Escrevi um microconto com a ideia principal de participar de um edital. Não fui selecionado. Confesso que, por alguns dias, o sentimento de não ser escolhido bateu mais forte em mim que o de costume. Talvez seja o contexto. Mas as palavras continuam em mim, sendo elas suficientes ou não. Tomo nota agora que apenas escrevi o microconto em algum documento perdido no computador e compartilhei com os amigos por mensagens privadas. Só. O ponto é que de pouco adianta palavra presa em papel ou pixel. Elas não precisam de quarentena:
"Em cenário que chamam de plena recuperação social, onde gerações de pessoas e máscaras foram esquecidas na gaveta e já não escondem mais os rostos cansados, saia de casa com a costumeira desconfiança nas mensagens de que tudo está bem e volte a nadar contra a corrente dos espaços precariamente lotados. Em meio a euforia do velho-novo mundo, não se deixe levar pela emoção da aparente normalidade do senso comum que clama por vitória (embora seja coerente pensar que o sofrimento foi marcante e verdadeiro mais para alguns do que para outros) e vire a esquina como quem foge do pensamento maquínico que tanto entorpece. Entre os passos, evite tropeçar na ausência e faça do olhar curadoria para reparar nos que ainda valem menos que os recicláveis que cotidianamente catam."