Projeto Conte sua História
Depoimento de Leonardo Ferreira de Oliveira
Entrevistado por Júlio Mesquita, Teresa de Carvalho Magalhães e Leonardo Souza
São Paulo, 27 de setembro de 2019
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número PCSH_HV841
Transcrito por Teresa de Carvalho Magalhães
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 - Então, a gente começa perguntando seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R- Meu nome é Leonardo Ferreira de Oliveira, eu nasci em São Paulo mesmo, Hospital das Clínicas, dia 19 de outubro de 1998.
P/1 - Onde você mora?
R - Eu atualmente eu moro em Pinheiros mesmo, aqui do lado da Faria Lima.
P/1 - Onde você foi criado?
R - Eu fui criado no Taboão da Serra, no Parque Pinheiros, CSU.
P/1 - E qual o nome dos seus pais, o que eles fazem ou faziam?
R - Meu pai é Alberto Ferreira Neto, trabalhava como segurança na minha infância, acho que até os meus cinco anos de idade, mas ele trabalhava durante a noite. Aí ele dormia durante o dia e trabalhava à noite, sabe assim? Então nunca tive muita presença com ele, muito contato. Meu pai era tipo, só para aquelas horas de brigar, ou sabe fez alguma coisa “eu vou contar para o seu pai”. E minha mãe é doméstica, dona de casa, ela tem deficiência física e auditiva, então ela ficava em casa com a gente, cuidando do lar. Sou eu e mais dois irmãos mais novos. E depois, meu pai, até minha infância ele trabalhou de segurança, como eu disse, e depois viveu como autônomo, fazia trabalhos diversos de pinturas e obras, em geral.
P/1 - Seus pais são daqui de São Paulo também?
R - Meu pai é do Rio de Janeiro, veio para cá com acho que catorze anos e minha mãe é de Minas Gerais, também veio para cá na adolescência. A vida dos dois foi meio difícil, vieram para cá na adolescência, por conta de problemas de família. Minha mãe perdeu a mãe, meu pai tinha uma relação difícil com os pais, bastante irmãos… Minha mãe tem cinco irmãos e meu pai tem acho que sete ou oito…
P/2 - Você sabe como eles se conheceram?
R - Hmm. Acho que foi lá no Taboão mesmo. A família da minha mãe tinha casa lá na rua onde eu cresci e meu pai acabou parando lá a trabalho, assim, na vida, acho que com vinte, com a minha idade assim, vinte e um, vinte e dois anos agora. E minha mãe é mais velha, tinha trinta, trinta e um. Ela trabalhava em uma locadora acho que na rua de cima, e morava ali na rua onde eu cresci. E meu pai trabalhava bem na esquina, acho que em uma serralheria, funilaria, não sei. Ela passava, ele cantava e eles se conheceram ali.
P/2 - Você lembra da casa da sua infância, o bairro, como que era?
R - Sim, eu cresci ali até os dezessete anos. Eu to aqui em Pinheiros faz três anos. Então até os dezessete anos eu nasci e cresci ali, lembro de tudo. Minha rua é sem saída, então era mais ou menos um condomínio, assim. Todo mundo conhece todo mundo, sabe, tem gente que não gosta do outro, gente que fala da vida do outro, normal. Mas tem pessoas parceiras também, tenho contato com gente de lá até hoje. Depois que eu saí de lá eu voltei umas duas ou três vezes só… Mais natais, assim de todo mundo junto lá, ano novo, sabe? Tenho essas recordações que são bem vivas, nasci lá dezessete anos… Cresci lá dezessete anos, quer dizer.
P/2 - Como que era a casa?
R - Ah, simples, uma casa com sala, quarto, cozinha e banheiro. Era na verdade um sobrado, tinha a casa de baixo e a casa de cima, e a gente morava na casa de baixo. Meu tio e minha tia moravam na casa de cima com minhas primas. A minha infância, maior parte do tempo foi assim. Era uma casa simples, tinha garagem na frente, casa de cima e casa de baixo e a rua sem saída como eu falei. No começo era até esburacada, a gente jogava bola ali, sabe, golzinho de pedra um do lado do outro, brincava a molecada toda, depois asfaltaram… Era assim.
P/1 - Qual que é sua lembrança mais antiga? Sua primeira memória, assim?
R- Cara, a lembrança mais antiga que eu tenho, sempre conto isso até para uns amigos meus… A lembrança mais viva que eu tenho de quando eu era bem novo, acho que eu tinha, não sei, dois, três anos de idade de eu sentado na sala de estar, no tapete, de frente para a TV, ouvindo um DVD de rap. Meu pai botava uns clipes de rap ali e aí que eu comecei a ouvir Racionais, RZO e aqueles clipes antigões. Depois que eu fiquei mais velho, eu via passando e aí eu lembrava “Pô, já vi esse clipe em algum lugar”. E eu sempre lembro dessa lembrança. É por isso que eu gosto tanto de rap até hoje, eu acho.
P/1 - Você escreve rima?
R- Já escrevi, assim, por hobby. Mas não penso em ser, ah “o rapper”. Faço assim por mim mesmo, com meus amigos, porque eu gosto mesmo.
P/1 - Tem alguma história que seus pais contavam, alguma coisa do passado que você lembra?
R- Tem algumas, né? Eu não sei se lembro de alguma em especial agora… Minha festa de um ano foi um festão que eu nem lembro, que meus pais contam que teve decoração de Bananas de Pijamas, salão alugado e família toda e eu nem lembro de nada disso… Sei lá. Essas lembranças de que meu pai trabalhava a noite toda e dormia. Mas uma história assim, especial, acho que não. Tem histórias de momentos ruins, não sei. Teve uma vez que eu caí e quebrei meu dente todo, saiu até o nervo e foi mó desespero, sabe, ninguém sabia o que fazer. Aí a gente foi no hospital, estava fechado porque era fim de semana, teve que correr num particular, gastou mó dinheiro e foi uma queda tipo, feia. E no mesmo dia aconteceu a mesma coisa com um outro moleque da rua, no mesmo dente, foi a mesma coisa. Eu caí de bike e ele de carrinho de rolemã e ele bateu o dente na guia e eu bati o dente na rua mesmo. Foram os dois de dente quebrado para a clínica de dentista. E aí tem várias histórias assim, de Natal na rua, a rua era sem saída, então cada um ficava no quintal de casa, aí às vezes juntava… A gente tinha costume de soltar bomba na rua, aquelas bombas batom, palito, ixe… E as histórias que eu gosto mais é de estar com a molecada na rua jogando bola, mó liberdade, ficava o dia todo, não tinha internet ainda, videogame… Até tinha, mas eu mesmo preferia estar do lado de fora, brincando. E a molecada também era assim. Depois teve uns que foram para esse lado de ficar mais trancado, de computação e tal. Mas era legal quando juntava todo mundo e ficava o dia todo jogando bola, anoitecia já era esconde- esconde, pega-pega, era isso.
P/2 - Fala um pouquinho dos seus irmãos, quantos anos eles têm, como eles chamam, eles são mais velhos?
R- Eu tenho dois irmãos mais novos. Um é o Felipe, o do meio. Ele tem agora… 2005… Ele tem catorze, fez catorze agora em julho. E o outro vai fazer agora dia sete. Vai fazer nove agora dia sete, o mais novo. No começo, eu era filho único e meu pai trabalhava de segurança à noite, foi nessa época. Até aí eu cresci meio que em uma bolha, assim, sei lá, como posso explicar… Eu tinha mais atenção, sabe? Filho único… Aí depois que o meu irmão nasceu, o Felipe, no começo eu tive meio que essa dificuldade de aceitação dele, sabe? Porque ele veio e tal… Mesmo eu pedindo um irmão para brincar comigo, depois que ele veio eu não consegui ter essa aproximação com ele, quando ele era pequeno. Depois que ele cresceu que eu comecei a ser mais próximo dele. Até porque, eu sempre achei que ele é bem mais especial, sempre foi bem mais especial do que eu. Eu não sei, ele já nasceu… A gente nasceu bem inteligente. Na escola eu sempre sabia, parece que eu sabia tudo até a quarta série assim, não tive dificuldade nenhuma na escola, minhas notas eram sempre máximas. As pessoas achavam até que eu tinha alguma especialidade, não sei… E meu irmão já nasceu tipo desenvolto, sabe? Fala tudo, é inteligente… E eu era muito tímido, sempre sou até hoje, tímido...Tenho dificuldade para me relacionar com as pessoas, me sinto meio anti social ás vezes, e meu irmão é totalmente ao contrário. Desde pequeno falava umas coisas com três anos de idade, que adulto ficava: “Como esse menino é inteligente desse jeito?”. E ele é mais bonitinho, cabelo liso, tal… Meus irmãos são bem mais bonitos que eu, sei lá (risos). Mas o Gabriel, irmão mais novo, quando ele nasceu em 2010 eu já tinha outra visão. Eu sempre fui bem próximo dele. Quando ele nasceu foi quando eu fiquei mais “família”, consegui me aproximar um pouco da família, porque até aí não era… Eu sempre era mais afastado assim. Tanto que hoje eu sou desse jeito, na minha família eu sou aquele “turista”, sabe? As vezes eu vou, no final de ano, apareço uma vez em nunca. Porque a gente, sei lá, eu nasci com outra visão, não sei, acho que eu nasci diferente deles. Mas minha relação com meus irmãos é essa: a gente se vê, eu gosto muito deles, vou amar eles para sempre, mas a gente não tem esse convívio próximo, infelizmente, eles estão lá no Taboão e eu aqui em Pinheiros, moro com a minha mulher. Eles estão lá com a minha família ainda. E eu espero conseguir fazer minha vida aqui e ficar bem aqui sozinho para dar o suporte para eles para o que eles precisarem, porque eu sei que minha família não é fácil e eles podem passar pelos mesmos problemas ou parecidos com os que eu tive, entende? De não aceitar certas coisas deles, sei lá, personalidade ou hábitos… Coisas que desde pequenos a gente vai sendo criado com aquilo de “ah, não pode, é errado” e as vezes hoje é normal, entendeu? Então eu pretendo ficar bem para dar o suporte para eles, para estar lá para eles para o que der e vier.
P/2 - Explica melhor quais foram esses problemas com a sua família.
R- Bom, desde pequeno eu sempre me senti diferente, como posso dizer, uma visão social, uma visão política… Eu acho que a minha família se estruturou de uma forma que a gente não vê o que está acontecendo lá fora, entendeu? A realidade, como que é realmente, tipo, vai ser daquele jeito, você tem que fazer daquele jeito e acabou, não pode fazer diferente, entendeu? E até os meus quinze, dezesseis anos eu acho que foi assim, mas aconteceram muitas coisas que envolvem religião, envolvem vizinhos, né? E aconteceu, acho que desencadeou quando meus pais se separaram pela primeira vez. Meu pai foi morar no Rio de Janeiro com a família dele e eu fiquei com minha mãe e meus dois irmãos, já. Então, no começo ele morava próximo da gente ali e depois foi para lá, mas a partir daí, foi um momento que a gente ficou dividido, né? Entre o lado da mãe e o lado do pai, um confrontava o outro e coisas de difamar, caluniar, entendeu? Minha mãe chegou a alegar coisas para conseguir pensão que não eram verdade, meu pai também nunca foi santo… Mas a questão é que a gente ficou dividido entre o lado de um e de outro e o que sobrou para mim, que era mais velho, por exemplo, foi a rua. De lá que eu comecei a sair, nunca tinha liberdade de sair com um amigo meu, dormir na casa de amigos meus, sempre aquilo da escola para a casa e na rua ali no máximo, mas não podia ir nem na rua de cima, para você ter ideia. Então quando meu pai saiu, como eu falei, era aquela coisa de tipo, só tava ali para quando acontecer alguma coisa era “eu vou contar para o seu pai”. Quando não tinha mais isso, foi livre. Aí comecei a sair, aí não tinha uma visão, como que eu posso dizer, uma consciência do que era, então fui descobrindo, aí foi drogas, foi virar a noite na rua, foi balada, foi bebida, dei uma exagerada, sabe? Mas depois que isso aconteceu, eu fiquei de boa, porque já tinha consciência de que era assim, podia conviver com aquilo, sabe? E aí, embora eu não tivesse usado nenhuma droga pesada, assim, tal, eu não tinha consciência de que ficar noites na rua ou ficar até tarde preocupava minha mãe, de uma certa forma… Embora eu não estivesse fazendo nada de errado, de tipo matar, roubar, nada… Eu pensava assim: “não tô matando, não tô roubando, então tá de boa”. Mas minha mãe ficava preocupada com essas coisas. O que acontece é que ela tinha um problema de passar os problemas de dentro de casa para os vizinhos, sabe? E ela é evangélica, acho que com uns dez ou doze anos ela entrou em uma igreja e não saiu mais…
P/1 - Quando ela tinha dez, doze anos?
R- Quando eu tinha dez, doze anos. Ela sempre foi evangélica, mas na minha infância não frequentava igreja. Depois que eu tinha essa idade que os vizinhos da frente chamaram ela para ir para uma igreja e aí a gente começou a frequentar aquela igreja. E aí depois gente de lá da igreja começou a morar junto com a gente, porque meu tio saiu de lá da casa de cima e aí eles começaram a morar lá com a gente. E aí ficava lá em casa, com a vizinha, discutia essas coisas… E passava para outras pessoas, que já não era daquele jeito, sabe “telefone sem fio”? Entendeu? E aí as pessoas da minha rua já tinham uma visão de mim que não era aquilo. E a minha mãe começava a escutar essas coisas e gerava um turbilhão de coisas na cabeça dela que depois ela decidiu tomar medidas drásticas, sabe? Aí até meu pai acabou voltando para casa, mesmo eles não estando bem, mesmo tendo acontecido várias coisas, meu pai voltou para casa por causa disso… E foi gente de fora que levou ele para lá e tal, para tipo “dar um jeito”. “Vou dar um jeito em você, porque você tá assim, tá assado”. E nisso eu vi como uma forma de hipocrisia, sabe? Depois a gente até ficou bem, mas ficou aquela coisa assim que hoje não tem mais como ter um convívio, não teria como eu voltar a morar lá, por exemplo, porque foi uma coisa assim que eu me senti meio que traído, entendeu?
P/1 - O que que eles fizeram? Ou decidiram?
R- Olha, no caso meu problema foi uso de maconha só. A pior droga que eu usava era maconha, só isso, até hoje. Mas nunca passou disso, entendeu? E achavam que eu estava na cocaína e crack e coisas que, né… Isso leva você a roubar, a cometer crimes financeiros para sustentar o uso da droga e tal, emagrecer e não sei o quê, ficar debilitado, mas tipo eu não tinha isso, não tava nesse nível, entendeu? O que tinha era reunião com os meus amigos e o uso da droga na época era bem menos do que é hoje, por exemplo, que eu moro sozinho, moro com a minha mulher, então uso a hora que eu quiser. Na época era uma vez por semana, duas no máximo, quando tinha aquela reuniãozinha e já era. O problema que tinha era querer sair mesmo, por que em casa não era um ambiente legal para mim, entendeu? Eu e minha mãe nunca fomos muito próximos assim e depois que meu pai saiu que ficou pior, então eu não gostava ali de ficar em casa. E meu pai voltou para casa só por causa disso, porque falaram que eu estava nas drogas e no fundo do poço, daquele jeito e queriam me internar, sabe? Coisa que é drástica, que você sabe que passar por uma internação, você não volta do mesmo jeito, é coisa que é para ganhar dinheiro em cima de famílias que não sabem o que fazer. Aí você vai, toma um monte de remédio e depois você sai dali biruta, sua vida nunca mais é a mesma. Então eu fiquei em uma situação de desespero, eu não sabia o que fazer. O que eu fiz foi sair dali, entendeu? Eu trabalhava, para você ver: na época, eu estudava de manhã, já trabalhava à tarde, saía da escola 12h15 e entrava no trabalho aqui em Pinheiros, na SABESP às 14h00 e ainda saindo de lá 20h00, fazia academia até umas 22h00, que era só para não ficar em casa mesmo. E ia só para dormir, entendeu? E aí isso falavam que eu estava na rua, o dia inteiro usando droga. Então eu me senti meio que traído, por vizinhos e tudo, foi aquele bolinho podre contra mim que fez eu ter que fugir de lá.
P/2 - Você tinha quantos anos quando isso começou?
R- Quando começou eu tinha quatorze para quinze anos e aí foi até os dezessete. Com dezessete eu não terminei nem a escola, eu parei na metade do terceiro ano, trabalhava aqui, encerrei acho que faltando uma semana para terminar o contrato com a SABESP, eu encerrei.
P/1 - Foi seu primeiro emprego?
R- Foi meu primeiro emprego com carteira registrada. Fiz um estágio lá, fiz dois anos e faltando uma semana eu encerrei e peguei minhas coisas e vim morar para cá.
P/1 - E você já estava namorando nessa época?
R- Já, já conhecia a Érica… Eu saía de lá e ficava aqui no Largo da Batata e conheci ela ali. Aí uma vez teve um rolê que a gente ficou e estamos até hoje. Aí de lá, ela na época não tinha moradia fixa, ela sempre morou de aluguel. Na época estava uma situação complicada, ela tinha perdido o trampo porque dispensaram ela e não pagaram nada. Aí estava de favor na casa de amigos e aí a gente foi morar junto na casa de outra amiga nossa, em comum, depois a gente saiu de lá e arrumou emprego e pagou aluguel e fomos assim, estamos assim até hoje, três anos.
P/2 - O que que você fazia na SABESP?
R- Eu fazia atendimento telefônico, bem em época de crise hídrica… Aquela Cantareira seca, sabe? Teve uma vez que eu estava em treinamento, a primeira semana era de treinamento, e eu faltei um dia e fui pagar no sábado… Era de segunda a sexta, eu faltei um dia da semana e fui pagar essa falta no sábado. Mas eu já fiquei atendendo, eu estava em treinamento e fui pagar a falta atendendo. O dia todinho, só ligação de falta de água em São Paulo. Tipo, era normal uma fila de dois minutos entre uma ligação e outra, não ficava um segundo, desligava e já caía outra: “Ah, tá faltando água aqui há cinco, seis dias”. E você vai falar o quê para uma pessoa dessa, assim? E tipo, eu não sei como eu aguentei esse emprego dois anos, porque hoje eu volto, parando para pensar, eu defendia uma empresa do Estado que, mano, estava lesando as pessoas, entendeu? Por mais que falem que falta de água é um problema lá do Cantareira que estava secando, meu, a empresa lucrou muito mais com essa falta de água, com cobrança de multa, cobrança de várias coisas… Então eles cresceram com essa falta de água, sendo que podia, teria que fazer muito mais coisas para resolver o problema de fato, né? E os procedimentos eu não concordava, às vezes, porque tinha pessoa que estava ali cinco, seis dias com um problema e você podia fazer alguma coisa para resolver, mas só que você não podia, sabe assim? Tem acesso, mas você não pode, por conta de regras da empresa e tal… Então eu me sentia meio assim, um escudo da empresa, sabe, está ali só para ouvir a reclamação, meio que assim.
P/1 - Leo, você já falou um pouco, mas como foi na escola, como você começou, tudo, você lembra seu primeiro dia de aula, a primeira vez que você foi na escola?
R- Meu primeiro dia de aula… É, a minha escola sempre foi ali na rua de baixo da minha rua, e as escolas que eu estudei foram vizinhas, assim. O EMI Franjinha até o pré, né, jardim um, jardim dois e pré; e aí o [EMEF] Paulo Freire, logo ali atravessando, que foi da primeira até a quarta série e depois… Essas duas escolas eram municipais e depois eu fui para uma escola estadual no Adenilson [EE Adenilson dos Santos Franco], que já era um pouquinho mais distante, uma rua, assim, há uns quinze minutos e era uma escola estadual, escola que eu menos gostei, inclusive… Mas na escola, eu aprendi a ler no primeiro ano, aprendi a ler e escrever no primeiro ano, e nunca tive dificuldade em nada, assim. Matemática, Português, sempre… Tenho até hoje lá provas, assim, sabe, eu olhava e “Porra, como é que eu fazia isso nessa época?”. Até a quinta, sexta série eu até era bom na escola e depois foi aí que começaram os problemas em casa e tudo, então na sexta série já comecei a relaxar. E também eram os amigos de escola que me levavam para sair e para descobrir o mundo como eu falei, entendeu? Ficava com as menininhas e tal, aí era rolezinho e não sei o quê… Mas nunca fui de tirar nota vermelha. Já cheguei a passar raspando assim do primeiro pro segundo [ano do Ensino Médio], mas até a oitava, tipo, já começou a ficar aqueles seis, aqueles setes… O primeiro cheguei a quase repetir e o segundo também. Aí no terceiro parei.
P/1 - Você pensa em retomar?
R- Eu penso em fazer aquele supletivo, né, ou EJA, porque é metade do terceiro que falta, só. E também se eu tiver alguma necessidade, porque hoje não vejo necessidade, porque eu trabalho como entregador de Rappi, meu trabalho é autônomo, eu não preciso disso para trabalhar e pretendo ter o meu negócio posteriormente, sabe? Eu fazia, eu não sei se você pegou a época que eu fazia coxinha, fazia salgados para vender, vendia a um real na praça, no centro… Mas é um negócio meu, é uma blindagem rentável minha, que eu acho que pode dar certo, eu posso ter alguma coisinha assim, levar adiante… E posteriormente eu não sei, se eu tiver necessidade eu acho que sim. No mês de dezembro agora, eu até ia terminar, porque eu separei da minha mulher, ficamos um mês separados só, e aí fui morar com o meu tio e eles queriam que eu fizesse, mas eu nem cheguei a fazer a matrícula, porque eu nem queria mesmo, não tive vontade.
P/1 - Entrando no Rappi, quando que você começou a fazer entrega?
R- No Rappi acho que eu tenho menos de um ano, porque são várias empresas de entrega de comida, assim. Primeiro eu fiz Uber Eats. Eu sempre queria fazer esse negócio assim, só que eu não tinha bike e eu não tinha nem um celular bom e aí na época eu tava trabalhando em um restaurante. Saindo de lá que eu fui fazer as coxinhas, como eu falei, os salgados… Mas eu sempre tive isso como uma forma de renda extra, eu via como uma forma de renda extra que eu poderia fazer, só que eu não tinha bicicleta, nem nada. E aí, na verdade, eu saí do restaurante e comecei a fazer isso e depois eu fui fazer as coxinhas, foi isso. Então quando eu saí do restaurante eu comecei a usar a bicicleta do dono da pensão onde eu moro, ele emprestou para mim para eu poder trabalhar, só que no começo eu não ganhei muito dinheiro e eu desacreditei do negócio, assim. Eu entrei na Uber primeiro, a Uber Eats. Na época era bem fraquinho mesmo, não dava para tirar nem trezentos reais por semana, assim. Tipo, se você trabalhasse o dia todo, você ganhava trezentos reais por semana… E como o meu celular não era bom, durava pouco a bateria, então não tinha como. Aí eu desacreditei e fui fazer as coxinhas. Aí depois que eu separei da minha mulher, por causa até disso, que eu fazia as coxinhas e os salgados todos dentro de casa, e eu moro em um quarto só, que não tem banheiro nem pia, que é do lado de fora, então sujava bastante e tinha que fritar, ficava cheiro de fritura… Então foi uma coisa que incluiu, eu briguei com a minha mulher por outras coisas, mas a gente ficou um mês só separado. E a gente voltou, mas quando a gente voltou ela falou “Ó, não quero que você faça mais coxinha dentro de casa, porque suja muito, cê não consegue limpar e tal”. Eu fazia tudo sozinho: comprava, vendia, fazia, tudo sozinho, então não tinha como. Aí eu tive que arrumar outra forma de ter o meu dinheiro, e foi quando eu comecei a usar a bike do dono da pensão de novo, aí depois que eu descobri as bikes do Itaú e fui levando assim. Na verdade, agora que eu arrumei esse celular, tem umas duas semanas, arrumei um celular bom mesmo, durando bastante a bateria, tô conseguindo tirar uma renda acima de trezentos reais por semana, assim, que até então era isso no máximo.
P/1 - Agora você aluga bike ou você tem a sua própria bike?
R- Eu alugo. A bike do Itaú é alugada, você aluga por mês ou por ano. No caso eu aluguei por mês e aí é vinte reais mensais e tem a regra de usar durante uma hora, que tem que trocar a bike lá na estação de uma em uma hora, mas são só vinte reais mensais mesmo que eu pago.
P/2 - E aí você trabalha agora com vários aplicativos? Ou só com o Rappi?
R- No momento só com a Rappi. Eu tenho a Uber para fazer também, só que no caso tenho um dinheiro devendo lá e aí teria que tirar um dia para pagar essa dívida para poder utilizar a Uber, mas se eu fizer eu também posso utilizar a Uber.
P/2 - Como que funciona para entrar? Para você ser entregador, qual é o processo?
R- No caso tem que baixar o aplicativo, né, da Rappi Entregador pela PlayStore, e mandar os documentos, RG, CPF, acho que comprovante de residência, o que eles pedem lá pelo aplicativo, foto, selfie, foto de documento. Eles aprovando esses documentos, te mandam um formulário para você assistir à uma palestra. Acho que hoje essa palestra é online, pelo aplicativo mesmo, tem um vídeo, você assiste sobre como que funciona o aplicativo, como que funciona tudo, todas as dúvidas para você fazer as entregas e depois você já é ativado, assistindo esse vídeo. E aí você tem que ir buscar só o cartão de débito da Rappi para fazer as compras e ativar, ir lá presencialmente para ser ativado. Na minha época você também tinha que assistir essa palestra presencial, hoje é online e ir lá só para ser ativado. Acho que é ali na Lins de Vasconcellos o atendimento presencial, Metrô Santana, acho que é uma coisa assim.
P/2 - E essa bolsa?
R- Essa bolsa é da Uber Eats, na época em que eu saí do restaurante que eu falei que eu estava trabalhando, eu entrei na Uber Eats. O atendimento presencial deles é lá na Barra Funda. Na época eu também mandei os documentos pelo aplicativo e aí eles aprovaram esses documentos e me mandaram assistir a palestra para ser ativado lá na Barra Funda. Aí eu cheguei lá, assisti essa palestra e a bolsa eles disseram que eles forneciam e o pagamento seria feito com as entregas, seria cobrado do ganhos das entregas. Eu peguei a bolsa, e eu trabalhei duas semanas na Uber, não deu tempo de pagar a bolsa. Porque eles descontariam em quatro semanas, é oitenta reais a bolsa, então seriam quatro vezes de dezesseis. Aí eu trabalhei duas semanas e eles não descontaram nada. Depois eu parei de trabalhar e ficou essa dívida que eu falei, acho que oitenta reais. Então se eu quiser trabalhar na Uber, eu baixo o aplicativo, mas vai estar lá: negativo oitenta. Tenho que tirar um dia para fazer esses oitenta reais.
P/1 - Como que é o seu dia-a-dia?
R- O meu dia-a-dia hoje… Eu tenho dificuldade para acordar cedo, (risos) o que é uma coisa séria, porque eu trabalhava em restaurante e era à noite. Primeiro restaurante que a gente trabalhava, eu e a minha mulher, entrava às quatro da tarde e saía só às quatro da manhã, e até às quatro da manhã de trabalho, assim, e aí ficava até às cinco, seis. Então fiquei uns oito, nove meses assim, e acostumei a ser uma pessoa da noite, entendeu? O máximo que eu consigo dormir, assim, cedo, é uma hora e meia, duas horas. No momento em que eu acordo, meu cotidiano é a rotina normal, tomar meu café da manhã… Meu trabalho, o certo seria dividir em duas vezes no dia, trabalhar na parte do almoço, que é das 11h00 até às 15h00; e na parte da noite que é das 18h00 até às 23h00, 22h00. Com esse intervalo você volta para almoçar e tal. E às vezes eu acabo saindo só a noite, entendeu? E aí antes eu já tento fazer as coisas para almoçar e tal… E também meu dia-a-dia é muito preguiçoso, para falar a verdade. Vejo TV, jogo meu videogame ali, entendeu? É isso.
P/1 - Você faz outros trabalhos? Você parou de vender a coxinha, né? Mas você faz outros trabalhos além do Rappi, além das entregas?
R- Mano, no momento não. Quando rola são os freelances assim, do restaurante, mas eu evito porque já não gosto. Nos restaurantes que eu passei, eu me senti explorado, assim, quase todos. Então eu já não quero voltar para nenhum restaurante, para nenhum emprego assim, registrado…
P/2 - Você era garçom?
R- Sim, garçom. Garçom, cumim, barman… O primeiro restaurante que eu entrei, eu entrei como cumim. Cumim é o cara que só leva os pratos nas mesas e vai retirando bandeja e tudo. Mas eu acabava fazendo de tudo no restaurante, porque eles não tinham um sistema de dividir as funções, sabe? Então eu limpava, enchia gelo, repunha gelo, enchia a geladeira e aí era barman, era garçom, era tudo. E até às quatro da manhã, eram doze horas de trabalho, bem puxado. E a gente ganhava pouco de extra, então saindo de lá foi tipo: “Ah, é um restaurante só”, entrei no outro, foi quase a mesma coisa… No outro até foi mais legalzinho, mas também tem picuinha entre os funcionários, porque você é novo, tem que conquistar o espaço, acho que eu não tenho paciência para essas coisas, não sei. Tenho dificuldade assim com a sociedade, sei lá. Tem coisas que eu não consigo aceitar de boa, que são normais para todo mundo, e eu não consigo, sei lá, hipocrisia, falsidade… Perto de mim, assim, não dá. Você botar uma máscara, ou você fazer um papel para conseguir algum objetivo, para mim não rola. Aí por isso que eu quero montar a minha empresa e fazer diferente, um sistema diferente, que não só eu seja beneficiado com o lucro, entendeu? E o funcionário recebe aquele pingo de salário? Não, para quê? Eu não tenho essa visão de ser rico, de valor material, sou bem desprendido disso, graças a Deus, então pretendo fazer assim.
P/1 - Você faz entrega todos os dias?
R- Todos os dias, quase todos os dias… Tem os dias que eu não trabalho por preguiça, mesmo (risos).
P/1 - Você monta o seu horário, né?
R- É, eu monto o meu horário… É só ativar o aplicativo que você já está trabalhando, aí eu acabo trabalhando tipo quatro, cinco dias na semana. Mas as vezes acontece de eu perder um dia bom assim de trabalho, tipo uma sexta-feira, um sábado que você acorda e já vem aquele “boi” na mente: “Vou ou não vou?”, e aí você não vai, vai fazer outras coisas, sabe assim? Mas aí tem que trabalhar de segunda-feira, de terça-feira… Mas eu não deixo de cumprir com as minhas responsa, tenho as minhas contas para pagar e tudo.
P/1 - Tem alguma experiência assim no trânsito que te marcou, pedalando?
R- Cara, no trânsito não… Não que eu me lembre… Tem algumas coisinhas que… Sabe, eu não me incomodo com isso, eu acho que as pessoas levam o estresse pro trânsito, do dia-a-dia. Eu acho que para você dirigir, principalmente carro, moto, você tem que estar com a cabeça tranquila, porque qualquer coisinha que pode acontecer você já vai xingar o fulano até… Já aconteceu assim de acidente na minha frente, entendeu? Porque o cara tá na ciclovia e a moto vai fazer o retorno, sabe, na curva assim, ou o carro, e aí pega de frente, e um dos dois sempre sai xingando mais que o outro e você tem que ir ali apaziguar a situação… Coisa comigo assim eu também já, quem nunca, principalmente bicicleta, já subiu em uma calçada, já passou um farol, normal. Às vezes o cara dá uma buzinada alto para você, mas eu não ligo para isso… Até se o cara… Pedestre também, tem pedestre folgado, que não respeita a ciclovia, nem nada. Eu já ouvi de pedestre tipo assim: “Ah, eu não paro em ciclovia mesmo e não sei o quê”, fazer o quê? Eu paro, não tem problema. Então acho que é isso, você não tem que ser chatão no trânsito, não. Principalmente a gente que está trabalhando, a gente roda o dia inteiro, então se for ficar com isso na mente todos os dias, o dia todo, vai fazer mal, né? Eu acho.
P/2 - E você se sente seguro trabalhando? Ou você tem medo de algum acidente?
R- Ah, sempre tem, porque é uma plataforma de entrega onde você tem que fazer as entregas no menor tempo possível. Tipo, eles têm promoções de tantas entregas de tal a tal horário, então você tem que fazer essas entregas, correr para fazer essas entregas dentro do horário. Então, correndo você pode acabar não prestando atenção em alguma coisa, e sempre pode ter alguma coisa, algum louco no trânsito, né, sei lá, ou alguma fuga, que o cara não vai ver mesmo o farol, nem nada. Tem caso de amigo meu que já teve acidente que não teve culpa nenhuma e machucou feio… Então eu sei que pode acontecer, mas não vou ficar com isso na mente, porque senão eu não trabalho, né? Eu preciso disso para viver no momento e eu sei que não vai ser para sempre, também. Pretendo ter o meu negócio e trabalhar com outra coisa.
P/1 - Teve algum momento marcante, assim, que te marcou?
R- No trânsito? No trabalho?
P/1 - É, no trabalho.
P/2 - Sendo Rappi, é.
R- Ah, tem umas situações assim, tipo problemas no aplicativo, que você fica meia hora esperando uma solução e não acontece, ou, não sei, da entrega ser em um local diferente do que estava marcado… É, teve uma vez que aconteceu isso. Eu estava na Oscar Freire e o aplicativo mostrou que a distância do local, da farmácia onde eu peguei o produto, até a casa do cliente era de 0,2 quilômetros, então achei que fosse do lado, e quando fui ver eram doze quilômetros, do Centro até Santana. E nesse dia, para você ver, eu ainda não tinha bike do Itaú, então, depois que eu parei de usar a bike do dono da pensão, eu comprei uma bicicleta por cento e cinquenta reais, uma bicicleta de aro de ferro, aí arrumei o freio, uma bicicleta bem “zuadinha”. Aí eu estava andando com aquela bicicleta já com o pneu murcho há um tempo, e teve uma época que eu enchia o pneu dela quase todo dia naquela bomba do posto, sabe? Aí tava no posto enchendo o pneu e do nada, “plac!”, estourou a roda. Não foi nem o pneu, a câmara, estourou a roda, sabe, o aro? (risos). Esses dias até dei para um menino essa bicicleta… Mas nesse dia estourou o aro e tipo, não tem o que fazer, guardei a bicicleta. Até o frentista do posto falou: “Meu, nunca vi isso, cara.” Porque já tava um buraquinho alargado do furo do pneu, aí acabou estourando. Aí não pude mais usar a bicicleta e era um domingo que eu tinha que trabalhar. Aí eu fui fazer as entregas a pé, você tem essa opção no aplicativo, eu me cadastrei como “pedestre” e fui fazer as entregas a pé. E achando que seriam essas entregas pertinho, tipo duzentos metros, trezentos metros, aí eu aceitei uma assim e quando fui ver o endereço era em outra cidade quase, né? Do Centro ali para Santana, doze, treze quilômetros, acho que eu andei.
P/2- Mas você foi de metrô? Como que você fez?
R- No caso, eu achei que não era tão longe, porque assim, eu peguei o produto, quando eu peguei o produto achando que era perto, depois que você pega o produto você não pode mais cancelar, porque se você cancelar, você ficou com o produto e você tem que devolver lá no atendimento presencial. E isso seria só no outro dia, né, porque era domingo, e eu queria fazer mais entregas naquele dia. Daí eu peguei o produto e não tinha mais como eu cancelar. Aí quando eu fui ver doze quilômetros, eu falei: “Meu, vou ter que dar um jeito de entregar isso daqui”. Aí, no caso eu vi só uma parte assim do GPS, eu vi só até a Praça Roosevelt ali, falei: “Ah, dá para ir.”. Aí eu fui indo, subi a Augusta, tal, de chinelo, bag nas costas e só um negocinho assim, dois remedinhos para entregar… Fui subindo e tal, aí quando eu cheguei lá que eu abri o GPS de novo, mais quilômetros e mais quilômetros, eu falei: “Meu, agora não tem volta.”. E aí eu pensei assim: “Se eu fizer só essa entrega, provavelmente eu vou receber em dinheiro.” E na época… A Rappi tem uns níveis de entregador, que quando você chega até o Nível Dois ou Três, você começa a receber o pagamento do produto em dinheiro, aí desconta dos seus ganhos, é como se fosse um adiantamento para você. Aí eu falei: “Ah, vou receber isso aqui em dinheiro e já fico de boa hoje.” Cheguei lá, no caminho peguei lá a Praça Roosevelt, Avenida Tiradentes e… Doze quilômetros andando. Não aguentava mais, cheguei lá, saí de lá onze e meia, cheguei lá às quatro horas, quatro e meia da tarde. No apartamento assim, aí quem veio buscar era uma menininha de acho que uns quinze anos, eu não tinha nem como… E o pagamento era pelo cartão de crédito, eu não recebi nada e tipo, seis reais e pouco o valor da entrega. Porque isso é uma fraude acho que do cliente, mesmo. Na época eu não sabia, mas acho que isso o cliente que fraudou para a entrega ser mais barata, tendeu? Porque depois que você pega o produto, sabe que o entregador não vai cancelar. Aí chegou lá, fiquei com a cara no chão, não tive o que fazer. Eu falei até para ela: “Moça, eu vim para cá a pé, tantos quilômetros, tô cansado, o meu pé preto, cê não tem cinco reais para eu pegar uma condução para ir embora, tô sem um real no bolso.” Aí ela: “Não, que eu já paguei no cartão de crédito…” E uma menininha novinha, sabe? Falei: “Ah, tá bom, então”. Aí eu fui embora, passei em uma lanchonete, falei “Irmão, qual que é o metrô aqui, mais próximo, preciso ir para Pinheiros”, ele falou “Brou, cê tá longe…” (risos), eu falei “Ai, não…”, aí falei “Firmeza. Onde que é?”. Andei mais um pouco, chegou… Eu não cheguei a andar tudo, porque eu peguei um busão, de carona, para ir até o metrô, eu falei: “Motorista, aconteceu isso, isso e isso, me leva até o metrô”, aí ele levou, aí eu cheguei lá e não tinha dinheiro para a passagem de volta, fiquei lá na porta do metrô, aí eu falei: “Ah, vou esperar alguém, pedir para alguém passar o bilhete para mim, vou contar minha situação”. Aí eu fiquei lá acho que uns dez minutos, assim, não passava ninguém era domingo, cara...
P/2 - Nossa…
R- ... O metrô lá na… Acho que é Zona Norte lá já… Meu, cheguei na bilheteria e falei com a moça da bilheteria, e aí ela passou para mim, aí eu vim. Mas eu cheguei nesse dia, assim, puto, né? Porque andei para caramba, não ganhei nada… Aí eu já mandei mensagens no suporte da Rappi lá, explicando o que aconteceu, e eles tem um negócio de adicional de quilometragem, pela distância que você andou. Aí eles me pagaram mais uns vinte reais nesta entrega, só que depois. Mas nesse dia eu fiquei com raiva… (risos) Foi bem… Eu camelei. (risos)
P/1 - Tem algum caso de cliente chato? Que implica?
R- Não, cliente… O máximo que acontece é que tem clientes que querem que você suba no prédio até o andar que ele está para entregar a entrega e eu acho que não tem necessidade, até pela segurança do prédio, né? Tem prédio que não permite que o entregador suba no prédio, eu acho que isso é serviço de quarto, não é de entregador de rua, assim. Quem tem que ficar responsável pela entrega dentro do prédio, é o prédio, não é a gente. Isso atrasa a gente, entendeu, bastante. E até pela segurança do prédio também. E coisa de troco, a gente recebe o pagamento do produto que ele comprou as vezes em dinheiro e aí desconta dos nossos ganhos das entregas, como se fosse um adiantamento, e a gente tem que ter troco em dinheiro, e às vezes a gente não tem, né, fazer o quê. Tipo, tarde da noite a pessoa quer que troque cem, cinquenta reais? Eu falo: “Meu, não dá. Pagamento em dinheiro tem que estar trocado, ou senão vai ser o troco que eu tenho aqui, ou senão não tem, vai ter que cancelar a entrega. Tem outra forma de pagamento?” Tem que fazer assim. Mas isso no máximo, cliente não tem muita treta, não. É mais com a própria Rappi, né? Porque a Rappi eu acho que é que não teve muito preparo antes de lançar o aplicativo, assim, tem vários problemas eu acho, ainda, que prejudicam principalmente a gente, na maioria das vezes, né? A gente acaba sendo o último, o prejudicado… Problemas para responder na hora, que tem que ser uma coisa imediata, uma liberação de valor, assim, ou algum problema que aconteceu e não tem um suporte, assim, rápido, né?
P/2 - E você falou que essa vez você foi lá para Santana, mas você trabalha em alguma região específica, você fica aqui por Pinheiros, como é que é?
R- É, como eu moro aqui em Pinheiros eu fico por aqui mesmo, tipo eu pego a Faria Lima… O que eu já fui assim é da Praça Panamericana para lá, até lá a Paulista, Itaim Bibi, rodando ali por essas regiões. Aqui mesmo, Vila Madalena, né, por aqui no máximo.
P/1 - Cê tem filhos?
R- Não… Não tenho.
P/1 - Cê pretende? Em algum momento?
R- Não penso… Minha mulher tem uma idade já acho que avançada para ter filho… Eu mesmo não tenho isso nos meus planos, não. Se acontecer, aconteceu. Igual aconteceu com um parceiro meu, que a gente cresceu junto ali, teve quase a mesma vida, e aconteceu com ele. Tipo, para ele, teve que vir no momento certo, assim, ele aceitou de boa, eu não sei como seria para mim, eu não penso não.
P/2 - Quantos anos tem a sua esposa?
R- Ela tem trinta e oito, vai fazer trinta e nove agora.
P/2 - E ela faz o quê?
R- Ela é garçonete, sempre trabalhou em restaurante.
(pausa)
P/2- Você pensa em trocar a bike por uma moto?
R- No momento não…
P/2 - É tranquilo trabalhar de bike?
R- É tranquilo, e a moto tem mais gastos, né, gasolina, equipamentos, então teria que ser uma moto boa e eu teria que tirar a carta, que eu não tenho e é um processo bem demorado, né, tem que ter dinheiro também… Para a moto tem que ter dinheiro, para tirar a carta tem que ter dinheiro… E eu acho que depois que eu parar de trabalhar com bike eu já tô com o meu negócio de salgado, pretendo já, sabe? Ou se isso não der certo eu posso fazer música, quero produzir música, tenho isso também na cabeça. O meu parceiro que eu falei que tem um filho, ele entrou em um instituto, um projeto que ensina os adolescentes a fazerem várias coisas, música, rima, fotografia e aí ele entrou para fazer música e se apaixonou por fotografia, e ele se formou em Produção, hoje ele é formado em Produção e está trabalhando com isso, aí eu penso que eu também posso fazer. Ele sempre quis porque quis que eu fosse, e eu não fui, e agora já acabou, então eu falo para ele: “Não, espera, pá, quem sabe, pode ser…”.
P/1 - Qual o nome do projeto?
R- É Instituto Criar.
P/1 - Ah, o Criar.
R- O Criar. Lá no Bom Retiro, eu acho, né.
P/2 - Legal. E você pensa em fazer faculdade?
R- Não.
P/2 - Não tem vontade.
R- Não…
P/1 - Acho que é isso… Você tem perspectiva para montar seu próprio negócio, daqui a quantos anos…
R- Cara, eu preciso me organizar, para falar a verdade. Preciso me organizar assim, etapa por etapa. Eu tenho esses sonhos, esses planos na mente, mais vai ver que não é bem isso, sabe? Eu ainda tô… Tô me levantando agora, sabe? Não sei, preciso me organizar certinho, ver o que eu vou fazer, agora que eu comecei a organizar minha vida financeira, eu acho, entendeu? E aí vou me organizar certinho para ver.
P/1 - E aí, o que você achou da entrevista?
P/2 - Como foi?
R- Bom, legal…
P/2 - Contar a sua história...
R- Espero que tenha sido uma boa história aí, para contar e posteriormente, ter alguma coisa diferente, assim.
P/2 - Se algum dia você ficar com vontade de voltar, para completar…
R- Ah, claro.
P/1 - É, só marcar.
P/2- Pode voltar.
R- Pode ser…
P/3 - Cê acha que ficou faltando alguma coisa, que você gostaria de falar?
R - Acho que não, o que vocês queriam saber tá aí, se quiser perguntar mais alguma coisa, também…
P/1 - Acho que é isso. Obrigado Leo.
P/2- Obrigada.
(Fim da entrevista)
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