Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Francisco da Luz
Entrevistado por Fabricio Teixeira Neves e José Carlos Vilardaga
Carajás, 25/05/2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV036
Transcrito por Nivaldo Freitas
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - A primeira pergunta a fazer para...Continuar leitura
Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Francisco da Luz
Entrevistado por Fabricio Teixeira Neves e José Carlos Vilardaga
Carajás, 25/05/2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV036
Transcrito por Nivaldo Freitas
Revisado por Ana Calderaro
P/1 - A primeira pergunta a fazer para o senhor é o seu nome completo, data de nascimento e o local de nascimento.
R - Meu nome completo é Francisco da Luz, nasci em dezessete de dezembro de 1943, em Abaetetuba, Pará, próximo de Belém. É a uns cem quilômetros de Belém.
P/1 - Os pais do senhor são de lá?
R - São, tudo de interior mesmo.
P/1 - A família do senhor toda?
R - Toda.
P/1 - Conhece um pouco a história da sua família?
R - Conheço. Eu vivi no interior mesmo, praticamente até os quinze anos na roça, como o pessoal fala, na beira de rio. É o paraense que chamam ribeirinho, na beira do rio.
P/1 - Os nomes dos pais do senhor?
R - O nome do meu pai era João Gomes Barbosa e minha mãe Maria de Nazaré da Luz.
P/1 - E tinha uma terrinha?
R - Tinha.
P/1 - E plantava?
R - Plantava. Plantava cana, que a minha cidade era famosa em cachaça. Abaetetuba fabricava muita cachaça ____________, aquilo tudo rústico, mas hoje em dia já não tem. Ela vivia da planta da cana, pesca, a terra do açaí, e só isso, vivia disso, ninguém tinha emprego lá.
P/1 - Seu pai não trabalhava em nenhum…
R - Não, emprego, empresa não existia. Agora, depois que eu já tinha uns vinte anos, minha família praticamente mudou para Belém, aí já se empregou em Belém, já foi viver o resto da vida dele já na cidade, até porque o pessoal do interior saiu muito do interior para Belém. Aí o filho ia, depois o pai ia e aquela história. Aí um vai ajudar o outro.
P/1 - Quantos irmãos são?
R - Nós éramos sete.
P/1 - Sete irmãos?
R - Sete. Somos ainda, nossos pais já morreram mas nós ainda estamos, morreu só um, ainda têm seis.
P/1 - E eles estão por onde, eles fazem o quê?
R - Tudo lá por Belém e Abaetetuba, em Abaetetuba tem também uma que continua ainda no nosso lugar de origem.
P/1 - Continua na mesma terra?
R - É, já esteve em Belém e retornou, porque o pessoal daquela região de Belém eles vão e voltam. É o pessoal que mora nas ilhas que são na foz do Rio Amazonas, Rio Tocantins, a famosa ilha em frente a ilha de Marajó, aí perto de Belém. Vocês conhecem Belém?
P/2 - Não, não fomos a Belém.
P/1 - A casa do senhor como é que era? O senhor lembra dela?
R - Lembro, era uma casa assim: era barraco, barraco feito com tudo tirado lá mesmo, tirava madeira, o pessoal fazia as barracas e cobria com palha. Era barraco mesmo, nesse tempo não se usava, nem serravam quase a madeira, era tudo tirado no machado. Porque eu tenho 56 anos. Há muitos anos atrás, faz cinquenta anos isso. Hoje não. Hoje o pessoal só anda de... Todos os barcos têm motor. Naquele tempo era tudo no remo ou vela. Hoje nem existe mais, já é motor, aqueles barquinhos, até o grande. Para Belém já tem estrada, atravessa só a Baía do Guajará e chega em Belém.
P/1 - Por que para ir a Belém vocês iam pelo rio?
R - Pelo rio, até chegar Belém. Nessa época não existia motor, não existia barco, existia os navios, mas os barquinhos todos eram à vela ou remo.
P/2 - Então ia se remando.
R - Ou com a vela. E hoje em dia não, tudo é motorzinho, aqueles motorzinhos desde para se puxar um barquinho de quatro pessoas até esses que afundam aí com um monte de gente.
P/1 - E o senhor, ainda garoto, ia para Belém?
R - Ia. Eu conheço a vida do interior e da cidade porque eu fui para Belém com quinze anos, me estabilizei por lá, trabalhei em oficina, construção civil, até casar. Casei, resolvi fazer curso de mineração, aí já fui mudando de profissão, aí parei nisso.
P/2 - E o senhor foi sozinho para Belém ou foi junto com a sua família?
R - A gente sempre teve parente. Naquela região não tem ninguém que não tenha um parente em Belém. Aí a gente vai para a casa do parente, tia, e depois o pai vai e tal.
P/2 - Então o senhor foi sozinho e seus pais ficaram?
R - Foi, futuramente é que eles foram.
P/1 - E por que o senhor quis ir para Belém?
R - Por que é como eu te falei: lá todo mundo quer ir para Belém. “Ah, eu vou para Belém porque eu vou estudar.” Porque em Belém já tinha oficina, no interior não tinha nada mesmo para fazer, só tirar madeira, caçar, pescar, e a maioria até hoje tem isso daí. Todo mundo quer ir para a frente e foi o que aconteceu. Apesar de ter gente que continua lá e vive, tem barco e botou comércio, tal, os mais trabalhadores, os menos continuam na mesma vida.
P/2 - O senhor já pensava, chegando em Belém, em fazer um curso de mineração ou isso foi surgindo?
R - Não, foi surgindo conforme a necessidade. Porque, quando é solteiro, o cara trabalha numa oficina, numa construção civil, o salário é bem baixo e a pessoa vive. Depois que o cara casa, o cara vai ver que aquilo não dá, aí o cara vai fazer mais um cursinho para aumentar um pouquinho a renda e vai fazendo. Só que mineração, eu já tinha uma boa idade e não pretendia, mas mesmo os colegas novos, depois que se emprega nessa função, não têm como estudar mais, porque a gente tem que ir para o campo. Ou fica em Belém, ou assume a função dele, ou não estuda mais. Não é como em Belém, que se fosse um emprego na cidade você podia trabalhar e continuar a estudar, mas o trabalho não permite mais.
P/1 - O senhor começou a trabalhar com que idade?
R - Ah, no interior. A vida começou, garoto de cinco anos, seis anos já começa ajudar o pai, a mãe. Você não viu na televisão aquela história daquele moleque que faz cerâmica em Abaetetuba que apareceu vários tempos aí, mutilado e tal? É da minha região aquilo, é porque os pais punham o menino para trabalhar desde cedo. Se o pai mexe com fazer tijolo, telha, cerâmica, põe o filho para ajudar. O meu pai tirava madeira, plantava cana e a gente ajudava ele.
P/2 - Então o filho acaba sempre seguindo o que o pai faz?
R - É, seguindo. Aí, quando pegam quinze anos, eles: “Ah, eu vou para Belém para a casa da minha tia, tal.” E aí já…
P/2 - Já se emancipa?
R - É, exato, já vai começando a…
P/2 - E quando o senhor chega em Belém, o senhor vai trabalhar com o quê, exatamente?
R - O pessoal do interior quando vai para Belém só tem quase um caminho: ele entra na construção civil, vai ser um pedreiro, ou então ele entra numa oficina, vai ser um marceneiro, um carpinteiro. Eu trabalhei tudo por aí, eu sou marceneiro também, trabalhei muitos anos, deixei já para trabalhar em mineração, mas essa profissão é a que eu vivia dela, e é boa, legal.
P/1 - E
senhor fez curso técnico de mineração lá em Belém mesmo?
R - Lá em Belém mesmo.
P/1 - Onde que o senhor fez?
R - Na escola técnica federal, só tem uma em Belém.
P/1 - O senhor já era casado?
R - Já, já tinha até filho quando eu fiz o estágio. Eu fiz o estágio na Docegeo, mesmo, em 1978, a minha última filha já estava quase nascendo. Hoje em dia é a mãe do meu neto, e eu continuo nessa função desde essa época, estagiei e não larguei mais a profissão.
P/1 - Como é que foi o curso? O senhor lembra do curso?
R - Ah, o curso foi muito fraco, até porque foi quando criaram o curso.
P/1 - Não existia esse curso?
R - Não existia esse curso em Belém, então a escola criou esse curso de mineração e metalurgia porque tinha o projeto em Barcarena, que era de um japonês, e agora, por fim, é a Albras. Ia precisar de muitos técnicos de mineração e metalurgia e pediu que a escola criasse uns cursos. A escola criou o curso exatamente nesse ano, em 1975. Em 1978 foi que nós terminamos, o curso foi criado em 1975.
P/1 - Foram quatro anos de curso?
R - Foram três anos e meio mais o estágio, e depois não houve nada disso, não houve esses empregos todos que todo mundo pensava. Aí muita gente entrou na Docegeo por aí, outros foram para outras empresas e o pessoal de metalurgia ficou em pior situação.
P/1 - O senhor podia escolher entre mineração e metalurgia?
R - É.
P/1 - E o senhor já escolheu mineração?
R - É, porque para mim eu gostava mais de campo, até porque eu iniciei no campo. E eu acho que a pessoa que é do interior é muito mais fácil assumir essa função, porque uma pessoa que é da capital é difícil fazer esse trabalho que a gente faz, de se adaptar, porque é muito difícil, é tudo difícil. E a pessoa que já tinha aquele hábito de tomar banho em rio, sofrer andar no mato, subir nas árvores, sobreviver, se não tiver comida dar um jeito e tal, tira açaí, tira palmito e tal. O menino que nasce na capital, como no caso os meus filhos, já são da capital, não iam se adaptar fácil, custa, né?
P/1 - Esse curso de mineração dava noções de campo e dava noções de mina também?
R - O curso de mineração, ele é mais para trabalhar em mina e na lavra, e o curso de geologia, técnico em geologia, é que é para trabalhar na exploração. Só que o curso de mineração trabalha também, depois é só desenvolver, trabalha no campo, como também trabalha na lavra. Só que eu, particularmente, não gosto de lugar assim, trabalhar em lavra, no caso da mineração. Como aqui, a mina de ferro não é assim, é melhor a gente viver mudando e tal. Hoje eu abro uma área daqui, amanhã eu vou com o helicóptero e desço em outro local. Tem gente que não gosta disso, mas eu gosto.
P/1 - O senhor prefere estar se movimentando?
R - É, prefiro, e acho que vocês nunca sentiram isso. Você já pensou chegar num igarapé aí na mata que nunca quase ninguém andou, ficar ali
tal, fazer um barraco, fazer as picadas, fazer o seu trabalho, a geoquímica, aquele negócio tudo.
P/2 - Dá a sensação de que é o primeiro?
R - É o primeiro, por isso que a gente chama de exploração.
P/1 - Esse estágio na Docegeo, como é que o senhor conseguiu ele?
R - É como até hoje, se a Docegeo precisa, como nós temos agora, precisa de seis estagiários, ela vai na escola, a escola libera uns vinte e aí alguém vai lá da Docegeo e faz uma seleção, chega lá faz uma provinha, conversa com os caras, entrevista. Qualquer um da gente faz isso, aí vê se o cara tem o jeitão para vir para o campo ou não, que às vezes o cara é bom teoricamente mas, quando chega na prática, tem medo tal, não sabe andar no mato, anda muito mal porque foi acostumado só na cidade, e não dá certo. E conversando, entrevistando, pelo jeito a pessoa sabe. E particularmente porque eu sou do interior, o pessoal de origem interior se adapta muito mais fácil nesse trabalho do que o nascido mesmo na capital. Agora, tem os que nascem na capital e acabam se dando bem lá, mas é a minoria, e do interior é a maioria, porque um lado ele já tem, que é saber andar no mato e se virar.
P/2 - E o senhor era bom aluno?
R - É, eu acho que eu era médio, até porque eu trabalhava para sustentar a minha família e não podia me dedicar. Mas acho que eu era bom porque eu tinha colega que era solteiro, tinha muito menos que a minha idade e era muito pior que eu, então eu achava que isso não era porque eu era casado e não era dos melhores alunos, tirava as maiores notas, mas passava, me safava. E tinha aluno que era solteiro, não tinha família e ficava repetindo, então isso aí eu acho que não é por aí.
P/1 - Quem fez a entrevista com o senhor, o senhor lembra?
R - Foi o Bandeira, o Bandeira era um sociólogo da Docegeo que trabalhou muitos anos lá na Docegeo. Hoje em dia ele não está mais lá na Docegeo, era ele que mexia com estagiário, fazia as entrevistas e tal.
P/1 - E como é que foi? O senhor se lembra da entrevista, da provinha? Como é que foi essa seleção?
R - A provinha era sempre sobre a profissão, alguma coisa de teoria e tal. Agora, a entrevista era perguntando se a pessoa era acostumada, se gosta, o que achava do campo e tal, que o campo é isso, é aquilo. A entrevista mais é isso, querendo buscar o que até hoje a gente sabe como é, quer ver se o cara aguenta mesmo.
P/1 - O senhor já tinha ouvido falar de Carajás?
R - Não. Em 1975, quando eu entrei na escola técnica, sinceramente eu nem sabia o que era mineração nem o que era geologia. Eu não ia fazer o curso de mineração, eu ia fazer o curso de edificação, até porque eu trabalhava em construção civil e gostava, só que era muita gente, o curso era muito concorrido. Era mais para ficar em Belém, aí mineração era um curso novo e todo mundo sabia que se inscrevesse lá praticamente estava aprovado. O de edificação, a concorrência era muito grande, e como eu não era tão preparado, até porque eu já era casado, não tinha acabado de sair da escola, eu já tinha estudado há tempo, eu não ia conseguir concorrer com eles. E mineração eu sabia que era um curso novo, não era todo mundo que ia. Me informei mais ou menos do que ia ser, não era todo mundo que ia topar, filhinho que fica só em casa não vai topar a parada, e eu vou topar. E eu tive sorte porque eu estagiei na Docegeo, só que estagiei em 1978 e terminei em 1979 e já ia ficar na Docegeo como empregado, mas daí Docegeo nessa época teve um problema sério de orçamento e aí tiveram que dispensar um monte de gente, o orçamento caiu e aí saiu todo mundo. Eu tive sorte porque eu logo me empreguei em uma empresinha lá do Rio de mineração e fiquei lá uns quatro anos ou cinco. Depois que eu vi que a barra lá estava muito pesada eu dei um jeito e vim para a Docegeo, por isso eu tenho colega que é muito mais antigo do que eu na Docegeo, até porque se eu tivesse ficado desempregado eu tinha vindo logo, mas como eu estava empregado a gente não liga muito. Está empregado porque ficar... Depois eu vi que o meu período lá não ia melhorar, período de dois meses, tal…
P/1 - Onde?
R - Nessa outra empresa.
P/1 - Qual era a empresa?
R - Era uma empresa de sondagem, de exploração, mas era uma empresa privada, e a Docegeo era estatal naquela época.
P/1 - Tinha mais segurança?
R - Tinha mais segurança, plano de saúde. Lá não tinha nada, apesar do salário não ser pior, mas o período de campo era muito alto, e eu não tinha plano de saúde, por isso que em 1985 eu resolvi ir pela Docegeo e consegui passar para a Docegeo.
P/1 - E esse estágio que o Senhor fez na primeira vez na Docegeo, o Senhor foi para onde, aqui mesmo na região?
R - É, eu trabalhei em São Félix do Xingu, eu nunca tinha andado de avião. Você viu aquele avião no aeroporto?
P/1 - Não.
R - Vocês não saltaram nesse aeroporto ainda aqui? De Carajás?
P/1 - Sim, saltamos aqui.
R - Não tem um avião velho lá como exposição?
P/1 - Ah, tem, tem.
R - É o DC3?
P/1 - Sim, o DC3, eu vi.
R - É o primeiro avião que eu voei, de Belém a Conceição do Araguaia, era Belém. Aquele avião demorava, era muito lento, pousava em Marabá de
Conceição, de lá a gente pegava um bimotor e ia para São Félix do Xingu. São Félix do Xingu é um município que não tinha como entrar se não fosse de avião ou subir o Rio Xingu, que é só cachoeira. Aí só se a Docegeo colocar as equipe todas de avião e de lá de helicóptero para o campo. Aí eu estagiei dentro desse projeto.
P/1 - E como foi andar pela primeira vez de avião?
R - Normal, até porque é aquela mesma história. Desde garoto eu me acostumei andar de canoa de vela, que era muito pior, pega onda, pega vento, sacode, nem se compara com o avião. Quer dizer que andar de avião para mim era fichinha, e acho que eu não senti por causa disso. Não tem esse negócio de enjôo, porque o cara que é acostumado a andar de barco, se enjoar ele não serve, e se ele se acostumar ele não enjoa mais em lugar nenhum, isso eu lhe garanto. (risos) Isso aí é com certeza.
P/1 - E foi quanto tempo de estágio?
R - Foi de seis meses. Nesse tempo a Docegeo usou dois períodos. Em um de dois meses e meio, passei quinze dias em Belém. Voltei mais dois meses e meio, aí passei quinze dias no escritório e terminou o estágio, era brabo. Agora, ultimamente, o período deles é só de trinta dias, o estagiário melhorou muito. E já foi até menos, já foram só vinte também, agora parece que está sessenta, porque agora a Docegeo privatizou, aí mudou um pouco o esquema para estagiário. Alterou porque eles estavam estagiando meio período já da gente e o cara precisa estagiar então aceita, aceita tudo. Até se todos os técnicos da Docegeo, geólogos, dissessem que iam sair por causa do período, se ela aumentasse o período para trinta dias ou quarenta. Mas acho que ela contrataria, tinha muita gente que aceitava até mais, nem que fosse se arrepender mas aceitava. Depois que passasse um ano ele ia ver que é duro passar no campo um tempão. Me lembro que eu passei seis meses sem ir em casa, não na Docegeo, no Mato Grosso. Quando eu cheguei em Belém eu não sabia andar muito na cidade, não.
P/1 - Que lugar é esse aqui? (risos)
R - Não andar assim. Porque no mato a gente anda de um jeito, você anda levantando a perna o tempo todo, porque as picadas são todas cheias de galho, tal, pulando pau, grotinha, e na cidade é plano, você anda normal. Quando o cara passa uns tempos no campo, ele chega na cidade e custa a se adaptar, eu passei uns quinze dias para começar a andar direito.
P/1 - Anda meio desengonçado?
R - É, eu dava muito de encontro. Quando a gente vai para Belém passar o natal, ano, a gente vai ao comércio, dava muito de encontro nas pessoas, às vezes me descuidava e estava dando de encontro. (risos) A gente anda muito rápido, a gente começa a querer dar aqueles passos largos, e no comércio não dá. (risos) Dava muito de encontro, a minha mulher não queria nem ir comigo ao comércio.
P/1 - Vergonha?
R - Não, porque ela anda devagar e eu não consigo, não conseguia andar devagar.
P/1 - O senhor ia andando na frente dela?
R - É, acabava passando. Eu começava devagar, mas aí rápido a gente ia. Hoje em dia não, como a Docegeo é uma empresa que a gente só passa vinte dias, não. A gente já sente que não dá para ter essa mudança, não dá tempo, e bem pensando a gente tem um trabalho de melhor qualidade, umas picadas muito melhores para se andar, bem feitas, e empresa como a que eu trabalhei uns tempos, empresa particular, a gente praticamente não faz picada, a gente vara o mato, o que se chama varando, só pegar um cara que vai na frente com o facão e a gente vai varando, não abre a picada como na Docegeo, que se abre uma picada normal, se estaqueia, faz até com teodolito. Hoje em dia tem uma testação total, então tinha uma picada já normal, tirado todo os paus do centro e empresa pequena assim, trabalho também rápido. Não dava tempo, a gente tinha que subir uns cinco quilômetros beirando uma grota. Vocês sabem o que a gente chama grota aqui? É grota, rio igarapé, a gente subia até findar ela, na margem dela, sem fazer picada, uma hora a gente está dentro da grota, uma hora no lago, procurando os matos mais fáceis de passar. Então a pessoa perdia o jeito de andar na cidade, era assim.
P/1 - E esse primeiro estágio do senhor como foi? O senhor ficou dois meses e meio em São Félix do Xingu e aí fazia os trabalhos de Campo?
R - Isso ainda é igual hoje, eu ia estagiar, lá tinhas os técnicos, os geólogos, eles coordenavam a gente, determinavam o que a gente ia fazer, aí eu acompanhava a equipe de topografia, acompanhava a equipe de geoquímica, e depois antes de terminar o estágio eu já estava fazendo sozinho, porque basta acompanhar umas duas vezes, três, e aí o cara já faz sozinho, já pega a equipe. Aquela equipe que eu te falo, passa o dia. É bom que se diverte, passa o dia falando besteira. e a gente vai, passa o dia. Quando vê, finda o dia. Agora, a Docegeo não, o apoio é 100%, eu acho que não tem uma melhor aqui no Amazônia
P/1 - É o melhor lugar para trabalhar?
R - É, em termos de apoio é difícil de ter uma melhor. Eu não sei dessas multinacionais, que eu nunca trabalhei nelas. Mas empresa nacional eu não sei, acho que são poucas igual a Docegeo, que dão o apoio no campo.
P/1 - Essa empresa do Rio de Janeiro como é que surgiu a oportunidade para o senhor trabalhar nela?
R - É porque essas empresas, elas vêm aqui fazer trabalho no Pará, aí sempre o dono ou o geólogo que está responsável pelo projeto, ele procura contratar o pessoal da região. E aí o que ele faz, ele vai na Docegeo. A Docegeo é uma empresa conhecida: “Ah, vocês conhecem o estagiário que saiu, tal, saíram tantos estagiários, quem é que eu posso contratar para fazer um trabalho comigo?” Assim que surgiu, aí eu e mais três colegas fomos fazer um trabalho com eles em São Félix do Xingu também. Depois só tinha uma vaga e aí meus colegas saíram e eu fiquei uns quatro anos nessa empresa ainda aqui, também no Pará.
P/1 - Sempre esse trabalho é no Pará?
R - Não, eu trabalhei... Para não dizer que eu não saí do Pará, eu fui para um projeto de sondagem, essa empresa é mais voltada à sondagem e eu fui ao Rio Grande do Sul. Trabalhei dois meses em Santa Catarina, foi o local em que eu trabalhei fora do Pará.
P/1 - Foi lá pro sul, extremo sul?
R - Foi, extremo sul. Por isso que eu digo, conheci um pouco do sul, do costume de lá, costume diferente, até a comida, a cultura totalmente diferente da nossa. Você pode ver, você chega aqui, aqui não, você está num núcleo, a cultura é tudo limpo, mas se você for numa cidade como Xinguara, Tucumã, São Félix, você já vai vendo a diferença até de rodoviária, de restaurante, de hotel, vai caindo o padrão, caindo muito mesmo.
P/2 - É outra realidade.
R - Então quer dizer que eu já conhecia essa daqui, e aí eu fui ver uma de lá que é totalmente diferente. Aí a gente fica sabendo que lá realmente é outra coisa. Agora, hoje em dia já melhorou muito aqui, tem lugar que já está melhorzinho, até porque o pessoal é também de fora, porque o povo da região não tinha condição de fazer um negócio que nunca tinha visto, como era um negócio melhor, mas o cara que vem de fora acaba montando um negócio e melhorando.
P/1 - Já tem a experiência que trás de outro lugar, né?
R - É a mesma coisa de um cara que sai de uma empresa grande e vai para uma empresa pequena, ele vai melhorar aquela pequena, claro. O método que ele usava numa empresa grande ele vai aplicar lá, aí vai melhorar. Aí o cara sai de uma pequena, eu pelo menos saí de uma menor. O que eu tinha de prática era a parte dessa do campo, mas a parte mais burocrática a gente não tinha como ter de uma empresa grande como a Docegeo. Tinha muito a parte prática, que era mais que o cara liga. Empreiteira vive de produção, não vive de qualidade. Queira ou não queira, ela visa a produção e não a qualidade. Aí,
cara, se adapta a produzir independente da qualidade.
P/2 - E o senhor voltou para a Docegeo como? Como é que foi essa volta, esse retorno?
R - Eu já era conhecido da Docegeo desde o estágio, ainda existiam muitos geólogos que me conheciam, eu já tinha também vários colegas lá e o geólogo que trabalhou comigo nessa própria empresa pequena estava na Docegeo. Já saiu dessa empresa pequena e passou para a Docegeo também. Aí pegou o meu currículo e estavam precisando de dois técnicos lá e aí foi fácil, porque eles estavam precisando de um cara que já tivesse uns cinco anos de campo e eu tinha quatro a cinco anos, e aí foi fácil por isso. Tem vez que precisam de um cara que tem já uns anos e tem vez que eles querem um cara que acabou de sair da escola, mas querem o cara para começar um trabalho e tem vez que eles querem um cara já para fazer um trabalho.
P/1 - Não era para aprender mais.
R - Não, era para executar, era um trabalho que nós tínhamos na Docegeo e que depois acabou, que era um trabalho em aluvião. Era um trabalho que a Vale, em 1986, nós paramos de fazer. Trabalhava em aluvião para minerais pesados, e agora só se trabalha em primário.
P/2 - E então quando o senhor voltou o senhor já entrou nessa atividade?
R - Não, ainda quando eu voltei eu fui contratado para essa atividade de aluvião,
até porque nessas empresas fora eu trabalhei muito nisso e estagiei também nisso. E aí eu entrei. O gerente me contratou porque eu tinha trabalhado muito nesse tipo de trabalho, mas depois, como acabou, eu já fiquei nos trabalhos que a Docegeo tinha.
P/2 - E aí depois o senhor foi fazer o quê?
R - Aí a gente continuou fazendo geoquímica, topografia, mas já não em aluvião. Aluvião é um trabalho mais na beira, nos igarapés da grota. Não sei se vocês sabem como é, mas é um trabalho mais que não é viável para empresa grande, que nunca vai achar uma mina em aluvião que seja grande, como primário.
P/1 - Nesse projeto que o senhor trabalhou, o senhor trabalhou a maior parte do tempo com ouro ou não?
R - A gente pesquisa mais ouro e cobre. O que sempre tem mais é zinco, níquel,
uns dez elementos aí. É mais voltado para ouro e cobre, que é o mais viável para a empresa.
P/1 - E o senhor participou de descobertas nesse período ou não?
R - Depois que eu entrei na Docegeo eu cheguei a trabalhar no Projeto Baía. Já ouviu falar do projeto Baía?
P/1 - Lá no Igarapé, né?
R - É, Igarapé-Baía, Projeto Igarapé-Baía, eu trabalhei já na terceira fase lá, mas ainda não existia nada lá, só era a Docegeo mesmo, ainda era só um acampamentozinho e tal. Ainda não estava definido que era uma mina, aí depois desses trabalhos foi. Quer dizer que eu participei nisso, que eu trabalhei na fase antes de entregar para a Vale como mina. E eu tenho um colega que trabalhou muito antes disso lá, que foi lá na primeira vez, subiu lá pela primeira vez, técnico de mineração do Rio Grande do Norte. Os técnicos mais antigos aqui são do Rio Grande do Norte porque, como eu te falei, o curso de mineração no Pará começou em 1975. Os primeiros alunos, os primeiros técnicos saíram em 1978, 1979, então ela usava só o pessoal do Rio Grande do Norte e Minas Gerais, mais do Rio Grande do Norte, que eles se adaptam também mais aqui na região porque ele é do nordeste e tal, são acostumados mais a sofrer, eu acho.
P/1 - Então conta um pouco desse sofrimento, como é esse dia-a-dia no campo, esse trabalho.
R - No campo eu acho, assim, a gente sai de Belém tranquilo. Vem de avião, vocês sabem, chega aqui, vai para o Hotel Cedro, isso se não der tempo de ir no mesmo dia para o campo. Tem vez que a gente chega de manhã, faz a programação à tarde e já vai dormir lá no campo, mas tem dia que não dá e a gente dorme aqui, hotel, televisão. No outro dia a gente, pega um helicóptero e às vezes você vai ficar num lugar que não tem nem barraco, aí que eu falo que começa sofrer um pouco, porque você acaba de sair de um local que tinha tudo, como aconteceu comigo. Amanhã você vai, desce numa corda do helicóptero com umas quatro pessoas, um pacotinho de conserva ali para fazer uma clareira. Aí de noite... Você vai ver que ontem à noite eu estava num hotel, hoje eu estou dormindo aqui, o cara rápido corta umas varas, finca lá, coloca umas lonas por cima, o cozinheiro já procura fazer um fogo. Amanhã a gente já procura fazer uma clareira, aí já começa a fazer um acampamento melhorzinho. Quando a clareira está pronta a gente leva um radinho à bateria, aí já avisa e o helicóptero já começa a levar comida, aí já vai mais gente e aí já começa a melhorar. Isso hoje. Antigamente o que melhorava era um geradorzinho, um hondazinho portátil, só para iluminar o acampamento e ligar o rádio, um rádio elétrico. Hoje não. Você já faz um acampamento, já tela o lugar em que você vai dormir, já põe uma caixinha d’água, já coloca uma televisão, um freezer, tudo a gente leva de helicóptero, isso quando não tem estrada. E aí depois que monta tudo lá, quando limpa o lugar, o lugar é bruto, é selva, e aí quando se arranja o lugar, e é uma média de cinco dias, uma semana no máximo você está com aquele acampamentinho tudo pronto, já com uma cozinhazinha, um refeitoriozinho, madeira... A gente tira tudo do local, leva a motossera, tira madeira tudo de lá para fazer o barraco, aí já vai melhorando. Aí uma equipe já vai abrindo para fazer a picada para fazer o trabalho em si e a gente fica acompanhando lá, a gente vai para o campo com eles, vai junto nos primeiros dias, depois espera eles acabarem de abrir as picadas e vai fazer o trabalho da gente, que é geoquímica, coletar as amostras… Aí depois manda as amostras até acabar o que a gente chama de alvo, faz aquele alvo, a gente abre um alvo e executa o trabalho que está programado dentro,cinquenta quilômetro de picada, cem, o que for.
P/2 - Então o trabalho é só esse, coletagem de amostras?
R - É, exato, topografia, coletagem de amostra. Aí a primeira fase... Tem uma fase inicial que é mais subir o que chamam regional. O regional ainda é mais brabo porque a pessoa faz um trabalho mais só nas drenagem, trabalho primário mesmo. Com aquele resultado é que se vai fazer um trabalho mais detalhado, assim vai até se chegar à uma mina ou não. Se todo alvo chegasse à uma mina, mas é muito difícil.
P/1 - Quantos acertos para erros, mais ou menos, dava?
R - Eu acho que era para dar uma mina, eu não sei nem calcular, mas acho que 1%. É muito difícil. eu falo em termos de... Porque achar alguma coisa a pessoa acha, mas a proporção que é viável, não. Já pensou você descobrir lá onde eu estou um ouro? Mas é tão pouco que como é que vai montar uma infraestrutura para extrair? Vai gastar mais do que tem lá de baixo, não compensa. Então esse que é o problema. Baía não, Baía já foi um negócio maior e mais perto da infraestrutura daqui, a energia daqui é tranquilo para chegar na Baía. Tranquilo que eu digo... Mas é longe já, você já foi à Baía?
P/1 - Não.
R - É bem longe daqui a rede elétrica para chegar lá. E de lá para onde a gente está ainda têm uns sessenta quilômetros na reta.
P/1 - Onde vocês estão trabalhando agora?
R - Do Baía, e a gente conta que tem um rio para atravessar. Nós estamos na outra margem do Itacaiúnas. O Itacaiúnas é um Rio que chega em Tocantins, lá no Marabá, é o maior rio que tem aqui, que corta aqui próximo de Carajás. Itacaiúnas. Alguém já falou para você de Itacaiúnas?
P/1 - Já, já.
P/2 - E o senhor já encontrou alguma mina?
R - Já participei, porque sozinho é difícil. Participei das equipes do Baía, já trabalhei lá antes de ser uma mina, Tubaía, Buritirana... Buritirana não é da Docegeo, essa empresa que eu trabalhava nós fizemos, lá é manganês, mas não era da Docegeo. Hoje em dia já estão lavrando lá. Lá eu trabalhei praticamente a fase toda de pesquisa, três anos trabalhei lá em Buritirana. E Docegeo, a mina que está ativa é só Baia mesmo, que eu trabalhei e está ativa. O resto todo não é uma mina ainda, ainda está em fase de pesquisa.
P/1 - A tendência de vocês é ir cada vez para lá do rio Itacaiúnas, cada vez mais distante, ou não?
R - Sempre a gente está de Tucumã, nós temos áreas desde São Félix do Xingu até aqui Carajás, trabalhando desde o ano passado, mas fazendo vários alvos, dezenas de alvos. Agora não tem nenhum nesse projeto que eu trabalho, eu estou falando do projeto que eu trabalho, não tem nenhum que esteja já próximo de uma mina. Agora, no outro projeto aqui tem, já foi falado do cristalino, aí já está mais próximo de uma mina, já é uma mina mesmo, cristalino.
P/1 - E a relação com os geólogos, como é?
R - Ah, é 100%. No campo a gente não faz diferença, seja geólogo, seja técnico. A diferença é no trabalhado, porque cada um tem a sua função, tem a hierarquia, um manda no outro, um determina o que o outro faz. Mas é sempre combinando e o melhor possível. Até com o pessoal da empreiteira, que hoje a Docegeo não tem mais, o pessoal da empreiteira, que são os auxiliares de campo. A Docegeo só tem geólogos e técnicos no campo.
P/2 - O senhor alguma vez já teve algum conflito com alguém numa posição superior ou inferior que a do senhor?
R - Não, conflito não. A gente tem divergência de momento mas é coisa que a gente resolve logo, não é conflito de ir para a frente, não, porque isso aí é normal. Onde tem mais de três na mesma função a gente tem que juntar as ideias. Eu não posso fazer valer nem a minha e nem o colega, tem que ver as três para formar uma, senão não funciona. E o geólogo também, a gente trabalha em conjunto com eles. Praticamente o planejamento inicial é deles, onde é que se vai trabalhar, os alvos que vai se fazer, vem lá deles, de lá de cima. Os alvos que acho que são mais viáveis de a gente fazer logo, sondar... Nós estamos sondando também as áreas, que já é um trabalho mais detalhado.
P/1 - O auxiliar de campo, quem é essa pessoa, o que faz exatamente?
R - Ele que abre as picadas, é meio que o peão, faz o trabalho braçal que a gente chama de auxiliar de campo, é o cara que faz os serviços gerais.
P/1 - E hoje a Docegeo não tem mais?
R - Não tem mais, é tudo terceirizado, tudo, desde a nossa comida no campo, alojamento... Tudo é terceirizado.
P/2 - E isso desde quando?
R - Isso já faz tempo. Acho que já está próximo de dez anos que a Docegeo foi eliminando o quadro dela.
P/2 - Foi aos poucos?
R - Foi.
P/1 - E a comida, que comida é essa?
R - A comida... Quando é um acampamento já montado, quando nós temos o básico, como eu já falei para vocês, o básico. Quando nós já temos um escritório, uma cozinha melhorzinha já, é comparado com um restaurantezinho desses aí do Peba, mesmo coisa. Agora, quando a gente vai iniciar um trabalho, a comida é só um feijão com arroz e carne, até que monte o acampamento. Montou o acampamento aí, até porque você não vai poder levar da primeira vez tudo o que se usa numa cozinha, aí o cara o que faz leva um pouquinho de cada coisa, que é o básico, até que se monte a clareira, o acampamento. Aí já vai uma cozinheira. Cozinheira a gente chama, mas não é... Uma pessoa, às vezes cozinheira, é porque sabe fazer uma comida mas não é uma cozinheira profissional, ou um cozinheiro, é sempre homem, também.
P/1 - É sempre homem? Não tem a cozinheira nos acampamentos?
R - Tem, lá no basiquílio nós temos uma cozinheira, enfermeira, tudo da empreiteira, mas tem. Antigamente para a Docegeo não ia mesmo mulher, agora já tem essa exceção, estagiária mulher, até isso. Estagiária mulher era mais difícil, até porque o nosso alojamento era só mesmo uma lona, o banheiro era em cima da grota. Hoje em dia não. Já faz um banheirinho cercado de lona, cerra umas tábuas lá e já dá para uma mulher usar, antigamente não tinha.
P/1 - E o conforto mudou muito desde que o senhor entrou?
R - Mudou. Na Docegeo de quando eu entrei já mudou muito, melhorou muito dentro do possível, também. Porque se você for ao campo, às vezes o trabalho é para trinta dias. Com trinta dias a gente termina o alvo, não é muito viável você fazer uma infraestrutura cara para fazer trinta dias de trabalho. Bem pensando, não tem como. Agora, essa base não, nós centralizamos a base e já estamos lá no terceiro ano, então é mais viável, dali faz os outros alvos. Mas aquela é uma base porque lá nós temos alguma coisa de informática, telefone, rádio... Rádio a gente coloca em qualquer lugar, qualquer volante, qualquer acampamento de frente coloca, porque tem lugar que só tem saída de helicóptero. Entra de helicóptero e sai de helicóptero, não tem como sair de outra maneira, aí o rádio é essencial. Em uma emergência tem que ter um enfermeiro lá.
P/1 - E a roupa de campo, tem uma roupa especial ou não?
R - A roupa que a gente fica no mato?
P/1 - É.
R - Não, é o uniforme de manga comprida. No campo eu só uso manga comprida, porque se não usar manga comprida é pior, é muito inseto, o braço arregaça todo nos espinhos, e manga comprida é melhor.
P/1 - Arma?
R - Arma ninguém usa. A Docegeo, quando eu entrei, ainda existia. Cada equipe tinha uma espingarda, duas, depois a Vale foi cortando e aí acabou. Hoje em dia ninguém usa mais arma, ninguém come mais caça, nada. É proibido porque as empreiteiras têm que colocar comida normal sem que use nada do local. Antigamente até que era necessário porque não tinha freezer, não tinha nada. Aí o cara acabava comendo alguma coisa. Hoje em dia tem freezer, vai carne, vai frango, põe no freezer e pronto. E aí dá para aguentar até a gente voltar lá.
P/1 - Então antigamente vocês mesmos caçavam, faziam a comida.
R - Não, a Docegeo sempre botou comida. Mas tinha arma, aí aqui e ali o cara aproveitava. Mas sempre tinha, até porque não tinha freezer, o cara salgava a carne, aquele negócio. Tinha gente que já não gostava e já começava matar uma caçazinha, mas isso foi há muitos anos atrás. Hoje em dia não tem mais isso, até porque, se a gente for pensar, a gente tem que evitar ao máximo porque senão daqui um tempo não tem mais nada, matou tudo. Mas só a gente da Docegeo, porque o pessoal de garimpeiro que trabalha na região paralelo com a gente aí no mato, eles vivem só disso, então para eles não mudou nada de não sei quantos anos atrás, até porque eles não têm o fornecimento de nada, então eles têm que se virar com o que eles acharem lá.
P/2 - E situações de risco com animais selvagens?
R - Eu nunca tive problemas. Para mim o que mais me preocupa é cobra, mas esse negócio de onça para mim é mais história. Existe mesmo, claro que eu já vi e todo mundo já viu, mas que seja um perigo constante... Não é. As onças têm medo, elas não aparecem fácil. Tem muita história que é falsa, porque se onça fosse tão perigosa... Na Docegeo a gente vive num acampamento telado com mosquiteiro, isso é normal, pelo menos eu penso mais em inseto da malária, cobra. Se fosse assim... Garimpeiro, se vocês vissem como eles vivem no campo, é uma redinha que mal dá para ele, e ele dorme a noite todinha embaixo de um pedaço de lona. Se tivesse onça mesmo para comer você acha que tinha história? Agora, elas gostam muito é de gado, porco. Lá mesmo onde nós estamos tem uma fazendinha que o dono lá perde porco pra caramba, que ela come mesmo, gado, porco. Mas gente, ainda não vi nenhum caso, só umas histórias mesmo lá de que uma onça comeu um garimpeiro, mas que eu não vi. E aí a gente pensa que é uma história inventada.
P/1 - Que história é essa?
R - A história lá no ________________ mesmo, o cara me mostrou o local que o garimpeiro estava carregando rancho, aí chegou o fim da tarde, um resolveu ficar dormindo lá e o outro foi embora. No outro dia voltaram e a onça já tinha pegado o cara porque ele botou a rede muito baixa e a onça pegou ele. Mas eu não vi, só vi o local lá que ele mostrou, então eu não posso afirmar que é verdade.
P/1 - Não dá para botar a mão no fogo?
R - Não dá para botar a mão no fogo, não.
P/2 - E picada de cobra, alguém já levou picada?
R - Picada de cobra não, também. Sempre nas campanhas que eu estou nunca houve um caso aqui na Docegeo. Agora, nessa empreiteira houve, houve um caso só de um rapaz que trabalhava com a gente. A cobra picou ele mas nós tínhamos um soro lá, aplicamos nele de qualquer maneira e ele não morreu, não, melhorou. Mas acho que é um bicho que é difícil de uma pessoa não se preocupar, porque dá aquela sensação de que se a pessoa for picada pela cobra ela vai morrer. Nem sempre morre, mas dá essa sensação, então a pessoa anda esperta. Mas tem muita cobra, surucucu tem bastante.
P/1 - Escorpião também?
R - Escorpião já me pegou, mas doeu só uma noite toda. (risos) Mas dói... Escorpião dói pra caramba, mas acho que não mata, aquilo não mata, não.
P/1 - Adulto não.
R - Adulto não, criança talvez mate porque a dor é muito forte.
P/2 - O senhor teve que se medicar, tomou alguma coisa?
R - Tomei algumas coisas lá, passei alguma coisa e no outro dia parou de doer. Durou umas dez horas doendo. Agora, tem gente que sente mais.
P/2 - O senhor falou dos garimpeiros, vocês encontram os garimpeiros?
R - Os garimpeiros trabalham sempre, onde a gente está sempre tem garimpeiro, até porque a Docegeo, onde pousa de helicóptero no mato, eles vêem azoado. Não demora muito porque eles sabem que a gente está pesquisando, então eles acham que onde a gente está é porque tem ouro, mas a gente também está pesquisando. Aí
eles começam a mexer por lá, a gente vai embora e eles vão para lá. Às vezes a gente cava uns buraquinhos para tirar solo e vão ver, mas hoje em dia acho que eles também estão sabendo que a gente também está correndo atrás igual eles, mas antigamente eles tinham certeza de que, onde a gente estava, tinha ouro.
P/1 - Onde está a Vale tem ouro?
R - Tem ouro.
P/2 - Aí eles acompanhavam a equipe?
R - Não junto com a gente, não, mas eles iam seguindo. Eu já encontrei um garimpeiro que me contou que ele andava se escondia e ficava escutando o que a gente conversava para ver se a gente falava alguma coisa. Depois passou uns tempos e ele, negócio de estrada já, um dia a gente estava conversando no acampamento e ele disse: “Uma vez vocês estavam numa área aí, eu me escondi com meu colega e ficamos escutando para ver se vocês diziam onde tinha ouro.” A gente cavava uns buraquinhos de cinquenta centímetros e eles iam ver se ali tinha ouro porque eles tinham uma ideia de que bússola, magnetômetro, aparelho que a gente faz geofísica, aquilo indica onde é que tem o ouro. É a impressão que a gente tem, que um aparelho, uma bússola, qualquer coisa é um indicador de ouro, aí a gente diz que não, mas eles não acreditam, é claro. Eles acham que a gente está enganando eles, mas é normal que eles não acreditem, porque se a gente soubesse a gente não iria falar mesmo. Que interesse a gente teria de contar para eles que lá tinha? Agora, eles acham próximo porque é o aluvião que eles falam, que aluvião ninguém trabalha e sempre tem um ourozinho lá num cascalho, de bater aí e tirar o ourozinho. Mas primário não tem como eles tirarem, porque só com o equipamento. Agora, o aluvião, que não interessa para a empresa... Onde tem garimpeiro muito é ruim porque contamina, mas hoje aqui na região não tem nada mais de garimpeiro, tem alguns teimosos por lá, porque não tem futuro mais para eles.
P/2 - O pessoal foi se desiludindo?
R - Foi, foi, porque não tem como. Onde tinha e estava fácil eles já acharam, que é tão fácil de achar quando está nas grotas o ourozinho fraco, eles tiram tudo.
P/1 - Essa área que vocês estão agora é dentro da reserva da Vale ou não?
R - Não, esse nosso projeto tem um lado que é dentro da reserva e um lado que é fora, mas a gente trabalha na reserva. Em algumas áreas com autorização a gente trabalha. Agora, o garimpeiro trabalha também escondido, quem é que vai tirar um cara? Ele não usa motor, não usa nada, ele trabalha só manual. Sempre se encontra com eles pelo campo, claro que ninguém se envolve, não pode mandar ele sair e nem ficar, o problema é dele. (risos)
P/1 - Aí eles ficam em cima da árvore escondidos de vocês?
R - Não, eles encontram com a gente mesmo, mas não.
P/1 - Caçador e madeireiro também?
R - Madeireiro também. Depois que nós fomos para essa reserva eles sumiram de lá, mas quando chega o verão eles entram com o caminhão lá para puxar mogno, porque eles sabem que na reserva ainda tem bastante. Só que agora a gente estando por lá eles ficam preocupados porque sempre o pessoal do IBAMA vai de helicóptero para lá e eles acham que a gente informa também. Eles maneiram um pouco, mas já tiraram muita madeira da reserva, tem lugar que tem um monte de mogno que não chegaram a tirar, derrubaram mas não chegaram a tirar, porque o cara só consegue tirar no verão. So inverno, se você ver o inverno nessa selva, não dá para entrar, até onde tem estrada corta tudo.
P/2 - Ninguém enxerga nada?
R - Não, fica só lama, carro nenhum entra. E olha que nós trabalhamos com melhor o carro, Toyota, todo tracionado, mas a agente tem problema. E para eles é caminhão comum. No verão eles vão em qualquer buraquinho porque eles vão rasgando com um trator na frente e o caminhão vai atrás, puxando o mogno. Mas na reserva acho que o ano passado ainda tentaram entrar mas não deu certo, esse ano eu não sei. Toda vez que chega o verão, eles vêm, é ruim para a gente.
P/1 - Não tem fiscalização?
R - Não, a fiscalização sempre fica em Tucumã, tão longe. No ano passado eles estiveram lá no nosso projeto, tiraram uns caras de lá. Mas eles voltam por causa de duas coisas: onde tem mogno e ouro, não tem como segurar o cara. Enquanto ele não tira, ele não para.
P/2 - Mesmo sabendo que tem fiscalização?
R - Mesmo sabendo que tem fiscalização. Mas quem é que vai fiscalizar noite e dia um local? O IBAMA... Todo mundo sabe que em dezembro, novembro, começa o inverno. Eu me lembro que no ano passado no verão apareceu o pessoal do IBAMA lá no projeto, e já estamos chegando no outro verão.
P/2 - Ninguém pintou mais lá?
R - Ninguém pintou mais lá, como é que vai segurar?
P/2 - E com os índios, como é que é o contato?
R - Nós estamos próximos da reserva dos índios mas eles não aparecem lá porque é muito longe para eles andarem. Para mim o índio está querendo vir mais para o lado da cidade, o índio está querendo vir mais para a cidade, não para o mato mais.
(pausa)
P/1 - Então o senhor podia contar esse primeiro emprego que o senhor falou?
R - Tá. O meu primeiro emprego foi para fazer uma campanha de seis meses. Foram seis meses a minha primeira campanha e foi no alto Rio Fresco, próximo à uma aldeia de índios, Fazenda Rio Dourado. Era uma pesquisa de cassiterita. Aí formamos três equipes, cada equipe tinha um técnico, um geólogo e sete pessoas. Picadeiro, tinha barco, piloto de barco, subia o rio e tal. E aí subimos o rio, no primeiro dia alagamos logo o barco porque botamos muito peso e deu uma chuva para montante. O rio encheu e ficou muito forte a corredeira, e o piloto não era muito prático, entrou no mato, aí todo mundo tombou só para um lado e o barco virou. Eram quatro horas da tarde e era muito longe da fazenda já, nós tínhamos subido, nós tínhamos saído seis horas da manhã, já era quatro horas da tarde, subindo este rio para fazer esse trabalho. Aí ficamos sem nada enxuto, acabou, sem fósforo para fazer fogo, sem nada. Ficamos lá na beira do rio até amanhecer o dia, molhados.
P/1 - Ficaram lá, passaram a noite?
R - Ah, passamos a noite lá. Aí no outro dia o barco retornou para pegar outras mercadorias que perdemos. A maior parte nós recuperamos porque estavam dentro de latas, tampadinhas, recuperamos um bocado. A motor afundou, recuperamos alguma coisa lá, aí o barco voltou para eu buscar material. Aí trabalhamos. Quando foi a outra equipe que tinha esse Milton, que não queria ir para o campo, aí apareceram os índios lá e pegaram ele. Quando a equipe chegou do campo, ele já tinha pegado uma surra, estava com as costas todas raladas, estava meio... Não sabia falar, meio zonzo. O pessoal perguntava o que era, até que ele disse que era índio e tal. Essa aí não foi mentira porque os índios ficaram jogando pedra no barraco lá. Aí até um paulista, o chefe do projeto, era um geólogo. O cara daqui queria dar uns tiros lá para o mato mas ele não deixou e tal, e deixa isso para lá. Aí, no outro dia, descemos para Rio Dourado, que era a fazenda que dava apoio. Lá tinha rádio, tudo. Aí comunicaram lá para o dono do trabalho: “Era um trabalho que vocês prestaram.” O trabalho era para o próprio grupo da Rio Dourado, aí eles foram buscar três índios mansos para ficar guardando a gente. Aí nós viemos com a nossa equipe, acabamos nosso trabalho, viemos com a nossa equipe, juntamos duas equipes e fomos fazer o trabalho que tinha que fazer. Aí os índios ficaram tomando conta da gente.
P/1 - Ficaram lá o tempo todo?
R - Ficaram. A gente saía de manhã, eles saiam com a gente, aí os bravos não apareceram. É claro, eles correm. Aí nós terminamos o trabalho e esses índios davam mais trabalho para a gente do que vigiar a gente, porque quando chovia não queriam ir para o mato e a gente tinha que ir. Aí, o que a gente fazia? Bem, os índios: “Compadre, a gente não vai porque está chovendo.” E não vai mesmo, quem vai obrigar eles a irem? A gente pegava as armas deles, cada índio tinha uma vinte, aí nós levávamos as armas deles e íamos, e os índios não apareceram mais.
P/1 - Sumiram.
R - Sumiram.
P/2 - Esse foi o único caso, incidente com índio?
R - Com índio que eu já tive.
P/1 - Que o senhor já teve.
R - Esses três índios ficaram com a gente até o término do trabalho, só tinha um que falava português, aí a gente conversava com ele e o pessoal começava a perguntar, traduzir alguma coisa da língua para português, aí já começavam brincar com os índios e tal. Ficaram amigos lá durante... Ficamos uns dois meses lá com os índios, aí pagamos os índios porque tinha que pagar. Do índio a gente não consegue nada sem pagar, tem que pagar. Tudo o que ele te arranja, você tem que dar alguma coisa em troca.
P/2 - O pagamento era em dinheiro ou vocês davam…?
R - Era dinheiro, lá era dinheiro.
P/2 - Peças, relógios, essas...
R - Lá nós não tínhamos, assim, muito material. Pagava em dinheiro. Mas no fim do trabalho nós demos quase todo o nosso material de campanha para eles, rede, porque nós terminamos o trabalho. Mosquiteiro, tudo o que a gente podia a gente dava para eles. Panela... Porque eles queriam mesmo, aí ficaram bem.
P/1 - Só não iam na chuva.
R - Só não iam na chuva.
P/1 - Por que eles não iam na chuva?
R - Porque índio não gosta de ir para o mato quando está chovendo, não, apanhar chuva. É porque o índio é diferente, esses eram diferentes da gente. A gente vai para o campo, a gente veste a roupa, camisa, bota... Eles eram o contrário, na hora de ir para o campo eles tiravam o sapato, a camisa, iam só de short. O contrário da gente.
P/1 - O senhor estava contando do índio.
R - Do índio, certo. Aí foi. Esse projeto terminou assim, nessa última etapa trabalhando com esses três índios. O nome dele era até engraçado, era Merencóre, eu gravei, Pioura e Demouro. Merencóre Demouro e Pioura, eram os três nomes. Eu gravei esses nomes. Tinha índio que era muito forte, rapaz. Ele era baixo e forte, não falava português. Quando tinha que descer aquelas cachoeiras lá no rio com barco, eu subia no barco de manhã e voltava de tarde e tal. Aquelas cachoeiras, para descer, a gente tem que saltar ou então tirar mais o peso do barco, virar o barco de ré e a corda, e um cara fica olhando a corda para o barco não pegar velocidade na descida. Pois ele segurava o barco. Ele era muito forte. Ele se escorava nas pedras, metia o pé e ia aguentando. E o barco ia descendo devagar. Claro, os outros ajudavam com uma vara no lado. Era o cara mais forte que eu já vi de índio. Índio tem um hábito que não se perde e eu fui descobrir lá com eles, descobri umas coisas de índio lá. Ele vai andar no mato, ele não faz picada igual a gente, ele não tem bússola, não tem nada, não tem mapa, mas ele tem um método muito fácil e simples de não se perder. Qualquer um de nós usa e não se perde. Vamos dizer que você senta numa cerva para qualquer direção, mas daqui até ali você vai quebrando um galho no sentido que você veio.
P/1 - Uhum, no sentido que veio.
R - Forma uma seta. Quer dizer, se eu vim daqui, eu quebro para frente. Por isso é que o índio desenvolve na mão uma força, ele quebra o galho que você não consegue quebrar. Ele quebra aquela arvorezinha que não é muito grossa, fica marcando de onde veio, ele vai marcando. Daqui a ali ele quebra uma, quando ele se perde, ele roda, roda e acha um galho daquele quebrado, e nem que não seja dele, mas ele sabe que o rumo que está marcando é o rumo da maloca dele ou de qualquer ponto de referência dele. Então é um método dele andar no mato que ele não se perde. Porque ___________ índio, índio anda no mato é porque ele também tem o método dele, senão ele se perdia como a gente. Se a gente for no mato e se não tiver prática, não tiver um mapa, não tiver uma bússola, não saber, não tiver um ponto de origem você se perde. E o índio, eu aprendi isso com eles, é um método bom deles. Ah, vamos dizer. O nosso pessoal, eles tem um outro método, eles saem com o facão, cortam um pau ali, tiram uma casca, tiram uma casca ali. Aí eles sabem também que eles passaram por ali, se eles se perder eles já sabem que eu passei aqui, então tenho que ir nessa direção e o índio vai quebrando porque ele não usa facão, esses bravos não usam facão. Esses moços de agora já usam, mas eles não tinham facão, essas coisas. Foi assim que eles me ensinaram lá no campo o método deles. Eu aprendi e vale a pena, porque às vezes você tem necessidade de varar uma mata, na hora você não tem equipamentos e faz uma marquinha dessas que qualquer coisa... Porque na Docegeo nós tivemos casos de pessoal se perder, vários casos mesmos. Teve um caso aqui em Carajás, lá no Mium. Vocês foram ao Mium?
P/1 - Não fomos.
R - Pois é, em Mium não tem mais nada. Era onde era a base da Docegeo, lá tinha tudo. Então lá tinha o almoxarifado, tinha o pessoal do almoxarifado, tinha um rapaz que - eu esqueci o nome dele - só sei que o apelido dele era Pilha Fraca. Nós demos o apelido dele depois que ele se perdeu, ele ficou fraco da memória, aí virou o apelido de Pilha Fraca. Ele saiu para juntar castanha ali para o lado do Salobo. Você já ouviu falar no Salobo?
P/1 - Já.
R - Tem uma estrada que vai, desce para o Salobo. Aí pararam o carro, tem muita castanha lá na margem da estrada e ele disse: “Ah, eu vou procurar umas castanhas graúdas para o _______.” E entrou no mato. Com isso ele passou uma semana, parece.
P/1 - Uma semana?
R - Perdido. Nesse tempo eu não estava na Docegeo. Helicópteros da Docegeo rodaram aí perto do Salobo para encontrar esse cara e foi difícil encontrar ele. Contrataram índio, o índio entrava, voltava, comia o rancho, voltava: “Compadre, a onça já comeu o compadre, já comeu o compadre.” Quem sabe bem essa história é o Venâncio. No último dia, acho, o pessoal disse: “É, não tem jeito, o cara sumiu mesmo.” Aí foram fazer o último sobrevoo e enxergaram ele no pé de uma serra, ali para o lado do Ponjuca. Já ouviu falar em Ponjuca? Para o lado de Ponjuca, encontraram ele no pé de uma serra, enxergaram ele. Ele tinha fome, estava tocando fogo acho que numa bota, já tinha tocado fogo na bota de borracha dele. Aí nem deu para tirar ele nesse dia porque já estava findando o dia. No outro dia tiveram que levar gente para descer na corda e tal para pegar o cara, aí o levaram para Belém e estava muito fraco mesmo. Não é, já pensou?
P/1 - Ficar sete dias.
R - Sem comer... Aí ele virou Pilha Fraca, só que ele continuou na empresa, ele saiu quando a Docegeo dispensou já o pessoal que não era qualificado para a função. Aí foi dispensado. Mas ele ficou meio fraco mesmo, a gente notava, ele esquecia e tal. Ficou assim o cara.
P/1 - E tem gente que fica muito tempo no acampamento e fica…?
R - Tem, tem. Inclusive eu estava até questionando agora um, falando para o Roberto, nosso gerente. As empreiteiras, às vezes, seguram o cara até noventa dias no mato, aí fica mais difícil agente lidar com os caras. Porque, no campo, quem lida com eles é o pessoal da Docegeo que comanda, faz isso, faz aquilo... Mas tem hora que a gente vê que não é normal do cara, ele já está meio chateado, pô. Porque ele tem duas coisas. Se ele forçar a barra para ir embora, disser que tem que tirar folga, ele tem medo de perder o emprego. O chefe dele pode dizer: “Olha, você tem que passar noventa dias, porque tem que acabar esse alvo para poder sair.” Sempre eles querem que acabe um alvo e, às vezes, o alvo é demorado. Eu estava na situação que a gente tem entre a Docegeo e o pessoal que passa o período alto. Você perguntou se mudava o comportamento e muda, né? A gente vê que o cara fica mais difícil de lidar, tem que ter mais manejo porque, senão, ele fica fazendo malfeito o trabalho e acha que, no fundo, a gente não tem culpa, porque ele é de outra empresa. E a Docegeo tem um período dela. A gente trabalha, sai, a gente dificilmente estica uma campanha, só se for necessidade mesmo. Às vezes tem a necessidade de ficar mais uma semana, aí o pessoal fica, né? Isso também, se achar que não fica, não vai ficar. E eles não… Eles têm que ficar e a gente nota muito a diferença deles em tratamento. A gente... Eu, pelo menos. Eu noto mais ao conversar com eles é pedir, porque tem horas que a gente vê. Se eu mandar, ficar exigindo muito, não vai dar certo.
P/1 - Fica pior.
R - A gente tem que procurar entender o lado dele, que se eu estivesse também com noventa dias, eu já não estaria satisfeito. E tem os peões também e tem um cara, um auxiliar de campo, que ele não muda. A gente vê cara que passa seis meses do mesmo jeito, contando piada, conversando, tranquilo. Mas é aquele que já trabalhou em garimpo, já foi juquireiro, trabalhou em fazenda. Que em fazenda o cara entra só, sai no fim do ano. Quando sai, então, aqueles caras são mais aptos a não terem problemas com tempo no campo, com nada. Agora, os que vêm da cidade são mais, dá mais problema. Até porque o indivíduo, quando é acostumado na cidade, quando sai e passa mais ou menos sessenta dias, já fica meio com saudades. E esses que são contratados na região, eles diz: “Pô, passei seis meses na fazenda do fulano sem sair.” Outro diz: “Ah, eu já passei um ano no garimpo.” Então a gente vê que não tem esse problema, até porque eles entraram num lugar que alimentação e apoio são dez vezes melhores do que eles tinham antigamente. Eles não tinham uniforme para vestir, eles não tinham bota para calçar. Tinham umas que eles compravam, né? Comida era só feijão, arroz... E numa empreiteira, ela dá comida melhor para eles, dá dormida, dá rede, dá mosquiteiro. Então esse tipo, se eu fosse contratar eu procurava mais esse pessoal, que é o pessoal que dá menos problema e são mais práticos no campo, bem mais práticos.
P/2 - A empreiteira, quando você contrata a empreiteira para fazer um determinado trabalho, ela se responsabiliza por tudo. Quer dizer, a Docegeo tem o seu próprio equipamento e a empreiteira cuida dos peões, é isso? Como é que é essa coisa?
R - É. O projeto precisa de fazer nesse ano, vamos dizer, quinhentos quilômetros de picada, precisa fazer isso, aquilo. Ela contrata uma empreiteira, a empreiteira coloca tudo por conta dela, funcionário, o que eu te falei, alimentação da gente também, fazem os acampamentos e é tudo terceirizado. O que a gente vai fazer é dizer o que a gente quer, onde e como, e fiscalizar. A gente vai fiscalizar, supervisionar, fiscalizar e fazer os trabalhos que são mais técnicos e a parte de escritório. É a Docegeo que faz, que monta tudo, eles só se envolvem na parte de campo mesmo, executar o trabalho. Mas na parte de quando se entrega as amostras, já é tudo para a Docegeo. Você envia para o laboratório e tal, aí acabou a função deles. Então vai para outro alvo, faz acampamento, a mesma rotina. É uma rotina. Aí contrata também empresa de sondagem, não sei se já ouviram falar. A empresa de sondagem é que faz a perfuração, quer dizer que é uma empresa especializada e eles também fazem tudo, a gente só faz dizer onde furar, como e acompanha o trabalho. Então hoje a Docegeo, Vale, está mais nesse esquema, acompanhando. Porque se vê por aqui tudo quase é empreiteira. Tudo é empreiteira. E já tem também, via empreiteira, certos apoios. Vamos dizer, a gente precisa de uma pessoa para ajudar na administração, no escritório, ajudar nessa parte de programação, que nós temos em Tucumã uma moça. Aí já se contrata via empreiteira e ela fica trabalhando com a gente. Quem dá as atribuições é a Docegeo, ela executa o que a gente pede e tem o funcionário da empreiteira, que a gente passa o trabalho para o encarregado e ele já põe a equipe dele para fazer. A gente já cobra dele, porque a gente não lida com o pessoal dele, só com os encarregados. E, no caso, se for uma pessoa específica para trabalhar com a gente, ele só faz entregar o funcionário e a gente é que coordena, sempre tem isso aí.
P/1 - Essa é a relação.
R - Essa é a relação.
P/2 - E, Seu Chico, conta um pouquinho para a gente aquela história do medo. Quer dizer as pessoas, essas pessoas empreiteiras sabendo coisas da Docegeo, como é que era isso?
R - Tá. Sobre o medo eu acho que, se for em porcentagem, é muito pouca a porcentagem dos medrosos mesmo. São poucas mas tem. Até essa pessoa que eu estou te falando que a gente contrata na região, é difícil eles terem esse problema. O problema sempre é o cara que vem da cidade, que apareceu no meio, que é o medroso e, às vezes, ainda transmite o medo dele para os outros. Duas coisas o cara transmite, o medo e... Se ele não é bobo, às vezes ele consegue dobrar um pessoal para o lado dele para ser também meio rebelde igual a ele, e o medo é a mesma coisa. Tem o cara que tem medo de tudo, que vai no mato, até por uma folha que ele vê se mexer ele já fica dando pulo por causa das histórias. Os caras que não são medrosos são os caras que mais contam histórias de onça, de visagem. Aqui a gente chama de visagem, é assombração, é que morreu não sei quem, é que o cara aparece, essas coisas todas. E o cara vai metendo aquilo. Eu acho que o cara vai, a mente do cara, ele vai colocando aquilo na mente dele, essas histórias de noite. Eu notei que o cara pega mais medo ouvindo a história no escuro. Se você contar uma história para o cara no claro, ele não fica muito preocupado, mas as histórias deles, quando apagam as luzes, ficam no escuro, aí o cara não está com sono e começa a contar a história para o outro e tal, e no escuro parece que o medo é maior, o cara tem mais medo por causa do escuro. Tem cara que mexe, vai para o mato, dá uma roncadinha ali, aí já pensa que é uma onça, e aí vai aumentando o medo do cara que já tinha um medozinho, vai aumentando.
P/2 - Então o pessoal cai em cima do medroso?
R - Cai em cima. Se notar que é medroso, cai em cima e aumenta o medo dele, com certeza. Aumenta mesmo, aumenta demais.
P/1 - Vocês tem... Você lembra de casos assim, de medo, essas coisas?
R - Vai ver o caso mais engraçado que eu já vi, que tem muitos casos de medo, né? Bem, o caso engraçado que eu vi, mas não foi bem aqui, foi na minha terra, na Abaetetuba, de medo. Tinha uma pessoa lá na beira de um rio, meu pai tinha uns terrenos lá. Eu me lembro o nome dele, eu tinha uns dez anos, eu lembro bem o nome dele, era Cido o nome, ele era gago e medroso. Tinha dois defeitos: gago e medroso. Aí, na beira do rio, não tem aquele pessoal que tem aqueles casquinhos? Você já ouviu falar em casquinho? É uma embarcação bem pequenina, feita de uma tora, cavada, igual de índio. É uma que chamam um casco, uma canoinha, sei lá. Aí ia para a beira do rio pescar de tardinha, quando chegava a noite ele já vinha. Quer dizer, não ficava sozinho de noite, aí ele foi lá para a beira do rio. Todos aqueles casquinhos têm uma cordinha, ele amarrava lá na beira, jogava o anzol dele e ficava lá, claro, pescando. Aí, quando vinha escurecendo, ele desmanchava o casquinho dele. Aí ia sair, desmanchou o casquinho dele, mas não jogou a cordinha para dentro, a cordinha ficou pendurada. O que aconteceu? A cordinha engatou num garrancho na beira do rio, aí ele puxava com aquele remo, não tem aquele remozinho. Ele puxava correndo para um lado, a corda puxava ele para o outro, aí ele gritou muito, rapaz. Ele gritava: “Você me acuda que esse bicho está me comendo.” Ele gritava que o bicho estava comendo ele. Como tinha morador perto, viram aquela gritaria e foram lá. Apenas a corda estava engatada num galho de pau. Ele remava para um lado e a corda puxava para o outro, e estava tão com medo que ele não soube ver o que era, disse que era o bicho que estava comendo ele. Então são essas histórias que eu acho. Ele já era medroso e o pessoal lá metia mais medo nele. Ele era tão medroso que no interior eles andam no mato... Da casa de um para outro, quando é inverno, tem lama, aí cai água para dentro do sapato, aí ele começou a andar e o sapato começou a fazer uma zuada. A zuada nada mais era do que aquela água dentro do sapato dele, que fazia uma zuada estranha e ele corria, corria. E a zuada acompanhava e aumentava. Claro que ia, aí parava, escutava, aí começava a andar, zuava de novo, estava correndo do próprio calçado dele.
P/1 - O próprio pé.
R - O próprio pé dele, então isso que eu chamo medroso extremo. Porque a gente tem medo, todo mundo tem um pouco de medo, né?
P/1 - Claro.
R - Mas coisa séria, né?
P/1 - E o senhor mesmo, já sentiu medo no acampamento?
R - Não, no acampamento não. Já senti medo quando dá um vento, que aqui na região dá uns ventos que derrubam árvore, que você olha, você pensa que não foi derrubado com vento. Aí, quando dá um temporal, dá aquele vento. Aí, pô, se cair uma árvore em cima do barraco... Já caiu uma árvore em cima do nosso barraco, mas nós estávamos lá para a cozinha jantando. Caiu em cima do nosso escritório, que a gente chama. O escritório é uma parte do acampamento que a gente separa para botar uma pranchetinha, botar os papéis, o rádio, para botar o mapa para a gente coordenar o trabalho. Aí, quando nós estávamos lá para a cozinha, deu um vento, caiu um pau em cima do nosso escritório e arrebentou tudo. Então o medo que a gente tem é esse, é cair uma árvore em cima do escritório, no campo mesmo, cair uma árvore quando a gente vai andando de carro. É coincidência, né? Mas pode acontecer.
P/1 - Coisas naturais, né?
R - É, coisas naturais.
P/1 - Agora, sobrenaturais...
R - Sobrenaturais eu não acredito, eu não acredito nisso, não. Negócio de... Eu nunca fui ligado, até porque se eu for acreditar, eu acho que eu vou ter medo, né?
P/1 - É.
R - Uma pessoa me contar, ela pode contar. Tudo o que ela me contar, eu estou ouvindo, mas eu procuro não gravar, não mentalizar aquilo como verdade. Porque se a gente ouvir acreditando, eu acho que a gente vai ficar com medo. Então é assim que eu faço. E eu ensinei também meus três filhos, desde pequenos, a não terem medo de escuro. Eu levo sempre eles para o interior, que lá em Abaetetuba... Eu saí de lá, como eu te falei, mas eu sempre volto lá. Eu tenho um barraquinho lá, na beira de uma praiazinha, perto de Barcarena, perto da Albras, no mesmo litoral, mais ou menos uns vinte quilômetros, uns quinze quilômetros subindo. Aí, quando eu estou de folga, eu vou para lá. E quando meus filhos eram menores... Porque agora já estão todos adultos. Quando fica adulto a gente coordena. Quando é pequeno, quando a gente vai, leva os meninos. Quando fica adulto, um já não quer ir, outro quer ir para ali e tal. Mas aí, quando eles eram meninos eu levava eles para lá constantemente e eles não têm medo. Escuro, apagava a luz, deixava eles no escuro. Quando é dentro de casa mesmo, porque criança tem medo do escuro, eu acho horrível. Apaga a luz fica gritando. E eu apagava quando eles eram crianças. Até hoje existe, eu deixo eles, eles ficam sozinhos em casa.
P/1 - Se acostumaram.
R - Se acostumaram.
P/1 - Seus filhos têm quantos anos?
R - O meu filho mais velho é homem e tem 24, tem uma com 22 e a outra tem vinte.
P/1 - Um menino, quer dizer. Um menino.
R - Um rapaz e duas moças.
P/1 - Um rapaz e duas moças.
R - Só três. Já todos os três estão na faculdade. Um já saiu, as duas estão ainda.
P/1 - Ah, é? Fazem faculdade de quê?
R - Ele fez Processamento de Dados e elas fazem Turismo. Turismo e Administração de Empresa, as duas.
P/1 - Todos em Belém?
R - Todos, todos em Belém. Aí eu não tive mais chance, como eu lhe falei. Desde quando eu fiz mineração, eu caí no mato e não voltei mais para ficar na cidade, não dava.
P/1 - Mas o senhor está satisfeito?
R - Estou porque eu dei a chance para eles, né? O meu filho queria fazer Geologia mas eu não fui a favor, não.
P/2 - Não gostou de alguma coisa
R - Não, é porque eu conheço a profissão, mesmo não sendo geólogo. Eu conheço e não é fácil. Se fosse fácil emprego eu até acharia bom, mas não é fácil, porque eu conheço dezenas de geólogos aí que não conseguiram se empregar até hoje. E o cara fica desmotivado. Então, uma função como ele escolheu, processamento, é mais fácil de emprego. O cara faz até trabalho particular, trabalho, serviço prestado. E em geologia você reparou que o cara não tem quase como fazer se não for trabalhar já como empregado. Não tem muita coisa para fazer. Igualmente em mineração, como é que eu vou trabalhar por minha conta com mineração, só se for garimpar. E geólogo também, não tem. E tem umas profissões, ainda é por campo, ele tem problema de vista. Tive que fazer um transplante de córnea, aí é ainda pior. A gente só de óculos no campo já é difícil, e um cara que tem um problema sério, que enxerga menos... Aí eu tirei, mas ele queria. Aí foi bom porque ele já se formou em outra coisa, está trabalhando por aí já, sem vir para o campo. Até porque também, viu rapaz, o campo é aquilo que eu te falei. A gente gosta mas tem o lado ruim. O lado que tem dia que o cara, se ele vai subir numa serra uma hora da tarde, duas, sol quente, uma serra aí que tem 45 graus de inclinação, trinta, e o cara tem que subir para descer para o outro lado. Cansado, pô. Aí naquela hora o cara diz: “Pô, que trabalho ruim.” Aí quando chega no acampamento, toma um banho, relaxa, no outro dia já até esqueceu de ontem.
P/2 - À noite, como é que vocês ficam? Vocês conversam, fazem alguma coisa? Como é que é à noite?
R - É, na base. Como agora eu já tenho televisão, agora tem as fases. Na fase que a gente não tinha nada, não tinha televisão, era aquilo que eu lhe falei. Apagava o geradorzinho às nove horas, logo, para não gastar muito combustível e ia contar esses casos até alguém dormir, todo mundo dormir. as hoje nós temos televisão, aí conversa muito, quer dizer que mudou.
P/1 - Seu Chico, e animais na noite? O senhor já teve? Conta aí aquela história do morcego.
R - Ah, tá! Bem, no primeiro dia de estágio eu saí de Belém até Conceição. Eu cheguei em Conceição, cheguei em São Félix. Em São Félix eu encontrei o alojamento da Docegeo, para onde eu fui estagiar. Eu nem sabia como era um acampamento de mineração. Cheguei lá, a rede toda enfileirada, perpendicular ao barraco, coloquei a minha lá até próximo ao comandante. O comandante era o Campos Sobrinho, piloto de helicóptero, aí conversamos. naquele tempo também ainda era precário. Apagou a luz, conversamos, conversamos, todo mundo foi dormindo. Eu me lembro que eu já ia dormindo quando eu vi um negócio no meu pé, deu uma puxada. Quando eu levantei o pé o morcego já tinha me tirado um pedacinho do meu dedão do pé, morcego vampiro. Eu já tinha sido picado uma outra vez pelo morcego, mas não,em Abaetetuba, eu ainda era garoto. Mas essa foi que eu me lembro bem, aí o pessoal viu, estava saindo sangue e tal. O comandante disse: “Pô, isso daí dá uma doença, não tem a raiva nesse negócio?” Começou, mas eu não me assustei, não. Até porque eu já conhecia a fera, morcego. Isso aí eu já vi com tanta gente acontecer. Não ficou, não teve problema, e acho que não teve porque até hoje eu não senti nada. Aí, no outro dia, pegamos o helicóptero e fomos para a área de trabalho. Eu me lembro que lá em São Félix era tanto pium que não dava tempo da gente parar.
P/1 - Pium?
R - Pium é um insetozinho, um mosquitinho que persegue a gente, deixa todas as marquinhas no braço da gente. Era muito pium em São Félix do Xingu. Aí, no outro dia, nós já fomos para o campo. No campo já melhorou, porque no campo eles está mais na margem de rio, mas central tem menos. Quanto mais central, mais tem menos. Aí o meu estágio foi esse. Passei lá esses dois meses e meio para Belém, depois voltei. Mais dois meses e meio terminou, aí começaram as atividades em si.
P/2 - Malária o senhor nunca teve?
R - Malária já, já teve três malárias. Na Docegeo eu tive só uma, uma fraquinha ________ se é mais fraca. Mas as outras... Eu tive uma em Itaituba, essa foi brava. Também dessa aí eu fiquei meio ruim, por isso foi nessa época que eu parei de trabalhar em empresa pequena, que eu trabalhava. u vi que a gente adoeceu, o apoio é muito fraco. Depois que eu fiquei bom dessa malária, aí eu melhorei, que eu procurei entrar numa empresa maior como a Docegeo para então eu saber. Aí eu fui sentir que em empresa pequena, quando o cara está com problema, a gente não tem apoio de tratamento. E a realidade é essa: que se adoeceu não é mais ideal.
P/1 - Não serve mais.
R - Não serve, tem que ficar bom rápido, já tem um prazo para ficar bom.
P/2 - Senão é descartado.
R - É, senão é descartado.
P/2 - E não era obrigado a tomar vacina?
R - Não, malária não tem vacina, não tem preventivos.
P/2 - Só febre amarela.
R - É. Existe um método aí que eu cheguei a usar. A gente toma uns comprimidos, só que não pega, fica resistente. O que aconteceu é que quando eu peguei uma, o remédio não fez efeito porque eu tinha tomado para passar seis meses no Mato Grosso. Eu tomei esses comprimidos semanalmente, que eu não peguei a malária, mas de lá eu fui para outra área e não tomei mais. Aí eu peguei a malária e quase não fico bom porque eu estava resistente ao medicamento da malária, que é o quinino, não é? Aí... Quer dizer que tem. Fui fazer um trabalho para uma multinacional, era até um processo que eles faziam para que a pessoa fizesse o trabalho sem problema, mas depois que saía de lá ficava com esse problema.
P/1 - Eles não davam nenhum remédio a mais, ou davam?
R - Não, malária tem que ir para a Sucam. Malária é tratada pela... Não é assim, um tratamento particular não tinha, sempre a Sucam que dava os medicamentos certos. O tratamento particular não era bom, de farmácia. Levantava mas não curava. Melhorava mas não curava definitivo. Então a Sucam é que é especializada em tratar da malária até hoje. Leishmaniose, também já tive uma.
P/1 - Leishmaniose também?
R - Agora eu tenho mais medo de leishmaniose. Eu tive uma aqui na Bahia, aí dá muito. Nesse ano foram quatro colegas pegando leishmaniose, só num ano.
P/2 - Não tem preventivo também ou…?
R - Não que eu conheça. Leishmaniose é ruim, é uma doença muito mais difícil de tratar do que a malária.
P/1 - Dá más deformações... Não dá umas feridas?
R - Não, é uma ferida só que vai aumentando a cada dia. Não dói, mas se não tratar ela pode matar. Em Belém tem o Hospital Evandro Chagas, que trata muito bem da leishmaniose, nós éramos tratados lá. Então só tem uma injeção para isso, procantino, só. Não tem outra. Eu tomei noventa para ficar bom, noventa ampolas. É de dois períodos para poder ficar bom porque ela estava meio avançada. Porque lá era uma parte bem forte. A gente pensava que era uma picadinha, uma feridinha qualquer, ficava fazendo curativo. Ela seca, ela lá por dentro está, aí ela fura de novo. O certo é tratar logo no início.
P/1 - Vai aumentando.
R - É, no início o tratamento é mais simples. Então, para mim, essas doenças são as piores aqui da região: leishmaniose e malária.
P/1 - Seu Chico, o senhor conhece... Quer dizer, esse tempo todo que o senhor trabalhou no mato, o senhor conhece plantas que o senhor usa eventualmente para dor de cabeça, gripes e tal?
R - Conheço. A gente faz chá de canela para o estômago, para o fígado, jatobá... Eu aprendi um bocado de coisa assim, que quando... Agora não, que nós temos, a Docegeo tem medicamentos, tem enfermeiro. Mas quando eu estava na outra empresa, a gente fazia muito essas coisas. Até para a malária tem uma, é aquina, que o cara faz um chá e diz que cura também a malária. Não sei se é verdade, mas tem leite de algumas árvores, também é bom para alguma coisa, copaíba... Vocês conhecem copaíba?
P/1 - Não.
R - Copaíba é um que tem aqui. A gente põe no ferimento e no outro dia está sequinho, é rápido que seca. Tem umas coisas que resolvem. A pessoa pensa que... Isso é verdade, você leva um corte às vezes no campo, não tem como imediatamente fazer uma sutura. O cara tira uma folhazinha do açaí, que é uma palmeira, aquilo tem um sucozinho. Você amarra em cima daquele lugar que está sangrando e pára o sangue.
P/2 - Estanca.
R - Eu acho que tem duas funções. É mais porque o cara aperta e aquele sucozinho deve ter alguma coisa que ajuda. Eu já vi fazerem, já fizemos e deu certo, porque às vezes o sangue não quer parar.
P/1 - Quer dizer, o conhecimento que as pessoas usam, tem gente que mais ou menos...
R - Que as pessoas usam, mais ou menos, mas usam.
P/2 - Nesse sentido, vocês foram descobrindo isso no decorrer das expedições.
R - Não, sempre alguém que vai passando para a gente. Porque toda região que trabalha, sempre tem uns caras que já são de lá e a gente que vai da cidade leva alguma coisa e lá sobrevive sem ter nada. Quando adoece, eles tiram uma planta, fazem um chá e tiram um negócio, quer dizer que vai vivendo.
P/2 - Quem conhece mais essas coisas é mesmo o pessoal de origem.
R - É o pessoal da região, de origem do campo, eu conheço alguma coisa porque eu sou de origem do interior de lá de perto de Belém, então eu já conhecia, com mais esses 20 e poucos anos de mineração, aí eu vi mais coisas ainda, assim em termos de sobreviver se não tiver recursos, né, principalmente a parte de comida, né, que o cara tem que caçar, pescar, dá o jeito dele, tirar palmito, tira açaí, né, tem castanha, aqui não tem como morrer de fome, eu acho, aqui na Amazônia, o cara tem um bocado de coisa para comer.
P/1 - O senhor já ficou sozinho alguma vez, sozinho mesmo, na floresta?
R - Não, aqui na Docegeo a gente não fica sozinho assim. A gente fica no acampamento. Às vezes a gente tem o acampamento nosso e o da empreiteira uns cinquenta metros afastado, trinta. Aí, se só está eu da Docegeo, eu fico sozinho lá no nosso alojamento, mas é próximo dos outros. Mas tem cara que não fica, ele chama alguém para ficar mas não tem nada a ver. Depois que o cara dorme, tem que estar teladinho o mosquiteiro. Eu confio muito no mosquiteiro. Sem mosquiteiro no mato eu acho que eu não consigo dormir, porque com o mosquiteiro você sente dentro de um ambiente. Você nunca viu um mosquiteiro armado, um mosquiteiro de rede?
P/1 - Por cima?
R - Sim, a gente se sente dentro de um ambiente protegido, mas a gente vê que o garimpeiro não usa aquilo e vive. Então não é tão perigoso, mas eles pegam mais malária também.
P/2 - É obrigado a usar o mosquiteiro dentro da equipe?
R - Ah, dentro da equipe é. As empreiteiras têm a obrigação de dar um para cada funcionário deles.
P/2 - Cada funcionário é obrigado a usar?
R - É obrigado a usar, se eles não usarem a gente pode. Às vezes eles não usam porque a gente não pode estar todo dia junto deles, às vezes a gente fraga um, dois sem mosqueteiro, manda colocar, tal, mas é obriga a usar.
P/1 - Gostaria que o senhor contasse um pouquinho aquela coisa da descida da corda, como é que é esse processo, procedimento.
R - Tá, esse processo, nós vamos abrir um alvo que nós fizemos um sobrevoo lá. Não tem nenhuma, não tem nenhuma fazenda onde lá, não tem nenhum lugar natural, um campinho natural, porque em beira de rio sempre tem um campinho natural e tal. Mas quando é próximo de topo de serra, não tem. A vegetação é meio alta, aí às vezes a pessoa procura um local em que a vegetação, numa encosta de serra, é mais baixinha e tal. Aí que dá uns dez ou doze metros, no máximo quinze, aí marca aquele lugar. Aí, no outro dia, já vai com a corda, tem alguém aqui da segurança que acompanha no helicóptero, chega lá e orienta: “Olha vocês descem e tal.” Punha a corda, a gente desce uns dois ou três, inicia um trabalho, um trabalho, faz uma clareira e com dois dias o helicóptero já pousa normal. Aí inicia já os acampamentos e o trabalho. Esse trabalho, ultimamente... Faz uns dois anos que nós não temos feito ele, até porque nós estamos trabalhando numa área que já tem bastante fazendinha, abertura e sempre tem um pasto. A gente pousa no pasto. Às vezes a gente volta para uma clareira que já teve um trabalho lá, a gente ainda tem a posição das clareiras. A gente volta para aquela clareira de dois anos atrás, que a vegetação também está baixa ainda e reativa ela, aí tem vezes que não é preciso corda, tá baixo ainda, o helicóptero vai até próximo, o cara pula, limpa, aí pousa. Então esse trabalho é mais um trabalho de exploração, mas faz um ano, quase dois anos que nós estamos trabalhando em área que já teve trabalho, fazendo um trabalho mais detalhado já. O primário mesmo já está menos, então o cara faz uma fase, passa um ano, espera o resultado, depois a pessoa analisa. Se acha que ali tem que voltar para continuar, volta, mas já volta para um lugar que já teve trabalho.
P/2 - E essa região que já foi explorada, quando se constata que dali não vai ter nenhum aproveitamento?
R - Aí descarta.
P/2 - Descarta... Mas essa região é reflorestada? Como é que é?
R - Não. Naturalmente, onde faz uma clareira, que a gente abre assim uma média de dez metros por dez, limpa e o resto só faz abrir umas árvores para dar abertura para o helicóptero pousar. Aí a gente não faz esse trabalho porque, com um ano, se você volta lá, se você não tiver o ponto registrado em qualquer lugar, você nem acha mais, que a vegetação já tomou conta, a vegetação secundária. É rápido, uma vegetação mais mole, mais...
P/2 - Então costuma-se marcar a região para depois.
R - É, a gente tem um mapa e tudo. Tem no mapa onde já se trabalhou, então se tiver que voltar a gente acha o local antigo em que já trabalhou, até as picadas. Você procura, você acha alguns marcos, tal, e retoma o trabalho.
P/1 - Seu Chico, desde que o senhor começou a trabalhar, o senhor acha que mudou muito, devastaram muito? Como é que é isso, mudou muito a paisagem?
R - Devastaram muito, até porque não tem fiscalização. Eu acho que 90% dessas pessoas que tem essas fazendinhas não têm autorização para devastar, para derrubar. Mas eles fazem todo ano um pedacinho, vinte alqueires, dez alqueires, aí vão queimando e se vê. Olha, tem área que eu comecei que era selva natural, primária, e hoje em dia é fazenda já que você vê. Não tem mais nada. Então é muito mesmo, isso aí sem dúvida, muito mesmo.
P/1 - Chico ainda hoje é proibido ter bebidas e tal dentro dos acampamentos ou não?
R - Não. Assim… Oficialmente é proibido, mas aparece. Mas não cria problema nenhum, até porque o que aparece é muito pouco e é muita gente. O cara pega uma garrafa de pinga e não dá para nada. Agora, no garimpo eles usam muito a bebida, no garimpo se usa, que é até o meio de comércio do comerciante, levar bebida para vender caro.
P/2 - Mas o pessoal do garimpo vende para o pessoal da equipe ou não?
R - Não, não, porque a gente não deixaria. Aí ia prejudicar o nosso trabalho.
P/2 - Eu sei, mas na clandestinidade isso não ocorre?
R - Não, não ocorre porque o preço é muito alto. O pessoal de empreiteira não ia comprar um litro de pinga pelo preço que um comerciante de garimpo vende para o garimpeiro.
P/2 - O pessoal já traz de casa?
R - É. Sabe que o pessoal não tem. Olha, eu estou há anos lá. O pessoal, o pouco que bebe é quando eles saem na cidade. Eles bebem muito, mas no campo eles não bebem porque não tem. Até porque se a gente ver... O cara pode levar uma garrafa, duas, mas de caixa a gente não vai deixar. Já pensou uma empreiteira estar levando caixa de garrafas para o funcionário dela? Não ia achar bom porque vai atrapalhar o trabalho.
P/1 - Briga tem muito? O Senhor presenciou muita briga dentro do trabalho, aí?
R - Briga séria, não. De vez em quando tem uma briguinha, mas não é coisa grave, não.
P/1 - Discussão.
R - Discussão. O cara mostra o facão para o outro. O que eu vi de mais grave, um funcionário nosso, não da Docegeo, dessa outra empresa, ele tomou umas pingas. O trambiqueiro entrou assim, como você falou, clandestino. Quando chegamos do campo eu com o geólogo, ele estava meio doidão lá, foi mexer com um peão que veio do campo, sangue quente, aí o cara pegou o facão. Dei uma ripada nas costas dele mas não fui para cortar, mas ficou a faixa certinho, queimou a pele dele, ficou certinho o desenho do facão. Facão vocês sabem como é mais ou menos o formato, não é? É comprido. Aí deu nas costas, o cara estava sem camisa, queimou as costas do cara, rapaz.
P/1 - Ficou a marca.
R - Ficou a marca, passou tempo para sumir. Essas brigas sempre tem. Uma vez eu também vi o cara dar com uma corrente de motosserra no outro.
P/1 - Tudo isso na Docegeo?
R - Não, não. Mas na Docegeo também aconteceram essas briguinhas, mas coisa rápida. Mas quando a gente não está próximo, quando tem alguém que lidera e está próximo, não acontece quase. Sempre a gente não está próximo é que o cara se exalta mais, às vezes bebeu uma pinga. Por isso mesmo é que a gente não deixa, porque quando ele está bom é uma coisa, quando ele bebe, ele muda, fica alterado e tal, começa a discussão. Então a bebida não dá certo no campo.
P/1 - Esse da motosserra, o que foi que aconteceu?
R - Pegou a corrente deu uma correntada no outro.
P/1 - Ah, deu uma correntada no outro. Mas o fato de hoje ter mulher em alguns acampamentos, isso modificou alguma coisa ou não?
R - Não, não, o pessoal respeita, respeita muito. Só se for de vontade dela. Mas não existe. Existe um caso daquele que eu te contei, que o cara conversou uma menina lá, aí ela disse: “Quem sabe uma hora.” É uma frase, “quem sabe uma hora”, às vezes tu convida um cara, “vamos tomar uma cerveja” e te diz “quem sabe uma hora”.
P/2 - O jeito de se dizer.
R - O jeito. Aí ele entendeu diferente, aí quando apagou o gerador, quando deu uma hora da manhã, ele foi lá com a lanterna no quarto dela, lá na rede dela. Aí ela se assustou: “O que você está fazendo aqui?” “Você não disseste uma hora?” Caso assim, que ele entendeu mal, casinho assim. Mas esses casos eu acho sempre permitidos, mas não que haja, assim... Que um cara force, não.
P/2 - Tem família que trabalha junto ou não? Por exemplo, o cara tem uma função e a mulher dele outra.
R - Teve, nessas empreiteiras já teve. Teve, veio de Belo Horizonte um casal aí, mas já parece que já foram, eram marido e mulher pela empreiteira.
P/2 - E na Docegeo?
R - Na Docegeo tem também.
P/2 - Tem?
R - Na Docegeo já teve mais, agora acho que tem menos, nem me lembro de algum caso. Mas já teve bastante marido e a mulher trabalhando. Quando a Docegeo tinha escritório em Belém, sempre a mulher trabalhava no escritório, ele trabalhava no campo. Tinha alguns casos desses, marido e mulher. Irmão também. Até um irmão gêmeo, alguns casos de parente. Parente porque, quando era o tempo em que a Docegeo contratava desde o Docegeo de campo até todo mundo, a equipe total era dela. Aí, sabe como é. O cara tem irmão, ele entrou na empresa, aí já fica cutucando. Depois punha o irmão dele, depois punha o primo. Aí tinha muito parente que um arranjava para o outro, que tinha muito funcionário mesmo, aí tinha parente. Mas homem, marido e mulher era menos. Porque a mulher não vinha para o campo nessa época, tinha algumas mulher em Belém, no escritório.
P/2 - Esse escritório acabou quando?
R - Acabou quando privatizou.
P/2 - Quando privatizou?
R - Foi. Acabou o Distrito de Amazônia, que era tudo por Belém, agora centralizou, ficou tudo em Belo Horizonte. Nós não temos mais escritório em Belém. A gente vai de folga para casa, volta para o campo. Antigamente não. Nós tínhamos um apoio em Belém.
P/1 - Com a privatização mudou alguma coisa?
R - Mudou, mudou, mudou sim.
P/1 - O que foi que mudou?
R - Em termos de apoio alguma coisa mudou. Em termos de trabalho também. Diminuiu mais o quadro, o trabalho às vezes aumenta um pouco, mas nada que seja assim, que o funcionário discorde, de dizer que está errado. Até porque estatal é uma coisa e empresa privada é outra, então mudou.
P/2 - Mas na rotina de trabalho mesmo, o que o senhor destacaria de uma mudança mais marcante?
R - O período de campo não mudou, continua o mesmo. Apesar de que falaram que deveria mudar, mas não mudou. Mudou essa rotina em que nós ficamos aqui, do Pará. Ficamos direto vindo para o campo. Só tira folga e volta. Os trabalhos a gente tem que fazer aqui no campo, muita coisa que a gente fazia em Belém, por exemplo, a gente fazia mais o trabalho prático aqui no campo e fazia mais o de escritório em Belém. Agora não, a gente já tem que fazer tudo no campo e ir para Belém mesmo só para tirar folga. Isso mudou, até porque não tem escritório em Belém. Aí montaram também no campo praticamente um escritório que de é Belém e está pelo campo. Um pouquinho aqui, um pouquinho ali.
P/2 - Espalhado.
R - Espalhado, tipo base.
P/2 - Descentralizou.
R - É, descentralizou por projeto. Cada projeto tem o seu pessoal. Quer dizer, eu sou de um projeto, trabalho naquele projeto, tem um colega que trabalha no outro e tal. Os trabalhos são iguais, só muda o pessoal. Queira ou não queira, muda alguma coisa, porque cada gerente às vezes muda um pouquinho o método de trabalho. Mas o objetivo do trabalho é o mesmo.
P/1 - Uma curiosidade em relação à sua família... Quer dizer, como é que a sua esposa vê o trabalho do senhor, desde o começo, essa coisa de passar vinte dias fora?
R - Tá. No começo foi pior para ela porque meus filhos eram pequenos. Quando eu comecei ainda não tinha nascido a última. Então você sabe, uma pessoa ficar só com... Eu passava muito tempo no campo e ela tinha que aguentar sozinha. E ela trabalhava também, ela era funcionária do Estado. Agora ela se aposentou e para ela foi ruim, só que ela entendia que em Belém a gente não conseguia emprego igual no campo, então isso compensava. E agora, hoje em dia, só avisou porque meus filhos ficaram adultos. Pronto, a gente diminui meu período. Faz quinze anos que eu estou com um período menor. Quer dizer que eu estou mais frequente em casa. Passo vinte, passo dez, aí não dá para as coisas saírem muito do ritmo. Agora, dois meses já dá, volto lá e já está tudo diferente. E meus filhos se acostumaram, mas mesmo assim são legais, porque o pouco do tempo que eu passo lá em casa mesmo, com eles, compensa. Às vezes a pessoas diz: “Pô, você trabalha fora.” Mas tem casal que o cara trabalha na mesma cidade mas passa, sai para ali, sai para ali, aí os filhos até vêem menos o pai porque o pai, quando chega, o filho já está dormindo. Não acontece aqui no Pará porque tudo é perto, mas em São Paulo o cara chega e o filho já dormiu, quando sai o filho ainda não acordou. Então, se você for comparar, a gente passa um terço do tempo em casa, mas é em casa mesmo.
P/1 - Nesses dez dias que o senhor fica de folga o senhor fica em casa, o que o senhor costuma fazer é isso?
R - É, saio lá. Quer dizer, eu fico acompanhando eles enquanto eu estou em casa. Então eu acho que é por isso que compensa.
P/1 - Bom, o que eu ia perguntar para o senhor é o que representou para o senhor trabalhar na Vale do Rio Doce, o que significa isso?
R - Eu passei... Eu fico assim, porque no Brasil, em termos de mineração... Eu trabalho no grupo Vale do Rio Doce, mas eu sou da Docegeo, como vocês sabem. Então, o que gratifica a gente é que a gente sabe que a Docegeo é a maior empresa de pesquisa que tem aqui no Brasil, quem mais descobriu, quem mais pesquisa e mais descobre. Eu acho que é isso aí, então a gente participa desse trabalho, todo mundo que trabalha. Ele pode ser até o cara que fez a picada, mas ele participou, não é só o cara que selecionou aquele ambiente para a gente pesquisar, porque seleciona lá por cima e tal. Aquele ambiente, aquela área, ele deu o ponto de partida. Mas de lá para baixo vem uma, escadinha todo mundo participando. E quando se fala em Docegeo... Por isso é que todo mundo quer entrar na Docegeo, porque tem geólogo que, quando sai da Docegeo, sempre alguém se lembra dele. “Esse cara trabalhou na Docegeo, tal, a Docegeo é boa.” Porque descobriu isso, porque pesquisa muito. Então é isso que faz a gente segurar mesmo. E não tem outra que contrate assim e que vá dar o apoio que ela dá. Isso aí a gente tem que ser, não em termos de salário. Acho que em termos de salário não é por aí, mas em termos de apoio. A gente vê tipo na família. O que você perguntou, o relacionamento da gente com o superior da gente é tipo de irmão, todo mundo respeita todo mundo. O gerente da gente respeita a gente, considera a gente e tal, trata igual. Às vezes o cara entra numa empresa que tem uma hierarquia mesmo, que você não consegue falar com o seu gerente, e a gente tem essa abertura. O gerente do projeto, a gente vai e fala com ele o que a gente quer, o que a gente acha e até é melhor. E acho que até para ele é melhor a gente falar o que sente, como a gente achava que deveria fazer aquele trabalho. Acho que é por isso que produz, porque a gente tem abertura de dar a opinião da gente. E queira ou não queira, na Docegeo todo mundo é meio antigo na profissão, é uma equipe que é difícil montar, uma equipe em que o pessoal todo já tem não sei quantos anos, outro já trabalhou em outra empresa, outro só na Docegeo. Mas já tem cara que começou na Docegeo, estagiou na Docegeo e está até hoje na Docegeo com vinte e tantos anos aí, então ele é um patrimônio da Docegeo que para a Docegeo é importante, até porque ele conhece o trabalho dela desde quando viemos, daquele trabalho que não tinha nada até hoje que nós já temos telefone lá no campo. Qual é a empresa que faz isso para a gente? Coloca a gente de helicóptero, tira... Será que tem outra? É difícil ter uma empresa que faça isso, que invista no empregado assim, em apoio.
P/2 - E o pessoal agora em formação. Como é que é? Há a preocupação da Docegeo em formar um novo corpo? Como o senhor falou, tem uma equipe antiga.
R - Exato, e é por isso que existe a contratação das pessoas. Tem os PCJ aí que entram e depois ficam pela Docegeo na Vale. Quer dizer que é manter um quadro também para o futuro. Você já pensou se uma empresa tem cinquenta funcionários todos com mais de dez anos, quinze anos na empresa, vinte. E daqui para frente, se ela não contratar outros, o que que vai acontecer? Vai acabar a equipe de uma vez, tem que ir reformando, e isso existe.
P/2 - Acaba a equipe e a empresa junto, né?
R - É, tem gente de todo o tempo de trabalho e tem gente entrando aí. Entrou agora um pessoal, um geólogo e um técnico, um novato aí. Contrata um reformado, um que já tem uns anos de experiência e vai. Ela se preocupa com a parte de tecnologia do funcionário para ir desenvolvendo, a parte de informática, principalmente, que hoje em dia nós já trabalhamos naquele tempo que ninguém mexia com informática, era tudo na mão, mapinha... Dava muito trabalho mas fazia.
P/1 - Com um mapinha na mão?
R - É, feito mesmo um desenho, fazia no campo depois levava para o desenhista. Hoje em dia é tudo no computador e é rápido e perfeito. Quer dizer que ela investiu nisso. Hoje em dia o pessoal mexe muito com isso porque a equipe é boa. Agora, desempregou muita gente, porque os desenhistas perderam o emprego deles. Desenhista de prancheta - você sabe também que a engenharia acabou com essa função - era uma função de desenhista, que nada mais é do que o técnico de edificação, que se precisar fazer mapa na prancheta hoje não tem mais.
P/2 - Mas a Vale, no caso a Docegeo que é onde o senhor atua, não se preocupou em reciclar essa gente, em atualizar esse pessoal?
R - Se preocupou, mas caí naquilo que lhe falei. O quadro da Docegeo terceirizou e ficou praticamente só a parte de técnico e geólogo. Então sempre eles tiveram que perder daí, mas eles não perderam porque eles ficaram com o conhecimento e muitos prestam serviços para a empresa terceirizada já. Quer dizer que para eles também não foi tão ruim, saíram da empresa mas ficaram com o conhecimento e prestam serviço para a própria empresa via empreiteira particular, então aconteceu isso.
P/2 - A Docegeo demite, vai lá a empreiteira…
R - É, vamos dizer que é um trabalho aí. Contrata um cara pela empreiteira, o cara faz o trabalho, mas a maioria ficou sem emprego. Mais o pessoal administrativo, o pessoal que mexia com a administração no escritório, que para eles não teve lugar. Mas também o próprio funcionário da Docegeo, aquele... A maioria está pelas empreiteiras também, porque às vezes eles perguntam, aquele cara que trabalhou na Docegeo é bom, aí eles chamam o cara, o capataz, o auxiliar de campo. Quer dizer que eles perderam mas o conhecimento adiantou.
P/1 - Naquele processo do sopão nos anos 1990 saiu muita gente?
R - Saiu, daquele sopão qualquer um que quisesse podia sair, só que a maioria não sai .Muitos saíram no sopão porque quiseram mas se arrependeram, depois voltaram, mas não tinha como voltar mesmo, não tinha mais vaga. Foram para a empreiteira, montaram alguns negócios, mas não dá certo às vezes. Às vezes o cara não tem uma visão de negócio e com pouco dinheiro não dá para ir muito longe, e muita gente que a gente encontra está numa boa, a maioria, poucos estão bem, porque às vezes o cara arranja um outro emprego, mas a maioria…
P/2 - E em relação à Amazônia, existe a sensação de que se construiu algo aqui desde o começo, algo novo, ou não?
R - Como?
P/2 - No Amazônia, de ter explorado esse lugar, ter construído isso. Existe essa sensação entre as pessoas do projeto da Docegeo?
R - Existe, tem cara que se orgulha de ter participado do projeto, construído. Você vê que tem gente que subiu a Serra do Carajás que não tinha nada. Hoje em dia tem esse núcleo aqui com hotel e tal, o Baía. No Baia mesmo a gente vê. O cara da Docegeo às vezes vai entrar lá, não tem autorização, mas eu subi aqui quando ainda não tinha nada, só tinha mato aqui. Hoje em dia, para eu entrar... Porque já está outra equipe. Às vezes o cara não pode entrar assim, chegar lá e descer do helicóptero se não tem autorização. É outro departamento, e eu digo, mas é a realidade, já está em outra fase. A fase da gente é essa aqui, hoje a gente está lá no campo, eu estou no campo lidando com os moradores, os colonos, os fazendeirinhos. Tem que conversar com eles para fazer o trabalho na área deles, eles também ficam um pouco com o pé atrás, mas muitos gostam porque ficam, queira ou não queira ajuda. Tem cara que a gente encontra que passa anos sem ir para uma cidade porque não tem como sair, e às vezes a gente passa de carro e dá uma carona, leva o cara numa cidade mais próxima e trás e aí já pede uma coisa e o cara arranja. O enfermeiro às vezes cuida de um corte do cara, então os colonos que estão na região, eles gostam quando chegam uma. Agora os fazendeiros maiores, claro, eles tem infraestrutura boa. Para eles tem que segurar um pouco, eles não estão necessitando de ajuda, aí é o contrário, eles têm que ver o que a Docegeo vai fazer lá, negociar com eles para pesquisar dentro da área deles. Agora, os pequenos não, eles querem ajuda, material logo, imediata, querem uma carona. Até um remédio o cara não tem para uma dor de cabeça, aí eles se sentem bem quando a gente está na área, e a Docegeo, quando era tudo Docegeo era até melhor ainda para eles, porque enfermeiro cuidava desse pessoal nas colônias. Hoje em dia a empreiteira tem que segurar o lado dela porque também não vai poder também gastar com estranhos, porque ela vive de lucro. A Docegeo já tinha aquele medicamento próprio que, se a gente não usasse, poderia estragar porque tinha validade, então o enfermeiro ia ajudando. E essa empreiteira não pode fazer isso, usar certo para o pessoal dela. Então isso é uma mudança que teve quando era só Docegeo e agora quando é terceirizado.
P/2 - E o pessoal sente saudades do tempo da Docegeo?
R - Sente, sente saudades do tempo só Docegeo mesmo. Todo mundo era Docegeo. Lá em Belém tinha as festas do fim do ano, os aniversariantes do mês, quem estava de folga lá na coincidência. Ah, esse mês é aniversariante, tantos aniversariantes e tinha aquela festinha, tal. Depois passaram para de dois em dois meses e foi até hoje. Hoje em dia não tem mais nada, aí fim do ano tinha festinha do fim do ano, no clubezinho da empresa. Quer dizer, isso deixa falta para a gente. Então isso é uma coisa que mudou depois da privatização, isso aí mudou muito porque a gente não tem mais. Nós tínhamos assistente social, que qualquer coisa e tal, até a família da pessoa, se estivesse no campo... Mas meu filho era pequeno, adoecia, eu não podia sair do campo imediato, ela tinha obrigação de dar apoio para a mulher do cara, então é isso aí, mudou.
P/2 - Hoje em dia não existe mais nada disso?
R - Não existe, não existe.
P/2 - Ou diminuiu?
R - Não existe. Existe um plano de saúde que a gente mesmo tem que manter, mas é ajuda pessoal. Lá, como tinha carro, vamos dizer... Como quando eu peguei malária, cheguei lá, fiz exame e nem sabia que eu estava com malária, aí o enfermeiro... Tinha um monte de enfermeiro lá, tinha enfermeirazinha lá, tinha um médico do trabalho. O enfermeiro ia na casa da gente buscar a gente: “Ó, você está com malária, está aqui seu remédio e tal.” Hoje em dia não tem mais, então isso é uma coisa que mudou depois da privatização.
P/1 - Em termos de salário, mudou alguma coisa ou não?
R - Em termos de salário, não, não mudou. Mudaram algumas vantagens, ticket refeição, isso aí que tinha e que não tem também mais.
P/1 - Não tem mais isso?
R - Não tem mais. Essas coisinhas que mudaram, alguma coisa que corta ali, mas dá ali, aí fica empate, salário educação. Vamos dizer, o meu filho fazia faculdade, eu pagava só 40% e a empresa pagava 60%. Todo mês eu passava o recibo, me reembolsavam 60% e eu pagava 40%. isto também acabou. Certo que o meu filho se formou e as minhas duas estão na Federal, acabou exatamente quando foi para mim, mas para muita gente não.
P/2 - Sorte para o senhor.
R - Porque eles estudaram ainda em colégio particular todos nesse esquema, mas exatamente quando a minha filha mais nova terminou, que ela entrou na faculdade, foi o mês que cortaram essas coisas. Então quem tem muito filho, se eu tivesse hoje, eu não podia pagar uma faculdade integral para o meu filho mais, como é que eu ia pagar para três? Então isso mudou.
P/1 - Quer dizer: cortaram os benefícios, o salário não aumentou e o trabalho aumentou, é isso?
R - É, o trabalho sempre aumenta, mas aí se a gente for ver... Faz a pesquisa. A gente está sempre dentro do padrão do salário nacional, faz aquela média, nós estamos ainda acima da média, está na média. Ninguém pode, que isso é regra, tem as faixas, o cara está dentro da faixa e pronto.
P/1 - Chico, deixa eu perguntar então. O senhor, olhando para a sua vida, para a sua trajetória, se pudesse mudar alguma coisa, começar de novo, por exemplo, e mudar alguma coisa nessa trajetória de vida, o senhor mudaria ou não?
R - Acho que eu mudaria, sim. Depois que a pessoa viveu é difícil a pessoa achar que não mudaria para melhor. Se a pessoa pudesse começar, eu já iria começar pelo caminho melhor para mim.
P/1 - E qual seria, o senhor acha?
R - Primeiro, se eu fosse começar a viver hoje, eu acho que eu ia fazer tudo para quando eu completasse trinta anos eu não ser empregado. Empregado, na minha opinião, vai ser empregado até se aposentar e quando se aposentar ainda vai piorar a vida dele, não é? Então só existe uma solução: eu tinha que lutar para eu ser um empresário. Sei lá, que eu conseguisse ganhar mais do que se eu fosse empregado e não ser empregado. Então era isso que eu mudava e dava para mudar se eu fosse começar hoje, dava para mudar. Eu acho que um cara que tem quinze anos hoje, se ele começar a pensar, eu acho que com trinta anos, com uns 35 dá para ele mudar. Se for trabalhador, inteligente, procurar ver à frente, fazer o negócio, dá para ele mudar. Mas é difícil de ver isso quando começa, a gente só vê depois que está lá na frente.
P/2 - É verdade.
R - Eu acho.
P/1 - E o senhor tem projeto de futuro, tem sonho?
R - Não. Porque, olha, eu estou com 56 anos. Se eu me aposentar e ainda estiver tranquilo... Porque para trabalhar eu estou tranquilo, pô. Não é a idade. Mas eu ainda consigo trabalhar no campo, quanto mais numa cidade. Então se eu me aposentasse... Porque eu já deveria estar aposentado, só não estou porque na minha época a gente não ligava para negócio de carteira assinada, aí a gente trabalhava, como eu trabalhei, em oficina. Ninguém queria saber disso, o cara nem falava nisso e ninguém cobrava. Quem que ia cobrar naquela época que para ser empregado era só as empresas maiorzinhas que fazia isso? Então se eu tivesse, se fosse como hoje, eu estava aposentado, eu estava fazendo outra coisa, mas me empregar eu não iria mais. Já pensou um cara se aposentar e ainda ter que se empregar de novo? Eu não iria, eu iria fazer qualquer negócio, mas já não empregado. Porque o cara trabalhar depois se aposentar e se empregar de novo, eu acho que...
P/2 - E o senhor pensa então depois que se aposentar? Descansar?
R - Não, fazer alguma coisa. Eu tenho meus filhos, montar... Eu já vi fazendo projetinho, comércio, qualquer coisinha, porque eles já estão se formando, já estão formados aí vão trabalhando, ajudando. Quem sabe eles já não vão ter isso que eu te falo em que eu mudaria quando estiverem com trinta anos? Quem sabe eles não vão estar como, se eu fosse começar, eu estaria?
P/1 - Que ótimo. Bom, Seu Chico, eu vou perguntar o que o senhor achou de participar desse depoimento e do Projeto de Memória da Companhia.
R - Eu achei bom, fiquei surpreso porque é muita gente, não sei como foi que eu vim parar aqui, eu não sei.
P/1 - Muito bem recomendado por várias pessoas.
R - É porque tem gente mais antiga do que eu e que tem mais história. Desde a Docegeo, não na vida inteira, porque eu sou mais velho, eu sou um dos mais velhos, um dos técnicos mais velhos em idade, não dentro da Docegeo. Aí é claro que eu não poderia na primeira vez satisfazer com as perguntas certas, porque é muito meio difícil, na hora, se lembrar de tudo. Só se a gente passasse um tempo escrevendo assim e tal, “não, eu vou falar isso”, mas você vê que não é um negócio escrito. Se eu fosse escrever talvez eu fosse me lembrando hoje, amanhã. Bem, eu vou colocar isso quando me perguntarem e se eu soubesse também exatamente o que a pessoa ia me perguntar, mas assim.
P/2 - Mas a coisa espontânea também é muito boa.
R - É muito bom, mas a pessoa mistura vários assuntos e se fosse assim, se soubesse que “olha, ele vai me perguntar isso”, então nisso eu sei isso, isso, isso, então eu vou responder isso.
P/1 - Já vinha preparado para responder.
R - Eu não sei se era melhor para mim, eu não sei, mas para vocês é melhor ser espontâneo, porque aí ninguém ajudou ninguém. O cara também podia pegar uma ajuda e trazer um negócio mais...
P/1 - Pegar umas histórias por aí.
R - É isso aí. É isso que eu acho, mas se vocês acharam que... Para mim foi bom porque dificilmente eu vou ter outra oportunidade, até porque eu não demoro muito, eu me aposento daqui uns dois anos. Já em três anos eu não vou mais mexer com mineração, não pretendo. Pretendo ir ao campo, como eu gosto do campo, mas não já trabalhar.
P/1 - Do mato o senhor continua gostando?
R - É sim, continuo gostando, mesmo depois de aposentado. O meu neto, eu já levo ele para o interior, o meu neto de três anos que me acompanha. Já para ele não ficar um moleque, aquele que eu te falo, da Capital, que é meio duro quando chega no campo, quando chega na roça, como o pessoal chama. Então eu acho que mesmo sendo da Capital ele tem que entender um pouco da vida do interior.
P/2 - É onde o senhor se sente melhor, não é?
R - É, então se sente melhor. E também saber, quando chegar na capital, como é na Capital, o negócio tem que ser mais duro, tem que ser, confiar menos. Sabia que no interior a gente praticamente confia em todo mundo e dá certo e na capital acho que em dez, um é que vai dar certo. A maioria a gente tem que saber que o negócio...
P/2 - O risco é maior.
R - É meio arriscado, então é por isso que eu gosto mais dessa vida no campo, que é mais confiável até para dormir.
P/1 - Tirando o soldado lá.
R - É até para dormir, porque na cidade a gente tem que colocar grade na casa da gente todinha e assim mesmo a gente já dorme meio preocupado. No mato basta colocar uma rede lá e já está dormindo sem preocupação. Então eu falo para a minha mulher, se eu não tivesse arranjado um empreguinho que desse para eu cuidar dos meus filhos e ela também não tivesse o emprego dela em Belém, eu preferia viver uma vida de interior porque é mais fácil. Porque eu discordo do pessoal que vai para o interior com cinco filhos, sete, chega lá e não tem condição de fazer nada por nenhum. Aí o filho não estuda, não arranja emprego. Não era melhor ele ficar na terrinha dele no interior? Pescando, caçando, tirando madeira e dando um jeito, pô? Montando uma ceramicazinha e tal. Matéria prima não compra. Aí vai para a cidade porque é bonito viver na cidade e tal. Mas tem esse lado. Aí, quando vê, o filho é marginal. Eu não ficaria na cidade se eu tivesse, eu preferia voltar lá para a minha origem, mas a minha mulher era da cidade de Belém e tinha o emprego dela também. Então com o meu empreguinho e o empreguinho dela dava para nós vivermos lá. Por isso é que a gente viveu até agora e vive lá. Mas, se eu me aposentar, eu não vou viver direto lá, prefiro ir lá para o meu lugar, morar em dois lugares e fazer o que eu quero.
P/1 - Foi ótimo, super obrigado.
P/2 - Muito bom.
R - Está ok.
P/2 - A gente agradece.
R - Está bom.Recolher