Projeto A Gente na Copa – História de Gente que Faz o País do Futebol
Depoimento de João Ricardo Lebert Cozac
Entrevistado por Teresa Ruiz
São Paulo, 20/12/2013
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV_446_João Ricardo Lebert Cozac
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Então primeiro, João, eu queria que você dissesse o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – João Ricardo Lebert Cozac. Nascido em São Paulo, no dia 6 de dezembro de 1969.
P/1 – E agora o nome completo, data e local de nascimento se você se lembrar dos seus pais, pai e mãe.
R – Meu pai chama Rafi Cozac, ele nasceu em 27 de maio de 1930 em Catalão, no interior de Goiás e a minha mãe, Ana Luiza Lebert, nascida 30 de agosto de 1946, em São Paulo.
P/1 – O que é que os seus pais faziam?
R – Meus pais, eles ainda estão vivos, meu pai é dentista, formado em Odontologia, em Direito, trabalhou muito tempo no ramo de artes, ele trabalhou como ator, muitos anos com a Cacilda Becker, o Walmor Chagas no teatro mais aí na década de 50, 60, mas se dedicou mais a Odontologia, ao Direito muito pouco. E a minha mãe sempre jornalista, escritora, trabalhou em diversas redações de revistas e jornais ao longo da vida.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho um irmão mais velho, Luís Felipe Lebert Cozac, hoje com 48 anos, ele é formado em Administração de Empresas e Economia.
P/1 – E na sua família, assim, pensando mais na sua infância e adolescência, vocês gostavam de futebol? A sua família era uma família que gostava de futebol?
R – Não, minha família não gostava de futebol, meus pais falam que eu nasci de uma forma inexplicavelmente apaixonado por futebol, mas nem meu pai, nem a minha mãe, nem da família de ambos também não tem nenhum caso que você fale: “Ah, tem um primo distante, alguma coisa assim”, não. O meu irmão apenas gostava de futebol, mas nunca teve a paixão pelo esporte e eu nasci extremamente focado no futebol e acredito que pelos colegas de maternal, jardim, pré, enfim, toda contextualização da época, me fez apaixonar pelo futebol.
P/1 – Eles nem torcem para nenhum time, assim?
R – Não. O meu pai ele brinca, ele sempre é do contra, então se ele está numa mesa de palmeirenses, ele fala que ele é corintiano, se ele está numa mesa de corintiano, ele fala que ele é palmeirense, eles só brincam. A minha mãe é casada com um grande palmeirense e ela também nunca torceu para time algum, e ela se diz palmeirense mais por conta do marido e eu tenho um irmão são-paulino e eu sou torcedor do Santa Cruz de Recife.
P/1 – Então, por que o Santa Cruz de Recife? Me conta assim, quando você decidiu torcer para o Santa Cruz? Como é que foi? Assim, por que o Santa Cruz?
R – Então, eu sou nascido em 69 e o grande time de Santa Cruz de Recife foi entre 1975, 76 até 78, 79, que era quando eu já tinha ali próximo dos meus dez, 11 anos de idade e que eu vi jogadores como Nunes, o Fumanchu, o Givanildo, e aquele estádio do Arruda, a gente ia muito a Recife, então eu tive oportunidade, na época criança de ver alguns jogos do Santa Cruz e sentir o calor daquela torcida. E além disso, eu sempre gostei muito de jogar futebol de mesa, e eu tinha, quando criança, um time do Santa Cruz, que eu costumava dizer que era o time invencível. Então, eu adorava jogar com o Santa Cruz e tinha um amor e tenho esse amor incondicional. Eu trouxe inclusive, aqui, a camisa de 1975, do Santa Cruz, que foi realmente um dos responsáveis pelo meu amor ao futebol, essa aqui foi usada pelo Nunes em 1975, que depois ele foi jogador do Flamengo, e foi super campeão também no Flamengo e o Santa Cruz contou muito o início da história da minha vida, que eu digo que poucos amigos meus de escola entendiam esse amor, porque o Santa Cruz era um time, enfim, em Pernambuco, numa época que não se tinha internet, as transmissões eram muito limitadas, então só realmente quem sente o calor do Arruda pode entender naquele estádio o amor.
P/1 – Por que é que vocês iam para Recife? Tinham família?
R – A gente sempre gostou muito da praia de Boa Viagem para passar férias, no lado artístico do meu pai que eu comentei também, se refletiu em navios transatlânticos que ele trabalhava junto com o falecido Aldo Leoni, presidente da Agaxtur Turismo e ele sempre foi convidado para ir como diretor de cruzeiro, então ele apresentava as festas, os shows e a gente, às vezes, passava as férias a bordo, e o navio sempre parava em Recife, e nessas eu sempre dava um jeito de dar um pulo no estádio do Arruda para ver o santinha jogar.
P/1 – Você se lembra a primeira vez que você foi num estádio?
R – A primeira vez que eu fui num estádio? Foi para assistir um jogo do Santos com o São Paulo, foi um dos últimos jogos do Pelé, eu devia ter cinco para seis anos e eu tenho lembrança mais das pessoas falando do Pelé no Morumbi, do que propriamente do jogo em si. Eu tive uma infância que eu vivi muito em Ribeirão Preto e então, lembranças de jogos, eu tenho os jogos do Comercial, que eu tenho um primo mais velho do que eu, 14 anos mais velho, torcedor do Comercial, extremamente fanático e no Palma Travassos, que é o estádio do Comercial, ele sempre me levava para assistir os jogos e eu, inclusive, trouxe aqui a camisa da década de 70 do Comercial, que essa aqui é uma camisa, nossa é uma relíquia, eu diria, até inclusive pelo tecido, pela assinatura dos atletas da época, tem um significado muito grande para mim, porque além do carinho da família lá de Ribeirão, eu tenho mais de 30 primos que moram lá e vários tios, essa proximidade com o futebol lá no Palma Travassos para mim foi muito forte, foi uma coisa que me marcou muito, a minha vida com o futebol dentro da cidade de Ribeirão Preto.
P/1 – Você lembra assim, essa primeira vez com cinco, seis anos, a lembrança do impacto não é muito forte, mas assim, pode ser no Palma Travassos ou em algum outro estádio, você lembra da primeira lembrança, assim, impactante que você tem do estádio, do espaço, da torcida, você tem alguma memória forte?
R – Eu tenho uma lembrança de um jogo do Juventus com a Portuguesa no Pacaembu. O meu pai nunca gostou de futebol e ele ia nos jogos, ele levava a gente e ele ficava lendo jornal, levava ele e o meu irmão e a gente olhava e falava assim: “Poxa, o jogo acontecendo e o meu pai lendo jornal, como é que pode um negócio desse?” e eu lembro muito bem desse dia que quando a gente entrou nas arquibancadas que eu olhei, eu pude olhar o estádio pela primeira vez e o Pacaembu me parecia algo, assim, surreal, o tamanho do estádio, a beleza daquele gramado, o canto das torcidas, na época tanto Portuguesa, quanto Juventus tinham torcidas maiores e mais atuantes nos estádios, então assistir Portuguesa e Juventus era um belo jogo no final da década de 70, início da década de 80, então eu acho que a primeira lembrança mesmo de fato, desse impacto foi no Pacaembu, no jogo do Juventus contra Portuguesa.
P/1 – E um ídolo assim, jogador de futebol, criança, ou alguns ídolos, você lembra de algum marcante?
R – Alguns fica mais fácil. Bom! Eu posso dizer da minha eterna admiração pelo Zico, quando fala em ídolo para mim, é o primeiro nome que vem a cabeça é o Zico, o Zico é um ídolo não só no campo, mas fora dos gramados, acho um ser humano esplendoroso, nunca vou me esquecer o dia que eu defendi a minha tese de mestrado no Mackenzie, que foi sobre categorias de base e eu mandei para o Zico, no Rio de Janeiro, achando que, imagina! Não vai nem receber. Uma semana depois, toca o meu telefone celular com o código 21, eu atendi, aí ele falou: “João Ricardo, aqui é o Zico. Eu estou te ligando para agradecer pelo seu material, parabéns pelo seu mestrado”, e na época ele trabalhava no Japão, ele falou assim: “Eu vou levar para o pessoal, amigos lá do Japão lerem a sua tese”, e eu me lembro que eu parei o carro depois e chorei copiosamente de emoção, eu fiquei realmente emocionado aquele dia, o Zico sempre teve o meu respeito depois daquilo, meu Deus! E além do Zico, vários outros atletas eu posso dizer, passam tantos nomes na cabeça, mas além do Zico, claro, o Pelé, ídolo nosso de todos os tempos, Rivelino, que eu vi jogar, Sócrates no Corinthians, que vi Ademir da Guia, vi Pedro Rocha no São Paulo, eu acho que são ídolos que são eternos no futebol, times, que eram verdadeiros esquadrões de ídolos de várias épocas ao longo da história do futebol do Santos, do São Paulo, do Corinthians, do Palmeiras, do Flamengo, do Fluminense, do Grêmio, do Atlético, do Cruzeiro, do Inter, vários, o Falcão, como não dizer do Falcão? No Internacional, no São Paulo, na seleção brasileira, quer dizer, são vários, mas se você realmente me dissesse: “João, eleja um”, seria Arthur Antunes de Coimbra, o Zico.
P/1 – E um encontro assim, você teve algum encontro marcante com um atleta, pode ser jogador de futebol, ou qualquer de outra modalidade que tenha sido, assim, impactante, alguém que você admirasse, ou que tenha sido um encontro surpreendente por alguma razão?
R – Olha! Eu gostei muito de conhecer o Guga, tenista, maior tenista masculino que a gente teve de todos os tempos, maior vencedor, foi um encontro muito bacana que eu tive com o Guga num Grande Prêmio de Fórmula I em Interlagos e eu senti uma energia muito bacana, a gente tomou café juntos, eu fiz um trabalho com o Felipe Massa durante dois anos depois do acidente dele e em 2012, eu pude ir ao autódromo de Interlagos e conheci o Guga, a gente conversou bastante foi muito legal, o próprio Emerson Fittipaldi, eu tive conversas muito interessantes também no mesmo dia. O Felipe Massa que a parte de ser um atleta que eu acompanhei, é um rapaz de um coração de ouro, uma alma positiva, uma energia do bem. Eu posso dizer do Marcos, goleiro do Palmeiras, que eu tive a alegria de trabalhar com ele em 2005, quando eu fui para Escola de Esportes do Palmeiras e realmente uma figura também impar no mundo do futebol.
P/1 – São muitos, né?
R – São muitos.
P/1 – Vou voltar um pouquinho para sua infância, assim, queria que você descrevesse um pouco a casa em que você morava, você e a sua família, o bairro, que bairro que era aqui de São Paulo? Como é que era a casa? Como é que era o bairro? Vizinhança?
R – Então, eu sempre morei em Alto de Pinheiros, numa rua que na época que eu morava, ela era uma rua aberta, hoje ela é uma rua de condomínio fechado, próxima a Avenida Pedroso de Moraes e é uma casa muito gostosa, tudo na casa virava motivo para ser futebol. Então os pais saíam, tinham aquelas mesas antigas grandes de madeira, que eram tudo, o garoto, quando ele é pequeno qualquer caixote, ou qualquer vão vira um gol. Eu acho que isso é legal a gente pensar. E na casa dos meus pais tudo era gol, e nessas, tudo o que é redondo vira bola, então, punhado de meia vira uma bola, ou o papel do lanche no colégio de alumínio amassado vira uma bola e tal. Mas a minha casa tinha um quintal muito gostoso que hoje moram os meus pais, mas eu olho o quintal e falo: “Gente, quando eu fazia aniversário, eu chamava dez amigos, hoje em dia não dá para jogar dois não jogam futebol lá, mas na época, jogavam dez”.
P/1 – Vocês jogavam futebol no quintal?
R – No quintal, faziam os aniversários.
P/1 – Como é que eram esses jogos assim, como é que organizava os times, com o que você jogava? Era com bola?
R – Tinham dois capitães, tirava par ou impar e ia escolhendo os times e um muro de dentro do quintal era um gol e o outro, a gente tinha que colocar tipo, duas cadeiras assim, dois banquinhos para fazer o outro gol e ficava de manhã, a tarde inteira jogando, às vezes, até a noite, anoitecia, aí tinham uns holofotezinhos assim, lá da casa, do lado de fora que acendia o holofote, a gente jogava naquele lusco fusco do final do dia e era muito legal. E na frente da casa, na rua mesmo, como eu disse, toda forma arquitetônica parece que se assemelha a um gol vira uma trave, a gente pegava os portões (risos) das casas e fazia jogo de rua, tinha um goleiro que ficava defendendo o portão e aí chutava ali e se batesse no portão era gol, e nessas, a bola, às vezes, caía por cima do muro, aí um fazia escadinha para o outro para subir o muro e pegar a bola e tal.
P/1 – Era a brincadeira preferida?
R – Era.
P/1 – Você diria?
R – Sempre, sempre! Sempre, isso e acho que jogar futebol e brincar de esconde-esconde, e pique bandeira, que era uma coisa que quem é do interior sabe, o pique bandeira aqui em São Paulo na época, mas normalmente era o futebol, que a gente saía com uma bola sempre. Ah! Eu me lembrei de uma coisa, quem tinha a bola na época era assim, era o todo poderoso, então era o garoto que tinha que ser respeitado, porque ele é o dono da bola, então ninguém briga com ele, ninguém brinca com ele, alguma coisa que ele não possa gostar, ninguém dá apelido, porque o dono da bola tem que ser o cara. Então, eu me lembro que era isso.
P/1 – Tanto que é uma expressão, mesmo, “O dono da bola”.
R – É, “O dono da bola”.
P/1 – Virou uma expressão.
R – Mas assim, basicamente, a gente jogava bola no quintal, bola na rua e dentro de casa, só não jogava no quarto, porque acho que não cabia, mas se desse a gente jogaria.
P/1 – E com quantos anos você começa a frequentar a escola?
R – O DoRéMi, que não existe mais, que chamava Escola de Primeiro e Segundo Grau Rebouças e era DoRéMi na época. Eu tinha no maternal creio que três anos, três para quatro anos, fiquei no DoRéMi até os 11, 12, acho que 12 para 13 anos e fui estudar no Palmares, aqui na Pedroso de Moraes. Depois, tive algumas passagens para as outras escolas, mas o futebol dentro do ambiente escolar, eu tenho uma passagem que era legal lá no DoRéMi. A gente jogava bola com o papel alumínio do lanche que vinha na lancheira. Então, tinha uns bancos que a molecada sentava que era coberto, e aí, tinha um quintal assim, que era o espaço onde a molecada corria e tal, e tinha uma parede que eu lembro muito bem de cimento, que ali obviamente era o gol, era um gol, existia um gol ali, a gente via um gol ali e na escola a gente tinha que ir de uniforme, então era uniforme mesmo, shortinho, camiseta e tal e sapato mocassim e eu me lembro uma vez que eu fui chutar uma bolinha de papel e o sapato saiu do meu pé e foi para o vizinho e eu não conseguia pular de jeito nenhum o muro e a gente morria de medo da dona Dulce, que era a diretora do DoRéMi e eu lembro até hoje, sou grato até hoje ao Paulo Roberto, um amigo meu naquela época, que ele conseguiu pular o muro e me resgatou o sapato.
P/1 – Te salvou.
R – Me salvou, eu me escondi no banheiro para que a dona Dulce não me visse sem sapato e o Paulo Roberto veio e me deu o sapato. Essa é uma história que eu guardo no coração até hoje.
P/1 – Então, você já jogava desde pequeno, é isso? Na escola, inclusive?
R – Já!
P/1 – E nessa época de educação básica, você falou o DoRéMi, Palmares, o colegial, você fez aonde?
R – O colegial eu fiz no Logos, depois no Pueri Domus e finalizei o terceiro colegial no Objetivo, aí fiz um ano de Intergraus, o cursinho, porque quando eu sai do objetivo, eu entrei na FAAP em Publicidade e Propaganda, comecei a fazer, mas não me encontrei e eu fazia faculdade e eu não larguei o cursinho, então eu ia careca para o cursinho, todo mundo olhava: ‘O quê que você está fazendo aqui? Você já tomou até trote, por que você está estudando?” “Não, mas eu não estou contente com o que eu quero fazer, eu quero fazer Psicologia, eu quero estudar Psicologia”, meus pais sempre tiveram muitos amigos psicólogos, e eu sempre convivi muito no meio de filósofos, de livros de psicologia, nessa parte mental, social, emocional toda, filosófica. Meu avô, uma figura, nossa senhora! Eu aprendi muitas coisas com ele, um imigrante francês que veio para cá em 1911, para o Brasil…
P/1 – Qual que é o nome do seu avô?
R – Luiz Lebert. E a gente conversava muito até ele falecer com 95 anos, quando eu estava terminando, estava quase no fim da faculdade de Psicologia, eu pude trocar muitas ideias com o meu avô assim, é alguém que eu sinto muita falta, que habita os meus sonhos, eu encontro com ele de vez em quando, a gente ainda continua conversando num outro plano.
P/1 – Mas ele se interessava por humanidades?
R – Gostava. Meu avô tinha uma biblioteca com três mil e 500 livros antigos, romances originais, ele gostava muito de ler, ele lia tudo, meu avô lia Psicologia, lia Filosofia, lia faroeste, romance, ele adorava ler, era uma pessoa muito culta e quando eu entrei na faculdade de Psicologia, a gente teve muito mais o que conversar e sim, falando e futebol, eu me lembro que quando tinha um escanteio num jogo, ele falava: “Perigo”, escanteio para ele significava perigo. Eu lembro dessa frase dele e ele morava numa casa muito grande aqui no Alto de Pinheiros e tinha um quintal muito grande e fora do quintal era um telhado que vinha fazendo o desenho da casa e tinham arcos fora da casa que dava acesso ao quintal. Então, esses arcos, obviamente que viravam gols, e era um telhado que caía, eram as telhas para baixo assim, então a gente gostava de jogar bola lá do telhado que daí ela vinha descendo e a gente pegava e chutava no ar e ele ficava todo assim: “Por que é que vocês chutam a bola tão alto? Não precisa chutar a bola alto, não pode chutar a bola no chão?”, ele ficava às vezes, olhando, porque a bola, a gente chutava, ela passava o telhado caía lá para rua ou para outra casa lá no vizinho.
P/1 – E ele gostava de futebol?
R – Não, meu avô gostava de remo, meu avô gostava de esportes do início do século XX, então, no futebol ele acompanhava, assistia as Copas do Mundo, a gente assistiu alguns jogos juntos, mas não era uma grande paixão assim, ele assistia mais quando eu estava junto.
P/1 – E nessa fase, assim, antes da gente entrar na faculdade, na coisa do ensino básico, você se lembra de algum professor assim, que tenha sido marcante por alguma razão? Que tenha te inspirado?
R – Antes de entrar na faculdade, no ginásio, ou no colegial, em relação ao futebol?
P/1 – Não. Qualquer…
R – Ah, aí sim! Meu Deus!
P/1 – Algum professor importante.
R – Eu tive um professor, chamava professor César, que era muito gordo, ele era enorme, no Palmares no primeiro colegial, na oitava série e ele dava aula de história geral e história do Brasil, dava aula de história para gente. E era um cara interessantíssimo, uma pessoa culta, nossa, maravilhosa, seria maravilhoso conversar, ouvi-lo falar a paixão que ele tinha pela História, as histórias que ele contava das histórias, que eram muito interessantes. Tenho lembranças da Professora Êda daqui do Palmares que dava aula de Matemática para gente, tenho lembranças boas, imagina, do José Elias, que era um professor super estourado, que dava desenho geométrico, que chutava às vezes, o armário, aqueles armários que fazem barulho, aquele material meio de ferro, metálico, mas que no final, era uma grande pessoa, era um grande coração, mas era muito esquentado. Eu tive aula com o professor Júlio César no Logos, que dava aula de História das Américas, que era muito legal quando ele falava da Nicarágua, do Sandino, eu lembro que eu curtia muito, tinha o Serjão no Logos também, que dava aula de Geometria, e ele brincava de pegar aluno colando, então às vezes, ele ia andando assim na fileira de costas, aí ele virava para trás para assustar a gente se estava colando e tal, tive algumas figuras. Imagina, eu tive a tia Clara e a tia Marília no maternal, no jardim, quando a gente tinha aula de português, de aprender, eu aprendi a escrever, as pessoas que me ensinaram a escrever, a tia Clara, que era mãe do Paulo Roberto, que era o aluno que me salvou lá na história do…
P/1 – Mocassim.
R – Enfim, são tantas pessoas que eu tenho deferência e amor, que acho que não caberiam numa entrevista, né?
P/1 – Muitos professores marcantes, você teve uma vida escolar boa?
R – Boa, boa, foi agitada, porque eu nunca fui muito dedicado, sempre gostei de esporte, eu sempre gostei de futebol, eu sempre gostei de festa, eu sempre gostei, enfim, de viajar, eu nunca fui muito antenado em estudar, tanto que quando eu comecei a efetivamente estudar foi no Objetivo, que de fato era o colégio que menos exigia, entre o Palmares, o Logos, o Pueri Domus, o Objetivo era o mais fraco e foi onde realmente eu comecei a estudar, porque eu queria entrar numa boa faculdade, de fato eu entrei em Psicologia na PUC depois, e valeu todo o esforço.
P/1 – Valeu a pena?
R – Valeu.
P/1 – Agora, você comentou que você e o seu avô assistiam jogos de Copa do Mundo, essa era umas perguntas que eu queria te fazer assim, qual que é a primeira Copa que você se lembra?
R – Olha! Eu nasci em 69, portanto a Copa de 70 eu estava no berço, eu tenho a honra de dizer que eu já estava nessa vida quando o Brasil foi tricampeão. A Copa de 74, realmente eu não tenho nenhuma lembrança, foi a copa da laranja mecânica, da Holanda, o time do Kerkhof, eu não lembro, essa realmente eu não tenho lembrança, putz, mas 78 eu tenho lembrança.
P/1 – E como é que foi? Conta um pouco assim, como é que era? Como é que estava a cidade, que lembrança você tem assim, de como as pessoas se comportavam? Se as ruas estavam enfeitadas? Se tinha alguma preparação na sua casa? Se tem um jogo especial? Enfim, no geral assim, quais são as suas memórias da Copa?
R – São memórias talvez saudosas, um pouco saudosas, um pouco doídas, eu diria. Era um clima de muita euforia, eu me lembro que eu assisti um jogo, eu lembro que teve um jogo do Brasil contra a Suécia, que o Brasil fez um gol com um gol de cabeça do Zico, eu estava na casa do meu avô e o juiz ele encerrou o primeiro tempo depois da cobrança do escanteio, com a bola do ar, isso deu uma celeuma e tal e não valeu o gol do Zico. Eu lembro de um jogo do Brasil com a Áustria em 78, que teve um gol do Roberto Dinamite, eu lembro muito bem desse gol, eu estava assistindo com o meu avô, e aí não tem como dizer que o jogo que mais me marcou, infelizmente, foi o jogo da Argentina com o Peru, que o Brasil estava invicto até então, era um sistema diferente de montagem de tabela, não era como é hoje, oito grupos de quatro equipes, 32 seleções, era um esquema diferente e o Brasil dependia de uma não goleada da Argentina em relação ao Peru e o goleiro do Peru era um argentino naturalizado peruano, a Argentina vivia o auge do Peronismo, era um momento muito delicado e eu posso te dizer que assim, a Argentina conseguiu lá os cinco, seis gols que precisava para eliminar o Brasil, e eu percebia o Peru deixando a Argentina, sabe? Era nítido que o time entrou já sem chance nenhuma e que os argentinos, na medida em que iam fazendo os gols, eu fui ficando muito triste, muito angustiado, eu lembro quando faltava um gol só, que eliminaria o Brasil e quando saiu esse gol, eu fiquei muito triste e eu me lembro assim, eu sempre fui muito intenso nas minhas emoções, eu me emociono agora só lembrar daquele momento, eu lembro que a minha mãe virou para mim e falou assim: “Calma filho, daqui quatro anos tem mais” e eu falava assim: “Mas mãe, eu não sei nem se eu vou estar vivo daqui a quatro anos”, imagina? Eu tinha nove anos.
P/1 – Bem dramático (risos).
R – Totalmente dramático, filho de ator, né? Mas eu posso te dizer que a lembrança da Copa de 78 só não dói mais do que a de 82. A Copa de 82 foi disparado assim, e por muito tempo, eu acho, que talvez seja até o fim da minha vida, a seleção mais linda que eu vi jogar na minha vida, foi demais assim, era uma equipe que jogava por música, era uma equipe que jogava com alegria, era uma equipe que tinha Zico, tinha Sócrates, tinha Falcão, tinha Éder, tinha Junior, tinha o Serginho Chulapa, era uma equipe equilibrada entre gênios da bola, entre craques, tinha o Telê Santana, que na minha opinião, foi um dos maiores treinadores que esse país já teve. Eu guardo com todo carinho do mundo a camisa da Copa de 82, que essa, se eu pudesse, eu acho que eu até dormiria abraçado com ela, toda autografada com os atletas da época, e claro, eu tenho que me recordar dos três gols do Paulo Rossi, que eliminaram o Brasil, o Paulo Rossi fez 1 a 0, o Sócrates fez 1 a 1, Paulo Rossi fez 2 a 1, depois o Falcão fez um golaço, que ele sai gritando com a veia, aquela imagem dele gritando o gol ali, eu lembro que eu sai correndo para rua, vibrando, comemorando e aos quase 37, 38 do segundo tempo, teve o terceiro gol do Paulo Rossi, e aí acabou com o nosso sonho do tetra. Essa, eu diria para você, eu estou com 44 anos, talvez daqui 30 anos, eu sinta a mesma emoção ao contar essa história.
P/1 – Você lembra onde você assistiu esse jogo? Onde você estava?
R – Esse jogo da Copa de 82?
P/1 – Isso! Que você descreveu agora.
R – Eu estava na casa dos meus pais nesse e eu me lembro de ficar olhando a televisão assim, completamente paralisado sem entender o que estava acontecendo, sem acreditar no que estava acontecendo, quando o juiz terminou, eu me lembro que os amigos que jogavam bola na rua, todos saíram de casa, sentamos na rua, todo mundo assim: “Como que acontece isso?” “Como que pôde acontecer isso?”, e aí, começam aqueles boatos: “Parece que o Paulo Rossi estava dopado, estão falando que o Paulo Rossi estava dopado, se estiver dopado, ele vai ser punido”, era tudo boato, porque era duro aceitar. E eu me lembro naquele ano, um ou dois meses depois, eu fui para os Estados Unidos com o meu pai, quando eu fui conhecer a Disneylândia e naquela época, se fazia um jogo que era o campeão do mundo, que a Itália foi campeã do mundo, naquela Copa contra a Alemanha e fazia um jogo entre a campeã do mundo contra o time do resto do mundo, era uma iniciativa que a Fifa tinha, não tem, mais. E esse jogo, normalmente, acontecia nos Estados Unidos, onde eles estavam tentando promover o futebol e quando eu cheguei no aeroporto de Miami, eu encontrei a delegação da Itália, que estava chegando e eu me lembro direitinho de ter passado pelo Paulo Rossi e ele estava com uma maletinha assim no chão, eu passei bem do lado dele e eu me lembro, até hoje, do desejo que eu tive de dar um chute na perna dele (risos).
P/1 – (risos) Muito ressentido…
R – Muito ressentido, eu tinha 12 anos, mas eu queria ter dado um chute no joelho dele, porque eu estava com muita raiva, passei olhando assim, imagina? Uma criança de 12 anos, mas era alguma coisa assim: você roubou a minha alegria e você é o culpado, então a Copa de 82, uuuuh, é difícil de falar.
P/1 – O que é que você queria ser quando era pequeno, você se lembra? Profissão, assim?
R – Eu falava que eu queria ser Diplomata no Egito.
P/1 – Uau! Por que Diplomata? De onde você tinha tirado?
R – Eu sempre gostei de História, eu sempre gostava de História, sempre gostei de História, sempre gostei de estudar História, sempre gostei de outras civilizações e eu sempre fui muito encantado com a História do Egito, eu sempre quis conhecer o Egito, né? Então, eu lia os livros de História Medieval, lia os livros de pintura da época, enfim, de teatro da época que o meu pai sempre teve, gostou muito e eu dizia que eu queria ser Diplomata no Egito, as pessoas perguntavam: “Diplomata?” “É, porque eu quero conhecer o mundo” “Mas por que no Egito?” Porque a história do Egito sempre me intrigou, desde pequeno, desde os primeiros livros de história geral que eu lia, me intrigava a questão do Egito…
P/1 – Misterioso, acho que tem…
R – Acho que tinha um apelo muito forte nesse sentido do mistério e com 16 para 17 anos, eu fui para lá, conheci as pirâmides, Museu do Cairo, que é uma coisa assim, absolutamente indescritível de riquezas, de belezas, as pirâmides é algo assim que eu me lembro que eu conheci todas elas, Quéops, Quéfren, Miquerinos, as filhas todas, a esfinge, e eu me lembro que eu fiquei uma noite sem dormir depois que eu vi, eu não tive sono, foi um final de tarde, tinha um espetáculo de som e luz, que acho que tem até hoje lá, hoje eu não sei como que está a questão da guerra, mas ali onde ficam o vale, o vale do sol, onde ficam as pirâmides, eles fizeram uma espécie de um anfiteatro e ali eles faziam um espetáculo de som e luz de narração da história de Quéops, Quéfren, eu lembro muito bem desse espetáculo…
P/1 – Ficou impressionado!
R – Ao pôr do sol, era uma coisa linda, nossa, linda, linda, linda, linda!
P/1 – E quando você decide fazer Psicologia assim, o que é que você acha que fez você decidir? O que é que te chamou para essa área?
R – Eu sempre fui uma pessoa muito sensível, sempre! Desde criança. Eu era aquela pessoa que os amigos iam conversar: “Pô, briguei com o meu pai”, quando criança, “Minha mãe falou isso para mim”, eu fui crescendo, “Minha namorada terminou comigo”, “O meu namorado não sei o quê”, eu sempre fui amigo ouvinte, sempre tive muita sensibilidade, convivi muito com pessoas da Psicologia, amigos dos meus pais, psicólogos, eram pessoas muito queridas, que eu aprendi muito e aos poucos eu comecei a entender que Psicologia falava de gente e que falava de gente e que precisava de sensibilidade, então eu gostava de gente, sempre tive esse lado sensível muito aflorado. Os papos com o meu avô de Filosofia, os papos com os amigos dos meus pais, normalmente, na faculdade de Psicologia, quando a gente começa a faculdade, os professores falam: “Esqueçam que vocês estão aqui por conta dos outros, vocês estão aqui por uma causa própria”, e de fato eu acho que eu fiz Psicologia por uma causa própria, com um desejo de autoconhecimento, de autoaprimoramento, a gente sempre aprende muito sobre a gente mesmo na faculdade.
P/1 – E como foi a faculdade para você? A experiência da faculdade?
R – Maravilhosa, foram cinco anos de PUC completamente inesquecíveis, foi um sonho, né? Um sonho eu diria…
P/1 – Nessa fase, você se lembra assim, de um professor também, alguém que tenha sido, ah! Enfim, mestre mesmo, mais marcante.
R – Ah! Sim, o meu paraninfo, que me deu o diploma no dia, professor Maximiliano, tinha ele, tinha a professora Ana Maria Bock de Psicologia Social, nossa! Tinha o professor Antônio Carlos de Psicologia de Desenvolvimento, professor Odair Furtado de Psicologia Social também, a professora Lurdinha de Psicanálise, Psicologia do vínculo psicanalítico social.
P/1 – Tem alguma história assim, dessa fase marcante, um acontecimento, alguma coisa que…
R – Tem umas histórias trashs assim, engraçadas, na verdade o professor Max ele era um professor de Fenomenologia, de Gestalt, Psicologia Existencial, “piradézimo” assim, um cara fantástico, super inteligente, eu lembro que ele entrava na sala e falava que as plantas falavam, que as plantas pensavam, primeiro ano de faculdade, entra o cara falando que a samambaia pensa, todo mundo: “Aula trote”, e não era, era sério, tinham umas coisas. E o professor Máximo, na verdade, foi o que me deu o canudo, ele era professor de Psicopatologia, como é que eu vou explicar o Máximo? Era meu Deus, ele era o máximo, era um carioca, bem gordo, uma barba branca assim, ele chupava o dente, era uma figura sinistra assim, mas extremamente simpático. E em Psicologia, tinha dois homens e 49 mulheres, então assim, as meninas odiavam ele, achavam ele nojento e tal, eu lembro que ele pegava a tampinha da caneta (risos), ele pegava a tampinha da caneta e ficava tirando cera do ouvido (risos), ele fazia bolinha de cera e jogava no ar…
P/1 – Para provocar também…
R – Provocar! Imagina! Ele dava aula de Psicopatologia, a gente estudava as doenças, mentais! E eu me lembro, nunca vou esquecer de uma história (risos), uma menina entrou atrasada na aula dele e ela já estava meio na mira dela, ela não estudava, ela ia mal e ela entrou tomando um refrigerante com canudo. Aí, ele virou para ela e falou assim, ele falava assim [imitando a maneira de falar], falava meio para dentro assim…
P/1 – Meio fanho?
R – Chupava o dente, ao mesmo tempo, porque entrava o bigode junto, era uma figura assim, mas eu adorava, tinha o maior carisma, eu adorava ele, tanto que ninguém nunca tinha convidado ele para ser paraninfo. Eu e um amigo fomos os primeiros, e que depois ele veio agradecer para gente, falou: “Pô, foi a maior homenagem que eu recebi em 30 anos de PUC”. Mas enfim, aí a menina entrou na sala de aula, aí ele olhou para ela e falou assim: “Você está atrasada, né?” “Ah, professor, eu estava”, aí ele olhou para ela e falou assim: “Nossa hein, que canudão, hein! [imitando a risada]”, fez assim, a menina fechou a porta e foi embora. Então, umas histórias assim…
P/1 – Era muito tosco.
R – Tosco, total! Tosco, tosco!
P/1 – E a questão da Psicologia no esporte assim, isso surge para você durante a faculdade? Isso é posterior? Porque não parece um caminho óbvio de quem pensa entrar na Psicologia, né?
R – Não, não!
P/1 – Pelo menos, não me parece.
R – Aconteceu na faculdade, apesar de eu não ter tido nenhuma disciplina e hoje em dia, também não tem disciplina, 20 e tantos anos depois, não tem…
P/1 – Com o é que foi isso para você? Assim, como isso chegou?
R – Bom, quando a gente está no quarto ano da Psicologia na PUC, a gente tem uma matéria que chama Seminários. Seminários são encontros para definir o tema do TCC, é uma disciplina que você tem que cumprir, e nessa época, eu falava assim: “Meu, o que é que eu vou fazer? Vou fazer mais um trabalho de clínica, ou mais um trabalho de Psicologia Organizacional? Mais um trabalho com Psicologia Escolar? Não, preciso pensar em alguma coisa diferente”, e aí, eu me lembro que o professor Odair Furtado, que foi inclusive presidente do Conselho Federal de Psicologia, um baita professor que eu tive, ele falou: “João, você gosta tanto de esporte, por que não pensar em alguma coisa relacionada ao futebol? Não sei, unindo a Psicologia Social, a gente pode pensar em fazer um trabalho sobre torcidas organizadas, ou significado social do futebol, uma questão vinculando futebol e sociedade”, e eu falei: “Poxa, dá para gente pensar junto? Podemos pensar junto essa ideia”, beleza, aí eu comecei a pesquisar muito sobre literatura de futebol na época, li muito Eduardo Galeano, os livros do Orlando Duarte, na época, imagina, meu Deus! Magistrais como sempre! E aí, eu fiz o TCC, ele na verdade inaugurou a área de esporte dentro da PUC, hoje já tem centenas de trabalhos em psicologia do Esporte no TCC, mas o meu foi o primeiro, e a partir dali, eu comecei a escrever, por ser uma família de jornalistas, eu já tenho alguns livros publicados, eu gosto de escrever. E aí eu lembro que eu sentava do lado do fax, que não tinha internet, eu tinha os fax de todas as redações de jornais, então eu ficava fazendo análises de jogos, eu lembro de uma que me levou a um programa na TV Jovem Pan, que jogou Flamengo e Americano de Campos no Rio de Janeiro, o Flamengo jogava o Romário e o goleiro do Americano chamava Zé Romário. E aí, eu falei: “Olha que interessante, o Romário contra o Zé Romário.” E aí, eu fazia umas crônicas e mandava para os jornais, mandava para as redações.
P/1 – Mandava por conta própria?
R – Sentava do lado e ficava passando fax e mandava. Assim, era uma coisa que eu queria que as pessoas lessem, até um dia que o Roberto Petri, da Jovem Pan me ligou e falou assim: “Cozac, eu gostaria de convidar você para vim na nossa mesa redonda, recebi a sua matéria, gostei muito e tal”, e eu fui, foi o máximo, me senti o máximo, tinha 20 e poucos anos, sei lá, 25 anos, 26 anos, sentado numa mesa redonda de futebol, nossa! Ao vivo, na TV Jovem Pan nem tem mais. Foi muito bacana, a gente falou, eu lembro que a gente falou sobre essa questão mental já na época, sobre a importância da Psicologia e eu me lembro que eu fiquei assim, todo orgulhoso quando o Roberto Petri ia chamar o comercial, ele falou: “E a gente aproveita para convidar o João Ricardo para continuar aqui com a gente na mesa, porque ele entende, acompanha bem o futebol e vai poder debater os demais temas”, então eu fiquei na mesa com eles o programa todo. Então foi muito bacana assim, foi uma experiência bem legal.
P/1 – E qual que foi o tema do seu TCC no final?
R – Foi “O Significado Social do Futebol no Brasil”.
P/1 – Bom! Aí você começa a escrever, né? Começa a ganhar uma certa entrada?
R – Isso! E a estudar, né? E estudar, eu conheci o professor Benno Becker, que hoje ele é presidente de honra da Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte, e na época ele já estudava há muitos anos, foi uma pessoa que me acolheu muito, que me indicou muitas literaturas, isso no início da década de 90, 92, 93, não haviam livros em português, eu li tudo da escola cubana, da escola norte-americana, da escola espanhola, então eram livros em espanhol e em inglês. O Doutor Benno Becker sempre lá, ele mora em Porto Alegre, mas volta e meia eu telefonava para ele, eu pegava um avião e ia lá conversar com ele, ele me supervisionou toda a minha formação, porque não havia cursos no Brasil também e hoje, eu fico extremamente feliz de ter um curso já, há 15 anos que eu sou professor…
P/1 – Onde?
R – Eu faço fora, é vinculado a Associação Paulista da Psicologia do Esporte, que eu sou presidente, e a gente subloca um auditório na Avenida Paulista para alunos de Psicologia, que ainda estão em formação e psicólogos formados, pessoal da Educação Física, atletas, enfim, todos aqueles que querem conhecer um pouco mais da alma do atleta e o conceito de esporte.
P/1 – Mas você então, se aprofundou ou foi se especializando nessa área um pouco por conta própria?
R – Autodidata total, eu fui lendo, fui pesquisando, em congressos, fui em congressos na América do Sul, na Europa, fui criando laços com pessoas importantes na área que poderiam contribuir com a minha evolução na área do esporte. E aí, que pintou em 2001 o meu primeiro livro que chama “Com a Cabeça na Ponta da Chuteira”, que é todo voltado para área do futebol e a Psicologia. Em 2005, sai também pela Editora Annablume, “Psicologia do Esporte: Clínica, Alta Performance e Atividade Física”, que é um livro um pouco mais extenso, não é só de futebol e agora, em 2013, 50 dias atrás, eu publico “Psicologia do Esporte - Atleta e ser Humano em Ação”, que é um livro de umas 350 páginas, que é praticamente a minha história com a Psicologia do Esporte, ajudada por alunos, trabalhos de conclusão de curso de alunos que fizeram o meu curso, que estão publicados nesse livro também.
P/1 – Agora, esses dois primeiros livros, quando você publica, você já estava trabalhando com atletas?
R – Já, já.
P/1 – Quando é que você começa?
R – A trabalhar mesmo?
P/1 – Por que existia um mercado já? Porque parece uma área que tem muita resistência para Psicologia, eu fico imaginando assim…
R – A Psicologia em si, ela já gera resistência. Eu acho que é um comportamento cultural do povo brasileiro quando você fala à boca miúda: “A pessoa está tão mal que foi buscar a terapia”, como se fosse alguma coisa…
P/1 – É um tabu ainda, preconceito muito forte.
R – Um tabu! E se você pegar a Psiquiatria, hoje em dia, você vai num consultório psiquiátrico, muitos médicos receitam antidepressivos com uma facilidade como se fosse uma aspirina. Mas acho que a Psicologia ainda tem um ranço aí muito forte, e no esporte mais ainda, por conta da formação das pessoas e do preconceito vigente, então: “Psicólogos? Mas não tem ninguém louco aqui”, então associa-se muito a psicologia com a loucura e lembra-se, normalmente, muito a Psicologia como se fosse um curandeiro, que vai chegar lá, vai dar uma, duas palestras e tudo vai mudar. O conceito ainda está muito errado do que é a Psicologia. Então, eu comecei, o primeiro time que eu trabalhei foi o Corinthians em 97, quer dizer, já há quase 17 anos, trabalhei, a gente conquistou o título em 97 contra o São Paulo, eu me lembro, depois já surgiu um convite para trabalhar em 98, 99 no Goiás, lá em Goiânia…
P/1 – Quem te chamou? Porque assim, quem que te fez esses convites? Estou tentando entender assim, qual que é o caminho, por exemplo, no Corinthians?
R – Então, eu cheguei no Corinthians por intermédio do Wagner Martinho, que ele era cinegrafista, e ele já conhecia os meus textos, ele me acompanhava em 95, 96 o que eu escrevia. Eu tenho textos meus que saíram na “Folha de São Paulo”, no “Estado de São Paulo”, então assim, grandes na página, que eu tenho, inclusive enquadrado no meu consultório até hoje, que são troféus para mim. Então, os meus textos me deram visibilidade nessa visão que eu tenho no esporte, e o Wagner numa dessas, marcou um horário para ir ao meu consultório, me chamou para ir ao Corinthians e eu conversei com o diretor, com o treinador na época e eles adoraram a ideia, foi realizado um trabalho, houve o título paulista em 97. E aí, à medida que você vai tendo sucesso, seu nome vai ventilando, futebol é um meio que apesar de ser muito grande, ele é um ovo, na verdade, em termos de relacionamento, todo mundo conhece todo mundo. Então, depois de lá, eu fui, 98, 99, eu trabalhei no Goiás, depois, eu trabalhei no Cruzeiro em 99, 2000, 2001, aí eu dei um tempo de futebol, quatro anos, eu fui me dedicar a fazer mestrado, atender atletas em clínica, aí o meu nome já tinha sido muito ventilado na imprensa, eu começo a escrever na “Gazeta Esportiva”, o blog “Gol de Cabeça” em 98, então isso ajudou, isso deu uma guinada muito grande no meu nome, e aí, os atletas começaram a chegar no meu consultório, a coisa começou a ganhar um ritmo bacana, trabalhei no Palmeiras depois em 2005, e aí, alguns clubes pelo interior de 2005 para cá, mas não muito com futebol mais.
P/1 – Mas essa figura, assim, não sei se a gente pode falar assim, de um psicólogo esportivo, é possível falar dessa maneira?
R – Claro! Sim, sim!
P/1 – É isso mesmo?
R – Sim.
P/1 – Isso já existia? Já existe há muito tempo?
R – Quando começou?
P/1 – Isso e, assim, quando você chegou, por exemplo, no Corinthians, já existia alguém que fazia um trabalho como psicólogo no clube, ou no time ou não?
R – Olha, o primeiro registro de um trabalho do psicólogo no esporte no Brasil foi com o professor João Carvalhais na década de 50, depois que o Brasil perdeu a final no Maracanã para o Uruguai, em 54, ele começou a trabalhar na Federação Paulista de Futebol, ele trabalhou no São Paulo um tempo, em 58 ele foi convidado pelo Paulo Machado de Carvalho, que era chefe da delegação brasileira, que foi para Suécia na Copa, acho que foi a nossa primeira Copa conquistada, Copa do Mundo e na época, o Garrincha foi reprovado nos testes psicotécnicos, que é aquele teste de Detran, tirar carta, e ao ser reprovado nesse teste, e o Garrincha arrebentou na Copa do Mundo em 62 também no Chile e assim, todo mundo parou e falou: “Ele é reprovado e acaba, praticamente ganha sozinho uma Copa do Mundo? Então não serve para nada essa coisa de Psicologia”, só que na época as pessoas não fizeram a associação daquilo que o Garrincha fazia em campo e como ele era fora de campo, ele morreu com cirrose hepática, ele morreu doente, será que aqueles exames, aqueles testes que eram aplicados nele já não demonstravam uma fragilidade na personalidade? Porque hoje, a gente ainda tem alguns instrumentos de testagem, de mapeamento de perfil voltados para o esporte, mas na época, não se tinha nada! Então, se abordava apenas a personalidade dele, e a personalidade dele, certamente, já dava mostras de total fragilidade. Então esse fato do professor João Carvalhais, que tem todo o meu respeito e admiração, acho que foi um cara de vanguarda, corajoso na época para falar nesse tema, enquanto americanos, principalmente, americanos já estudavam isso desde a década de 20, aqui surge o professor Carvalhais na década de 50, esse fato deu uma calada no avanço da Psicologia do Esporte até a década de 80 mais ou menos, início da década de 90, que aí é a hora que começa realmente as publicações na língua portuguesa, aí a coisa começa realmente a crescer e a ganhar corpo…
P/1 – É bem recente, né?
R – É bem recente. Se você pensar que a Psicologia em si tem 110 anos a se contar os primeiros estudos do Freud no final do século XIX, inicio do século XX, a gente tem 110 anos de ciência, de ciência clínica, agora de esporte realmente no Brasil, a gente ainda está atrasado e há muito ainda o que ser feito e o que ser pesquisado. Lá na USP, onde eu faço o meu Doutorado, a gente tem um laboratório de pesquisa de Psicossociologia do Esporte, há outros laboratórios pelo país, então, a tendência é que os próximos, sei lá, dez, 20 anos sejam bastante prósperos para essa área, principalmente, pela chegada da Copa do Mundo, dos Jogos Olímpicos tende a incrementar mais, eu sinto isso no próprio consultório, a procura maior de atletas, atletas mirins, os pais, a imprensa ajuda, porque fala o atleta teve um problema emocional, ou uma crise de ansiedade tirou uma nadadora num momento X, então já vai se divulgando o papel da Psicologia também nos meios de mídia.
P/1 – E qual que é, assim, se puder explicar em linhas gerais, eu imagino que não seja fácil, mas qual que é o trabalho, assim, de um psicólogo do esporte? Enfim, é um psicólogo, mas qual que é o especifico? Com que realidade vocês lidam?
R – Então, a gente trabalha na Psicologia do Esporte não só com alto rendimento, a gente trabalha com projetos sociais, com inclusão de menores através do esporte, a gente faz trabalhos de prevenção e promoção de saúde em academias de ginástica, há todo um trabalho de preparação de treinadores, mestres, técnicos para o contato com crianças e adolescentes. Há também o trabalho com alta performance, enfim, modalidades de alta competição, individuais, coletivas, de diversas categorias e modalidades. Normalmente a gente parte sempre de um mapeamento de um perfil psicológico, um levantamento das demandas propriamente ditas do atleta, para que depois a gente ofereça um trabalho de orientação, acompanhamento, desenvolvimento e fortalecimento dessas regiões que merecem um pouco mais de atenção. E é interessante notar, como diz o meu próprio livro Psicologia do Esporte: atleta é ser humano em ação. É muito importante constatar que atletas que me procuram no consultório, chegam com uma demanda muito especifica do esporte, mas quando você vai estudar mais a fundo, ela tem a origem fora do esporte. Então, essa interlocução entre ser atleta e ser humano é muito importante para gente realizar isso no projeto clínico com atletas. E também tem o trabalho dos clubes, os trabalhos coletivos, onde a gente faz esse apanhado do mapeamento, trabalha junto com os treinadores, troca ideia, observa jogos, observa treinos, vai a concentrações, muitas vezes, viaja com os times, estabelece metras psicológicas de alcance individuais e coletivas do grupo, faz algumas ações motivacionais de acordo com as demandas levantadas, de acordo com o acompanhamento que você tem no dia a dia com os atletas, ou seja, eu diria que o psicólogo, para resumir, o psicólogo do esporte, ele é apenas mais um integrante, ou deveria ser, ou como é em boa parte da Europa e dos Estados Unidos, mais um integrante da comissão técnica que tem o médico, o massagista, fisioterapeuta, nutricionista e o treinador.
P/1 – E João, você conseguiria dar, claro sem citar nomes de uma maneira, dar um exemplo, assim, concreto de atuação para gente? Assim, eu entendo o que você quer dizer em linhas gerais, mas pensar assim, ou de repente, pensar num caso que foi marcante para você, numa experiência, assim, algum destaque para deixar a coisa…
R – Assim, são vários casos, imagina, estou há 23 anos atendendo atletas, então são mais de duas décadas com casos bastante interessantes. Eu posso citar um de um rapaz, ele me procurou com 15 anos, ele é um tenista, um jovem tenista, que ele queria muito ser tenista, o sonho dele era virar tenista, ele não tinha muito talento, mas ele era muito esforçado. Eu desenvolvi todo um trabalho de mapeamento de perfil com ele, eu viajava com ele para alguns campeonatos dentro e fora do país para fazer a orientação, para fazer o treinamento psicológico com ele antes das partidas, ele ficou comigo durante seis anos fazendo trabalho, ele teve, infelizmente, mais derrotas na quadra do que vitórias, mas essas derrotas foram muito pedagógicas, eu diria, para ele, fortaleceram muito o emocional dele, o mental dele, certamente ficou muito mais forte e eu perdi contato com ele, depois que ele resolveu parar o tênis e começar a estudar, isso faz muito tempo. E aí, oito, nove anos depois, me liga o pai dele: “Olha, João, estou te ligando, lembra de mim?” “Puxa vida, claro que lembro, como é que está o seu filho e tal? Parou mesmo o tênis?”, ele falou assim: “Não, ele parou naquela época, ele decidiu que não ia mais jogar. Mas eu estou te ligando para dizer que ele casou, ele fez uma faculdade, está trabalhando comigo na empresa”, o pai dele é dono de uma empresa, “Ele é o diretor comercial da empresa, ele está super bem e eu quero dizer que eu devo muito a estabilidade e o equilíbrio dele aos anos que vocês estiveram juntos”. Então, você vê que muitas vezes, você vai ajudar um atleta, mas como é difícil se tornar um atleta, você pode instrumentalizar um ser humano a obter sucesso na carreira e na vida.
P/1 – E você sente, assim, trabalhando com atletas, questões que são comuns do meio assim, pensando no esporte no Brasil mesmo, que são recorrentes?
R – Olha, o recorrente na parte psicológica, muitas vezes, são questões relacionadas com concentração, quebra de concentração, aumento significativo de ansiedade pré competitiva, principalmente, e algo que ainda se fala pouco, mas que a ocorrência é muito significativa, que é o medo do sucesso, atletas que têm medo da vitória, por conta do ônus, da responsabilidade que a vitória vai gerar, eu diria que se eu tivesse que eleger hoje, uma demanda mais recorrente no campo clínico com atletas, eu diria que é o medo da vitória, que eu costumo chamar que é a usina do fracasso.
P/1 – E agora, só uma coisa de curiosidade, depois eu voltar um pouco para sua vida mais pessoal, mas você falou desse trabalho conjunto, no caso de equipes, por exemplo, se a gente for pensar no futebol, que tipo de interferência no treinamento, por exemplo, um psicólogo esportivo pode dar, digo, um jeito do técnico falar com o seu jogador, qual, enfim, sabe, em que esferas isso pode…
R – Eu diria que o trabalho do psicólogo no futebol num treino, numa partida é apenas de observação, o psicólogo não intervém em nenhum momento nessa hora, mas a presença do psicólogo, a presença física dele remete aos atletas visualmente e presencialmente tudo aquilo que foi trabalhado antes dos jogos, antes dos campeonatos. Então, efetivamente e operacionalmente, não se faz nada, além de observar o comportamento, a reação sempre tem dados importantes de relacionamento, de expressão de uma emoção, que a gente acaba captando isso num treino ou numa partida, mas a intervenção efetivamente nesse momento é só o preparador físico e o treinador, o psicólogo só observa.
P/1 – E a partir dessa observação, aí você tem conversas também com o treinador, eventualmente, ou não?
R – Sim, sim! Assim como o preparador físico faz um relatório de feedback para o treinador, o psicólogo do esporte também, porque a gente não deve priorizar, maximizar ou minimizar a parte física da mental e a mental da física, são ambas as esferas da mesma unidade. Então, a gente claro, guardado o compromisso ético com a profissão, a gente tem que fazer um relatório até para testar como estão as condições emocionais, psicológicas, motivacionais dos atletas de uma forma individual e do grupo como um todo.
P/1 – E agora, voltando um pouco mais para sua vida pessoal, queria que você me contasse como é que você conheceu a sua esposa.
R – Conheci minha esposa num site de relacionamento, era um site que chamava “met.com”…
P/1 – Não conheço.
R – Eu nem sei se existe ainda. Mas eu me lembro que você podia mandar uma piscada para uma pessoa, para um perfil, ou escrevia uma mensagem. E eu lembro assim, eu era super exigente e tal, a pessoa tinha que morar na zona oeste, ser de São Paulo, tinha um monte de coisas que eu coloquei, sem tatuagem, coloquei um monte de coisa. Conheci uma pessoa da zona leste, de tatuagem, que mora em Santa Catarina. Então, beleza, e foi com essa pessoa que eu casei.
P/1 – Qual que é o nome dela?
R – Josiane.
P/1 – E o primeiro encontro assim, você se lembra bem?
R – Ah, lembro! A gente, na verdade, o primeiro encontro foi virtual, ela nem me mandou uma piscadinha eu lembro que para poder escrever, você tinha que pagar, para poder escrever, senão era só ficar dando piscadinha. Aí, ela mandou uma mensagem para mim, escreveu: “Dizer que temos algo em comum é muito comum”, e me chamou atenção, e aí, eu respondi, fiz assinatura também, porque eu só ficava mandando as piscadinhas, aí eu fiz a assinatura para poder me comunicar com ela, senão eu só ficava recebendo, eu não podia responder. A gente ficou, sei lá, duas, três semanas trocando telefonema, mandando mensagens de texto e tal, até que a gente decidiu, a gente estava muito amigo, se falava todos os dias, era uma coisa muito intensa, e aí, a gente resolveu se encontrar e teve um pequeno estranhamento, assim, não diria estranhamento, mas uma adaptação do mundo virtual para o campo real, mas que também foi muito rápido, a gente saiu para jantar, já teve um primeiro beijo no primeiro encontro e lá se vão cinco, seis anos até aqui, a gente casou, já está quase quatro anos casados e estamos super bem.
P/1 – E como é que foi o casamento de vocês?
R – Então, ela já tinha sido casada, então eu nunca tive o sonho de casar na igreja, aquela coisa toda, de vestir branco, ela já tinha realizado esse sonho, que eu acho que é um pouco mais feminino do que masculino. Então, somos ambos católicos, mas com exercício do espiritismo, a gente frequenta centro kardecista e eventualmente de umbanda também, mas sempre mesa branca e a gente aí, optou em fazer uma festa com os amigos, a gente foi ao cartório, a gente fez uma festa aqui em São Paulo e uma em Joinville, que é da onde é a família dela, então, a gente casou duas vezes na verdade. E aqui, na Igreja Cruz Torta, aqui em Pinheiros tem o padre Renato, que eu me lembro que quando o meu avô teria completado cem anos, eu fui lá pedir uma missa para ele, e eu sentei com o padre e a gente ficou mais de uma hora conversando, eu contando toda a história do meu avô, ele ficou super emocionado e eu também, e na época que eu me casei com a Josi, eu falei assim: “Bom, a gente podia pelo menos chamar alguém para dar uma benção na gente, enfim, ler umas palavras, alguém”, e eu chamei o padre Renato e ele foi, foi super simpático, a gente casou no dia de Santa Bárbara, dia 4 de dezembro e aí, eu levei uma oração de Santa Bárbara, que é uma santa super guerreira, e todos que estavam lá leram, o padre ia dando as estrofes e todos iam repetindo, foi muito emocionante, foi muito bacana. E aí, a gente fez mais uma festa em Joinville, aí com a turma de lá, que não podia vir para cá, então todos os amigos dela lá, a família dela é imensa lá, a gente alugou um buffet no meio de uma montanha ali, de uma floresta, linda de morrer, à noite, era uma noite fresca, gostosa, eu usei uma bata branca assim, eu lembro direitinho, eu tenho ela até hoje.
P/1 – Tiveram um ritual, né?
R – Sim, sim, sim. Não teve a igreja, aquela coisa quadradinha, mas…
P/1 – Mas é um ritual…
R – O nosso ritual!
P/1 – E ela torce para algum time? Ele gosta de futebol, a Josi?
R – Ela odeia futebol. Ela odeia futebol, porque ela conta que quando ela era pequena, o pai dela ama futebol, então, quando eles iam para praia ali perto de Joinville, ali Piçarras, Penha e tal, o pai voltava com o carro com o radinho ligado e ela queria dormir, ficava aquele: “E lá vai não sei o que, e tocou a bola para não sei quem e lá vai”, e ela ficava enlouquecida, criança, então ela pegou birra de futebol. O primeiro marido dela era flamenguista roxo, adorava futebol e assim, ela é uma pessoa muito crítica em relação ao futebol, crítica em relação ao sistema do futebol, em relação a administração do futebol, essas brigas de torcida, ela não gosta do futebol, na verdade. Quando eu tenho que acompanhar algum time, claro, ela torce, ela vibra, mas muito mais pelo meu trabalho do que pelo futebol em si.
P/1 – E vocês têm filhos?
R – Projetos de filhos. A gente andou mandando uns e-mails para cegonha, mas parece que ela está off-line ainda. Uma hora ela…
P/1 – Quem ter…
R – Aí, deve vir.
P/1 – Está certo. E queria te perguntar das Olimpíadas agora, se você acompanha Olimpíadas também? E se tem algum momento marcante, acho que você se emociona, você já falou que você é bastante emotivo, se tem algum momento marcante ou algum atleta olímpico marcante, fora do futebol?
R – Puxa vida! Quantos tem, né? Um monte! Vários!
P/1 – É, se você quiser escolher alguns, algum momento ou alguém que…
R – Eu assim, acho o atleta olímpico o verdadeiro atleta, acho o verdadeiro sentido do esporte está na Olimpíada, eu acompanho com o mesmo afinco que a Copa do Mundo, acompanho tudo, todas as modalidades, sempre que eu posso, estou ali enfim, ligado.
P/1 – Você tem uma preferida, uma modalidade preferida?
R – Não, eu gosto de todas assim, eu gosto de esportes de inverno, acho bárbaro, esqui, aqueles esquiadores saltando aquelas rampas, assim e caindo, aqueles trenós que vão a 120 quilômetros por hora, o que é o bobsled, tem o curling, que é aquela bola que vai indo pela plataforma de gelo e eles vão varrendo para criar uma superfície mais lisa para controlar onde a bola vai. Eu gosto de tudo, eu gosto de esporte, eu gosto de tênis de mesa, eu gosto de atletismo, adoro vôlei, basquete, acho sensacional, natação, então assim, exemplos assim, me emocionei muito com a medalha do Ricardo Prado na natação, com todos os trunfos do Cesar Cielo, com o Vanderlei Cordeiro na Olimpíada que aquele maluco apareceu ali para segurá-lo e a força de superação que ele teve para ir em seguida. Lamento muito pelo futebol brasileiro nunca ter ganho uma medalha de ouro, acho que tem uma questão aí de uma crença que precisa ser quebrada e rapidamente quebrada, porque cada nova Olimpíada que vem, a gente não ganha medalha, essa crença da ausência da medalha de ouro vai se fortalecendo e vai ficando mais rígida no inconsciente institucional do futebol brasileiro olímpico. O vôlei acho que o vôlei nosso aí, sei lá, últimos 12 anos, três, quatro Olimpíadas, tanto feminino de praia, masculino de quadra, em ambos, o vôlei de uma forma geral tem dado um exemplo maravilhoso de organização, de eficiência, eu gosto muito do trabalho do Bernardo, gosto muito do trabalho do Zé Roberto, os treinadores…
P/1 – Você acompanha tudo, né?
R – Tudo! Tudo, tudo, eu estou plugado o tempo todo em esporte, até porque eu recebo na minha clínica, atletas de dezenas de modalidades esportivas, então, eu tenho que estar ligado, eu tenho que conhecer a história do esporte, as regras do esporte, os termos do esporte, então, eu me ligo desde golfe a MMA, de tênis a judô, de artes marciais a futebol, de basquete a vôlei, de natação a…
P/1 – Tudo!
R – Tudo, eu sou um homem do esporte.
P/1 – E as suas expectativas assim, para Copa e para as Olimpíadas no Brasil? Como é que você está se sentindo em relação a isso?
R – Olha! Eu posso dizer que hoje, eu estou num momento especialmente em litígio com o futebol, depois de tudo o que aconteceu nesse ano de 2013, o que aconteceu com essa equipe aqui, que eu fiz questão de trazer a minha homenagem a Portuguesa, a essa confusão toda do STJD, da punição, se fosse ao invés dessa camisa, fosse um time mais forte, provavelmente, isso não estaria acontecendo, então, os jogos de poder, manipulações de resultados que a gente vê a todo instante na Europa, que isso sai o tempo todo, enfim, escândalos, aqui em 2005 que teve a manipulação de resultados, tudo parece que é, mas não é, depende se é, mas pode ser, mas às vezes, pode não ser, eu acho que esse caráter meio obscuro do futebol tem me decepcionado bastante. Aqui, como eu me emocionei falando da Copa de 82, 78, do gol do Zico que não foi, daquela armação da Argentina, como eu sofri, hoje eu não sofro mais.
P/1 – Vai gerando uma desconfiança, né?
R – Generalizada: “Será que é mesmo?” “Será que a Nike teve alguma participação na Copa de 98, com o Ronaldinho?”, quer dizer, eu não sei o quanto vai de teoria da conspiração, quanto é efetivamente, o quanto essa dúvida abre o precedente para que as barbaridades aconteçam, o fato é: futebol hoje para mim virou uma espécie de business, é negócio, ele perdeu o caráter da legitimidade do esporte, ele perdeu o caráter do herói que pratica. Hoje em dia, ele é, eu diria, um grande circo, o panis circense, o pão e circo para a população num país que vive ainda numa miséria muito grande, especialmente lá para cima, a miséria é muito grande, um país que sofre pela falta de educação, pela falta de saúde, pela falta de oportunidade, o desemprego ainda é muito alto, caos do trânsito, a violência, joga-se então, uma Copa do Mundo, acho que uma tentativa de apaziguar um pouco os ânimos da população, e eu acho isso um grande absurdo. Em relação as Olimpíadas, eu acho que a gente ainda vai precisar de um ciclo a mais, eu penso que em 2018, talvez seja, o grande ano dos Jogos Olímpicos, a gente está agora na USP recebendo alguns atletas, delegações que a gente vai fazer o trabalho pensando em 2016 no Rio, mas efetivamente, eu aposto que os resultados vão para 2018, mas eu vejo com olhos melhores o esporte olímpico hoje, em termos de organização, em termos de conceito de atleta do que propriamente no futebol.
P/1 – Eu vou encaminhar já para o final e vou te fazer as duas perguntas finais. Uma é: quais são os seus sonhos hoje?
R – Quais são os meus sonhos hoje?
P/1 – Qualquer aspecto.
R – Bom! Eu sonho em ter um filho, talvez, dois. Eu sonho em ainda poder ver, enquanto vivo, a Psicologia do Esporte ser admirada, reconhecida e fortalecida, considerada como uma área de atuação importante no meio do esporte. Eu sonho em continuar sendo feliz e realizado naquilo que eu faço, e para isso, eu trabalho diariamente. Eu sonho que as próximas gerações, além das nossas, tenham um Brasil um pouco mais, ou dizer, menos inóspito do que está o nosso país hoje, e eu sonho com um país que tenha uma política menos corrupta, que a gente tenha menos ladrões e mais políticos efetivamente e sonho enfim, em ter uma família mesmo, a minha companheira sempre ao meu lado e poder continuar fazendo aquilo que eu amo que é trabalhar com a Psicologia e com o esporte.
P/1 – E como é que foi dar o seu depoimento hoje aqui para gente? Como é que você sentiu? Como é que foi a experiência?
R – Acho que eu preciso de um psicólogo agora. (risos) Foram muitas emoções, foram muitas emoções, foi uma retrospectiva extremamente agradável, é bom saber que a gente tem tanta coisa, é bom saber que a gente tem uma história, acho isso que é o mais importante, eu trabalho muito com as histórias. Eu trabalho muito com as histórias das pessoas e as histórias das pessoas são especiais por serem histórias vividas por elas, e muitas vezes, a gente vive, vive, vive, e não faz uma pausa para ver, avaliar, e reviver que eu acho que é importante, a medida que a gente conta, a gente revive, é uma oportunidade, de você ter uma nova vivência eu certamente, ficaria, mais duas, três, cinco, seis, oito horas aqui contando, foi um grande prazer.
P/1 – Que bom, para gente também.
R – Gostinho de quero mais, com certeza.
P/1 – Bom, eu queria ver se a gente tem uns cinco minutos, a gente está na sua hora já…
R – Quatro e meia, dá!
P/1 – Até quatro e meia, dá? Não, era só assim, porque a coisa das camisas, acho que seria legal só você dizer assim que é uma coleção, o que que é essa coleção? Quando que ela começou?
R – Ah sim, claro!
P/1 – E se quiser mostrar, eu deixei bem por último, porque assim, se não der tempo, não tem problema.
R – Tá! Não, não, acho que…
P/1 – Você acha que dá?
R – Posso falar assim, de uma forma geral?
P/1 – Gerais, é, porque você apresentou, até se você quiser mostrar mais uma vez…
R – Então, tem uma camisa que eu acho legal eu contar a história de uma camisa, para falar que eu tenho histórias com as camisas, mas uma em si tem uma história bem legal!
P/1 – Qual que você quer? Me diz.
R – É uma da Ilhas Faroe, que é uma amarela, que não é a do Brasil, não é essa da África, é essa aí, isso! Em relação as camisas de futebol, eu tenho uma coleção, um acervo, já não é mais uma coleção (risos), de quase 500 camisas de futebol e eu posso dizer que eu tenho uma história com cada uma delas, ou que eu usei num estádio, ou que eu fui presenteado por um jogador num time que eu trabalhei, ou que um amigo me deu de presente, ou que foi um presente de aniversario de x anos de idade e tal. Então, ficaria enfim, 24 horas do meu dia contando história de cada uma, eu acho que não daria tempo, mas se eu tivesse que eleger uma história que para mim foi emblemática e foi inesquecível, o Danilo, um grande amigo meu, apelido dele é Dodô, em 93, ele é palmeirense fanático e ele foi trabalhar num kibutz em Israel, foi trabalhar com plantação de uva e tal, foi ter uma experiência de ficar um ano no Kibutz e foi a época da Parmalat no Palmeiras, que o Palmeiras estava, sei lá, acho que estava 17 anos sem ganhar um título e era meio que claro que se não fosse em 93, ia ser em 94, mas que ele não ia ver o Palmeiras ser campeão. E aí, antes dele ir para Israel, eu comprei uma camisa do Palmeiras e dei para ele, falei: “Olha, Dodô, essa aqui é para você trabalhar lá no seu plantio lá das uvas lá em Israel e para te dar sorte com o teu Palmeiras, que vai ser campeão com certeza”, que era aquele time maravilhoso: Edmundo, Evair, Cesar Sampaio, era um timaço. E ele me chegou aqui em 94 do kibutz, no dia da minha formatura, no Clube Homs, onde foi a festa, e ele chegou e falou assim: “João, eu vim, cheguei hoje e tal, e eu quero te dar um presente. Lembra daquela camisa do Palmeiras que você me deu quando eu fui para lá?” “Lembro”, ele falou assim: “Tá aqui, eu vou te devolver”, aí quando eu abri o pacote, tinha essa camisa aqui, aí eu falei: “Mas Dodô, essa aqui não é a camisa do Palmeiras”, ele falou: “Não é. A camisa do palmeiras, eu dei para um colega, um amigo que eu fiz lá, que era da Ilhas Faroe”, Faroe Islands, que é uma ilhazinha minúscula no meio da Europa, “E o rapaz tinha uma camisa oficial da Ilhas Faroe e eu dei a do Palmeiras para ele e ele me deu a da Ilhas Faroe e eu gostaria de te presentear”. Então, ela é uma camisa oficial, com número e tal, de jogador mesmo da Ilhas Faroe e aí, eu tenho por essa camisa um carinho muito especial por ela, pelo fato de ter sido um presente do presente, quer dizer, ela foi como Palmeiras, o Palmeiras foi campeão efetivamente ali, 93, 94, e aí, o Dodô deu a camisa para o rapaz, o rapaz deu a camisa para ele e ele me deu no dia da minha formatura e já tem 20 anos agora que eu guardo com o maior carinho essa camisa, camisa das Ilhas Faroe, assim como varias outras camisas têm histórias especiais.
P/1 – Muito legal, obrigada João.
R – Imagina! Obrigado eu.
P/1 – E provavelmente uma camisa que você não teria por outro caminho, porque como você ia ter uma camisa …
R – Faroe Islands? E lá eles trabalham com peixes, né? Lá é pesca só…
P/1 – E é bonita, né?
R – É, ela é bonita, é bonita sim, é legal.
P/1 – Legal.
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