P - Muito obrigada por você ter vindo até aqui nesse dia de chuva. Eu queria que você começasse falando pra gente o seu nome completo, onde você nasceu e a sua data de nascimento. R - Meu nome completo é Giulia Carvalho Afiuni. Eu nasci no dia quatro de junho de 1992 aqui em São Paulo. P - ...Continuar leitura
P - Muito obrigada por você ter vindo até aqui nesse dia de chuva. Eu queria que você começasse falando pra gente o seu nome completo, onde você nasceu e a sua data de nascimento.
R - Meu nome completo é Giulia Carvalho Afiuni. Eu nasci no dia quatro de junho de 1992 aqui em São Paulo.
P - E o nome dos seus pais?
R - Minha mãe é Nilce com C, Helena com H, Ferreira de Carvalho. E meu pai é Jorge Barros Afiuni.
P - E o que eles fazem? Qual é a atividade deles?
R - Eles são médicos, os dois.
P - Tem alguma especialização?
R - Tem. Meu pai é clínico geral e pneumologista e a minha mãe é radiologista, faz ultrassom, (radiografia?).
P - E os dois são de São Paulo...
R - São.
P - Você sabe como eles se conheceram?
R - Eles se conheceram na faculdade. Eles faziam em Jundiaí. Foi na época da faculdade, eles eram do mesmo grupinho e começaram a namorar e se casaram.
P - E os seus avós?
R - Nossa, tem que saber como os meus avós se conheceram?
P - Não, não, não. Fala só o nome deles pra gente. O que eles fazem ou faziam.
R - Então, vou começar pelo lado paterno. Minha avó se chama Terezinha Barros Afiuni e o meu avô Afiuni Jorge. Acho que eles trabalharam em banco, eu não sei direito na verdade, acho que foi isso. Eles são aposentados e moram no Tremembé, aqui em São Paulo também, zona norte. E os pais da minha mãe já faleceram os dois. Mas o meu avô se chamava Luis Carlos de Carvalho, inclusive ele se chamava Luis Carlos por causa do Luis Carlos Prestes, eu descobri isso recentemente.
P - Que legal.
R - E a minha avó se chamava Maria Nilce Ferreira de Carvalho. Ela foi pedagoga... Assim, durante a vida toda dela ela foi dona de casa, mas quando ela tinha acho que uns 40 anos ela decidiu fazer uma faculdade, aí ela foi fazer pedagogia e trabalhou com isso durante um tempo.
P - E você sabe a origem da sua família? Tem alguma história de imigração...
R - Então, a minha avó, mãe da minha mãe é do Ceará e ela veio pra cá... Ela foi para o Rio. Isso é uma coisa importante, a minha mãe nasceu no Rio e o meu pai nasceu aqui em São Paulo. A minha avó foi para o Rio não sei direito quando nem o porquê, mas ela era do Ceará, a última de uma família de sete irmãs, todas começam com N. Ela conheceu o meu avô lá e eles se casaram e tudo mais. Na parte do meu pai eles são da Síria. Quer dizer, a parte do pai do meu pai são sírios e eles vieram pra cá também no começo do século XX. E da minha avó, mãe do meu pai, são italianos, mas também não sei direito. São daquela região do Vale do Paraíba, ela só veio pra São Paulo, tem ainda família por lá também.
P - E essa parte da família da Síria, você sabe um pouquinho da história, como que foi pra eles quando chegaram?
R - Eu não sei direito, eu só sei que o meu bisavô e a minha bisavó eram primos e se casaram. Porque, sei lá, isso é um costume que acontece lá, mas eu não sei direito. Sei que eles vieram para Goiás, inclusive tem parte da minha família que é de lá. Eu não sei como o meu avô veio parar aqui, mas acho que ele nasceu aqui, tenho quase certeza.
P - E Giulia, você tem irmãos?
R - Tenho um irmão, Caio.
P - E o que ele faz? Quantos anos ele tem?
R - Ele tem 21. Ele também estudou na PlayPen até oitava série, da primeira até a oitava série. Hoje em dia ele é formado em música, se formou ano passado e tá indo fazer mestrado fora, acho que em Nova York se tudo der certo. Também uma coisa que a gente teve pela vivência que a gente teve lá que é o inglês fluente. Ele quer lá porque aqui não tem mercado pra música, ele gosta muito de jazz, então ele decidiu ir pra fora.
P - Conta-me um pouquinho, que bairro de São Paulo que você nasceu Giulia?
R - Eu nasci aqui em Pinheiros, aqui pertinho, moro na mesma casa desde sempre. Frequento aqui, Vila Madalena, Paulista e tal.
P - Quais são as suas lembranças, as suas primeiras lembranças de criança, sabe? De morar em Pinheiros, o que você, fazia...
R - Uma das coisas que eu lembro é que eu ia andar de bicicleta com meu pai e com meu irmão na USP, na Cidade Universitária e acho que hoje em dia não pode mais andar de bicicleta, não tenho certeza. Eu lembro claramente do gosto de guaraná quente, porque o guaraná ficava no carro, ficava lá no sol e a gente voltava e o guaraná estava quente. Eu ficava triste, mas era legal, porque eu passava o tempo com meu pai e com meu irmão. Eu lembro que a gente costumava viajar pra Angra, para uma cidadezinha perto de Angra, que se chamava Mangaratiba, que era onde os pais da minha mãe moravam. Eles moravam no Rio, mudaram para São Paulo, mudaram para o Rio de novo, mudaram para lá, mudaram para o sul, para Santa Catarina e depois para cá de novo. Eu me lembro de que a gente ia para esse lugar, era um condomínio que se chamava Sítio Bom. Foi uma das coisas que mais me marcaram na infância, porque eu amava ir para lá. A gente ia com a família inteira, a minha mãe tem três irmãos e a gente ia, todos os primos, todos os tios, minha avó, meu avô e era uma delícia. Sempre nos feriados, Natal, Ano Novo, a gente sempre ia pra lá. Eu lembro que a gente ia ouvindo Tom Jobim no carro porque minha mãe também é musicista e eu também. Ela toca piano e é apaixonada pelo Tom Jobim, a gente ia ouvindo o mesmo CD. Se eu ouvir eu me lembro de todas as partezinhas da música, porque a gente sempre ouviu mesmo. E foi aí que eu comecei a gostar de Tom Jobim e nunca mais deixei de gostar. Eu o adoro.
P - Como que era assim, pelo fato de a sua mãe gostar música, na sua casa...
R - A gente teve sempre esse ambiente musical. Então tinha um piano na minha casa, eu lembro também domingo ela sempre tocava. A gente ficava lá, a gente sempre aprendeu a gostar de música e de música instrumental porque era o que ela gostava, era o que ela ouvia e a gente acabava ouvindo também. Desde pequenininha, desde cinco anos acho eu comecei a fazer aula de musicalização, que não era nenhum instrumento específico, era só percussão, conhecer os instrumentos, aquela coisa. Eu comecei com cinco anos, o meu irmão também quando ele tinha cinco anos. Ele começou a fazer aula de piano e quando ele tinha oito, eu tinha cinco, ele continuou fazendo piano. Fazia piano erudito e eu fazia a musicalização, depois a gente mudou de escola de música, aí eu comecei fazer piano também e flauta doce. Aí fiz acho que um ou dois anos de piano, mas eu não gostava muito de piano, eu gostava de flauta mesmo. Inclusive tinha um grupo que eram uns alunos de flauta doce que faziam piano e flauta doce que tocavam com o Zimbo Trio, que são os donos da escola de música. Todo final de ano a gente fazia apresentação junto com eles. Depois de acho que dois anos eu decidi, minha mãe tinha comprado uma flauta transversal e eu resolvi começar fazer aula de flauta transversal. Isso foi quando eu estava na quarta série, tinha dez anos. E eu toco até hoje. Em vários momentos na PlayPen eu toquei, em várias apresentações, também teve um grupo de música que eu sempre tocava, eu sempre arranjava uma desculpa para tocar. Isso foi em vários momentos também.
P - E Giulia, me conta uma coisa, como eram as festas na sua casa nessa primeira infância? Natal, Ano Novo, aniversário...
R - Eu acho que Natal e Ano Novo a gente sempre passava na casa dos meus avós. Então ou a gente ia pra essa casa na praia lá em Angra, para o Sítio Bom, ou a gente ia pra casa da minha avó que também é a mesma casa desde sempre, no Tremembé. Nas duas ocasiões se reunia a família inteira, de um lado e de outro. Inclusive na casa da minha outra avó, mãe do meu pai, a gente brincava que tinham umas festas intermináveis, duravam o dia inteiro e a noite inteira, eram sempre as mesmas pessoas, com os mesmos jeitos, as mesmas manias que a gente achava engraçado, ficava comentando, mas separadamente, eles não sabiam de nada. E até hoje é muito parecido, é muito engraçado isso porque eu reconheço as pessoas desde quando eu era bem pequenininha. Eu olhava assim... E também tinha uma coisa que eu fazia com a minha prima, porque eu adorava as Spice Girls, as Chiquititas, essas coisas, mas as Spice Girls pra mim eram tudo. Eu ainda gosto delas, inclusive. Aí a gente fazia um show, a gente ensaiava uma coreografia das Spice Girls, ou alguma outra das Chiquititas, essas coisas assim, Britney Spears, Cristina Aguilera e aí gente cobrava, sei lá, um centavo, cinco centavos de cada pessoa que estava lá, dos nossos tios, primos e tudo mais e eles iam assistir a gente apresentar. Tem um salãozão enorme que parecia muito maior do que realmente é. Hoje eu vou lá, eu falo: “Nossa, era tão grande. Era um mundo mágico lá no fundo da casa da minha avó”. E a gente fazia essa apresentação, eu e a minha prima. Eles sempre riam quando a gente pedia uma contribuição de cinco centavos, hoje em dia eu falo pra minha mãe: “Como é que eles davam, sabe?”. Mas eles davam. Os nossos pais, tios, tudo mais, avós.
P - E você falou bastante da casa dos seus avós, como que era a relação com os avós?
R - Sempre foi muito próxima. A minha mãe fala que era muito comum a gente ficar com eles, a gente sempre foi muito ligado, dos dois lados... Eu estou falando com os pais do meu pai. Com os pais da minha mãe era mais complicado porque eles não moravam aqui, eles moraram no Rio e lá em Mangaratiba, depois mudaram para o sul, para... Como é que chama? Balneário Camboriú, Santa Catarina. Mas mesmo assim, a gente não os via sempre, só que também era muito próximo. Eu particularmente sempre fui muito próxima da minha avó, mãe da minha mãe. Ela é uma pessoa incrível, eu sinto muita saudade dela.
P - E dos seus aniversários? Você se lembra de algum? Tem alguma história?
R - De quando eu era bem pequena eu não lembro, mas eu me lembro de fitas de vídeos que eu já assisti. Eu faço aniversário em junho, meu irmão faz em maio, então sempre foi muito pertinho, acho que tem um mês de diferença, menos, três semanas de diferença. Então a gente sempre fazia as nossas festas juntos. Aí sempre era um tema de ou algum filme de Disney, algum desenho animado, alguma coisa assim e eu era a menininha e ele era o menininho, sempre era fantasiado. Teve um aniversário que a gente fez da Turma da Mônica, a gente fez um teatrinho da Turma da Mônica, eu adorava fazer teatros, shows, coisas assim. Eu era a Mônica, eu tinha um Sansão inclusive, eu adorava a Mônica. A minha tia, que era a minha madrinha também, era costureira, então ela fez a fantasia de todo mundo. Fez um vestidinho vermelho, todo bonitinho e eu adorava, ficava com o Sansão. O meu irmão era o Cebolinha e a minha prima que era essa que eu dançava com ela era a... Como que era o nome dela? Rosinha? Não sei. Era do Chico Bento. Os meus outros primos eram os outros personagens. Minhas duas primas que são muito próximas de mim também, que são filhas da irmã da minha mãe, a mais velha era a Tina e a mais nova era a Magali. Tinha um melhor amigo do meu irmão que era o Cascão e o meu outro primo era o Chico Bento, meu primo que é filho da prima da minha mãe. Aí a gente tinha uma cabaninha que era da Turma da Mônica mesmo, que a gente sempre brincava nela. Foi num bufê, a minha mãe levou a cabaninha e a gente fez, a gente cantou as músicas. Teve uma hora lá que parou a festa e todo mundo sentou lá pra assistir. E a gente também. Isso foi uma coisa que eu lembrei outro dia: a gente ouvia as músicas da Turma da Mônica em vinil. Aí eu fiquei pensando: “Pô, o CD surgiu faz muito pouco tempo”. Eu escutava vinil ainda, na minha casa e da Turma da Mônica era vinil, acho que eu não tive o CD da Turma da Mônica, nem sei se tinha. Deixa-me pensar, outros aniversários... Então, a gente sempre fazia em bufê, eu junto com meu irmão. A gente chamava o pessoal da minha série e da série dele. Então, também tinha essa coisa, essa mística de: “Ah, os amigos mais velhos do meu irmão”. Sabe? Era meio estranho, mas era interessante, mas sei lá. E deixa pensar outra assim... Então, depois que já não dava mais pra fazer festa em bufê, a gente começou a fazer festa no salão do meu prédio. Aí tiveram várias, isso eu acho que, quando eu tava na quarta (série) foi a primeira. Teve na quinta, na sexta e na sétima série. Na sétima teve? Acho que na sétima não teve, na oitava não teve, no primeiro não teve. A última festa que eu fiz lá foi quando eu estava no segundo colegial e a gente fez uma festa à fantasia. Eu e um amigo meu, mas aí já não era na PlayPen, era no Santa Cruz, que foi o colégio que eu fui estudar depois.
P - Giulia, conta um pouquinho como era seu dia-a-dia.
R - Quando?
P - Quando pequenininha ainda.
R - Pequenininha? Nossa eu não sei.
P - Mas você acordava e já ia à escola? Quantos anos você...
R - Então, a gente ia cedinho pra escola e ficava direto. Como meus pais trabalhavam muito, os dois médicos, eles passavam o dia inteiro fora. No pré, antes de entrar na PlayPen, eu estudava numa escola que se chamava Ponto Ômega que é na... Eu acho que nem existe mais talvez, ou tenha mudado de lugar. Era ali perto do Shopping Iguatemi na... Como que chama aquela rua? Não sei, é a rua ali de trás. Eu lembro que ia cedinho pra lá, ficava tendo aula, as atividades o dia inteiro assim, voltava. Nessa época eu não lembro que horas eu voltava pra casa. Mas quando eu era um pouquinho mais velha, quando eu estava na segunda, na terceira série, eu lembro que eu sempre queria chegar logo em casa porque eu adorava assistir Malhação. Malhação começava acho que às cinco e meia, às vezes não dava tempo, às vezes eu perdia e sempre pegava o fim da sessão da tarde. Então desses filmes de sessão da tarde eu sei todos os fins, mas eu nunca assisti nenhum começo, pois a aula na PlayPen começava às sete, acho que era às sete e 15 e acabava às três e meia, isso para os alunos do fundamental, depois no ginásio mudava. O que mais? Não sei. Eu assistia muita televisão, acho que eu devia ter assistido menos televisão quando eu era pequena. Mas eu tocava, eu fazia aula de música, sempre fiz, não lembro da minha vida sem fazer aula de música. Fazia natação, mas eu parei quando era pequenininha também porque eu achava muito chato. E acho que é isso. Na PlayPen, de manhã a gente tinha aulas em português e à tarde a gente tinha aula de inglês. No começo não tinham matérias específicas, era só aula de inglês, que era depois do almoço até às três e meia. Depois, na quinta série em diante começou a ter as matérias em inglês, que aí tinha matemática em inglês, ciências em inglês, tinha a mesma coisa... Não era a mesma coisa, era a mesma matéria, mas o conteúdo era diferente, eles meio que dividiam.
P - Giulia, você se lembra do seu primeiro dia de aula na PlayPen?
R - Não do primeiro. Eu me lembro dos primeiros. Eu amava de paixão a minha escola antes da PlayPen, até tinha uma coisa engraçada que sempre foram classes pequenas, eram seis pessoas acho no último ano, chamava nível cinco, era o nome. Eu lembro que tinham quatro meninas e dois meninos e as meninas não gostavam de mim, não sei o porquê, mas elas implicavam comigo. Aí eu era amiga dos meninos, então eu jogava futebol com os meninos e tal. Eu me sentia maior, eu tinha certa rivalidade com as meninas. Mas tinha uma menina que era minha amiga e quando ela tava com as outras meninas ela não era mais minha amiga. Eu fui meio complexada por isso, durante um tempo, mas depois eu superei. Enfim, mas mesmo assim eu gostava muito de lá. Quando eu tive de sair, porque era o último ano, eu fiquei morrendo de medo porque eu sabia que tinha que saber inglês e eu não sabia nada. A gente até tinha aula, mas era bem merreco. Eu fiquei desesperada, eu lembro um dos últimos dias de aula da escola antiga eu chorando desesperada: “Mãe, eu não vou saber fazer. Eu vou ter que saber escrever e eu não sei escrever. Ai meu Deus”. Sabe? Desesperada. Uma criança de cinco anos, imagina? Eu devia estar muito aterrorizada. Eu fui pra lá e realmente eu não sabia nada de inglês. Inclusive teve uma... Depois eu conto isso. Eu lembro que eu fiquei insegura nos primeiros dias porque eu não sabia, porque eu não conhecia ninguém. Mas no final essa coisa de saber escrever eu descobri que eu era uma das únicas que pessoas que sabiam escrever. Depois a gente aprendeu na primeira série. E essa coisa do inglês era assim: durante a semana..., no primeiro dia da semana, na segunda-feira as professoras de inglês davam uma lista que chamava spelling test, spelling list, que tinha várias palavras que você tinha que decorar a palavra como escrevia e o significado. Na sexta tinha uma provinha, perguntava qual era a palavra, dava o significado e você tinha que falar a palavra, você tinha que escrever para saber como é que se escrevia. Com isso a gente ia melhorando o nosso vocabulário e tudo mais. Isso teve todas as semanas da primeira até a quarta série. Então, depois, no final, já estava craque no spelling test. Só que eu não sabia falar, escrever, não sabia nada, estava morrendo de medo. Aí, na primeira prova que teve, ou numa das primeiras, acho, eu fiquei morrendo de medo, eu não sabia o que fazer, eu peguei a lista das palavras e coloquei do lado da minha prova e fui copiando. A professora viu e teve um chilique, falou: “Você está colando, não sei o quê”. Eu era muito pequena, eu nem sabia o que era colar e aí me levaram pra diretoria, fizeram muita coisa em cima. Tinha um diretor de inglês e um diretor de português eu acho, não tenho certeza, não sei como é que funcionava direito, depois que eu fui descobrir. A diretora disse: “Ah, mas por que você colou? Não sei o quê”. Eu: “Não sei. Eu não sabia. Tava com medo, lalala”. Eu lembro que foi um trauma, eu fiquei super assustada: “Meu Deus, será que eu sou uma má pessoa? Eu não sei o que eu estou fazendo. O que eu estou fazendo nessa escola?”. Aí eu fui contar para os meus pais e, putz, foi muito ruim. Eu lembro claramente da cena, eu indo contar, porque eu sabia que tinha sido uma coisa muito errada o que eu tinha feito. Eu fiquei me sentindo super mal. Mas eu contei pra eles e eles nem ligaram. De resto, deixe-me pensar: Tinha uma coisa que talvez tenha me ajudado a superar essa angústia de entrar numa escola nova que eu não conhecia ninguém, que todo mundo sabia falar inglês menos eu. Porque tinha muita gente que tinha vindo já do pré, foram poucas as pessoas que entraram na primeira série. Então todo mundo já falava: “no pré é só inglês”. Hoje não sei se é assim ainda, as professoras falam só em inglês com os alunos. Mas a minha tia, irmã da minha mãe, começou a dar aula de artes lá e, depois, no ano seguinte, as minhas duas primas, que são muito próximas de mim, entraram lá também. Não sei se foi no mesmo ano, talvez tenha sido um ano depois, ou no mesmo ano, não sei. Aliás, elas moravam no meu prédio inclusive, depois elas mudaram, quando eu estava na primeira série. Minha prima mais velha, que é a Isadora, entrou na sétima eu acho, ela estava dois anos à frente do meu irmão. E a mais nova, que é a Isabel, entrou um ano abaixo do meu. Depois ficou essa coisa, eu ia pra escola junto com meu irmão, estavam as minhas primas lá, a minha tia, então acho que ficou mais amigável o ambiente. Nesse começo eu também tinha uma melhor amiga, que se chama Júlia e hoje em dia faz Teatro, faz faculdade de Teatro em Nova York, porque o pai dela é americano. Ela era muito minha amiga, a gente era meio as duas excluídas, ninguém gostava muito da gente. Aí ela pulou um ano, pois ela falava muito bem inglês, porque o pai dela era americano, e eu fiquei sozinha. Então, eu fui obrigada a virar amiga das outras pessoas, mas aí elas começaram a ser mais legais comigo também. Entendeu?
P - Giulia, conta uma coisa, além do inglês quais foram as principais diferenças que você sentia da PlayPen para o Ponto Ômega?
R - Era um lugar bem maior. Porque no Ponto Ômega era só pré escola. Eu entrei na PlayPen e era o prédio antigo, não era esse prédio novo que está agora, era o prédio que estava lá, aí foi derrubado e construíram esse. Não tinha até a oitava série porque não tinha gente que havia se formado ainda. A primeira turma a se formar foi a turma da minha prima, da minha prima mais velha. Tinha esse pessoal mais velho e era aquela coisa que eu tava falando, essa mística assim: quando eu entrei na primeira série meu irmão estava na quinta ou na quarta, acho que ele estava na quarta. Depois ele foi pra quinta e ele pulou a sexta série, ele foi direto para a sétima, porque a turma dele era muito bagunceira e ele era um bom aluno. Então resolveram colocá-lo para cima. Eu lembro que os amigos dele eram: “Meu Deus, os amigos do meu irmão, não sei o quê”. Inclusive eu era apaixonada por um deles, mas ele nunca deu bola pra mim e começou a namorar a minha prima aí eu fiquei muito mal. Mas passou e eu já superei minha paixãozinha por ele faz tempo. Mas, não vai entrar isso em lugar nenhum pelo amor de Deus Olha só, ele também mudou para os Estados Unidos e foi para o Afeganistão e, agora, entrou no exército e foi para o Afeganistão. Todos esses estudavam lá.
Então, tinha essa coisa de ser muito maior. E eu acho que o ambiente no prédio antigo era muito gostoso. Inclusive eu ficava até meio incomodada nesse novo, porque é muito concreto. Não sei, eu fico meio incomodada lá. No prédio antigo era super aberto, tinha até a jabuticabeira, que eles conseguiram pegar a jabuticabeira do prédio antigo e deixar no prédio novo, eles mudaram-na de lugar, mas é a jabuticabeira.
Então, o ambiente favorecia essa interação com o pessoal mais velho, o pessoal de outras salas e tudo mais. Tinha um corredorzão, tinha da primeira até a quarta série, eu lembro até que tinha umas paredes verdes, e aí tinha outro prédio que era o prédio do lado que eles tinham comprado, acho que tinham acabado de comprar o prédio do lado e fizeram o ginásio, da quinta à oitava séries, no outro prédio. O outro prédio também tinha essa coisa: “Ah, o pessoal mais velho, que legal. Quero estar lá”. Mas, no final, eu acabei não indo para lá porque eles resolveram derrubar o prédio antes de eu ir para a quinta série. Então eu fiquei lá só até a terceira. Eu lembro que na hora do almoço juntava todo mundo. Muitas vezes eu ia almoçar com o pessoal mais velho, porque eles eram amigos do meu irmão e da minha prima. Eu gostava, era assim: “Estou andando com os mais velhos” e não sei o que mais. Acho que tinha muito mais coisas, eu me sentia meio adulta de estar lá, não sei o porquê, apesar de ser pequenininha. Mas parecia um mundo novo que eu tinha descoberto, tinha muito mais gente. Então eu fui de uma sala que tinha seis pessoas pra uma sala que tinha 30. Eram duas salas inclusive quando eu entrei. Primeiro na segunda série foram duas salas, depois quando resolveram fazer essa coisa toda da mudança saiu muita gente, aí foi uma sala só. Mas eu lembro que na terceira série, que foi quando juntaram as duas salas, foi o melhor ano desses primeiros anos. Foi muito legal, eu me dava muito bem com todo mundo, achava superlegal. Era aquela época também que as meninas começam ser amigas dos meninos, a gente fazia coisas juntos e tudo mais, tinham aquelas festinhas, era super legal. Mas na primeira e na segunda eu acho que eu não gostava muito, tinha algumas coisas que eu achava legal, mas poucas. Eu lembro também que eu era representante de classe, na primeira...? Eu tô pensando agora, isso não faz muito sentido você ter um representante de classe na primeira série, mas era quando eu era pequena.
P - Mas como era isso de representar a classe?
R - Então, a gente fazia reuniões para falar dos problemas, das salas, tudo, mas eu não tenho ideia do que a gente falava, não lembro mesmo. Não lembro qual era a periodicidade delas, mas lembro-me que tinha uma menina, que era representante da sala da minha prima, e como ela era super amiga da minha prima eu a conhecia. Acho que ela estava na oitava série quando eu estava na terceira. Eu a conhecia, eu a via no fim de semana quando eu ia pra casa da minha prima e ela tava lá, a gente ficava batendo papo na reunião de representante de sala. Então eles eram meus amiguinhos, os mais velhos. Mas eu não lembro o que a gente falava não. Lembro que era assim, coisas muito pontuais do tipo, sei lá: “A professora tal falou...” “teve uma briga entre os alunos, um aluno da quarta e um aluno da sétima, e aí? O que a gente ia fazer?”. Eram coisas assim. Não tinha nada de contestação política, nem nada. Tinha uma coisa que eu gostava muito que eles criaram quando eu entrei, que era o projeto de computação, as aulas de informática. Acho que essa foi uma das estratégias mais geniais que a PlayPen já teve durante todos esses anos. A sala de informática chamava-se quinta dimensão. Aí eles criaram um personagem, o golfinho, que era tudo de bom, era super caridoso, uma boa alma e tudo mais. Essa entidade, que era o golfinho, tinha toda uma história: o mundo mágico que era o mundo do golfinho, tinham uns nomes dos planetas e aí, quem tentava destruir o golfinho era um ser que era o Agramon. Só que no nome do Agramon também tinha amor nas letras, você misturava e dava amor. Então, no fundo, ele também era uma boa pessoa, mas ele tentava destruir o golfinho. O golfinho foi criado no ano que eu entrei. Então a gente participou dessa ebulição: “Ai meu Deus”. Ele mandava cartas para os alunos. Na verdade eram os alunos mais velhos, em que estavam o meu irmão, a minha prima e tal, eles escreviam as cartas, como se eles fossem o golfinho, para os alunos mais novos. E, aí, tudo girava em torno da informática, da aula de informática que a gente tinha semanalmente. Então ele passava desafios pra gente. Era só jogo, nessa época tinham vários joguinhos, a gente jogava em uns Macs antigos, grandões. Agora lembrando é engraçado. Ele dava desafios pra gente: “Vocês têm que...”, “Vocês têm que passar pra fase tal, vocês têm que fazer isso, isso e isso”. Aí a gente preenchia os negócios e a gente conseguiu cumprir esse, esse e esse quesito que o golfinho mandou a gente fazer e tal. A gente escrevia carta para ele falando da nossa vida, o que a gente achava do quinta dimensão. Acho que isso durou até a quarta série também. Mas na quarta série a gente já não acreditava mais no golfinho. Mas eu me lembro que na primeira série eu acreditava muito, muito e eu queria muito ver o golfinho, queria muito que ele aparecesse pra gente, escrevia cartas assim: “Golfinho, por favor, apareça”. Também teve uma época, a gente escrevia as cartas, eu não sei direito se era em inglês ou em português, mas acho que foi em inglês. Era também pra estimular e tal. Eu acho que isso foi um projeto de um pessoal que veio dos Estados Unidos, tiveram uns professores americanos que deram aula de informática lá. Acho que foi um projeto que eles fizeram lá, trouxeram pra cá, pois sempre tinham essas coisas que vinham importadas de lá. E era uma coisa que eu adorava. A quinta dimensão era no prédio do ginásio. Então era muito legal ir pra lá e ver meus amiguinhos do ginásio e tal. A sala era muito bonita, era junto a biblioteca. Tinha duas mesas redondas, roxas, com uns Macs em cima e, nas paredes, eles fizeram-na toda pintada, acho que pegaram uns alunos mais velhos e eles que pintaram, desenharam. Aí tinha flores, tinha o oceano, tinham vários golfinhos, só não tinha o tal do Agramon. Era super legal, era muito gostoso. A gente fazia uma roda assim no começo, recebia as cartas do golfinho. Tinha um, tipo aquelas meias de papai Noel, sabe? Que coloca os presentes do papai Noel? Só que era um formato de golfinho, a gente tirava as cartas da barriga do golfinho, era roxinho. E era uma expectativa: “Meu, será que o golfinho escreveu carta pra gente, ou não. Como que ele arranja tempo pra escrever pra todo mundo. Nossa, não sei”.
Era bem gostoso, foi uma das coisas que marcou bastante esse começo.
P - E Giulia, deixa te perguntar uma coisa, vocês escreviam carta para o Agramon também? Você se lembra do papel dele na história?
R - Não. Não, acho que a gente só tinha medo mesmo. Mas não era muito medo, era só um medinho.
P - Deixa te perguntar uma coisa, você falou que de vez em quando você almoçava com seu irmão, com seus primos. Você se lembra do almoço da escola e do lanche?
R - Eu lembro que eu odiava a comida. Odiei sempre. Da primeira até a oitava série. Inclusive quando eu resolvi me engajar nas coisas, eu lembro que a gente fez um abaixo-assinado pra mudar a comida. Era um texto todo formal num papel com a bordinha laranja, que eu lembro que eu tirei do meu caderno. Todo mundo assinou, foi uma coisa, um rebuliço. Eu escrevi o texto e fiquei super feliz. Mas isso foi mais pra frente, acho que eu estava na sexta, na sétima série, não sei. Então, eu não gostava da comida, isso era uma das piores coisas que, realmente, era muito ruim, todo mundo falava, só que não mudava. Mas o ambiente era todo misturado, então tinha umas mesonas, acho que tinham seis lugares cada uma, tinha várias no refeitório. Você sentava com quem você quisesse, até com os professores. Era um momento de relaxar porque era muito cansativo, a gente chegava às sete, sete e 15, começava a aula. Sete e quinze ou sete e meia? Não sei. Começava cedinho e a gente só ia sair de lá às três e meia da tarde. Então era muito cansativo. O almoço era esse momento de descontração que a gente conversava e tal. Inclusive eu lembro, essa cena é uma das mais fortes desse primeiro momento, em que a gente ainda estava naquele prédio antigo, eu estava na terceira série e teve o atentado de 11 de setembro. Eu lembro que estava tendo aula de ciências, a gente estava com a minha professora, chegou a professora assistente, falou no ouvido dela alguma coisa e eles ligaram a TV. Tinha uma TV em cada sala. A gente ficou vendo aquilo só que ninguém entendia lhufas, ninguém sabia o que aquilo significava. E a gente assim: “Nossa, mas que estranho. É tão importante esse negócio, esse prédio aí que tá caindo? Quem são esses caras? O avião...”. Sabe? Não entendia nada. A gente tinha esses professores americanos e começou a circular um boato dentro da escola, espalhados obviamente pelos alunos mais velhos, que um dos professores ia ter que ir para o exército, ia ter que voltar para os Estados Unidos e ir para a guerra. Aí começaram a falar que ia ter a terceira guerra mundial e tudo mais. A gente ficou desesperado, eu lembro claramente da cena, a gente na fila do almoço conversando com o pessoal e falando: “Porque vai ter a terceira guerra mundial, o que vocês vão fazer? E não sei o que”. Aí eu fiquei pensando, falei: “Putz, se tivesse uma guerra agora o que eu faria? Imagina se meu pai tivesse que ir para a guerra?”. Meu, misturou tudo, não fazia ideia do que realmente era aquilo. A gente ficou com muito medo por causa desse professor, que era um professor que a gente adorava, que era o John, ele dava aula de informática, que era inclusive, na quinta dimensão. Era esse momento de conversa. Também porque tinha o pessoal das outras salas. Tinha um momento do almoço, que dizer, depois do almoço e no meio da manhã, tinha o intervalo, que a gente chamava de Play, que era o intervalo, recreio. De manhã tinha um, a gente tinha duas aulas aí tinha esse intervalo que acho que era de 20 minutos, meia hora, não sei. Depois do almoço tinha outro também. Aí a gente ia pra um lugar que, era assim, tinha um corredor lá das salas, tinha do outro lado das salas a tal da jabuticabeira, do outro lado da jabuticabeira tinha o refeitório. Tinha outro corredor perpendicular ao das salas que era bem grande, bem espaçado. Tinha outro corredor que era o corredor da educação infantil, do pré. Aí tinha um lugar que era bem na entrada que a gente chamava de garagem, que era onde a gente ficava assim que a gente chegava antes de começar a aula e quando a gente ia sair também, porque eles não deixavam os alunos ficarem pela rua. Essa garagem era um espaço de convivência, de brincar de pega-pega tal. Eu me lembro que tinha uma porteira que se chamava Cássia, ela falava no microfone quem havia chegado e eles iam liberando as pessoas. A gente ficava ali esperando. Era o maior barulho, nossa, porque juntava todo mundo na hora saída, então era a maior bagunça, ninguém mais aguentava ficar lá. Então era super confusão. Depois desse lugar tinha uma portinha, tinha um corredorzão, mas aí já era aberto, era de areia e aí tinha a educação infantil. A educação infantil era onde? Ah, não sei. Tinha alguma coisa lá que era dos pequenininhos. E depois disso tudo tinha o play que era o pátio, onde a gente ficava. Tinha uma quadrona enorme, inclusive essa parte ainda tá lá, porque eles não deixaram fazer a obra naquele lugar. Então, deve estar super abandonado, mas a quadra está lá. Tinha vários brinquedos, tinha um brinquedão que era aquele negócio de madeira enorme com várias coisas embaixo, o escorregador. Tinha uma árvore imensa que tinha um banco em volta que sempre era o pique das nossas brincadeiras de pega-pega, esconde-esconde. Esconde-esconde não tem pique. Pega-pega. E era o banco em volta da árvore. Inclusive quando eu tava na primeira série, uma vez a gente estava brincando de pega-pega e eu estava fugindo do pegador, eu estava correndo muito, muito, muito pra chegar ao pique. Eu sabia que não ia chegar, então resolvi me jogar para cima do pique, aí bati a cabeça no banco. Inclusive eu tenho uma cicatriz até hoje, por aqui, de bater a cabeça no banco na primeira série, lá nesse mesmo banco, em volta da árvore. Tinha um banquinho de areia, a gente brincava de rio vermelho, em que ficava uma pessoa no meio e pessoas nas duas margens, aí eles falavam: “Quem quer passar pelo rio vermelho? Só se tiver uma cor” “Que cor?”. Se você tivesse na sua roupa a cor, ou podia também ser letra no nome, umas coisas que a gente inventava. Aí você podia passar, quem não passasse com a letra tinha que passar correndo, se o pegador pegasse aí mudava. A gente adorava brincar disso lá nesse banquinho de areia. E no banquinho de areia a gente também fazia apresentações das Spice Girls, da Britney Spears, Cristina Aguilera. Agora que eu tô pensando, eu não tinha me tocado, eu adorava fazer apresentações. A gente levava música pra lá e fazia. Tinha também aquela coisa das meninas mais velhas, porque tinha assim, quando eu estava na segunda série, acho, é foi na segunda série que começou essa rivalidade. A gente tinha muita bronca do pessoal da série acima da nossa. Porque tinham umas meninas que eram muito insuportáveis, eram muito nojentinhas e eu não me dava bem com elas. Era meio competição pra ver quem que dançava mais e tal. Aí sei lá, a gente ficava dançando essas coisas lá e era divertido.
P - Você se lembra de alguma dessas apresentaçõeszinhas?
R - Especificamente não. Mas eu lembro que a gente fez várias, fez algumas assim. E era muito legal, mesmo... Acho que a gente fica influenciada por essa coisa de filme americano: “Quem é o seu rivalzinho dentro da escola?”. E eram essas meninas da série acima da nossa. E a gente brigava assim, dançando. Mas, mesmo assim era muito legal. Lá no play ficavam os meninos jogando futebol, às vezes as meninas jogavam futebol também que era assim uma coisa: “Ai meu Deus aquelas meninas estão jogando futebol”. E a gente brincava de pega-pega, tal. Isso era todo mundo junto, que era de manhã e depois do almoço e também era legal. Tinha as olimpíadas da PlayPen que tinham vários times. e a gente fazia, acho que três dias, não sei, tinham os jogos. Eu acho que eu nunca ganhei, acho que eu nunca estive em um time que ganhou as olimpíadas. Mas era muito legal. Havia meio que um concurso em que os alunos faziam os desenhos pois pra ver qual iria estampar a camiseta das olimpíadas. Eram todas o mesmo desenho, tinham lá o crédito do aluno e tal. Tinham os times, acho que eram três times, que era vermelho, laranja e amarelo, que eram as três cores da escola. Teve um dia, nas olimpíadas, que a gente estava lá jogando, não sei se era a final mas era um dia grande, porque estava todo mundo lá, na quadra. Tinha uma arquibancada enorme, que nem devia ser tão enorme assim, mas pra mim era enorme. Lá é cheio de casas maravilhosas, incríveis, enormes em volta. A vizinha do lado enfezou com a gente, porque tava tendo muito barulho e a gente sempre fazia barulho e não sei que, nanana. Ela estava lá jogando tênis, porque tinha uma quadra de tênis na casa dela, ela estava irritada porque a gente estava fazendo muito barulho, então ela não teve dúvida: pegou uma mangueira e começou a tacar água nos alunos que estavam lá embaixo Porque era alto assim, não sei direito como é que funcionava, mas era bem alto e a quadra era embaixo. Aí ela começou tacar água nos alunos e a gente também não entendia nada do que aquilo significava, mas começou todo mundo a xingá-la, não sei o quê e os professores desesperados. Eu lembro que eu tinha uma professora que deu aula pra mim na primeira série, chamava-se Jasmin, e eu lembro claramente dela chorando, gritando pra mulher: “O que você tá fazendo? Você é louca”. Foi um dia chocante nas nossas vidas. Tiveram vários eventos no play. Não sei se eu me lembro de mais alguma. Tinha uma coisa que a gente fazia alternada, um ano a gente ia para o acampamento que era o Sítio do Carroção, que também era muito legal porque a gente ia todo mundo junto, todas as séries. E, no ano seguinte, a gente fazia a dormida na escola, que era uma noite que a gente passava na escola. Então cada um levava... como se chama? Saco de dormir, colchonete, essas coisas e a gente passava a noite nas salas mesmo. Aí tinha um jantar com todo mundo, tinha umas atividades noturnas, uns jogos, sempre tinha um bailinho. Eu lembro que o baile era lá na garagem, que era o lugar da socialização. Eu lembro claramente que teve um dia, numa dormida na escola, que tocou Backstreet Boys, era uma música dos Backstreet Boys que eu adorava, aí foi super assim: “Baile da dormida na escola”. Eu estava na segunda série, eu era muito pequena. Era o evento do ano pois ir para o Carroção era muito legal, todo mundo esperava por aquilo. E a gente foi, acho que a última vez que eu fui foi na quarta série. Na quarta. Fizeram uma tentativa na quinta, porque da quarta pra quinta mudou muita coisa na escola. Foi na quarta que a gente mudou de prédio. Só que na quinta acho que mudou a direção, foi quando entrou o mister French e a Célia, que devem estar lá ainda. E mudou muita coisa. Então foi assim: tiveram umas coisas que melhoraram e tiveram algumas coisas que pioraram muito. A gente percebeu que teve essa mudança muito forte. E, aí, na quinta série eles resolveram fazer uma adaptação do Sítio do Carroção que foi o Day Camp, que era pra gente falar só em inglês o dia inteiro... E aí foi o pessoal só do ginásio também. Foi num acampamento, acho que era Peraltas, não sei. Só que estava muito frio e a gente foi passar só um dia. Tinha piscina, tinha coisas, mas ninguém estava muito animado, porque estava frio. Foi meio sem sentido e aí: “Pô, porque a gente não vai para o Carroção? Bem mais legal, mais gostoso”. Mas a gente não foi. A gente foi pra esse tal desse Day Camp, foi maior decepção. Ah, uma coisa que eu me esqueci de falar: na primeira e na segunda série, quando eram duas salas, a gente escolhia o nome da sala. Aí tava na época da fervescência das Chiquititas, por isso que eu tô falando das Spice Girls, Backstreet Boys, era tudo nessa época. Eu lembro que a minha primeira série se chamava Arco-íris e a outra chamava acho que Raio de luz, porque era o nome do orfanato das Chiquititas. Escolheram, votaram, era uma votação. Aí eles votaram que ia chamar o nome do orfanato das Chiquititas. Não lembro se era na primeira ou na segunda, mas era uma das duas. E do outro ano eu não lembro como era.
P - Giulia deixa só perguntar algumas coisinhas mais específicas. Você falou das olimpíadas e da dormida. Conta pra mim primeiro das olimpíadas, quais eram as atividades, os jogos.
R - Eu não lembro direito, porque eu não era uma pessoa muito atlética assim, sabe? Eu gostava mais da farra das olimpíadas do que de jogar mesmo. Mas tinha os esportes normais. Tinha futebol, basquete, vôlei. Eu não sei se tinha vôlei porque eu não sei se tinha onde colocar... Não. Tinha sim. Tinha sim, porque eu lembro que o pessoal mais velho jogava. Tinham aquelas coisas de americano, porque sempre tinha uma tentativa de colocar um pouco da cultura americana no nosso cotidiano. Tinha beisebol, mas ninguém sabia jogar beisebol. Mais pra frente assim, fora das olimpíadas, tinha um professor que era sueco e ele comprou uns tacos de hóquei. Aí a gente tentava jogar hóquei, mas de tênis. Enfim, não dava muito certo, mas tinham essas coisas assim. O que mais que tinha? Eu não lembro direito das olimpíadas, acho que não marcou muito, mas...
P - E da dormida?
R - Na dormida. A dormida era muito legal, eu adorava a dormida. Então, a gente chegava, era sempre numa sexta-feira. Então a gente saía da aula, voltava pra casa, pegava nossas coisas e voltava pra escola. Aí era aquela coisa, na escola à noite é outro mundo, uma coisa completamente... meio: “Nossa, que coisa a escola. Como fica diferente à noite”. Tinha uma coisa assim. A gente jantava, que era sempre um lanche pra não sei quanta gente, umas 200 pessoas. Era cachorro quente, uma coisa assim. A gente arrumava as camas e a gente sempre ficava na sala, em alguma sala, não era necessariamente a nossa, mas eles dividiam meninas da primeira a quarta série nas salas tal, tal, tal. Não precisava ser na nossa e a gente ficava com algum professor. A gente sempre torcia pra ficar com aqueles professores que eram mais legais e tal, mas não era sempre que acontecia. Eu não lembro direito como era, mas era como se fosse um caça ao tesouro, tinha umas equipes. Eu acho que tinha equipes, não lembro, tenho quase certeza que tinha. Dividia nas equipes, a gente tinha que achar as coisas à noite na escola. Depois tinha esse bailinho, aí a gente ia dormir. Eu acho que os pequenininhos dormiam, mas os mais velhos eu tenho certeza que eles não dormiam, deviam ficar trocando ideia com os professores. Eu me lembrei de outro bailinho que teve, eu já era mais velha. Não. Era? Eu não sei. Eu era apaixonada pelos meninos mais velhos e um deles tava lá, eu fiquei paquerando ele a noite inteira, mas eu era muito pequena. Eu tava na terceira série e eu gostava dos caras da sétima. Nessa época faz muita diferença, né? Eu ficava inconformada com eles. Mas era legal, era emocionante você ir para o tal do bailinho. Depois no dia seguinte a gente tomava o café e ia embora. Eu não me lembro de uma... Exatamente o que aconteceu, mas eu lembro que tiveram algumas. Nas minhas contas devem ter tido umas três. Porque também depois quando mudou a direção não tinha mais nada disso, apesar de a gente ter falado se não teria de novo, mas não teve.
P - Giulia, deixa te perguntar outra coisa, você falou que na dormida vocês ficavam torcendo pra pegar os professores mais legais, conta um pouquinho dos professores. Você falou da Jasmin que foi a sua primeira, fala...
R - Então, na primeira série... Vou falando pela série. Primeira série teve a professora que me traumatizou porque ela falou que eu tinha colado na prova e eu lembro que ela foi mandada embora pouquíssimo tempo depois daquilo. Meus pais acharam aquilo um absurdo, não sei o que, foram falar na escola. Não sei se ela foi mandada embora por causa disso, mas com certeza contribuiu. Mas eu nem me lembro dela, lembro que era assim, uma professora. A aula de inglês na primeira série não me lembro com quem a gente tinha. Na segunda a gente teve aula com uma professora que se chamava Celi, porque a outra professora tinha saído, acho que ela tinha ficado grávida, não sei. Porque aí eram dois professores, um pra cada primeira série e um pra cada segunda série. Ah, que era a Daniela Almeida, que agora ela é vice-diretora eu acho, não sei. Mas tá lá ainda, ela tinha saído porque tava grávida e no ano seguinte ela voltou, deu aula pra minha prima. E à tarde, de inglês eu tinha aula com a Dani Leonardi que também tá lá ainda, ela é acho que da educação infantil, não sei. Na terceira série, que foi “o ano”, dos primeiros anos, eu tive aula com a Daniela Bahia, que era uma das professoras mais legais. Eu a adoro, inclusive ela é super amiga do meu pai, que é médico dela e de sua família. Ela é incrível eu a adoro. Tenho muita saudade dela. Ela fazia atividades que eram muito legais, que chamavam as pessoas, os alunos. Então, com certeza, ela contribuiu para fazer daquele ano o mais legal. E a nossa professora de inglês, da terceira série, acho que o sobrenome dela era a Ana Krause, também já saiu. A Dani também saiu e agora ela dá aula no Vera. E a Ana eu não sei, não sei aonde ela está. Ela era muito legal também e fazia uma coisa que eu acho genial, que falei muito para os professores nos anos seguintes e ninguém conseguia repetir aquilo, apesar de ser uma coisa muito simples: ela pegava músicas que a gente gostava e fazia atividades. Então a gente ouvia a música e tinha que preencher um espaço lá na palavra e, assim, ia melhorando nosso vocabulário. Se tinha alguma palavra difícil ela falava o que era e tal. Eu lembro que ela fez isso com uma música da Dido que estava fazendo sucesso na época. E a gente levava e ela falava assim: “Vocês querem trazer música? Fala pra mim que eu trago pra cá”. Isso era uma coisa que conquistou os alunos. Fora que ela era muito bonita, então os meninos adoravam-na e as meninas também, porque ela era muito legal. Eu lembro que, não sei se na sexta-feira, última sexta-feira do mês, não sei, tinha uma data lá específica que a gente fazia umas atividades. A aula parava no meio e a gente ia para o play e ficava lá. A única condição era que a gente tinha que falar em inglês, mas a gente não falava em inglês. Inclusive teve bastante isso, eles falavam: “Vocês vão fazer não sei o quê em inglês”. Mas ninguém falava em inglês. Porque você está lá, com seu amigo, você vai falar em inglês? Não vai. E também nas aulas tinha uma coisa assim: quem falasse português marcava lá na lousa, não o nome da pessoa, mas a sala. Ou se você só falasse em inglês também ganhava alguma coisa. E tinha a Misses Heinberg, que era a diretora de inglês. Acho que ela também
ficou até a terceira e a quarta séries. Então, se a gente estivesse falando bastante em inglês ela dava, no final do mês, ou a cada dois meses, umas english peels. Era tipo aquela bolinha coloridinha, mas não era jujuba, era aquela que parece jujuba, mas não era jujuba. Era num potinho escrito english peels. Todo mundo queria porque queria as english peels e talvez até tivesse alguma coisa com o golfinho, que era o golfinho que tinha mandado. Isso era se a gente se comportasse bem e falasse bastante em inglês. Mas enfim, voltando para os professores. A gente ia para o play e ficava ouvindo música, a gente levava rádio, levava CD e era super legal, um momento de desestressar, ficar lá com seus amigos, com a professora legal. Na quarta série foi quando a gente mudou o prédio. Eu tinha aula com a Rosana de português e de inglês com a Dani Leonardi também, a mesma da segunda série, que já conhecia a gente, então também foi legal. Aí, a gente mudou para um prédio, depois eu falo mais do prédio, que era um galpão, mas eles tiveram que dividir as salas que eram muito perto umas das outras. Então era uma parede meio de... Não era de plástico, era tipo de isopor. Não sei direito, era um material bem descartável. Então a gente ouvia a aula de quem tava do lado e quem tava do lado era a Dani Bahia, que era essa professora da terceira série. A gente continuou muito próximo dela e também porque ela era amiga do meu pai, então, às vezes, eu me encontrava com ela. Na quinta série começaram os professores de todas as matérias. Eu vou falar dos mais marcantes, porque de todos também não precisa, né? A gente teve aula com uma professora de inglês que era muito boa, ela foi uma das melhores professoras de inglês que eu já tive na vida. A gente teve vários professoras de inglês porque, em cada ano desses, teve mais de uma. Quer dizer, a partir da quinta teve mais de uma. Antes era só uma professora por ano, que era a Lia. Ela era incrível, eu lembro que ela foi... Ela fez teatro durante muito tempo, não sei se ela era formada em alguma coisa assim, mas ela fez com a gente, ela montou uma peça em inglês. Era essa estratégia dela para fazer a gente falar em inglês. Então a gente ensaiava a peça, a gente escolheu o figurino, a gente meio que montou os personagens, a gente fez a trilha sonora. Então foi tudo nosso e a gente apresentou num dia, no último dia de aula, alguma coisa assim. E ela era muito boa mesmo, foi uma das pessoas que eu mais aprendi. Aprendi a escrever em inglês, aprendi a raciocinar em inglês. Tinha o Jonas que era nosso professor sueco. Na verdade o nome dele se pronuncia “Iunas”, e o Jonas eu não achava ele muito bom, mas ele era muito engraçado e a gente adorava porque ele era sueco, estava no Brasil, dando aula de inglês para os brasileiros, era muito surreal. Às vezes, ele ensinava pra gente umas palavras em sueco e era muito legal também. Eu acho que ele deu aula pra gente até a oitava série. Ele começou dando aula de Estudos Sociais, depois deu aula de Inglês, ou o contrário, não lembro direito. E também tiveram outros professores que foram cruciais na minha formação: a Maria Laura, professora de português, foi quem me ensinou a escrever e, se eu sou jornalista, ou pseudojornalista hoje em dia, eu devo isso a ela. Porque eu tive aula com ela da quinta até a oitava série.
Ela me conhecia, ela é super inteligente, é uma pessoa maravilhosa e ela falava, dava uns toques, tudo mais. Foi com ela que eu realmente desenvolvi essa capacidade. Ela fazia da aula dela um ambiente que era quase uma conversa dos alunos com o professor e isso era muito legal, todo mundo gostava muito dela. E a gente a chamava de Mary inclusive, porque Maria Laura. Todo mundo a adorava. Inclusive eu fiquei de ligar pra ela um dia desses assim, pra gente retomar o contato, eu ia falar pra ela que estou fazendo jornalismo, mas eu esqueci. Mas eu ainda vou fazer. Teve outro professor, que também era muito bom, que a gente adorava, o Rafael, que hoje em dia também dá aula no Vera, junto com a Dani Bahia. Acho que ele dá aulas para o ginásio e ela para o primário. Ele era o professor de matemática. Hoje em dia eu detesto matemática e já detestava matemática na época, só que ele era tão incrível que me fazia entender tudo. Eu queria saber as coisas e eu ia super bem. Não só eu, todo mundo. Porque ele colocava as coisas de um jeito tão palpável, tão próximo da gente que era muito legal. Lembro que na primeira aula de trigonometria, ele levou todo mundo lá embaixo. Isso já era no prédio novo, a gente teve aula com ele da quinta à oitava série, mas essa aula, especificamente foi na sétima. Ele levou todo mundo lá embaixo, a gente ficou na frente do prédio, na quadra que agora é lá na frente. Aí a gente tinha que, pela distância entre o nosso pé, o prédio e a nossa sombra, sei lá, tinha que fazer alguma coisa assim e descobrir qual era a altura do prédio. Então era muito mais próximo. Também teve um negócio que quando a gente foi aprender π, perímetro da circunferência, essas coisas assim, a gente tinha que medir todas as coisas redondas. A gente via, dividia uma coisa pela outra e via que dava mesmo. A gente descobriu o π junto com ele. Então ele pegava desde o princípio assim, não era aquela coisa: “Vou te dar a fórmula pra você aplicar”. Inclusive eu acho que a gente não aprendeu nenhuma fórmula de nada com ele, era sempre pegar o raciocínio da coisa básica, da coisa que é, para que ela funciona e fazer o caminho inverso, chegar ao raciocínio matemático. E fora isso, fora ele ser um professor incrível de matemática, ele era uma pessoa maravilhosa, e ainda é, com certeza. Sempre super aberto pra conversar com os alunos sobre os nossos problemas, sobre os nossos pensamentos, os nossos anseios e tudo mais. Ele é uma pessoa incrível. Ele foi o paraninfo da minha sala. Acho que de todas as séries que ele deu aula foi paraninfo. Ele gostava muito da minha sala, do meu ano. Inclusive... Só que aí que tá, não sei o quanto isso pode entrar nesse trabalho que vocês estão fazendo, ou não. Mas o pessoal dessa nova diretoria que entrou começou a implicar com o trabalho dele. Eles falavam que ele era aberto demais, ele dava muita liberdade pra gente e que ele não conseguia ensinar pra gente o que a gente precisava aprender, porque ele era desse jeito. O que é uma mentira, porque, se eu sei alguma coisa de matemática hoje é por causa dele. Os professores que eu tive no colegial não serviram de nada. Mas ele era realmente muito bom, ele fazia todo mundo aprender, todo mundo tirava dez. Não sei direito, mas a coordenação começou a implicar com ele, porque as pessoas iam bem. Devia ter umas questões de politicagem no meio, mas que eu não sei. E ele começou a ficar muito chateado com isso, porque estavam querendo mudar o trabalho dele, estavam querendo que ele mudasse o trabalho dele para um padrão que não era como ele gostava de trabalhar, não era como ele pensava que deveria ser um professor dando uma aula. E, aí, chegou uma hora que ele falou: “Chega. Não quero mais”. Só que como ele gostava... Não sei se foi por isso, mas talvez tenha influenciado. Como ele gostava muito da minha sala a gente falava pra ele: “Não Rafa, você não pode sair antes de a gente se formar, não sei o quê. Dá aula pra gente até o final”. Realmente ele ficou... Eu acho que ele saiu no meio do ano seguinte, em que a gente se formou. Ele não aguentou mais, foi embora porque estavam querendo mudar o trabalho dele que era essa coisa incrível, todo mundo o amava de paixão e não sei por que quiseram fazer essa coisa toda. Enfim, ele é uma pessoa maravilhosa, inclusive se vocês puderem entrevistá-lo de alguma forma, não sei se vão querer, mas enfim. Ele também deu aula pra gente até a oitava série. Lembro que na sexta série a gente teve aula com uma professora de história que chamava Joelma, que também era muito boa, muito legal, muito... Acho que o grande tchã desses professores é que eles traziam as coisas para perto da gente. Não era aquela matéria inatingível: “Porque quando os portugueses chegaram aqui...”. Não. Era tudo muito real. Então eu lembro que uma das... Foi quando eu comecei a meio que questionar o mundo à minha volta. Ela falou... Eu lembro claramente dessa aula, teve um debate entre as pessoas da sala sobre os bandeirantes. Porque os bandeirantes davam nome para as estradas, todas as estradas que a gente pega, nome de rua, nome de tudo tem o nome dos bandeirantes. Só que os bandeirantes mataram um monte de índio pra conseguir entrar em São Paulo, fazer a ocupação do interior. Aí ela colocou essa questão: os bandeirantes são heróis ou os bandeirantes são vilões? Meu, ninguém nunca tinha contestado o nome das estradas pra gente antes. Então,pra mim foi: “Nossa, mas como? Nossa, mas não é fácil responder isso”. Eu me questionei e até hoje eu fico meio: “Putz, que legal”. A gente tava na sexta série, você colocar uma coisa tão difícil, porque é muito complicado você chegar a uma resposta e ela não deu uma resposta no final, era só pra gente pensar mesmo. Só que ela também teve problemas com a nova coordenação e foi embora. Ela dava aula de História. Na sétima série entrou outro professor de História que também era muito bom, que chama Ricardo Dreguer, inclusive ele era autor do livro que a gente usou. Ele também era muito bom, ele falava assim, eu lembro que foi ele que ensinou para gente o que significava burguesia, o que significava proletariado. Ele era super de esquerda. Ele também fazia as coisas virem da alma, a história, tudo mais. Foi ele que ensinou pra gente a Revolução Francesa. Também foi muito legal. Na oitava série, nosso professor de história que acho que ainda tá lá, foi o Beto, Roberto Catelli, que também é muito bom, foi ele que ensinou pra gente o que era globalização. A gente também usava o livro dele. Eu lembro claramente da imagem que tem no livro dele que é uma mulher negra com uma roupa africana, não sei, com cabelo de trancinha no supermercado comprando, sei lá, coca-cola. Aí ele usou essa imagem pra gente pensar o que era a globalização, por que tava acontecendo. E, aí, um dia, ele levou a gente fez uma excursão para um supermercado e no supermercado a gente tinha que pegar os produtos, escolher uma área, sei lá, higiene pessoal, chocolates e ver de onde que eram as empresas que produziam aquilo. Foi aí que eu descobri que existia uma coisa que chamava Unilever que era dona de tudo. Foi um daqueles momentos “Uau”, o meu mundo mudou. Esses foram os professores de História. Nessa mesma linha teve uma professora de Geografia que, meu, ela foi também um divisor de águas na minha vida. Todos os professores que me influenciaram e que eu percebo essa influência até hoje. A professora de Geografia chamava Maria Lídia Bueno Fernandes. Ela era baixinha, bem baixinha mesmo, eu não sei se ela era, ela não era japonesa, mas ela tem um rosto meio diferente. Eu lembro que ela falou pra mim que não usava calça jeans desde os anos 70, uma coisa assim, fazia 30 anos que ela não usava calça jeans. Também super de esquerda, ferrenha, dava aula no Vera, mas acho que ela saiu, se aposentou, não sei. Ela trazia essas coisas pra gente, foi ela que explicou pra gente o que foi o 11 de setembro, o que era o Oriente Médio, América Latina, quais eram os problemas da América Latina. Ela foi a primeira pessoa que falou pra gente dos problemas da África e relacionou os problemas econômicos da África com os Estados Unidos, o que tinha a ver, subsídios agrícolas e coisas assim. Ela despertou a gente para um monte de coisa no mundo, para o mundo a nossa volta. E uma coisa que, aí é o divisor de águas, foi um dia que a gente tinha que fazer um trabalho que era pegar uma matéria da Veja e uma matéria da Carta Capital sobre o mesmo assunto e, a gente tinha que comparar as duas. E foi bem naquela época que o Evo Morales tinha estatizado as empresas de petróleo da Bolívia que antes era da Petrobrás e tava aquela coisa, aquela discussão: “Não, porque ele não pode fazer isso e ele vai...”. Enfim, aquela coisa toda. E tinha a matéria na Veja, que a gente tinha que colocar uma do lado da outra e compará-las. A matéria na Veja o título era “Roubou e quer dar lição de moral” tinha uma foto do Evo Morales com uma cara assim. E na Carta Capital chamava um país em reforma. E foi ali que eu entendi tudo. Foi um momento de esclarecimento... Porque até aquele dia eu lia Veja como: “Meu, é a Veja”. Sabe? Nem sabia que existiam outras revistas que eram como a Veja. Naquele dia eu olhei, falei: “Nossa cara, mas isso tá errado. Não tinha que ser assim”. Não precisava ser exatamente do outro jeito, mas parecia tão mais balanceado o que tava escrito na Carta Capital do que tava escrito na Veja. Eu me lembro desse dia até hoje quando vou ler uma matéria da Carta Capital e uma matéria na Veja, eu falo: “Putz”. Olha que incrível. Ela não falou nada, ela falou: “Peguem aí. Leiam vocês. Vejam vocês qual é a diferença entre uma coisa e outra”. Ela foi... Também levou a gente numa palestra que tava tendo no Vera para o terceiro ano do colegial que era “O que é democracia?”. Tinham dois palestrantes, inclusive um dos palestrantes que tava lá vai ser meu professor ano que vem na faculdade, que chama Gilberto Maringoni, que escreveu um livro sobre a Venezuela. Enfim, ela trazia esses debates que eram muito latentes, foi aí que eu comecei a despertar esse interesse por política, jornalismo, qual é a relação entre uma coisa e outra. Isso foi bem interessante, foi uma coisa que eu tenho certeza que se não tivesse sido assim hoje em dia eu seria uma pessoa completamente diferente, por ela e por todos esses professores que eu falei.
P - Bom, Giulia, agora eu queria te perguntar, você falou da ida até o supermercado e também dessa palestra. Quais eram os outros passeios ou atividades fora da escola que vocês faziam?
R - Bom, tinha o Carroção que a gente ia. Não sei. Não tô lembrando agora.
P - Você lembra do Halloween?
R - O Halloween da... Esqueci-me dela. Lembrei. Mas isso a gente fez quando a gente era pequeno só, que a gente ia pro shopping. Putz, era muito legal. Eu adorava o dia do Halloween. A gente colocava fantasia, ia todo mundo fantasiado de manhã pra escola, assistia aula fantasiado. Aí à tarde a gente pegava o ônibus da escola, não o ônibus de verdade, e ia pedir os doces lá no shopping Iguatemi. Eu acho que eles sabiam que a gente ia, porque todas as lojas tinham doce pra dar. E era muito legal, porque a gente fazia a maior bagunça lá no shopping, as dondocas andando e olhando, falando: “Nossa. Mas ai que fofinho as criancinhas fantasiadas”. E era muito legal, porque era a maior farra que a gente fazia. Mas isso a gente parou de fazer quando eu era pequena ainda. Eu lembro porque era muito marcante, mas eu não lembrei agora. Mas depois, no Halloween, tiveram várias maneiras de comemorar o Halloween, porque era sempre tentando fazer como é nos Estados Unidos. A gente fazia uma festa de Halloween na própria escola. Cada sala meio que organizava uma atividade, na escola inteira. Então tinham vários joguinhos. Tinha um que era uma bacia com maçãs boiando na água, aí você tinha que enfiar lá a cara com a mão pra trás e pegar a maçã com a boca. Era muito nojento, ficava todo mundo babando naquilo, mas a gente não se importava, não tava nem aí, mas era muito legal. Tinha uma outra que era da farinha, que tinha uma assadeira cheia de farinha com umas balas no meio, você também tinha que enfiar a cara na farinha e pegar a bala. Tinha aquela coisa de gato preto, tinha que colocar o rabo no gato preto. Teve um ano, eu não lembro qual foi, mas que a gente organizou umas coisas de Halloween ou teve no Halloween também, não sei, mas tinha alguma coisa a ver com projeto de ciências que a gente ia falar dos cinco sentidos. Aí a gente pegou uma caixinha e colocou macarrão molhado, tipo macarrão cozido e molhado dentro. Era muito nojento, as pessoas enfiavam a mão e a gente falava que era cérebro, a gente descascou uva e falava que eram olhos de não sei o que lá. Era muito legal, o Halloween era muito incrível. E também era a escola inteira que fazia. Ficava tocando as músicas, a gente aprendia as músicas em inglês que eles cantam lá. A gente fazia abóbora com as professoras, a gente aprendeu a cortar a abóbora, colocava a velinha dentro tal. A escola inteira ficava decorada para o Halloween. Teve um ano que foi sexta série eu acho, que eles resolveram fazer uma festa mesmo de Halloween. Então contrataram uma banda, foi num dia à noite, foi todo mundo fantasiado e foi muito legal. Foi uma festa de verdade, não era que nem esses bailinhos que tinham quando a gente era pequeno. Tinham uns drinques fumegantes, sem álcool, óbvio, tinha suquinho, guaraná, coca. E os pais foram convidados, foi todo mundo tal. Eu lembro que eu fiquei muito triste porque um dos meus amigos não pôde ir porque ele ficou com a apendicite bem no dia. Aí ele não foi, mas a família dele tava lá, estava todo mundo, foi muito legal. Isso foi na sexta série. E o que mais de... Excursões? Não sei. Não tem mais nenhuma dica pra me dar?
P - Giulia, deixa te perguntar, você falou que você tocava na escola, quais eram os eventos que você tocava?
R - Então, a gente tinha os grupos, de música, de teatro. Tinha a bienal que, no primeiro ano que eu participei e não lembro direito em que série eu estava. Mas eram esses eventos que vinham os pais. Eu lembro que a gente tocou uma vez no dia das mães, no dia dos pais, não lembro, mas, que eu lembro, toquei no dia de encerramento, acho que foi na bienal da quarta série. Eu não toquei só, a gente tinha aula de música que era aula regular. Aí a gente preparou um show na quarta série, eu cantei, toquei flauta, meu irmão também tava na oitava e eu tava na quarta, aí eles tocaram, a gente tocou, a quarta junto com a oitava série, foi super legal. Eu lembro claramente que a gente tocou By the way do Red Hot Chili Peppers. E a gente cantou, eu cantei Malandragem da Cássia Eller, Por Enquanto, uma do Skank, Resposta. Eu adorava cantar. O pessoal todo da minha sala tocou, cantou, enfim, nesse dia que era a nossa formatura da quarta série, não era bem formartura. Mas eu lembro que eu toquei baixo no dia da formatura de outro amigo meu quando eu estava na sexta, ele estava na oitava. Eu nem falo que eu toco baixo porque eu toquei só uma música pra ele, que eu gostava muito. Foi no dia da formatura. Mas eram sempre esses eventos que traziam um monte de gente. Eu não sei se na festa junina a gente tocou uma vez. Talvez até tenha tocado, mas eu não lembro direito. Então, tinham os grupos, a aula de música. Eu lembro que na quarta série eu já tocava e tinha um professor que chamava Rafael e que, também, foi muito legal. Então, às vezes eu meio que coordenava, dava umas dicas para o pessoal que estava aprendendo a tocar. Eles tocavam flauta doce e, para acompanhar, eu fazia na flauta transversal o que eles estavam fazendo na flauta doce. Isso foi na quarta. Acho que na sexta entrou uma professora nova que era a Miriam, nem sei, acho que ela não dá mais aula lá. A gente começou a fazer a aula com os outros alunos também, com várias séries juntas. Eu lembro que a gente já não tinha mais a richinha com as meninas da série acima, mas sobrou um resquício da inimizade, sei lá. Enfim, elas eram meio chatas. Elas queriam porque queriam cantar Evanescence e eu odiava Evanescence. Odiava com todas as minhas forças, eu ficava muito brava que elas queriam tocar aquilo. Mas enfim, a gente acabou tocando uma música, porque eu era uma das únicas pessoas que tocavam, e elas cantaram. Aí a gente fez. Foi nisso que a gente fez a apresentação do dia das mães e eu não lembro no que mais. Talvez até numa outra bienal, não lembro direito.
P - Giulia, como que eram as bienais?
R - Deixa-me lembrar de todas. Calma. Eu lembro que uma das primeiras... Eu nem sei se eu tinha entrado ainda, eu acho que eu estava. Talvez até não, porque meu irmão estudava lá antes, na primeira série dele, em que teve da Tomie Ohtake. Era sempre um artista escolhido. Foi muito legal, a gente tinha que ler um livrinho da Tomie Ohtake que era Gota d’água? Gota d’água. E foi super legal. Eu lembro que eu gostei muito. A gente ia bastante ao museu, em coisas assim, mas eu não me lembro de nenhum... Não. Lembro-me de um que a gente foi que era uma exposição de bandeiras do Brasil, que eram bandeiras estilizadas, cada uma tinha um significado. Mas, sei lá, também passou meio despercebido. Eu lembro que essa da Tomie Ohtake foi muito legal. A outra eu acho que foi menor, não por ter sido menor, mas porque não estimulou tanto a gente. Mas nessa da Tomie Ohtake foi a escola inteira, todas as matérias, tudo, tudo, tudo voltado pra aquilo. Aí nos anos seguintes ficou uma coisa mais só voltada pra área de artes. Então na aula de artes a gente fazia, a gente aprendia sobre a vida daquele autor e tal. Fazia coisas baseadas no trabalho dele, mas era só restrito àquele momento. Então, acho que a gente não se envolvia tanto, eu pelo menos não me envolvi tanto. Eu lembro que teve uma que era de um cara que fazia desenhos pra literatura de cordel, mas essa passou, eu nem me abalei com ela, E a última eu não tô lembrando quem foi. Lembro-me que foi alguma coisa importante, mas, sei lá. Mas era sempre um momento legal. Eu lembro que a gente fez uma instalação... Não lembro quem era o artista, mas a gente fez uma instalação, porque a gente tinha ido para o Petar na oitava série. Aí, a gente fez uma instalação dentro de uma caverna, tinha um vídeo sendo projetado no fundo, a gente vedou toda a sala, estava tudo escuro e foi muito legal fazer aquilo. Mas da parte artística mesmo não lembro muita coisa, apesar da minha tia ter sido a professora de artes. Eu me lembro das aulas de artes, as aulas eram muito legais, eu gostava muito também. Aí a minha tia saiu e eu já não gostava mais tanto.
P - Giulia, outra coisa que você falou que eu queria te perguntar, e as festas juninas?
R - Era muito legal, eu queria muito ter ido esse ano e no ano passado, mas sempre coincidia com a festa junina do meu colégio, então, não dava para eu ir. Mas também era aquela coisa, era o dia em que ia todo mundo, de todas as salas, todos os pais, avós, tios, primos e tudo mais. Ficava cheio, era muito quente, porque lá é pequeno. Isso, eu tô me lembrando dessas últimas, já no prédio novo, porque faz tempo que eu saí de lá. Ia todo mundo, era super... Tinha a quadrilha dos pequenininhos, aí tinha a quadrilha do primário. No ginásio já não tinha quadrilha porque as pessoas não se interessavam tanto e aí tinha quadrilha aberta, ia todo mundo que quisesse. Na sétima série a gente tinha cadeia, aquelas coisas todas de festa junina. Na sétima a gente falou: “Pô, mas por que não tem correio elegante? Correio elegante é tão legal, por que a gente não faz?”. Aí eu fiz com uma amiga minha, até tem uma foto que fizeram, em que a gente comprou aquelas tiaras com anteninhas, sabe? E a gente estava vestidinha de caipira com umas cestinhas e anteninhas. A gente adorava e ficamos lá cortando papel cartão em formato de coração pra distribuir para o pessoal. Foi muito legal, na sétima e na oitava a gente fez correio elegante. Eu lembrei agora que quando a gente era menor, acho que até a quarta série, não, era da quinta em diante, em que não se fazia quadrilha, faziam square dance, que era aquelas danças de country. E eu não via sentido nenhum naquilo, porque era muito chato ter que dançar square dance e não dançar quadrilha. Pôxa, quadrilha é tão legal. Tinham umas coreografias que eram muito sem pé nem cabeça e a gente não gostava de fazer aquilo, a gente queria participar da quadrilha. Mas a gente tinha que fazer aquilo, colocar aquelas calças altas com cinto de cowboy, chapéu. Eu não gostava daquilo. Eu gostava da quadrilha mesmo. E, na primeira série, eram os professores que escolhiam com quem você ia dançar. Aí todas as meninas queriam ficar com o menino que elas gostavam. Tinha um menino que era o bambambam, que todas as meninas adoravam, mas que eu não via graça nenhuma nele, não queria dançar com ele, mas ele dançava com uma menina da sala. O que mais das festas? Acho que é isso. Mas sempre foi muito legal, eu adorava festa junina e não perdia por nada. Nesses últimos anos que eu queria ter ido, mas eu não consegui. Acho que, depois que eu saí da PlayPen, eu fui no primeiro ano do colegial, mas depois não fui mais.
P - E Giulia, deixa eu te perguntar uma coisa, como que foi pra você esse processo da reforma do prédio? Assim de passar pra aquela outra casa, depois de voltar, conta pra gente um pouquinho.
R - Ah, foi bem chato, viu? Porque eu adorava aquele prédio antigo, era muito gostoso lá. Assim, de sentimento mesmo, eu acho que era um dos lugares que eu mais gostava de fica quando era o antigo. Quando a gente passou para o outro, que era em frente, eu lembro que eu fiquei chateada porque muita gente, que era da minha sala, saiu. Então, da minha sala, que tinha acho que 21, 22 pessoas na terceira série, tinha apenas seis na quarta. Então vários dos meus amigos foram embora. Foi aquela coisa: “Meu, mas por que precisa fazer essa reforma?” Não tem porque, a gente tá num lugar tão gostoso, com todos os nossos amigos, agora eles foram embora e a gente tem que sair do nosso lugar gostoso. E ir pra um lugar que era uma casa, a casa das nossas amigas. Depois as filhas do dono da casa entraram, e elas já tinham morado lá. Então a gente tinha aula no quarto delas, era muito estranho. Eram duas gêmeas, a Júlia e a Juliana. Era muito estranho, porque era uma casa. Tinha uma piscina lá no meio, inclusive a gente fez aula de educação física na piscina por uns tempos, mas não era tão legal. Não era tão legal quanto soaria que fosse. Era aquilo que eu tinha falado: tinha uma salona que devia ser um escritório, alguma coisa, aí colocaram umas paredes no meio, mas eram umas paredes de um material que colocaram lá só pra dividir e fazer várias salas. Então era muito quente, tinha um ar condicionado, mas ele sempre quebrava, ficava pingando no chão. E era aquela coisa super improvisada, e isso foi na quarta série. Na quinta a gente mudou pra outro prédio e era a mesma coisa: tinha o prédio do primário e o prédio do ginásio e a gente mudou para outro lugar, em que era a parte da casa onde ficavam os quartos. A gente tinha aula no quarto das nossas amigas. Foi engraçado porque, quando saíram de lá de novo, elas voltaram a morar naquela casa, pra onde era minha escola mas, na verdade, era a casa delas. Enfim, aí também era super pequeno e, por um lado, foi bom quando eu fui pra quinta série, pois era muito pertinho: como o espaço dos quartos era muito pertinho com a sexta, a sétima e a oitava séries, a gente ficava com um pessoal mais velho. Também tinha uma garagem que era a garagem mesmo, era onde os alunos ficavam. Era muito tenso, porque a gente antes tinha uma quadra pra fazer aula de educação física e, então a gente passou a ter que fazer na tal da garagem, que era um lugar quente, quente, quente e pequeno pra gente fazer aula de educação física. Então foi meio complicado. Eu acho que teve de adaptar muita coisa, por algo improvisado que acabou prejudicando a gente. Mas tinha essa coisa de estar mais próximo. Eu lembro que nos intervalos, no play, a gente pegava o rádio da sala, cada sala acho que tinha um rádio, ou algumas salas tinham, mas eu sempre ia lá, pegava o rádio e colocava CD durante o intervalo. Isso não dava pra gente fazer no outro, porque não tinha tomada. Tinham algumas, mas era do lado da quadra, se a gente deixasse o rádio lá a chance de o rádio levar uma bolada era muito grande. Então a gente deixava a música tocando lá, e era eu quem sempre que escolhia as músicas. Ficava tocando pra todo mundo e, às vezes iam me xingar: “Por que você está colocando essa música?” “Ah, não, é legal”. Mas eu lembro que eu senti muita falta por causa disso, porque antes o espaço era muito bom e a gente se mudou pra um espaço que era bem apertado e não tinha área externa. Era mesmo a parte do pátio ali onde tinha a piscina, que acho que era aberta, eles fecharam, tinha uma cobertura de material transparente que dava pra ver o céu. Mas era tudo fechado, então era aquele clima abafado, aquela coisa assim, sei lá, acho que a gente não queria estar ali, a gente queria aquele espaço quer tínhamos antes. E era pra ter sido uma coisa rápida, só que teve a história da obra, que embargaram a obra e demorou muito mais tempo. Acho que foi, deixa-me ver, na sexta (série)? Acho que duraram três anos. Três anos que a gente ficou naquele prédio. Aí realmente a gente não gostava muito, mas tinham outras coisas que valiam a pena. Tinha acabado de ir pra quinta série, então a gente já tinha aula com os professores legais... Era outra coisa do que o primário. Mas essa coisa dos amigos realmente me deixou muito chateada, fazia muita falta. De uma hora pra outra a minha sala, que tinha 20 e tantas pessoas, tinha apenas seis. Eram quatro meninos e duas meninas. Então eu só tinha uma amiga menina e os meninos eram muito bobos, eles não eram como aqueles meninos de quando eu era muito pequena, que eles eram legais comigo. Eles eram muito bobos. Enfim, essa menina não era tão minha amiga. Acho que foi um momento em que fiquei mais sozinha, fiquei mais amiga também do pessoal das outras salas. Até tinha um menino que no começo eu não gostava dele, mas eu descobri que a Avó dele era vizinha da minha Avó. Aí eu fiquei amiga dele e ele ficou amigo do meu irmão também, Ele era dois anos mais velho. Então a gente fazia coisas juntos e éramos super amigos. Valia a pena por essas novas pessoas que eu conheci, que não eram as pessoas que eram da minha série. Depois quando voltou para o prédio novo, que era um lugar completamente estranho, foi meio aquela coisa: “Nossa, que legal”. Ficou legal, era uma coisa super meio futurista, diferente. Mas não sei, eu particularmente não gosto muito daquele prédio, acho que as coisas estão muito longe umas das outras, não era aquela coisa, como no prédio antigo. Esse primeiro era muito pertinho, a gente tinha as coisas muito perto e, no prédio novo é muito amplo, é tudo muito grande. Então eu acho que perdeu um pouco dessa proximidade. Mas as salas são bem melhores, grandes, tem espaço, são bem mais confortáveis e o prédio tem bem mais estrutura do que tinha antes. E eles fizeram essa reforma apostando que ia aumentar muito o número de alunos, o que realmente aconteceu agora. Mas nessa transição perdeu muita, muita, muita gente. Mas aí o prédio novo trouxe bastante benefício, mas isso era uma coisa que eu sempre batia na tecla, tinham umas paredes enormes, brancas, sem nada. Falava: “Meu, a gente faz tanta coisa na aula de arte, por que a gente não faz uma exposição nas paredes da escola mesmo? Pra ficar mais com a nossa cara, pra ficar um lugar mais atraente, mais gostoso de ficar”. Mas ninguém nunca acatava minha sugestão. E o play também é um espaço de confraternização com o pessoal das outras séries, isso sempre foi uma coisa muito legal. Como tinha pouca gente, nós conhecíamos desde o pessoal que estava no alfa, que é antes da primeira série, até a oitava série. Então a gente conhecia todo mundo. Isso contribuía pra gente se sentir em casa, se sentir tranqüila. Você conhece aquelas pessoas. E eu sempre fui uma pessoa que falo muito, eu conhecia todo mundo e isso era muito legal. A gente voltou a ter a quadra de novo, onde a gente fazia aula de educação física. Tinha mais a piscina, mas a gente também não gostava muito de ir pra piscina, porque não era ir para a piscina, era ir pra piscina fazer aula de educação física, então era meio chato. Acho que foi isso. Mas eu não gosto muito dessa arquitetura muito imponente. Uma opinião pessoal, mas acho que isso tem um pouco a ver com a nova coordenação, nova diretoria que está lá, que é uma coisa que eu muitas vezes tive problemas com isso. Bom, vou contar de uma vez. Quando eu tava na sétima série... Assim, teve esse problema todo com os professores que a gente mais gostava, aí começaram a encanar com eles. Os alunos começaram a ficar meio “putos”: “Meu, são os professores que a gente gosta, a gente vê que eles são bons, por que estão querendo mudar e fazer umas coisas que não iam agradar a gente?”. A gente acreditava que não é um “melhoral”, o nosso ensino. Começou a ter advertência: se você fizesse alguma coisa errada tinha advertência, depois que você levasse três advertências você levava uma suspensão. Depois que você levasse três suspensões você era expulso do colégio. E acho que ninguém chegou a ser expulso do colégio, ou assim espero. Mas agressão física era motivo de suspensão. Aí, tinha um menino na minha sala, que era o Vitor, eu não me dava muito bem com ele. Hoje em dia eu o adoro, a gente se dá super bem, mas eu não me dava muito bem com ele, porque ele era muito filhinho de papai, muito chatinho, muito... Eu me irritava com ele. Eu sempre fui apaixonada por Star Wars, quando lançou o terceiro filme, que ia juntar a primeira parte, feita em sei lá quando, com a segunda parte, eu fiquei super eufórica: “Meu Deus eu quero ver Star Wars, nananana”. Ele tinha ido à pré-estreia. No dia seguinte ele foi à escola e, aí, naquele jeitinho dele, contou pra mim o final do filme. Eu fiquei muito brava com ele e dei um tapa na cara dele. Mas não foi um tapa tipo: “Ah virei a mão na cara dele”. Foi um tapinha. E ele, como era super mimado, foi falar pra diretoria. Agora imagina só, ele era menino e eu era uma menina, aí ele foi lá reclamar com a diretoria que eu tinha batido nele e eles me chamaram lá pra conversar. E assim, eu sempre fui uma aluna exemplar, sempre tirei nota boa de tudo, nunca fiz nada errado, sempre fui aquela aluna perfeitinha. De repente eu me vi na sala da diretoria porque eu tinha batido num menino. Só que era muito bizarro, sabe? E eles sabiam, todo mundo me conhecia, todo mundo sabia que eu era aquela aluna boa, que nunca tinha feito nada, não sei quê nananana. Só que a política da escola era suspensão pra agressões físicas. Eu levei uma suspensão. Naquele dia o meu mundo caiu: “Nossa, o que eu fiz? Não sei o quê”. Eu fiquei muito transtornada, muito, muito. Porque eu vi o quão idiota tinha sido o que ele fez e o que e fiz, a atitude deles, tão bitolado a ponto de não analisar a conjuntura daquilo. Aí eu fiquei muito transtornada, e voltei pra sala... Isso foi durante a aula, ele foi à direção a gente estava tendo aula. Ele voltou, a diretora foi lá, chamou-me, tirou-me da aula e foi conversar comigo. Eu voltei pra aula e ele tava lá. Eu lembro que eu entrei na aula e todo mundo virou pra mim e falou: “E aí, o que aconteceu?”. Eu falei: “Eu levei uma suspensão”. Comecei a chorar. Eu fiquei desesperada e ele tava lá, viu que eu fiquei mal pra caramba e ele não fez nada. Só que como tinha mudado a direção, a política era de não dar suspensão para os alunos, de dar uma espécie de detenção igual tem nas escolas americanas, no Harry Potter, essas coisas assim, coisas de americano. A detenção era o quê? Era você ir um dia pra escola e fazer serviços na escola, tipo limpar o chão, ou você ficar separando as cores do giz de cera da sala de arte que todo mundo mistura. Eram umas coisas assim, muito primitivas, que não ia fazer a pessoa pensar sobre o que ela fez. Não E era só estúpido. E ficou decidido que eu ia ter uma detenção. Eu fui embora pra casa, fui falar para os meus pais, super assim: “Meu, o que eu fiz? Eu sou uma filha horrível, não sei quê”. Eles ficaram putos da vida com a direção que tinha falado que eu ia ter que ir um dia à escola pra limpar o chão. Eles fizeram um alarde, não quebraram barraco nenhum, mas eles foram falar com a direção. Falaram: “Não, isso é um absurdo, não sei o quê. A gente não vai, a nossa filha não vai vir aqui pra limpar o chão num sábado”. Era num sábado ainda, não era nem no dia depois da aula. Os meus pais acompanharam, viveram a escola, todo mundo lá os conhecia. Eu estava na sétima série, meu irmão já tinha estudado todo esse tempo lá, quando ficou muito menos gente, em que ficou muito mais próxima a relação da direção com os pais dos alunos. Todo mundo se conhecia, todo mundo sabia quem eles eram. Eles irem lá, os dois, falar uma coisa tão séria foi muito impactante. Então tudo bem, eles decidiram dar: “Tá bom você não vai levar detenção, mas você tem que escrever uma carta pra direção falando sobre a relação entre os jovens e os adultos hoje em dia”. Eu falei: “Yes. Escrever carta. Adoro escrever”. Nisso me veio um monte de críticas que eu não sabia direito em relação ao que era, quem era, eu percebia que: “Tá. No mundo existe alguma coisa errada”. Mas eu não sabia bem o que era. Eu acho que nesse momento meio que fez algum sentido, tipo: “Meu, isso aqui é uma escola, mas ela não está me fazendo aprender”. Existem coisas no mundo que deveriam fazer alguma coisa pela sociedade, mas não fazem. Meio que é aí que está o problema de pensar a relação dos jovens com os adultos. Isso tudo veio vindo e, sabe? Sétima série Era um momento meio de: “Não sei quem eu sou”. Passagem da pré-adolescência pra adolescência. Então tudo isso me fez pensar um monte de coisas. Então eu escrevi esse e-mail, que é de briga com a direção. Eu tinha que também dar sugestões de como a direção e a escola poderiam se relacionar melhor com seus alunos. Eu fiz um e-mail enorme de três páginas, um texto de três páginas falando de tudo que eu achava errado, que os adultos não entendiam os jovens, mas os jovens também eram muito inconsequentes, mas que nenhum dos dois tentava realmente entender um ao outro. E eu falei um monte de coisa da escola, que eu achava que a gente tinha que ter uma integração maior com o mundo à nossa volta, a gente tinha que ter um canal de comunicação com a direção, eles tinham que ouvir a gente. Eu achava que eles tinham que ter um psicólogo acompanhando a escola, porque antes tinha e, agora, não tinha mais. Enfim, eu falei um monte de coisas, se vocês quiserem depois eu mando pra vocês. Eu fiz aquele texto e achei incrível. Outro dia eu fui ler, eu li e falei: “Nossa”. Nossa, estava realmente bom, eu realmente estava sentindo tudo aquilo e eu quis colocar tudo aquilo num texto. Eu mandei pra diretora, para Célia, ela leu, achou incrível também. Aí passou. Só que depois disso eu comecei a me sentir muito mais responsável por aquela realidade que a gente vivia ali dentro. Eu percebi que a gente, o pessoal que tava na sétima, oitava tal, conhecia muito melhor aquilo, como tinha sido aquilo antes, como era, o que mudou, o que piorou, o que melhorou e que a gente tinha certa responsabilidade nisso. E isso abriu meio que um canal, não sei se outras pessoas também aproveitaram isso, mas eu aproveitei muito isso. Então eu comecei a ficar muito mais próxima, senti-me com muito mais liberdade pra chegar para alguém que tinha algum mando lá dentro, uma pessoa da direção, da coordenação, chegar e falar: “Olha, acho que isso tá errado não sei o quê. Não acho que isso é certo pra gente. Eu falo isso em nome dos alunos, em nome das pessoas que estão junto aqui comigo, eu percebo o que as pessoas estão achando, o que elas estão comentando e que muitas vezes não tem cara de chegar lá pra direção e falar”. Eu fiquei meio cara de pau depois desse episódio... de chegar e realmente ir atrás, falar: “Olha, isso tá errado. Vocês não deviam estar fazendo isso assim”. Não brigando, nem nada, mas me colocando mesmo. E isso também foi uma coisa que me marcou, falei: “Putz, eu tenho que me colocar. Eu não posso simplesmente aceitar as coisas e fazer o que me pedem, abaixar a cabeça e falar ‘Não, eu realmente tenho que vir aqui limpar o chão’”. Isso é absurdo, eu era pequena. E olhava e falava: “Isso é absurdo. Eu não tenho que vir aqui fazer isso”. Então, foi outro divisor de águas. O que mais?
P - E me conta um pouquinho, depois nessa nova coordenação, além dessas coisas que você tava comentando, o que mudou dentro da sala de aula em relação às matérias? Você sentiu alguma mudança.
R - Deixa-me pensar. Eu acho que ficou bem mais objetivo. Tiveram coisas boas e tiveram coisas ruins. Era bem mais focado em algumas coisas. Por um lado eu senti que esse foco era também de mostrar para o mundo quem eram aqueles alunos que estavam lá dentro no sentido de: tem um índice tal de aprovação nos vestibulinhos, que são as provas que a gente presta pra entrar no colegial. A meu ver, tinha muita coisa nesse sentido, de querer afirmar a escola num contexto maior e trazer mais alunos. Isso era uma coisa que ficou claro, a escola bilíngue, a coisa assim e tudo mais. Nisso, perdeu aquela coisa de ser tão próximo, de ser aquele ambiente acolhedor, familiar e tal. A meu ver era muito mais institucionalizado o ambiente, as aulas e tudo mais. Mas eles contrataram ótimos professores, como os professores que a gente teve na sétima e na oitava série. Foi a nova coordenação que contratou e eles eram maravilhosos. Eu acho que teve tanto coisas que melhoraram bastante quando coisas que pioraram. Uma coisa que foi muito legal que eles trouxeram... Calma. Você perguntou da aula especificamente, deixa-me responder isso primeiro.
P - Pode falar se você quiser.
R - É porque senão eu vou esquecer depois. Eu acho que é isso, os professores que eram os mesmos de antes continuaram os mesmos e tinha aquela cobrança de fora. Inclusive eu fiquei assim, meio chocada, acho que ninguém que tava junto comigo percebeu isso. A Maria Laura dava aula de matemática... Matemática não. De gramática, de literatura e de produção textual. Aí, na oitava série resolveram contratar outra professora de produção textual, acho que se chamava Maria Elisa, não sei. Não sei se ela dá aula lá ainda, eu acho que não. Porque a Maria Laura não estava dando conta. E assim, a nova professora realmente era muito boa e ela também era uma pessoa incrível, só que eu fiquei, eu falei: “Meu, a Maria Laura está aqui desde sempre. Sempre”. Eu acho que talvez ela seja a professora que está a mais tempo lá e aí eles querem tirá-la. Porque era uma professora só de redação que mostrava pra gente outro tipo de redação que ia cair no vestibulinho. Eu falei: “Putz, eles vão tirar a Maria Laura, que deu aula disso sempre, para colocar uma professora nova só pra gente focar nessa coisa de vestibulinho, de prova e tal”. Eu fiquei meio incomodada com isso. Agora, acabou até sendo bom por um lado, porque a professora era muito boa. Mas a gente teve aula com a Maria Laura da quinta até a sétima, metade da oitava série, sei lá. Aí, depois, teve seis meses de aula com a outra professora. Quem ensinou a gente a escrever foi a Maria Laura, não foi a outra. Todo mundo da minha série foi muito bem nos vestibulinhos. Mas é isso. Eu acho que tiveram boas melhoras assim, alguns professores que realmente foram muito bons e outros professores que eles contrataram que eu não vi o porquê contrataram, porque não eram nada de especial, era só pra gente ter aula de matemática em inglês. Foi aí que começou essa história de ter todas as matérias em inglês e em português. Aí a gente tinha aula de matemática em inglês, de ciências em inglês. Às vezes o professor era professor daquilo em português, ou ele era professor de inglês e aí ele dava aula daquilo. Ou ele era professor daquilo em português e aí ele também não falava super bem em inglês. O Rafael, que era nosso professor de matemática, uma das coisas que a direção pegava no pé dele é que ele não falava inglês, então ele não poderia dar aula de manhã em português e à tarde em inglês. Então eles tinham que contratar outro professor pra fazer isso, então às vezes isso também tenha entrado... Mas eu acho que não tinha nenhum professor que dava em português e em inglês. Tenho quase certeza que não. Enfim, teve essa coisa, essa dualidade nas aulas. Mas a coisa que eles trouxeram e que foi muito boa foi o intercâmbio pra outros países. Quando eu estava, acho que na sexta, não sei, teve uma viagem pro Canadá que foi meio miado, a primeira. Foram só três pessoas que eram três pessoas da minha sala, mas eles amaram, eles ficaram em casa de família lá. Eles foram pra cidade do Mister French, que é o diretor. Eles adoraram ir pra lá. Só que aí, como era muito caro, meus pais falaram: “Pô, não vai rolar, não sei o quê”. Aí eu falei: “Ah, tudo bem”. Hoje em dia eu vejo que eu era muito pequena pra ir. Na sexta série ir sozinha pro Canadá? Sabe, passar um mês lá? Ainda que fosse pra ficar, lógico, é uma vivência, mas eu acho que eu não teria aproveitado tanto. Mas aí na oitava série teve uma viagem pra Suíça que a gente passou um mês numa escola americana lá na Suíça. Lembro-me que a princípio eu fiquei meio assim, falei: “Putz, a gente vai pra um colégio interno na Suíça. O que é isso? Que coisa estranha. Que sentido tem isso?”. Mas, meu, eu acabei indo pra lá e foi incrível, foi maravilhoso. A gente passou três semanas na Suíça e uma semana a gente podia escolher se a gente ia pra Londres, pra Paris ou pra Itália. Paris, eu acho que era só Paris, Itália e tinha Roma, Veneza, Florença só. E aí foi muito bom porque nessa época a minha sala tinha seis pessoas e aí foram cinco. Tinha um menino que ele era meio excluído assim, porque ele era meio chato, a gente era chato com ele. Enfim, aí foram os cinco e, assim, na oitava série, o nosso último ano. Fomoas no meio do ano, em julho, e foi muito legal porque a gente era meio pequeno também, tinha 14 anos, tinha acabado de fazer 14 anos. Aí a gente ficava nos alojamentos, tinham as meninas de até 16 anos, aí tinha outro que era dos meninos de até 16, as meninas e os meninos mais velhos. A gente ficava no alojamento e no quarto, dividia o quarto sempre com outra pessoa, com gente do mundo inteiro. Então a gente conheceu muita gente, eu lembro que a gente era super amiga de um cara da Tailândia e vinha um pessoal da França, da Itália, os meninos da Itália também eram super nossos amigos. Da Arábia Saudita, sabe? Umas coisas assim que a gente nunca teria imaginado em conhecer. Foram eles que promoveram isso, foi essa nova direção que também teve essa preocupação de mudar aquele clima familiar, fechadinho, próximo, mas também expandir isso pro mundo. Então foi uma vivência maravilhosa, conheci pessoas que eu converso até hoje, que são contatos, amigos ao redor do mundo. E era assim: durante o dia a gente tinha aulas e, à tarde, atividades. Então eu fazia aula de inglês, que eram duas, era aula dupla, né? Todo mundo tinha que fazer aula de inglês, aí teve um menino que deu um “migué” e não foi na aula de inglês. Aí eu fazia aula de inglês, aula de música, que no começo era piano, mas eu quebrei o meu braço, aí eu fui fazer aula de canto e teatro. Então, meu, a gente passou um mês na Suíça com os nossos amigos, era uma cidadezinha minúscula de dois mil habitantes acho, lá no meio dos Alpes, perto de Montreux, onde tem um festival. Inclusive a gente foi pro festival de jazz que foi incrível, muito legal. A gente passou um mês estudando música, inglês e teatro e, nas tardes, a gente fazia esporte. Eu também fazia parte do grupo de teatro e assim, conhecemos gente do mundo inteiro, fizemos amizades. A gente também tinha que se virar sozinhos, porque estávamos meio que morando sozinhos, num lugar que só tinha estudante, tinha os professores também, mas a gente ficava entre a gente, tinha que lavar roupa... ao supermercado não, a gente ia pra comprar besteira, pra comprar chocolate suíço que lá era muito barato. Mas, sabe, a gente que fazia nossos horários, a gente tinha que chegar no horário tal lá, senão a gente ficava pra fora. Pra fora não, eles brigavam com a gente lá e colocavam pra dentro. Aí também foi muito legal porque foi a época da Copa do Mundo. Aí a gente estava lá na Suíça, com gente do mundo inteiro, os cinco brasileiros. A gente acabou conhecendo outra menina brasileira lá, que também se incorporou e a gente, e ficávamos sempre entre os brasileiros e todo mundo queria ver os jogos do Brasil. Os jogos do Brasil eram a maior festa, não sei o que, era muito legal porque assim, pessoas muito diferentes, todo mundo junto, todo mundo com o mesmo propósito e aquele clima super: “É férias, mas gente tá aqui”. Foi muito legal. E também contribuiu muito pra abrir minha cabeça pra um mundo novo, pra um mundo que está lá fora. Aí se foram as três semanas que a gente passou na Suíça e uma em Londres. Todo mundo foi pra Londres. Aí, em Londres, eu acho que não devia ter sido assim, mas foi e foi ótimo. A gente ficava meio solto pela cidade. Então a gente saia de manhã, ia lá ao Museu de Cera, aí eles combinavam: “Tá bom. Então às cinco horas vocês tem que estar de volta no hotel”. O hotel era ao lado de uma estação de metrô. Aí a gente ia passear por Londres. A gente pela gente mesmo. Meu, foi uma vivência assim, maravilhosa. Eu com os meus amigos passeando por Londres com 14 anos de idade. Não tinha cabeça para nada e eu estava lá em Londres. Mas foi muito bom, essa é uma viagem que eu lembro com sorriso no rosto até hoje. Olho as fotos, falo: “Nossa, que saudade”. Foi muito, muito, muito bom. Valeu mais a pena ter ido na oitava série pra Suíça com os meus amigos do que ter ido na sexta pro Canadá que eu acho que eu não teria aproveitado tanto.
P - Giulia, como foi a formatura de vocês?
R - Ah, eu chorei tanto. Eu fui oradora da minha sala, né? Eu acho que eu tenho gravado, posso mandar pra vocês. Então eu escrevi o discurso e oi aquela coisa: eu estava me despedindo do lugar que era a minha casa. Eu cresci lá, me tornei um ser humano consciente de mim mesma, da vida, de tudo, lá, ou pelo menos comecei a me tornar. Acho que para minha formação pessoal as bases estavam todas ali. Então era uma despedida de um lugar que, meu, sempre me acolheu. Eu fiquei com muito medo de sair, mas também já não correspondia mais as minhas expectativas, sabe? Essa coisa tanto da história da suspensão quanto da história da Veja, Carta Capital e Suíça me fez querer mais, querer ir pro mundo. E realmente já não correspondia mais aquele universo restrito, porque todo tempo que eu fiquei lá foi uma coisa muito pequena assim. Agora que estou sabendo por outras fontes que está começando a crescer. Então foi triste, óbvio, porque eu amava aquilo lá, eu me sentia muito bem lá, muito segura. Mas foi bom porque também já não dava mais, eu queria outras coisas, eu não queria mais estar ali. Eu me tornei muito próxima do pessoal da minha sala, eu gostava muito, muito deles. Aí meu discurso fala um pouquinho de cada um, da minha relação com cada um, tal e dos professores também, acho que é uma das coisas que eu mais percebi que eu ia sentir falta. Acho que essa coisa da relação mesmo de proximidade. A gente passou o ano inteiro fazendo brigadeiro, vendendo brigadeiro pra arrecadar dinheiro pra fazer a nossa festa e foi aí que eu virei uma expert em fazer brigadeiro. Foram bons ensinamentos pra mim. A gente vendia toda semana. Aí a gente fez a cerimônia, em que eu fiz o discurso. Teve outro amigo meu que também era orador e, também, o nosso professor Rafael, que era o paraninfo. Eu lembro também que eu fiz a... Nossa, nem me lembrava disso. Também posso trazer pra vocês, uma apresentação de fotos com todas nossas fotos daquele pessoal que tava se formando. Mais tá muito longo, tem tipo 20 minutos de apresentação. Eu fui louca de fazer aquilo daquele jeito. Aí na hora o som não funcionava, então não tinha nem música, passou 20 minutos de foto. Mas enfim, ficou legal, tem muita foto lá também. Eu chorei muito, muito, muito. Lembro até hoje eu tentando falar, ler o meu discurso, mas não estava rolando. A gente fez uma homenagem a esse professor de matemática, o Rafael, que eu li a letra de uma música. Eu lembro que eu estava doente, tava com a garganta ruim, aí não dava pra eu cantar. Mas eu ia cantar a letra de uma música de um filme que chama Ao Mestre com Carinho, que ele falou pra gente que adorava. Eu li a letra, esse foi o momento que eu mais chorei, com certeza, na nossa formatura. Eu estava lendo, dedicando aquilo pra ele, que tinha sido tão crucial na nossa formação como pessoa. Eu posso afirmar, com certeza, que todo mundo, qualquer pessoa que vocês forem entrevistar que teve aula com ele vai falar dele. Aí depois a gente fez a festa, né? E também fui eu que organizei a festa porque o pessoal da minha sala não estava nem aí, eles não queriam se mexer. Aí eu que fui atrás, eu não entendia nada de nada. Imagina, uma menininha de 14 anos ligando lá no lugar da festa falando: “Oi moço. Eu quero fazer uma festa de formatura”. Enfim, eu que organizei, fui atrás, fui lá, paguei para o homem e tal. No final quem curtiu mais a festa fui eu e uma amiga, que era a minha melhor amiga. O resto do pessoal não sei, não se animou muito. Mas a gente convidou um monte de gente e foi muito legal. Também foi nossa primeira festa assim de verdade. Acho que a nossa viagem de despedida, viagem de formatura foi a viagem pra Suíça, né? Eu lembro que a gente voltou da Suíça no finalzinho de julho e aí logo em Agosto a gente foi pro Petar. Foi assim, questão de duas, três semanas assim, que também foi supergostoso, a gente tava naquele clima de despedida, sabe? Então acho que a gente tava mais amigável uns com os outros, não sei. E também mais próximos com os professores, com o pessoal que tava antes. Éramos os mais velhos da escola, então a gente já tinha mais liberdade, tinha mais autoridade ali no meio também. Então foi mais legal assim esses do meio, especificamente do Petar. Foi legal.
P - Giulia, conta uma coisa agora, como que foi durante esses anos de PlayPen a relação com os funcionários da escola sem ser os professores? Com a Marinalva...
R - Ai, adoro a Marinalva. Sempre que eu vou lá ela diz: “Ah, que saudade de você”. Eu acho que ela é uma pessoa que tinha a relação mais próxima com os alunos, porque ela estava na entrada quando a gente chegava, ela ficava ali na garagem perto de todo mundo. Na hora do almoço também ela sempre estava por ali e à tarde, quando a gente saia tinha algumas pessoas que ficavam à tarde pra fazer os cursos extracurriculares, e ela ia lá fazer o lanche da Marinalva. Aí você comprava o lanche que custava dois reais, um real, sei lá, e aí era o momento do lanche da Marinalva. Ela sempre teve muito carinho pelos estudantes, comigo, com o meu irmão. Também por essa coisa de ser a família inteira, né? Eu, meu irmão, minhas primas e a minha tia. Então quando eu vou lá ela fala: “Ah, as suas primas como é que estão?”. Ela sempre foi muito próxima e também sempre gostei muito dela. Aí tinha a Ude, que eu lembro que era secretária e ela saiu faz um tempo eu acho, mas que eu também sempre ia lá pedir coisas pra ela. Eu não lembro o que, mas ela também era super legal, super acessível. Aí tinha a dona Conceição que era a cozinheira, mas ela saiu também, eu era pequena ainda. A gente achava engraçado, a gente ria muito porque ela chegava com tipo uma panela quente assim e ela falava pros alunos: “Sai da frente. Sai da frente”. Pela entrada dos alunos, não era nem por trás nem nada assim. Mas ela era meio brava assim, então a gente não tinha muito proximidade com ela. Tinha um faxineiro lá, que é o Nildo, nem sei se ele tá lá ainda. Meu, o Nildo era muito engraçado. Ele tinha um cabelo cacheadinho e era pintado de água oxigenada na ponta. A gente falava que ele tinha cabelo de salgadinho. Ele era muito pagodeiro, ele adorava pagode. A gente ficava zoando ele porque ele gostava de pagode e tal. Ele era muito legal. Ele também dava um pouco em cima das menininhas, quando a gente era mais velha, mas a gente não dava bola pra ele. Mas ele era legal apesar de tudo. Aí tinha a Bia, que era a bibliotecária, que também saiu de lá. Saiu? Não sei se ela saiu. Ela era a mãe de uma menina que era nossa colega, não era da minha série, era uma série acima. Também sempre foi super legal, não éramos frequentadores assíduos da biblioteca, porque acho que faltou um pouco de estímulo, tipo: “você, vai lá na biblioteca pegar alguma coisa” sem precisar ser pra aula. Mas ela também sempre foi super legal, mas não tenho nada específico pra dizer sobre ela. Agora, de funcionário assim tipo os faxineiros, essas coisas assim, eu não lembro muito bem, porque foi mudando também. Essas pessoas, que ficaram mais tempo a gente tinha mais contato, como foi a Marinalva, a Ude, que também ficou durante muito tempo. Tinha a Cássia que era a porteira, aí depois ela trocou. Não sei. Eu me lembro desses pelo menos. Que chato dizer isso, né? Mas é verdade, a gente não tinha muito contato mesmo com os outros funcionários, só com alguns. Tinha o Marcelo... Eu nem sei o que ele era, mas ele era muito engraçado e ele sempre vinha trocar ideia com os alunos e tal. Ele era meio que zelador do prédio assim, meio um cara que faz tudo, resolve todos os problemas. Ele era muito legal. Ele e o Nildo eram super amigos e aí a gente zoava os dois juntos.
P - Giulia, deixa eu te perguntar, como que você foi parar na PlayPen? Por que seus pais escolheram? Seu irmão já estudava lá, mas por que da PlayPen?
R - Então, eu não sei direito. Eu sei que teve alguma coisa a ver com outra tia minha que deu aula lá por um tempo. Inclusive teve outro primo meu que também estudou lá, mas quando a gente entrou ela já tinha saído. Aí ela fez essa indicação, inclusive o pessoal no Ponto Ômega também indicou. Tinha tido outros alunos que já tinham ido pra lá tal, que foram no ano do meu irmão. No meu ano não teve ninguém que foi, mas acho que foi por indicação mesmo. Tinha coisa de a gente ficar mais tempo na escola, porque era bom pra eles, a gente ia estar na escola e eles iam trabalhar. E também por causa do inglês que, meu, foi essencial. Hoje eu vejo que isso muda muito, assim, sabe? Quando eu fui pro Sousa eu não precisava fazer aula de inglês. Eu precisava ter feito acho que no primeiro ano só porque tinha o negócio dos níveis, você entrava no nível tal. Aí eu fiz um ano só de inglês e, então, tirei o certificado de proficiência, de poder dar aula de inglês. Então isso significa muito, né? A gente tem uma facilidade absurda assim, é muito natural, quase que aprendemos juntos os dois, a escrever pelo menos. A gente aprendeu os dois juntos. Mas acho que foram várias coisas. Eu sei que teve essa indicação da escola, teve a indicação da minha tia e as coisas, em inglês.
P - Giulia, você falou que foi pra Santa, e aí como que foi escolher essa nova escola? Pra você, para os seus pais.
R - Ah, então, quando eu estava na quarta série, no Santa, tem prova pra você entrar na primeira, na quinta e no colegial. Aí, quando eu estava na quarta série meu irmão estava na oitava e meu irmão prestou vestibulinho pra ir pro Santa. Os meus pais quiseram que eu prestasse também. Só que eu não queria ir pro Santa, porque eu gostava da PlayPen. Eles nunca chegaram pra mim e explicaram o porquê eles queriam que eu fosse pro Santa. Eles simplesmente me mandaram fazer a prova. Eu fiquei meio irritada assim e boicotei a prova, o que foi um pouco de burrice da minha parte, foi um ato rebelde, mas acabou sendo bom porque eu gostei dos meus últimos quatro anos na PlayPen, foram ótimos. Aí meu irmão entrou no Santa também, eu continuei lá na PlayPen. Eu tinha prestado também pra Móbile, mas aí eles não quiseram me tirar da PlayPen pra colocar na Móbile. Meu irmão entrou no Santa, aí eu comecei a conviver com o Santa e ver porque os meus pais queriam que eu fosse pra lá. Eu fui me convencendo de que eu queria ir pra lá também. Eu fui às festas juninas do Santa. Não sei se vocês conhecem lá, mas é um lugar maravilhoso, parece tipo um bosque com salas de aula. É maravilhoso o espaço. É um puta colégio, ele te dá base de tudo, tem espaço pra você fazer o que você quer. Você pode inventar um curso que você organiza lá umas pessoas que querem fazer. A gente queria fazer aprofundamento de literatura, aí a gente organizou umas pessoas, chamou nossa professora e falou: “E aí? Vamos fazer?” “Vamos fazer tal”. Rolou. E aí eu fui percebendo isso. Também tinha grupo de teatro, grupo de música, mil aulas diferentes que estimulavam de maneiras diferentes. Aí eu fui percebendo que era aquilo lá, essa coisa de ir pro mundo, era aquilo lá que eu queria. Acho que meus pais nem precisaram me explicar nada, eu que fui sacando assim. Na oitava série eu prestei vestibulinho pro Santa, pro Gracinha e pra Móbile e pro Palmares. Pra Móbile eu prestei? Não sei. Em algum momento eu prestei pra Móbile também. E aí eu passei em todos, só que pro Santa eu tava morrendo de medo porque na quinta série eu tinha prestado e não tinha passado. Também porque eu tinha feito a prova de qualquer jeito, mas eu falei: “Putz, será que eu consigo passar?”. Porque é muito difícil, tem gente que faz cursinho pra entrar no colegial, sabe? Te muita gente que faz cursinho inclusive. Aí eu sabia que ia ser difícil tal, só que aí eu percebia que os meus professores estavam torcendo muito pra eu passar. Prestei eu e mais uma menina da minha sala. Nós duas passamos, ela entrou junto comigo. Foi isso. Eu me lembro do dia que eu fiquei sabendo que eu tinha passado, eu estava na aula e assim, já estava bem no final, a gente já não aguentava mais assistir aula e mais nada. Aí meu irmão me mandou uma mensagem assim: “Parabéns minha nova santacruzense preferida”. Eu saí da aula assim, liguei pra ele e falei: “Caio, eu passei.” “Passou”. Aí eu comecei a chorar, aquela coisa assim, vamos conquistar o mundo. Não desse jeito assim, conquistar o mundo, mas, tipo, ir pro mundo, né? Aí eu fiquei super feliz, mas também foi meio, sabe, meio: “E agora? Vou sair desse lugar que é a minha casinha, minha família, pra ir pra um lugar tão aberto, tem tanta gente e eu não conheço ninguém”. Eu conhecia a menina que entrou comigo, mas a gente também não era assim tão próxima. Eu fiquei com medo. No começo tinha uma menina que ia estar na minha série, que era amiga do meu irmão, e aí, eu a conhecia. Ela foi a minha primeira amiga no Santa. Eu lembro que, nos primeiros dias de aula, eu meio que ia correndo atrás dela. Ela me apresentou o pessoal, porque, olha só, no Santa eu estava na oitava série, eram seis pessoas na nossa sala. No Santa eram seis salas de 40 pessoas. Ou seja, uma diferença brutal. Eu lembro que eu entrei e falei: “Nossa...”. Mas essa coisa da quantidade de gente acho que nem... Poderia ter me deixado mais com medo, mas nem foi tanto. Aí ela me apresentou o pessoal da minha sala, já fiquei amiga das meninas no comecinho, mas eu demorei um tempo pra realmente tomar gosto pelo lugar. Eu achava que as pessoas eram muito frias, muito longe uma das outras. Tinha aquela coisa também de filme americano de panelinhas, tinha as patricinhas, os excluídos e tudo mais que acho que é meio coisa de colegial. Eu até fiquei meio assim, mas pouco a pouco eu fui me adaptando. Mas a grande coisa foi no segundo ano que, eu não sei direito porque, mas eu passava o dia inteiro no colégio. Tinha aula, eu adorava as aulas, adorava os professores. Os professores de lá são todos muito, muito bons, tirando os de matemática. Tô brincando. Só o do primeiro ano de matemática me traumatizou, porque eu saí daquele professor maravilhoso que eu tive durante quatro anos pra ter aula com um professor que era horrível, horrível, horrível. Ele é muito ruim. Aí ele me traumatizou, eu nunca mais quis saber da matemática pra minha vida. Os professores do segundo e a professora do terceiro são bons. No segundo ano que eu comecei a entrar mais no que o Santa tinha pra oferecer. Então eu fazia tudo, participava do grupo de teatro no primeiro ano. Eu também participei dos dois, do grupo de teatro e do grupo de música, fazia aprofundamento de literatura, ficava à tarde pra fazer treino. Fazia tudo. Tudo, tudo, tudo. E aí foi que eu também desenvolvi aquela mesma relação de proximidade que eu tinha na PlayPen com os professores e tudo mais. Porque lá, apesar de ser um colégio gigantesco, eles te dão abertura pra isso. Então foi muito legal, foi uma coisa que eu aprendi a fazer na PlayPen. Mas essa transição foi difícil assim, eu tinha certo amor platônico pelo Santa, mas até eu gostar mesmo de estar lá, eu acordar de manhã e falar: “Nossa, que legal, vou para o colégio” demorou um pouco. Porque era um lugar novo, você não conhecia ninguém, demorou pra realmente ficar tudo aquilo. E chegou a ser tudo aquilo, isso que é uma das melhores coisas.
P - Giulia, conta um pouquinho quando você começou a pensar no que você ia fazer depois que você terminasse o colegial.
R - Acho que foi no segundo, né? No primeiro eu queria fazer tudo que fosse de humanas. Eu sempre tive a certeza que era humanas. Eu queria fazer tudo, psicologia, história, geografia, porque eu tive professores incríveis de história e geografia. Aí eu fui me interessando mais por essa coisa, fui querendo mais essa coisa de política, comecei a ir atrás, ler jornal, mesmo que assim, só dar uma olhada. Mas comecei a me focar mais nisso. Aí eu comecei a perceber que era isso que eu queria, alguma coisa que me colocasse em contato com o mundo, que eu pudesse exercer algum tipo de influência. No segundo ano eu estava em dúvida, também cogitei fazer música, meu irmão já tava na faculdade de música e tal. Mas assim, ele sempre levou muito mais a sério o estudo de música do que eu. Eu levava muito a sério, adorava. Só que eu fazia tantas outras coisas que não dava pra eu me desenvolver tanto quanto ele se desenvolveu. Aí eu pensei: “Putz, mas o mercado de música no Brasil é uma droga, não tem nada. A não ser que você vá, sei lá, vender-se e tocar aquilo que você não quer tocar”. Então falei: “Eu posso continuar tocando aquilo que eu quero tocar, sem precisar necessariamente ganhar dinheiro com isso”. Chegou um momento em que eu estava em dúvida entre fazer Ciências Sociais, Relações Internacionais e Jornalismo. Jornalismo até é engraçado, porque não foi uma coisa que eu pensei, foi a minha mãe que chegou um dia pra mim e falou: “Por que você não faz Jornalismo? Você gosta assim do mundo, você gosta de escrever. Por que você não faz Jornalismo?”. Eu comecei a pensar, comecei a prestar atenção, eu falei: “Nossa. Realmente eu gosto”. Eu sempre quis essa área de política internacional, sabe? A relação dos países com a ONU, com os Estados Unidos, Imperialismo, contestar isso e a África, o Oriente Médio, que também era herança daquelas aulas que eu tive de geografia lá na oitava série. Eu sempre gostei disso. Eu tava em dúvida se eu fazia Ciências Sociais, Relações Internacionais ou Jornalismo. No Santa eles faziam palestra com tanto profissionais da área quanto os alunos que estavam fazendo, estudante de cada uma das áreas, pra gente ir tendo ideia do que a gente queria. Aí eu lembro, nem foi por causa do aluno de Jornalismo que foi falar, porque ele era horrível. O aluno era horrível e a profissional que foi falar também foi horrível mas, mesmo assim, eu decidi por Jornalismo. Porque teve uma amiga minha que estava fazendo Relações Internacionais, era mais velha, ela já tinha saído do Santa e estava fazendo Relações Internacionais. Eu fui conversar com ela, falei: “Ah, Lu, e aí? Como é que tá?” “É muito legal. Eu adoro, não sei o quê”. Eu não lembro direito o que ela me falou, que ela falou: “Meu, você quer ser jornalista?”. Eu queria ser jornalista da área internacional, aí não precisava de diploma. Eu falei: “Putz, o que eu faço? Será que eu vou fazer Jornalismo ou vou fazer a específica?”. Ela falou: “Você gosta de Jornalismo, vá fazer Jornalismo”. Aí eu me convenci naquele dia e fui fazer. Não me arrependo de ter escolhido isso. Eu estou prestando sociais agora não porque eu quero deixar de ser jornalista, mas porque eu acho que a Cásper tem as suas coisas boas, mas ela é muito assim, bitolada, técnica, sabe? Não te dá uma bagagem cultural pra falar sobre assuntos. Então, eu que quero fazer, que tenho interesse de fazer jornalismo político, social, não econômico especificamente, mas tipo econômico em relação com a sociedade, quais são as influências, acho que preciso de uma bagagem nesse sentido e a Cásper dá muito pouco disso. E aí eu vou tentar buscar... Tem também a coisa da Cásper ser uma faculdade desse tamanho e a USP ser a USP que parece muito mais com o Santa do que a Cásper.
P - Giulia, agora eu queria só que você falasse um pouquinho de você hoje. O que você gosta de fazer? Você tá fazendo jornalismo?
R - Bom, por onde eu começo? Não quer fazer pergunta também? Facilita.
P - Estágio. Você disse que tá fazendo estágio.
R - Então, estou fazendo estágio. Foi assim, entrei na Cásper, fiquei muito triste porque eu não passei no vestibular da USP, fiquei cinco pessoas atrás da última que entrou. Ffoi tenso, mas tudo bem, já superei. Aí eu entrei na Cásper, comecei a fazer... Conheci muita gente legal. Na Cásper, realmente, a melhor parte as pessoas são fantásticas. E aí eu vi lá uns cartazes que estavam tendo um curso de jornalismo em conflitos armados. Eu falei: “Nossa. Que legal”. Bem, aquilo que eu queria, política internacional. Vamos aí. Aí eu fui fazer. Você tinha lá um processo de seleção, você tinha que mandar um currículo seu, fazer um texto, umas coisas. Aí eu mandei e me ligaram, falaram: “Você foi escolhida pra fazer o curso. Vem aqui conversar com a gente, queremos conversar sobre uma possibilidade de estágio”. Eu fui lá e, aí, no final a empresa que estava organizando o curso, chamada Oboré, junto com a Cruz Vermelha e com outras entidades de jornalismo, estavam precisando de alguém pra atualizar o site deles, das coisas que estão fazendo. Eles fazem projetos em comunicação, desde assessoria de comunicação para empresas, pessoas... Pessoas acho que eles não têm nenhum cliente, mas eles fazem até organizar ciclos de palestras, sessões de cinema, ciclo de cinema e fazer curso de jornalismo. Eles estavam promovendo esse curso do jornalismo em conflitos armados. Eles me chamaram pra trabalhar lá porque eles gostaram de mim, acharam que tinha a ver com a empresa. E realmente tem. Às vezes eu até me surpreendo, falo: “Nossa, no primeiro ano da faculdade achei um estágio que eu gosto de estar, que tem tudo a ver comigo”. Infelizmente eu vou ter que sair porque eu vou fazer as duas faculdades o ano que vem. Mas assim, está sendo uma experiência maravilhosa. Foram só dois meses no final das contas. Então, aí eu vou prestar Ciências Sociais, eu quero, eu adoro Sociologia, acho Sociologia incrível. Eu quero que isso me ajude a ser uma jornalista melhor, porque eu acho que assim, primeiro eu acho que jornalismo imparcial não existe. Isso eu já meio que me conformei, mas você não pode prejudicar a objetividade do seu olhar jornalístico por causa da ideologia que você tem. Mas eu acho que nós, jornalistas, temos um poder em mãos que é de fazer as pessoas prestarem atenção em coisas, e cabe a gente escolher o que queremos que seja... Não cabe só a gente também: tem editores e donos dos grandes veículos midiáticos e tudo mais. Mas também é um pouco nossa responsabilidade, como prestar atenção no que afeta a vida das pessoas. Eu sempre tive esse lado mais de esquerda e tudo mais, de querer fazer mudanças na sociedade e eu acho que o jornalista, a mídia em geral é essencial pra isso. Então eu quero assim, trabalhar nesse sentido, não sei se vai ser possível, porque isso não dá dinheiro, mas eu também não tenho grandes ambições de ganhar dinheiro na vida. Se eu estiver fazendo uma coisa que eu gosto, ganhando o mínimo pra me sustentar já está ótimo. E também quero ter dinheiro pra colocar meus filhos numa faculdade boa. Faculdade não, colégio. O que eu penso da minha profissão é meio isso. Eu acho que a Cásper é muito falha nesse sentido de fazer você pensar o porque de ser um jornalista e não só te ensinar como é ser um jornalista. E aí isso eu vou buscar lá na Ciências Sociais. E em outros âmbitos também porque não é só isso. Acho que a USP também favorece um pouco mais isso do que a Cásper. Eu quero fazer uma coisa nesse sentido. Agora eu também estou me envolvendo mais no centro acadêmico da minha faculdade, que é totalmente desmobilizado. As pessoas acham que aquilo lá é um antro de comunista e aquela coisa toda. Não é. Mas também faz parte de nós comunicadores mostrarmos que não é e mostrar porque não é, mostrar que você não precisa necessariamente ser comunista, ou ser de esquerda, ou ter qualquer ideologia, política, qualquer coisa pra se envolver no C.A. (Centro Acadêmico) e querer fazer da sua faculdade uma boa faculdade. Eu estou me envolvendo nisso agora, tipo essas semanas aí. Continuo fazendo aula de música. Ah, eu comecei a fazer aula de piano também porque eu acho que só flauta é muito pouco, eu preciso mais de uma base de harmonia. Piano é um instrumento mais completo do que a flauta. A flauta você só toca uma nota por vez. Piano você toca várias. Mas o meu instrumento mesmo é a flauta, vou aprender o piano só pra ter mais uma base. Talvez eu tenha que parar ou fazer com menos freqüência, porque eu vou fazer as duas faculdades, né? E assim, eu sou uma pessoa que quer fazer tudo, então isso eu tenho que acalmar, organizar-me para o ano que vem, porque vai ser bem complicado conseguir fazer as duas. Eu sei que não vou conseguir fazer as duas bem, mas eu sei que, mesmo que eu saiba, eu vou tentar. E aí isso vai me deixar muito estressada. Mas tudo bem, se for coisa que eu gosto de fazer. Meu irmão vai fazer mestrado fora, eu vou morrer de saudade dele, mas por outro lado ele vai estar fora, ele está querendo ir pra Nova York. Isso também vai ser bom pra mim, posso ir lá visitá-lo, ir lá visitar a CNN, qualquer coisa assim. Lá tem um curso de jornalismo também, que é um dos mais conceituados no mundo, o da Columbia. Tem um amigo meu do Santa inclusive que tá fazendo Economia em Columbia. Também posso pensar em alguma coisa nesse sentido assim. Eu tenho muita vontade de ir pra fora, mas eu não queria ir para os Estados Unidos, eu preferia ir para a França, ou para a Inglaterra assim. É um pouco mais complicado. Mas eu vou tentar ir atrás disso. Meu sonho era, tipo, trabalhar no Le Monde Diplomatique, mas eu também não sei falar francês, então eu preciso aprender antes. Ou na BBC também, na BBC serve. Eu já sei falar inglês. Eu queria viajar pelo mundo sendo jornalista. Eu amo, amo, amo viajar. Eu acabei, pelo Santa, indo pro Peru, eu já tinha ido antes, então já fui duas vezes pra Machu Picchu. Nossa. Eu fui uma vez, achei maravilhoso, incrível e lindo. Fui de novo, achei maravilhoso, incrível, lindo de novo. Iria de novo. Eu adoro ir pros lugares e sentar na rua e ficar olhando, vendo como que as pessoas andam, o que elas estão fazendo. Se elas estão falando sozinhas, o que elas estão falando sozinhas. Se elas estão ouvindo música, que livro elas estão lendo. Eu adoro ficar percebendo as pessoas. Eu acho que você fazer isso em outros países é uma vivência incrível. Eu acho que isso tem muito da coisa de jornalista, de parar e observar e perceber algumas coisas. Perceber uma boa pauta num lugar onde as pessoas normais, porque nós não somos normais, não perceberiam. Eu quero fazer muita coisa ainda, estou tentando pouco a pouco, porque também eu sou muito ansiosa, eu quero fazer tudo de uma vez, mas estou tentando ir caminhando. Eu acho que a PlayPen me deu... Pra todas essas coisas que eu tenho vontade de fazer hoje eu vejo uma sementinha assim lá atrás. Quando eu tive aquela aula, quando eu fiz aquele trabalho, quando aquele professor me disse aquilo. Sei lá, eu acho que depois disso eu fui só desenvolvendo, inventando coisa pra acrescentar.
P - Eu queria que você falasse quais foram os maiores aprendizados de vida que você obteve estudando, passando esse tempo todo na PlayPen.
R - Na vida toda?
P - É.
R - Não só na PlayPen?
P - Não. Na PlayPen.
R - Ah, na PlayPen. Teve uma coisa que eu me esqueci de falar que foi muito importante também, que aí no Santa foi de novo. A gente fez um estudo do meio para o Petar, a gente conheceu o Petar. Mas a gente também foi para um quilombo lá no Vale do Ribeira. Foi o quilombo de Ivaporunduva. Assim, depois quando eu estava no Santa, a gente foi pra lá de novo. Eu não fui pra esse de novo, mas eu conversei com o cara que a gente conversou quando a gente tinha ido na oitava série. Aquilo despertou-me para o Brasil, sabe, eu acho. Eu falei: “Nossa, mas quilombos”. Eu nunca tinha parado pra pensar na existência dos quilombos. Eu acho que a PlayPen me ajudou nisso, em vários momentos, de perceber pessoas diferentes de mim e aceitá-las, querer me relacionar com elas. Essa viagem foi crucial para perceber isso, isso foi aprofundado lá quando eu fui de novo no Santa que a gente passou três dias no quilombo mesmo. Quando a gente foi com a PlayPen a gente só deu uma passada assim, só conheceu. Tanto nesse momento quanto lá, quando a gente foi pra Suíça. Pessoas completamente diferentes, mas que tinham ali alguma coisa em comum, você tinha vontade de trocar alguma coisa com elas. Isso foi um aprendizado bárbaro assim, uma coisa que eu levo muito forte dentro de mim. Eu acho que também tanto em me relacionar com pessoas diferentes de mim, mas me relacionar com semelhantes também. A gente tinha essa coisa tão próxima dos mais velhos com os mais novos quando eu era dos mais novos e, depois, quando eu era dos mais velhos e, também, com todo mundo dentro da escola. E, com todo mundo, perceber dinâmicas, perceber o que aproxima a gente, o que diferencia a gente. Tentar realmente ter um convívio harmonioso com as pessoas que vivem perto de você e que compartilham com você algumas situações. Eu aprendi a olhar com crítica para a Veja, que foi um grande aprendizado e aprendi a olhar com crítica pra realidade que eu estou vivendo, que foi a grande sacada da suspensão. Olhar e falar: “Meu, e aí? Não tá certo. Eu estou sendo injustiçada”. Pode parecer que não é uma injustiça se você for olhar na coisa restrita, mas é. E aí? O que a gente faz? Eu aprendi que mesmo aquelas coisas que são pra ser perfeitas, tipo a direção do seu colégio, não são muitas vezes. E que depende de você para mudar. Essa percepção eu fui adquirindo, em vários momentos dentro da PlayPen. Quando a gente esteve lá no quilombo também. Eu lembro que a gente fez um trabalho de sustentabilidade, a gente tinha que pensar o que era sustentável. Desenvolvimento sustentável era você conseguir manter o tripé que era desenvolvimento ambiental, desenvolvimento humano e desenvolvimento econômico. E aí tava tendo a questão das barragens, que eles iam construir uma barragem lá no rio lá do Vale do Ribeira, Rio Ribeira de Iguape, e ainda está rolando essa história. Eu acho que está rolando. Só que aí eles queriam fazer a barragem e desapropriar todo mundo... para onde iam aquelas pessoas? Mesmo assim, sabe, ia trazer desenvolvimento pra região. Mas ia mesmo? Quem estava envolvido? Era a Vale do Rio Doce, a Companhia Brasileira de Alumínio. Esses caras querem levar desenvolvimento pro Vale do Ribeira? Aí eu comecei a prestar atenção pra essas coisas. Foi aí que eu percebi que as duas coisas existem. Aí que eu fui perceber. Eu acho que foi isso. A PlayPen começou a me despertar pra algumas coisas. Só começou também, porque depois que começou foi indo. Não parou mais. Eu acho que eu comecei a me perceber no mundo e perceber como que eu estava, qual que era o meu papel, que posição eu representava. Até brinquei que foi o nosso professor que ensinou pra gente o que é a burguesia, o que é o proletariado. Mas foi bem assim, antes eu não sabia o que era desigualdade social. Não sabia. Foi aí que eu fui perceber que eu fui lá conhecer o quilombo e eu vi que a galera, pô, não tinha nada do que eu tinha. E aí? É isso? É assim que tem que ser? Eu acho que eu não tive a clareza de sacar isso na época, mas hoje em dia eu vejo que se não tivesse sido por essas experiências que eu tive, talvez eu não tivesse desenvolvido essas visões. Não saberia colocar em palavras qual era a crítica que eu tinha que fazer na época. Fui percebendo, fui indo atrás, vasculhando, ouvindo gente falar sobre isso e aí que eu fui entendendo. Não sei se eu falei, mas essa palestra que a gente foi assistir sobre democracia. “O que é democracia?”. E aí foi a primeira vez que eu ouvi alguém falando: “Não, porque o Che Guevara... O Che Guevara...”. Nossa, eles acham o Che Guevara legal? Mas o Che Guevara, ele não é tipo... As pessoas não acham que ele foi um terrorista, sei lá o que as pessoas acham. E aí que eu fui perceber, sabe? O Che Guevara tem as suas coisas boas, tem as suas coisas ruins. Mas me ajudou a começar a ver outras coisas que tinham no mundo. Isso eu acho que foi muito por causa dos meus professores. Se não tivesse sido eles... Eu acho que tive muita sorte porque eu caí na hora certa na PlayPen, porque depois todos eles saíram. Os professores que eu falei, a Maria Laura, o Rafael, a Lídia, o Beto, eles me deram um chão pra o que eu vinha a desenvolver depois. Gostei muito de estudar lá. Na época eu até tinha assim, fazia cara feia pra lá: “Porque a comida é horrível. É muito chato. Não acontece nada”. Mas hoje eu vejo que não era nada disso. Até pelo fato de a gente não ter precisado fazer cursinho para passar no Santa. Pô, quer dizer que o nosso colégio era bom. Nosso professor de matemática era bom porque a gente passou.
P - E agora, Giulia, só pra gente encerrar, eu queria saber o que você acha da PlayPen comemorar os 30 anos por meio desse projeto de memória que envolve toda a comunidade da escola, os alunos, professores, funcionários.
R - Ah, eu acho isso muito legal. Eu acho isso essencial. Eu acho que todo mundo devia fazer isso. Eu achei a iniciativa de vocês muito bacana também, inclusive, do que deu pra perceber assim. A ideia de construir isso aqui eu achei muito legal. Mas enfim, não sobre isso que eu tenho que falar. Eu acho que faz parte, eles viveram esses 30 anos, eu acho que resgatar o que foram esses 30 anos para se projetar no futuro é essencial. Eu acho que tem muita coisa que existia no passado que não existe hoje e eles deviam repensar, deviam ouvir depoimentos de pessoas que falam isso. Assim: encarar isso como crítica construtiva porque eu acho que eles não podem virar uma escola voltada simplesmente para o mercado. Não acho que seja, longe disso. Mas acho que às vezes tem algumas atitudes que são. Não é isso que é o mais importante, o mais importante é você preservar essa proximidade, esse contato com as pessoas lá dentro. Pô, esta crescendo, mas que continuasse sendo uma escola pequena, sabe? Eu acho que dava... Mais pessoas também devem ter falado isso, eu tenho certeza, de que antes podia ter os seus problemas mas era tudo mais familiar... Eu acho que isso é uma coisa que poderia tentar ser resgatada. E é isso. Eu acho que qualquer balanço tem que ser olhado com crítica. Não adianta quem vier aqui falar, falar só: “Ah, as coisas boas. Foi maravilhoso e tal”. Foi maravilhoso, mas tiveram umas coisas que foram uma merda também. Faz parte olhar pra isso e enxergar isso... Eu espero que esse trabalho não sirva pra eles só como recordações boas ou tipo: “Olha como a nossa escola é incrível”. Mas que façam eles repensarem também o papel deles na formação desses alunos que estão agora e dos alunos que já saíram, dos alunos que estão por aí, que estão fazendo milhões de coisas. Sei lá quem é que tá, por onde que estão os alunos. Eu nem sei. Isso é muito importante, tem que ser um exercício de autocrítica, mais do que só relembrar as coisas boas do passado. Também relembrar as coisas boas do passado porque é muito bom, foram coisas muito boas nesses anos todos.
P - Giulia, o que você achou de ter participado da entrevista, ter vindo aqui no Museu?
R - Eu me senti muito importante. Eu nunca achei que o meu depoimento valesse tanto assim. Bom, agora eu estou pensando em várias coisas que eu não tinha lembrado. Eu fiquei ontem pensando: “O que eu vou falar?”. Eu pensei algumas coisas que foram importantes, mas aqui, na conversa, eu fui me lembrando de várias, como da camiseta das olimpíadas. Pô, eu não me lembrava disso. Eu acho também que é um momento de autorreflexão e autocrítica pra mim. Essa coisa de que muito do que eu sou hoje dependeu das coisas que eu vivi lá. Eu acho que eu só tive esse pensamento agora, ontem, hoje que eu fui realmente refletir sobre isso e que eu percebi. Eu achei bom. É bom recordar o passado. Não só recordar, para recordar, mas para você pensar o que fez de você o que você é hoje. Eu gostei.
P - Tem mais alguma coisa que você queria falar que a gente não tenha perguntado?
R - Não. Acho que é isso.
P - Em nome do Museu da Pessoa e da PlayPen a gente agradece de novo você ter vindo até aqui. Foi ótimo.Recolher