Projeto Memória da Convenção da Diversidade Biológica e Protocolo de Kyoto
Depoimento de Paulo Moutinho
São Paulo, 26/05/2006
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista: HVBIO_026
Entrevistado por Stela Tredice e Thiago Majolo
Transcrito por Lúcia Nascimento
Revisado por Carolina Ruy e Ligia Furlan
P/1 – Paulo, queria que você começasse falando seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Paulo Roberto Souza Moutinho. Nasci em Fernandópolis – estado de São Paulo – em dez de novembro de 1961.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meus pais: Manoel Pires Moutinho – um português que chegou ao Brasil com doze anos –, e minha mãe, Cirene de Souza Moutinho, professora de escola rural durante muito tempo.
P/1 – E você se lembra dos seus avós?
R – Sim, me lembro dos meus avós e dos meus bisavós. A minha bisavó morreu com 108 anos, era uma italiana de Mantova. E meus avós: Joaquim Alves de Souza e Elvira Bianchi; também minha vó [veio] da Itália, e já faleceram, infelizmente, os dois.
P/1 – E como era a sua infância? Você cresceu em Fernandópolis, né?
R – É. Fernandópolis é uma cidade bastante pequena – ou era, naquela época. Ainda é, na verdade, bastante pequena. Eu fiz todo o ensino básico em escola pública, e quando chegou naquela época que seria o colegial, não havia um colegial que meus pais achavam que seria adequado, então eu saí de Fernandópolis muito cedo. Eu saí para estudar fora com catorze anos de idade. E isso foi uma mudança bastante grande na minha vida, porque, embora eu tenha ido para uma cidade próxima, que era São José do Rio Preto, eu era um garoto de catorze anos sem os pais por perto. E eu fui morar em pensões, alugando um quartinho numa pensão. Eu me lembro que a primeira noite que eu passei nessa pensão eu chorei por quase que treze horas seguidas, querendo mãe e pai por perto. Mas desde então eu nunca mais voltei para a casa dos meus pais, porque...
Continuar leituraProjeto Memória da Convenção da Diversidade Biológica e Protocolo de Kyoto
Depoimento de Paulo Moutinho
São Paulo, 26/05/2006
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista: HVBIO_026
Entrevistado por Stela Tredice e Thiago Majolo
Transcrito por Lúcia Nascimento
Revisado por Carolina Ruy e Ligia Furlan
P/1 – Paulo, queria que você começasse falando seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Paulo Roberto Souza Moutinho. Nasci em Fernandópolis – estado de São Paulo – em dez de novembro de 1961.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meus pais: Manoel Pires Moutinho – um português que chegou ao Brasil com doze anos –, e minha mãe, Cirene de Souza Moutinho, professora de escola rural durante muito tempo.
P/1 – E você se lembra dos seus avós?
R – Sim, me lembro dos meus avós e dos meus bisavós. A minha bisavó morreu com 108 anos, era uma italiana de Mantova. E meus avós: Joaquim Alves de Souza e Elvira Bianchi; também minha vó [veio] da Itália, e já faleceram, infelizmente, os dois.
P/1 – E como era a sua infância? Você cresceu em Fernandópolis, né?
R – É. Fernandópolis é uma cidade bastante pequena – ou era, naquela época. Ainda é, na verdade, bastante pequena. Eu fiz todo o ensino básico em escola pública, e quando chegou naquela época que seria o colegial, não havia um colegial que meus pais achavam que seria adequado, então eu saí de Fernandópolis muito cedo. Eu saí para estudar fora com catorze anos de idade. E isso foi uma mudança bastante grande na minha vida, porque, embora eu tenha ido para uma cidade próxima, que era São José do Rio Preto, eu era um garoto de catorze anos sem os pais por perto. E eu fui morar em pensões, alugando um quartinho numa pensão. Eu me lembro que a primeira noite que eu passei nessa pensão eu chorei por quase que treze horas seguidas, querendo mãe e pai por perto. Mas desde então eu nunca mais voltei para a casa dos meus pais, porque daí eu fiz o colegial em São José do Rio Preto, fiz vestibular para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em Biologia… Porque até então eu não tinha nenhuma noção se era isso que eu queria ou não, mas havia certa atração. Daí eu parti para fazer o mestrado e o doutorado em Campinas, na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas].
P/1 – Antes de chegar nessa fase universitária, eu queria que você voltasse um pouquinho na sua infância, e o que você se lembra da rua, do bairro onde você morava. Como era o cotidiano na sua casa?
R – Ah, o cotidiano era o de uma cidade pequena, com toda a sua economia voltada para a agricultura. Nós tínhamos muito de brincadeiras de rua, várias delas eu me lembro até hoje: mãe-da-rua, esconde-esconde… Eu brinquei demais. Inclusive, essa é uma coisa que eu sinto muita falta nos meus filhos, hoje, de brincar desse tipo de coisa. Eram ruas muito calmas, as pessoas, todo mundo se conhecia. Nós tínhamos muitos dias passados em beiras de rio, mais tarde um pouco em beiras de lagos de hidrelétricas… Uma atividade assim rural, de andar a cavalo, era muito comum na época. Então eu me lembro muito das ruas e das brincadeiras de rua. A gente ficava, às vezes, o final de semana inteiro com essas brincadeiras, andando de bicicleta o tempo todo. Enfim, era bem gostoso.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho um irmão que é músico em Belo Horizonte. Apenas um irmão, só esse.
P/1 – E você acha que em algum momento essas brincadeiras na beira do rio tenham te despertado? Você se lembra de algum evento que tenha te despertado, te sensibilizado para essa questão ambiental, da natureza?
R – Olha, acho que eu diria que não. Eu não… Eu pensei muito em ser várias coisas quando pequeno, uma delas era em ser astrônomo; fiz meu pai comprar um grande telescópio – o que foi uma luta para acontecer. Eu mesmo construí um abrigo para esse telescópio no telhado da minha casa – que tinha dois andares –, e passava, às vezes, a noite toda lá, observando. Sabia a rota dos satélites todos, todas as constelações, esse tipo de coisa. E aparentemente, naquela época, era isso que eu queria: viver nas estrelas. E nada disso se confirmou. Acho que a coisa mais ambiental veio bem mais tarde. Havia uma ilusão de garoto, talvez até por influência de filmes, alguns documentários, e até das férias que a gente passava em Ubatuba é que despertou um pouco a questão de biologia marinha. Aí eu deixei as estrelas e queria as estrelas do mar. E foi por isso que eu fui para o Rio de Janeiro. Eu tinha a possibilidade de vir para São Paulo, fazer USP [Universidade de São Paulo], Biologia na USP, ou em outra universidade – a própria Unicamp. Mas era a ilusão de que estando próximo do mar eu teria mais chances de desenvolver essa questão ou estudo de biologia marinha. Depois isso tudo se mostrou… Acho que eu nunca mais entrei no mar para mergulhar, e agora eu estou no espaço de novo.
P/2 – Paulo, eu queria que você contasse um pouco dessa função do IPAM [Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia].
R – É, o IPAM é uma das poucas ONGs [Organização Não-Governamental] de pesquisa científica que o Brasil tem. Uma coisa bastante comum nos Estados Unidos, na Europa, mas não tanto no Brasil. Eu fui um dos fundadores do IPAM, há dez anos atrás, em maio de 1995. Antes disso, a gente passou dois anos discutindo o Instituto, porquê fazer uma Instituição, qual seria a missão. E nessa época eu já morava em Belém, morei durante onze anos na Amazônia – embora eu fosse sempre à Amazônia, estava lá desde 1982, 83. E nesse período em que eu fui morar em Belém, que foi em 1991, nós começamos a discutir fortemente a criação de um Instituto independente, que fizesse pesquisa, juntando as pesquisas que a gente já estava fazendo na região, junto com a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e a Universidade Federal do Pará. Eu fui o primeiro diretor do Instituto, e desde então eu fiquei como coordenador de pesquisa. Lá na Amazônia eu desenvolvi meu doutorado, que também não tem nada a ver com mudanças climáticas, foi com o impacto de ninhos de saúva na recuperação de florestas em áreas degradadas na Amazônia, então a parte toda de bio-geoquímica. Com o tempo, terminei meu doutorado em 1998, e dois ou três anos depois eu fiquei muito impressionado com as questões levantadas, que já vinham desde 1993, sobre o problema climático que o mundo estava vivendo. Desde então… Eu não tinha muita informação sobre isso, e em 2000 eu comecei a me interessar mais. Nós, então, estabelecemos dentro do IPAM um programa que chama Programa de Mudanças Climáticas, onde a gente tentou cobrir uma lacuna que existia na época – e que existe até hoje –, que é a lacuna entre florestas tropicais e mudanças climáticas, ou desmatamento tropical e mudanças climáticas. A Convenção de Clima é uma convenção muito de energia, então a gente queria colocar essa pauta na mesa.
P/2 – E como você vê a importância da sociedade civil brasileira organizada para a conservação da Amazônia, hoje?
R – Olha, a Amazônia… É impressionante como você tem uma sociedade bastante organizada se você compara com outras regiões do país – talvez até pela história de ocupação da região, com muitos conflitos. Nós temos, na questão de clima, por exemplo… É bastante impressionante, nós temos um Fórum Indígena de Mudanças Climáticas, nós temos os seringueiros conversando sobre mudanças climáticas, os povos tradicionais, os pequenos agricultores, e essa sociedade toda está sempre organizada no que a gente chama de movimentos sociais. Os próprios seringueiros têm uma história enorme de movimento social em prol da floresta. E principalmente agora a gente está vivendo, talvez, um dos ápices da organização social no sentido de cobrar do governo, de cobrar da sociedade brasileira um outro tipo de desenvolvimento para a região, que é o tão falado desenvolvimento sustentável. Então, o papel da sociedade brasileira, comparado com outros países, é bastante relevante. É claro que o leiteiro, o caminhoneiro, que têm a informação, talvez não tenha a informação tão detalhada, mas se você, hoje, vai à Amazônia e conversa com o pequeno produtor, ele tem noção do que é mudança climática, ele sabe que pode ser atingido por isso, e ele está preocupado com isso. Então a informação está fluindo muito mais do que antes.
P/2 – Na sua opinião, o que você acha que pode ser feito para conter o desmatamento da Amazônia?
R – Três coisas básicas, principalmente. Uma delas é que a gente precisa aumentar a presença do Estado brasileiro na região. Você tem áreas na Amazônia com quatro, cinco mil habitantes, onde você não tem polícia federal, polícia civil, não tem posto de saúde, ninguém votou na última eleição… Enfim, o Estado é completamente ausente. Então o IPAM é uma das instituições que vem tentando viabilizar a presença do Estado de várias formas na Amazônia. Uma vez com o Estado presente, você tem mais governança, você empodera mais a população local para que ela faça discussões mais qualificadas sobre o que ela quer para a região dela. Essa é a primeira coisa. A segunda coisa é que nós já temos uma área desmatada bastante grande na Amazônia. São sessenta milhões de hectares na Amazônia, o que dá mais ou menos o território francês inteiro. Essas áreas precisam ser reutilizadas, elas estão, em grande parte, abandonadas. Nós precisamos de uma intensificação da agricultura, de uma intensificação da pecuária, não dá para continuar com o desmatamento como é feito hoje, que é igual a vinte anos atrás: praticamente 75% do que se derruba de floresta é para produzir pasto de baixa produtividade. Então, é preciso utilizar essa áreas abertas. E outra coisa fundamental, que tem muito a ver, inclusive, com mudança climática, que é a valorização da floresta em pé. A floresta, na Amazônia… Ainda vale para ela a máxima de que floresta boa é floresta derrubada. Então, enquanto a população local, ou enquanto a sociedade brasileira, ou a sociedade internacional não reconhecer o valor de manter florestas em pé… Eu não digo florestas intactas, mas com a cobertura florestal intacta, florestas que funcionem como entidades, que prestem serviço para o equilíbrio do clima local para manutenção da biodiversidade. Enfim, enquanto a floresta não tiver esse valor reconhecido, vai ser muito difícil manter a Amazônia com uma cobertura florestal razoável.
P/2 – Voltando um pouquinho para a Eco-92, qual foi o seu envolvimento com o evento?
R – Eu trabalhei muito na Eco-92 sem ir à Eco-92, sem estar no Rio de Janeiro, na época. Porque o IPAM… N a verdade nem havia IPAM, naquela época, mas havia os projetos que deram origem ao Instituto, e nós preparamos alguns estandes lá, enfim, mostramos o nosso trabalho. Eu trabalhei muito na preparação desses trabalhos em Belém. Mas, por algum motivo que eu não me recordo agora, eu não pude ir até lá. Mas a Eco-92 teve um impacto muito grande para todos nós né, porque foi, talvez, a primeira vez – do ponto de vista social – que a gente viu certa evolução rápida, que você não… Porque eu não tinha visto antes, nas outras reuniões globais, como Estocolmo e outras. Enfim, e isso nos deu uma pressão a mais, um estímulo a mais para fazer uma série de trabalhos na Amazônia. A Rio-92 foi muito importante para a gente para orientar esses trabalhos, inclusive, de ficar mais próximo da sociedade, de trazer a ciência mais próxima da sociedade, de usar a ciência como ferramenta de desenvolvimento sustentável e não só como um fim nela mesma. Então isso foi bastante relevante para a gente.
P/2 – Quando a Bertha Becker deu um depoimento, ela disse que achava, na época, que o grande tema por trás da Rio-92 era a Amazônia; era um tema meio mundo (mundial?). Qual a sua opinião sobre isso, qual a sua impressão sobre a Rio?
R – Olha, eu acho que na Rio-92, muita coisa estava diluída. Eu acho que havia várias vontades colocadas na mesa, várias demandas. Tinha uma demanda muito grande dos povos indígenas. Eu acho que a Amazônia sempre foi, naquele contexto e até hoje, um ícone no Brasil que leva a questão ambiental muito para a frente. A participação da mídia nisso é muito forte. Quer dizer, assusta muito você ver aqueles incêndios florestais que nós temos hoje, que cobrem milhões de hectares. Então eu acho que ela [a Amazônia] sempre esteve muito presente, puxando várias pautas, inclusive hoje. Isso por um lado é muito bom para a região, porque deixa a região muito mais visível. Para os outros biomas brasileiros que sofrem agressões, como o cerrado, a própria caatinga, atuais, numa mesma proporção do que sofre a Amazônia, é ruim, porque as pessoas acabam desviando sua atenção. Mas eu concordo que… Eu acho que na Rio-92 a Amazônia tinha certo peso – não sei se tão explícito, mas se falava muito em Amazônia, por representar esse ‘carro-chefe’ da questão ambiental do Brasil.
P/2 – Um dos resultados da Rio-92 foi a Convenção de Mudanças Climáticas, né. Queria que você contasse um pouco a sua opinião tanto sobre os avanços que ela trouxe, quanto os desafios que ela tem para...
R – É, acho que a Rio-92 referendou, através da criação da Convenção de Clima, uma preocupação que eu acho que era a de muitos estudiosos, que é essa questão da possibilidade de as ações antrópicas estarem junto com outros fatores naturais, desregulando o controle climático, o botão lá do controle climático do planeta, ou do equilíbrio climático do planeta. Isso… Naquela época ainda existia muito ceticismo em relação à essa história, mas a Rio-92 veio colocar… Colocou uma posição muito forte contra as pessoas que estavam céticas quanto a isso. Reuniu uma série de cientistas ao redor do mundo, que estão hoje no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC. Portanto, de lá para cá eu acho que a Convenção vem se transformando no exemplo mais claro em que você pode ter acordos mundiais calcados numa ciência muitas vezes básica, que diagnostica o que está acontecendo e muitas vezes tenta dar as soluções, ao mesmo tempo em que você tem o engajamento da sociedade mundial cada vez maior. Talvez não na velocidade que a gente esperava, ou que precisa, mas com um engajamento que eu acho que nenhuma outra convenção ou acordo mundial demonstrou no passado. Então a Convenção de Clima tem essa especialidade, tem essa peculiaridade, que eu acho extremamente importante e espero que a humanidade aprenda com ela. Não é fácil fazer acordos globais, todo mundo sabe disso, o própria Protocolo continua ameaçado por um país querer sair, outro não querer assinar; mas eu acho que foi um exemplo grande de esperança, de um esforço diplomático para solucionar um problema que é de todos nós.
P/2 – E quanto às cópias de mudanças climáticas, você acha que está tendo avanços na discussão? Como está sendo encaminhado isso?
R – Olha, é um pouco..., Sabe aquele brinquedo que é um barco de parque de diversão, que vai para lá, vai para cá, e você vai ficando enjoado no meio? Às vezes é isso, você tem avanços, na outra cópia tem retrocessos – avanços e retrocessos entre convenções das partes, e também dentro das próprias cópias. As pessoas começam muito retraídas, depois avançam, depois retraem de novo. Há um jogo bastante difícil nesse processo. Busca-se sempre, obviamente, o consenso. Então, eu acho que em dez anos, o fato de ter o protocolo ratificado, mesmo que ele contribua muito pouco para a questão da solução do problema das mudanças climáticas… Quer dizer, o protocolo diz, em média, 5% de redução das emissões de poluentes referentes às emissões de 1990. Isso é muito pouco quando a gente precisa de mais de 60% para resolver o problema ou para não sofrer tanto. Mas mesmo assim, eu acho que o protocolo abre portas como nenhum outro acordo abriu antes, um engajamento de mais de cem países nesse processo. As discussões que estão sendo consideradas agora nos dá esperança que um acordo mundial possa ser feito para salvar o clima do planeta. É possível que você tenha acordos multilaterais, bilaterais, para isso; mas eu não vejo esses acordos se tornarem poderosos o suficiente ou comparáveis a uma Convenção de Clima ou um Protocolo de Kyoto. É preciso, contudo, que mais metas de redução dos países ricos, principalmente, sejam conseguidas, sejam alcançadas ou estabelecidas.
P2 – E quanto ao Brasil no Protocolo de Kyoto?
R – O Brasil teve um papel – teve ou tem – um papel fundamental no Protocolo de Kyoto. O Brasil foi e é protagonista de várias ações, de várias intervenções que resultaram em coisas importantes para o Protocolo. Um deles, que é sempre citado, é o mecanismo do desenvolvimento limpo, que surgiu de uma proposta brasileira que tem hoje um papel bastante importante, com uma ação direta para o que, como a gente diz no jargão, a mitigação ou diminuição dos problemas de mudanças climáticas ou da emissão de gases do efeito estufa. A delegação brasileira, a diplomacia brasileira foi sempre muito ativa, e eu acho que em vários momentos o Protocolo teve avanços por causa da intervenção brasileira. Mas existe, contudo, uma pedra no sapato do Brasil, e essa pedra chama-se ‘desmatamento amazônico’, e é exatamente nisso que desde 2000, na Convenção, na COP6, na Holanda, em Haia, nós estamos colocando na mesa como uma questão que deve ser encarada de frente. E mecanismos no âmbito da Convenção ou protocolos que virão devem ser abordados. Para você ter uma ideia, o Brasil emite, hoje… De tudo o que ele emite de gases do efeito estufa, de poluentes, 70% a 75% provém do desmatamento amazônico. Então o Brasil teve, por sua escolha de matriz energética, certa felicidade em relação à questão de emissão de poluentes. Tem uma base renovável considerável, e se você inclui as hidrelétricas como de energia renovável, isso tem uma proporção bastante grande, mais do que 50%. Faz do país, na questão energética, um exemplo mundial. Mas nós temos a questão das florestas tropicais – no caso da Amazônia – que nos incomoda bastante. E a gente vem alertando desde 2000, na COP6, para essa questão.
P2 – No caso do MDL – Mecanismo do Desenvolvimento Limpo, tem várias contradições. Tem gente que acha que é importante, tem gente que acha que não é o caminho. Qual a sua opinião?
R – Eu acho que o MDL é importante, deve ser mantido, porque ele é uma das ações que está funcionando, isso faz uma diferença enorme, uma das ações junto com outras que pode fazer a diferença. A solução do problema climático não vai passar por uma única estratégia, vão ter que ser várias estratégias combinadas. Dentro dessa análise, o MDL tem uma importância muito grande. É preciso, contudo, na questão florestal, que a gente faça avanços significativos. Uma das coisas que o IPAM, com outras instituições, tem sugerido no âmbito da Convenção e de outras convenções internacionais, é que nós tenhamos algum tipo de mecanismos no âmbito dessas negociações para que a gente possa ter estímulos para os países tropicais, que detêm florestas tropicais, para que eles reduzam as suas taxas de desmatamento. Uma delas, talvez, seria através de uma compensação para esses países por esse esforço de reduzir suas taxas de desmatamento. Todo mundo sabe que ao desmatar, você derruba as árvores, queima e isso se transforma em gás carbônico, principalmente, que agrava o efeito estufa e assim por diante, que agrava o aquecimento global e provoca as mudanças globais do clima. Então o Brasil tem esse desafio, é o país que detém a maior extensão de floresta tropical do mundo. Se você juntar com os outros países amazônicos, é uma extensão enorme, e que, se continuarmos com o modelo de desenvolvimento aonde floresta boa é floresta derrubada, a gente vai sim fazer uma contribuição negativa para o futuro, para as próximas gerações, bastante importante. Então é preciso que a gente encontre soluções através da Convenção de Clima para a questão do desmatamento tropical.
P/2 – Então você acha que a Convenção de Clima deveria conversar mais com a da Biodiversidade?
R – Olha, muita gente fala nessas conversas; eu acho que a sinergia é sempre bem-vinda. A Convenção de Clima, desculpe, de Biodiversidade, tem uma importância muito grande, mas eu acho que, com o tempo que a gente tem na mão, com o que se avançou em cada uma das convenções, a Convenção de Clima é a única que pode criar os mecanismos. E esses mecanismos, no meu ponto de vista, necessariamente terão de ser mecanismos de mercado, através do mercado de carbono, para salvar o que resta das florestas tropicais. A Convenção da Biodiversidade pode muito bem criar os mecanismos para, por exemplo, remunerar grupos que detêm conhecimento tradicional, grupos que detêm algumas espécies que têm valor farmacológico; enfim, criar mecanismos para valorizar isso e trazer benefícios para essas comunidades que detêm esses saberes sobre a fauna e a flora brasileira na Amazônia. Mas eu acho que é preciso ter mais do que isso para você salvar grandes extensões de florestas e não hotspots, ou não áreas importantes para a biodiversidade, somente. Você precisa de mecanismos que só a Convenção de Clima, nesse momento, pelo menos, tem e pode construir. O que a gente precisa lembrar é que não adianta preservar a biodiversidade da Amazônia se a gente não preserva a integridade do funcionamento ecológico da floresta. A floresta é uma entidade que transpira como nós, respira como nós. Se você não mantém essa integridade, você desestrutura o clima local e global, inclusive, e aí não adianta preservar a biodiversidade em áreas de conservação, porque com um clima desestruturado você vai ter perda de biodiversidade de qualquer forma. Então a grande questão é: vamos ter de manter grandes extensões de cobertura florestal com florestas manejadas, com florestas que possam trazer benefícios econômicos para a região.
P2 – Paulo, os americanos não assinaram nem a Convenção nem o Protocolo de Kyoto. Qual a sua visão sobre isso?
R – É, acho que os americanos assinaram a Convenção, não o Protocolo. Pois é, eu acho isso muito triste, eu acho que a administração atual dos Estados Unidos tem um pouco a política de avestruz, por uma série de motivos. Eu não vejo possibilidade de a administração atual americana fazer mudanças drásticas nesse sentido – por exemplo, se juntar ao esforço mundial através do Protocolo de Kyoto –, e isso causa um problema sério para toda estrutura que foi pensada antes. Para você ter uma ideia, 25% de tudo que se emite de poluentes que causam o efeito estudo (estufa?) é emitido pelos americanos, pelo estilo de vida, pelas escolhas da matriz energética que foram feitas, e isso faz com que você tenha fora do jogo o grande poluidor. E o Protocolo de Kyoto sempre sofreu muito com isso, e vem sofrendo. Um dos grandes desafios é que você traga de volta os Estados Unidos para o jogo, para que você tenha novamente, faça sentido, realmente, um esforço assim. Eu não coloco sob o povo americano uma culpa nesse processo, e sim sob a administração americana. O povo americano, em vários momentos – inclusive a sua indústria –, tem mostrado um protagonismo em termos de buscar reduções em seu território, em suas empresas da emissão de poluentes. Mas nem sempre os governos conversam com seus governados em alguns assuntos, e esse é um dos assuntos. Eu acho bastante complicado, e a ausência dos Estados Unidos é o grande desafio a ser superado nas próximas rodadas futuras – ou do Protocolo de Kyoto ou de outros acordos que vão surgir no âmbito da Convenção. Sem os americanos fica difícil você fazer avanços significativos em termos globais.
P/2 – Paulo, para você, qual é a relação entre política e meio ambiente?
R – Eu acho que, primeiro que essa relação é tão estreita que eu não sei se existe diferença. Eu acho que qualquer ato político tem… E isso é que precisa ser colocado na mesa, hoje, em discussões, seja no Congresso ou em qualquer fórum da sociedade: qualquer ato político tem algum aspecto relevante de meio ambiente. Vamos pegar os investimentos ou a política de investimento em infraestrutura na Amazônia; por exemplo, cada um dos decretos que o presidente assina tem um custo sócio-ambiental que muitas vezes não é considerado naquele momento e que passa a ser um problema. E a gente tem ‘n’ casos, não só no Brasil, mas no mundo todo, em que aquele custo, por não ter sido considerado, passa a ser um problema muito sério, gerando um passivo ambiental enorme. E aí os custos de recuperação desse passivo são maiores do que o investimento que você faria para prevení-lo. Então é fundamental que em qualquer ato político, o povo brasileiro pergunte quais são os custos sócio-ambientais daquele ato. Se nós fizermos isso e se nossos parlamentares fizerem isso em cada ação ou cada movimento para elaboração de uma lei, nós teremos uma vantagem. Eu estou falando de custo, mas na verdade é um investimento que você faz avaliando esses aspectos sócio-ambientais que passam a ser uma vantagem muito grande lá na frente, inclusive econômica, de poupar dinheiro para recuperar coisas ou até de ter vantagens econômicas naquilo que você planejou. Existem aberturas hoje, e o IPAM tem trabalhado, por exemplo, algumas vezes, com algumas comissões no Congresso brasileiro, na Câmara dos Deputados, onde tem uma comissão de meio ambiente. A gente já fez algumas audiências, alguns seminários em conjunto. Existem alguns senadores e deputados muito engajados nessa questão, e eu acho que usando um pouco essa postura, ou se servindo dessa postura de se perguntar sempre quais são os custos sócio-ambientais num país onde o licenciamento socioambiental é visto ainda como uma barreira a qualquer empreendimento… É complicado você falar disso, mas esse é o grande desafio que a gente vai ter, porque se não for assim a gente vai pagar bem caro.
P/2 – Queria que você contasse sobre a sua atuação, o seu envolvimento no Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
R – É, a gente... Existem vários fóruns que foram montados, eu não sei se a gente pode falar um pouco disso antes para dar uma sequência. Em outubro de 2000 nós fizemos um primeiro grande seminário em Belém, para colocar, naquela época, a questão florestal ou do desmatamento, evitado – como a gente falava, que se fala até hoje – dentro do MDL. Isso gerou um pânico e uma reação muito forte, não só da delegação brasileira, mas de vários países e de várias ONGs ambientalistas, entre elas Greenpeace, Amigos da Terra, e outras. Isso porque se temia… E havia uma lógica, uma razão para esse temor, de que, à medida que você colocasse floresta tropical dentro da conta da Convenção ou do Protocolo, nós poderíamos estar trazendo algum mecanismo de flexibilização das metas obrigatórias de redução que os países ricos teriam que fazer de acordo com o Protocolo de Kyoto. Naquela época a gente achou que realmente esse tipo de argumento poderia ser superado de várias formas: você poderia colocar um limite para uso de desmatamento evitado; você poderia, enfim, solucionar problemas de redistribuição de desmatamento, como se falava, porque você pode pagar um projeto de redução de desmatamento num ponto, conservar aquela floresta, a pessoa pegar o recurso e desmatar em outra área: então, você redistribuiria o desmatamento e não reduziria as taxas. Enfim, tudo isso a gente tentou trazer na mesa, várias soluções. Mas, por uma série de motivos e pelo andar da carruagem, o desmatamento evitado não foi incluído dentro do MDL e no final de tudo, no Protocolo de Kyoto não contempla a conservação ou redução do desmatamento como ação válida para a mitigação dos problemas de mudança climática. Isso foi um período muito difícil para a gente, porque a gente fazia eventos paralelos nas COPs [Conferência das Partes] falando uma coisa que era estranha a vários países e a vários colaboradores nossos, o que aqui seriam as ONGs ou as redes internacionais ambientais. Esse foi um embate bastante grande. Para você ter uma ideia, nós tínhamos que enfrentar coisas como… Ao fazer uma coletiva de imprensa ou fazer um evento paralelo, nós sempre trazíamos vários documentos e deixávamos esses documentos nas entradas das salas para as pessoas que quisessem pegar, e a gente enfrentava coisas como alguém pegando tudo e jogando no lixo esse material: tal forma era o meio de tentar mudar posições. Eu não tenho nenhum problema de falar isso, mas muitas vezes esse tipo de coisa acontece nessas Convenções. Nós continuamos batendo na mesma tecla, e nesse ano, ainda, na COP6, o IPAM foi o único a trazer povos da floresta para falar. Nós trouxemos vários representantes de povos indígenas, dos seringueiros e pequenos agricultores da Amazônia para esse evento paralelo, e eles deram palestras, deram o depoimento deles. Houve um posicionamento das instituições amazônicas no Brasil em favor da inclusão de florestas dentro do MDL. No Brasil havia certa divisão, algumas ONGs e alguns fóruns ambientalistas não achavam que este era o caminho certo, e houve, realmente, certo estresse. Desde então a gente vem fazendo a cada COP eventos paralelos, batendo na mesma tecla. Até que na COP8, em Nova Deli, na Índia, nós anunciamos que na próxima COP a gente ia trazer uma outra proposta para contemplar a questão do desmatamento tropical dentro da Convenção ou do Protocolo. Nós fizemos um evento paralelo na Índia. Havia, ainda, muita crítica quanto à proposta de incluir desmatamento, evitado dentro do MDL. Isso porque as regras do MDL estavam sendo fechadas ainda, naquela época. E em Milão, na COP9, nós fizemos então, como prometemos, o lançamento do que a gente chamou de ‘proposta de redução compensada do desmatamento’, que está, inclusive, num livro que foi recentemente lançado. Nós conseguimos, nesse evento paralelo, trazer o governo brasileiro; o secretário executivo do meio ambiente, Cláudio Langone, esteve presente, e pela primeira vez nós conseguimos notar por parte do governo brasileiro uma abertura, já que vários processos ou vários acordos do Protocolo de Kyoto já tinham sido fechados. Nós vimos, então, algum sinal de que a questão de desmatamento e clima poderia ser discutido. Essa história veio andando e culminou, com a COP11, em Montreal, no ano passado, onde teve Nova Guiné e mais dez países, mais ou menos, lançaram uma proposta e um pedido para o secretariado da convenção para a discussão da redução do desmatamento dos países em desenvolvimento como ação possível para mitigação das mudanças climáticas. Nós fizemos o lançamento de um livro lá que fala dessa proposta nossa de redução compensada.Teve a presença da Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, em que o discurso foi bastante contundente, bastante favorável à abertura brasileira para discussão mais ativa da questão das mudanças climáticas e desmatamento. E hoje eu acho que a gente vive um processo muito mais produtivo e pró-ativo, tanto por parte do governo brasileiro, quanto da sociedade civil organizada, em buscar meios para, dentro da Convenção, estimular ou compensar países que detêm florestas tropicais ou problemas com desmatamento para que revertam esse processo. Então o meu sonho é que esse processo culmine no reconhecimento desse valor da floresta em pé, numa compensação pelos esforços do Brasil, por exemplo, e outros países, pelos seus esforços na redução do desmatamento, o que traria uma quantidade de recursos consideráveis para o governo brasileiro, para que ele pudesse aplicar em projetos e políticas de desenvolvimento sustentável na Amazônia. Não teríamos mais, talvez, o argumento de que não há dinheiro para se fazer isso, ou que não se ganha dinheiro com floresta. Eu acho que esse é um caminho promissor, e espero que dê certo.
P/2 – E qual, para você, é a perspectiva ou desafios do Brasil, mesmo quanto ao uso sustentável dos recursos naturais?
R – O Brasil acho que é o único país do mundo que pode, ou que tem condições, ainda, de promover ou demonstrar que é possível você fazer um uso sustentável de recursos naturais. Não só a Amazônia, mas você tem vastas áreas, ainda, com biomas relativamente preservados. Se não for o Brasil, não sei quem poderia fazer isso. A não ser recuperar coisas já estragadas. Então eu acho que é um dever do povo brasileiro tentar achar meios, buscar com os governantes meios para que isso aconteça, e aí de novo a valorização desses recursos para um aspecto que não é palpável né, não vira comida, não vira água para você comprar, não vira carne de boi, enfim, é uma coisa que está um pouco mais difusa que são os serviços ambientais desses biomas – no caso da Amazônia, a própria floresta. Quer dizer, na medida em que a gente reconhece isso, nós vamos trazer para um novo mercado – que são os mercados dos serviços ambientais –, um estímulo que eu acho que tem toda… É fundamental para manter esse processo ou o desenvolvimento desses mecanismos de remuneração por serviços ambientais prestados por biomas brasileiros, ou florestas, ou as próprias pessoas que estão nesses ambientes e promovem, ou conservam, ou usam de maneira racional os recursos naturais. Para isso você tem que ter políticas, e essas políticas precisam avançar concomitantemente com mudanças de consciência da população brasileira. Para você ter uma ideia, na Amazônia, nós fizemos uma pesquisa de opinião: a maior preocupação dos amazônicos, na área rural… A primeira delas é, naturalmente, ter a terra para trabalhar, ter o emprego; mas a terceira delas é a preservação da floresta. E isso, por exemplo, foi feito na área da Santarém-Cuiabá, rodovia que vai ser asfaltada em breve. Então a consciência está lá, sabe-se que a região está ficando mais quente, sabe-se que, no futuro, se nós continuarmos com as taxas de desmatamento, a própria agricultura que está se viabilizando nas áreas já desmatadas pode ficar inviabilizada, porque você teria reduções drásticas de chuvas na região. As pessoas estão tomando consciência disso, e é preciso que essa consciência tome forma, tenha o formato de políticas públicas, seja estimulada por políticas públicas, ao mesmo tempo em que você possa dar outro destino que não seja pasto – e mais recentemente grandes plantios de monoculturas, seja ela de grãos ou mesmo de árvores. Eu acho que a gente tem um desafio bastante grande pela frente.
P/2 – Você consegue ver que, no Brasil, atualmente, tanto governo quanto sociedade civil, têm seguido o Protocolo ou diretrizes dessas convenções?
R – Eu acho que o Brasil segue relativamente bem os protocolos internacionais. A Convenção de Clima ou mesmo o Protocolo de Kyoto, o Brasil várias vezes cumpriu as exigências de maneira correta, mas eu acho que o problema não é esse. O problema é como tornar esses protocolos e essas convenções em algo que realmente tenha efetividade a longo prazo, a médio e longo prazo, como exige a questão da mudança climática. E isso é muito difícil fazer, porque cada um dos países tem que abrir mão de uma série de posturas, de sonhos que muitas vezes são sonhos que requerem certa poluição, ou de políticas estabelecidas, ou do que acham que é o melhor para o país. Então essas mudanças têm que acontecer antes que elas acabem acontecendo por consequência de algo pior que venha a ocorrer. Por exemplo, o furacão Catarina – não o Katrina, mas o Catarina, que atingiu a costa de Santa Catarina; é um exemplo muito claro desses custos que a gente está imaginando que podem ser bastante altos. Porque o furacão passou exatamente… Ele ocorreu exatamente nas regiões em que os modelos climáticos que prevêem eventos catastróficos numa atmosfera mais quente… Ele ocorreu exatamente nessa área. Inclusive o traçado do furacão passa em cima das áreas que são identificadas para áreas de risco para furacões no hemisfério sul. O próprio furacão Katrina dá a dimensão de como vai ser difícil se adaptar à mudança climática global. Quer dizer, [com] mais energia na atmosfera, você tem mais eventos catastróficos. Há um aumento, inclusive, de frequência de furacões de intensidade quatro e cinco, nas últimas décadas. É uma questão de preço que a gente quer pagar; quer dizer, nós vamos pagar menos agora, porque não queremos mudar nosso padrão de consumo, ou de produção de energia, ou de uso da terra, e talvez paguemos mais depois, enterrando mais pessoas, tendo que reconstruir mais vidas. Eu sou muito motivado nesse assunto, mais que biologia marinha, por um sentimento egoísta: porque eu quero ver meus filhos e meus netos vivendo em um mundo pelo menos igual ao nosso, senão melhor. Mas para que eles vivam dessa forma, é preciso que o seu filho, o seu neto vivam também, porque senão não vai ter chance nenhuma. Então eu faço todo esforço para que a coisa possa caminhar da melhor forma possível.
R – No aquecimento da superfície do oceano, ou do Atlântico Sul ou do Norte, que é exatamente o processo que está sendo previsto pelos modelos de mudança do clima, que vários institutos estão prevendo por modelos matemáticos. Então, quer dizer, é real.
P2 – Paulo, falando de futuro, como você vê esse encaminhamento das discussões internacionais, diplomáticas, na questão da mudança climática?
R – Elas são fundamentais, eu acho que… Eu acredito que só um esforço global pode trazer soluções ou amenizar o problema globalmente. Isso porque outros tipos de formatos que podem ser bem-vindos entre países são muito vulneráveis ao longo do tempo, em função da própria administração que os países têm, à troca de governos. Enfim, algo bilateral é muito mais fácil de você quebrar ou deixar para lá do que algo entre vários, dezenas de países. Então eu acho que a Convenção tem uma importância muito grande nesse processo de construir uma ação global, um consenso global e soluções globais. Agora, é preciso avançar muito, e avançar rápido. Nós levamos dez anos para fechar alguma coisa que se chama Protocolo de Kyoto: eu não sei se nós temos mais esse tempo. Talvez em 2100, que é uma data que todos colocam aí como uma data de referência para as mudanças acontecerem, daqui até lá, eu não sei se nós temos esse tempo. Por exemplo, para você mudar a base energética, de uso de energia suja, baseada em petróleo, carvão mineral ou gás natural, talvez leve trinta anos. E o aquecimento que a gente já está vendo hoje foi produzido há décadas, porque o tempo de residência do gás carbônico na atmosfera é muito longo. Então é preciso… Mesmo que a gente reparasse tudo hoje, voltássemos à idade da pedra, sem produzir um gás carbônico por queima de combustível fóssil, ainda assim nós sofreríamos com o aquecimento, e um aquecimento considerável. Então a questão toda é velocidade. É preciso que se faça novos acordos, se aprimorem os acordos que existem agora para que a gente possa ter tempo de não sofrer tanto calor no futuro, né? Então eu acho que são fundamentais os acordos, mas eles precisam ser muito rápidos e eficientes.
P/2 – Voltando um pouco à questão pessoal, você é casado, tem filhos?
R – Sou casado, tenho dois filhos, um de dezessete anos e outro de dez.
P/2 – Avaliando sua carreira, quais lições você tiraria dela?
R – Essa é uma boa pergunta (risos). Eu acho que a principal lição que eu tiro é que é fundamental que você tenha algo bastante palpável e relevante, primeiro para você, e depois para quem te cerca, algo relevante pelo que você lutar. Isso é uma das coisas que aconteceu comigo na questão climática, não só profissionalmente, porque aí você transcende – como eu estava falando antes – um pouco esse aspecto só profissional. Eu acho que não é o fato de você trabalhar em outro tipo de assunto ou outro tipo de emprego que vai te tirar essa possibilidade de você lutar por algo que faça a diferença. Eu sempre digo que, mais do que escrever uma ou duas palavras no livro da História, é você buscar escrever algumas frases. E eu acho que a questão de mudanças climáticas, pela gravidade do problema, passa a ser um pouco da frase que todos nós que, independente do que você está fazendo ou do que você é profissionalmente… É aquela frase que a gente precisa ajudar a escrever. Então a lição que eu tiro é que você não pode desistir de algo que é importante, que a sociedade demonstra para você que é importante, que você reconhece que é importante. Todo esse caminho que a gente fez nas convenções de clima, iniciando com uma coisa que muitas vezes você era chamado de maluco, de agir em prol de um país ou de outro país porque estava defendendo uma ideia – como essa ideia de inclusão de florestas tropicais dentro do Protocolo de Kyoto, ou do MDL. E a gente sempre manteve a coerência dizendo: “Olha, esse é um problema sério”, essa persistência. Acho que a lição que eu tiro, talvez não seja de vida, mas de uma boa parte da minha vida, é que você precisa, uma vez convencido de que aquilo é importante e que outras pessoas estão preocupadas com aquilo, você tem que seguir em frente, independente do que digam ou do que falem. Eu espero que a gente continue nesse caminho.
P2 – E para encerrar, o que você achou de ter participado desse projeto de memória?
R – Adorei, adorei. Acho que as perguntas foram super precisas e inteligentes, e eu acho que é o que a gente estava conversando antes: o papel da mídia na questão da mudança do clima é um papel… Talvez um dos mais fundamentais. Vocês é que informam as pessoas, vocês é que registram as coisas, e vocês é que traduzem esse ‘blá-blá-blá’ todo complicado – que muitas vezes os negociadores, os cientistas fazem – em algo que é palpável, em algo que é palatável. Não porque o assunto é complexo, mas porque a sociedade não está tendo a oportunidade de ter essa tradução ou de ter a informação. Portanto, o crucial para enfrentar mudanças climáticas, a mudança climática global, não é simplesmente ter bons acordos globais ou ter pessoas como eu e outras pessoas que passaram por aqui dedicando uma parte da sua vida na negociação ou no estudo do problema, mas é principalmente informação. Informação é o que vai mudar ou o que vai dar a chance de qualquer um desses acordos terem sucesso no futuro. Então, no dia em que nós tivermos as pessoas comuns com um rol de informações que as permita discutir de igual para igual não só com cientistas, mas com os políticos, com os governos, com as próprios pessoas que vão representar o Brasil nessas convenções, nós teremos dado um passo fundamental para solucionar o problema. E informação, principalmente, deve ser… Ela é feita e vem sendo feita pela mídia. Preocupante é só que a mídia ainda não esteja completamente engajada nesse processo. E eu espero que passos como esses que vocês estão dando sejam bastante estimuladores para que isso aconteça no futuro.
P/2 – Obrigado, Paulo.
Memória da Convenção da Diversidade Biológica e Protocolo de Cartagena e da Convenção sobre Mudança do Clima e Protocolo de Kyoto
Depoimento de Paulo Moutinho
Coordenação: Stela Tredice
Recolher