Projeto Medley
Realização Museu da Pessoa
Depoimento de Valerie Engelsberg Bekhor
Entrevistada por
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
Revisado por: Lara Eloiza Dan Della Mura.
Título: A Arte de Ser Mulher.
Minibio: Valerie Engelsberg Bekhor nasceu em 1969 nos Estados Unidos, mais precisamente em Saint Louis, Missuri. Mas veio para o Brasil com cinco anos de idade, assim, Valerie possui um vasto repertório social e linguístico, pois suas experiências vai desde de conviver com os avós na Argentina a morar durante ano em Israel. Ela é formada em arquitetura, um curso que a permitiu liberar o seu lado artístico desenvolvido durante sua infância e adolescência.
Sinopse: Valerie Bekhor é uma mulher com vasta experiência e tem muitas histórias para contar. Nessa entrevista ela fala de sua infância e adolescência coberta pela turbulência de viver em duas realidades distintas: a do Brasil e a dos Estados Unidos. Ela nos conta como é difícil envelhecer carregando a difícil tarefa de ser mãe; esposa; amiga, enfim mulher.
Tags: Mulher e Saúde, Colégio Israelita, História das Mulheres, Intercâmbio, Estados Unidos, Argentina, Posição da mulher na sociedade.
P/1 – Oi, bom dia!
R – Bom dia!
P/1 – Tudo bem? Você por favor podia começar falando teu nome, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Valerie Engelsberg, Bekhor (de casada). Data de nascimento 18 de maio de 1969. Local, eu nasci nos Estados Unidos, Saint Louis, Missouri.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Mário Engelsberg, e minha mãe – olha, eu já to chorando! (choro / risos) – é Tereza Whitstock Engelsberg.
P/1 – E qual que é a origem da tua família?
R – Então, meus avós são poloneses, né. Meus pais são argentinos, os dois nascidos lá em Buenos Aires. Parte de mãe, minha bisavó, minha avó era mais argentina, e acho que meu avô Mesoarábia, alguma coisa assim. Da parte de pai da Polônia, vieram antes da guerra.
P/1 – Eles vieram pro Brasil antes da guerra...
R – É, não, não vieram pro Brasil, né, vieram pra Argentina. Meu avô veio primeiro, depois veio minha avó. Casaram já no porto, e tal, e aí meu pai nasceu em Buenos Aires depois, mas eles vieram um pouco antes da guerra. Quando já tava a coisa ficando complicada lá eles vieram.
P/1 – E qual que era a atividade dos teus pais?
R – Bom, meu pai é físico, né, ele se formou na Universidade de Ciências Exatas lá em Buenos Aires, e aí quando ele se formou ele começou a ser professor assistente, tal, mas aí começou a ditadura, iam fechar lá as universidades, já se sentia que vinha um caminho de fechamento da Universidade, aí ele conseguiu a bolsa pra fazer doutorado nos Estados Unidos (choro), e foi aí que eu nasci (risos). Porque ele conseguiu muito rápido, eu acho que a minha mãe já tava grávida da minha irmã. Isso foi em 66? É. Acho que ele foi tipo julho de 66, e minha irmã nasceu em dezembro, então minha mãe já foi no limite que já não podia mais viajar. Então ele foi, não falava uma palavra de inglês, conseguiu e foi fazer doutorado lá. Minha mãe é fonoaudióloga, e começou a clinicar um pouco lá mas, depois que ela foi pros Estados Unidos, foi mãe, né, cuidar das crianças, e tal. Também... magina, pra ela nunca tinha saído do país, não falava inglês, e os dois irem pra lá. Então foi isso. Isso foi em 66, e eles moraram quase dez anos lá, até vir pro Brasil. Então de 66 à 74, na verdade oito anos eles moraram nos Estados Unidos. Minha irmã nasceu, eu nasci, meu pai fez o doutorado, em Saint Louis (como chamava... Washington University), depois ele foi fazer o pós doutorado na Pensilvânia, então a gente morou na Pensilvânia também. Aí, quando ele terminou o doutorado, o pós-doutorado, ele tinha que trabalhar, então ele recebeu algumas ofertas. Uma era pra ir pra Alemanha, que era uma empresa que depois talvez abriria na Argentina. Então ele iria trabalhar mais no mundo comercial, mais empresarial, ele não tinha vontade de trabalhar pra uma empresa alemã ou ir pra Alemanha. Eu não lembro se era pra ir para Alemanha, talvez era para ir pra Alemanha, mas ele não tinha vontade de ir para Alemanha, né, com todo histórico. Outra opção era ficar nos Estados Unidos, e sabia que ia ser muito puxado – meu pai brinca que ele nunca gostou muito de trabalhar (risos) – então ele viu que ia ser pesado. E a opção era vir pro Brasil, porque ele também queria ficar na América Latina, queria ficar perto da família, porque pra Argentina não dava pra voltar (choro), por causa da ditadura. E aí ele aceitou, ele recebeu um exemplar de uma revista chamada Physics Today, e nessa revista dizia “Procura-se professores para fundar departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco”. Ou seja, se a revista não tivesse chegado, talvez a minha vida teria sido totalmente outra, né (risos). É engraçado, se não tivesse lido aquela matéria. E aí ele aplicou. Não sabia o que era Recife, não tinha ideia do que era – como jovem, 30 e pouquíssimos anos – ele aplicou, e foi aceito. Porque era pra fundar, era um desafio, né, pra quem era jovem era um baita desafio, dizer “puta, você vai fundar uma universidade”, ele tinha vocação acadêmica, não comercial, não pra trabalhar como empresa, e ele foi. Ele passou pelo processo. Não teve visita prévia, não tinha Google pra saber como é que era, nada. Alguém vendeu o peixe, falou “é maravilhoso, você vai morar na frente da praia, você vai estar na América Latina”. Brasil tem sempre aquele imaginário que é um lugar legal pra morar, e aí em 74 - quatro de outubro de 74, a data a gente comemora todo ano, a gente lembra todo ano – a gente veio pra Recife. Meu pai não tinha ideia de pra onde ele tava indo. É quase como hoje você levar sua família pra morar num pequeno vilarejo no meio da África, que você não tem ideia do que é. Porque era assim, você morou na Argentina a vida toda, que era um país super europeu, desenvolvido, e tal. Aí você morou nos Estados Unidos, oito anos, e aí você chega em Recife, que naquela época o aeroporto era um toldo, e as ruas eram de barro em muitos lugares. E isso era uma coisa muito inédita, ele nunca tinha ido para um lugar que uma rua não era asfaltada. E você lembra, em Recife você podia encontrar uma vaca andando na rua, você podia encontrar um porco no lixo. Eu lembro, eu tenho essas lembranças de infância. Era normal isso. Você tinha um terreno baldio, tinha uns porcos comendo, tinha vacas, e isso era muito fora do padrão. Tanto é que eu lembro disso muito marcado na minha vida porque não era algo comum, né, e aí a gente foi morar lá no Transatlântico, na Avenida Boa Viagem, na frente da praia, a promessa era a frente da praia, e de fato era na frente da praia. Mas foi um choque pra eles.
P/1 – E você acha que não foi uma decisão certa, você repensa como seria isso?
R – Não, eu não tenho como... eu era uma criança, né. Eu era uma criança.
P/1 – Vendo hoje, assim.
R – Ah, vendo hoje eu acho que ele teve a condição de ter um padrão de vida como professor universitário, que talvez ele não teria nem se ele tivesse morado em São Paulo, né, porque o custo de vida em São Paulo é muito mais alto, na Europa, ou na Argentina. Ele teve um padrão bom pra quilo que ele era apaixonado por fazer, né. Quer dizer, eu acreditava que ele era apaixonado. Talvez era por pura conveniência, né, mas eu acho que ele não mediu o que era esse movimento. Eu acho que se ele, hoje, como a gente é, que temos dados pra tomar decisão, talvez ele não tivesse feito essa decisão. Vendo assim “nossa, olha Recife como que é, olha essa cidade que eu to levando a minha família, versus ficar nos Estados Unidos”. Então acho que foi uma ingenuidade por falta de informação, e ele pensou nele também, né, quer dizer, era o desafio profissional dele. Talvez era mais fácil. Era perto da família, quer dizer... Mas eu tenho a lembrança, a gente até recentemente falou disso, dessa cena deles deprimidos na cama chorando pelo que eles tinham feito, entendeu (choro). Isso aparece pra mim, minha irmã lembra disso, porque eu tinha cinco anos, mas eu lembro disso. Depois ele foi se acostumando, e a vida toda foi assim “um dia você vai sair daqui, quando você crescer você vai sair daqui”, né. Então teve esse estimulo de que “esse lugar não é seu lugar. Eu vou ficar aqui, mas você tem a liberdade de sair, entendeu?”. Então acho que eu cresci muito sem raízes no geral, porque eu não tinha família lá. A gente via que todo mundo tinha parente, imagina, Recife é uma cidade super das pessoas terem famílias, famílias grandes, independente da comunidade judaica, né, tudo era muito enraizado, né, gerações. Não tinha esse costume, esse lado cosmopolita. Talvez São Paulo teria mais identidade por ter muita gente de fora. A gente era muito estranho no ninho naquela época, que era muito inusitado, né, então eu cresci muito assim, sendo a... meu nome, meu nome diz isso, né, quando eu to em Recife meu nome é fora do padrão, você visse isso, né, já te coloca num lugar que “você não é daqui”. Em São Paulo isso é mais comum, né. Então acho que isso é uma marca, assim, de não ser do lugar, mas eu tenho uma marca de ter sido muito global, antes da globalização ser uma palavra, né. Quer dizer, eu com 12 anos de idade, eu já tinha nascido em outro lugar, morado no Brasil, ido pra Argentina várias vezes, eu já tinha ido pra Europa, já tava morando nos Estados Unidos de novo, porque com 12 a gente voltou pra lá pra morar um ano, né. Meu pai tinha essa coisa do ano sabático de trabalho, de voltar. Então eu acho que eu fui uma criança sempre muito privilegiada porque eu tinha uma visão de mundo, uma amplitude cultural, e não era rica, né, quer dizer, antigamente pra você viajar e conhecer o mundo você tinha que ter muito dinheiro, fora do padrão. Então assim, com 12 anos eu falava três línguas, fluentes, né. Eu tinha um conhecimento do que era morar fora em outro país, né, então eu tinha uma mente acho que muito aberta, muito aquém e isso também dava dificuldade de se adaptar. Então minha irmã, por exemplo, tinha muita dificuldade de se adaptar, com colega, com amigos, porque a gente tinha uma outra mentalidade do que era a mentalidade tipicamente pernambucana, de raiz, de muitos anos de tradição do lugar, né. Hoje é comum, né, hoje um jovem já viajou o mundo, quem tem recurso, né, já morou fora, fez intercambio... Mas era muito inusitado, era muito diferente.
P/1 – E você tem lembranças de quando você morou nos Estados Unidos?
R – Tenho poucas, né, eu não sei se confunde com fotos, coisas que eu vi. Eu lembro da casa, eu lembro da casa, eu lembro do prédio, lembro da...
P/1 – Fala um pouquinho disso, de como era sua casa...
R – Aonde eu nasci eu não lembro nada. Eu lembro mais os últimos dois anos, que era em Psvr*, assim, a gente tinha uma piscina, a alegria quando a piscina abria no verão, essa sensação de que o verão tava vindo. A gente ia num shopping que eu adorava esse shopping... Agora, não sei se eu confundo porque quando eu tive 12, a gente voltou a morar lá, e foi pro mesmo prédio, então assim, tem uma confusão talvez do que eu lembro do que era naquela idade e com meu retorno, né. Mas também eu lembro, quando eu retornei com 12, eu lembrava de coisas quando eu era criança, então tem algumas lembranças lá, né. Mas era assim, sempre a nossa vida sempre foi nós quatro, né, nunca teve família estendida, ampliada, junto (choro), então eu não tenho essa lembrança. Quer dizer, eu tinha lembrança de ir pra Argentina quando a gente podia ir, então assim, isso era muito legal.
P/1 – E de amigos, seja no Jardim da Infância que você estudou lá, ou depois...
R – Meus pais tinham muitos amigos na universidade, que era aquela fase, muito professor de fora, gente de fora, o mundo deles era esse. Assim, então tinham crianças pequenas, vizinhos, era tudo esse tipo de amizade, né, que era comum, eles se identificavam com isso. Tanto que no Brasil quando eles vieram era um baque achar pessoas que você pudesse conectar, tanto que os amigos deles eram sempre argentinos que... ou pessoal da universidade (professores, né, que eram maioria brasileiros), ou as amizades dos meus pais eram sempre argentinos que vieram morar em Recife, que em sua maioria vieram por Universidade, então eram matemáticos, químicos, gentes que vinham, e tinham um viés universitário, e eram os amigos dos meus pais, assim, né, e a gente era amigos dos filhos, e marcava e saía e tal. As pessoas já foram embora, era muito cíclico, né, gente que vinha, que ia, né, tal. Mas, assim, nosso universo era o mundo dos acadêmicos, né, esse sempre foi...
P/1 – Da escola você não lembra lá?
R – Lá não, eu era muito pequenininha.
P/1 – Então você veio pro Brasil com cinco anos?
R – Com cinco anos, isso. Minha irmã tinha mais esse vínculo porque ela já tinha sete, oito. Então assim, pra ela o choque foi maior. Se ela contar a história dela, ela tem essa marca mais presente.
P/1 – E como foi essa chegada pra você? No Brasil, em Recife, que que é que você lembra?
R – Olha, minha irmã lembra do trajeto. A gente lembra do dia, da gente brincar “ah, hoje é quatro de outubro”, sabe, quando fez quarenta anos, agora vai fazer 44 anos. E aí um dia desses minha irmã escreveu o trajeto “a gente chegou, pá pá pá, pegou um carro que foi nos buscar, e pegamos a rua tal, que era...”, então assim, pra ela, ela tem esse dia muito presente na vida dela. Eu não tenho. Eu tenho a lembrança do aeroporto, o menino que vendia bolinhas, assim tipo, coloridas na mão, sabe, um menino de rua, era muito simples, muito pobre, muito diferente do que era minha vida, assim, então assim, eu tenho alguns relances. Mas eu lembro desse momento, de estar na frente da praia... Eu tinha um problema de pele nos Estados Unidos, minha mãe dizia, por causa do frio, eu passava bastante creme, tal, e quando eu cheguei no Brasil eu me curei disso, que era o calor, o sol, né, essa coisa de Recife, né. Então pra mim tinha essa coisa da maravilha de estar na frente do mar, né. Tinha maravilha, mas não ta tão claro assim, eu gostava mas eu sabia que em casa não se estava feliz com tudo isso, né. Então era frente à praia mesmo. Eu era muito pequena, né, cinco anos tá tudo bom. Aos cinco...
P/1 – E quais são suas lembranças da escola, como foi entrar na escola?
R – Já no Brasil, né?! Então, minha irmã começou a ir pra escola americana e eu não fui. Acho que ela fez um ano, eu ainda pequenininha não fui. Aí depois, eu não lembro com que idade, acho que foi alfabetização... acho que foi alfabetização sim, alfabetização, que eu entrei no colégio israelita Moises Swartz, que você conhece muito bem, e... to tentando lembrar aqui assim esse primeiro momento na escola... eu lembro da professora... era a Edna.
P/1 – Você lembra do primeiro dia de quando você foi pra escola?
R – Não lembro, não lembro. Você lembra?
P/1 – Não, mas eu me lembro de você chegando.
R – É, eu não tenho esse impacto do primeiro dia, né. Não tenho. Eu não lembro se eu já falava bem português, se eu já tinha sido alfabetizada, acho que não... acho que eu não sabia ainda escrever, ler, eu não sei qual era meu nível. Eu preciso perguntar pros meus pais, depois eu pergunto, quanto tempo levou pra eu entrar na escola, porque como a gente chegou em outubro, provavelmente eu comecei a estudar em Fevereiro, minha mãe não ia me deixar um ano em casa. Eu devo ter começado o ano letivo em fevereiro, talvez minha irmã deve ter pego esse período outubro a dezembro na escola americana, que é o ano americano talvez, né. Eu preciso ver com ela se eu comecei realmente em fevereiro, eu nunca peguei esse dado, é importante eu pegar. Então eu não sei quanto eu já falava português, a minha eloquência nesse sentido, mas eu não tenho a lembrança de traumático, entendeu, de que eu não queria ir, isso eu não tenho. Se eu não tenho a lembrança é porque não foi traumático talvez, né, foi razoavelmente suave.
P/1 – E quais são as lembranças no geral da escola, dos professores, você teve algum professor que te marcou?
R – Então, eu tenho pouca lembrança assim, sabe. Eu tenho... acho que eu tenho a lembrança, mais assim, de uma professora ruim, mais ruins as lembranças! Eu acho que naquela época tudo era mais duro, né, então assim, eu não tenho muita lembrança de aula, de atividade, de passeio. Eu acho que tinha os eventos lá do final do ano, que a gente cantava, essa é a parte que eu lembro legal, de dança, que a gente fazia aquelas apresentações de encerramento. Mas eu não tenho uma lembrança “puta, era legal ir pra escola lá”. Quando eu mudei de escola... porque lá eu fiz alfabetização, primeiro e segundo, e era aquele modelo tradicional, porque eu acho que meus pais, também de novo, como eles tinham uma cabeça mais aberta, tinham uma vivência maior, eles queriam que a gente fosse “pruma” escola que tivesse um viés mais criativo, mais multidisciplinar, né, mais o que se prega hoje nas escolas, né, antes era mais aquela coisa bem radical. E eu acho que a gente tinha dificuldade com aprender a língua, né, eu acho que tinha um desafio aí de aprendizado por causa da língua e tal. Então a gente foi para uma outra escola chamada Escola Parque, que tava abrindo aquele ano. E aí sim eu tenho uma lembrança legal, né, de fazer muita aula de teatro, de explorar, de querer estar na escola, de fazer amizades boas, né, de profundas que não se mantém até hoje porque depois eu saí, mas eu acho que tinha esse frescor de ser algo diferente aquela escola. A gente se sentia mais identificada com esse modelo aí, né. Talvez porque a escola judaica era muito um clã onde todo mundo se conhecia, todo mundo era primo, todo mundo vinha de uma história, né, e a gente era muito peixe fora d’água naquele gueto. Então foi importante sair do gueto pra poder se sentir mais parte, e acho que aquela escola como era nova, né, era o primeiro ano que ela abria, então tinha gente de todas as escolas. Então tinha essa diversidade que hoje, né, naquela época essa palavra não se usava, mas era favorável essa diversidade, que na escola israelita era pouco diverso, né, era muito todo mundo se conhecia, os avós se conheciam, os pais se conheciam, e tal. Então teve um impacto positivo que eu desenvolvi esse lado mais teatral, então era muito de... duas vezes eu lembro que eu propunha pros professores “não, não vamos fazer prova, vamo pegar esse assunto e transformar numa peça de teatro”, e a escola era aberta à isso, né. E eu lembro que eu escrevia os roteiros, ensaiava, eu era bem assim de liderar esse processo de escrever e atuar junto, né. Então era muito legal. Fazia peças a tarde, a gente fez Édipo Rei, né, então tinha uma dinâmica muito mais... novas propostas, né. E eu tenho uma lembrança que era uma coisa muito legal, que eu gostava de ir pra escola. E aí isso foi... eu estudei lá até a quinta série. Depois de novo a gente foi morar nos Estados Unidos, que meu pai... esse foi o primeiro ano sabático dele, que já faziam sete anos que a gente tava no Brasil, então ele tinha direito de passar um ano fazendo pesquisa fora, em outra instituição. E aí foi aí que com 11, 12 anos, que eu tava super bem, super adaptada, para, vamos morar um ano na Pensilvânia, em Pittsburgh (choro). Assim, é uma trajetória marcada por essa adaptação, entendeu. Então isso eu lembro também que foi bem marcante. Doze anos, aquela época, morar em outro país, aí eu tenho a lembrança. Quando eu cheguei a gente foi morar na casa de um ex-professor do meu pai, que nos acolheu lá até a gente alugar apartamento, e tal, aí tem que procurar escola, eu era desse tamanhinho, com 12 anos as meninas eram gigantes, peitudas, namoravam, menstruavam, eu ainda brincava de boneca. Então, assim, também foi um ano... foi difícil essa primeira adaptação aí... não falava o inglês porque eu tinha esquecido, depois voltou, mas assim, foi um desafio nessa idade ter que passar por isso, né, e depois me adaptei, gostei, aí voltar. Voltei com 13, voltei pra sétima série, e aí de novo, se adaptar, sentir conectada com os amigos, né.
P/1 – Mas conta um pouquinho desse um ano lá, alguma história mais marcante da tua vida nesses teus 12 anos lá.
R – Foi em 80. 80 e 81. Acho que eu fiz 12 lá. Deixa eu pensar... foi o ano que a gente... meus pais tinham o sonho de ir pra Europa e aí fomos pra Europa, ficamos, sei lá, um mês e meio no verão.
P1 – Você lembra algo específico dessa viagem?
R – Ah, lembro bem dos lugares, tal. Eu lembro assim, que... era a viagem da viagem, que a gente já sabia que tava viajando, mas assim, eu acho que teve um marco assim, de você conhecer novos lugares. A gente não desejava nessa idade viajar, como as crianças desejam hoje, né, era o desejo dos meus pais, e aí a gente foi junto, né. Mas eu acho que eu tenho a lembrança, assim, muito do meu pai contando a história das coisas (choro). Tipo na Itália, contando do Império Romano, então acho que tinha uma coisa... da gente ir pros museus, ver a Monalisa, tinha um lado de ver coisas que eram icônicas, mas eu tenho a lembrança dele contando, do contexto. Essas coisas, entendeu. E eu acho que isso, essa trajetória aí despertou muito essa curiosidade, né, de ver o mundo, de querer conhecer pessoas do mundo todo. Eu acho que eu nunca fiquei um ano, talvez, sem viajar “prum” país fora. Por uma questão assim, ou o trabalho me puxa, eu nunca procurei um trabalho que tenha ligação com fora, mas sempre isso acaba vindo pra mim, né. E eu gosto disso. Acho que esse é um traço aí. Mas acho que é isso, desse ano... eu fiz amizades... no começo foi muito difícil, não tinha amigas, era difícil, aí depois eu me juntei à patotinha das meninas mais popular, que aí foi legal, mas depois não mantive contato assim... Minha irmã teve bastante contato, pra ela foi bem marcante esse ano, tem pessoas que ela vê até hoje, que fala até hoje, que foi da adolescência, né. Eu ainda era muito criança.
P/1 – Aí vocês voltaram pra Recife?
R – Voltamos pra Recife, isso. A gente tinha que... era um ano, tal, e meu pai tinha que retomar o trabalho. Aí voltamos pra Recife, e também eu lembro dessa coisa de adaptar de novo... Eu tenho essa lembrança de ir, tal, voltar, tal, adaptar de novo. Eu mudei muito de escolas, entendeu, muito, sei lá, vai e volta, no total três escolas, né. Então assim, eu tenho essa lembrança de você ter que ser flexível em se adaptar, mas eu lembro um pouco que isso gera uma angústia, né, toda adaptação gera uma angústia. Então eu tenho esse marco dessas angústias, tanto que me deixam assim, né (choro).
P/1 – E você voltou pra que escola?
R – Aí eu voltei pra Escola Parque, que era aquela que eu tava. Mas aí quando eu voltei eu já senti diferente. Minha irmã começou já esse movimento de “esse lugar não me pertence”, queria outro lugar e voltou pro colégio israelita. Então a gente voltou dos Estados Unidos, minha irmã fez um ano, e aí no ano seguinte resolveu ir pro colégio israelita. Que aí, ela adorou, se encontrou, encontrou jovens que tinham a ver com ela, né. E eu fiquei mais um ano, dois, lá na Escola Parque. E também, a gente começou a ver os valores que são diferentes, né, quando era criança, que que tinha lá: tinham os extremos, né, ou os filhos de toda política de esquerda ou os filhos de toda política da direita, mas era muito Pernambuco raiz, aquelas famílias de muitos anos, aquele povo que ou era fazendeiro, ou o cara era exiliado, né. E aí comecei a sentir falta de algo mais judaico, de uma identificação multicultural, coisa que não tinha lá. Tanto que tinha uma menina que vinha da Argentina, morava na Alemanha, na oitava série ela virou minha melhor amiga porque ela tinha esse lado da multiculturalidade, ela era alemã com pai argentino, eles tinham ido morar lá, então assim, teve uma conexão por essa multiculturalidade, né. Então o colégio israelita tinha isso, dessa forma, só que quando a gente era criança, a gente não conseguia beber dessa água, né, quer dizer era mais difícil, era uma escola muito tradicional e isso ainda não era valor pra mim, esse lado mais multicultural. E aí quando eu voltei, aí senti sim, esse lado mais multicultural, mais a cabeça como a nossa, que aí a gente se identificou mais, né. Então quando foi o primeiro colegial, eu voltei pro colégio israelita, e aí foi legal. Eu tenho a sensação que foi uma coisa bem bacana, eu gostei do movimento, não foi sofrido.
P/1 – E como foi na sua adolescência, quando você começou a sair, sem os pais?
R – Bom, você sabe, né (risos). Ah, foi legal, foi quando entrei no movimento juvenil, que aí quando você entra, você entra com tudo, né! Então era muito bom, né, assim. Que que eu posso falar? A gente começava a sair, sei lá, aos quinze, que que a gente fazia sozinho? Ia pra praia. A praia era o grande lugar de liberdade, independência, né. Aí eventualmente a gente ia num barzinho, tinha que dormir na casa de alguém pra voltar, não era algo que se fazia muito, né. A gente fazia festinha, né, um na casa do outro, e tal, mas tinha um movimento juvenil que ocupava muito da nossa vida social também, né, porque ele era sábado, e isso gerava uma saída, alguma coisa, ou então... eu lembro que quando eu entrei eu me engajei bem, né.
P/1 – Conta alguma história do movimento juvenil judaico, alguma história que tenha te marcado.
R – É, então, diferente das minhas amigas, que têm a memória infantil de entrar lá como criança e depois virar monitor, virar parte da estrutura organizacional, né, eu já entrei no staff adulto, né, não tenho a vivência infantil, né. Então foi difícil entender tudo isso, né, toda essa dinâmica, porque você não entra de criança, né. Ah, eu tenho lembrança dessa dedicação, de preparar, eu gostava de preparar as atividades, eu não gostava de ser a monitora que dava o assunto, né, a madre Ha que tinha a responsabilidade de educar, eu não gostava dessa parte. Engraçado, né, porque eu sinto que eu tenho um papel de liderança sobre as pessoas, mas eu não gosto da liderança formal, eu gosto da liderança informal, entendeu. Não gosto de ser chefe, não gosto de dar aula, não gosto de ser a que tá na frente do palco, mas eu naturalmente tenho uma liderança natural sobre as pessoas, mas não gosto do papel, né, isso assim é... sempre faço mas não gosto. Não gosto de dar aula, sempre tive que dar aula, apresentar, não gosto, não é uma coisa que me dá prazer em fazer. Então eu gostava mais do... eu gostava do behind scenes, né, da preparação, da atividade, do uso da criatividade. A gente fazia cartazes, né, pra enfeitar, pra comunicar. Na época a comunicação era via os cartazes, né, e eu sempre pintei, sempre desenhei. Então eu era chamada pra fazer a parte da arte, a campanha publicitária da semana pra anunciar as atividades. Eu lembro que eu fazia bastante os desenhos porque eu desenhava. Hoje meus filhos fazem isso no post lá no Instagram, tudo digital, né. Eu tenho essa lembrança assim de explorar a criatividade. Eu gosto, era uma coisa que me dava prazer, você poder fazer algo criativo. Eu não tinha ideologia. Eu não queria mudar o mundo. Não queria educar, não era isso. Eu gostava de ser criativa, entendeu? Eu acho que a gente podia ser criativo lá.
P/1 – Você lembra um fato específico, assim, de alguma coisa que você fez que envolvesse a criatividade?
R – Ah, acho que fora os cartazes, eu acho que já num momento mais adulta, né, quando eu já tinha voltado de Israel, com 18, que foi a preparação da Messibá, que é a comemoração... acho que aquele ano, sei lá, se era 50 anos de Israel, preciso fazer a conta, da dedicação que eu tive, assim, em preparar todo o roteiro, toda a peça, dirigir, ser o papel principal. Porque eu tinha aquela vantagem, eu fazia tudo e ainda me colocava de papel principal, né, eu acho que era por isso que eu dirigia, porque eu queria ser a principal. E atuar eu gostava, eu não tinha esse receio de como dar uma aula (que eu não gosto) na atuação eu não me sentia assim, eu gostava, de papel principal. Então assim, eu lembro disso assim, com orgulho, porque foi um trabalho difícil, assim, de escrever toda a história, toda a peça. Era um roteiro e tinha várias peças com vários grupos, eu escrevia as peças de cada grupo, e dirigia cada grupo.
P/1 – Qual a peça que você fez e atuou e foi papel principal?
R – Então, a gente contava a história da imigração pro estado de Israel, e eu era um avô contando, pra minha neta e filha de toda essa trajetória, da onde eu saía, onde eu fui, pá pá pá. E aí, tinha as esquetes dos grupos, então a saída da Europa era uma dança. Tinham vários temas: as festividades judaicas, o conflito árabe-israelense. Eram vários momentos que iam entrando e eu fazia essa transição. Eu contava a história e entravam os esquetes, né. Então eu escrevi todo o roteiro, as peças pra tocar vários temas, né, e dirigia todo mundo (risos). E apresentamos, foi super legal. Acho que alguém gravou isso, é uma pena que não sei onde foi parar...
P/1 – Você chegou a pensar em fazer teatro? Como foi a sua decisão profissional?
R – Olha, sempre, até meus 18 anos, eu digo que eu flertava com a arte. Mas eu sempre uso essa frase “eu confiei mais na minha inteligência do que na minha capacidade artística”, foi uma decisão muito racional mesmo. Eu acho que eu tinha, sempre tive, talento artístico. Nunca tive muita motivação em casa, meus pais eram pragmáticos, tipo “vamo precisar pagar a conta, então vamo parar de pintar quadro”. Era uma coisa de “ah, legal, faz um curso de pintura, eu te motivo mas não to querendo dizer que isso é pra ser sua carreira não, tá, é só pra você extravasar sua habilidade”. Então sempre fiz, eu lembro que eu tinha três anos de idade que eu desenhei um cachorro lá, que a professora chamou minha mãe na escola, nos Estados Unidos, pra dizer que era muito fora do padrão, que devia desenvolver e tal. Magina. Parece que o recado não serviu pra nada! Eu sempre pintava, desenhava, quando eu fui pra Recife eu fazia escola de artes, pequena. E eu tava sempre produzindo, tava sempre pintando, produzindo, desenhando, tava sempre criando alguma coisa. Aí aos 15, por aí, 16, eu fiz aula de aquarela, fiz aula pra aprender técnica de fazer rosto, morfologia, tal. E aí eu fiz arquitetura. Eu acho que eu tinha vontade de fazer mais design, publicidade eu gostava, era o que eu pedia na época, que eram cursos muito novos, nem existiam direito, era uma coisa bem sem prestigio ainda, e aí meu pai racionalmente falou “olha, eu sei que você gosta do lado artístico, faz arquitetura que é um curso que tem credibilidade, né, tem um lado mais peso (não to falando pra você fazer engenharia ou medicina ou economia), tem o lado da arte”. Aí eu fiz por essa indicação dele, e no começo eu não gostava. Depois eu gostei. Aprendi a gostar muito. Mas eu abandonei, assim, total ciência de que eu deixei de lado a arte em função de algo mais pragmático, a própria arquitetura, né, leva a isso, mas a arquitetura tinha muito campo pra... você tem grandes músicos e pintores que têm formação de arquitetura, nem por isso, né. Mas acho que a coisa de subsistência, de eu me manter, isso sempre foi muito forte. Eu acho que pra minha geração também é uma coisa fora da curva, assim, que eu acho que a maioria das mulheres não se preocupavam tanto com carreira, ou elas tinham uma vocação muito latente ou elas iam... porque a família dizia “um dia ela vai casar, pra que se preocupar com trabalho”. E isso pra mim foi sempre muito forte, assim, meu pai sempre deixou nas entrelinhas “ó, se vira negão, você vai ter que se manter”. Então assim, teve uma visão mais vanguarda, meu pai nunca me olhou dizendo “não, depois ela vai casar”. Não, sempre teve “você vai ser uma excelente aluna, não pode ser medíocre”, e medíocre é um termo ‘estar na média’, assim, o subliminar é “não faça o mínimo, não seja só pra passar”. Não. Tinha que ser boa, entendeu, até porque ele, se eu vinha com uma nota oito era quase assim “mas porque não dez?”, entendeu, em matemática ou coisas assim. Então ele puxava, eles puxavam, exigiam, assim, ser boa aluna. Eu acho que a gente queria ser porque ele era um cientista, né. Então a gente queria fazer jus ao que ele era. Então nunca fui aluna ruim, nunca ficava em recuperação, entendeu.
P/1 – Voltando um pouco, você se lembra de quando foi a tua primeira menstruação, como foi a descoberta do corpo, da sexualidade?
R – Isso veio até tarde, assim, né, pro padrão... pra hoje nem se fala, imagina na época. Eu acho que foi, eu sempre digo, 15, 16.
P/1 – Se você puder incluir a minha pergunta na sua resposta...
R – Então assim, a questão de quando eu me descobri mulher, a sexualidade, tal. Eu acho que eu sempre fui muito menininha por muito tempo. Como eu falei, eu tinha 12 anos quando eu fui morar nos Estados Unidos, foi um choque, porque lá todas eram super mulheres já, acho que até transavam, já, isso era muito fora do padrão aqui, né. Namoravam, menstruavam, e eu ficava meio lá escondendo o jogo, né, porque eu era muito fora do padrão. E aí quando eu voltei, as minhas amigas no Brasil já tavam desenvolvendo, e eu sempre fiquei mais pra trás, entendeu? Então eu acho que eu menstruei aos 15, 16, né, eu até acho que escondia isso, até tinha vergonha, que era muito tardio, e tal. Não lembro de conversar isso muito com minha mãe, não tinha essa abertura, acho que tinha uma certa ansiedade, ‘por que que não vinha, por que que não vinha pra mim’. E é isso, assim, lembrança desse momento é que eu era mais infantil do que a maioria das pessoas desse lado de mulher, né. Eu me sentia sempre mais menina, né, ainda, quanto a isso. Aí depois veio normal, depois tranquilo, assim.
P/1 – E o primeiro namorado?
R – Primeiro namorado também, acho que tudo eu era mais atrasada, aí veio tudo atrasado pra mim, eu acho. Só não veio atrasada menopausa, né (risos). Eu achando que esse atraso ia me garantir longevidade, não. A verdade é que fui enganada aí nesse pacote. Mas é... eu acho que até isso eu era mais atrasada, porque como veio tudo atrasado, esse interesse, esse apetite, esses hormônios também vieram depois, né, nunca fiz essa reflexão, mas talvez sim. Então eu lembro que... muito novinha, eu lembro que eu gostava de um rapaz e aquela minha amiga alemã, que já era, magina, ela era alemã, já tava cem anos luz de mim, né, e ela era alemã, e usava drogas, e era tudo, né. E a gente gostava do mesmo rapaz, não é que gostava do mesmo rapaz, ela fazia assim e qualquer cara vinha pra ela porque ela era uma mulher, eu era uma criança, né. E foi a primeira vez que eu lembro que eu olhei e falei “claro, né, magina, ela faz tudo com ele, né”. Assim, eu lembro dessa sacada que ela era uma mulher e eu não era, e por isso que o rapaz gostava dela e não de mim. Mas eu gostava dele, eu tinha um gostar dele. Isso na outra escola. Aí no colégio israelita, acho que minha primeira paixãozinha foi o Lula e acho que o primeiro beijo talvez foi o Davi, acho que foi a primeira vez, assim, mas aquilo não virou namoro, não virou nada, foi uma ficada, assim. Eu acho que eu não era wild assim, na parte novinha, eu acho que eu era bem insegura, bem testando, né, até o que, até... assim, não tinha namorado, né, a gente ficava. Não tenho a lembrança de um namorado, meu primeiro namorado. Tenho a lembrança do primeiro beijo, do primeiro que avançou aqui, o primeiro ali, né, é um conjunto de lembrança, mas não tenho uma pessoa que eu diga “ah meu primeiro namorado”, nessa fase, né, mais adolescente. Aí fomos pra Israel, aí teve essa coisa de aos 18, 17, a gente tinha de morar um ano em Israel, né, que aí acho que era um ano de liberdade, a gente tinha muito forte essa vontade de sair de casa, né. Casa era um lugar de que você não podia ser você, você não queria levar os amigos, não queria falar das coisas íntimas, então Israel permitiu, né. Era esse primeiro momento onde você era você, você era mais individual, você podia fazer o que você queria. E aí começamos mais esses namoros, as aventuras, começaram a rolar mais, acho que foi mais nesse ano mesmo, sabe, aos 17. Tarde, mas aos 17.
P/1 – E a primeira transa foi lá?
R – Não. Consegui voltar invicta, né, que era um tabu. Todas lá todo mundo transava em Israel mas eu não tinha transado. Porque era um caso atrás do outro, não era namoro, o que podia ser eu não queria, não aconteceu, né, e tinha um trauma um pouco em relação a isso, né, porque era meio que um... era quase que um estigma, você tinha pra lá e tinha que rolar, mas não rolou. Aí eu voltei pro Brasil, 18 e tal, que foi meu primeiro ano de faculdade, aí depois de novo, com 19, meus pais foram de novo morar nos Estados Unidos, que foi esse segundo momento sabático. Meu pai foi pra Califórnia, eu tinha 18 anos, 19, 19 pra 20. E aí eu fui de novo, eu fui, minha irmã ficou, eu falei “ah, eu vou”, tranquei a faculdade e fui morar um ano na Califórnia, e também achava um saco, era só eu meu pai, minha mãe, não conhecia ninguém, não tinha amizade, eu não dirigia. No começo foi muito difícil, mas eu tinha uma coisa meio “não, vamo lá”, eu podia ter ficado também no Brasil, mas eu quis ir e tal, trabalhei, eu queria juntar dinheiro porque eu queria comprar um carro na volta, então eu tinha essa coisa meio meta, assim, “eu vou juntar X, não gastava, vou voltar, vou comprar meu carro e tal”. E aí eu conheci um cara que foi meu namorado, meu primeiro namorado, vamo dizer assim, que eu posso dizer namorado oficial, o Beto, brasileiro. E aí ele foi meu primeiro namorado mesmo, assim, que eu transei foi com ele. Eu não me lembro o nome dele, até pra olhar no facebook, eu lembro só Beto, não consigo lembrar, eu não anotei, que eu teria curiosidade de... seria fácil de acha-lo, ele morava na Califórnia, era chefe de cozinha, paulista, e foi meu primeiro namorado. E foi já no final da minha viagem. Eu conheci ele em agosto, setembro, e voltei pro Brasil dezembro, janeiro, entendeu?
P/1 – E você tinha quantos anos?
R – Ah, eu tinha 19, né. Não, tinha 20, fiz 20. Eu fui lá com 19 e fiz 20. Tinha 20 anos.
P/1 – E qual a lembrança que você tem, assim, como isso te passa? Foi uma coisa bacana?
R – Foi uma coisa bacana sim, mas sabia que ia acabar, né, teve todo aquela coisa de paixão, que a gente se conheceu num evento, numa festa brasileira, e tal, e ele, sei lá ficou em cima de mim, pegou meu telefone, me chamou pra sair, ele foi insistente, tal. Mas eu sabia que ia acabar. Ele era mais velho que eu, ele era bem mais velho que eu, sei lá, devia ter uns 25 na época. Mas eu sabia que era um amor de verão, né, porque eu já sabia que eu ia voltar. Depois ele me escrevia, eu lembro que ele me ligou uma vez, então tinha essa coisa do drama, do fim. E foi isso. Mas acho que assim, não sei até que ponto foi importante pra passar esse momento, né, bem ou mal foi o primeiro cara mas não por isso que eu falei “vou morar aqui pra sempre, quero ficar aqui nos Estados Unidos”, não teve nada disso, né. Uma fase, mas eu lembro que a gente fazia coisas muito legais, assim, viajava, eu era menor de idade, então não podia ir pra bar, não podia entrar em lugar nenhum. Tenho uma lembrança da gente na ponte, em San Francisco, né, passeando por San Francisco eu e ele. Umas imagens legais, assim, sabe.
P/1 – E me conta uma história do ano em Israel.
R – Tem história... tem história triste, mas não vou contar. Que história? Lembrei da Lorena (choro)... Tinha muitas, né.
P/1 – Uma história que te marcou, engraçada, ou que tenha sido importante na tua vida
R – Ah, tem uma história assim, né que eu lembrei agora. Eu pintava, né, naquela época todo mundo sabia que eu pintava. Eu achava uma porta no chão eu levava pro quarto e fazia uma arte nela, e tal. Meus quartos no Mahal tava cheio de quadro, né, que eu fazia. E eu resolvi vender meus quadros, eu falei “vamo lá na rua central, lá em Jerusalém e vamo fazer um postinho pra vender”. Aí lembro que eu ficava parada, lá, tal, meus quadrinhos. E aí eu lembro que a Lana e a Shirley elas pegavam os quadros e ficavam subindo e descendo a rua ali na Bem Yehuda, sabe? Subia, carregando, tipo fingindo que elas tinham comprado, e ficavam comentando sobre minha arte, entendeu. Então elas faziam a propaganda, o comercial: “olha, essa menina que tá vendendo quadros ali embaixo, maravilhoso...” Era uma imagem engraçada! E eu lembro que eu vendi um quadro, não sei se o cara, era um europeu, se ele gostou de mim, o que foi, mas foi meu único quadro que eu vendi na vida, eu lembro que eu vendi lá. Então foi essa uma história assim, que eu lembro que eu acho engraçada.
P/1 – E você é casada?
R – Sou casada, já há... bom, eu to com o Davi desde 97, moro com ele desde 98, moro com ele há 22 anos, né, e sou casada há 20, nosso casamento oficial. Tenho dois filhos, o Thomas que tem 19 anos que está em Israel agora, fazendo o programa que eu acabei de contar, relatar a história, ele tá fazendo; e a Maya que tem 13.
P/1 – E como você conheceu o teu marido?
R – Eu conheci ele no cinema (risos). Num festival de cinema judaico, que se bobear tem a idade do nosso casamento, né, acho que talvez tivesse sido o primeiro ano lá. E eu sempre gostei de ir no cinema, nunca tive problema de ir no cinema sozinha, tal. E eu lembro que a Pati, né, uma amiga, que eu saía bastante com ela, tal, a gente tinha combinado de ir junto assistir esse filme e ela no dia me deu um cano, falou “ah, não, tenho que estudar, pá pá pá”, eu “puts, a gente tinha combinado, eu queria ir”, ela falou “não, vai”. Eu não teria ido talvez sozinha, e ela falou “não, vai, vai, não deixa de ir, vai que (eu lembro da frase) hoje você vai conhecer seu sapo” (risos/choro). Ela falou, eu fui, conheci. Ou eu tava mais atenta, né, já que ela falou. E aí ela não foi, eu fui. Enquanto eu esperava lá no MIS, tinha uma livrariazinha lá embaixo, tal, aí encontrei a Suzana, que é outra menina de Recife, tal, que eu não a conhecia, eu sabia quem ela era de nome, conhecia o marido dela porque ele era também daquele movimento e eu até pensei “nossa, ela já separou, já ta com outro cara, né”, que ela tava com outra pessoa, eu sabia que ela era casada com o Thomas, né. E eu fui falar com ela. Porque eu tava sozinha e quando a gente ta sozinha a gente as vezes fica mais atento e mais aberto. E aí eu vi que ela tava com o Davi, achei interessante, assim, né, teve um certo objetivo por trás. E aí ela falou “ah, vem, senta com a gente”, apresentou o Davi, falou “o Davi estudou com o Zeca”, que é irmão de uma grande amiga nossa, e foi. Vimos o filme junto, depois a gente foi comer, foi na Casa do Padeiro ali na Faria Lima. E ela tinha um filho pequeno ainda, um ano, então na verdade ela tava indo com o Davi pro cinema porque o Thomas tava com o Felipe em casa, depois eles iam trocar, ela ia voltar pra casa e o Thomas ia com o Davi pra outra sessão. Então na verdade ele tava acompanhando ela porque o filho tava em casa. E aí a gente foi comer, depois ela conta que ela desceu lá pra baixo, foi na Casa do Padeiro, ela teve que ligar pro Thomas, ninguém tinha celular na época, pra avisar “olha, vou demorar mais aqui, tal, segura a onda lá com o bebê, porque ta rolando aqui um clima, eu tenho que ficar”. Então ela meio que... ela sentiu que a gente tava se interessando, tal, então ela esticou a noite pra poder favorecer isso. E aí foi isso, eu lembro que a gente se conheceu, achei ele legal, achei ele interessante, achei que ele tinha uma vida diferente. Ele morava no campo, na fazenda, usava bota, dirigia um caminhão todo sujo, tal, e aí eu lembro que eu dei meu cartão pra ele, porque eu era arquiteta, né, e ele falava que tinha um terreno na praia, aí eu falei “se quiser eventualmente fazer um projeto eu te ajudo”. Fui naquela de “eu te ajudo a fazer o projeto”! E aí foi. Aí depois através de outra amiga que mexeu os pauzinhos, ele me ligou, que se não ele ia levar cinco anos pra usar meu cartão e me ligar, né. Aí teve uma história que no meio do caminho a Diana foi numa festa, eu comentei com a Diana: “Diana, conheci um cara chamado Davi”, ela falou “mas você não tem mais nenhuma informação?”, eu falei “não tenho nenhuma informação”. Que era o facebook da época, a gente ligava pros amigos pra puxar a ficha. No meio daquela semana a Diana foi no aniversário do Jacks Lermer, e o Davi foi com o Thomas e a Suzana, porque ele morava no campo, mas naquela semana ele ficou. Então a gente se conheceu num sábado e durante a semana ele ficou. E a Diana viu a Suzana chegando com ele e lembrou “nossa, a Valerie falou que ele tava com a Suzana”, e era o Davi. Aí a Diana falou “a Valerie gostou dele, lálálá”, e as duas fizeram a costura, e falaram pra ele “olha, liga pra ela, que ela gostou de você” e tal. Ele ligou, acelerou o processo, né, podia ter levado... podia estar até hoje aqui esperando ele me ligar (risos)! Então deu uma aceleradinha no processo. Mas foi engraçado, foram bem encontros casuais mesmo, né, o cinema casual, no meio da semana rolar essa festa, daí ele ir, eu ter falado pra Diana, que falou com a Suzana, então... E aí ele me ligou, a gente foi no cinema, foi legal. Aí eu fiz o teste do filme: eu falei “não dá sair com um cara que quer ver Rambo, aqueles filmes bem comercial”, aí eu falei pra ele “escolhe você, que filme você quer ver?” Porque aí você já tem uma... é o tira-teima, a métrica se a pessoa tem a ver com você ou não, né, porque as vezes você sai e o cara não tem nada a ver com você. Aí acho que a gente foi ver um filme do Beto Brant, uma coisa legal. Então assim, ele tinha um alinhamento em termos de gosto de cinema, isso naquela época eu lembro que era bem importante. Até tem até hoje, difícil a gente não coincidir que que a gente quer ver, né. Uma história legal.
P/1 – E como foi... você morava em Recife. A gente deu um gap nessa parte.
R – É verdade. Que eu vim pra São Paulo. Eu me formei, terminei a faculdade em 94, eu tinha 23 anos, eu quis acelerar, eu lembro que eu queria acabar a faculdade pra vir morar em São Paulo. Isso era um... eu sempre tive planos, né, tava sempre ali já com planos. Meu plano era: queria saí de Recife, queria morar sozinha, mais sair de Recife do que morar sozinha, o desejo era sair de Recife. Eu lembro que a minha turma da faculdade, o povo pedia pra atrasar mais seis meses a entrega do trabalho final e se formar, eu falei “Não. Eu entrego o meu em janeiro”. Colei o grau da faculdade com um monte de gente que tava acumulada anos e anos ali se jubilando, peguei uma turma que tava se formando numa salinha, me formei com eles, que tinha que colar o grau pra me liberar. Não esperei turma coisa nenhuma. Aí depois com uma amiga viajei pela Europa, a gente mochilou aí uns quatro meses. Voltei pra Recife, fiz minha mala e fui morar com você em São Paulo, isso foi em julho de 94, na prévia da final da copa do mundo, cheguei no sábado da copa do mundo de 94, e domingo foi a final que o Brasil ganhou a copa de 94. E aí eu tinha uma amiga, que me cedeu, abriu espaço pra me receber, se não seria difícil sozinha. Já era um desejo que eu queria morar em São Paulo, no meio da faculdade, aí eu ia tentar transferir pra USP, morar no CRUSP, mas era complicado, meu pai não podia me manter, assim, de me bancar. Então ele falou “termina e você vai”. Aí eu terminei e fui, né. Parte daquele dinheiro que eu tinha juntado nos Estados Unidos, tal, ajudou. Eu morava em Recife eu trabalhava, tinha bolsa de iniciação cientifica, tinha um escritório que eu estagiava, fazia um monte de coisa, tinha 4 empregos no meu último ano de faculdade. E aí eu vim pra São Paulo e comecei a procurar trabalho como arquiteta, né. Trabalhei num escritoriozinho de arquitetura um ano e pouco. Depois eu fui morar só, um amigo meu tinha um apartamento, ele era ator, o Dalton, aí ele foi morar no Rio, ele falou “ah, fica aqui no apartamento e paga as contas”. Aí eu fui morar na Praça da Árvore, sozinha, sem carro. Eu lembro que foi bem dramático estar só e longe. Aí morei mais um ano lá, mas aí eu arrumei um trabalho, comecei a ganhar um pouco melhor, que foi um escritório de arquitetura, que me deu um up, eu lembro que foi uma melhorada, aí comprei um carro, meu pai pagou a metade, eu paguei metade, aí já me ajudou. Porque aquela época mobilidade era complexa em São Paulo, você tinha que ter carro, contrário de hoje, que você não precisa ter carro, não quer, lá você precisava ter. E aí depois eu fui morar com a Caterine, né, que foi a última casa que eu morei antes de me casar, de morar com o Davi, acho que morei uns dois, três anos com ela, na Vila, e foi uma época muito boa, assim. Foi legal. E também aquilo, eu comecei a ganhar melhor, e tal, e aí eu acho que desse último trabalho como arquiteta foi aí que eu migrei “prum” lado mais comercial e abri mão, vamo dizer assim, da arquitetura, em função de ter uma vida melhor, mesmo, foi uma... acho que eu sempre tenho uma coisa de escolhas racionais pra viver melhor, né. Sei que eu abro mão de certas coisas que eu gosto, porque eu sou pragmática, e quero viver melhor.
P/1 – E como isso acontece na tua vida de saúde, de prevenção? Você também é pragmática?
R – Sou pragmática sim. Eu acho que eu sou bem pragmática. Assim, sempre eu acho que... se você parar pra pensar, também trabalho muito assim com pesquisa, e vejo assim, sempre existe um trigger, né, uma porta que te leva pra esse lugar, né. Eu acho que eu sempre fui baixinha, e as pessoas que são baixinhas sempre têm a preocupação com o peso, por uma questão estética. Então tão sempre fazendo dieta, sempre sofrendo com a balança. Tem gente que até os vinte e poucos anos nunca soube o que é se privar de comer alguma coisa, e isso sempre tava em mim desde os meus 15 anos, desde que eu menstruei eu acho que... eu vejo a minha filha também um pouco nesse caminho, de se preocupar com o eu come, pesa, porque aumenta o peso, não quer ficar gorda, então, isso é algo que te leva ao longo da vida, né, você ter privações pra manter o peso. Então tanto é que se eu pegar uma calça de quando eu tinha 15 anos, provavelmente entre, né. Eu acho que eu sempre tive o mesmo peso, um quilo a mais, um quilo a menos por causa dessa... mas também tem um pragmatismo envolvido nisso, né, você ta sempre na disciplina, tal. Então acho que isso sempre me acompanhou. E aí teve um ponto mais meu assim, que eu acho que quando eu... eu sempre fumei, fumei até antes de ter filho, meu marido falou “ó, se você não parar de fumar não vai ter filho, comigo”, então eu lembro que em 99 eu parei de fumar. Não é que eu era uma pessoa preventiva, saudável, eu era magra, queria ficar magra, esse era o ponto. Nunca fiz atividade física, detestava, não era atlética, na escola sempre era péssima nos esportes. Meu negócio era arte, ou usar a cabeça. Então assim, até 38 anos de idade, eu não acho que eu era uma pessoa que tinha uma preocupação de saúde, a não ser manter o peso, que já é muita coisa, né, uma pessoa que consegue manter o peso provavelmente também evita muitas doenças, colesterol alto, então não é uma coisa pequena, ela te ajuda lá na frente, com certeza, hoje. Mas aos 38, eu lembro que depois que eu tive a Maya, teve um momento muito icônico na minha vida, que eu acho que isso acontece com todo mundo, essa virada, né, a mulher quando vai chegando nos 40 (e eu to fazendo uma pesquisa sobre isso), também comprovei isso, aos 45, por aí, é um momento de virada. Cai a ficha pra mulher que ela ta envelhecendo. Isso cai. Pra mim caiu aos 38, eu lembro que eu estava agachada – eu tinha tido uma filha há seis meses, tal – e pra me levantar de me agachar de pegar uma coisa, eu precisei segurar numa cadeira, eu não tinha força na perna pra me levantar. E aí me caiu uma ficha, eu falei “eu preciso fazer alguma coisa, eu tenho 38 anos e estou precisando de apoio pra me levantar”. Então assim, acho que todo mundo passa por um momento de lucidez, e aí eu comecei fazer pilates, que eu não gostava de atividade física, foi aí que eu entrei no “pô, preciso fortalecer, não é só ficar magra pelo magra”, né. Então comecei a fazer pilates, e não virei um yoga freak, né, que tem aí os desesperados, pilates, yoga, nada disso, então comecei com fortalecer abdome, pá pá pá. E aí, acho que aos 41, 42, eu comecei a sentir o climatério, que eu acho que é um outro grande evento feminino que te coloca a saúde na tua frente. Como eu falei, eu comecei a menstruar tarde e comecei a menopausa cedo, por um lado talvez me deu mais cedo essa clarividência que muita gente talvez não tenha, então vamos olhar pelo lado positivo, né. Então, comecei a ter os calores, então fui no médico, naquela época era um homem ginecologista, ele falava “ah, é assim, começa a rarear os óvulos”, e era tipo “viva com isso”, e eu lembro que a taxa baixava depois subia, e aí melhorava. Uma vez por ano eu tinha um mês que eu tinha os calores, papapa, era tipo um processo, parece que dava uma renovada no útero. O médico me explicou que é quase uma garagem, né, aí ele vai no fundo da garagem “vê se tem mais um ali escondidinho, puxa ele pra cá, traz pra frente”, aí regula. Então assim, era o negócio de tocar todo óvulo aí mas o negócio já ta chegando no final. Então eu já tinha esse entendimento aos quarenta e poucos anos. Até que, depois eu morei nos Estados Unidos de novo, eu fui um ano sabático com a família, há cinco anos atrás, aí comecei a andar muito de bicicleta, lá era meu meio de transporte, então comecei a melhorar minha resistência aeróbica, que até então eu só fazia pilates, achava que eu era uma atleta porque eu fazia pilates duas vezes por semana. E aí entrou a bicicleta na minha vida, eu vi que melhorou, sei lá, dor de joelho, comecei a ser mais... assim, eu não gosto de atividade física, eu faço por obrigação, me faz bem, mas eu acho que a bicicleta é uma maneira de ser o meu meio de mobilidade, então pra que que eu vou gastar um taxi... “vai de bicicleta”. Eu aprendi a bicicleta ser o meu meio de transporte vi que eu tinha resistência pra isso. Aí quando eu voltei dos Estados Unidos, aí que a menopausa me pegou, forte. Eu tinha 45 talvez, e aí foi um conjunto: parei de dormir bem, tinha muita suadeira noturna, muito mal humor, meio que depressãozinha, eu tava sem trabalhar na época, então era um conjunto, porque eu voltei dos Estados Unidos, então assim, foi um momento bem dramático. E aí que começou um caminho de “tá, o que que é pra fazer?” Aí eu fui na minha médica, então ela começou a regularizar essa questão do meu sono, começar a fazer uma reposição antes de chegar no estrogênio, então... assim, dormir é sagrado, então eu tenho que descobrir tudo que eu posso fazer pra dormir, pra dormir bem, né. Então foi aí que acho nessa época eu comecei mais essa coisa de prevenção, você faz uma reposição hormonal, você tem que estar em dia com todos os exames, não pode deixar passar o prazo. Então você fica mais atento ao corpo, porque esse desequilíbrio hormonal pode acontecer a qualquer hora, eu to num desequilíbrio hormonal. Então assim, é terrível, e como que eu faço pra voltar a ter esse equilíbrio, né. Então acho que a menopausa é um tema pouco falado mas ele é muito impactante, e eu defino que é o momento da verdade pra mulher, é assim “eu to numa fase da minha vida onde finalmente meus filhos estão grandes e eu posso olhar pra mim, e a mulher se depara que nesse momento que ela olha pra ela, a saúde começa a deteriorar. Porque quando ela tem filho pequeno, ela não olha pra ela, ela não olha pros sinais do corpo, ela pode estar acima do peso, pode estar largada, não ta cuidando de si, né, então existe uma coincidência onde ela tá pra ela e ela vê que não é mais a mesma, aí ela tem que mudar. Então acho que eu já tive isso, e eu vejo que as mulheres, que eu faço pesquisa, é um insight que rola entre as mulheres. Agora eu sempre fui muito vaidosa, e eu sempre tive problema de pele, sou muito branca, então eu já também ia pro dermatologista cedo, porque eu tinha que cortar uma coisa aqui, tirar uma bola ali, então assim, isso te leva “prum” caminho mais preventivo. Então comecei a ir pra dermato, fazer lasers pra diminuir essa coisa de ter as feridas e evitar o ato cirúrgico, né. Então eu tenho a consciência de que não tem milagre, né, você tem que se cuidar, tem que comer bem, tem que ir no médico, não é só fazer plástica e não se cuidar. Então eu tenho certas regras, eu não vou resolver a estética enquanto eu não to bem nos meus exames de sangue, né, o dentista. Então assim, a estética pela estética é a cereja do bolo, mas tem que fazer tudo antes, tem as obrigações do antes, tem que estar em dia com a mamografia, estar em dia com a colonoscopia, papa Nicolau, né. Esse ano foi um ano que eu fiz muito exame, aproveitei que... pra muitos que ninguém saiu de casa, esse ano da pandemia que tinha menos fila, a mobilidade tava mais fácil, tava bem no começo menos trabalho, eu fiz muita coisa. Fiz ressonâncias que eu nunca tinha feito no coração, porque eu tava sentindo mais taquicardias, né, eu sinto alguma coisa e vou lá investigar, não ignoro, e tal. Minha avó tinha Alzheimer, minha mãe ta num processo também de um pouco de deteriorização, então eu já me preocupei esse ano, falei “eu vou no neurologista”, fiz uma ressonância de cabeça, pensando o lá na frente, né. Da mesma maneira de quando eu tinha 18, 20 eu falei “eu vou fazer tal coisa porque eu preciso me sustentar lá na frente”, de decisões profissionais pra viver bem economicamente, também tenho decisões agora pragmáticas pra viver bem na velhice. Não tem milagre, é obrigado, tem que fazer atividade física, tem que cuidar do peso, tem que comer bem, né, se não não chega lá, ou vai dar trabalho pros outros. Então não fui inconsequente, né, talvez a menopausa me ajudou a cuidar mais de mim. E meu marido é assim, né, meu marido é super também de se cuidar, então não é uma coisa só minha, né, o Davi nada todo dia, faz yoga todo dia, dorme bem, ele tem essa pegada também. Acaba influenciando os filhos, né, Maya também faz atividade física, tem a preocupação. Então acho que a cultura do mundo tá um pouco assim, né. Mas eu acho que tem um momento que você tem essa virada, né. Acho que tem gente que já cresce com isso, porque os pais são assim, porque adora esporte, porque é atleta, nunca foi meu caso. Foi uma virada por enxergar que a coisa tava pegando.
P/1 – E você toma alguma coisa, faz reposição hormonal, como que é isso?
R – Faço reposição e o to nesse momento de acertar de novo a mão, porque reposição é acertar a mão. Então acho que quando eu comecei, melhorou muito, equilibrei, e sei lá, do começo da pandemia, até antes da pandemia começou a alterar de novo. Que que é o termômetro, pra mim é o sono. Sono pra mim é sagrado, define meu humor, define minha capacidade de memória no dia seguinte, e quando me abala o sono eu tenho que achar um equilíbrio. Por isso assim, eu sou muito preocupada, eu não quero trabalhar até tarde a noite porque abala meu sono, não vou tomar um café até meio dia porque eu sei que abala meu sono, então também tem coisas que como você sabe, você tem que ser muito disciplinado pra garantir, né. Por exemplo, ontem à noite eu tava exausta porque eu não tinha dormido bem nos últimos dois dias, eu tive que tomar um remédio pra dormir, porque eu precisava sentir que realmente eu tive uma noite de sono, né. Então o sono pra mim é algo que... e eu preciso dormir não é que eu preciso dormir quatro horas, né, tem gente que fala “não, com quatro...”, eu preciso dormir oito. Então pra isso também eu sou disciplinada, então eu voltei a dormir cedo, dez e meia, onze, pra se eu tiver que acordar cinco ou quatro, três porque eu não dormi bem, pelo menos eu dormi melhor no começo da noite, né. Então eu to nesse momento de achar esse equilíbrio de novo, mas não ta fácil, eu troquei a medicação, to com outro hormônio, e to sentindo muitos sintomas físicos e de humor, não ta bom.
P/1 – E que sintomas são esses?
R – Ah, assim, imagina você ter uma TPM que não acaba nunca, e que não tem data pra acabar (risos). Eu acho que eu descrevo dessa maneira, que aquela sensação de TPM que você começa a sentir, que eu nem lembro mais qual é, porque eu já usei DIU dez, quinze anos, nem lembro mais o que é TPM. Mas aquela coisa do mal humor, sem energia, cólica, dor na mama, uma série de coisas é o que eu to sentindo agora, diariamente, e não tem uma previsão pra acabar, entendeu. Então é isso que com a minha médica a gente tá testando, ver o que faz pra melhorar. Pra mim o mais marcante é a baixa de energia, quase uma depressão, tipo ontem de manhã não queria sair da cama, isso é muito fora do meu padrão assim, eu sou uma pessoa enérgica. Eu tenho mal humor, tudo bem, é um traço meu, mas não ter vontade não é um traço meu pras coisas. E eu vejo que é muito essa questão hormonal.
P/1 – Como é com os médicos? Você ia pra um, depois ia pra outro? Como é sua relação nesse momento de menopausa com os médicos?
R – Pra ter filho eu tive um médico, que era o médico que eu ía, que sempre gostei muito dele, devo até muito a ele, porque eu tive um aborto, ele foi muito bacana comigo e tudo mais. Mas quando começou a ter os problemas de menopausa, eu senti que ele não sabia o que era “pruma” mulher viver isso, pra mim foi muito claro, entendeu. Ele tratou como uma coisa pragmática de uma patologia, e acho que só uma mulher pra saber o que é ser uma mulher que ainda se sente jovem, que ainda tá super ativa, e tá começando a viver os sintomas da menopausa. E foi aí que, até você, né, me recomendou a dra. Ana Paula. E foi ótimo, porque ela além de ficar conversando, explicando, usando as referências, os repertórios de outras mulheres que passam por isso, que é até uma menopausa precoce, que agora eu já me considero, vamo dizer assim, antiga de menopausa. Mas se você pensar há cinco anos atrás, com 45, era muito precoce, tem mulher tendo filho aos 45. Então ela foi muito empática nesse sentido, de entender o momento, entender o que eu quero, me ajudar no sono. Então assim, no começo ela ficava uma hora comigo, mais de uma hora, era muito mais uma terapia do que algo de medir sintomas ou medir sangue ou exames, né, então acho que é um assunto que se fala pouco, né, óbvio que hoje você começa a pesquisar e aparece tudo no seu Instagram, no seu facebook sobre esse assunto, né, mas eu não acho que eu fui preparada pra chegar nesse lugar, entendeu...
P/1 – Como seria uma preparação? O que seria uma preparação?
R – Eu acho que uma preparação é desde muito nova mesmo, entendeu? Eu não sei o quanto muda para uma mulher que não tá, vamos dizer assim, magra, não tá bem de saúde, porque a menopausa é uma roleta, né, tem gente que não sente absolutamente nada, eu então talvez não se fala porque é muito individual, né. Talvez ter mais... você estar sabendo melhor que isso é um ciclo que vem na sua vida e você tenha mais aceitação. Eu acho que é mesmo sobre mudar o teu padrão de vida e mais sobre aceitar de uma maneira positiva. Porque eu lembro que quando começou, 43, a ter os calores, eu fiquei muito impactada com... “pô, mas como assim? Já foi... cabou pra mim?” Era tipo fim de jogo, né. Então a gente tinha uma mentalidade que a menopausa era fim de jogo, cabou, encerrou, pega tua malinha, tua malinha escrito “mulher” e vai lá pro banco de reserva (risos). Então eu acho que tem uma conotação ainda muito negativa, né, de fim de... que você sexualmente fica menos desejada, que você tem menos libído, né, acontece, mas... hoje eu não tenho mais essa visão, mas acho que no começo eu tinha uma visão muito “tá, acabou minha carreira de mulher”, né. Porque quando você era mais nova e ouvia, era uma coisa de velhinha, né, então acho que é um tabu que tem que ser tão natural quanto quando você menstrua, né.
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P/1 – Você pensou “acabou a minha carreira como mulher”, e hoje como você vê isso?
R – Agora não, agora eu vejo assim... até porque eu tinha muito medo, que tinha muito a coisa do “ladeira abaixo” que se falava, “ai, você vai ver tua pele como vai ficar, você vai ver... nossa...”, é ladeira abaixo, porque é, né, o estrogênio é o elixir da mulher. Você tira isso de uma hora pra outra, é um impacto pro corpo, né, então eu tinha medo disso. E talvez a reposição segurou, segure, tal, mas eu tinha essa coisa do bicho de sete cabeças, né, que é “pega a tua malinha porque agora é ladeira abaixo”, né. E talvez olhando agora eu não vejo que seja tanto assim, né. Por exemplo, hoje eu tenho uma resistência física que eu acho que é muito melhor de quando eu tinha 20 anos. Tava pensando, final de semana passado eu subi uma montanha que talvez com uns 20, fumando, eu não teria conseguido subir, né, então você vai pensando “será que é o fim mesmo?”, né. Agora, tem esse equilíbrio do humor, do sono, tal, que é um chegar lá pra estabilizar, eu não cheguei. Eu gostaria muito de me libertar desses sintomas, e você não sabe muito quando vai acabar, esse que é o ponto.
P/1 – Ele passa?
R – Dizem, né, mas... eu posso morrer até chegar lá, né, porque assim... quem pode ficar sem dormir? Então assim, por isso eu escolhi fazer a reposição, porque... tem essa coisa do câncer do medo, tá, “então eu vou me prevenir pra não morrer de câncer mas eu vou me matar antes disso”, porque quem aguenta... ou vou matar alguém e vou pra cadeia por ter matado alguém... quem aguenta não dormir? Quem aguenta ficar mal-humorada, né, com essa angústia, com essa raiva? Então assim, a reposição pra mim é a maneira que você tem pra fazer esse equilíbrio, né, e não acredito muito em chazinho não, não funciona. Eu acho que tem que repor mesmo. Agora talvez isso me provoque alguma coisa lá na frente, e eu vou fazer os exames, eu vou monitorar pra não ter isso, né.
P/1 – E fora isso você toma outras coisas? Colágeno?
R – Tomo colágeno. Sei lá se funciona, não funciona, ainda não percebi. Mas aí tem vitaminas junto, então... tomo colágeno e tento me alimentar bem, tento tomar água. Assim, alimentar já não é mais uma coisa que eu tenho que pensar, já é meio natural, né, como salada todo dia, tem uma fruta todo dia, um grão, não comer fritura, tomo uma tacinha de vinho todo dia que pra mim é sagrado. Então eu sei que sempre se pode fazer mais, né, então hoje você lê, se começa a ler, pesquisar e olhar é infinito o que você pode fazer. Mas eu acho que eu to bem com o que eu faço, assim. Faço atividade física quatro vezes por semana, duas durante a semana no mínimo e final de semana sempre faço, porque eu vejo como me faz bem, então já não é mais a estética. Até abri mão mais dessa coisa do peso, hoje eu to mais flexível, né, antes eu me pesava todo dia, todo dia eu subia na balança e se tivesse um quilo a mais, “vamo baixar esse quilo de algum jeito”, né. Hoje eu não subo mais, porque eu já sei que não vou mais ter os 54,5 que eu devia ter, “ah, to com 55,5, 56”, até porque se eu emagrecer muito a cara fica mais chupada, né. Então assim, é tipo “podemo ficar assim?” então vamo ficar assim que tá bom, né. Congelar. O que a gente quer acho que com o tempo é congelar o que a gente tá hoje, porque a gente sabe que não vai voltar. Talvez eu não consiga voltar, talvez eu não consiga não ter mais as rugas, não consiga mais ter o peso, mas se puder manter, aí tá bom. O objetivo é mais manter do que voltar, né.
P/1 – E da saúde mental, como você cuida dela?
R – Saúde mental... primeiro é trabalhando, né, acho que pra mim se eu não fizer nada me angustia, e não é nada assim de... parece que, assim, eu preciso acordar de manhã com esse censo que eu preciso entregar, completar, fazer alguma coisa; isso aí sempre tive isso. To me cansando, um pouco, disso, mas eu acho que a saúde mental pra mim, e meus trabalhos sempre tiveram a ver com o uso do intelecto, né, entregar conteúdo, produzir conteúdo pra alguma coisa, então eu sinto isso, que usar a cabeça me ajuda, eu tenho que estar atualizada, eu trabalho com jovens, então também você tem que estar antenada com o que os jovens tão pensando. Eu já tenho uma clareza de que esse espírito do tempo não é o meu tempo, né, sabe, quando você olha pra sociedade, sabe que os seus valores não é o espírito do tempo; você olha, você aceita, você se adapta pra ficar, permanecer como alguém relevante nesse mundo, mas não são mais os seus, né, então é uma clareza que não é... porque é a geração que determina a sociedade é a turma que tá com 25, 30 anos hoje, não é a sua.
P/1 – Que valores são esses tão diferentes?
R – Não sei, esses valores do... de feminismo, de meio ambiente, a gente não cresceu com isso, né, a gente sabe que isso é importante, mas eu vejo como pra uma pessoa de vinte e poucos anos isso tá no cerne das decisões dele, né. Não tá no cerne das minhas decisões, eu me adapto, porque eu sei que é importante, né. Então tem coisas que você olha como expectadora, né. A vontade de ter um propósito na vida, né, que tudo que você faz tem que ser relevante, tem que ser impactante, isso não é parte da minha geração, que eu sinto, né. Mas eu vejo como pros jovens isso é a razão de ser, né. A relação com o que é ter filho, o casamento, são vários outros desejos de vida que a gente se adapta, a gente olha, não dá pra criticar, é o espírito do tempo, é o mundo de hoje. E eu gosto de estar antenada com isso, entendeu, eu acho que ter uma saúde psíquica de saber olhar, ser crítica sobre você mesmo, saber quais são suas limitações. Esse ano eu voltei a fazer terapia, que eu acho que é legal, ter uma visão crítica sobre você, pra não enlouquecer, né, pra você não ficar querendo mudar o mundo, você não querer que as pessoas sejam que nem você, né. Então assim, não entrar nesse viés porque o mundo mudou muito. Eu acho que eu já olho um pouco prum mundo que não é do pequeno lar, da minha casa, eu tento olhar com um olhar mais de “opa, são outros valores, é outro momento (até pra educar meus filhos, né?), mas eu quero, pra minha saúde mental é bem importante. Eu quero chegar aos 80 como meu pai, que sabe, eu converso com ele parece um cara de 40 anos, assim, super antenado, senso de humor, lê todos os livros, sabe de tudo, é... de que você tem prazer de conversar. Eu quero que aos 80 tenham prazer de conversar comigo, e que não sejam só minhas amigas (risos)! Que sejam meus filhos, meus netos. Que eu tenha algo a dizer que seja interessante pra ouvir. Eu não tenho essa certeza, mas eu gostaria.
P/1 – Tem alguma história que você... eu abordaria outras histórias, tá, mas eu sei que você tá com seu tempo aí. É, por exemplo, uma coisa que eu acho que seria importante contar seria a história do aborto, do que aconteceu, mas não sei como que tá teu tempo aí.
R – É, também não sei se eu quero deixar tudo registrado (risos). Até porque se, eventualmente, isso aqui vira um... algo que eu possa compartilhar com minha família e tal. Não sei. Mas foi um acontecimento que eu acho que o maior aprendizado... que é um pouco o que a gente tem, que a gente tem controle. Quando a gente não tem plano de saúde a gente acha que tem controle sobre tudo na vida, né. E eu acho eu esse assunto, eu descobri que... até porque, assim, eu sempre fui muito sortuda, né, nunca tive problema de saúde, nunca perdi ninguém da minha família, até então, próxima, por uma questão de saúde (fora a Lorena, quando eu era muito nova e tal), eu não tenho nenhuma saga familiar de problema de saúde que te dá um insight “puxa, eu tenho que ser diferente, puxa, como é importante ter saúde, saúde é tudo”, não tenho. Eu acho que quando foi o episódio do aborto foi um chamado pra dizer “a gente não tem controle”, né, de como você quer encaixar uma gravidez, “quero ficar gravida agora, porque eu depois eu quero fazer tal coisa, é o momento certo”, né, então é um olhar dizer “não, não sou eu que determino quando eu vou ter um filho ou não vou ter um filho”. E até minha segunda filha demorou pra eu ficar grávida, tive que tomar até remédio pra estimular, e tudo mais, eu até empatizo, né, essas mulheres que querem engravidar e não conseguem é um sofrimento terrível, né. Graças a Deus eu tive dois filhos, né. Mas assim, é uma angústia, porque você quer ter e você não tem controle sobre isso, você não determina, né. Então acho que foi um pouco essa primeira... – eu tinha 36 – de que você não manda na sua saúde, no seu corpo, né, você não manda, você não determina.
P/1 – Você podia contar em poucas palavras como que foi, como aconteceu?
R – Ah, eu tinha programado meu segundo filho, tal, que eu queria ter, a gente queria ter, demorou até pra engravidar, e a gente descobriu que tava com síndrome de down, e aí depois rolou um aborto, e foi uma grande frustração, porque eu achei que... né, eu queria tanto ficar grávida, então tava perfeito, nossa, demorou, demorou, tentamos. Porque o primeiro filho foi assim, primeira vez já fiquei. O segundo demorou, quer dizer, já mostrou como aos 35,36 a minha queda de fertilidade foi, né, foi o primeiro ‘ladeira abaixo’ aí que eu encontrei, porque quando eu tinha 30 foi a coisa mais fácil do mundo. Então foi um fato que me surpreendeu muito. Fiquei grávida, e aí com quatro meses quase, rolou o aborto, e tal, então foi uma grande sensação de que “puxa, não tenho controle sobre a vida, não tenho controle de tudo que eu quero, não tenho controle”. Então, aí eu comecei a tentar engravidar, demorava, demorava, não tava rolando, isso me dava angústia, achava que eu não ia conseguir ter outro filho, né, e quando eu tive o aborto por causa dessa questão, foi a primeira vez que eu percebi que eu não tenho controle sobre a minha vida, eu nem pensei no corpo, né, não sou eu que defino quando eu vou ter filho, não é assim, você encaixa ali porque você quer mudar de trabalho, tãnãnã, assim... foi um aprendizado mesmo. Aí depois tentei de novo, engravidei e tive. Mas eu acho que foi a primeira vez que eu tive essa... eu sou muito mimada no sentido de que tudo que eu queria fazer eu fui lá e fui fazendo, as coisas foram acontecendo de acordo com o meu desejo, o meu desenho, né. E eu acho que não ter conseguido engravidar saiu fora do script do meu desenho. Hoje eu sou mais flexível, né um pouco mais, de ter mais noção sobre isso, mas naquela época foi bem marcante isso, né, de não conseguir engravidar e tal. Que mais? Às vezes a gente tem a sensação “puxa, será que... (essa coisa da saúde, né) será que vai aparecer algum problema de saúde, que você procura tanto?” (choro)... Eu tinha essa questão com a gravidez, né, eu tinha tanto trauma, tanto medo de ter um filho com problema, antes de ter filho, era uma coisa que eu tinha, tanto que era óbvio que eu ia fazer os exames preventivos, os marcadores, e aí aconteceu. Então tem esse lado da prevenção, né, se você previne e procura, as vezes você acha.
P/1 – Você falou que você foi no neurologista, quais foram as orientações?
R – Não, nenhuma, ela falou “olha, pelo que tem aqui nos exames, você não vai ter, não vai ter nada”, assim, “não tem nenhum sinal que hoje você possa mapear alguma coisa, ta dentro do que é esperado, e tal”. Ela falou que a única forma de você prevenir ou garantir uma saúde mental favorável, a única coisa estudada até hoje e comprovada, é atividade física aeróbica meia hora por dia. Então assim, se eu já incorporei a atividade física, agora com esse dado é que eu não largo mão mesmo, né. Então isso é um dado...
P/1 – Você podia voltar só um pouquinho falando da tua decisão de ir buscar, né, e hoje, com 51 anos, um neurologista, um geriatra, o que seja, como que é isso?
R – O que me fez procurar uma investigação mais neurológica, né, que é um sintoma mais silencioso, é muito preventivo, né, você querer catar, pra ver se você tem potencial de ter Alzheimer aos 50 anos, né, por que ]é que alguém faz isso, né. Uma coisa é você ver se você tá bem no fígado, né, fazer ultrassom, que a gente faz anualmente, né. Eu to pesquisando fora da curva padrão de prevenção pra minha idade. Eu acho que outra questão que é muito latente e eu vi isso na pesquisa que eu recentemente fiz com mulheres, é que “ela tá numa idade que os pais dela estão vivos e velhos”, né, então como você tem como olhar o filme pra gente, olhando “pô, ele tá super bem, porque ele teve a vida A, B, C; o outro tá super mal porque ele fez a vida A, B, C”. Então você tem o fio, você tá no estágio que você olha pra você, não é mais seus filhos, o seu marido, você tem a condição de olhar pra você e você tem dois filmes na sua frente pra você analisar. Então eu tenho o filme do meu pai – que eu acho que é o meu modelo que eu gostaria de ser – e eu também tenho o filme da minha mãe, tem um lado genético da minha avó, que tem Alzheimer, e ela tem 80 anos e nos últimos dois anos tem tido uma pena muito grande de esquecimento, dessa questão mental, ela ta tomando um remédio que ajuda um pouco a desacelerar um possível Alzheimer (que eles não falam que é Alzheimer mas pode chegar a ser). Então isso há um ano atrás me caiu um pouco essa ficha, né, eu falo assim: fisicamente eu sou mais perto da minha mãe, né, geneticamente falando. Minha mãe nunca teve nenhum outro problema de saúde, nenhum câncer, nunca se operou, nenhum problema de nada, mas isso ta vindo, né. E aí me faz olhar e dizer “opa, se eu pareço tanto com ela, minha avó teve isso, também pareço com a minha avó, é o caminho. Então eu queria saber se tem alguma coisa que eu posso fazer. Foi um pouco por aí, assim, que era uma meta pra esse ano, e não tem muito o que fazer, ela falou “olha, você pode fazer os marcadores genéticos pra você descobrir se você tem um percentual”, mas aí ela veio falar “se você descobrir que você tem, que que você vai fazer com isso se não tem cura? Você vai fazer o que? Você vai ficar sofrendo até esse dia eventualmente chegar?” Então ela não é a favor, eu achei que foi legal, ela disse assim “olha, faça atividade física, continue o que você tá fazendo, venha a cada três anos”. Ela nem queria que eu fizesse os exames, eu que quis fazer a ressonância, fazer todos os exames. E, aí ela falou assim “o que você tem...” Que eu sinto que eu tenho uma perda de memória. Eu tinha uma memória excepcional, eu sinto que eu to perdendo memória, eu esqueço nomes, assim, tem hora que me fogem as palavras, e eu fiquei com medo achando que isso já é uma questão de uma doença, né. E ela falou assim “o que você tem é que seu cérebro agora é um cérebro de menopausa de uma mulher de 50 anos”, a melhor definição dela é que agora aos 50 “seu cérebro virou um cérebro masculino, onde você tem que fazer uma coisa de cada vez, já não dá mais pra fazer três, quatro coisas ao mesmo tempo, tem que escolher o que é mais importante, focar quando você tá fazendo alguma coisa”. Então ela me deixou mais tranquila no saber que, bom, essa é uma realidade que a mulher passa, que todas passamos, e que tem que saber lidar com isso, e que não é doença, né. Que é uma coisa que a gente também não sabe, né, não sabe o quanto a menopausa de fato nos afeta, né, quase que um sinal de dizer “desacelera e aproveita mais sua vida, não dá mais pra você fazer o que você fazia”. E eu acho que eu sinto isso assim, desacelerar um pouco, ter que me concentrar, enfim. Então assim, resumindo, acho que as minhas atitudes são puramente... não tem um histórico familiar fora esse, assim, da minha avó, minha mãe, que me faz pensar assim, de que motivar a dizer “não, eu vou ser saudável, vou fazer atividade porque fulano teve infarte aos 40, fulano morreu de câncer”, eu não tenho isso na minha... né, “uma irmã que ficou doente”, eu não tenho isso na minha trajetória não. Então é natural mesmo. Saber se organizar, ser planejada, aí também facilita ter disciplina, né, as pessoas que são assim, favorece, vamo dizer assim, né.
P/1 – Tem alguma história que você não contou ou da sua infância ou da adolescência, enfim, uma história da vida assim, que seja importante, que você queira falar?
R – Ah, são tantas, né. Tem algum ângulo mais específico, assim, mais?
P/1 – Não, alguma vivência importante... assim, que é um marco na sua vida.
R – Ah, não sei, não. Alguma que sobressaia assim... Eu acho que essa vinda pro Brasil ela me define, né. Essa história... porque ela me define. Alguém vê meu nome, me pergunta “mas de onde você é?”, né. E eu não tenho um lugar pra dizer “ah, eu sou de não sei da onde... eu cresci em Recife” / “mas esse teu nome da onde é?” / “é que eu nasci nos Estados Unidos”/ “ah, é mesmo, mas o que, seus pais são americanos?” / “não, na verdade meus pais são argentinos”. Então assim, essa trajetória de tantos lugares, de tantas proveniências, ela define quem eu sou, né. Acho que tá no meu nome, e toda vez que eu tenho que contar a minha história, ela vem por aí, né. A primeira história que vem na minha vida, ela já vem com nome, porque puxa esse tema. Da onde é esse... “é Valery ou e Valéria ou é Valerie?”. Primeira coisa “ah, porque não é Valerie, não é francês?” / “não, não é francês, é inglês”, entendeu, sempre isso eu acho que permeia minha história, né, a maneira que eu conto a minha história acaba sempre sendo pelo nome. O nome é sua marca, né, trabalho com isso. O nome diz muito, né, “da onde vem esse nome”, e tal. Acho que meu nome tem uma marca de uma coisa mais diferente, mais individual que puxa, sei lá, se eu me chamasse Ana talvez essas histórias não iam vim de cara, né. Mas ela vem, porque quando você põe o nome assim isso já brota junto. Então eu acho que isso define muito quem eu sou. Foi curioso, um dia desse eu fui entrevistar uma mulher, de um trabalho, e ela começou a contar a história dela que era exatamente como a minha: o pai era uruguaio, aí eles foram morar nos Estados Unidos porque ele foi fazer doutorado, em 73 vieram pro Brasil. E a gente foi falando, eu falei “gente, eu nunca conheci alguém com uma história de vida tão parecida”, e ela ficou encantada também. Porque ela também sente a mesma coisa, que a vida dela sempre é a partir dessa história, né... porque a gente conta muito a história dos nossos avós, né, “meu pai...”, as vezes não é com a gente, né, da nossa geração. E comigo é comigo, entendeu, essa história de ir e vir ela vem desde os meus avós mas ela chega até a minha pessoa, né. É diferente uma história “o meu pai veio daqui, minha mãe veio daqui”, ela chega até a minha pessoa. Até porque eu tenho esse censo de não pertencer a um lugar. Então isso é muito... de ter um lado positivo e tem um lado negativo, né, você não ter uma raiz, um “voltar pra casa”, né, qual é o teu lugar, né. Porque são tantos lugares. Eu vou pra Argentina, e agora eu não posso viajar, eu cito saudade de ir pra Argentina, né, é um lugar que eu também me sinto em casa, ou eu penso nos Estados Unidos, ou né... então assim, você tem várias referências. Eu acho que isso é a primeira história. Se alguém me perguntar assim “me fale de você” ela começa por aí, que não é pontual, ela é a tua raiz, entendeu. Nenhuma outra história supera esse fato, vamo dizer assim, em termos de marca.
P/1 – E o que você acha desse projeto das mulheres contarem suas memórias nesse projeto de saúde da mulher?
R – Eu acho legal ouvir o resultado disso, né. Assim, a minha história eu conheço, não acho que ela tão relevante pra contribuir na vida do outro, eu acho que o que é relevante é o coletivo, né. Então se a minha história, parecida de outras três, como quando eu falo quando eu chego numa pesquisa e vejo como alguma coisa é comum que transforma, eu acho que isso que é legal, né, vê o pattern, né, o padrão que é comum que possa ajudar as mulheres, quer dizer, sei lá, no meu caso, que três ou quatro mulheres tiveram uma menopausa cedo, sentiram as mesmas coisas, viveram as mesmas coisas, como que as nossas três histórias podem ajudar alguém que ainda tem 30 anos, né. Até eu quando eu convivo com as meninas mais novas no escritório e via uma reclamando que ta com TPM, eu sempre falei “olha, guarde isso: você jamais critique a sua TPM, certo, porque o estrogênio é o seu elixir, então não me fale mal dele, certo, e lembre-se que eu to te falando isso”. Então assim, eu convivendo com meninas mais jovens, eu já trago um tema pra ela que talvez ela não seria exposta. Então faz ela pensar “puxa, não, então, né... qual é o papel do estrogênio mesmo na minha vida, né, o que que vai acontecer depois que eu não to sabendo, né”. Então eu acho que tem esse papel de conscientizar, conscientizar e aproveitar melhor esse momento, né. Talvez a mulher aos 36, 40, ta achando que vai engravidar fácil aos 42, e não vai, né. Então eu acho que tem um lado de conscientização, que isso uma hora acaba, né, começa um novo ciclo, né, que não é mais “vou embora com minha malinha de mulher”, é um novo ciclo, então acho que isso ajudaria as mais jovens e ajuda quem ta vivendo nesse momento agora. Por exemplo, eu tenho uma amiga que tá vivendo mais isso e a gente troca e tal. Então acho que tem que ter uma troca maior nas pessoas que tão vivendo isso, né, pra se ajudarem. Então acho que esse que tem o papel, né. E é o momento da mulher cuidar de si, né, ela ficou muito tempo cuidar dos filhos, ela não pensa nela, quando ela tem os filhos, primeiro são os filhos, então acho que, que que significa pensar nela agora, né, que vai além de se manter bem, e bela, e jovem. Porque acho que o primeiro driver é isso, a sociedade demanda que ela fique bonita e jovem, se não ela é carta fora do baralho. Isso é o espírito do tempo atual, daqui 20 anos a maior parcela da população do Brasil vai ser de 50 anos de idade, pra você ver a pirâmide etária em 2050, o grosso vai tá lá em cima. Vai mudar o que é valor, né. O que é valor é o cabelo branco, vai mudar, vai ser interessante poder ver isso, né, quer dizer, eu já tenho essa clareza hoje: “como que vai ser daqui 30 anos?”, vai mudar. Mas à nossa geração ainda é demandado a jovialidade, a beleza, né. E isso é o desafio que a mulher vai ter que lidar, porque ela vai perdendo a beleza. E eu sofro com isso. O meu sofrimento hoje como mulher é isso, né, como que eu vou ficar? Como que eu faço pra ficar feliz com o que eu sou e como eu to? E que isso vai mudar, não vai se manter, né. Você vê as campanhas (eu trabalho com isso) eu vejo uma campanha da lata do colágeno que eu recebo no Instagram, é a mulher de vinte e poucos anos tomando colágeno, sabe, pra que? Não é essa mulher... a mulher jovem, linda, não é pra ela. É pra mim. Eu sou muito cricri porque eu trabalho com isso. Mas é a demonstração clara de que tudo é feito pra você parecer ter 30 anos de idade. Tudo é feito, né, então como é que a gente lida com isso? Tem gente que lida bem, tem gente que liga o foda-se, que aí já é o outro extremo, né, não quero ligar o foda-se em ‘baranga, não to nem aí, levantar a bandeira do ser gorda, velha e barangada’. Não é isso, entendeu, acho que isso é um papel importante no trabalho da saúde feminina é a aceitação da mulher com esse momento (choro), porque é difícil, é bem difícil. Que não é uma saúde “não vou ter câncer, não vou ter problema”, não, é uma saúde do equilíbrio do estar bem como você é fisicamente, por dentro e por fora, né. Esse é o recado.
P/1 – E como foi pra você contar a sua história aqui hoje?
R – Ah, foi legal. Consegui abstrair do tempo. Me emocionei, então já é um sinal que eu gostei. Eu acho que você conhece muito dela então talvez não é tão interessante quanto se fosse uma pessoa desconhecida, acho que a gente... parece que eu to contando coisas que você já sabe, eu até te pergunto, tem um monte de coisa que você não sabia, né?! Então fica um pouco do você sabe que você sabe, né, então acho que tem um glamour do interesse mútuo quando você não conhece a outra pessoa, né. Talvez eu teria sido mais profunda ou mais conhecida se você não me conhecesse, né. Mas é legal. Acho legal ter esse registro, né, pra futuros, pros meus filhos verem.
P/1 – E quais são seus sonhos?
R – Meu sonho é dormir (risos). Literalmente, meu sonho é poder sonhar na cama minhas oito horas por dia. Não, brincadeira! A gente brinca, mas sem isso você não faz nada. Então volta-se ao tema de realmente saúde é tudo, né, se você não pode dormir uma noite bem dormida não adianta fazer muitos planos. Então assim, acho que meu sonho... eu to passando por essa reflexão assim, to cansada (choro), to cansada, trabalhando muito, to pensando aí qual o próximo ciclo que se abre. Acho que há um ano atrás não vinha isso na minha cabeça, eu tava muito feliz onde eu tava, não abria... “não, é isso que eu quero, eu quero trabalhar com isso até a última gota”, na minha cabeça... Agora eu já olho diferente, assim, quero despertar minha curiosidade pra coisas novas, acho que eu deixei a curiosidade de lado, me abrir mais, olhar pro lado, e tal. To um pouco cansada desse ritmo. São Paulo não te permite um ritmo intermediário, ou você ta dentro ou você ta fora, e aí... to cansada, to cansada. Esse dentro é muito intenso, é o tempo todo, aí eu sinto que eu vou dormir pensando no que eu tenho que fazer, tipo essas duas horas que eu to aqui eu sei que alguma hora eu vou ter que catar essas horas durante a semana, porque eu tenho X entregas essa semana e eu preciso fazer. Então, não sei, esse ritmo um pouco... cansa, cansa. E é uma demanda mental muito grande, não é só física. Às vezes até acho que eu queria fazer algo mais físico, tipo, puxa, sabe que eu acho que eu queria trabalhar numa cozinha, ser chefe, assistente de cozinha, porque é só físico, sabe, ficar cortando, misturando, físico e criativo, né, mas é mais físico. Acho que eu to cansada, exaurida um pouco assim desse mental, mental, mental, sempre ter que ficar sendo inteligente, pra todo mundo, porque é o trabalho, “to te pagando por isso”, né, então to um pouco cansada mesmo. Mas se eu puder dormir, já ta bom (risos).
FIM DA ENTREVISTA
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