclusive, faz uns dois anos que esse grupo do “O baile” se uniu, assim, a gente tem um whatsapp nosso e a gente vive em comunicação agora. Eu fui duas vezes ao Rio pra encontrar com o grupo do “O Baile”, e a gente faz festa, a gente se encontra, a Lara foi uma vez, minha filha foi comigo, a gente foi de carro, voltamos de carro conversando e aí, eles vêm pra cá, me ligam, eu vou ver o show, eu vu ver o teatro. E é impressionante, porque nós somos muito parecidos até hoje, é uma identificação, assim…
P/1 – E foi ali que você se encontrou no Rio?
R – Nesse grupo, sim. Esse grupo foi muito bacana. Foi um grupo muito legal. E aí, até hoje, coisas que eu segui aqui, eles seguiram lá, tipo, tenho m amigo que acabou fazendo televisão e ele, agora, fez… até foi indicado ao Emmy de televisão, o “Tem Criança na Cozinha”, o Índio que dirigiu, que é um colega meu de teatro, sabe? o Gugu, o Augusto Madeira virou um super ator, tá aí fazendo um monte de filmes, fez um trabalho com a minha irmã. A Carolina Virguez vem pra cá, me liga, uma super atriz, também, sempre… a Telma conhece um monte de gente que eu conheço da música, né, então a gente tem muitos caminhos assim, as coisas paralelas da vida, espiritualidade, assim, com essa turma, é uma turma que ainda tá muito afinada assim, sabe? É legal isso.
P/1 – Só me conta aqui, você chegou aqui, tua irmã e…?
P/2 – Você tinha alguma perspectiva além da sua irmã morar aqui?
R – não. Eu só passei no Rio, né… ah, antes de vir pra cá, eu transferi minha faculdade, né, porque eu tinha que decidir me formar, então eu transferi minha faculdade para a Faculdade da Cidade e foi também uma sorte eu conseguir a transferência porque eu conhecia uma pessoa que era professor da diretora da Faculdade da Cidade e aí, ele me pôs em contato com ela, ela me atendeu e fez a minha transferência, porque era difícil conseguir, porque eu tava no penúltimo semestre quando eu parei, quando eu tranquei e eu tinha aquele ano para me decidir se eu continuava ou não, falei: “Não, vou me formar, vou me formar em jornalismo, não vou deixar de me formar”, então eu fiquei um ano e meio fazendo faculdade lá. Fazia aula de Reportagem I, Reportagem II, tem uma cena engraçada também, aquela atriz Daniela Winits, né? Ela, antes de ser atriz, ela foi minha colega de Jornalismo na faculdade da Cidade e eu lembro daquela menina que chegou na frente, assim, porque era uma aula de Reportagem, ela chegou na frente da turma e falou: “As pessoas dizem que eu sou muito comunicativa, que eu sou muito alegre…”, depois virou uma atriz da Globo, superconhecida, eu lembrava: aquela menina da faculdade, né? E aí, eu me formei lá, então quando eu vim pra São Paulo, eu já vim com a intensão de trabalhar com televisão. Eu já vim com a intensão de não ser só atriz aqui. Eu não vim com a intensão de parar de ser atriz, eu não sabia como é que era a cidade, mas eu vim com a intensão de trabalhar com televisão, vim com a intensão de ganhar dinheiro, de me sustentar, de ser adulta, né? Não dava pra ficar no sonho, né, eu não sabia onde aquilo ia dar, não podia esperar mais, eu tinha 24 anos. Então, eu precisava me virar, então, eu vim pra cá e eu e a minha irmã, a gente alugou um apartamento, eu trouxe as minhas coisas do Rio e nesse verão, antes de eu trazer as minhas coisas do Rio, eu conheci o namorado da minha irmã, que é o Marcelo Trotta, o Tintin, que na época era namorado dela, ele era editor, hoje ele é fotógrafo, bem conhecido, diretor de fotografia de cinema, e o Tintin falou assim: “Eu vou te apresentar um amigo que você vai namorar”. E na época, eu tava bem mal assim, porque eu tinha tido um reencontro com o meu primeiro namorado, lá em porto Alegre e eu queria insistir para ele ir lá para Santa Catarina me encontrar, que eu tava de férias com os meus pais e ele falou que não sabia se ia e não foi. Então, eu me lembro que eu passei o verão inteiro lendo, assim. Eu lia um livro, depois eu lia outro livro, depois lia outro livro, fiquei lendo, lendo, lendo, só ficava lendo, eu tava meio mal, porque eu tava mexida com tudo, porque esse meu primeiro namorado dizia assim: “O quê que você quer comigo? Você vai vim pra cá?” “Vai lá visitar”, mas não, aí rompimento total. E aí, eu tava nessa situação e ele falou: “Vou te apresentar um amigo que você vai namorar”. Aí, quando eu cheguei em São Paulo, fiz minha mudança, arrumei o meu apartamento, um dia a gente foi sair para almoçar e tava lá o Guilherme, que foi com quem eu casei. E aí, no meio do almoço, não sei o que… “Minha namorada, minha namorada”, acabou o almoço, a gente saiu caminhando do La Bucca Romana, ali na Oscar Freire e eu olhei para o meu amigo e falei: “Mas ele tem namorada”
“Mas vão separar, eles brigam muito”, e eles ficaram três anos namorando, eles não brigaram (risos), mas eu fiquei com aquela ideia fixa, porque eu sou uma pessoa que eu ponho uma ideia na cabeça, é um horror, assim, sabe? Eu sou uma pessoa realmente… minha irmã diz:
“Lá vem você, né?”, que eu ponho uma coisa na cabeça, eu fico com aquela…
P/1 – E você quis ficar com ele?
R – Eu me apaixonei por ele. Eu me apaixonei, assim, completamente. não tinha barco na época, não tinha nada disso, mas eu me apaixonei por ele e ele tinha essa namorada que era uma mulher muito popular, mais velha que ele, mais velha que eu e muito popular. Ela era, assim, tipo… sabe, ela era esperta, ela era… tipo… ela era esperta, arrojada, sabe, ela era incrível e eu era retirante, como eu brincava, né? Eu era retirante, tinha acabado de chegar em São Paulo, então eu brincava que eu era retirante. E aí, eu via ela aqui, o pessoal da MTV… bom, aí eu fui pra MTV, né? Mas o pessoal da MTV todo achava ela tipo, o máximo! E eu lá, né, na minha, quieta. Mas namorava outras pessoas, porque, né? Uma vida prática, namorei outras pessoas, depois acabei casando com ele. Mas quando eu cheguei em São Paulo, eu havia conhecido no Rio de Janeiro, na casa da Giovanna, o Maurício Arruda e o Maurício… eu fui… eu tinha um amigo ex-professor da faculdade lá do sul, Carlos Kober que tava na TV Cultura e ele me chamou pra fazer a apresentação do Natal da TV Cultura. E eu fui e eu estava no corredor da Cultura e encontrei com o Maurício, a gente começou a namorar e aí, ele tava fazendo um trabalho na MTV, na época, o André Vaisman era o diretor de Jornalismo da MTV, eu acho que ainda era o Tite ou o Gian o diretor geral, acho que o Gian que era o diretor geral, que é da família Civita e aí, eles iam fazer alguma coisa acho que ele e o Marcelo Tas, alguma coisa com futebol na MTV, que depois, acabou virando o Rock Gol que tem eles e tal, o Mauricio até trabalhou um pouco. E aí, nessa conversa com o André Vaisman, o André falou: “A gente precisa de alguém para o Jornalismo para cobrir férias, você conhece alguém?”, ele falou: “Tem minha namorada que acabou de chegar do Rio, mas ela não é experiente, ela era atriz…” “Chama ela, ela é legal? Que a gente quer alguém legal”, aí eu fui pra MTV assim, olha, cheguei, sei lá, tava em junho, eu já tava trabalhando na MTV, cheguei em janeiro e em junho, eu tava na MTV, olha a sorte que eu tive! Tive muita sorte, né? Muita sorte! Aí, eu cai na MTV, fui cobrir férias e acabei ficando. Eu me lembro que o Ronaldo Miranda, amigo nosso assim, me olhou e falou assim: “Eu também tô cobrindo férias, você vai ficar”, eu olhei pra ele e falei: “Você acha?” “Sim, aqui todo mundo que entra pra cobrir férias, fica”, porque sempre faltava gente, né? Sempre faltava gente pra trabalhar, ia crescendo, ia tendo novos programas e ia ficando. E aí, eu fui contratada como jornalista e fiquei lá. Aí, eu usei o meu diploma, né, que eu tinha feito Jornalismo, então de cara, eu já usei o meu diploma, fui contratada como jornalista e fiquei no MTV no Ar trabalhando. Mas eu ainda tinha uma… ainda queria ser atriz, então, eu fiz uma participação numa novela do SBT que o Fernando produtor de elenco me chamou, sabe, eu ainda tinha assim… fiz o “Almoço Executivo”, um curta da Marina Person, fiz o curta da minha irmã “Um Homem Sério”, também, participação, então eu ainda queria ser atriz, sabe, eu ficava naquela dúvida assim, mas eu não buscava ninguém… tentei entrar no Zé Celso, mas achei tudo muito louco, não era pra mim, eu não gosto dessa coisa assim, misturar vida com profissão e fica tudo aquela meleca, não é a minha… ainda mais teatro que é todo mundo muito doido. Eu não curtia esse ambiente assim tão confuso assim, sabe? E o Zé Celso também é um cara manipulador, né, e eu não gostava… essa coisa de manipulação pra mim, nunca funcionou muito bem, nunca gostei muito, assim, de me sentir parte de um jogo ali, né, que eu sou uma peça. Sempre fui mais desconfiada, né?
P/1 – E em que momento você largou o teatro?
R – Então, aí um amigo meu, Mario Ribeiro, que trabalhava comigo na MTV, um dia me chamou na padaria, padoca do lado da MTV era o nosso escritório particular, né, a gente vivia na padoca. Falou: “Tati, o quê que acontece contigo? de vez em quando, você faz umas matérias que são ótimas, são incríveis e de vez em quando, você faz umas matérias que são horríveis, são muito ruins. parece que você não sabe o que você quer, se você quer ou não quer”, eu levei um susto, né, eu falei: “Nossa, será que é isso mesmo?”, aí eu fiz uma retrospectiva e falei: “É, tem coisas que me divertem e tem coisas que eu vou fazendo”, aí eu falei: “Será que é por causa disso? será que eu tô dividida? Será que eu preciso me definir? Vou encarar isso aqui de frente, vou fazer, vou encarar esse trabalho de frente, vou parar de pensar em ser atriz”, foi nesse momento. Eu falei: “Chega, não vou ficar dividida, mais”, isso porque eu acho também… eu sou uma pessoa que eu acho que carregar o passado… é só um fantasma, entendeu? É só um fantasma que a
gente tem só o peso na mochila, não vale a pena, porque se a coisa aparecer, alguém me convida para fazer um filme, de repente, eu poso ser bom, com um bom preparador de… chama um preparador bom de ator, eu poso, por quê que não? Mas se aparecer, não vou eu ficar botando isso na minha caixinha de intensões, entendeu, que são muitas, ocupa espaço.
P/1 – Aí, ali você enterrou isso?
R – Enterrei. Ali, eu enterrei, por isso que eu digo que eu sou ex-atriz. Ali, nessa conversa com ele, eu enterrei. E aí, eu comecei a pensar em programas, né, e me envolver mais. Na MTV, eu até fiz uma apresentação no Rock Gol, eu fazia uma personagem, a Maria Fernanda, mas já não tinha a intensão de ser atriz, já tinha enterrado ali, eu já tinha enterrado isso. E aí, eu descobri o documentário, né?
P/1 – Como?
R – Ah, eu sempre gostei muito de documentário, eu quis ter feito Antropologia, bem visual, né, então eu sempre fui tudo muito verdade, eu sou rata de festival, né, tem esse porém aí que eu posso comentar, que a minha tia, minha madrinha tem casa em Gramado, mora em Gramado. Então, eu sempre fui para o Festival de Gramado. sempre! Na faculdade, ficava lá e ela conseguia os ingressos dos gramadenses pra gente, se não tinha um ator da Globo, os gramadenses não iam no cinema à noite e ela pegava os ingressos e nos dava, eu, minha irmã e minha prima. E ali, por exemplo, no Festival de Gramado, eu conheci o Beto Brant, o André Sturm, o Renato Ciasca, o Amir Labaki, o Luís Ramalho, ator. Muitos. Muita gente eu conheci lá, como estudante, ia nas palestras, nas conversas, tinha muita opinião, né, aquela coisa, a gente ali, o pessoal da PUC do sul. E aí, eu conhecia muitas pessoas de lá. Então, quando eu cheguei aqui, eu continuava rata de festival, até hoje, eu sou rata de festival, se tem festival de cinema, eu tô lá. Tô sempre tentando assistir o máximo que eu consigo. E eu ia no “É Tudo Verdade”, assistia muitos filmes e aí, eu pensei num projeto para a MTV que era o “Mochilão”, que não tinha esse nome, porque aí, o Gastão Moreira tinha um projeto de viagens, e o dele era Mochilão e aí, um amigo do sul, de Porto Alegre veio morar em São Paulo, foi trabalhar na MTV e eu, uma vez, tinha contado para ele um projeto de viagens e tal e ele falou: “Eu vou vender o teu projeto”, e vendeu para o West Coast. na verdade, era um projeto que tinha lá, já andando na MTV era o projeto do Gastão, “Mochilão”, que é o nome que o Gastão tinha dado. Mas ele tava vendendo o projeto de viagens, que era o projeto da Tati. E aí, acabou que eu fiz esse projeto na MTV. E aí, eu fui fazer um programa de TV de viagens, foi o primeiro “Mochilão” que teve, isso foi em 97. Foi uma coisa que eu batalhei muito para fazer, foi uma batalha. Antes disso, eu fiz no meu pensamento estratégico, eu criei uma série chamada… pro MTV no Ar, chamada “Trilha nas Ferias”, que a gente viajava, fazia pequenas viagens para o Parque do Itatiaia, Ilhabela, fazia trilha com as pessoas, tipo de férias, assim, coisas rápidas, perto de São Paulo, pra me preparar para pensarem em mim no “Mochilão”. E aí, eu conquistei ali um espaço para fazer o “Mochilão”
e dirigir o “Mochilão”. depois do “Mochilão”, eu acabei saindo da MTV porque me chamaram… o Lawrence Wahba me chamou para fazer o “Expedição Caiçara”, na produtora dele, na época que ele era sócio da Canal Azul e aí, eu fui, larguei o “Mochilão”, também, virei as costas e fui. Esse eu me arrependi. Eu jamais deveria ter largado o “Mochilão” para ir fazer esse projeto, deveria ter ficado fazendo o “Mochilão” ali, eu teria vivido muitas situações interessantes, ali no “Mochilão”, porque o “Mochilão” teve longa vida, né? E era um projeto que eu fazia… era muito a minha praia, assim, porque eu tenho muita sorte, sabe, de… eu sou muito do lugar, de estar aberta para as coisas que vem. E aí, tinha alguém ali, eu dizia: “Vamos parar o carro, vamos falar com essa pessoa”, então as coisas vão andando, sabe, eu costuro bem as coisas, assim, eu sou… eu tô muito atenta ao que estar ao redor, não sou ideia fixa, né, então isso, no “Mochilão” funcionava, porque a gente tinha três dias para fazer o programa. A gente tinha que trazer o programa com os deslocamentos, né, era assim, 26 minutos muito condensados. Mas MTV, a equipe era ótima, né, todo mundo sabia fazer, todo mundo fazia junto, todo mundo era bem independente, né? E aí, fui pro “Expedição Caiçara” porque tinha um barco, né? Tinha uma escuna, a ideia do projeto eram estudantes de segundo grau, colegial a bordo de uma escuna conhecendo os caiçaras. Aí, eu falei: “Barco? barco eu quero”, e também achei educativo e tal… aí, acabei indo fazer. Aí, eles tinham uma diretora que era a Ângela Sander que era uma diretora da Globo, que fazia uns freelas lá, ela não queria fazer as viagens com os adolescentes, então eu entrei pra fazer e montar. Chegou na hora de montar, eles me tiraram e puseram ela. E aí, ela dizia:
“Não tem material", claro que não tem material, eu já na MTV, já tinha reality, então, na MTV, a gente já tinha aquele programa que era gravado nos Estados Unidos que ere um programa que era de adolescentes que acompanhavam, então eu fiz nessa linha, eu gravava muito eles. Eles eram a minha… as impressões, eu fiz eles fazerem um diário, então eles escreviam para usar aquilo como off e ela era da Globo, né, cenas engraçadas: pá, pá, pá, pá, cenas disso: pá, pá, pá, pá, era outro esquema, eu não tinha gravado desse jeito, tinha gravado de outro jeito. Então, foi um programa que quando eu assisti, eu que vinha da MTV, achei chato. Aí, um amigo falou: “Minha filha não viu”, claro! Eu tinha uma linguagem próxima dos adolescentes, eu trabalhava na MTV, eu tinha outro modo de filmar, as pessoas tinham muito preconceito com isso, antes. As pessoas tinham muito preconceito com a MTV, você falava que você era da MTV, quem assistia e gostava de música, os meus amigos sociólogos, filósofos lá do sul, todos assistiam MTV, achavam demais a MTV, só que a turma de televisão tinha muito preconceito:
“Não sabem fazer”, a gente não sabia fazer, um bando de loucos, aquelas câmeras tortas… eram assim, as pessoas falavam assim da gente. mas dali, saíram as pessoas que se espalharam pelas TVs a cabo, né, pelos canais, depois. Meus amigos todos estão aí, um aqui, outro ali, porque tinha muita liberdade, erra uma universidade aquilo,
gente aprendia fazendo. Então, foi muito rico, assim, para quem passou por lá, aprendeu muito e na prática. Era muito rico, muito rico, não tinha aquele formato. Imagina se eu tivesse caído na Globo! No SBT!
P/1 – Mas aí, essa sua ida que largou a MTV pra lá, então foi infeliz?
R – Foi muito infeliz, muito infeliz! Porque aí, na hora de montar o programa, me tiraram.
P/1 – Aí, te tiraram do projeto?
R – Me tiraram do projeto, porque…
P/1 – Aí, você ficou sem trabalho?
R – Fiquei. Eles ainda queriam que eu… na verdade, eles me tiraram do projeto porque eles queriam que eu pegasse um outro projeto junto, que era um projeto do próprio Lawrence, que era um projeto de fundo de mar que uma bióloga fazia o roteiro e fazia o corte final do projeto. Eu falei: “Gente, eu não sou bióloga, eu não sei nada de bicho”, eu não tinha condições de fazer os dois projetos ao mesmo tempo. Falei: “Vocês têm que continuar com ela. Ela continua fazendo. Eu vou fazer o Expedição Caiçara”, pra mim, já tava bom fazer o “Expedição Caiçara”. Mas aí, nisso, da produtora, eu não sei se ficaram mordidos comigo, me tiraram. Aí, eu fiquei desempregada. Uma pessoa que trabalhava na MTV, fixa lá, tinha um status, né, fazia o “Mochilão”, sai e fiquei… fiz a última viagem do
“Mochilão” no inicio do ano, fiquei, sei lá, abril, maio, junho, julho, agosto eu não tinha emprego. Nem aí… mas, foi bem na época em que o meu pai estava morrendo. Foi nessa época em que a minha irmã chegou e falou: “Vai pra Porto Alegre”, então tem isso, né, a vida é louca, né? Aí, fui para Porto Alegre, imagina se eu tivesse montando dois projetos ao mesmo tempo, eu ia ficar louca! Aí, eu fui pra Porto Alegre, eu acompanhei o meu pai, fiquei no hospital, acompanhei minha mãe, fiquei uns dois, três meses por lá.
P/1 – Então, nesse período desses próximos dois anos, os dois morreram, né?
R – Os dois morreram, foi bem difícil…
P/1 – Como é que foi essa… pra você, assim, todo esse processo até perdê-los?
R – Foi bem difícil, né, hospital, hospital… briga com plano de saúde, né, acompanhar, é difícil! Eu sou muito… eu sou uma pessoa pra frente, eu tô sempre olhando pra frente né, então eu não fico tanto assim, na dor, assim, mas foi bem complicado. E ainda eu sem trabalho, né? Nessa época, minha irmã começou a dirigir publicidade, então, ela me chamou para eu fazer um pouco de assistência de direção pra ela. Então, eu fazia bem teste de elenco, né, super bem, mas set de publicidade? Eu era péssima! Eu lembro uma vez o Adriano Goldman me chamou e falou: “Tati, enquanto a diretora tá discutindo o plano, você vai tocando a próxima cena, vai montando a próxima cena”. Eu não sabia nada, eu não gosto de tocar as pessoas: “Vamos, e aí, galera?”, não suporto isso, acho que cada um tem o seu ritmo, entendeu? Então, não era o meu perfil. Fiz um pouquinho pra ela, foi bom pra ela porque ela tinha uma pessoa muito de confiança com ela, mas não era a minha profissão.
P/1 – E aí, nesse período, Tati, você se sentiu assim: não e teatro, dancei aqui… teve alguma crise existencial?
R – Foi bem difícil! Crise de ter sempre tomado decisões muito rápidas, né, e de talvez não saber me colocar porque nessa situação, talvez, eu pudesse ter tido uma outra atitude, assim, não sei, mas foi difícil, eu fiquei com muita raiva do dono da produtora que não é o Law, o Law eu conheço e tal. Mas eu fiquei com muita raiva dele, até hoje, eu acho ele uma pessoa complicada. Por que pensa? Nem pensou! As pessoas têm mania de não se dar conta do outro, né? Elas não se dão conta do outro, elas só pensam na história delas. Então, foi uma época bem difícil, que eu fiquei muito sem chão, fiquei sem dinheiro, fiquei dependente, né?
P/1 – Dos seus pais?
R – Da minha mãe, né, que o meu pai já tava… sim, da minha mãe, da minha irmã, eu fiquei completamente dependente em termos de grana. Completamente dependente. E aí depois, casei com o Gui, que era…
P/1 – Aí nesse momento?
R – É, foi entre o meu pai… um ano depois que o meu pai morreu, eu comecei a namorar o Gui. Então, eu fiquei muito… aí comecei, fiz trabalhos na O2, eu fazia uns trabalhos, fiz pra Disney, mas era tudo muito incerto, fiz pra Rede TV, nunca me pagaram, sabe assim? rede TV no inicio deu calote em todo mundo! Não pagou ninguém! Uma loucura. É um mercado que tem muita… mercado de televisão tem muita gente aventureira, né, assim, sem escrúpulos. Eu não sei… as empresas têm isso, as grandes empresas, né, tem muita gente… aquele psicopata socialmente aceito, né, se fala muito nisso, o termo não é bem esse, mas são pessoas que têm certos desvios de caráter, então, elas são arrojadas, são pá, pá, pá, pá, pá, pá, e não estão nem aí com o que esta ao redor, né? E fazem um strike na equipe, né? E vão subindo, né, porque não tem fim para essas pessoas, não tem limite, né, sempre tem um que confia e… no caso da Rede TV era isso, né, foi contratando, contratando, não tava nem preocupada se podia pagar ou não. Trabalhei sem ganhar, não ganhei.
P/1 – Então, você ficou esse período batendo cabeças?
R – Bem batendo cabeças, foi bem confuso, bem confuso, mas cuidando da minha mãe, né? Que aí, a minha mãe trabalhava, eu levava ela pra cá, levava ela pra lá, hospital, quimioterapia e o médico… e cuidava dela bastante, assim, cuidei dela bastante. A minha irmã cuidava também, a
gente se dividia, mas durante a semana, era mais eu que ficava com ela. Nisso… que mistura com a história do Gui, né? Nisso, a gente… quando o meu pai morreu, a gente foi passar o verão em Santa Catarina, em Floripa, alugamos uma casa ali perto da lagoa e voltamos a velejar de windsurfe. Um amigo nosso, que era lá do sul, tinha montado uma loja guarderia de Wind. E aí, a gente foi pra lá velejar, então a gente voltou a velejar de Wind e tal, compramos uma prancha na época e aí, eu trouxe a prancha pra São Paulo, de carro, trouxe a prancha pra São Paulo. E aí, um dia, eu cheguei pra minha irmã e falei: “Daina, e aquele teu amigo que vai sempre pra Ilhabela velejar, me dá o telefone dele, que eu vou ligar pra ele pra ver se eu vou com ele, se ele leva a minha prancha”, e aí, eu liguei e ele falou: “Claro, levo a tua prancha”, e eu deixei a minha prancha em Ilhabela e ia sempre com ele pra lá, pra velejar. E aí, um dia, a gente estava num hotel, a gente estava tomando café da manhã e eu via os barquinhos lá embaixo e eu olhei pro cara e pensei: olha, esse cara tá aqui tomando café da manhã comigo, viajo sempre no final de semana com ele, por quê? porque eu liguei pra ele. Se eu quisesse namorar esse cara, de repente, tava namorando, né, porque oportunidade temos, estamos aqui tomando café da manhã. Falei: “Quem que eu quero namorar?”, que eu tinha tido um namorado que eu tinha namorado três anos, tinha sido super importante pra mim, a família super… tenho amor por eles até hoje, mas que eu já tinha separado. Falei: “Quem que eu quero namorar? Eu quero namorar o Guilherme. Preciso fazer alguma coisa. Não posso deixar isso assim, preciso tomar uma atitude”. E aí, eu lembro que nesse dia, minha irmã tinha ido para Porto Alegre buscado a minha mãe e não deu vento nenhum dia do final de semana, foi dar vela às quatro da tarde, e ele falou: “Vamos velejar, não vamos voltar cedo, não, vamos velejar” “A Daina vai ficar um pouco puta comigo, porque eu tinha ficado de buscar ela no aeroporto”. Aí, eu liguei pra ela, avisei que não ia, ela ficou meio puta comigo. e aí, eu fui velejar, a gente velejou, guardou as coisas e viemos à noite. Quando a gente estava voltando à noite, liga minha irmã e eu no carro, já tinha celular na época, né, e ela falou assim: “Tati, adivinha com quem que eu peguei o avião?” “Com o Guilherme” “Como é que você sabe?” “Pra você falar nesse tom comigo, só pode ser com o Guilherme”
“Pois é, você vê, se você tivesse ido buscar a gente no aeroporto, você tinha encontrado com ele” “Mas o que ele tava fazendo em Porto Alegre?” “Ele foi comprar um veleiro em Porto Alegre”, aí eu consegui o telefone dele, liguei e falei: “Quando você for trazer o veleiro, eu quero ir junto”, que eu velejava e tal, eu tinha vontade de fazer essa viagem. E aí, a gente começou a velejar. Um cara que tem um barco escuta uma mulher dizendo que quer velejar, as mulheres geralmente não querem, é difícil ter isso, né, os dois querem velejar, né? Nem gosto de dizer, tem muitas mulheres que amam velejar, mas assim, a gente começou a namorar. Mas foi muito sintomático porque eu tinha pensado de manhã nisso. E à noite, ela me dá esse… foi muito engraçado, né, essas coisas das redes, né, da sintonia de como as coisas acontecem, eu acho muito divertido. E aí, eu comecei a namorar o Gui. Então, a minha mãe tava vindo pra cá pra ficar com a gente, pra gente cuidar dela, porque ela já tava muito doente. estava aparentemente bem, mas estava muito magrinha, né, ela estava sempre alegre, assim, minha mãe era que nem uma criança, assim. Se você desse uma caixa de bombom pra ela, ela pulava: “Aí que bom, bombom”, sabe? Ela era super, assim, tinha uma alma infantil, assim, sabe, aberta, infantil, festiva, apesar de muito tímida. Adorava conversar, rir, trocar ideia, ler, saber das coisas assim, ela era muito aberta assim. E aí, foi nisso. Então, misturou um pouco assim, porque eu peguei um pouco de abrigo no Gui também, né? Essa coisa desse luto da mãe, desse cuidar da mãe. E aí, esse período aí foi tumultuado, ficou bem essa mistura de tudo, assim, eu fiquei um pouco mãe, né, sai um pouco do lugar de mulher trabalhadora, né? E eu fui… depois, eu engravidei, né, minha mãe morreu, um ano depois, eu engravidei, aí depois, nasceu a Lara…
P/1 –
E aí, vocês se mudaram pra Parati?
R – Não, aí depois nasceu o Frederico. Quando o Frederico tava com… o Guilherme tinha uma empresa chamada Trattoria di Frame que foi uma empresa bem importante, assim, na área de publicidade, porque era uma empresa que começou muito pequenininha e começou porque chegou o Macintosh, outros equipamentos, né, chegou os equipamentos digitais, Avid, tinha um outro que eles usavam, depois o Macintosh, After Effects, começou a mudar o panorama do mercado, porque não eram mais aqueles equipamentos caríssimos que só uma televisão podia ter pra montar, só uma finalizadora, só uma empresa grande. Então, começou a pipocar produtoras e eles montaram essa empresa que deu muito certo, assim. Durante muitos anos, deu muito certo, faziam muita animação, primeiro… tudo que era manipulação de imagem eles faziam bem, porque eles… os sócios se conheceram trabalhando num equipamento numa finalizadora. O Guto e o Gui. Se conheceram assim, depois eles saíram e montaram. Então, tinha esse perfil a produtora deles, nem era pra ser produtora, mas acabou virando, aquelas coisas que a vida vai levando. E aí, quando a gente tava… quando o Frederico estava com dois meses, ele falou pra mim: “A produtora vai fechar, a gente vai fechar”, porque eles viram que o mercado estava mudando, cada sócio queria uma coisa. Eles trabalhavam, mas eles acabaram fechando. E aí, nisso, eu falei: “Bom, e agora? O Frederico pequeno. Quer saber? A gente passa um ano em Parati, você para, pensa, a gente aluga casa”, a gente já tinha praticamente construído uma casa, feito uma reforma numa casa, tava morando nessa casa, “A gente aluga essa casa e vai” “Só vou se for para o barco”, a gente tinha na época dois barcos, porque a gente tinha o barco que ele tinha comprado em Porto Alegre e ele tinha comprado um outro barco maior, de 50 pés, bem grande, que eu tinha sido um pouco contra comprar porque eu achava muito grande, muito… sabe aquele barco que todo mundo compra e quer viajar e ninguém nunca viaja? Esse barco tinha essa história, eu não gostava muito disso, assim, sabe? E um amigo dizia: “Querem comprar um barco pra viajar, vão para o Panamá, vão pro Caribe. No Caribe tem um monte de barco que acabou de dar volta ao mundo e tá ali pra vender, porque o cara deu volta ao mundo e parou aí, tem todo equipamento, tem que só renovar algumas coisas, mas quer comprar um barco pra viajar, vai pro Caribe”. Mas ele queria comprar um barco aqui, acabou comprando esse barco, então, a Trattoria tinha fechado, tinha duas crianças, ele tinha dois barcos (risos), né, foi bem uma época assim. E aí, ele falou: “Tá bom”, o barco tava meio… tinha muita coisa pra fazer, ele ficou… a gente alugou a casa super-rápido, foi para a casa da minha irmã, morar na casa da minha irmã. Eu nessa época, ganhei um prêmio para fazer o “Chapa”, nunca tinha ganhado dinheiro público para fazer um curta, então, nessa época, eu ganhei esse prêmio pra fazer o “Chapa”, um prêmio… um edital da prefeitura chamado “Crônicas da Cidade”. muito interessante, adoro esse tema, acho que tinha que continuar esse edital porque era muito bom esse edital, porque você podia pensar num viés, um olhar, uma crônica, uma coisa, um detalhe da cidade, essa cidade tão cheia de detalhes, né, era interessante e eu já sabia da existência do
“Chapa”, então pensei: vou pôr. E acabei colocando e foi escolhido. Na época, eu fazia um curso de Fotojornalismo na Galeria Ima com o João Bittar, ele era vivo e dá preguiça em pôr em edital, né? Eu tinha ido fotografar os chapas, o pai de uma amiga minha que foi que me falou do Chapas me levou lá pra conhecer, fotografei, mas eu tava com preguiça de por no edital. Aí, eu levei nesse curso as fotos, aí todo mundo ficou tão impressionado que eu falei: “Gente, eu tenho que pôr no edital”, aí eu pus na última hora, entrou e acabou sendo escolhido. Então, eu tava nesse momento, com dinheiro pra fazer o “Chapa”, sem a casa, indo pra parati e o barco não ficava pronto. Aí, uma hora, eu liguei, consegui uma escola pras crianças, uma escola Waldorf e falei: “Gui, você tem até tal data, porque a gente vai pra Parati dia 20 de abril… no feriado de abril, a gente vai pra Parati”
“O barco não tá pronto” “Faz estar pronto e a gente vai pra Parati”, e aí, eu lembro que da viagem, eu peguei minha filha e o meu filho, meu filho tinha um ano e três meses, a Lara tinha quatro anos, tava quase fazendo cinco anos… não, foi maio, porque ela fez aniversário lá, foi em maio. É, final de abril, inicio de maio. Peguei o carro e fui com eles, fiquei em Parati Mirim até ele chegar de barco e aí, ele chegou e a gente foi pra Parati e a gente foi morar em Parati. E aí, a gente conheceu um casal que são meus amigos até hoje que compraram o barco anterior praticamente na semana que a gente chegou, compraram esse outro barco que ele tinha comprado em Porto Alegre e nós ficamos amigos, hoje eles fazem charter, moram no panamá, eu já fui pra lá visita-los, que é a Adriana e o Eduardo, uma brasileira e um espanhol. E aí, a gente ficou lá em Parati por um ano, morando na marina, um pouco na marina, um pouco em Parati Mirim. A gente ficou se revezando, fizemos muitas amizades, minha filha foi estudar na escola Waldorf de lá, conhecemos muita gente bacana na escola, virou um… são meus amigos até hoje, toda essa turma aí, os mais… ficaram boas amizades dessa época. Aí, morei lá por um ano, foi ótimo, eu adoro aquela região, mas não tem poder público, né, no tem hospital, não tem escola, não tem estrada, não tem saneamento, então não tem… é um não tem, não tem, não tem, assim, cada um por si, né? Não tem um planejamento. Chega no verão… eu me lembro de um verão que teve um acidente lá com a água, estourou… não sei se estourou uma represa ou se foi uma tromba d’água no rio, sei que veio trazendo carro, gente, casa naquele Perequê, nossa, levou tudo assim! Foi 2009, foi janeiro… acho que oito de janeiro de 2009, uma coisa assim. E aí, os hotéis, as pousadas ficaram sem água por dez dias, você imagina em janeiro, que loucura! Não tem um… ninguém ajuda, sabe? Demoraram pra consertar e assim é Parati, né? Então, depois de um ano lá, eu já…
P/2 – Mas o “Chapa” você fez como?
R – Então, o “Chapa”, eu fiz antes de sair, né? Eram duas diárias o “Chapa”, eu fiz em duas diárias. Eu gravei duas diárias do “Chapa”, então eu produzi aqui, gravei, levei o material no HD, levei o meu computador, o meu laptop e a, eu ficava no barco ou em Parati Mirim, eu acho que nessa época que eu comecei, realmente, a montar o “Chapa” que foi junho, eu já tava em parati Mirim, tava morando em Parati Mirim, porque ao lado da marina, em parati, tinha um lixão e eles queimavam lixo todas as noites, então, você acordava de manhã com os barcos sujos de plástico, assim, de fuligem e um cheiro horrível de lixo queimado, de plástico queimado. Então, a gente falou: “Não dá para ficar aqui, não da para morar aqui desse jeito”, aí a gente tinha Parati Mirim como opção, fomos pra lá. E o Frederico era muito pequeno, né, ele escalava tudo, assim. E o Gui queria mexer no barco e aí, o Frederico não parava, aí a gente acabou indo pra Parati Mirim, porque a gente tinha um esquema lá, uma pessoa que podia ficar conosco, com o Frederico, ajudar e tal. A gente foi pra lá e aí, eu saía todo dia de Parati Mirim com o meu laptop nas costas e o HD e a Lara, pegava trilha, pegava o carro, estrada de terra, Rio-Santos, Parati. Trabalhava, abria o laptop na escola mesmo, numa sala que eles tinham, editava o “Chapa” enquanto a Lara estava na escola, acabava a escola, pegava a Lara, laptop, pá, pá, pá, voltava pra minha casa em Parati Mirim. E assim, eu fui montando o “Chapa”. E aí, eu achava engraçado, né, porque eu tinha saído de São Paulo, e o “Chapa” é cheio de imagens da Marginal, né, barulho de Marginal, eu tava lá em Parati com aquelas imagens de Marginal, aquele barulho de Marginal, parecia um carma trazer a cidade pra dentro de parati, né? Mas foi excelente, porque eu montei no meu ritmo, não tinha pressão nenhuma, não tava trabalhando, eu tava só nessa função. Nos envolvemos muito com a escola, fizemos um jornal da escola, o Gui criou o logo da escola que até hoje, eles usam. Fizemos muitos amigos. Aí chegou uma hora que foi um drama também, que eu vim pra são Paulo porque o “Chapa” entrou no festival “É Tudo Verdade”, eu tava fazendo 40 anos, então eu fiz uma festa de aniversário em parati e a minha irmã fez uma festa aqui. Então, eu vim pro aniversário e vim pra apresentar o “Chapa” no “É Tudo Verdade”, fiquei super feliz que o “Chapa” entrou. Pra mim, foi… o festival que eu sempre frequentei! Adorava, assim, super curti. Tinha entrado “Dona Helena”, que eu nem, falei do “Dona Helena”, que foi o primeiro filme que eu montei, assim, que tem a ver com… bom, depois eu conto, se vocês quiserem. Mas eu vim pra São Paulo com a Lara e a Lara começou a frequentar a escola do Bernardo, do meu sobrinho, que é o Espaço Brincar, que é pra criança até seis anos. E aí, a Lara tinha cinco, quase seis. Mas na época, ela já era pra estar no primeiro ano, né, porque mudou, foi bem no ano que mudou, G6 virou primeiro ano e tava todo mundo perdido, as escolas de educação infantil estavam perdidas, tava todo mundo meio perdido com essa mudança, era o primeiro ano. Ela pegou o primeiro ano dessa mudança, a Lara. E aí, quando eu fui buscar a Lara na escola… não, um dia, eu fui pagar a escola, que era para ficar uma semana, duas semanas, quando eu vi, ela tava quatro semanas. Aí, eu fui pagar a escola, a dona da escola olhou pra mim e falou: “Olha, a sua filha vai fazer seis anos e ela está aqui largada, porque a gente não tem um projeto pedagógico pra ela. Então, você vai… ela vai ficar aqui mais quanto tempo?”, eu não podia responder porque o Guilherme tava lá em Parati fazendo uma reforma do barco que não acabava nunca. Aí, nessa hora, eu decidi: “Chega, vou vim pra São Paulo. Não vou ficar nessa onda de reforma de barco, que não acaba nunca”. A Lara na escola Waldorf também não sabia se ia estar plante lá em parati, a gente morando no barco que tava em reforma e o Gui dizendo: “Vamos alugar uma casa” “Atrasou, né, a casa era pra ter alugado o ano passado, não esse ano”, e aí, eu falei: “Chega, eu vou vim pra São Paulo”, porque aqui era a minha vida, né, assim, aqui eu tinha estrutura, lá eu adorava morar, adorava, mas eu ficava muito no lugar de espera, né, porque vai reformar… reformava o barco, eu pegava Frederico e Lara e ia pra praia, estava um pouco perdida ali, né, não tinha uma… eu não tinha um cronograma para saber, pra poder confiar. Aí, eu acabei voltando para São Paulo nisso, aí depois, ele veio atrás, mas eu voltei assim: “Vou voltar por causa da minha filha”. Aí, eu pus ela na escola aqui, aí depois, fui ficando aqui. Daí, foi ótimo pra mim, profissionalmente, né, porque aí eu fui fazendo outros filmes, fui trabalhando também bastante como montadora, como diretora, como produtora, as coisas foram andando pra mim, mas foi nessa… porque a ideia do barco era viajar, mesmo, era pegar o barco e sair velejando, que eu ainda tenho esse sonho um dia de fazer, não sei se vou um dia ter o meu barco e fazer isso, ou se vou fazer com outras pessoas, vou fazer algumas travessias, mas eu ainda quero estar no meio do oceano cruzando o continente, isso e um objetivo da minha vida, eu preciso cruzar um continente. Enjoa um pouco, não é fácil, mas eu quero, eu adoro o mar, acho… tipo, pra mim, barco é uma varanda, sabe? Você sentar na varanda o tempo inteiro? Acho tipo, incrível, assim! Onde você ancorar, sua casinha tá ali com as suas coisinhas e você tem que ter pouca coisa, é quase nada no barco, tudo muito útil, tudo muito fácil, sabe? Seu mundo se reduz muito por um lado, e por outro, você tem toda aquela amplitude, né, aquela amplidão do mar, do céu, do vento, se vira o vento, se entra uma tempestade, sabe? Você tá no meio dos elementos, ali, eu acho isso… adoro isso assim, acho isso demais. E o meu filho ama, né, também. Ele adora barco. ele diz: “Mãe, quando é que a gente vai ter um barco?” (risos), eu digo: “O seu pai já tem um barco”
Não, mas aí você tem que ter o seu barco, porque a gente pode ir…” (risos).
P/1 – Então, quer dizer, você volta e o seu casamento terminou?
R – Termina. Levou uns dois, três anos, né, porque é difícil terminar um casamento, né? levou uns dois anos, três anos, acho que foi… nunca sei a data, eu não sou boa de datas, assim, mas acho que foi 2013 que eu separei, eu voltei em 2009, quatro anos, né? Eu separei, mesmo, assim. Porque eu tinha toda uma… quando eu separei, a sensação que eu tinha é que eu tinha perdido o futuro. Você fica sem futuro, porque você planeja o futuro com uma pessoa, de repente, você não tem mais aquilo, aquilo não se sustenta mais. E aí, eu me lembro que eu tive muita essa história de: qual e o meu futuro? Eu não tinha mais futuro. E aí, ainda no meio do caos, porque aí, imagina, eu tinha feito uma reforma de uma casa que tinha durado um ano e oito meses, tinha tido uma filha, tinha perdido a minha mãe, tinha tido uma filha, tinha feito a reforma da casa que tinha durado um ano e oito meses, tinha tido um filho, tinha ido morar em Parati, minha profissão tava assim, totalmente à deriva, também, né, eu tava dedicada a outras coisas, tinha virado um pouco a mulher do Gui, né, aí essa coisa da opressão, né, você acaba tendo que… eu lembro que no “Chapa”, ele falou: “Mas por que você vai fazer esse filme se a gente tá indo morar no barco? Tá atrapalhando”, falei: “Olha, nunca ganhei dinheiro para fazer um filme, eu vou fazer esse filme”, e aí, eu fiz o filme. Fiz o filme e foi assim, a melhor coisa que u fiz, eu lembro que quando eu voltei, eu tava num banco, liga uma amiga: “Tati, como assim? Você tá com um filme no ‘É Tudo Verdade’? Você tava morando em Parati no ano passado, como é que você tá com m filme no ‘É Tudo Verdade’? Me conta essa historia”, porque eu não larguei o meu fio de vida, né, eu levei, eu fiz o “Chapa”, não perdi o que eu tava fazendo, né, não me abandonei ali naquela história do barco, né, que não era muito concreta assim, na verdade, porque não tinha sido planejada, você tem que planejar muito quando você vai viajar, ainda mais com criança, tem que fazer curso de primeiros socorros. Criança pequena, o Frederico subia em tudo, eu me lembro uma vez que ele caiu da escada, era alto assim, tipo, um metro e 80, escada íngreme, ele caiu de lá, pá! caiu na água e colete, e protetor solar, era uma função. Eu lembro que eu era a rainha das sacolas, assim, quando eu saía do barco, eu já saía com roupa para tomar banho, porque se eu fosse na casa de uma amiga, eu já tomava banho lá, era assim, já tinha toalha, já tinha roupa pra botar, roupa pras crianças, já aproveitava, pelo menos neles, eu dava banho onde eu estivesse, sabe assim? Era bem assim, já era bem prática assim. Mas foi bom, eu gosto muito desse período lá, gosto muito, fiz muitas amizades, eu adorava morar lá, gosto muito de Parati até hoje, mas acho difícil criar filho lá. É um lugar para eu ir depois, sozinha assim, sabe? porque não é um lugar para se criar filhos, assim, tem muita droga. Agora tá abandonado, agora estão matando gente, superviolento, assim, uma pena. Eles resolvem… a policia ocupa o morro do Rio, vai todo muno pra Angra e pra Parati, né, e ali não tem estrutura, né?
P/1 – Tati, eu queria retomar, agora mais com um olhar de toda essa trajetória, que aí depois, você ficou aqui, começou a se envolver mesmo com documentários, né?
R – É, exatamente.
P/1 – Queria que você me dissesse assim, qual foi esse período seu, então, que você se tornou mais documentarista. A sua coisa que mais te marcou dessa produção, ou algo que te marcou pessoalmente, o quê que te levou mais para essa coisa indígena, para esse tempo que você acabou realizando… em que momento isso foi se dando, né?
R – Eu acho que o mais importante… o inicio foi o “Chapa”, né? Porque eu era de televisão, né, aí eu faço um filme que é cinema direto, que eu estudei pra fazer, eu falei: “Não quero fazer nenhuma entrevista”, sei fazer filme com entrevista, né? Eu tinha montado o “Dona helena”, que foi um filme que passou muito, foi para vários festivais, o “É Tudo Verdade”, e tal, mas eu era montadora e coprodutora do “Dona Helena” e aprendi muito com o “Dona Helena”, aprendi o quê que era narrativa de cinema, o quê que era narrativa de televisão, aprendi ali, comecei a aprender isso. Aí, eu fiz o “Chapa” que entrou no festival, era minha direção e era um filme que até o Amir Labaki olhou pra mim: “Nossa, você fazer esse filme? Interessante!”, aí o filme foi para o festiva, foi para o México, foi pra França, para dois festivais, foi para a Espanha, foi pro Japão, então o filme deu uma circulada, né? E isso foi importante pra mim, para me colocar em outro lugar, né? Aí, eu comecei ater uma relação forte com o SESC, de fazer alguns projetos para eles e um dia, eu tava com um amigo… eu tenho um projeto que ainda não saiu, mas que vai sair qualquer dia de Arqueologia, um projeto antigo, já. E eu tava conversando com m amigo, Felipe Milanês e ele falou: “Tati, eu tenho uma mostra de cinema que eu quero fazer sobre o Adrian Cowell, que é um documentarista inglês que filmou a Amazônia, que filmou os irmãos Villas-Boas, é um material incrível, ele tem uma série que chama ‘Amazônia Década da Destruição’, que eu tô fazendo no SESC, mas eles não estão dando muita bola”, aí eu falei: “Daqui pra mim”, aí eu consegui colocar no SESC, no Cinesesc essa mostra. E nisso, eu conhecia
Marina Herrero que trabalha no SESC e ela falou: “Eu tô precisando de uma pessoa para fazer um documentário comigo”
“Legal”, aí a gente se conheceu, se entendeu e eu fui fazer, ela ia me contratar para fazer o “Baré, Povo do Rio”, e nesse meio tempo, ela tinha que fazer o “Louceiras”, que era um projeto que o Danilo Miranda pediu pra ela, pra fazer um trabalho com os Kariri-Xocó, fazer um documentário com os Kariri-Xocó. A Marina que traz os índios pra cá, ela que cuida de toda essa parte do SESC, né? E aí, eu falei: “Marina, deixa eu dirigir esse também, porque como a gente vai pra Amazônia, Kariri-Xocó é Alagoas, ali mais perto, é melhor a gente já se conhecer, porque se não, a gente vai ficar lá acampando, fazendo coco no mato, sem ter passado por uma experiência mais fácil antes”, e aí, eu fiz o “Louceiras” com ela e fiz o “Baré”, que foram dois filmes superimportantes pra mim. E aí, como tava no “Baré”, eu falei assim: “Nossa, não queria fazer Antropologia? Olha só onde eu tô!”, que volta que dá, né? E no “Louceiras” não tinha dinheiro, não era uma produção minha, eu nem assino a produção, apesar de ter feito produção. O pessoal do SESC falava: “Mas você não vai assinar a produção? Você que tá fazendo produção”, mas o contato não tinha sido comigo, sabe? Eu falei: “O contrato não foi comigo, eu tô fazendo produção porque chegou de um jeito torto pra mim, né?”. Então, eu não assino produção, mas na verdade, toda equipe eu que chamei, né? A maneira de fazer, tudo ali eu que fiz. E aí, eu chamei o Alemão Nagamine que é um amigo, fotografo, super bacana que já tinha feito um projeto comigo, aqui, ele foi com uma 5D. Era eu, ele, uma pessoa de áudio que eu nem conhecia, que trabalhou e ficou lindo o “Louceiras”, porque o Alemão é muito bom fotografo e a gente… eu lembro que falavam: “Mas é tão feio lá”, cinema, né? Eu falei: “Vamos fazer uns planos mais fechados, pegar essa coisa do barro, da mão, da pele, esses detalhes, né?”, e aí foi perfeito, porque o Alemão é aquele cara que você fala no inicio do filme e você já tá vendo que o que ele te entrega um material riquíssimo, ainda mais para montador, assim, cheioo de plano, cheio de detalhes, tudo que precisa é uma riqueza de material, assim, incrível assim, ele chega muito perto, um cara muito sensível, muito silencioso, assim, maravilhoso de trabalhar. Então, claro, eu tava num lugar legal, personagens legais com um puta fotógrafo legal, assim, sabe? Foi realmente muito bom, assim, foi um projeto muito bom, assim, me deu muito prazer. E elas: “Por que você não chegou aqui antes? Eu tô aqui…”, elas me coordenavam, as louceiras, né, me coordenavam, assim, elas que me diziam o quê que eu tinha que fazer (risos), praticamente era isso, olhavam pra mim, meu cabelo branco: “Seu cabelo é igual ao nosso”, davam risada de mim, assim, achavam muito igual a elas, assim, sabe? O meu jeito, assim, então foi um projeto muito legal, assim, aprendi muito com o “Louceiras”. Mas aí, já era um filme que tinha… assim, faz tempo que e não faço um filme meu, meu, meu, né, porque eu fiz para o SESC, então sempre tem esse respeito a quem tá me contratando para fazer o filme, né? Um cuidado aqui ou ali, com os temas que eu ia abordar, o objetivo do filme era valorizar a cultura, então foi isso que eu fiz, né? E a Marina e o Ulisses que vieram com esse projeto pra mim, já vieram com esse recorte dela: Kariri-Xocó através das louceiras, então isso eles que escolheram e o nome eu que escolhi, porque eu achei que era… elas falam: “Louceira, louceira, louceira”, né, achei que era um bom titulo pra…
P/1 – E aí, o “Baré”?
R – Aí, o “Baré”, logo em seguida eu fui fazer o “Baré”. E o “Baré” foi muito interessante, a gente foi numa viagem de pesquisa e depois, foi na viagem pra filmar e aí, eu tinha essa situação, né, de ir para o meio do mato, sem banheiro, uma viagem longa porque esse trabalho tinha um livro junto, então tinham alguns lugares que eu ia que não tinha nada a ver com o filme, que tinha a ver com o livro e aí, eu pensei: quem que eu vou chamar? O Alemão não podia, eu falei: “Puxa, o Alemão não pode, quem que eu vou chamar?” Aí, eu lembrei do Pedro Sotero, eu tinha trabalhado com ele como produtora num projeto para o SESC da minha produtora e tinha gostado muito dele, pernambucano, de Recife. Ele não tinha ainda lançado o “O Som ao Redor”, que o Pedro Sotero é o fotografo do “O Som ao Redor”, é o fotografo do diretor… esqueci o nome dele, agora, do… me ajudem…
Marco
– Kleber.
R – Kleber Mendonça, é, ele trabalha bastante com o Kleber Mendonça. Não tinha feito anda, ele tinha feito um trabalho comigo, “A Linha e o Passo”, que foi um trabalho que a gente fez, que a gente produziu. Eu tinha curtido ele, tinha achado ele um cara calmo, bacana, porque assim, é difícil mulher ainda no set. É difícil! Volta e meia, você arranja um macho-alfa ali que não quer ser mandado, entendeu? Isso que eu não mando, mas é muito complicado. É complicado, ainda é complicado. A gente tá sempre batendo de frente. Então, escolher a tua equipe de áudio e vídeo, quando você vai fazer uma viagem, você sendo uma mulher que tá produzindo e dirigindo é complicado, você tem que escolher a dedo, a dedo. Senão quando você vir, tem alguém te atropelando ali, te oprimindo, é a coisa da opressão, que sempre é difícil, assim, porque eu não gosto de ficar me impondo, discutindo, eu gosto que a coisa flua, mas eu não preciso dizer que eu tô dirigindo, não preciso dizer: “Ação”. É claro que o filme… quem dirige tem o filme na cabeça, a equipe trabalha junto, mas isso no precisa ser dito, isso tá subentendido. Tanto que quando eu sou montadora, eu faço exatamente o que o diretor quer, em nenhum momento, eu me imponho, o filme é dele, ele vai assistir, ele tem que gostar, quem tem que gostar desse filme é o diretor, se ele tá feliz, tá ótimo pra mim. Ele é que tem que estar feliz. Essa é
aminha postura como montadora quando eu trabalho como técnica de alguém, que eu faço isso também. Então, aí eu escolhi o Pedro por isso, assim, eu queria uma pessoa que eu não fosse ter atrito e que não fosse entrar em atrito com ninguém, que não fosse entrar em atrito com o SESC, porque a Marina vai, sempre acompanha, então tem que ser uma pessoa de paz, né, tranquila e é ótimo. A gente brincou, ele tem um trabalho muito diferente do trabalho do Alemão, ele tem um trabalho mais de fora, a gente tava com uma
Head, que é uma câmera pesadíssima, fomos sem assistente, ele foi um herói, porque a câmera pesa 12 quilos e ele não tinha ninguém para dar, depois que ele parava de gravar, ele tinha que carregar, porque era um Head, ele não ia dar na mão de ninguém. Ele tinha acabado de comprar, então para ele era interessante levar, porque eu ia alugar, então ia já entrar uma grana e pra mim era interessante, porque era uma Head, então… por isso que é lindo, né? É uma câmera ótima, faz muita diferença você trabalhar com uma câmera ótima, né? Então, o filme tem essa particularidade, assim, dele ter uma fotografia mais plástica, ela é mais parada e acho que tudo isso, o olhar dele. Se a gente for ver os filmes do Kleber, também têm isso, né, um pouquinho dessa câmera mais de fora, né, ele traz isso pro filme, assim. Depois, o beto Villares fez a trilha, que é também excelente, uma pessoa maravilhosa de se trabalhar e aí, dá aquele corpo para o filme, que… Luciano Raposo fez o som, tem som de tudo, tudo, todos os detalhes, foi um filme que foi muito bem feito, porque o SESC tem isso, né, você pode fazer um trabalho bem feito, né? Eles te apoiam, né? Eles querem o teu filme, eles não querem um filme deles. Então, um diálogo muito, muito bom.
P/1 – Então, você diria assim, que toda essa realização deu… foi um resultado, assim, você vê uma relação… hoje, você sente que é um ponto de chegada, um ponto de saída? Chegada no “Baré”?
R – Eu acho que o “Baré”, como eu te disse, quando eu tava lá no meio do mato: gente, não é que eu queria fazer Antropologia Visual e eu tô aqui? Eu recebo muita mensagem de antropólogos falando dos meus filmes, falando que gostam do “Baré”, que gostam do “Louceiras”, porque eles se identificam ali, eles identificam o que eles fazem nos meus filmes, apesar de eu não ser antropóloga, não tenho a técnica deles e nem conheço, até tive vontade e fazer, mas assim, uau, né, vamos conhecer uma outra gramática, né, se eu fosse entrar na Antropologia agora, eu teria que conhecer uma outra gramática e a minha gramática é o cinema, já tá bom isso pra mim, mas então, pra mim, então, juntou tudo assim, né? Como eu falei, a vela, o teatro e o estar dirigindo um documentário, pra mim, é o mesmo surfar a onda que vem, que você tem que perceber para onde ela vai, qual o tamanho dela e até onde ela vai te levar para saber se você entra ou não, ou se pega outra. Então, pra mim, esse estar vibrando presente naquele momento, que é uma coisa que eu gosto, eu tenho nessas três atividades que eu fiz, então isso pra mim é o que eu sou, eu acho, sabe, essa história de não importa onde eu esteja, eu estou aqui contigo, se eu tô ali na rua, se eu tô encontrando com alguém na rua, todos esses instantes pra mim são mágicos e são instantes que a vida me traz e eu vou usar esses instantes pra construir a minha história e as minhas relações, né, e o meu trabalho, e a minha família, tudo isso, pra mim, é o estar no mundo, estar presente no momento presente. Isso é o que essas três atividades que eu amo tanto e que sempre tiveram comigo de alguma maneira me trouxeram e têm em comum, né, acho que é por isso que eu faço isso. E o documentário, pra mim, é assim, nunca quero parar de fazer, assim, acho que eu vou morrer fazendo documentário, assim, cozinhando também, qualquer coisa, eu posso virar uma cozinheira, posso ir pra cozinha. Isso é uma coisa que eu gosto também, eu adoro cozinhar, mas não tanto. Eu acho que no documentário me traz isso e eu acho que também, quando eu tava no “Baré”, eu percebi aquela menina que foi fazer fotografia e que na fotografia, no Jornalismo, dizia: “Eu vou fazer Antropologia Visual”, que eu nem sabia direito o quê que era, né, mas que tem a ver com isso, você estar num lugar olhando, prestando atenção nos detalhes e construindo uma narrativa com isso que você vê, com essas ceninhas e tal. Então, acho que isso é bem amarrado, agora daqui, realmente, pra onde eu vou, né? A minha ideia é conseguir nesse momento, assim, da minha vida, é conseguir fazer mais projetos desse tipo, conseguir me organizar pra isso e circular mais com os filmes, porque eu acabou não circulando tanto, porque eu tenho duas crianças em casa, né, então eu tô sempre em função do dia a dia, né, então isso também é uma coisa que… agora, um tá com 11 e a outra tá com 15, eu já começo a olhar o mundo de novo, entendeu? porque também eu fui montar… amo montar, adoro ser editora, na verdade, muito o que me sustenta é ser editora, né? Edito muito pros outros, muito! Adoro! Porque também tenho um escritório dentro de casa, as crianças estão ali, ao redor, o diretor vai lá, é superagradável de trabalhar lá, então assim, eu tenho uma vida bem confortável aqui nesse momento, assim. Consigo dar conta, aí vem projetos legais pra eu dirigir, eu dirijo, mas eu não busco trabalho como diretora, eu não busco, eles vêm, então tem alguns projetos que eu quero conseguir realizar, esse de Arqueologia, que é com o meu cunhado, que é um super arqueólogo, ele é especializado em Arqueologia da Amazônia, né, formou muita gente, Professor Titular da USP. Eu tenho esse projeto de Arqueologia que eu quero fazer, mas me falta folego, às vezes, pra dar conta, meu projeto é me organizar para conseguir dar conta de todas as ideias que eu tenho e conseguir realizar mais e aí, continuar meio nessa área, assim, né, falando de comportamento e de Brasil, assim, né, eu acho que esse projeto de Arqueologia, a ideia é muito de dizer: “De quem é esse país? Qual é a raiz que a gente tem aqui?”. A sabedoria, a relação com a terra, com o clima, com as plantas medicinais, com os temperos, com o que não veio de fora, quem sabe disso são os índios, né? Os índios, depois os caboclos que se misturaram, teve uma hora que o nordeste inteiro tem sangue indígena, com certeza. Eu talvez tenha desse meu avô aí, do charque, talvez tenha aí um índio misturado, mas o Eduardo tem uma frase que ele fala, que no Brasil todo mundo é indígena, só quem não é… tem alguns que não são, né, tem uma frase que ele brinca com isso, né, se você for ver, você olha as pessoas, você vai reconhecendo os traços de indígenas, né? Então, é importante que a gente valorize isso, acho que é uma questão de sobrevivência do planeta que se valorize isso. Muito importante. A gente tem que valorizar a cultura indígena. Tem que valorizar o saber indígena. Eu acho isso muito importante. E não rola. Eles não têm espaço nenhum. Eles estão com a internet, né, com facebook, com o Vincent, né, o Vincent Carelli com o Vídeo Nas Aldeias fez um trabalho maravilhoso, né? Maravilhoso, instrumentalizou os índios, né, para que eles pudessem fazer as suas próprias imagens. esses dias, o Kami Kiá
(? 02:57:35) me mandou uma mensagem: “Assisti o ‘Baré’, adorei!”. Nossa, Kami Kiá assistiu o “Baré”, que bacana, que bom que ele gostou”, fiquei super orgulhosa. Mas é isso assim, eu acho que tem uma, acho que o audiovisual, assim, ou o documentário que tem um espaço mais subjetivo, né, ele tem muito espaço para trabalhar no Brasil, né, a gente tem muita história para contar. A gente teve uma televisão aí, um audiovisual completamente ligado à empresas grandes, né, que não tinha espaço para quem tinha um pensamento diferente, pra diversidade de pensamentos, então o Brasil é gigante, tem que… o Brasil é gigante, tem que ter produções, diretores do Brasil inteiro, produções do Brasil inteiro, falar sobre o Brasil inteiro, acho que isso é importantíssimo! Eu me sinto nessa onda, assim, sabe? Uma pecinha nesse lugar aí de fazer outras informações a surgirem, emergirem, assim, né?
P/1 – Então assim, voltando para essa situação presente, o que você vai fazer usando o acervo, né, o acervo do Museu para pensar alguma coisa sobre o Brasil, ou sobre as pessoas, você tem algum pensamento sobre isso, alguma intensão, o quê que isso tá te dizendo nesse momento da sua vida? esse trabalho, especificamente, tem algo que tá te chamando para ir?
R – Então, tem duas coisas que estão me dizendo, assim, primeiro, porque tem uma liberdade de usar esse acervo, né, e pensar algo, quer dizer ter essa relação entre a subjetividade e o acervo, né? Isso, eu acho que muito rico, assim, pra mim, nesse momento. Vai ser assim, difícil por um lado e um prazer incrível de fazer, né? Vai ser um fazer, né, assim. Isso eu acho maravilhoso, né? E eu acho assim, a ideia do Museu da Pessoa, a ideia das pessoas contarem as suas histórias através dessas histórias, você vai entendendo detalhes da vida do país aqui, dos saberes dali, coisas que morrem se não forem registradas porque são informações que passam de pai pra filho, né, e aí, ali se perde, às vezes, porque a gente tem contado poucas histórias, né, a gente não tem mais esse lugar de contar história, né, aquele lugar que não tem luz e um vai contando a história para o outro, e aí, você vai contando a história da família, a gente, às vezes, não sabe a história da família, né, direito, né, os detalhes por traumas, às vezes, as pessoas não contam, né? Então pra mim, é muito rico me debruçar sobre esse acervo e eu fico pensando sim, em trabalhar com essas histórias, até pedi para selecionarem pra mim o que tem, né, dessa cultura indígena, quais… quem deu entrevista, olhar esse material. talvez eu trabalhe em cima disso, assim, é uma coisa que eu tenho vontade, não sei, mas assim, desde o inicio, foi o que me chamou assim. Lembra que eu comentei até com você que a minha vó foi roubada, né, quantas índias foram pegas no laço, né? minha vó era índia, foi pega no laço. Um vez, eu estava conversando com a Daiara Tucano e ela comentou isso, que muitas vezes… que a Daiara é meio brasileira, Tucano e mãe antropóloga francesa, então… não, chilena, ela tem essas duas… vive nesses dois universos, né, e ela falou que a quantidade de gente que chega pra um índio e fala: “Minha bisavó foi pega no laço, não sei o que foi pega no laço, foi pega no laço”, quantas bisavós foram pegas no laço?
P/1 – Tem muita história no Museu com essa história, muita!
R – Ah então! Quero olhar essas histórias, porque eu acho isso super legal, porque isso mostra o nosso sangue, né, o sangue do brasileiro, né? Isso reflete muito, porque a gente escuta aqui, ali, né? Você escuta aqui, né, não é uma coisa que a gente assuma assim, desse jeito, né, eu acho importante a gente entender essa raiz pra valorizar, né? Então, eu quero ouvir essas histórias (risos).
P/2 – Como que foi pra você hoje contar essa história, participar desse projeto e contando a sua história?
R – Bom, eu adoro falar, contar história, né, adoro contar história, eu sou bem narrativa, por isso que eu gosto de documentário. Pra mim foi ótimo, adorei, assim! Muitas coisas pessoais, né, bem intimas minhas, né?
P/1 – Então, qual é a sensação que isso te dá?
R – Ah, uma sensação de construir uma memória sobre a minha vida, assim, de juntar MTV e PUC, SESC Baré e barco, criança hospital, sabe assim? Juntar esses pontos todos numa história, assim. E é uma coisa… agora eu tô densa, né? Agora, por exemplo, eu acho que eu vou ficar um tempão em silêncio, porque as minhas palavras vão ficar ecoando em mim, na minha cabeça, né? Sensação quando você fala muito, né? Mas eu acho importante, né? Acho legal, acho bem… eu vim feliz, né, que eu ia contar a história, que eu gosto da minha história de vida, eu acho divertida assim, acho dinâmica, acho divertida ter saído de um lugar, ido para outro e cruzado com tanta gente que até hoje eu cruzo, que eu gosto tanto. Eu frequento essa área de cinema sei lá, desde dos 16, 17 anos, ia pro festival, já estava conhecendo gente, então essa área do audiovisual imprimiu toda a minha vida, conheço o João Roni que é um diretor, um produtor lá de Santa Catarina, conheço ele de velejar de windsurfe, de outra área, você vai… de repente, cruza num evento de televisão aquela pessoa que te viu de prancha vela de biquíni, lá, levantando uma vela, sabe assim? Não tem nada a ver, mas aí, a vida vai indo e você vai cruzando e eu acho tão legal! E a equipe dos outros diretores, né, eu acho tão divertido saber um pouco a história de cada um, a gente já participou de um projeto juntas, né, o Brasil Judaico, que você foi personagem, eu fui uma das diretoras, de repente, tá aqui a gente, o Marco Del Fiol, trabalhei na MTV, o Marcelo Machado, eu conheço há muitos anos, cruzo aqui e ali, né? Admiro muito o trabalho dele. O Pedro, nossa, eu sou apaixonada por Manoel de Barros, acho incrível, então você vai… a Viviane eu não conhecia conheci aqui, tão importante a história dela, tão legal, você vai vendo a história, né, das pessoas e tão bom trabalhar com os outros nesse paralelo, cada um com o seu olhar, muito legal. Tô muito feliz, assim, me sinto muito honrada.
P/1 – Agente também. Querida, chegando no final, finalizando, você tem alguma… respirando fundo, olhando você daqui pra trás, de trás pra frente, você tem assim, alguma coisa que você gostaria de dizer, aí não precisa ser… sobre você, sobre o mundo, sobre a sua trajetória, sobre… desse esse seu caminhar e o seu momento agora, tem algo que você quer ainda dizer?
R – Sobre o meu caminhar… geral, né, você fala? De forma geral?
P/1 – É, na vida, né?
R – Na vida, né? Eu acho que é isso assim, né, eu acho que o que a gente precisa agora, o que eu preciso pra mim, que eu vejo que de certa maneira, a gente precisa enquanto sociedade é caminhar mais leve, né? Mais leve em todos os sentidos, né? Menos objetos, mais problemas, mais soluções, uma visão mais positiva sempre de tudo e sempre em comunidade, né? Reativar essa coisa do comum, de estar em comunidade, de estar junto, né, de igual pra igual, fazendo as coisas com consciência, com cuidado, com atenção, com presença, isso que eu acho que é o que eu quero no que eu fizer, né, assim, isso que eu acho que é o mais importante, assim, ter sempre esse equilíbrio, né, de saber onde você está, saber porque você está ali, o papel que tá ali e a importância de todo mundo que tá ao teu redor para que você esteja ali, né? Um pouco isso. E quero ir para o mundo, que eu fiquei muito por aqui (risos). Agora eu tô aprendendo… eu falo inglês, espanhol, tô aprendendo francês, eu quero… sabe, andar mais, circular mais, assim, andar mais, assim, voar um pouquinho. Andar por essa trilhas do Brasil, também, que é tão lindo, né, que país maravilhoso! Que continente maravilhoso pra gente conhecer. E é isso, assim. Botar uma asinha.
P/1 – Obrigada.
R – Vocês tiveram que me ouvir tanto, obrigada gente!Recolher