P/1 – Então primeiro, Manteiga, fala pra gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Então, meu nome é Cláudio Pedro Barbosa Adão, Manteiga, conhecido também como Manteiga e depois, durante a nossa conversa, eu vou estar explicando o porquê do Manteiga, como é que surgiu. Eu nasci aos 7 dias do mês de novembro de 1948, na capital, São Paulo, Bela Vista, Bexiga, naquela época, esse foi meu processo, minha origem de nascimento.
P/1 – O nome completo, agora, do seu pai e da sua mãe, se você souber, data e local de nascimento deles também.
R – Olha, o meu pai chamava-se Rosalino Adão, ele nasceu em, se eu não me engano, o meu pai é de 1911, o meu pai, se não me engano, acho que era de julho de 1911, não lembro a data, 1911, finado já, faleceu em 79, aos 69 anos de idade, tal. A minha mãe faleceu aos 84 anos, era de 1915, o mês dela, se não me engano, parece que era julho também, julho, julho de 1915, minha mãe era de 1915.
P/1 – E o nome dela?
R – Era Maria Anésia Barbosa, família mineira e tal, era de Minas e tal, uma caminhada aí.
P/1 – Em que local que eles nasceram? Você sabe a cidade de nascimento deles?
R – Santa Rita do Sapucaí, que aquela época geralmente as pessoas, quando vinha, especialmente o pessoal negro, eles vinham de Minas, a origem da minha família era em Minas, eles ficavam mais aqui na capital, que era ali Bela Vista, ali aquela parte ali do Campos Elíseos, entendeu? Porque aquela época os bairros estavam em formação, ainda estava em formação, eles trabalhavam e ficavam por ali, aí depois, com o tempo, que na época, por exemplo, o meu pai comprou um terreno aqui na Vila, simultaneamente quase, na Vila Dalila, Vila Matilde, isso há quase 70 anos atrás, e também na Brasilândia. Aí depois, porque naquela época também se usava construir, as imobiliárias, os loteamentos, eles davam acho que cinco mil telhas, eles davam tijolo e telha pra pessoa no mínimo fazer o seu cômodo e cozinha, então o que aconteceu com o meu pai foi isso. Ele veio de Minas trabalhou um tempo, trabalhou, trabalhava no Estado de São Paulo na época, entregador de jornal, aí morava em pensão, morava numa pensão ali onde é hoje o Terminal Bandeiras, inclusive essa pensão existe até hoje lá, né? Até outro dia, só pra lembrar, eu passei lá pra comentar um pouco dos antigos, que eu lembro, quando eu era garoto, o meu pai me levava lá, porque trabalhava em pensão, pra ver se alguém conhecia, mas não, mudou tudo, o prédio ainda está lá, o prédio ainda existe, mas as pessoas já não estão mais. Então, voltando, então, aí depois, com os loteamentos do bairro, o meu pai comprou lá na Vila Matilde, Vila Dalila, aí veio o pessoal, trouxe irmãos, irmãos, as irmãs, pra morar com a gente, aí a família foi tendo essa consistência. Mas ele morava aqui solteiro na época ainda, morava aqui na ali numa pensão ali na Praça das Bandeiras, ali na Rua Santo Amaro, na Rua Santo Amaro, ainda tem esse local, esse prédio ainda existe lá.
P/1 – Você sabe por que ele veio de Minas? Ele contava por que ele tomou essa decisão de vir de Minas pra São Paulo?
R – A grande verdade, é que família grande, ele veio pra São Paulo pra buscar uma perspectiva melhor de vida, porque em Minas é aquela vida de roça, aquela vida agrária e tal, então ele veio pra São Paulo pra buscar um pouco mais de uma perspectiva melhor de vida. Então a grande maioria vinha nesse sentido porque em Minas lá trabalhava no meio rural, lá a situação era meio ruim. Então ele veio aqui pra São Paulo pra buscar um outro horizonte de vida. Aí depois veio a minha mãe e tal, eles eram da mesma cidade, os dois eram de Santa Rita do Sapucaí. Então esse elo lá atrás eu não sei como é que se deu, esse encontro e tal, mas eles eram de lá, eram de Minas e tal, e a grande verdade é que esse pessoal vinha a fim de buscar novas perspectivas de vida, novos horizontes, porque a vida na roça era complicada. Eu lembro que a minha mãe, às vezes eu até brincava com ela, minha mãe tinha uma mão deste tamanho de trabalhar na enxada, trabalhar, aí ela falava: “Quando eu era garota eu tirava leite de vaca lá”, eu falei: “Mãe, a senhora tirava leite de umas quatro, cinco vaquinhas”, que nada, com a idade de oito anos ela tirava leite de 20 vacas e por isso que a mão, porque hoje é mecanizado, mas na época não. Então ela já garota. E a mãe dela, a minha avó, teve 17 filhos, o negócio antigamente na roça era isso, você produzia filhos pra trabalhar na roça, o patrão, essas coisas, tudo, e do horizonte que eu te falei, então eles vinham pra São Paulo pra buscar nova perspectiva de vida e a minha mãe também não foi diferente, junto com o meu pai. Então esse detalhe, então aqui tentar, pra ver se conseguia alguma coisa, trabalho, sem tanto esforço, né, porque a vida da roça era muito dura, você vê, já começava pequeno, com oito anos já a pessoa já ir pra roça, entendeu? Então é mais ou menos essa caminhada, né?
P/1 – Manteiga, você sabe qual que é a origem da tua família, da onde vieram teus antepassados? Alguém contava essa história na tua casa?
R – Não, eu soube, inclusive eu tive até, eu tenho que até resgatar, principalmente da parte da minha mãe, 17 filhos, a gente tem que criar uma árvore genealógica, mas tem hora que eu não, aí perdeu, quer dizer, 17 filhos, aí a Glorinha, não sei quem, eu tentei escrever alguma coisa, mas não deu pra completar, não deu. Eu sei que a minha família é de origem mineira, tanto da parte da mãe como do pai, o da parte da minha avó, do meu avô e da minha avó por parte de mãe, meu avô não conheci, conheci a minha avó, já, era bem pequeno, tenho uma vaga lembrança dela, que ela foi, eu acho que eu tinha o quê? Acho que eu tinha uns oito anos, uns oito anos, aí da parte do meu pai também, não conheci o meu avô, da parte do meu pai não conheci nem meu vô, nem minha vó, da minha mãe eu conheci minha avó, mas da parte do meu pai eu não conheci o meu avô e minha avó, não. Mas eu sei que eles eram de Minas, moravam lá num lugar lá em Santa Rita do Sapucaí chamado Balaio, umas coisas assim, que era mais ou menos ligado, era até mais ou menos, acho que era um pouco, tinha um grau de parentesco, primo, aquelas coisas, porque eles tinham um pouco esse grau aí familiar. Então eu sei que é de Minas, eu tentei resgatar essa coisa pra criar quem é filho de quem, quem é mãe de quem, principalmente da parte da minha mãe, eram muitos filhos, muitas irmãs, então umas três ou quatro deu pra lembrar, mas o resto depois não, você vê, 17 filhos, que era braço pra trabalhar na roça. O do meu pai também, você vê, o meu pai teve irmãos, meu avô e minha avó eu não conheci, por parte de pai, a minha tia que lhes criou, o meu tio, ele teve, parece que era três irmãos, três homens e duas mulheres, né, da parte também, da parte do meu pai, né, três homens e duas mulheres, entendeu, essa era... Tanto é que a gente morou, eu morei com a minha mãe, eu morei com a minha mãe com a idade de cinco anos, então minha mãe me teve, com idade de cinco anos, não morava com o meu pai, eu morei até os cinco anos com a minha mãe na Bela Vista, quando eu nasci, eu morava com a minha mãe. Minha mãe era empregada doméstica e tal, eu morava com a minha mãe aqui, até outro dia eu passei lá, lembrei muito de uma música do Adoniran Barbosa, que era aquele quarteirão embaixo ali da, onde tem o teatro ali do Silvio Santos, ali embaixo, tem um quarteirão que foi demolido, eu nasci ali, e ali antigamente chamava beeiro, que era cortiço, né, era cortiço. Antigamente as pessoas que vinham de Minas e tal, pra ficar no centro da cidade, era aqueles cortiços, e chamava beeiro, beeiro porque era quantidade de gente que morava lá e até com a idade de cinco anos eu morei lá. Depois a minha mãe me trouxe, eu vim morar com o meu pai, com a minha tia, quer dizer, minha tia que nos criou, que o meu pai, durante esse período, ele morava numa pensão. Eu com a idade de cinco anos eu vim morar com a minha tia, que já tinha mais cinco primos, que foi três, tinham perdido a mãe recentemente, então a minha tia acabou criando nós, então teve um período de ausência da minha mãe, né? Eu fiquei mais ou menos dos cinco anos, ela ia, de vez em quando ela ia lá e tal, mas não tinha aquela permanência, tanto ela, o meu pai também sempre ia constantemente lá, aí depois, com a idade de cinco anos eu vim morar com a minha mãe e tinha mais, com mais cinco primos, então a minha tia que me criou, que criou nós.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Não, aí eu tive, eu tenho uma irmã por parte de mãe, eu tenho uma irmã por parte de mãe, que é a minha irmã por parte de mãe, ela é nove anos um pouco mais nova do que eu.
P/1 – Como é que ela se chama?
R – Aparecida, Maria Aparecida Barbosa, essa é a parte de mãe. Aí depois também, com o tempo, entrei em contato com ela, que a mamãe nessa época morava ali, morou ali no Bairro do Limão, morava no Bairro do Limão, ali a gente passou, passei a conhecer minha irmã e tal, a gente se dá bem até hoje, tal, a relação nossa é muito próxima. Perdi minha mãe está fazendo cinco anos, há cinco anos que a minha mãe faleceu, aos 84 anos, uma mulher muito guerreira e tal.
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho, te perguntar, você sabe qual que é a história do teu nome, assim, quem que te deu esse nome e por quê?
R – Por que Cláudio? Assim, não sei, viu, eu só sei a origem um pouco do Cláudio, aquelas coisas, que Cláudio é claudicante, é manca, Pedro é Rocha, eu costumo brincar que Adão foi o princípio de tudo, biblicamente falando, na religião cristã. Então agora o porquê que me deram o nome de Cláudio eu não sei, e também eu não cheguei a nem perguntar, foi um detalhe que eu não, e às vezes é interessante, aí depois você começa a entender, que nem essa época, por exemplo, o meu pai, que eu morei com a minha mãe até cinco anos, inclusive eles tinham uma relação legal. Na época a gente fica se perguntando: “Mas por que essa relação não deu?”, aí depois, com a idade, você vai respeitando a individualidade, cada um tinha lá os seus motivos, eu não sei qual é e também não entram em detalhes. Eu sei que a vida era muito difícil, tanto é que a minha mãe acho que trouxe eu com cinco anos pra morar com a minha tia porque alguma dificuldade havia, até por conta de morar sozinha, da batalha. Aí depois, com o tempo, também veio minha irmã, ela arrumou um outro companheiro, mas a relação dela com o meu pai sempre foi uma relação legal, né? Então, mas esse vácuo que existiu na minha vida, foi durante, dos cinco até os 18 anos, quase uns, fiquei quase uns dez anos sem ver minha mãe, que aí ela foi pra um lado, eu fui pro outro e tal, morava com a minha tia, ela frequentou durante um período, aí depois não frequentou mais, a gente ficou sem se falar, não sabia, por onde anda. Aí, depois de determinado tempo, ela conseguiu fazer contato com a gente, a gente reiniciou essa relação aí. Então é muito isso, que a vida da gente é muito conflituosa, então eu nunca entrei nesse detalhe: “Mãe, por que que não deu certo?”, que tem momentos, você, como criança, você se pergunta: “Cadê? Quem é o seu pai, quem é a sua mãe?” e tal. Na escola, deixa eu ver, com nove anos, com 18 anos, apesar do meu pai ter uma convivência quase sempre com a gente, porque a minha tia cuidava da gente, mas ele e meu tio eram tipo de uns guardiões, de vez em quando ia lá pra saber como é que as crianças estavam, se precisava de alguma coisa pra dar sustentação. Então eu, e às vezes eu perguntava, falava: “Pô, a minha mãe, aquele período jovem, pô, minha mãe e tal”, e tem um período também, depois, eu tinha só o nome da minha mãe, era Cláudio Pedro Barbosa, não tinha o Adão do meu pai, aí depois de determinado tempo, acho que com uns 18 anos, aí o meu pai me reconheceu oficialmente com o nome, com a certidão do nome. Então, durante esse período também, você fica, sabe, essas coisas que você não entende muito, aí depois a sua cabecinha, vai começando a ter um entendimento maior sobre isso, então teve essa fase muito, uma fase muito... Aí depois também moramos, que eu fiquei lá na, mudamos pra Brasilândia, até a idade, eu fiz o primário até a idade de 12 anos, depois mudamos pra Brasilândia, porque o meu pai também tem uma propriedade lá, e era intenção dele construir lá e fazer um comércio pra gente poder tocar, né? Mas não deu certo, ali foi um período muito difícil, porque eu acabei perdendo a minha tia, ela que deu toda essa sustentação, que era um pilar, aí acabei perdendo a minha tia, perdi meu tio, perdi um primo meu também. Ali foi um momento muito de conflito, perdi muito o chão nessa época lá, principalmente quando a minha tia era a referência da gente.
P/1 – Que idade você tinha nessa época?
R – Nessa época eu tinha, acho que eu tinha uns 15 anos, uns 15 anos, quando eu perdi minha tia, então foi muito pra nós todos, os valores morais que passou foi a minha tia, a minha tia que passou pra nós, esses valores e tal, porque quem cuidava da gente era ela. O pai, o tio, eles iam lá só pra dar uma assistência, ver o que precisava, dar uma pegadinha no pé da gente também, porque moleque é danado, entendeu, o coro era com eles. Então a minha tia que forjou nós, criou um homem, tanto ela falou: “Vou criar vocês um homem, não um macho”. Então me deu muitos valores, principalmente até em parte de religião, que isso na caminhada de vida da gente me ajudou muito, me ajudou muito. Então eu, sabe, tenho uma lembrança muito grande da minha tia, que chamava Terezinha, uma dificuldade também, separada do marido, já tinha um filho e mais esse sobrinho que ficou pra ela criar.
P/1 – Como é que ela era como pessoa? Descreve um pouco ela pra gente.
R – Ah, minha tia era uma figura, eu lembro de algumas coisas, a gente era muito arteiro, não era muito alta, baixinha, gordinha e tal, e a gente, e até isso, sabe, até pra resgatar, com a idade de cinco anos eu vim morar com a minha tia, né? Aí sabe como é, que eu morava com a minha mãe e você quando mora com a mãe, era filho único, cheio de mimo, xodó, meus brinquedos era tudo separado, aí, quando eu vim morar com a minha tia, deu as boas vinda, me deu a boa vinda, tal: “Seja bem-vindo” e tal, mas aí ela já falou: “Escuta, aqui, o processo aqui é o seguinte, aqui é uma comunidade, o que é de um aqui é de todos”, foi onde eu aprendi também a viver em comunidade no sentido literal da palavra. Aí ela falou que aqui é de todos, aí eu vi as pessoas se apossarem de um brinquedo meu, uma roupinha que servia pra outro, aí eu falava, ficava choramingando, então daí inclusive que vem o meu apelido. Aí eu tinha um primo meu que falava: “Pô, esse moleque só fica aí chorando, parece uma manteiga”, e a manteiga, cinco anos, entendeu, esse apelido começou aos cinco anos, Manteiga pra lá, Manteiga pra cá e ficou Manteiga. Então era essa coisa, ali o que era de um era de todos, dentro daquela dificuldade, o que tinha que dar pra um tinha que dar pra todos. Eu lembro, na época acreditava muito em Papai Noel, a gente colocava às vezes o sapatinho assim na janela com capim, usava colocar, aí depois, no dia seguinte do natal, você ia lá, não tinha nada, aquilo batia uma tristeza, mas a gente sabia da dificuldade. Depois, com o tempo, você vê a dificuldade dos pais de dar o presente pros filhos e tal, porque aí se tinha que dar pra um era pra todos. Na escola, eu lembro que durante um período ele comprava umas malas, então tinha que dar pra todo mundo, então é um processo muito difícil. E a minha tia era essa matriarca, criou nós sob muitos valores, então eu tenho muita lembrança dela, uma exímia arremessadora de tamanco, porque eu nunca fui desrespeitar, pela educação que a gente teve, mas eu resmungava muito. Às vezes ela mandava pegar alguma coisa, já resmungando e tal, ela, onde ela estava sentada, tacava o tamanco, pum na ideia, eu corria, e tinha que voltar e pegar o tamanco: “Traz meu tamanco aqui, fulano”, aí pegava o tamanco, ela: “Pô, não sei o que lá”, dava outra tamancada, mas era aquela mãe acolhida, né? Naquela época, por exemplo, a construção das nossas casas, das casas, antigamente era feito em mutirão, meu pai trabalhava a semana toda, no final de semana, sábado e domingo, quer dizer, a casa já estava lá, um cômodo e cozinha, mas não tínhamos poço, né? Então furava um poço, quem furou o poço foi meu pai junto com a minha mãe, ajudou, minha tia ajudava lá a puxar a terra lá, mas ela lavava roupa lá, tinha que lavar roupa no rio, que eu acho que era uma média de uns 500 metros, e levava a gente, moleque, tal, ia com a gente lá pra lavar roupa. Então essas coisas marcam muito, a educação, ir pra escola, essa coisa de frequentar a escola, de ter educação e tal, esses valores básicos, de respeito. Então durante a trajetória da vida da gente a gente aprendeu muito, mas era uma pessoa que abriu mão dela praticamente, não viveu, se divertiu, só foi pra criar os sobrinhos, a sobrinhada mais o filho, né? Então era muito isso, se divertia assim, eu lembro que em casa, mês de junho, o meu primo chamava Antônio, naquela época costumava levantar mastro, de Santo Antônio, São João e São Pedro, como o meu primo chamava Antônio, que era o filho dela, costumava levantar mastro, então geralmente em junho em casa vinha muitas, tinha muitas pessoas, né? Tinha fogueira, aquela coisa da vizinhança, era muita vizinhança, era terreno que não tinha muro, o mínimo que tinha era uma cerca, aquela cerca de pau fincado lá, então era um pouco isso que era lazer, que a gente via durante a semana, aquela relação de amizade.
P/1 – Como é que era? Era uma festa, esse momento de levantar o mastro do santo como é que era?
R – Era em homenagem ao santo, que era Santo Antônio, mês de junho comemorava Santo Antônio e São Pedro, mas no caso era, aí levantava o mastro, fazia uma fogueira e aí as pessoas se reuniam, tinha que fazer, se não me engano, parece que era sete anos seguidos, no mínimo. Então eu lembro muito dessa época, marcou muito, que reunia a vizinhança, aquela fogueira, aquela coisa gostosa, que a gente fazia. Então a minha infância foi uma infância meio coisa, mas muito sadia, tenho muito boa lembrança desse período, exceto esse período que nós tivemos na Brasilândia, que realmente houve essas perdas, então isso marcou muito. Aí depois de lá voltamos pra, viemos morar na Dalila de novo, aí eu já tinha 18, 18 anos, 18 pra 19 anos, né?
P/1 – Deixa eu só te interromper um pouquinho pra voltar, um pouco da infância ainda, eu queria perguntar assim, primeiro dos seus pais, o que você lembra do jeito deles, da convivência que vocês tinham, se você fosse descrever pra alguém que não conhece, de personalidade, de jeito, teu pai e a tua mãe.
R – Minha mãe, o que eu tenho da minha mãe, minha mãe era uma pessoa muito dócil, minha mãe era muito batalhadora, muito guerreira, com a idade de cinco anos, ia trabalhar, ela me levava, muito protetora, apesar daquele momento, daquela dificuldade que ela tinha, mas era muito uma mãezona, muito dócil, muito batalhadora, ela trabalhou muito. Trabalhava de doméstica nas casas, aquelas coisas todas, inclusive, depois de muito tempo, eu venho saber, que eu estava conversando com a minha mãe, ela trabalhou na casa do Vitor Brecheret, aí minha irmã teve esse privilégio, eu não lembro, de brincar no quintal do Vitor Brecheret, ali, sabe, brincar no quintal do Vitor Brecheret ali. Então a minha mãe era muito isso, muito trabalho, o meu pai também, o meu pai também uma pessoa muito dócil, muito educada, ele queria que os filhos estudassem, aquela coisa toda, era muito de pegar no pé, era muito de falar, o meu pai era muito, o exemplo dele era de falar, né? Me ensinou muito dessa coisa da leitura, que outro dia até, que eu estou fazendo curso no Senac, depois você tem um TCC, que você conta um pouco da sua biografia e alguma coisa que você quer fazer em vida, assim. Então me lembrou muito essa época do meu pai, porque o meu pai trabalhava no jornal O Estado de São Paulo e ele trazia o jornal e ali ele mandava eu ler alguns textos, eu lia os textos pra ele, mas aquilo era pra aprimorar a didática, aquelas coisas, sabe, comecei a pegar gosto da leitura por aí, comecei a pegar muito gosto da leitura. O meu pai trabalhava no jornal O Estado de São Paulo de entregador, saía quatro horas da manhã, entregava o jornal até mais ou menos umas sete horas, aí depois das sete horas ele ia pra outro trabalho, né? Mas a figura da pessoa dele era uma pessoa muito dócil, muito protetora, muito, sabe, então essa coisa da educação pros filhos, essa coisa de querer educação, é que na época também a gente, faltava um pouco de... É porque a intenção de estudar que eu tinha, eu falei: “Pô, eu quero cursar uma faculdade”, então fiz o primário, aí depois não deu, eu tinha que trabalhar aos 14 anos, trabalhar pra ajudar e tal, e aquela coisa de faculdade, também tinha a admissão. Aí eu fiz, tanto o ginásio como o segundo grau eu fiz no supletivo, naquela época tinha supletivo, aí eu falei: “Pô, eu quero encarar uma faculdade”, mas não dá, porque a grana, hoje está um pouco mais, um pouco mais de condições, não dá. Aí você começa a fazer aqueles cursos e tal, tem um pouco dessa frustração toda, porque não houve essa possibilidade de cursar uma faculdade, então faz um curso técnico ali, outro ali, aí não dá pra trabalhar porque você tinha que ter estágio. Então foi muito isso, mas voltando um pouco à figura do meu pai e da minha mãe, então é muito isso, meu pai também uma pessoa muito dócil, mãe muito batalhadora.
P/1 – Com o que o seu pai trabalhava, além da questão da entrega dos jornais?
R – Ele trabalhou muitos anos, aposentou no jornal O Estado de São Paulo, trabalhava, ele fazia ali o Bom Retiro, trabalhou muito no Bom Retiro, trabalhou quase 40 anos no jornal O Estado de São Paulo. Eu cheguei até, eu sei disso, da dureza do trabalho dele, porque às vezes, quando eram datas assim, ele trabalhava de segunda, não, de domingo a domingo, o jornal só, naquela época o jornal O Estado de São Paulo não saía só às segundas-feiras. Então geralmente quando tinha algumas datas marcantes, por exemplo, dia dos pais, dia das mães, natal, ano novo, ele ia também entregar o jornal, então eu ia com ele dar uma mão pra ele vir mais cedo pra casa, e tal, mas não era fácil, não, o jornal O Estado de São Paulo na época era quase dois quilos, então pra você sentir. É legal você ir pra você valorizar um pouco, como é que é o trabalho, isso também fortaleceu muito, a admiração do meu pai. Depois de lá ele ia pra outro trabalho, trabalhava em transportadora, aquelas coisas todas.
P/1 – Como é que ele fazia entrega do jornal?
R – O jornal, ele pegava o jornal, determinado, ele tinha uma área pra ele entregar, então fazia por rua, mapeava por rua, sei lá, por exemplo, José Paulino, aí pegava determinada quantidade de jornal, punha nas costas, quando eu ia com ele levava um pouco também, aí punha o jornal de cá, as lojas ainda não tinham aberto, não era aberta ainda, ele colocava embaixo das portas, né? A maioria era loja, tinha lá a relação dos assinantes do jornal, ele colocava embaixo das portas e tal de todos os assinantes, tinha uma quantidade de assinantes, aí terminava, tinha que ir cedo, que o jornal saía cedo, então quando abria a loja o jornal dele já estava lá pra ele ler, né?
P/1 – Fazia a pé então, fazia tudo a pé?
R – Não, a pé, tudo a pé, nem era carrinho, era tudo a pé, tudo a pé. Aí tinha um local que ele deixava, dois lugares ou três lugares que ele deixava o jornal, banca de jornal, banca de jornal antigamente abria mais cedo, então ele deixava o jornal e fazia tipo de uns postos assim. Fazia duas, três ruas, terminava, ia lá, pegava um pouco de jornal, era tudo na mão, tudo a pé, a pé mesmo, então ele era muito conhecido naquela região ali da José Paulino, aquelas ruas do Bom Retiro ali, que ele trabalhou muito tempo.
P/1 – Eu queria saber, assim, essa mudança sua da casa da sua mãe pra casa da sua tia, era tia materna ou paterna?
R – Era por parte de pai, era irmã do meu pai, ela era irmã do meu pai, né, era irmã do meu pai.
P/1 – Quais são as suas lembranças dessa saída da casa da sua mãe e a chegada na casa da sua tia? Como você se sentiu, qual impressão, quais são suas lembranças desse momento, como é que foi pra você?
R – Então, a princípio foi como eu comentei, a princípio, aquela mudança de ambiente, eu tinha um tratamento quando morava com a minha mãe e depois eu venho pra outra casa com a minha tia, então foi um ambiente diferente, com mais gente, com mais pessoas e tal. Então, que nem eu expliquei, esse choque das pessoas já, ali na minha tia, com mais gente, era um ambiente mais de comunidade, onde se repartia, tinha que ter a repartição pela dificuldade, então a calça que não servia pra um ia pra outro, um brinquedo. Então foi esse processo, aí depois eu fui me adaptando, aí eu fui me adaptando, tinha que se adaptar, tinha algumas coisas que você não comia, né: “Ah, não como isso”, com a minha mãe podia até escolher, lá já não: “Ó, é isso aqui que tem que comer, se não comer...”, então você vai, sabe, isso te dá um, com o tempo, fortalecimento muito grande. Minha tia era muito isso, aí era comunidade, essa dificuldade e tal, mãezona, então na época lá, e a gente vai crescendo, aquelas brincadeiras que a gente tinha, aquelas coisas eram mais ou menos homogêneas das crianças, a maioria andava descalço, sabe, era mais ou menos igual, com rara exceção. Bola, jogava muito, a nossa infância, por exemplo, era bola de meia, enchia uma meia, nossa, aquilo era, quando pintava bola de capotão, nossa, que tinha uns mais abastados lá, uns colegas, né, pintava bola de capotão, nós jogava até com uma bexiga, né, entendeu? E tinha aquela época, tem aquelas coisas da bola cair numa casa, que nós morávamos numa esquina, tinha uma senhora lá já de idade, era meio ranzinza, a nossa bola caia lá, não queria devolver, ixi, era um balaio de gato danado o negócio, diversão. Então mas essa mudança, houve um processo de adaptação da casa da minha mãe pra minha tia, mas aí as coisas foram tomando rumo com esse processo de educação da minha tia, de falar muito com a gente, dar educação, e com o tempo a gente vai entendendo. Já levantava de manhã, e a minha tia é interessante, apesar de ser analfabeta, ela tinha essa coisa da educação muito forte, que a gente levantava de manhã, tinha uma diferença dos meus primos, tinha uns que tinham uns três anos a mais, até quatro, já estavam na escola, então todo mundo levantava de manhã e já tinha atividade. Fazia, botava uma camisetinha na gente, a nossa casa acho que tinha mais ou menos, ainda tem, uns dez por 32, vamos supor, tirando a casa, dava uns 20 metros, fazia a gente dar várias voltas em casa, no quintal, era tipo de um exercício, aí fazia esse exercício. Depois cada um ia, a gente ia comprar carvão, que naquela época o fogão nosso era a carvão, tinha uma carvoaria, a gente ia comprar o carvão, quem tinha pra escola ia, quem não tinha já ficava ajudando a fazer algumas coisas ali, esse processo. E sempre fazendo alguma coisa, entendeu, fazendo alguma coisa, tomava um café ali e tal, aí o pessoal ia pra escola e a gente ia, quem não estava na idade escolar ainda ficava ajudando, aquela época a gente tinha muita, plantava muita coisa em casa, você podia plantar uma verdura, alguma coisa e ajudar nos afazeres da casa, eram os afazeres domésticos da casa, tinha muito esse processo aí.
P/1 – Como é que era a casa? Descreve um pouco pra gente o bairro e a casa na época.
R – O bairro, aquele bairro, na época, humilde, rua de terra, como todo o bairro em formação, a gente foi um dos pioneiros lá, com mais algumas famílias, que não tinha nada, coisa de 70 anos atrás quase, a gente foi pioneiro. Por exemplo, eu lembro que a minha prima ia trabalhar, então naquela época você ia trabalhar onde tinha muito trabalho, ela trabalhava ali do lado do Brás, Penha, as pessoas iam de caminhão, a condução era muito precária, chegava a ir até em caminhão, até pau de arara, as mulheres subiam no caminhão e tal, tinha escada, ia trabalhar às vezes de caminhão, era escasso. Agora, uma coisa muito forte era a relação com a vizinhança, você tinha uma relação muito grande com a vizinhança, aquele bairro humilde, a situação humilde da gente, mas essa relação de vizinhança era muito forte, né? Tanto é que hoje mudou, quem está lá agora da família, remanescente, tem só o meu vizinho lá, que é da mesma época que a gente, infelizmente ele veio a falecer também, que era o Seu Onofre, a esposa dele ainda é viva, a Dona Isabel, ela deve está com essa faixa também de 80 e poucos anos, então o vizinho mais velho da nossa época, que está lá ainda. Mas a nossa vivência é isso, um lugar humilde, aquele bairro em processo de formação ainda, muito espaço pra você brincar, pra você, a escola era perto de casa, brincava muita brincadeira na rua e tal.
P/1 – Além de bola, do que vocês brincavam, do que você costumava brincar?
R – A nossa infância, muito aquela brincadeira de pião, de bola, muita bola, chamava um negócio de mãe da rua, as pessoas ficavam de um lado, outro do outro, fazia uma faixa na rua e um grupo de lá tinha que atrair o grupo de cá, com uma perna só, a pessoa pulava. Então tinha que trazer o outro pro grupo, pra essa outra faixa divisória, com uma perna só, até quem trouxesse mais gente ganhava, porque vamos supor, dez de um lado, dez do outro, aí um tinha que trazer o grupo pra lá, é claro que aumentando esse grupo ficava mais fácil pra você trazer o outro, aí você tinha lá, por exemplo, 15 pessoas, trazer três do lado de lá. Então era essa brincadeira, mãe da rua, queimada, aquela bola, pião, essas coisas, bola, brincar, bola de meia, pião, empinar pipa, você tinha vários espaços, então a nossa infância foi mais ou menos nesse sentido aí. De vez em quando eu ia fazer carreto na feira pra ajudar com um dinheirinho em casa, engraxate, vendia verdura, que aquela área ali, nós morávamos aqui do lado da Vila Dalila, toda aquela área da Aricanduva era chácara, tinha muita verdura lá, então a gente comprava verdura pra vender, pra arrumar um trocadinho também. Só não deu certo uma vez com o negócio de vender pastel, vender pastel e tal, mas sabe como é moleque, então com o balaio, usava um balaio, aí peguei o dinheiro do pastel. Pra começar, do pastel eu costumava tirar a azeitona, pastel antigamente tinha uma azeitona, aí tinha uns pasteizinhos, eu tirava a azeitona pra vender, o cara: “Pô, mas esse pastel não tem azeitona?”, “É, a mãe não colocou azeitona nesse pastel”, quando não, aí moleque você sabe como é que é, aí via um campinho de bola... Eu lembro que teve uma vez que ia vender os pastéis, peguei o cesto, coloquei do lado, fui jogar bola, quando voltei lá, não encontrei nada, o dinheiro, nada, cheguei em cada: “Mas cadê o dinheiro?”, ih, meu Deus do céu. Então era muito isso, né, aí tomava lá uma pisa lá e chorava pra caramba, fazia o maior barulho, mas no dia seguinte, moleque, é gozado, você tem medo de apanhar, mas no dia seguinte está fazendo a mesma coisa, entendeu? Então foi esse mundo, essa vida, essa coisa gostosa que a gente, uma relação muito grande da vizinhança, da molecada, hoje ainda tenho alguns parceiros da época, alguns amigos da época, cada um trilhou um caminho e tal, mas a gente está, mas essa infância minha foi muito rica nesse sentido, das coisas mais simples, você aproveitar as coisas mais simples. Tem aquela música: “Eu era feliz e não sabia”, mas eu sabia sim, porque a gente valorizava muito isso, então é uma caminhada, a infância foi isso.
P/1 – Você torcia pra algum time de futebol?
R – Eu torci, sou corintiano até hoje, até por conta da minha família, ela é corintiana, o meu pai foi, nossa, inclusive meu sogro, já finado, os dois também de Minas também, os dois mineiros, eram corintianos. O Corinthians era, em casa era a maioria, eu não conheço quem da minha família, ela era corintiana, na minha família todos eram corintianos naquela época. Hoje até é fácil ser corintiano, hoje é um time vencedor, mas naquela época, nossa, ficamos quase 20 anos de fila aí, era uma gozação danada, então hoje as coisas tão um pouco mais fáceis, mas corintiano é corintiano, não tem jeito, corintiano quanto mais sofre mais, entendeu, então hoje tá um pouco mais fácil, as coisas melhoraram um pouco.
P/1 – Você se lembra quando que você se tornou corintiano ou quando você percebeu que você ia torcer pro Corinthians, era torcedor do Corinthians?
R – Eu acho que é o ambiente, então quando você nasce naquele ambiente, não houve forçação de barra: “Não, você tem que torcer”. Hoje eu vejo alguns pais: “Tem que ser”, então foi muito natural, eu não sei se é por conta do convívio também, quando eu percebi já, né? Aquela época que torcer era boa, a gente ia pro estádio, o tempo lá, a gente ia com corintiano, com palmeirense, não tinha essas coisas de torcida organizada, era muito mais saudável, entendeu? Mas o Corinthians nasceu na minha vida assim, por conta dessa relação da família, meu pai, todos foram, a família toda era corintiana, inclusive quando eu casei também, casei com a minha esposa, o pai dela era corintiano doente, a mãe. Nossa, eu lembro, em 77, 77 é quando o Corinthians foi campeão, 74, um negócio assim, acho que 77, nossa, foi uma, não sei se você lembra um pouco daquilo, foi uma festa danada, foi, nossa, aquilo estava engasgado aqui, então essa relação, essa convivência.
P/1 – Você lembra do momento da vitória, onde você estava, como é que foi?
R – Lembro, eu estava na casa do meu sogro, fui assistir à final na casa do meu sogro, ainda não era casado, estava namorando ainda, nem noivo não era, eu estava namorando, aí ia lá assistir o jogo na casa do meu sogro, aquela vibração toda. Nossa, a hora que, quando o Corinthians ganhou, o velho estava com uma caixa de rojão, fazia mais de dez anos que estava lá esperando esse momento, foi uma festa geral, geral, foi uma festa geral. O Corinthians, nossa, parecia que era o Brasil que estava jogando, e marca muito, até pela confraternização, como é que era antes e tal, então isso marcou muito, a gente gosta muito. Aí depois também comecei a minha militância na escola de samba, comecei minha militância na escola de samba, assim, a escola nasceu, a Flor da Dalila nasceu em 73. Aí fundamos lá junto com uns amigos lá, fundamos essa escola de samba, que hoje existe já há 41 anos uma relação. Na época a gente tinha lá, um dos grandes fundadores era o Brandão, então ele tinha um clube, ele tinha um clube que dava baile, chamava Rei Clube, no clube também de vez em quando eles faziam umas excursões pra Santos, naquela época tinha o negócio do banho da Dorotéia, e a partir dessa relação de amizade a gente procurou: “Vamos fazer um, fundar uma escola de samba pra gente ter um espaço também mais permanente, pra gente está se divertindo e tal”. E aí iniciou, porque naquela época era na rua, a gente, escola de samba era na rua, aí depois conseguimos um espaço lá, através de um político lá, a gente conseguiu um espaço, mas foi muito na rua e foi através dessa relação de amizade, né? Então isso, nossa, está muito enraizado também, a escola de samba está muito enraizada, então a gente se dedicou um bom tempo da vida no negócio de escola de samba. Hoje a gente está meio, os meus filhos também, minha filha, eu ia levar ela pra escola, ela tinha o quê? Seis meses, tanto é que eles foram desde mirim, minha filha está com 33, meu filho com 31, foram o primeiro casal de mestre sala e porta-bandeira da escola de samba, da Flor do Dalila, aí depois de um tempo foram pro Camisa e tal. Então no bairro a gente começou a criar essa relação, sabe, futebol não muito, que eu não era, jogava mais era pelada, eu não tinha muito, o meu primo sim, que morou comigo, ele chegou até ser quase profissional no São Paulo, lá naquela época lá, mas eu era mais pelada mesmo. Então eu gostava mais do samba, baile, essas coisas assim, porque eu era mais ligado nisso, frequentava o futebol, assim, mas era mais pra levar a chuteira praquele jogador que a gente admirava, entendeu? Nossa, era um prazer danado! Então rolava tudo isso, baile, futebol, escola de samba e tal, então esse foi o métier, uma relação muito forte das amizades.
P/1 – Manteiga, escola, voltando ainda um pouco também pra sua infância, depois a gente vai falar com mais detalhe da Flor de Vila Dalila, tudo isso, mas da sua infância eu queria saber assim: Quais são as primeiras lembranças que você tem da escola? Quando você começou a frequentar e quais são as suas memórias?
R – A escola educacional, né?
P/1 – É.
R – Ah, eu lembro que no primeiro dia que eu fui, do primeiro dia, sete anos, né, entrava aquela época com sete anos, aí eu tava com um lápis, eu até lembro hoje, caderno, um caderninho e um lápis e aquela resistência de ir na escola, né? Aquela coisa, era uma coisa meio nova, estranha: “Pô, vou largar minhas amizades, minhas brincadeiras”, e a escola era perto, acho que não dava, de casa lá, ainda tem essa, na época era escola de madeira, na época era uma escola de madeira, hoje a escola voltou lá com o mesmo nome, mas não dá, acho que não dá 50 metros de casa ela. E a minha tia me levou até a porta da escola: “Vai, fulano”, eu chorando: “Vai, fulano, vai na escola”, aí fui pra escola, primeiro ano, aquela dificuldade, é como engatinhar, né? Hoje o processo dessa nova geração já é diferente, mas pegar o lápis, a professora tinha que, pegava o lápis ali, fazia bolinha, fazer A e tal, aí depois você vai se acostumando, criando uma relação na escola de samba, na escola lá, amizade. Mas eu lembro que a nossa, essa coisa de, mudou um pouco, do respeito que tinha, como é que era, antes da gente entrar na escola, formava, tinha formação, cada sala com a sua professora, e aí ia pra, quando você entrava na classe, todo mundo entrava junto e tal. Usava até antes, não no primário, não no primeiro ano, mas segundo ou terceiro, até negócio de cantar o hino, de você entrar, cantar o hino e tal, sabe, aquela coisa, de disciplina mesmo. Então eu tenho isso, tenho as minhas professoras, como é que era.
P/1 – Teve algum professor marcante?
R – Eu tive uma professora marcante, foi assim, a Dona Ida, do segundo ano, que a fazia, a Dona Ida dava uns beliscão na gente assim, que, nossa, a Dona Ida, a Dona Ida era, “Moleque”, não sei o que lá. Moleque era muito danado, eu tinha um amigo que uma vez levou uma cigarra dentro de uma caixa de fósforo, aí ele chegou na aula, a cigarra desandou a andar: “Quem é que está com essa cigarra?”, aí apareceu: “Vai lá pra secretaria lá ficar”, mas era legal. Então essa coisa, o colégio de madeira, aquela dificuldade até pra comprar o uniforme, botava uniforme, camisa do uniforme, aí saía do uniforme, chegava em casa, tirava o uniforme, já botava aquela roupa e aquela roupa meio simples, remendada, que era pra brincar na terra e tal. Então a escola foi isso, até inclusive eu tenho uma foto que eu vou trazer, que está meus amigos, na época que eu estava no segundo ano primário, aí tive revendo um pouco, quem é quem, quem está presente, quem deixou de estar, mas essa relação muito forte. Aí você passa a gostar, eu lembro que lá na formatura da gente, o cantor lá, aquela coisa, tudo, aí logo em seguida a gente mudou pra Brasilândia, então a gente ficou, bateu muito uma saudade desse período infantil, pra mim ir pra outro espaço, que acabamos mudando pra Brasilândia e tal. Mas a escola foi muito boa, divertida, muito, umas amizades, a forma como é que se educava e tal, a gente tinha, foi um aprendizado, foi um aprendizado, foram momentos bons, pra gente, momentos bons.
P/1 – Você lembra o que você queria ser quando crescesse, quando você era pequeno, Manteiga? A primeira vez que você pensou assim numa profissão, o que você queria ser?
R – Ah, eu queria, a vontade era trabalhar, porque eu lembro que aí teve essa fase muito difícil, quando a gente morou pra Brasilândia, aí eu tive um período também naquela época de Exército, aí você fica meio sem emprego, aí você tem que está fazendo, sabe, quebrando galho, trabalha ali, trabalha. Mas eu sempre, eu pensei muito, eu sou muito família, sabe, aí a minha família foi desagregando, acho que morreram, aí o meu primo casou, outro foi pra outro lado, mas era muito essa coisa de trabalhar, mas a família, que foi um pouco o que o meu pai queria, né? Ele falou, quando nós mudamos pra Brasilândia, ele construiu lá e queria montar um comércio e ele queria que a família tocasse aquele comércio, até pra melhorar de vida, sei lá, aquelas ideias que ele tinha lá, mas não foi possível, porque não era o métier da gente também, a gente era muito criança, os primos meus que podiam estar fazendo isso, eles acabaram não dando certo, faleceram mais cedo. Então eu sempre fui de família, minha ideia sempre foi poder trabalhar, é claro, eu almejava estudar, estudar, ter uma profissão, pra se formar e tal, então foi muito isso, mas daí você encontra uma barreira ali, outra aqui, aquela coisa que eu citei pra você, essa coisa de faculdade, aí não deu. Aí você tenta, começa a fazer esses cursos assim, meio profissional, mas que não vira, que você tem que ter estágio, que você tem que ter, que nem na época, quando eu fiz um curso aí de, como é que chama? Curso técnico de, como é que fala? Técnico de segurança do trabalho, isso já mais adulto, mas aí, por quê? Então você trabalhava numa empresa já quase mais de dez anos, aí você tem que abrir mão dessa empresa pra poder estagiar, mas aí não dá certo, você já está com uma certa idade, sabe, então essa dificuldade. Hoje não, melhorou, a pessoa está trabalhando numa empresa, está fazendo curso, o próprio curso já faz estágio e tal. Mas voltando lá trás, também a intenção era estudar para me formar, fazer uma faculdade, fazer coisa, constituir família.
P/1 – Um sonho de criança, assim, essas coisas de criança, às vezes jogador de futebol, aviador, caminhoneiro, tinha alguma coisa assim quando você era pequeno ou não, você não pensava nisso?
R – Não, eu pensava em estudar, me formar, não tinha uma coisa de se formar em que, mas me formar, estudar, porque através do estudo eu poderia estar, na época, sendo alguma coisa, me formar. Teve uma época que eu tive uma oportunidade, mas por conta do meu documento, que ainda não estava legalizado, aquela época tinha uma Vasp lá, tinha uma empresa lá que pegava menores, pra poder iniciar nesse processo, mas não deu, porque nessa época eu ainda não tinha o nome do meu pai, aí deu um problema, isso também eu fiquei meio chateado, né, então perdi essa oportunidade aí.
P/1 – Você não tinha documentação na época?
R – Não, o nome era, só tinha o nome da mãe, aquela época, não sei, preconceito, o pessoal: “Ah, qual é o seu pai? Não sei o que, precisa do nome do pai também”, sabe, aquele jeito. Então por conta disso não deu certo, que era na Vasp, tinha iniciação pra garotos, pra fazer um curso lá de estagiário, ia aprender, então não deu por conta disso, que os documentos, durante um período, só tinha o nome da minha mãe. Aí depois, com o tempo, o meu pai reconheceu e tal e eu, aí eu passei a chamar o sobrenome do meu pai.
P/1 – Como é que foi o momento que o seu pai foi te registrar e acrescentou o nome dele? Conta um pouco pra gente como é que foi esse momento, como que isso aconteceu.
R – É, então, isso aconteceu, ele já, inclusive, aqui, parte, não é tanto culpa dele, teve um advogado que ficou quase oito anos lá arrumando documentação, não deu certo, que ele falou: “Não”, sempre teve essa preocupação dele: “Não, passar o seu nome, tem que ter o meu sobrenome, tal e tal e tal”. Que às vezes as pessoas pegavam o documento: “O nome da sua mãe”, hoje nem tanto, né: “Que é, só tem mãe? Cadê seu pai?”, só tinha o nome da minha mãe no registro, e não tinha documentação. Aí o meu pai, cheguei a conversar um pouco com ele, devido à dificuldade que eu tinha em cima disso, mas sem forçar também, eu acho que, mas aí ele falou: “Não, então vamos providenciar isso”. O documento ficou lá quase uns oito anos com o advogado lá, que não resolvia, meio embrulhão, aí ele tirou de um, colocou no outro, a gente conseguiu resolver, aí com a faixa de, acho que quando eu tinha já uns 18 anos, 18 anos, Exército, teve problema, 18 pra 19 anos. Aí conseguiu regularizar, peguei o sobrenome do meu pai, Cláudio Adão, aí as coisas, mas foi isso, processo espontâneo lá, que ele colocou o nome, tal, mas minha tia sempre cobrava, as irmãs: “Pô, precisa dar o sobrenome pro moleque aí”, Rosalinda, que é a minha tia, falava muito disso, Rosalinda: “Pô, Rosalinda, precisar dar o nome no moleque aí”, “Ah, não, pode deixar, eu vou providenciar e tal”. Aí teve essa época, mas eu tinha já uns 18, é 18, 19, 18 pra 19 anos.
P/1 – Manteiga, a sua mudança pra Brasilândia como é que foi? Que você citou algumas vezes, que idade você tinha e como é que foi pra você essa mudança?
R – Eu tinha sete, com cinco, 12, sete com quatro, 11, 12, é, com a idade de 12 anos nós mudamos pra Brasilândia, aí ficamos lá até, voltamos, eu tinha 12, ia fazer 19 anos, ficamos lá na Brasilândia quase nove anos. Foi um processo também difícil, porque era uma região que estava acabando de sair, contando aqui, é quase 50 atrás, o bairro lá, uma região mais distante, né, nossa, ali era, meu, trabalhar, você tinha que... Eu lembro que na época a minha prima ia trabalhar, era jovem, aí eu acompanhava ela, principalmente quando chovia, eu tinha que ir com ela trabalhar, levava um sapato, ela calçava um sapato até chegar na avenida lá onde pegava o ônibus, que tinha asfalto, trocava o sapato, dava o sapato dela, que às vezes tinha barro, tal, aquela dificuldade, e trazia o sapato dela. Comprar as coisas também era dificuldade, mas o que marcou muito foi essa perda desses pilares da minha família, o meu tio, a minha tia, um primo meu, né, eu com a idade de 16 anos, um primo meu, também me chocou muito porque ele teve um problema pulmonar. Eu lembro que foi uma sexta-feira, e era posto de saúde, não era nem médico, estava sentindo lá umas tosses lá, uns problemas lá, e não tinha carro, eu sei que eu conhecia até uma carroça, arrumei uma carroça do vizinho, aí colocamos ele na carroça pra levar naqueles postos de saúde, posto de puericultura na época, que chamava. Eu lembro que foi numa sexta-feira, aí levamos ele, morava na Brasilândia, foi na Freguesia do Ó, dava o quê? Uns cinco quilômetros, aí levamos ele na carroça e tal, chegou lá, ele foi medicado e tal, aí o médico falou: “O pessoal precisa internar ele, então na segunda-feira ele vai ser internado”, aí botamos ele na carroça e tal, trouxemos. Mas aí no final de semana, de sábado pra domingo, ele veio a falecer, então, e é gozado, que a gente havia abençoado e até pela forma dele, ele era, ele tinha um problema, um problema pulmonar, negócio de pulmão e tal, andou queimando as coisas em casa lá, colchão, que tinha aquelas coisas, mas graças a Deus a gente não foi afetado. Isso marcou muito, porque eu acompanhei ele nesse processo, de levar ele, não trabalhava, de levar ele, desse cuidado, aí na sexta, na segunda ia ser internado, ele veio a falecer, então isso marcou muito. Então esse período na Brasilândia foi muito, até por conta dessa coisa que o meu pai tinha de fazer alguma coisa, também não deu certo, o outro meu tio também eu perdi, então foi muito uma fase de perdas, né, essa parte de perda, tudo isso me marcou muito, marcou muito, mas a gente tem que superar.
P/1 – A sua tia adoeceu também?
R – Adoeceu, minha adoeceu também, teve problema do coração, é aquele pessoal, que nem eu falo um pouco da minha mãe, trabalhou na roça muito tempo, viveu só pra trabalhar, só pra criar filho e tal, né? Então você vê, mesmo na época, em casa, a gente, quando mudou pro Dalila, por exemplo, pra Vila Dalila lá, então o poço, ela tinha que furar o poço, tinha aquela coisa, e um montão de criança pra cuidar, lavar roupa lá no rio, levava as crianças e tal. Assistência médica não tinha, era aquela coisa, então ia lá, tomava um chá, tomava, mas tem alguma coisa que gera sequela, que nem a minha mãe mesmo, até que ela durou, ela tinha um problema do coração um pouco grande, que era em relação a esse trabalho que a pessoa faz precocemente, de criança, tirar leite de vaca, aquelas coisas lá, então é, isso, no futuro, você tem um problema, então isso veio a afetar.
P/1 – Depois da morte da sua tia, como é que foi pra sua família se reestruturar, quem que assumiu o cuidado com a família, como foi isso?
R – Deu uma desestruturada, porque aí a minha prima, por exemplo, ela, que era uma pessoa também que foi criada nesses moldes nossos, conheceu um cidadão lá, o cara era casado, aí passou a morar com o camarada, aí o outro meu primo também, aí veio a casar. Eu tinha uma prima que foi criada com a gente também, aí desandou, até hoje eu não sei se é viva ou se é morta, sabe, a família deu uma desestruturada, então, sabe, houve esse abalo. Então aí a minha prima também, que arrumou um outro companheiro lá, foi morar com ele, e já tinha os outros filhos, aí, quem mais? O meu primo lá, o Valter, também casou, eu tinha um outro meu primo também que foi virar, levou a vida dele. Aí tem o meu pai, que casou, depois o meu pai veio a casar com uma outra companheira, arrumou outra companheira, isso já na Brasilândia, só que ele morava, não quis morar comigo, eu não quis ir morar com ele. Falou: “Você não quer ir morar?”, justamente pra reconstituir a família, eu falei: “Pô, a gente tem que”, porque inclusive eu podia ir lá, passei uma fase difícil, podia ir morar com ele, pelo menos pra garantir as três refeições por dia, que uma dificuldade, mas eu falei: “Não, eu tenho que ficar com a minha família”, eu acho que é, sabe, a gente... Então foi um período muito, a gente sobrevive, a gente sobrevive.
P/1 – Que idade você tava quando a sua tia faleceu, Manteiga?
R – Ah, eu tinha 16, a minha tia, acho que eu tinha o quê? Uns 16 anos, uns 16 anos, aí a família deu uma desandada, 16 anos. Aí o meu pai já era casado, mas eu não...
P/1 – Mas você ficou morando na casa com os seus primos?
R – Eu fiquei morando na casa com os meus primos. Eu não quis ir morar com ele, porque, você sabe o que eu achei? Eu acho que o meu pai tem a vida particular dele, eu não, sabe, então eu não quis interferir, tanto é, quanto eu casei, fui casar, eu até falei pra minha esposa, eu falei: “Não, a gente vai casar, vamos ter a nossa, assim como ele batalhou pra ter, a gente vai ter também”, né? Mas ele falou: “Mas, pô, fala com o Cláudio, pra vocês não pagar aluguel, aqui tem um espaço aqui, você pode”, que ele construiu lá um sobrado, construiu uma coisinha pra fazer um pouco, ajudar na aposentadoria dele, né? Então também eu não queria isso, entendeu, eu falei: “Pô, ele construiu, eu vou morar?”, então, mas aí: “Pô, vê se convence o Cláudio, isso aí é pra vocês, é o único filho que eu tenho, tal”. Aí depois, com muito tempo, teve algumas coisas, eu falei: “Bom”, aí ele precisava também de uma pessoa pra estar cuidando das coisas dele e tal, aí eu, aí nesse ínterim veio morar pra Brasilândia, viemos morar no Dalila, que é uma área grande, consegui construir uma casa pra mim, que eu casei, eu e minha esposa e tal, vim a ter filhos, né?
P/1 – Mas antes disso, com 16 anos, você continuava estudando, Manteiga, nessa fase de 16 da Brasilândia você continuou estudando, você já trabalhava? Eu queria entender um pouco como é que era seu cotidiano.
R – É, não, 16 anos, aí eu, não, eu não, só trabalhava, aí quando eu vim, 16 anos, aí quando eu vim pro Dalila novamente, com 18 pra 19 anos, eu comecei a fazer o supletivo, eu falei: “Pô, preciso terminar, fazer o ginásio”. Aí comecei a fazer o ginásio, supletivo, depois eu fiz o colegial, mas antes, na Brasilândia, eu só trabalhava.
P/1 – Com o que você trabalhava nessa época da Brasilândia?
R – Eu comecei a trabalhar com 14 anos, porque aí tinha uma colega minha que era vizinha e precisava de um garoto lá pra campanha política, porque era uma indústria plástica, então precisava de um garoto pra estar imprimindo, botava uma cédula, imprimia a fotografia do candidato e tal. Isso foi, faltava dois meses pra eu completar 14 anos, aí fui fazer esse trabalho e tal, mas como eu era muito alegre e tal, então estava cantando, não sei o que, trabalhava bem, aí essa mocinha, essa vizinha nossa lá, que era minha colega, um pouco mais velha do que eu, bem mais velha do que eu, aí falou pro patrão e tal, o patrão precisava de um garoto de office boy. Aí eu terminei esse trabalho político, aí entrei na empresa, já me registraram, eu fiz 14 anos, tirei meu documento, minha carteira de menor e fui trabalhar nessa empresa como office boy, aí lá fiquei, trabalhei dois anos, na Ameropa, Ameropa Indústrias Plásticas, fazia o papel de office boy, trabalhava de office boy. Eu queria muito ser gráfico na época também, lá tinha uma seção de gráfica, porque era aquela gráfica, trabalhava só pra fazer os papéis da empresa, aí tinha um rapaz lá, ele começou a me ensinar um pouco de mexer na máquina, trabalhar com linotipo, aquelas coisas todas lá. Mas depois também eu acabei, aí a menina chamou eu pra trabalhar de office boy, primeiro eu comecei a trabalhar, ajudar ele na gráfica, aí depois a menina precisava de um office boy no escritório, eu fui trabalhar de office boy no escritório. Aí trabalhei lá até, trabalhei dois anos, 14, fiquei até 16 anos.
P/1 – Você lembra o que você fez com os seus primeiros salários nessa época, se você conseguiu comprar alguma coisa que queria, fez alguma coisa pra você?
R – Não, a gente dava o salário em casa, dava um pouco em casa e tal, porque dinheiro a gente ganhava pouco, dava o dinheiro em casa. Nessa época, aí eu fiquei um tempo desempregado, problema do Exército, uns dois anos, mas aí nessa época eu já tinha perdido minha tia, é, 14, é, 14, dois anos, 16, é, quando eu, 16, aí eu voltei a trabalhar, perdi minha tia nesse período, perdi minha tia, ainda peguei um pedacinho dela viva. O dinheiro que você ganhava você dava um pouco lá, dava em casa lá, dava o que precisava lá, que a gente não tinha muito luxo também, mas eram uns bailinhos, futebol, então a coisa funcionava muito desse jeito, entendeu?
P/1 – Nessa fase de adolescência o que você fazia, além do trabalho, pra poder se divertir, Manteiga? Você falou desses bailinhos, o que era isso?
R – Ah, especialmente baile, baile era, baile, jogar bola, jogar aquelas peladas, principalmente era baile e jogar pelada, baile era, baile, eu sempre gostei de baile, tinha muito baile, tinha os bailinhos lá, e futebol, a diversão.
P/1 – Como é que eram os bailes, onde que era, o que tocava?
R – Geralmente era em casas, os bailes eram muito em residência que tinha, então tudo era motivo de festinha, então aniversário do fulano, na casa de outro, a gente ia. Aquela época também tinha muito equipes de baile, como é que chamava? Era mais ou menos equipe, mas o camarada tinha uma discoteca, então eu lembro um rapaz lá que chama Laquê, então ele tinha uma e às vezes ele dava baile, mas sem cobrar, você fazia aniversário: “Ô, Laquê, dá um baile aí”. Aí eu ajudava ele, aí então comecei a ter contato também com música, com disco, eu ajudava ele a levar os discos lá pra ele fazer o baile, promover o baile. Mas essencialmente a nossa diversão era baile, futebol, né, gostava muito de cinema.
P/1 – Cinema também?
R – Cinema, gostava de baile, futebol, cinema.
P/1 – O que tocava nesses bailes de música, o que você escutava de música, o que tinha nos bailes de música?
R – Música, eu vou lembrar até um pouco do rádio, voltando, isso já a época, que eu tenho uma vaga mensagem, que tinha muito aquela Rádio Nacional, aquelas coisas, eu era muito fã do, aquela época, do Nelson Gonçalves, o Nelson Gonçalves, esse Germano Matias, Nelson Gonçalves, Germano Matias, que é um outro que eu tinha, aquele pessoal da época. Então eu gostava muito, tanto é que a grande maioria das músicas do Nelson Gonçalves eu sabia, naquela época lá, a gente ouvia rádio, e os bailes também era aquela música da época, né, que era Ray Charles, Bienvenido Granda, esse pessoal aí, que era bolero, que a época era bolero, Ademar Dutra. Quem é o outro que tinha lá? Nat King Cole, essas grandes, esses artistas hoje que chama de nostalgia, na década de 70 mais ou menos, todo esse pessoal, uns bailes muito gostosos, uns bailes bom. Na época também tinha uns bailes que a gente chamava de baile americano, baile americano porque, além de tocar esses hits, , americanos, Ray Charles, samba-rock, essas coisas, e a bebida também era muito aquela bebida, era... Como é que fala? Você tomava ali era, mais era drink, não era tanto cerveja, então você tomava ali aquelas bebidas que na época tinha, era fogo paulista, uns licores, umas bebidas meio, não era tanto cerveja, não, então frequentava muito bailinho americano. Mas essencialmente o nosso lazer, o meu lazer, eu sempre gostei muito de baile, baile e futebol, baile, cinema, gostava muito de cinema, ainda gosto muito de cinema, agora não dá pra ir constantemente, mas gosto muito de cinema.
P/1 – Onde você ia no cinema na época?
R – Na época tinha muito cinema de bairro, no bairro, que nem aonde a gente morava, no Dalila mesmo tinha três cinemas, que era o Cine Caboclo, o São João e o Dom Sebastião, o Caboclo era ali mesmo embaixo, na Vila Dalila, o São João na Vila Matilde, Dom Sebastião era na Vila Esperança, então tinha os cinemas de bairro. Mas aí, quando eu comecei a trabalhar já frequentava muito a cidade, eu gostava muito, eu sou um paulistano na sua essência, porque eu trabalhava a semana inteira na cidade e no final de semana eu ia curtir São Paulo, Rua Direita, aquela época da Rua Direita, tinha a Rua Direita ali, Vale do Anhangabaú, ali chamava Ponta da Praia na época. Aí eu ia muito no cinema, o Cine Arte Palácio, tinha um cinema na Rua Formosa ali, como é que chamava? Cine Cairo, quando inaugurou o Cine Ouro, que era o modelo de cinema, no Largo Paissandu, aquela coisa meio barroca. Mas eu sempre gostei muito de São Paulo, então São Paulo, aquela época do Parque Dom Pedro, que não tinha nada disso, o parque era um parque mesmo, Cine Xangai, então eu curtia muito São Paulo, no final de semana eu ia pela cidade, aquela coisa gostosa de você ir na cidade, ali. Rua Direita, domingo você ia dar uma paquerada na Rua Direita ali, porque as empregadas ali, era um círculo, tanto é que eu lembro até uma música, se eu não me engano, dos Originais do Samba, que ele fala: “No lado direito da Rua Direita”. Então a gente ia, ali a gente ia dar uma paquerada, arrumar namorada na Direita, São Paulo, mas eu curtia muito São Paulo. Tanto é que teve uma época que, quando eu era office boy, eu gostava tanto que às vezes um pouco de tempo que eu tinha ocioso, que antigamente office boy, você tinha que visar cheque, aí ficava, demorava 20 minutos, você ia no outro banco e tal, e ficava esperando, quando chegava naquele banco, você estava ali, nesse período também sobrava algum espaço. Sabe o que eu fazia? Eu tinha mania de pegar aqueles prédios, subir no elevador, ir até o último andar e depois descer de elevador de novo, então teve uma época que você mostrava pra mim São Paulo, assim, eu sabia dizer a maioria dos prédios de São Paulo: “Ó, esse aqui é o prédio tal, esse é o prédio tal, esse é o prédio tal”, porque demorava também, São Paulo de uns tempos pra cá que começou essa coisa, esse urbanismo danado. Então eu conhecia São Paulo, as ruas, principalmente o centro da cidade, ali, frequentava muito São Paulo, eu gostava muito de São Paulo, era muito paulistano mesmo.
P/1 – De cinema, você se lembra alguma sessão, algum filme em específico que tenha te marcado?
R – É, tinha, naquela época tinha muito, como é que chamava? Era seriado, principalmente cinema de bairro, tinha seriado que passava todo final de semana, era seriado, vamos supor, Roy Rogers, então é seriado, seria ia acho que o mês todo, se eu não me engano, era Royal Rogers, Butch Cassidy, aquelas coisas lá. Tinha um outro também, era Royal Roger, outros filmes da época que também tinha lá, mas geralmente tinha muito seriado, fora os filmes normal, se fazia muito seriado, não sei se era uma forma de você prender, né, o espectador e tal, mas era muito seriado, todo final de semana, e você acompanhava, né? É igual novela, por exemplo, aí chegava determinado momento, um acontecimento, parava, aí no outro final de semana, que geralmente era mais final de semana, o cinema, principalmente de bairro, funcionava mais nos finais de semana, então você acompanhava aquele seriado, aquela época de Roy Rogers, Butch Cassidy. O que mais? Televisão era coisa rara, eu lembro que televisão, tinha um bar que nós íamos lá, aquela época era a Turma dos Sete, era, deixa eu ver se Nacional Kid. É da minha época Nacional Kid? Eu sei que era a Turma dos Sete, tinha capitão não sei das quantas lá, a gente pagava um real pro dono do bar pra assistir esses filmes, assistir esses programas aí, o dono do bar cobrava um real da gente lá na época, televisão, que não tinha televisão, televisão era coisa rara.
P/1 – Era no centro esse bar ou não?
R – Não, aí era no bairro que eu já morava, aí no bairro, o cinema era no bairro, porque passava esses seriados, essas coisas aí, mais era o cinema, aí depois, com o advento, começou uma casa ou outra a ter televisão, a gente ia, aí depois lá do bar que a gente pagava, aí um amigo ou outro começou ter televisão. Mas o mais mesmo era essa brincadeira nossa de rua, a gente brincava até as tantas, até seis horas da tarde estava com essas brincadeiras de rua gostosas aí, mas o mais, cinema era mais final de semana.
P/1 – E a questão do samba, Manteiga, quando que entrou na sua vida? Você ouvia samba nessa época?
R – Ah, sim, já ouvia, já ouvia, porque a gente tinha muito, pra time de futebol tinha muita batucada, mesmo de garoto, garoto você ia, pô, era caminhão, hoje é proibido, até, claro, até justo, mas a gente tinha os clubes de futebol, era caminhão, o jogador ia jogar em caminhão e ali ia no batuque, samba. Já tinha essa coisa de baile, mesmo quando eu não dançava, eu ia, eu gostava de ir em baile, só pra ver e tal, pra se enturmar, então eu via aquilo e aquilo foi me, né, me pegando, me conquistando e tal. Mas era mais, que nem eu te falei, o baile era mais residência, e essa coisa do samba também foi através do batuque, batuque já está um pouco no sangue porque eu lembro que tinha aquela coisa de Folia de Reis, essas coisas, gostava de fazer um batuque lá, isso já fui pegando o gosto. Mas a coisa do samba, da escola de samba mesmo foi, eu tinha o quê? Dezoito, foi na década quase de 70, mudamos pra Vila Dalila, justamente já conhecia esse pessoal, que de infância já tive, de frequentar essas coisas que eles faziam, excursão pra Santos, o baile, tinha esse baile, costumavam dar baile, esses bailes de nostalgia, que na época não era nostalgia, nostalgia é agora, frequentava muito esses bailes. Aí criamos uma relação de montar uma escola de samba. Então a gente junto com o Brandão, que foi o percussor disso, a gente foi um dos fundadores, e de lá pra cá a gente não parou, diminuiu agora. Inclusive eu passei por várias instâncias do samba, eu fui diretor de harmonia, saí na bateria, diretor cultural e por último, agora, eu fui presidente durante seis anos, saí o ano passado e agora eu sou só conselheiro, faço parte só do conselho da escola de samba. Então essa coisa foi enraizando, e não só do samba, agora também estou com um projeto lá de trabalhar mais a parte social, cultural, porque o samba eu estou achando que está tomando esse caminho aí, o carnaval, não o samba, o carnaval está tomando uns caminhos aí, que a gente está, e também está meio cansadão, sabe, essas coisas, transformações que está tendo o carnaval aí. Então eu quero trabalhar na escola de samba, mas com esse viés mais cultural e social, sabe, que também venha fortalecer o carnaval, fortalecer principalmente o samba, porque agora está essa coisa muito competitiva, é dificuldade de grana e tal, isso vai cansando, sabe? Então eu tenho umas coisas que, mas o samba em toda a minha vida é assim, grupo de amizade, formar a escola de samba, ensaiava na rua, ali era voluntário, a coisa era muito voluntária, cada um chegava em casa do serviço, botava uma marmita e já ia pra escola de samba.
P/1 – Mas esse grupo que resolveu formar a escola de samba já era um grupo que se reunia pra tocar ou pra ouvir samba em algum lugar, como é que foi isso?
R – Não, era um grupo que mais dançava, tocava um pouco, a gente tocava em baile, que nem eu te falei, tinha lá o batuque, já tinha algum instrumento, quando tinha, por exemplo, que nem lá na época, quando o Brasil foi campeão da Copa de 70, o Brandão tinha os instrumentos. Quando a gente ia pra piquenique, excursão, a gente levava batuque, entendeu? Então tinha excursão, já levava, ia batuque no ônibus, chegava lá, batucava em Santos, qualquer piquenique que você fazia levava batuque, então já estava incorporado. Daí até que surgiu a ideia, então mas já sabíamos, já sabíamos batucar, outro já fazia alguma coisa, já tinha esse exercício do batuque, aí a escola de samba só veio complementar, agregar esse pessoal.
P/1 – Você tocava?
R – Tocava, tocava, saía na segunda, chamava segunda, que batia o surdo lá, era a segunda de surdo, eu tocava.
P/1 – Você já ouvia samba, escutava no rádio?
R – Ah, já, já na época, eu estou lembrando até de Germano Matias, esse pessoal na época. Como é que chamava lá aquele que morreu lá? Noite Ilustrada, sabe, esse pessoal, já gostava, já ouvia samba, samba já, MPB, já ouvia samba, bolero, na época, muito ligado, eu gostei muito de rádio, eu gostava de rádio, gostava muito de ouvir. Eu gostava muito de cantar, gostava muito de cantar, às vezes, um exercício que a minha tia fazia com a gente também, de vez em quando tinha uma brincadeira, punha uma cadeira lá pra cada um cantar, essa minha tia que criou nós, ia lá cantava, então a gente era muito desprendido. Eu gostava muito de cantar, tanto é que na própria escola de samba, durante um período também, eu fiz parte da ala de compositores, então a gente sempre gostou de dar o recado.
P/1 – Tem uma canção, assim, um samba que tenha te marcado ou que seja mais significativo pra você?
R – Na escola de samba ou de uma forma geral?
P/1 – Pode ser de uma forma geral, pode ser da escola de samba.
R – Na escola de samba teve vários que marcaram, mas o que marcou muito, eu lembro que foi parece que em 88, 82, sei lá, 82 que foi um samba que foi a primeira mulher, a primeira a gravar um samba em São Paulo que eu tenho conhecimento, a gravar um disco, Terena, foi: “A vitória da luz sobre as trevas, brilhou o céu azul infinito”, esse samba me marcou muito. Teve outro também que é do Palmares: “Ó, Palmares”, falando de Zumbi: “Terra de babalaô, o negro era feliz, Xangô”, então teve vários, teve outro também que marcou, que é o que era da escola de samba. Eu ganhei, até o samba que eu ganhei, eu ganhei um samba inclusive na escola, que falava da lenha da Amazônia, esse não marcou, não porque eu ganhei marcou, mas teve outros que, sei lá, assimilei mais, não sei se é pela fase e tal, mas esse da Amazônia. Em 1988 teve o Promessa: “Promessa fica na promessa, é hora”, que a gente tava saindo em 88, de uma ditadura, aquelas coisas ainda tava meio, de Sarney, tal, então ele, “Nova República, me engana que eu gosto”, foi um samba muito... A questão política na época: “Me engana que eu gosto, reforma agrária cadê? E o índio está cansado de sofrer, o leão virou hiena, coração, marajá de bolso largo nem abala o coração. Enquanto aposentado, que merece mais respeito, o menor abandonado vive só o preconceito. Me arrepia essa tal democracia, acorda, meu Brasil”, e parece que até está atual, de 88 e isso está atual, entendeu? A educação, as coisas aí, trabalho, uma bandalheira danada, mas temos que resistir, né, temos que formar, resistir, isso aí. Então a caminhada, sei lá, a gente fez um bocado de coisa.
P/1 – Uma canção de algum sambista que você gosta, tem alguma canção mais marcante ou preferida, que tenha marcado um momento?
R – Ah, eu tenho, nossa, a minha época foi muito rica de cantor, muito rica de cantor, nossa, não dá pra enumerar, mas tem uns muito que eu gosto, eu gosto do Luiz Melodia, Chico Buarque, bons artistas na época, Luiz Melodia, Chico Buarque, muita música, eu gosto muito de música, sabe, gosto muito, então tem vários. Uma música muito rica, não dá pra enumerar, a minha época era uma época muito rica de letras, mesmo até de samba-enredo, na época do carnaval, samba, hoje não se faz mais samba-enredo por N razões e tal, então eu sempre gostei do meio, sempre gostei de música e minha época foi uma época muito rica, então eu gosto muito. Eu gosto muito do conteúdo da música, sabe, primeiramente eu me apego muito à letra, muito ao conteúdo, e hoje não se trabalha muito conteúdo, a música hoje, sei lá, ela é feita pra, sei lá, consumo, com pauta mais de, hoje eu não sei. É claro, não vou falar o culpado é a juventude, porque a indústria fonográfica joga aí, o pessoal não tem essa vivência um pouco, com algumas observações aí, mas a maioria, então a qualidade musical hoje está muito ruim de conteúdo. Tanto é que até no SESC, a gente tava conversando lá e foi um pessoal que está no samba há muitos anos, foi aquele, o Osvaldinho da Cuíca, aquele que é o da Portela lá, como é que chama lá? Caramba, é um dos fundadores da velha guarda da Portela lá, então a gente estava conversando e eles perguntando, ele falou: “Pô, o carnaval”, então geralmente é unânime, a unanimidade, o carnaval está tomando rumo, o samba-enredo, essas coisas, é quase unanimidade nisso, meu. Mas, não sei, o que a gente vai fazer? Eu sempre gostei muito de música, de samba, vivi uma época muito rica de sambistas, gostava muito de cantar, gostava muito de cantar. E teve até uns tempos atrás aí, nossa, tive uma felicidade muito grande, que eu fui, a gente foi chamado pra fazer uma ponta aí, a Globo tava fazendo uma ponta aí com o, como é que chama lá? Não sei nem quando que vai ser apresentado, era o, como é que é? Do samba, como é o nome lá do? Os Atravessadores do Samba, e nesse, nessa minissérie, porque era uma minissérie que eles tão fazendo, aí participava o Osvaldinho da Cuíca, participou o Germano Matias, participou Wilson das Neves, que é do Rio de Janeiro, participou o menino do Camisa Verde lá, que eu não lembro dele, então um pessoal que tem uma caminhada, sabe? Mas gostoso esse bate papo que nós estamos tendo aqui, então tem uma hora que a gente sentou lá pra gravar, pra pessoa prestar depoimento, uma descontração, aí o próprio Germano Matias estava contando um pouco da caminhada dele, o Wilson das Neves, esse pessoal que participou, essa riqueza, de como é que é a música e tal. Aí eu estava falando, cheguei a falar pro Germano Matias, eu falei: “Pô, Germano, eu sou um admirador seu e tal, a maioria das suas músicas aí a gente, eu gostava muito de cantar e tal”, ele: “Pô, legal”, aquele jeitão dele, ele está quase acho que com 80 anos, está com 80 e poucos anos. Então foi um momento muito rico de estar com essas pessoas, entendeu, que é um referencial que você, que eu acho que o jovem hoje precisa muito de um referencial. É que nem, por exemplo, eu criei meus filhos, desde a educação deles dar um referencial, vendo a televisão, legal, então a televisão é Cultura, assistia lá os programas deles lá naquela época lá, como é que chamava lá? Um negócio que eu achava até meio medíocre, que eram uns bonecos que ficavam lá, acho que do SBT, que tinha lá, parecia um robô, mas eu sempre dei uma direcionada, sabe, era TV Cultura, sabe, esse programa, muita leitura, né? Uma satisfação, hoje minha filha e meu filho é devoradores de livro, como eu fui, devora livro, mas eu, sabe, eu dei um viés, eu dei um viés, então é por aí, você tem que direcionar. Até no campo musical também, muitas músicas de nostalgia, é que eles não viveram nem a época, mas é o ouvido e tal, ver, então eles têm uma, aprenderam um pouco dessa perfeição das músicas antigas, esse gosto musical, então isso é legal. Eu acho que a gente tem que direcionar um pouco, aí, é claro, depois o jovem, ele vai, é que nem hoje, acho que você pode ver novela, mas você tem que, sabe, dentro desse mundo você ter um viés, porque senão fica difícil, fica difícil, se bem que hoje está difícil mesmo ter escolha, né? Então eu acho que o meio, a gente costuma falar que a gente é muito o meio que se vive, o ambiente, o homem é produto do meio, é um pouco isso mesmo, né, então dependendo do meio que você vive, mas a gente sempre tem que direcionar. Eu acho que você, não impor, mas direcionar, pôr, aí a escolha você vai fazendo, né, entendeu, eu acho que é muito isso, graças a Deus que os meus filhos, por exemplo, deu muito certo, eles têm a mentalidade deles e tal, estudaram, tão trabalhando aí, mas é muito isso.
P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que foi a formação da escola de samba, Manteiga, que você falou um pouco que formou a partir desse grupo que já se reunia, fazia festa, já tinha a batucada. E aí, quando vocês resolveram mesmo formar, como é que vocês decidiram nome, como é que vocês conseguiram o espaço, como é que foi isso?
R – Então, aí: “Vamos formar?”, “Vamos”, aí, agora, claro que tem um, tem essa coisa jurídica, né: “Vamos formar?”, “Vamos”, “Como é que vai chamar?”, teve vários nomes lá, não sei se era Itaquera, Falcão do Morro, teve uns dois, três nomes lá, Falcão do Morro, não sei o que, não sei o que. Mas aí depois ficou Flor de Vila Dalila, parece que soava legal, Flor de Vila Dalila, teve uns dois, três nomes lá, Falcão do Morro mais uns outros que eu não lembro lá. Aí depois: “Ah, então Vila Dalila”, que a gente se reunia na casa do Brandão, que é esse Brandão que dava o baile, que fazia essa excursão, ele era um pouco mais velho que a gente, então ele foi o mentor disso tudo, apesar da gente caminhar junto. As nossas reuniões da fundação da escola de samba foi na casa dele, ali que a gente se reunia e aí que precisou legalizar a escola de samba, através de documentação, tem esse corpo organizacional de presidente, de diretor, essas coisas todas, então tudo isso foi feito na casa dele. Naquela época a gente ensaiava na rua, hoje não, você tem som, a gente ia pra rua, não tinha o problema de Psiu ainda, tinha um problema às vezes das pessoas não gostarem muito de batucada, todo mundo gosta de escola de samba, mas não perto da sua casa, ainda mais naquela época, na rua. Eu lembro que nós íamos lá, se bem que o ensaio também ia mais tarde, ia até umas onze horas, dez, dez e meia, onze horas na rua, e a gente, pra ensaiar, a gente pendurava as cornetas, então o pessoal ia mais cedo, porque ia cantar, essas coisas, à tarde lá, pendurava as cornetas no poste, aí lá pra umas sete horas mais ou menos aí começava o ensaio. Então foi isso, nós reunimos, como é que foi a fundação da escola? Justamente foi isso, na casa do Brandão, surgiu diversos nomes, aí acabou optando pela Flor de Vila Dalila, aí documentos, tinha um pessoal da principal, era o Zoinho, que é o Zé Roberto, trabalhava muito nessa parte de documentação também, foi um dos fundadores, Ailton, Brandão, Osmar. Teve tanta gente boa que era dessa coisa, o Osmar, que infelizmente veio a falecer, então nós tínhamos um time lá, né, aí começamos a ensaiar na rua, a escola foi tomando corpo porque era a única forma de lazer também que tinha depois, de escola de samba. Aí, pô, ia um político lá, gostou e tal, procurar espaço, aí ele falou: “Pô”, então tinha um espaço lá que antes era uma lagoa, era uma lagoa lá e tal, aí foi aterrado ali, aí ele arrumou esse espaço pra nós. Aí depois, com esse espaço aí, veio documentado, a gente tem a documentação do espaço, quer dizer, é um documento. Como é que se fala? É comodato, então a gente estamos lá nesse espaço há quase uns 30 anos, mais de 30 anos, faz 30 anos que estamos nesse espaço.
P/1 – Aí vocês construíram ali?
R – Aí construímos, a quadra murada, só não é coberta a nossa quadra, inclusive uma das maiores quadras de São Paulo, seis mil e poucos metros quadrados de área coberta, de área toda lá, só não é coberta, só tem uma parte que é coberta, que é o palco e tal. Já tivemos no grupo especial quatro vezes, tivemos, esse samba que eu cantei pra você foi do grupo especial, promessa fica na promessa, essa da: “Vitória da luz” foi do, que nós estávamos no grupo especial. Aí por falta de estrutura, essas coisas todas, o espaço muito grande, problema de grana, a gente fica naquele desce, sobe, desce, sobe, você vai perdendo os baluartes também, mas a gente tá lá. Agora estamos no grupo 2, desfile de bairro, estamos batalhando, ver se a gente com mais um pouco de consistência, mas é muito difícil, você precisa de patrocínio, precisa, entendeu? Mas estamos resistindo lá com outras atividades agora também, essa coisa do cultural, do social, essa nova geração, passar a bola já pra essa nova geração que está vindo aí pegar gosto, a única coisa que a gente exige é gostar como a gente gosta, entendeu? As pessoas que deram até a vida pra escola de samba, então é gostar da forma que a gente gosta.
P/1 – Como é que foi o primeiro desfile de vocês?
R – Ah, o primeiro desfile era na São João, eu lembro que no primeiro ano a gente foi desclassificado. Por quê? Moleque novo, com aquele gás todinho, desfilava na São João, então não tinha muita organização. O que acontecia? Nós chegamos até cedo, mas a gente começou batucar, a gente ficava embaixo ali do Minhocão e ficamos batucando e tinha um pessoal mais velho que queria a documentação. Aí você tinha que ir lá apresentar a escola de samba: “Opa, Flor da Vila Dalila está aí”, tal, tal e tal, já pra quem tivesse atrasado abrir ala pra gente, que chegou um pouco mais cedo. Nós ficamos lá, naquela época eu não estava na parte administrativa, eu estava mais era componentes, saía na bateria e tal, e quando foi ver o tempo nosso já tinha, né? Aí desfilamos em 74, em 75 nós desfilamos, né, aí voltamos a desfilar em 76, né, aí voltamos, mas era muita aquela doação das pessoas, a escola saiu bem, tal.
P/1 – Como é que foi esse desfile de 76?
R – Nós falamos sobre, como é que era? Sobre cana caiana, a cana caiana, aquela coisa feita na raça, quem montou o carro fomos nós, eu lembro, até foi, o nome dele era Zé, porque tinha um pouco essa coisa de marceneiro, de carpinteiro, que é o Zé lá, ele que fez esses carros pra nós. A gente ajudava e tal, mas o formato, que vinha o formato tipo de uma usina, falava cana caiana, do moinho, aquela mão de obra, aquelas coisas todas lá, lembrando uma usina, o Zé que fez pra nós. Nós desfilamos na São João na época, o ano era 1974, 73, era 74, aí fomos desclassificados, 75, aí 76 voltamos pra estouro, naquela época aquele gás todo, você é jovem, todo mundo batalhando, a escola era uma escola muito conhecida, a gente. E estamos aí tentando vencer essa dificuldade agora, de estrutura, do mínimo, o básico, a gente poder sobreviver, o carnaval está competitivo, muito, se você não tiver, um pouco lá no topo, lá em cima, você não tem grana, não dá pra você... É que nem agora, por exemplo, o carnaval está aí, estava até falando com o meu presidente lá, pô, está danado, a verba ainda não saiu, estamos em dezembro, o carnaval é, a dois meses do carnaval, não é isso? A grana ainda não saiu, a grana, por exemplo, do grupo dois, que nós somos da OS, a grana ainda não saiu, então é difícil, sabe, você fazer, é difícil, aí você tem que ficar de chapéu na mão, aquele negócio, aí você põe dinheiro do bolso ainda, aí nego acha que você é ladrão ainda, pô, é complicado.
P/1 – Manteiga, o seu primeiro desfile, a primeira vez que você desfilou, como é que foi essa sensação, como é que foi?
R – Nossa, é uma coisa, nossa, é um momento ímpar, porque, além de você desfilar, você ajuda nessa construção, porque não é simplesmente você chegar lá, botar sua fantasia e desfilar, você participou desse processo, o processo de criação da escola, o processo de produção da escola, né? Aí depois o gran finale, que é o desfile, então você participa de todas essas etapas, nossa, e a gente até quem faz, a escola de samba, ela tem muito isso, então quem sai, até hoje é um momento único, aquela coisa da escola, principalmente naquela época tinha muito isso. Então pra mim foi um momento muito emocionante, tanto é que nós ficamos batendo lá, nós ficava batendo o dia inteiro lá, né, a noite inteirinha, mas tinha um período, aí esquecemos de avisar o pessoal, de levar a documentação, quando viu: “É, pô”, desfilamos, assim, mas, pô, foi desclassificado, também vamos que vamos, aí no outro ano voltamos com força total. Mas o que fortalece muito a gente, tem um amor muito grande pela Escola Flor de Vila Dalila por conta desse processo, que a gente foi ajudando, foi aquele filho que a gente ajudou a construir e tal e se envolveu muito, você doa a sua vida pra isso, entendeu, você doa a sua vida pra isso. Então tem um momento, que agora a coisa vai cansando, e a família também: “Pô, pai”, os meus filhos também foram criados dentro da escola, foram mestre-sala e porta-bandeira da escola. A minha esposa nunca, não foi muito de sair, saiu agora um pouco, que eu era presidente, mas ela ajudava muito, acompanhava os filhos, e tal, teve essa compreensão também, até do próprio marido gostar, porque não é fácil, não, você sai da sua casa, você vai lá, então você abre mão de muita coisa em torno disso, entendeu? Mas é, foi rico, foi rico.
P/1 – Qual foi o desfile mais marcante pra você ou que você mais se emocionou?
R – Sei lá qual que foi, foi tantos, né?
P/1 – Ou um marcante.
R – Você passa um processo de construção, você ajuda muito, porque você sofre muito, tudo, você tem alegrias, alegria foi quando a gente, eu lembro lá quando a gente subiu, nós conseguimos subir lá pro grupo especial, que é esse momento mesmo da vitória da luz sobre as trevas. Teve muito samba bom, teve, qual outro que eu me lembro, deixa eu ver.
P/1 – Que ano que foi isso, que vocês subiram pro grupo especial?
R – Se não me engano, acho que foi, 73, será que foi 80? Setenta e três, parece que foi, se não me engano, acho que nos anos 80, eu tinha até um documento que eu ia até trazer, mas eu acabei, até pra ativar a memória.
P/1 – Qual que era o samba-enredo? Canta um trechinho pra gente.
R – Era que dizia assim, mas antes, antes da vitória teve outro, como é que chamava lá? Teve um que a gente estava falando do forte, mas o que marcou muito essa da vitória (cantando): “A vitória da luz sobre as trevas, brilhou o céu azul infinito, a chuva trouxe brancas nuvens, água pra molhar o nosso chão, água, luz e calor, florestas, frutos, sementes, obra do divino criador, multiplicando-se em todos continentes. Tudo é amor, tudo é alegria, poder falar de alguém que fez o mundo em sete dias, tudo é amor, tudo é alegria, poder falar de alguém que fez o mundo em sete dias. Os lagos, nos lagos, mares e rios peixes prateados a brilhar, na mata pavões, borboletas, aves coloridas a voar, mas eis que com um pó de terra surgiu sua obra genial, foi criado o homem e a mulher, daí começou o carnaval. O sol, a lua, pierrô e colombina, as estrelas são confetes nesses dias de folia, com amor, com amor seis dias trabalhou, no sétimo em paz descansou, com amor, amor, amor, a Flor da Vila agradece ao criador”. Sabe, então foi muito rico, a melodia, a letra, o conteúdo, é muito, nossa, tanto é que nesse ano foi chamada do SBT, na capa do disco, então uma música muito, e pela essa novidade também da primeira mulher, a gente, nós somos inovadores em várias coisas. Foi uma escola muito aberta, então a primeira mulher a gravar, parece, que eu tenho conhecimento que foi a primeira a gravar em disco, na avenida não, já teve outro processo, então a gente, sabe?
P/1 – De que era a composição desse?
R – Essa era do, se não me engano, era do, como é o nome dele? Era Zoca e Dema, Zoca e Dema, os compositores foram Zoca e Dema.
P/1 – Você lembra a sensação de ir pro grupo especial, quando vocês receberam a notícia?
R – Ah, sim, lembro, nossa, foi uma euforia, tinha festa, chope, tinha aquelas coisas todas, a quadra era aberta, o pessoal se reunia na quadra lá, nossa, foi uma alegria muito grande, né? Ganhar, sabe como é que, derrota é que é meio, ela faz parte da vida, mas as pessoas não, que a derrota, ela tem as variantes, porque às vezes as pessoas não avaliam, numa competição acham que é ganhar, ganhar, mas não é, você tem que ter toda uma estrutura pra você poder se fortalecer pra competir, né? Então hoje é a grande dificuldade, porque não adianta, nós estamos com um enredo bom esse ano, a gente vem falando do Moisés da Rocha, o samba pede passagem, os figurinos estão muito bom, tem uma série de coisa boa, mas se não tiver grana pra trabalhar a posição como é que você vai ganhar? Me entendeu? Aí vem aquele outro, começou com um pouco mais de estrutura, é que vai, entendeu? Então hoje: “Mas por que você não arrumou dinheiro?”, aí vai fazer lá que nem, lá tem os espaços, você aluga salão, às vezes a quadra, mas não é o suficiente, a gente só garante pra fazer a manutenção, também aquele espaço enorme que a gente tem lá. Que nem no meu mandato, daqui a pouco vem um vendaval lá, saiu o telhado, é grana, são coisas emergentes, você tem que, então é difícil. Hoje é tudo, a maioria é pago, você tem que, é profissionais, nada contra e tal, mas é, sabe, então você tem que ter um recurso, tem uma dificuldade muito grande. Agora, na época tinha mais é voluntariado, a gente fazia mesmo por gostar, por gostar, se entregava, com uma moedinha no bolso, era aquela irmandade mesmo, mas aí agora a coisa virou comercial, e reconhecer, eu acho que o samba tem que ter um pouco, fala tanto do samba, agora tombou o samba, não sei o que, mas, pô! Então vamos ajudar, de que forma podemos contribuir, pra ajudar? Se o samba realmente contribui, então você dessa escola de samba, vamos oficializar inclusive a verba, principalmente a verba, ela não dá, que nem você vai pegar uma verba agora o mês que vem, uma coisa que custa dez o mês passado, você vai pagar 20, 30, se achar ainda, pô, e o tempo hábil você precisa ter tempo hábil pra fazer as coisas, você não tem. Eu acho que primeiramente o poder público tem que respeitar o samba, valorizar, já começar a oficializar, oficializou o carnaval, legal, agora tem que oficializar a verba do carnaval, me entendeu? Mas não, tem verba que vai sair depois de um mês, eu acho até estranho, como é que você vai prestar conta de uma coisa que você não recebeu ainda? Porque você tem que prestar conta, então você recebe a última parcela, depois a outra parcela só vem 30 dias depois do carnaval. Como é que você vai prestar conta de uma coisa que você não recebeu, gente? E quando vem, então, sabe, está essa dificuldade no geral, eu acho que falta um pouco mais de respeito por tudo isso que o samba representa, que a escola representa, pô, vamos oficializar a verba então, aí dá pra você programar, dá pra você fazer um planejamento, entendeu? Está difícil, então a grita está geral, você vê o pessoal meio desiludido, não dá, mesmo quem está no grupo especial também tem a sua dificuldade, é claro que tem um pouco mais, tem uma verba de televisão que eles antecipam e tal, entendeu, mas é, a dificuldade está geral. Então eu acho que falta respeito, então pra respeitar tem que reconhecer, dando essas condições pra o pessoal fazer o carnaval, senão está difícil, por isso que está tendo uma volta muito grande dos blocos, que é uma forma mais espontânea das pessoas se divertirem, né? Que mesmo você saindo em escola de samba, que aquela que você vai desfilar, parece que você vai pra um bando, um matadouro, tem horário pra isso, horário praquilo, é alegoria pra cá, turma pra lá, daqui a pouco tem que ir, então os blocos, está tendo esse resgate muito grande dos blocos por causa dessa coisa espontânea. E ainda o grupo dois, a OS, agora a gente está, voltamos, saímos de Interlagos lá, que lá era lugar de carro, a gente fez um desfile do Butantã, muita gente, houve um pouco desse resgate, me lembrou muito a época que a gente desfilava na São João, a gente desfilava na Tiradentes, a participação popular, né? Então isso é muito legal.
P/1 – Quando vocês começaram, quem fazia as fantasias?
R – Quem fazia as fantasias tinha umas costureiras, um pouco mais simples, costureiras que faziam, tinha um pessoal de aderecista, que o tecido, aí é aplicar as coisas em cima do tecido, a gente mesmo que fazia. Os instrumentos, a gente mesmo que fazia os instrumentos, eu lembro do próprio Brandão, eu lembro na época, que foi um dos percussores, os instrumentos, ele pegava, nós mesmo construíamos os instrumentos, era de couro, né, você tinha que botar o couro dentro d’água, pra depois deixar secar. Tinha todo um processo, mas a gente mesmo que elaborava tudo isso, as alegorias, então isso era feito, cada um dentro do seu conhecimento, você costura, legal, você faz adereço, e a gente foi aprendendo isso, autodidata, entendeu. Então era, sabe, era aquela irmandade mesmo, então hoje está, a grande maioria já se foi, então hoje está comercial e tal, está esquisito, não só pelo fato de ser comercial, mas eu acho que falta um pouco essa, sabe, esse respeito de estar dando condições, dar condições pro pessoal poder fazer, ah, vai cobrar, legal, mas dar condições. Gente, está difícil, a tendência é, sabe, a tendência é o carnaval com o tempo diminuir, não vou dizer que acabar, diminuir, eu mesmo, o samba não, o samba agoniza, mas não morre, trabalhar mais o lado do samba e até porque as escolas de samba são escolas de samba, já tá ativando um pouco mais essa parte cultural, social pra fortalecer inclusive a própria escola de samba, o carnaval. Mas estamos aí nessa batalha aí, a gente é resistente, e passar pra essa geração, que a geração agora não está mais interessada, que nem você pega os meus filhos, por exemplo, estão desistindo do carnaval, não estão saindo mais, que é uma série de coisas aí, sabe? Então até pra renovar, vê o pai deles lá, o outro amigo que sofre: “Eu vou passar por isso? Que isso? Não, eu não vou passar por isso”, então você não está criando os valores que, então está difícil por conta disso, a geração fala: “Não, não vou participar, não, não, é só problema, é só problema”. Mas então está isso, mas estamos resistindo ainda aí, vamos ver até aonde vai dar isso aí, enquanto a gente tiver força a gente vai batalhar pra isso aí.
P/1 – Manteiga, eu queria volta um pouco numa coisa da sua vida pessoal, eu queria saber, nessa trajetória que você está contando pra gente, em que momento que você conheceu sua esposa e como é que vocês se conheceram.
R – Então, a minha esposa, que nem eu falei, eu morei na Vila Dalila, ela nasceu também na Vila Dalila, mas como é que a gente se conheceu? A gente ia em bailinhos, ela ia também, então dentro desse processo dos bailinhos, aí foi pintando um clima, um olhava, o outro olhava, as amizades também ajudaram um pouco nisso: “Fulano parece que, ô, fulana, fulano parece que está de olho em você”. Aí, mas foi no baile, da gente frequentar os bailes, que aí que eu conheci a minha atual esposa hoje, aí aquela coisa depois de falar com o pai, o pai dela é meio conservador, aquela coisa toda. Mas graças a Deus meu sogro e minha sogra, o pessoal costuma falar muito mal de sogra, meu sogro e minha sogra, pelo amor de Deus, tenho, Seu Antônio, Dona Lucinda, pô, era gente mesmo. Mas aconteceu isso na minha vida pessoal.
P/1 – E aí quando é que vocês decidiram namorar? Você foi pedir ela em namoro? Conta um pouco a história pra gente.
R – É assim, a gente foi, como diz o outro, ficando, a gente foi se conhecendo e tal, tinha aquela coisa de namorar em casa, eu ia lá, tinha até horário, tinha dias, né, aquela época a gente namorava terça, quinta e sábado, pelo menos o costume era terça, quinta e sábado, terça, quinta e sábado, então a gente se programava. Então a gente ia, aí depois chega uma época que tem que falar com o pai, apresentou: “Esse é fulano”, até porque já conhecia, essa conhecia deles nascerem no bairro, eu também praticamente fui criado dentro do bairro, as famílias já se conheciam, já sabia da sua caminhada e tal, mas tem uma hora que a gente tem que conversar, né? Foi criando uma relação e tal: “Pô, Seu Antônio, acontece assim e tal, namorar”, o irmão dela também, que era o Chiquinho, um pouco mais novo, já me conhecia também, os outros dois irmãos dela e tal. Então ele falou: “Não, o rapaz aí parece um rapaz trabalhador”, não sei o que, aí nesse ínterim a coisa, na caminhada isso vai fortalecendo, isso realmente que a pessoa é, na caminhada. Eu costumo falar que nada como a caminhada pra você conhecer as pessoas, porque aqui eu te falo um montão: “É, porque eu sou”, mas na medida que a gente vai se conhecendo aí vai se destacando essas coisas de quem realmente você é, não é isso, então a caminhada é que fala isso. Então lá no namoro foi muito isso, a gente foi, esse compromisso, um rapaz muito compromissado, apesar de ter essa ligação do samba, me integrar, eu costumo falar o seguinte, até dizia pros meus filhos, até pras pessoas, então eu sempre fui no samba, mas jamais deixei de ter a minha responsabilidade por conta de samba, de carnaval, entendeu? Sempre tive meu salve, meu trabalho é o meu trabalho, eu trabalhei numa empresa aí, nos Correios, quase 16 anos, nunca faltei um dia por conta de carnaval, samba, entendeu, então é uma coisa, acho que a gente tem que ter responsabilidade. Tanto é que dou esse exemplo pros meus filhos: “Ó, o seu pai, sabe, sempre teve envolvido com samba, mas jamais”, e essa coisa também, se fortalecer e estudar, porque o mundo do samba também, sabe, são poucas pessoas que vivem dessa coisa do samba, do carnaval, gosta, gosta, mas procura se formar, estudar e tal pra ter o seu conhecimento, entendeu? Então foi muito isso, então a gente foi indo, aí o Seu Antônio, foi firmando aquilo, né, conhece a família, daí isso facilitou um pouco também, de saber da onde a gente era, da família que a gente era e tal.
P/1 – Qual que é o nome dela?
R – Da minha esposa?
P/1 – Isso.
R – É Margarida, ela chama Margarida.
P/1 – Quando é que vocês decidiram que iam se casar? Como é que foi essa decisão?
R – Aí nós namoramos mais ou menos, junto, entre namoro e noivado deu sete anos, quase seis, sete anos, aí namoramos e tal, resolvemos ficar noivos e tal, depois mais três anos: “Vamos casar, né?”. Porque aí com o advento também que eu perdi o meu pai, meu pai faleceu em 79, eu casei em 80, né, aí eu já, então eu já vinha, eu não sei se é preparando, mas eu já vinha, já, porque é claro, ninguém sabe quem vai primeiro, porque antes as coisas obedeciam uma forma normal da natureza, geralmente eram os mais velhos, hoje é que está tendo um atropelo, os mais jovens querem ir na frente dos mais velhos. Então, por cima, eu falei: “Pô, meu pai”, com a perda do meu pai, uma hora ele foi: “E aí, como é que eu vou?”, porque também foi um dos poucos baluartes, que ficou pra mim, a gente conversava muito e tal, eu sempre vi ele assim, como esse exemplo de vida, de pessoa e tal. Aí eu falei: “Pô, na ausência do meu pai como é que vai ser?”, porque quando você tem o seu pai, sua mãe também, as pessoas te tratam de uma forma, porque você tem uma família, eu particularmente: “Como é que eu vou ficar? Como é que vai funcionar?”, mesmo com companheira dele, não sei. O meu pai veio a falecer em 79, aí eu até abreviei o meu casamento, falei, já tava também quase cinco, seis anos namorando, aí casei em 80, casamos em 80 e tal. Aí em 81 nasceu a minha filha, a Cláudia, nasceu a minha filha, enveredando, aquela época eu trabalhava, já trabalhava nos Correios, ela também trabalhou, trabalhava na companhia de cigarros Souza Cruz, lá ela trabalhava, e aí nós casamos e fomos tocando. Passei a morar, construí nesse quintal, nessa propriedade que era do meu pai, então a companheira dele morava numa casa do lado e eu morava, construí essa outra casa, que o meu sogro construiu pra mim, mais o tio e tal, aquela coisa de voluntário, construíram dois cômodos e cozinha pra mim, tal, uma cozinha legal, aí passei a morar lá. Aí depois, minha tia morava, a esposa do meu pai morava do outro lado, aí depois, com o falecimento do meu pai, aí começou, a gente fez o inventário e tal, aí a companheira dele ficou com essa parte aqui da Brasilândia, eu fiquei na Vila Dalila. Aí eu comecei a tocar minha vida, aí vieram os filhos, trabalho, essas coisas de escola de samba, a gente faz muita coisa simultânea, eu não sei se a gente tem vontade, então tem hora que eu faço muita coisa simultânea. Igual a minha filha, ela se formou, então tem hora que a Cláudia quer fazer cinco, seis coisas ao mesmo tempo, sabe, aquela, “Não, filha, então tem hora que a gente tem que planejar, você pode até fazer, mas o momento é esse, o momento é aquele”. Então a gente fez muita coisa simultânea, mas eu, particularmente, sei lá, foi uma caminhada muito de aprendizado.
P/1 – O casamento de vocês como é que foi, Manteiga, o dia do casamento mesmo? Teve algum tipo de cerimônia, como é que foi?
R – Teve, inclusive nós casamos, o civil e o religioso a gente fez num dia só, né, num dia só, então o juiz lá foi na igreja, foi à tarde e à noite foi o religioso, mas na igreja mesmo, então os padrinhos, à tarde, não sei se era cinco horas, fomos lá, o escrivão foi lá, casou a gente na igreja, aí à noite foi no religioso. Como a gente é bastante conhecido, aí tinha um primo dela que trabalhava com ônibus, alugou até um ônibus lá, pô, de repente estava na igreja lá, casamos na igreja lá do Talarico, pô, chegou um ônibus lá de gente, na igreja. Depois teve lá uma recepção no salão lá, a gente é muito conhecido, a minha sogra também é muito conhecida, a minha sogra era benzedeira, morou muito tempo lá também, praticamente foi uma das pioneiras lá do bairro também, junto com o meu sogro, a propriedade deles, os filhos criaram tudo ali. Então essa relação muito de amizade, aí casamos e tal, aí viemos morar, construímos ali esse cômodo e cozinha pra gente morar, aí vieram os filhos, aí em paralelo as coisas foram, né?
P/1 – Você tem um menino e uma menina, é isso?
R – É, eu tenho um casal, Cláudio e Cláudia, então eu procurei, essa coisa muito deles, o fator da educação, como, sabe, se preparar já, então é o que eu digo, a gente começa a dar um viés do caminho, então com os meus filhos aconteceu muito isso, aprender a ler. Eu lembro que na época tinha aquele Círculo do Livro, sempre comprava algumas coisas nesse sentido pra eles lerem, forçar muito a leitura, e eles foram pegando gosto pelas coisas. Aí começaram a estudar, eu lembro que ela estudava, ela terminou o ginásio, ela terminou o ginásio, já no ginásio ela tinha dificuldade, terminou o ginásio, começou a fazer o segundo grau, mas a escola já tinha muito problema de falta de professores e tal. A gente falou: “Pô, mas preciso dar uma formação, que amanhã ela quer fazer uma faculdade. Como é que...”, aí mudei, aí por último acabei colocando ela aqui no Colégio São Paulo, que é um colégio tradicional, mas já não é tão tradicional assim, mas pelo menos que não tinha problema de professores, de falta de matéria, né? Aí ela acabou se formando aqui no segundo grau, aqui no Colégio São Paulo, o meu filho também, ele estava também lá no Infante, tinha problema também de falta de professores, de aluno, coloquei ele aqui na Rua da Mooca, tinha um colégio que estava ali, aí ele terminou também o colegial dele.
P/1 – Você acompanhou o parto dos dois, Manteiga?
R – Ah, acompanhei, acompanhei, eu lembro que inclusive coincidiu, porque naquela época, a minha filha nascia no dia 22 de novembro, o meu filho 17 de junho, eu acompanhei todo esse processo de parto, porque onde minha esposa trabalhava era a Souza Cruz, companhia de cigarro, e tinha muitas mulheres, e sabe como é que é, esse processo de mulher gestante, ali tinha um negócio de convênio, tinha umas coisas que não estavam correndo muito legal. Aí eu peguei, eu trouxe a minha esposa pro meu convênio, trouxe pro meu convênio, então eu acompanhei muito esse trabalho de parto. Eu sempre fui um homem, uma pessoa, que nem a minha tia me ensinou, eu não tenho problema se precisar lavar, passar, cozinhar, sabe, essas questões lá que eu aprendi muito. A minha tia falou: “Eu vou criar um cidadão que amanhã você poder se virar, mesmo se você não tiver uma companheira, você se vira”, e realmente isso, então em casa eu tive muito esse papel, sabe, mesmo chegando do trabalho, as crianças, essa coisa de acompanhar o desenvolvimento das crianças, brincava e contava história. Eu lembro que às vezes eu chegava, eu trabalhava nos Correios uma época, cansado pra caramba, chegava à noite, a minha mulher: “Os filhos quer contar”, “Conta você um pouco”, “Não, eles querem que você conte a história”. Aí eu ia lá, começava a contar história pra eles e tal, às vezes eu dava uma cochilada, eles: “Pai, você”, não sei o que, às vezes mudava um negócio da história: “Ô, pai, mas essa história não é bem assim, não”, e tal entendeu? Então foi muito isso, essa criação, isso é uma vivência, é um momento único, depois eles vão crescendo, então eles marcam muito isso, de contar história, de acompanhar eles nesse crescimento, da escola, esse processo, um casal, então isso é muito forte. Hoje eles reconhecem muito isso, eles se espelham, tira a gente como espelho, como eu tiro o meu pai como espelho, então isso é que eu espero que o meu filho também, que agora a companheira dele está gestante, casou, ele vai ser pai em março, e que esse processo também se desenvolva dessa forma, apesar que hoje é outro momento, a sociedade teve uma mudança extraordinária aí, mas com tudo isso ele pode, está dando esse viés, depois o filho, entendeu? Então é muito isso.
P/1 – O que a paternidade mudou, o que ser pai mudou pra você, na sua vida, como é que foi ser pai?
R – Ah, sim, a responsa, aquela coisa de você ver: “Pô, seu filho, meu, pô!”, sabe, e a coisa não pode ser de qualquer jeito, então você, e participar desses momentos, né? O meu filho, eu lembro muito, eu lembro até uns tempos atrás, a minha filha acho que tinha quase 17 anos, a gente brincava de cavalinho, eu chegava em casa, brincava de cavalo, aquela coisa, outro dia ela já com 17 queria montar a cavalo, eu falei: “Filha, pô, o pai já não está”, sabe? Mas essa coisa da participação, mas o filho, ele muda, ele dá uma mudada na sua vida enorme, quando você sente aquela responsabilidade, o que é ter um filho, entendeu? Eu vejo muito isso, porque você ter, gerar é fácil, agora, o problema é, sabe, é você cuidar, é você zelar, que às vezes nem sempre pai ou mãe é o gera, mas o que cuida, então hoje o grande fator é você cuidar. Então, graças a Deus, com toda a dificuldade que a gente tem, mas a gente tem um casal de filhos maravilhosos, meus filhos têm, a gente também, minha mulher, até hoje ainda, a minha filha é isso, muito meiga, muito, até pela forma que você ensinou ela. Então tem algumas coisas, eu falei: “Pô, nossa sociedade hoje é outra”, então ela acredita muito nas pessoas, que a maldade tem, infelizmente tem e você tem que passar de maneira pontual, então essa foi a formação. Mas ser pai, nossa, é uma coisa maravilhosa quando você corre junto, sempre corri junto com a minha esposa, que os dois filhos foi parto, não foi natural, foi cesariana, e é um pouco mais difícil, mas ajudava nos afazeres da casa. Então a gente sempre foi, não teve dificuldade nenhuma, e também conversamos, o máximo é dois, eu que fui pro sacrifício, optei, acho que é melhor eu, aí fiz a vasectomia também, já, entende, é dois, então legal, então é um problema muito de cabeça, é esses dois e tal, pra criar legal. Até, por exemplo, que a gente tem já família, então dois já é, pra criar com educação, o básico às vezes já é complicado, porque na minha época não, você andava com o pé no chão, a roupa remendada, hoje não, é um terninhos, se não está, se está com um sapato diferente, o pessoal olha: “Pô, meu, você não está com tênis de marca”, entendeu? E o garoto, se ele não tiver a cabeça legal, como é que ele fica? Entendeu, na minha época a coisa era mais homogênea, a maioria estava descalço mesmo e tal, era mais ou menos igual, hoje não, hoje os valores é consumir, é consumir. Eu sempre fui muito despojado, até hoje um pouco, tenho uma forma de me conduzir, eu gosto muito dessa coisa afro, a minha esposa também, turbante, tal, é uma forma de, então eu já tenho um viés, tanto é que às vezes, quando eu não estou com o meu filho lá: “O senhor hoje está diferente”. Então é esses valores que a gente tem, porque a pessoa é pelo valor que você tem, então é muito isso, hoje então você precisa estar, hoje está complicado, se você não está, se não é da turma, você está barbudo, você tem cabelo grande, né? Então eu convivo muito bem nesse métier, até porque, pela própria escola de samba, a própria escola de samba é um quilombo, é um parente do quilombo, ali convive, sabe, gente de todas as matizes, a única coisa que você tem que fazer é respeitar o espaço que você vive, porque o espaço é de todos nós, né? Então é isso, sabe, mas isso falta pras pessoas um pouco, que é isso, sabe, é respeitar, respeitar as pessoas, respeitar a individualidade de cada um, então é muito isso, é aprendizado, então isso a gente está aprendendo, a gente aprende. Agora, você tem que está aberto pra aprender, se não tiver aberto, é muito isso, então a gente, às vezes eu falo até pra minha esposa e tal, que às vezes algumas coisas, eu lembro até na época que eu ia pra escola de samba: “É, então você vai na escola de samba, eu não sei o que você vai fazer lá”, porque aí era no início. “Então você vai na escola de samba”, eu falei: “Então vamos, um dia você vai lá ver o que eu estou”, aí chegava lá, eu estava trabalhando no bar, divertir mesmo eu nem me divertia, porque a gente fazia parte da administração ali, ia ajudar. Meu, ela: “Pô, você vai trabalhar”, eu falei: “É isso, entendeu, eu venho pra escola de samba”, chegava do trabalho já, principalmente época de carnaval, deixava lá a marmita, na época era marmita, não tinha ticket, vale-refeição, vale-transporte, não tinha nada, entendeu, deixava a marmita e tal lá, dava um salve e já descia às vezes pra escola de samba pra ajudar em alguma coisa. Então é muito isso, aquela coisa de abnegação, por isso que a gente fica muito frustrado com o direcionamento que está, não que é propriedade da gente, mas queria ver de uma, sabe, de uma outra forma, por isso que eu estou trabalhando um outro viés na escola de samba agora, na medida que dá espaço pra gente poder fazer isso.
P/1 – Então, Manteiga, pra aproveitar o que a gente estava conversando agora, eu queria que você contasse um pouco pra gente como é que é a sua relação com religião, com a religiosidade, como é que isso entra na sua vida.
R – Então, eu venho de uma família religiosa, família mineira e tal, mineiro é muito religioso, como eu falei, desde a época da minha avó, a própria minha mãe, a minha tia que criou a gente. Então eu me lembro que ela tinha o hábito, a minha prima, por exemplo, que criou também com a gente, aquela época usava ser filha de Maria, os homens, a mulher era filha de Maria, os homens eram congregados marianos, e a minha prima era filha de Maria, então a gente tinha o hábito de ir à missa aos domingos, todos os domingos de manhã era dia já era de praxe a gente ir à missa. E durante a semana também eu lembro, com a idade de seis anos, por aí, cinco, seis anos, logo que eu cheguei em casa, a minha tia tinha o hábito, às seis horas da tarde tinha um programa do Pedro Geraldo Costa, que era um programa religioso, então ela costumava sentar, que era o rádio, através do rádio. Naquela época o rádio tinha uma influência muito grande, através do rádio ela costumava sentar, ajoelhar e tal, que é a Ave Maria, chamava Ave Maria o programa, ela se ajoelhava e a gente também acompanhava aquilo, né? Então aquilo me fortaleceu muito, aquela reza, aquele sentimento dela colocar, no dia a dia, eu via que aquilo fortalecia muito ela, então a partir daí também eu fui, sabe, tanto é que a minha trajetória de vida me fortaleceu muito essa fé que eu tive pra enfrentar uma série de circunstâncias, tragédias. Então me marcou muito isso, aquela, na hora da Ave Maria, seis horas, aquele copo d’água que ela colocava, aquele Pai Nosso com Ave Mari, que ela rezava, e aquilo no dia a dia incorporava a missa, missa aos domingos. O meu pai também foi congregado mariano, mas foi aqui na Estação da Luz, tinha um colégio, eu não me lembro qual era, Colégio Coração de Jesus, se não me engano, aí na Luz, ali perto da Estação da Luz, o meu pai foi congregado mariano. Então eu descendo muito de uma família de religiosos e de muita fé, de rezar, essas coisas, minha tia era benzedeira, minha tia foi benzedeira, então me marcou muito isso, foram esses momentos, fora a missa, tal, que era criança, a gente não tinha aquela, mas eu lembro desse momento das seis horas, o programa do Pedro Geraldo Costa, Ave Maria, e eu sentar junto com ela ali, nossa, pra estar exercitando isso, me marcou muito, inclusive me valeu pra toda essa caminhada de vida que eu tenho. Ainda hoje ainda tenho minha fé, não tenho tanta frequência porque a religião eu tenho um pouco mais como coisa íntima, nas ações, mas eu tenho a minha fé sim, isso está me valendo muito durante a minha trajetória. E a minha família também é assim, minha filha também, faz parte de um grupo de jovens daqui da São Judas Tadeu, então é isso, minha mulher também, a gente faz parte da pastoral, a pastoral da nossa igreja lá da comunidade da Vila Dalila. Então a gente, eu acredito que a pessoa tem que ter fé, independente da sua religião, eu acho que a fé é muito fundamental pra essa caminhada aí, pra gente resistir a uma série de coisas aí, entendeu? Então isso me marcou muito, esse fato do copo d’água, Pedro Geraldo Costa, isso aí me marcou muito.
P/1 – Pra que era esse copo d’água, você sabe? Era uma oferta, o que é o copo d’água?
R – O copo d’água era, benzia, benzia e depois nós tomávamos aquele copo d’água, aí após toda aquela cerimônia religiosa do Pai Nosso e tal, não sei se eram uns 15 minutos lá, tinha lá, e aquela água nós bebíamos, e aí esse detalhe, que aquela água era bebida, então sentia aquilo, bebia aquilo, parecia que eu tava, sabe, então esse ritual, a água, todos nós tomávamos um pouquinho, né? Então a gente como tinha o hábito também, quando era sexta-feira, aquela coisa daquela fase de quaresma, não se ouvia rádio, nada, ela colocava um pano branco em cima do rádio, a gente ia, a época, quando vinha a sexta-feira santa, a gente ia pra procissão, aquelas coisas lá. Esses momentos, então a gente vivenciou muito, mas você lembrou bem, então o copo d’água, depois a gente bebia aquela água, depois daquele cerimonial, da reza e tal, acompanhá-la, ela dava uns golinhos daquela água pra cada um nós, quem estava presente ali, né? Então isso fortaleceu muito, esses momentos aí de ir à missa aos domingos, domingo era de praxe de manhã estar indo na missa, então isso era de praxe, então eu peguei muito essa parte religiosa.
P/1 – Você falou das filhas de Maria e congregado mariano, o que são as filhas de Maria e os congregados marianos?
R – Era, o que eu lembro da época, era um tipo de uma irmandade, que ele faziam parte da igreja lá, que hoje eu não lembro então faziam parte da igreja, que ajudavam lá na com a religião, religião de Maria, coração de Jesus, então é um pouco isso, eram segmentos, de mulheres, congregados marianos de homens, que ajudavam na igreja ali, que compunham essa parte da igreja ali de oração, de grupo de orações, só que era uma coisa um pouco mais separada, congregado mariano dos homens e as mulheres eram filhas de Maria. Então era muito isso, que a igreja tinha essa coisa da época, hoje eu nem sei se tem mais, eu não me lembro, mas tem outros grupos e tal, mas na época era bem marcante, elas usavam preto, véu preto e tal, aquelas coisas e tal.
P/1 – Essa atividade com benzedeira da sua tia, você chegou a acompanhar em algum momento? Como é que era essa atividade dela?
R – Algum momento, porque ela benzia, a pessoa estava com um problema, aquelas coisas e tal, eu lembro que aquela época não se usava muito ir no médico, pra começar a dificuldade que se tinha, você ia de vez em quando era numa farmácia. Voltando um pouco atrás também dessa coisa de criação, eu lembro que teve uma época, um dia lá, de criança era muito arteiro, a gente brincava de carrinho de roda, eu era muito ruim no negócio de direção, era muito grosso pra dirigir aqueles carrinhos de madeira que tinha. Então eu lembro de um fato lá, que a gente ia na rua brincar e teve um acidente comigo, me entrou, nossa, se fosse na época de hoje era uma coisa de hospital, aquelas coisas lá, me entrou um parafuso no dedo e saiu sangue pra caramba. Aí eu falei: “Pô, chegar em casa vai ser complicado”, aí enrolei um pano no pé, arrumaram um pano no pé, eu enrolei, tinha que ir pra casa, aí cheguei em casa, ela: “Vagabundo”, a primeira coisa foi tomar uns catiripapos, interessante isso aí, em vez de cuidar, tomei uns catiripapo lá: “Moleque, não sei o que lá”, e depois ela veio cuidar, né? Depois que ela veio cuidar, essa coisa marca também, primeiro a gente tomava um coro, naquela situação, primeiro ela deu uns catiripapo: “Ah, vagabundo, eu não falei pra você”, aí depois chamava: “Vem aqui, deixa eu ver isso aí”, aí ia lá e tal e punha aqueles negócios, usava muito negócio de fumo com nem sei o que, sabe? Ela tinha lá umas coisas medicinais com uma erva lá, ia lá no dia a dia, enrolando, trocando, botando aquele unguento lá, e aí, graças a Deus, a gente, e isso era várias coisas que aconteceu com a gente. E ela benzia muito, aquela coisa de benzer criança que tem problema lá, aqueles problemas de bicho, problema, né, assim, então ela tinha, minha casa era, em casa era muito frequentado por conta disso, desse dom que ela tinha. A minha sogra também, por coincidência, era benzedeira também, hoje essas pessoas estão sumindo, principalmente nessas partes mais urbanas, no interior ainda você encontra um pouco, então tinha isso, a minha tia foi, isso não ajudava muito, que aquelas coisa, era trocamento de pulso, punha lá uns unguento, aquelas coisas, benzia também, com bicha. Inclusive teve uma passagem com o meu filho, por exemplo, agora vem mais recente, deu um problema de bicha, teve um problema de bicha, então ele ficou numas condições, nossa, e foi no hospital e tal, o pessoal não sabia, fui no hospital lá que eu tinha um convênio, o médico queria dar um remédio, mas a minha mulher falou: “Pô, você vai dar remédio pro garoto, você não sabe o que é” e pegou. Moral da história, no fim quem resolveu, que eu estava até trabalhando, aí cheguei mais ou menos em casa do trabalho, aí minha irmã falou, minha irmã não, minha mãe falou que eles tinham levado o garoto, estava com um problema meu filho, aí aguardei. Voltaram por volta de quase meia-noite, o moleque ainda estava, aí quem resolveu o problema foi a minha sogra, aí minha sogra stá ali preocupada, viu lá como é que estava o menino, ainda estava com aquele problema. Ela foi lá, catou uns matos lá, era hortelão com não sei o que, aí deu um pouco pra ele tomar, passou na barriga dele, sabe que as bichas, me entendeu, se ele tivesse tomado um remédio muito forte, as bichas tinham alvoroçado, sei lá, podia ter acontecido o pior, né? Então essas coisas, que isso também marcou muito, eu lembro muito dessa situação. A minha mãe, minha mãe primeiro veio através da oração, minha mãe foi lá, e minha mãe na época era até evangélica, mas tinha essa, foi católica, depois virou evangélica, aí ela fez o negócio de uma oração lá: “Mostrai, Senhor”, não sei o que, tal. E o interessante que eu sei que esse lado evangélico acabou casando com esse lado católico, porque a minha mãe sabia que a minha sogra era benzedeira, então ela fez aquele: “Mostrai, Senhor”, a barriga do moleque, a bicha, ficou assim, ela falou: “Pô, aí é um problema, chama a sua mãe, que aí já não é mais comigo”, entendeu? Aí chamou a minha sogra, a minha sogra foi lá, catou lá umas coisa, o hortelã, então deu essa coisa pro moleque beber, bebeu um pouco e passou um pouco na barriga dele, aí ela, entendeu, aí as bichas foi sentando, sentando, né? Aí depois de um tempo eu fiquei analisando essa coisa, do evangélico, inclusive ela foi, ela pegou, falou: “Não, agora você chama a sua sogra”, que geralmente é uma contradição, evangélico, mas até por conta da caminhada da minha mãe também, que ela foi católica e tal, até aí um respeito, aí ela falou: “Ó, chama a sua sogra, a sua mãe agora, Margarida”, que era a minha esposa, que aí era com ela, o menino começou a melhorar e tal. Então essas coisas, e está perdendo isso, a família está perdendo, então essas coisas me marcou muito a vida da gente, que não tinha médico, a gente tinha que resolver as coisas dessa forma aí e tal, mal e mal você tomava de vez em quando era umas injeção antitetânica, o moleque andava por lá descalço, enfiava prego no pé e tal, mas essas questões, fora essa coisa da antitetânica, resolvia em casa, era um chá, um remédio, um unguento e tal, você ia assim, caminhando aí.
P/1 – Na sua história, na sua trajetória, Manteiga, você se lembra de algum momento, um episódio específico, que essa sua fé tenha sido importante pra superar uma situação ou pra viver uma situação, um momento forte de fé?
R – Tem, eu acho que eu sou meio raio lenda, porque, que nem a minha mãe diz que eu fui batizado duas ou três vezes, sei lá, porque também, quando eu nasci, eu estava com uns problemas lá, falou: “Ih, acho que ele vai embarcar, não vai ter jeito”. Quando era assim, batizava em casa, chamava lá, não era padre, chamava lá uma pessoa e batizava, a moral, eu resisti, eu resisti. Aí depois de adulto, que não foi um batismo oficial, aí eu fui batizado oficialmente, acho que eu tinha quase uns 18 anos, aí sim foi um padrinho, foi na igreja e tal. Então a gente passa por um momento, a nossa é um fio de navalha, tem hora que você, então foi isso, né, que a minha mãe contou, tive lá um problema sério. É muito o dia a dia da gente às vezes, você está com uma dificuldade muito grande, você acha que não vai ter solução, então eu me apego muito isso, né? Então eu falo, esse momento difícil que eu contei a respeito da minha vida, da situação quando a gente morou na Brasilândia, eu falei: “Pô, não é possível”, diz que tem mal que, mal que sempre dure, nem mal que nunca se acabe, eu falei: “Não é possível”, tem uma hora que, e o que me moveu muito foi essa fé, eu falei: “A gente vai ter que sair da situação”, porque foi muito complicado. Eu esqueci até de falar, inclusive, nessa época, o meu primo perdeu um braço também onde ele trabalhava, ele trabalhava lá numa, Refinações de Milho Brasil, através de uma empresa terceirizada. Então isso aí, se a gente não tinha um poder particularmente, se não tivesse essa fé de acreditar, teria sido ruim, porque a vida está aí. Inclusive tem familiares, que a gente passou isso, falou: “Ah, essa molecada aí não vai dar nada, não”, porque faltou esses eixos pra gente, mas graças a Deus esses princípios nossos permaneceu, que é o princípio de respeito, de ser honesto. Porque a gente foi criado, que se aparecia com um palito de fósforo em casa, a minha tia queria saber da onde, quem é que deu: “Ah, deu? Quem é que deu? Então vamos lá ver se realmente deu”, você entendeu? Eu lembro umas vezes lá, que a gente morava lá na Vila Dalila, numa barroca lá onde o pessoal jogava um lixo naquela época lá, não sei se foi meu primo, parece que achou umas notas, aquela época era um real, nossa, você tem que ver, minha filha andou o bairro todo: “Você achou mesmo? Onde foi?”, e saiu perguntando pra, né? Então a gente, esses princípios a gente, apesar de toda dificuldade, a gente sempre teve esse negócio de honestidade, respeito, fé, a gente sempre teve, apesar de que cada um enveredou pra um caminho aí, mas esses princípios me valeu muito, mas principalmente a fé. Então foi isso é que me ajudou nessa caminhada aí, esses vários momentos que a gente passou de dificuldade, tal, então isso que me ajudaram muito, minha família também, essa atual que eu tenho com a minha esposa, a gente está muito firme nisso aí, né, entendeu? Estou aí em vias de ganhar um neto, o meu filho acho que em março agora vai me dar um neto aí.
P/1 – É seu primeiro neto?
R – É o primeiro neto, primeiro neto, que eu casei já tinha uns 33 anos, já tinha uma certa idade, aí em seguida tive os dois filhos, praticamente em seguida, diferença de uns dois anos pra cada um. Aí também dei um breque, só os dois com a mulher: “Vamos ter esses dois filhos”, até porque é pra criar, pra você dar uma condição melhor pro filho, que não é só comer e beber, como diz aquela música, a gente não quer só comida e bebida, tem que outras coisas aí, principalmente a vida profissional, hoje você tem que... Então foi isso aí, eu me limitei a ter os dois filhos, mas essa parte da fé, da religiosidade minha está muito forte, me acompanha muito forte, eu acredito muito nisso.
P/1 – Esse seu neto, você sabe já se é uma menina ou um menino?
R – Vai ser menino, vai ser menino, está programado pra março agora, porque ela tá fazendo lá acompanhamento, pré-natal, e é pra março, vem pra março agora.
P/1 – Já tem um nome?
R – Não, eles estão decidindo um nome lá, porque a minha família é muito, minha filha é Cláudia, meu filho é Cláudio, a minha nora é Cláudia também, então eles estão, que eu mesmo, na época que a minha esposa ganhou os filhos, eu queria até colocar um nome africano, minha mulher: “Ah, porque não sei o que, então vou colocar o nome do pai”, eu também, pra não conflitar, porque a mãe, a prioridade dela, ela resolveu escolher Cláudio, Cláudio e Cláudia. Primeiro foi minha filha, que nasceu em 81, ficou chamando Cláudia Rosalina Adão, se fosse homem primeiro, ia chamar Cláudio Rosalino Adão, que era o nome do pai, ado vô dele e do bisavô, mas aí acabou sendo menina, acabou chamando Cláudia Rosalina Adão. E agora o meu filho, que nasceu em 83, chama Cláudio Antônio Adão, que aí tem o nome do pai, o Antônio do meu sogro, que é o pai da minha esposa, e Adão, que é o sobrenome da família da minha parte. Então a gente, mas está aí, é um menino, o nome, ainda estão discutindo o nome lá, vamos ver, mas que venha bem, março deve está pintando mais um sobrevivente aí no planeta terra.
P/1 – Você falou, Manteiga, você voltou a falar de trabalho agora, essa coisa de ter que criar os filhos, mas ter que trabalhar, tal, quando você voltou pra Vila Dalila, além de administrar e criar a escola de samba, você tinha alguma outra atividade, de trabalho, assim, remunerada? Como é que você ganhava a vida na época? Ou era com a escola mesmo?
R – Não, não, com a escola muito pelo contrário, na escola a gente sempre pôs, aquela época ainda tinha um trabalho mais voluntário, eu trabalhava, naquela época, se eu não me engano, acho que eu trabalhava no Açúcar União, eu trabalhei na Companhia do Açúcar União, mas eu já trabalhava. Então a escola era um gosto que a gente tinha lá, entendeu, mas não era, não, era tudo voluntariado, na época era tudo voluntariado, hoje está um pouco mais comercial, mas na época era voluntariado, cada um se doava lá, as coisas quem fazia era muito a gente que fazia, roupa, construía e tal. A gente acabou se envolvendo, porque antes, quando eu voltei pra lá, eu lembro, a escola foi, a gente conheceu um grupo, que eu lembro que o pontapé mesmo que marcou muito pra criação da escola foi 1970, que foi o tricampeonato mundial. Então a gente tinha um grupo de amigos, a gente saiu na rua lá, né, comemorando e tal e ba, ba, bá, Brasil e tal, aquele grupo de pessoas, desfile mesmo, tomando uma cachaça lá, tinha um corote lá de cachaça, o cara punha lá, a turma vinha lá, se servia e tal. Aí, a partir desse momento, o pessoal: “Pô, legal, vamos criar uma escola de samba?”, porque o Brandão foi um dos percursores, esse grupo de amigos, o Brandão, ele tinha um clube que chamava Rei Clube, que dava baile, que hoje chama nostalgia, hoje é nostalgia. Então o Brandão, periodicamente ele fazia baile, fazia excursões pra Santos, principalmente no momento do Baile da Doroteia, que acontecia aos finais de ano, então a gente ia, então aproveitou esse núcleo de amigos, aí fundou uma escola, isso já foi em 1973, né? Aí fundamos a escola, a gente ensaiava na rua, a gente foi um dos fundadores, eu fui um dos fundadores da escola, estamos lá até hoje, a gente ensaiava na rua, aí depois, acho que em 80, ganhamos um espaço público lá, que era numa área de enchente, beirando o Córrego Aricanduva através lá de um vereador, do Seu João, que legalizou. E aí ensaiava na rua e depois desse espaço a gente começou a ensaiar no espaço e estamos lá até hoje, mas aquela época ensaiava na rua e outra, os instrumentos quem fazia era nós mesmos, principalmente o Brandão, que é um dos fundadores, era um excelente fazedor de instrumentos, pegava barrica, sabe, aquela coisa bem artesanal, e cada um dava uma contribuição. Então foi muito isso, a escola foi crescendo, a gente também foi incorporando, passei por vários setores da escola de samba, saía como ritmista, fui diretor de harmonia, fui diretor, a gente era meio faz-tudo, entendeu, fui diretor cultural, diretor de harmonia, fui chefe de ala, saí de chefe de ala, né? A gente pegou mais essa parte da administração, fui presidente, agora, ultimamente fui presidente de 2008 a 2014, seis anos, dois mandatos, depois não pode mais, também não dá pra ser porque senão eu ia ter um enfarte, sou corintiano, mas tem um limite o coração. Então a caminhada é muito isso, então a gente, os meus filhos também foram criados dentro da escola, minha filha com seis meses de idade, eu levava ela pra escola, eles foram o primeiro, foram casal de mestre-sala e porta-bandeira da escola, começaram lá de porta-bandeira mirim e foram até, acho que até 2000, agora até quando eu saí eles eram o primeiro casal da escola de samba. Aí eu saí, também eles saíram, porque falou: “Pai, a gente estava lá pra dar uma força e tal”, a gente tinha muita dificuldade, então é sempre aquele problema de grana, estrutura. Hoje a escola de samba tem uma outra forma de se dirigir, então você tem que estar realmente, é administrador, então tem que ter um conhecimento de administração, por isso que a gente tá buscando até recursos também, estou fazendo os cursos, pra pegar um conhecimento, pra dar um outro viés na escola, esse viés também fora do carnaval, do samba, que é o nosso carro-chefe, mas esse viés cultural, esse viés social. Então hoje eu quero fazer muito isso, faço parte do conselho, o conselho é um órgão permanente de um grupo de pessoas, que é responsável pela escola, por uma série de coisas, então eu faço parte desse conselho e estamos tocando aí, vamos ver, mas não está fácil, não. Mas agora, ultimamente, eu quero cuidar mais dessa coisa do cultural, do social.
P/1 – Quando você fala dessa parte do cultural e social, você está pensando em oferecer outras coisas pra comunidade, projeto, o que seria exatamente isso?
R – Seria em forma de projeto, porque lá atrás nós já temos, fizemos parceria através do nosso diretor cultural, que é o Paulo, que é um professor, a gente fez muita parceria, parceria, por exemplo, com a Faculdade de Belas Artes, com a Unicid. Então nós temos lá uma biblioteca e temos uma brinquedoteca, inclusive essa brinquedoteca, grande parte do material que cedeu pra nós foi a Faculdade de Belas Artes, entendeu? E a biblioteca também, só que aquela biblioteca, eu quero tornar ela temática, né? E outra coisa também, a dificuldade no espaço da escola de samba, o pessoal ainda não tem essa cultura, de ler e tal, então a gente está criando formas de como é que você pode trazer a comunidade, pra frequentar esses espaços, né? Tanto é que eu estou fazendo um curso de Gestão Cultural no Sesc, justamente pra permear esses caminhos, como é que a gente pode trazer. Eu tenho intenção também de criar uma biblioteca temática, que fora essa coisa de ser biblioteca normal, tratar de dois temas, que é o carnaval, falar sobre o samba paulista, o carnaval paulista, que tem uma outra vertente, que Geraldo Filme, Osvaldinho da Cuíca e tantos outros baluartes aqui de São Paulo batalharam muito nisso, né? Porque cada estado tem a sua realidade, o Rio, Bahia e São Paulo tem uma realidade também da sua origem do seu samba, que é mais aquilo lá, que é mais interior de São Paulo, então eu quero trabalhar muito isso, criar um espaço pra isso, futuramente até de pesquisa. E criar também um tema afro fazer um segmento lá afro, afrodescendente, por exemplo, desde a África e tal e criar uma literatura em cima disso, criar lá, então é muito isso. Então eu estou buscado, reunindo com pessoas também que podem estar colaborando com a gente nesse sentido, então lá atrás já tivemos, é que é muito voluntariado, então geralmente o pessoal ia de final de semana. Tivemos lá então um pessoal que ensinava lá, como é que se fala? Informática pra molecada, essa brinquedoteca também, tinha uma menina lá que chamava Fernanda que era voluntária, nós tínhamos 20 crianças lá, mas era só final de semana. Então a gente quer fazer isso com um pouco mais de permanência, mas pra isso você precisa de estrutura. Então eu estou querendo buscar recursos aí, projetos e tal pra poder tocar isso, que você tem o básico. Então a minha, sei lá, a minha missão que eu quero fazer agora em termos da escola de samba é isso, carnaval não vai parar, chega no final do carnaval, eu vou lá, pego minha fantasia, eu saio na velha guarda, e tocar, mas eu quero estar mais, cuidar mais especificamente do setor cultural, e social da escola de samba, junto com outro grupo também que pretende fazer isso.
P/1 – Manteiga, você fala que tem características específicas do carnaval paulista, de origem, o que seriam, o que diferencia o carnaval paulista do carioca ou do carnaval baiano?
R – É porque o carnaval parece que é um carnaval mais rural, é aqui do, como é que chama aqui? A gente teve até lá, aquele fundão no interior, não era São Roque, não, como é que chama? Eu tive até lá, caramba, tem hora que foge a ideia, Bom Jesus de Pirapora, sabe, é uma outra vertente lá, sabe, então é muito isso, a forma de bater é outra, nos tambores e tal, né? Então é essa diferenciação, então eu quero resgatar isso, que esse pessoal mais velho, então eu quero trazer isso pra escola, criar um espaço disso, conversar com as pessoas também que tem essa caminhada pra ter essa ideia, que é a origem, né? As nossas origens, e nós temos outra realidade, não é a realidade carioca, que é um outro samba lá na Bahia e tal, que é claro, com todo o respeito, o Rio de Janeiro foi o percussor disso e nós temos essa vertente aqui, essa vertente que é rural, que é do interior paulista aí, de Pirapora, essas coisas. Então eu quero, junto com todas essas pessoas que tem o conhecimento muito em cima disso, trazer pra formar isso na nossa biblioteca lá, criar esse espaço de várias formas, interação, o pessoal vai lá, conta história, contar, sabe, criar uma dinâmica ali. Aí, através disso, aí você consegue trazer os pessoal para a leitura, que nem eu te falei pra você, a leitura pra mim tem um papel muito fundamental, desde a época que o meu pai trabalhava no Estado de São Paulo e fazia eu ler aqueles textos e tal, e com os meus filhos continua a mesma coisa, de leitura, de contar história e tal. Então eu acho que, sabe, isso é, e você consegue transformar a sociedade, a contribuição que a gente pode dar, tem que ser através do conhecimento, né, então eu acredito muito nisso. Tem um grupo de pessoas, eu estou chamando pessoas pra gente fazer essa.
P/1 – Quantas pessoas formam hoje a Flor de Vila Dalila, assim, as pessoas que desfilam e do grupo mais administrativo, do conselho, você sabe quantas pessoas mais ou menos?
R – A estrutura nossa é: tem o presidente, aí tem aquele corpo administrativo, presidente, vice-presidente, tesoureiro, primeiro tesoureiro, o secretário primeiro secretário, o segundo secretário, aí depois vem o corpo administrativo também que ajuda, que é o diretor cultural, o diretor social, né? Aí o pessoal que compõe um pouco mais de harmonia, está tratando mais de carnaval, que é o diretor de carnaval, o pessoal que cuida da direção do carnaval, e mais propriamente dito no carnaval, aí dependendo da escola você vai ter um carnavalesco ou não, mas o básico da escola, que toca a escola mesmo é esse setor, de acordo com a estrutura. A nossa estrutura, por exemplo, lá é o presidente, o vice, o primeiro tesoureiro, o segundo tesoureiro, primeiro secretário, segundo secretário, aí depois vem esse pessoal que cuida mais da parte do samba, e essa parte também, é claro, com um pouco da cultura, que é o diretor cultural, que a gente também chama pra desenvolver esse trabalho, tem uma presença fundamental. Eu citei até a respeito do Paulo, então foi através do Paulo que a gente fez esse contato com a Faculdade de Belas Artes, com a Unicid, todo esse pessoal aí fora.
P/1 – Na Flor da Vila Dalila quantas pessoas desfilam hoje em dia, nos últimos carnavais?
R – No nosso grupo, o grupo dois, parece que é 500 pessoas, mas a gente sempre sai com 700 pra fazer um carnaval de qualidade, com um pouco mais, até pra o enredo, pra você mostrar um enredo um pouco mais dentro da sua totalidade, a gente sai com umas 700 pessoas aí, mas o mínimo é 500. Tem um regulamento, então o mínimo é 500 no grupo, aí o grupo um já é tanto, aí assim vai subindo, de acordo que você vai subindo a escola vai aumentando o número da exigência de componentes.
P/1 – O que você acha que mudou, Manteiga, quando você pensa de quando vocês começaram, 73 você fala que é a data de fundação, até hoje, assim, o que mudou no carnaval de São Paulo, nos grupos, no desfile, o que você vê de mudança?
R – Ficou muito mais comercial, porque hoje, é claro, o presidente da escola de samba, ele tem que ser um administrador, ele não está focado só no carnaval, você tem que ser um administrador, inclusive dessa forma até de viabilizar recursos, porque hoje o grande problema das escolas de samba, na realidade de uma forma geral, mas eu vou citar muito a realidade que a gente vive, que é aqui em São Paulo, é a estrutura. Por exemplo, você vai fazer carnaval, estou batendo esse bate papo com você aqui, hoje é dezembro, dia 10, ainda não foi liberada a verba, pelo menos do grupo 2, que eu estou sabendo do carnaval, as escolas que é ligada. Meu, como é que você vai fazer carnaval em dois meses? Fica difícil, e a gente tem que buscar recursos, mas dependendo do grau que você está, grupo 2, grupo 3, você tem um pouco mais de dificuldade, porque o grupo um ainda você desfila no Anhembi, você tem um pouco mais de visibilidade, mas essas escolas do grupo 2 pra baixo, que desfila em bairro, você tem dificuldade de estar buscando recurso. Aí você fica muito dependendo de verba da prefeitura, que uma grande guerra nossa é tentar oficializar isso, criar junto com os presidentes da escola de samba e criar junto ao prefeito, pra oficializar a verba, pra você poder ter um controle, pra você poder trabalhar. Quer dizer, um produto que você pagava, sei lá, dez reais há dois meses atrás, você vai agora, em cima do carnaval, você vai pagar 30, e se achar ainda, entendeu? Outra briga também, a grande parte delas não tem espaço pra desfile, pra ensaio, não têm a sua quadra, né, algumas está embaixo de viaduto, mas a grande maioria não tem, é também brigar pra você poder ter um espaço, pra a partir daquele espaço você, poder transformar em alguma coisa que vai trazer recurso pra você poder fazer no seu dia a dia, não só no carnaval, que nem eu falo pra você, hoje é um administrador, então a gente está muito esse papel.
P/1 – Como é que era no começo?
R – Ah, no começo era muito voluntário, a gente fazia instrumento, a gente mesmo, não tinha carnavalesco, a gente mesmo é que fazia as coisas, cada um dava a sua parcela. Contei aquele episódio, até por conta, na época o carnaval não tinha essa estruturação, essa organização que tem hoje, a gente levava carro, chegamos a levar, pegava aqui na Flor de Dalila, ali perto da Aricanduva, levava até, aquela época nós disputava o carnaval na Tiradentes, levava a pé os carros alegóricos até lá, durante anos fizemos isso aí, por conta dessa estrutura que não tinha, então a gente levou. Então era muito voluntariado, então todo mundo colaborava, todo mundo, até pra você também, porque a escola tem que fazer uma transformação, a gente vai ficando meio de idade, está cansado e tal, novos grupos de jovens estão vindo aí pra pegar gosto pras coisas, porque senão... É que nem meus filhos, por exemplo, eles não estão muito mais a fim de ir, porque eles já viram que o pai passou, como é que está essa estrutura do carnaval, eles não tão mais a fim de, sabe, pô, não dá, é muita, sabe, perversidade, muito problema, muito, sabe, então não vira, sei lá.
P/1 – Em termos do samba-enredo, da alegoria, de criação, fantasia, o que você acha, mudou alguma coisa, o que mudou? Fora mais recurso, que vocês têm muito mais recurso hoje, mas mudou alguma coisa na criação?
R – Mudou, hoje o carnaval, por conta desse mercantilismo todo que tem, você tem tempo pra desfilar, não faz mais aqueles enredos, que você, contando história e tal, hoje, inclusive até pra buscar patrocínio, às vezes você faz patrocínio, o enredo é o próprio patrocinador seu, entendeu? Pra tentar buscar recurso, descaracteriza, não tem mais aquele enredo contando uma história realmente, porque você tem tempo pra desfilar, tempo pra passar, tudo é o tempo, tempo, entendeu? Então está difícil, hoje o carnaval está dessa forma, muito mercantilismo, hoje, é claro, algumas coisas até concordo que você tem que, mas hoje tudo você tem que pagar, porque é profissional, o camarada também tem que defender o dele, é o ganha pão dele. Você tem que pagar carnavalesco, o cara que vai fazer a serralheria você paga, antes era voluntariado, serralheiro, carpinteiro, todo esse pessoal que trabalha na linha de produção pra desenvolver o carnaval, a maioria é paga, com algum outra exceção lá, entendeu, mas hoje é pago, que é um meio também de ganho. Então a escola tem que se adequar, por isso que ela tem que buscar recurso pra dar conta disso, entendeu? Apesar que a gente faz muita coisa, hoje lá o pessoal, estava falando com o presidente mesmo, na época, você aproveita material, recicla e tal, mas tem algumas coisas que você sempre tem que pagar, então você tem que ter recurso. E fora a estrutura que você tem no dia a dia, é água, é luz, que as pessoas querem fazer contato, por exemplo, você quer falar com a minha escola e tal, precisa ter um telefone, isso tem um custo, não é? Então você tem que, então é tudo isso, então o carnaval, sabe, então você tem que ter, só grande estrutura mesmo pra tocar, mesmo no carnaval até do grupo especial, tem uma dificuldade também, mas aí já tem um pouco mais de fôlego, porque você tem verbas, direitos de televisão e tal, que acaba saindo um pouco antes, que ajuda, porque a verba da Prefeitura também vem quase em cima também, que sai pra todo mundo igual, pra todo mundo no mesmo tempo. Então eles têm uma vantagem, tem direito televisivo, algumas coisas de mais lá, que isso acaba fortalecendo pra eles poderem acabar adiantando a escola, pra eles poderem começar o trabalho um pouco antes, mas as escolas da OS, aqui do grupo 1 pra baixo, aí fica difícil por conta disso. A escola hoje é remunerado, o cidadão vai trabalhar, tem que remunerar, eu não discordo disso e tal, eu acho que é por aí, o cidadão trabalhou, é um ganho de meio dele, temos lá um ou outro voluntariado ainda também, mas a grosso modo a gente tem que planejar, buscar planejamento, o cidadão tem que ter um pouco de administração, conhecer administração, então por aí.
P/1 – Hoje na Flor de Vila Dalila vocês conseguem, a presidência, pelo menos, é remunerada, esse cargo, vocês conseguem pagar alguma remuneração?
R – Não, o presidente não ganha nada, o presidente põe é do bolso, o presidente põe do bolso, uma dificuldade, você acaba, termina o carnaval, você fica devendo, entendeu, porque você tem que dar uns pulos, você precisa montar o carnaval, você fica devendo. A maioria das escolas fica devendo, gente, porque não, você ganha, sei lá, por exemplo, a verba do ano passado, eu estava ainda lá, 70 e, vamos ver, 72 mil, pra você fazer um carnaval competitivo você gasta é cem, cento e poucos mil. E da onde vai sair esses outros? Você tem um espaço lá que às vezes você faz lá um evento ou outro e tal, que é pra ajudar, mas a grande parte vai pra manutenção, pagar uma água, uma luz, um telefone, pessoas que às vezes está no dia a dia lá, entendeu? Então é difícil, da onde você vai buscar o patrocínio, é difícil você arrumar um patrocínio.
P/1 – Manteiga, qual que foi o seu ganha pão então todos esses anos? Como é que você fez pra sobreviver?
R – Ah, trabalhando, trabalhava, eu tenho minha barraca com a minha esposa, no Trianon, que a gente vende acarajé, né?
P/1 – Essa barraca tem quantos anos? Conta um pouco como é que surgiu a ideia da barraca e desde quando que ela existe.
R – A barraca, a gente foi envolvido em vários setores, a barraca a gente conheceu numa militância política que a gente tinha que nós tínhamos lá, então formamos na época, acho que foi 1990, naquela época eu trabalhava, saí do correio em 91, 90, 91. A gente tinha um movimento cultural negro lá, que era muito alinhado com o PT, o Partido dos Trabalhadores, na época, né, então a gente foi: “O que você sabe fazer?”, “Vou fazer acarajé então”, minha esposa: “Pô, então vamos”. Aí pegamos uma outra pessoa lá que foi dando dica e tinha muitos eventos que a gente fazia no bairro, de movimento negro e tal, e aí começou, a gente foi aprendendo, a minha esposa, fortalecendo, fortalecendo, mas originou-se daí, né, dessa militância política que a gente tinha, desses espaços que a gente ia mostrar o trabalho da gente e tal. Começou daí e aí a coisa foi indo, foi indo, já faz o quê? Noventa, né, 91 pra hoje, mais de 20 anos, no Trianon, por exemplo, nós estamos há quase 20 anos, temos 18 anos, e nossos filhos também sempre acompanhou nossa caminhada. Agora não, porque a minha filha se formou, o meu filho também tem a vida dele, casou, minha filha não, mas ela se integra muito nas coisas delas, serviço social e tal.
P/1 – Essa barraca era uma coisa diária ou era uma coisa aos finais de semana, como é que funcionava?
R – A princípio era mais esporádico, quando tinha alguma coisa assim, desses eventos que a gente fazia, em bairro e tal, aí depois a gente foi, aí começou a ter muitas feiras, assim, de praças, a gente foi convidado a participar, a gente foi participando. Aí trabalhava umas duas ou três vezes por semana, a gente tinha uma barraca ali, outra barraca aqui e a coisa foi fortalecendo, trabalhamos em vários lugares, paralelo a essa militância política. Aí depois surgiu essa oportunidade no Trianon, aí fomos pro Trianon, aí agora nós só estamos trabalhando aos domingos, porque na época a minha esposa trabalhava, se aposentou agora, está fazendo cinco anos, trabalhava na educação, numa creche lá da Prefeitura, eu também trabalhava, né? Então a gente tinha essa participação nessa militância, que deu origem, de essa coisa de vender acarajé. Hoje, por enquanto, nós só estamos na Paulista e tal.
P/1 – Como é que era esse trabalho, ou é, esse trabalho com a barraca? Como é que é a interação com as pessoas?
R – A gente também, você trabalhava aí você foi conhecendo as pessoas, que você está muito em contato com as pessoas, nesse trabalho. Na época tinha essa militância que a gente tinha, até do próprio Partido dos Trabalhadores, aquela época também era um voluntariado, a gente, eu lembro do PT, na sua essência, essa coisa de transformação da sociedade através do contato, de estar falando, então a gente era muito isso, mas era tudo muito ali, era comprado, eu lembro que na época do PT, do partido, tinha que comprar uma camiseta e tal. É o que eu digo, essa ideia de transformação que a gente tinha mesmo da sociedade, então hoje a gente tem um pouco disso ainda, eu acho tem hora que dá vontade de você, você toma uns baque aí, mas a gente não desiste, eu pelo menos não desisto. Tem um grupo de pessoas, a gente mudou muito a forma às vezes de fazer as coisas, entendeu, mas eu não desisti ainda, não, não desisti porque tem toda uma geração vindo aí, enquanto eu tiver resistência, condições, porque eu estou te falando, até da escola, levar esse poder transformador pra escola e tal, pra tá ajudando a comunidade lá. Eu só acredito nisso, o ser humano mudar através do conhecimento, então eu aposto muito nisso.
P/1 – Deixa eu voltar só um pouco, que eu quero entender um pouco quando é que você começa a se envolver com essa questão política com o PT e também quando é que começa esse movimento com a cultura negra, mas antes você me falou que trabalhou no Açúcar União, foi isso?
R – É, eu trabalhei.
P/1 – E aí depois os Correios, como é que foi um pouco essa trajetória, assim, qual que era o seu trabalho na União, quando é que você entrou pros correios, qual que era o seu trabalho nos correios?
R – Então, eu entrei pra, na União, eu acho que eu tinha 18 anos, tinha 18, fiquei até uns 20, né, depois, em 76, é, no ano de 76.
P/1 – Qual que era o seu trabalho na União?
R – Na União eu era ajudante geral, que era companhia de açúcar, eu era ajudante geral lá, trabalhava na usina de açúcar, ensacar açúcar, era mais ou menos nesse sentido aí, era mais um trabalho de ajudante geral, a gente fazia de tudo um pouco lá. Aí quando eu entrei nos Correios, em 76, já era mais específico, eu era carteiro, depois de carteiro, eu fiz curso, passei a monitor, trabalhei um pouco também como supervisor, fiz o curso, comecei como supervisor postal também. Mas aí nesse período também começou a rolar uma militância, né, porque a gente sempre teve essa coisa de desigualdade, de batalhar em cima da desigualdade, e nos Correios começou isso através dessa batalha, dessa luta sindical, reunindo com as pessoas e tal, era associação e depois, tinha que fazer associação pra depois fazer o sindicato, né? Sempre tinha aqueles movimentos grevistas e tal, paralelo um pouco, peguei um pouco da fase da ditadura também, que foi 76, 78, 80, até 82, então a militância começou nisso, através dos Correios essa militância sindical, que ao mesmo tempo também incorporava um pouco esse surgimento do próprio PT, foi em 80, se não me engano. Então juntou tudo, mas foi através dos Correios que a gente começou essa militância política minha, de greve, tal, de batalhar, aquela coisa. Aí saí em 91, comecei a frequentar, era militante do PT, fazendo trabalho do PT naquela época lá, que era um trabalho voluntariado também, né?
P/1 – Qual que era o trabalho? Onde você frequentava?
R – A gente tinha um núcleo, um núcleo, que era o DZ, o diretório zonal lá, que inclusive era na Vila Matilde. Esse trabalho muito panfletário, falando com as pessoas, a própria escola de samba também tem alguns membros, que a gente serviu pra desenvolver isso, mas era um diretório zonal, que a gente, junto com mais alguns companheiros lá, que a gente fazia esse trabalho. Esse trabalho, que nem eu falei pra você, que a gente começou a desenvolver, do aca rajé, surgiu disso, que esses eventos que a gente tinha, através do movimento negroque era ligado ao PT, a gente começou a desenvolver muito isso, né? Época de campanha e tal, essa transformação de estar conversando com as pessoas dessa necessidade de transformação, do cidadão que trabalhar ser sindicalizado, de direitos e tal, de ocupar órgão público, que órgão público é por uma decisão funcionário, você tem que, sabe, então muito isso, o nosso trabalho era muito em cima disso.
P/1 – E o seu contato com o movimento negro, como é que começou isso dentro do PT?
R – Também foi isso, nós já tínhamos, o que eu quero dizer é o seguinte, o partido, eu sempre tive essa veia social, de transformação, porque, eu sei lá, é injustiça, eu acho que cada um, não tenho nada contra o capital, entendeu? A gente até precisa dele, mas eu acho que a gente tem que ter o mínimo de sobreviver, isso está na Constituição lá, tem direito à moradia, direito à educação, uma série de coisas. Mas se você não se mobilizar, não se reunir, você não consegue nada, é um direito que está no papel, se você não for pra cima, você, então era muito isso, sabe, da gente, a partir desse direito que é constitucional, a gente começar, principalmente direito até do próprio negro, né? Você vê que a história da gente é, meu, infelizmente, sabe como é que é, é um direito, uma coisa que é normal, você tem que brigar pra isso, porque nos privaram de uma série de direitos, então era muito em cima disso, de reconhecer a gente enquanto pessoa, enquanto cidadão, em quanto contribuiu pra construir esse país, que hoje é, tem muito sangue negro e tal. Então foi muito nisso, então através das pastorais, começou aquela coisa das pastorais, dentro da igreja católica também, pastorais negras, comunidades eclesiais de base, do movimento sindical, movimento pastoral, rural, então teve aquela efervescência. Dentro desse meio aí surgiu a gente, dentro de um segmento da pastoral negra, junto com os movimentos negros também, então com essa missão, então a nossa caminhada foi muito em cima disso. Então militei muito tempo dentro do PT, a minha veia ainda é aquela veia mesmo de transformação, de coisa do social, com umas certas observações, que a coisa está muito perversa.
P/1 – Você continua filiado ao partido, Manteiga?
R – Eu ainda estou, eu ainda tenho uma filiação, me desfiliei durante um período, que eu fiquei chateado com muitas coisas aí, aí depois voltou, porque com tudo isso eu ainda acredito que o Partido dos Trabalhadores ainda é um partido que ainda tem esse viés social, porque, quer queira, quer não, o nosso presidente esta aí, Lula, agora a Dilma, que foi através desse partido que grande transformação que aconteceram, isso é inegável, né? Então tem pessoas ainda que têm isso, houve, o partido teve um racha muito grande, tal, dessas cabeças pensantes, porque descordou de uma série de coisas, que eu também acho, que a gente fazia muito, sabe, e a gente não merecia uma série de coisas que aconteceu. Mas, enfim, a política está, sabe, de uma forma geral, mas o Partido dos Trabalhadores transformou muito isso, está aí as coisas, só pra quem não quiser, é que a burguesia aqui no Brasil é complicada, essa burguesia, essa é a burguesia mais escrota que eu já vi, muito podre, mas estamos aí resistindo aí. Os caras não abrem mão mesmo, se a gente não se organizar, não cobrar, não ir pra cima, cobrar, que nem essa transformação, eu só acredito que todo os P está, sabe, de uma forma geral, mas isso aí já vem lá de trás. Como é que nós podemos transformar isso? Independente, tem uma reforma política lá, vamos nos organizar e cobrar dos nossos deputados, dos nossos legisladores, sabe, essa mudança, que eu acredito que só através de uma mudança política, de cobrança, que a gente pode está, mas depende de todos nós, entendeu? Porque todo mundo tem a sua parcela, ninguém pode apontar o dedo sujo pro outro, não. Mas, quer queira, quer não, no meu modo de ver, está aí, o Partido dos Trabalhadores é que foi o responsável por essa grande transformação social que houve no Brasil, então isso é um ganho, entendeu, que é inegável.
P/1 – Você lembra de algum momento marcante nessa sua militância no PT, uma coisa que você tenha participado ou visto, um momento que tenha sido forte?
R – O que eu vi de muito forte era a agressividade, dessa classe burguesa, de você está com um voto no PT, pra começar, eles não se conformavam: “Pô, como é que esses caras trabalham aí sem ganhar nada?”, sabe, porque geralmente a direitona pagava, a direitona, e você está ali, não, por uma causa, então já começava aí. Eu lembro que eu tinha, com a minha família, eu estava com um botton de identificação do PT na época, a primeira vez que o Lula se candidatou à eleição, mesmo na época da Erundina, a forma como que as pessoas olhavam pra você, sabe, com aquela agressividade, e às vezes começam a jogar, sabe, fazer piadas indiretamente. Então eu achava isso, sabe, aquela coisa, então, sabe, são essas coisas que eu acho que não é por aí, se o processo é democrático, mas você vê como essa elite nossa é tão, então essas coisas me marcaram muito, essa agressividade, de você está colocando o partido e os caras, sabe, essa descriminação, esse preconceito, essa coisa, isso, sabe? Hoje, você vê que essa eleição mesmo da Dilma agora teve um divisor mesmo, gente, não é isso, somos todos brasileiros, somos todos, a coisa é democrática e tal, mas eu acho que tem que dividir melhor o bolo aí. Porque você vê que o Brasil, saiu aí, é o segundo maior país do mundo a gastar com pet, pet é, sabe, pô, pera aí, é o segundo maior país do mundo que tem mais helicóptero, é o segundo maior país do mundo que gasta com a estética, com a plástica, e não é corretiva, não, sabe, gente. Então alguma coisa está boa, sabe, essa diferença, meu, vamos, porque senão não vai dar certo, aí começa essa convulsão social, entendeu?
P/1 – E no movimento negro, você se lembra, na militância com o movimento negro, na pastoral, de um momento marcante, assim, ou uma coisa que tenha ficado mais forte pra você?
R – Também, da gente colocar a nossa cultura negra nas praças e as pessoas, sabe, estar olhando com, sabe, essa coisa com desdém, com, sabe, pô, então você, é muito isso, sabe, essa coisa do desdém, de você ir pra praça colocar a sua cultura, colocar a sua, que até hoje... Você vê até a parte religiosa mesmo, do candomblé, como é que, sabe, eu acho que, pô, todo mundo, o país é laico, o país, mas sabe como é que é, então é uma, duas religiões só que quer prevalecer. Eu acho que a gente tem que aprender a conviver.
P/1 – Quais eram as ações da pastoral e do movimento?
R – É que você, pra começar, a abertura da própria igreja, depois que houve, que as coisas da comunidade eclesial de base, então porque a igreja era muito aquela coisa da ortodoxia, então, pô, e aí não, com as pastorais afro e tal, isso dependia muito do padre, que nem tem um padre na nossa comunidade que a gente tem lá, que é o Padre Lub, então ele é muito, sabe, tem essa abertura. A própria igreja também, depois lá no Concílio do papa, essa flexibilidade com as pastorais, mas de repente abre, de repente fecha, então a gente possibilitou isso, mas você vê que havia resistência, né? Porque a gente começou a fazer essas missas aculturadas, principalmente quando era no mês de novembro, que era o mês da consciência negra, então no primeiro momento eu via muita resistência, dos outros segmentos da igreja.
P/1 – Mas como é que eram essas missas?
R – É, de não ir, achar que, pô, negócio de igreja, está com batucada, está com, sabe, essas coisas aí, pô, isso é, sei lá, isso é macumba, sabe aquelas coisas?
P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que eram essas missas, o que elas tinham de diferente da missa mais tradicional que a gente tá habituado.
R – É que a nossa missa, a cultura dela, ela acompanhada, todo o ritual, das nossas vestes coloridas, do batuque, do nosso batuque, da nossa forma de se expressar, entendeu? Então era muito isso, são missas, então isso chocava um pouco: “Pô, pera aí, a igreja, esses caras vêm aqui fazer batuque, vem não sei o que”. E tinha aquela, a comida, aquelas coisas da natureza, tipo de uma oferenda que nós tínhamos ali, de levar os alimentos, isso era uma forma diferente que a pastoral usava, eles tinham de fazer, de exercitar o seu lado religioso, a partir dessa abertura que a igreja deu, porque todos nós somos filho de um pai só, entendeu? Então temos que respeitar, então isso venceu, foi quebrando algumas regras, ainda tem um pouco, muito disso, dependendo muito da paróquia e tal, mas houve uma abertura, os espaços estão aí, agora a gente tem que se unir pra poder, mas houve muita resistência. Tem segmentos da igreja católica também que é um pouco mais resistente, tal, entendeu, mas nós estamos aí, isso é um direito, agora é muito da organização, a gente tem que se organizar de uma forma geral pra ir conquistando esses espaços e colocando na mentalidade das pessoas que, pô, nada mais é do que um direito que todos têm, do seu lado religioso e tal, e a igreja católica, né, também tá ciente disso, então tem que dar espaço, mas precisamos nos organizar.
P/1 – Essas missas ainda acontecem hoje?
R – Acontecem, acontecem.
P/1 – Em que espaços?
R – Inclusive, por exemplo, eu faço parte da comissão, que a Igreja Nossa Senhora do Rosário é de São Benedito da Penha, é uma igreja que tem quase 300 anos, foi fundada pelos negros, porque os negros não tinham espaço pro seu lado religioso, então eles criavam os seus espaços, através da igreja, né? Essa igreja, por que nós fizemos essa comissão? Por conta dessa coisa, desse desleixo que o pessoal estava tendo com esses espaços históricos de representação da cultura negra, então a gente se organiza pra poder dar visibilidade pra esse espaço e estar mostrando o potencial desse espaço, a significação que esse espaço tem, desse segmento cultural negro, que incorpora todos nós brasileiros. Então é muito isso, então é uma briga constante, faço parte também, nós fazemos parte também da Pastoral Afro Jesus Adolescente da Vila Dalila, então a gente conversa muito com as outras pastorais. Então você vê como é que é, nós temos essa coisa da escola de samba, das pastorais, é do dia a dia do trabalho, do trabalhador, então é energia, ao mesmo tempo no dia a dia, que você precisa estar forte pra estar fazendo tudo isso, então temos avanços sim, acredito muito nisso, temos avanços, e essa coisa do multicultural, as pessoas, é negra, é branca, que fazem parte com a gente. Inclusive na pastoral da Igreja Nossa Senhora do Rosário tem um senhor lá que é branco, é o Seu Morelli, uma pessoa muito conhecida, um batalhador, está junto com nós lá, independente da tez da pele, né? Então é isso, mas é um espaço que, e você tem que, sabe, porque senão demora, demora e tiram esse cunho histórico, entendeu? Que nem eu digo do samba, o samba é isso, é patrimônio, não sei o que, não sei o que, eu acho que devia ter mais respeito e dar condições, cobrar sim, cobrar seriedade, cobrar transparência e tal, mas dar condições, senão fica só no: “É, ba, ba, bá”, e lá fora o samba, o futebol, não sei o que lá, entendeu? E saindo também disso, dar o conhecimento pras pessoas fazerem outras escolhas, então eu vejo muito isso, então a gente é esse batalhador no dia a dia, jogando em várias frentes aí, na medida do possível a gente. Mas o movimento negro, as pastorais, estamos pertencendo a eles, a pastoral, muita dificuldade de organização, né, que as pessoas têm que se doar também, né, mas eu, sei lá, eu estou muito contente com esse tipo de situação e estamos aí na batalha, enquanto tiver forças, a gente vai levando, eu, minha família. Minha família também incorporou muito isso, também o lado político também, buscando conhecimento pra poder se multiplicar, esse poder transformador, minha filha se formou assistente social e está nessa batalha também, incorpora um pouco esse lado político, esse lado, o meu filho também, minha mulher. Então estamos aí, somos essa família, dificuldade tem pra todo mundo, mas o importante é a fé, sabe, as pessoas nunca perder a fé e ir pra cima, porque as pessoas querem te quebrar, s pessoas querem que você perca, tirar essa coisa de você ver o futuro, de que dá pra a coisa ser melhor um pouco pra todo mundo.
P/1 – Manteiga, você se lembra onde você estava e como é que foi pra você a primeira vez que o Lula foi eleito?
R – Eu lembro, antes do Lula, teve a primeira vez, foi a Erundina, a primeira mulher, nossa, foi uma, a campanha, nossa, e com toda essa discriminação que tinha, essa coisa, sabe, chega a ser, meu.
P/1 – Como é que foi, onde é que você estava, como é que foi receber a notícia?
R – Naquela época eu estava, trabalhava nos Correios, a gente fazia um trabalho um pouco mais, não era tão visível, porque tinha muita discriminação, então pra você não está, é claro, nós, como militante, fazia esse trabalho de rua mesmo, de pá, de estar panfletando, mas dentro do próprio Correios, e a gente fazia esse trabalho de conscientização, né? Então foi muito isso, mas era muito, nossa, a batalha, com o Lula então, quando o Lula se tornou presidente, nossa, aí foi, pra nós foi uma alegria, você vê, através da organização conseguimos colocar, vencendo todas as barreiras, é o nordestino, é o operário. Nossa, isso foi uma quebra de paradigma que, tiveram que engolir, sabe, não tem jeito, quando você se organiza, você, sabe, então foi, isso pra nós foi muito bom, que você está dentro do processo, né?
P/1 – Como é que foi a comemoração? Onde você estava quando você recebeu a notícia do Lula, por exemplo, você estava acompanhando a apuração, vocês comemoraram, que comemoração que teve, onde?
R – A gente saiu pra rua, fomos lá pra praça, lá pra, como é que se fala? Pra Paulista, né, então a gente estava acompanhando, depois desse trabalho e tal de panfletagem que você fazia, aquela época ainda tinha um pouco, eu me lembro que tinha boca de urna, os caras permitiam fazer boca de urna, todo aquele envolvimento, é coisa de guerrilha mesmo, coisa de guerrilha mesmo, porque a direitona. Então, meu, quando a gente soube que o Lula, aí acompanhamos a apuração e tal, nossa, foi uma satisfação muito, muito grande mesmo, então foi uma satisfação muito grande.
P/1 – Como é que foi essa comemoração na Paulista?
R – Aí a gente saí, fomos lá e abraça e vários companheiros, aquela coisa daquela alegria, então fomos pra Paulista, foi nessa época que eu fui pra Paulista? É, fomos pra Paulista sim, eu fui, inclusive foi em 80, deixa eu ver se eu já estava trabalhando ali na, não, acho que esse dia não estava, eu fiquei em campanha, nesse dia não fomos trabalhar com a barraca, não, eu fiquei em campanha, a gente estava em campanha. Então depois disso a gente foi com vários companheiros, aí fomos pra Paulista comemorar, aquela, extravasar, normal, umas brahminha, aí falar: “Pô, gente, agora a missão é mais dobrada ainda, então botamos o nosso operário na presidência, o staff maior do Brasil, agora é, vamos tentar nos organizar”. Mas já da Erundina já houve isso, esse trabalho muito, que ela foi, a Erundina foi antes do Lula, foi em 88, saiu em 91, esse embate já começou na Erundina, essa resistência. Aí depois a gente foi se organizando, aí o ápice foi o Lula, foi reeleito por conta dessas transformações que ele fez, agora a Dilma está aí com uma outra pegada também, esse segundo mandato. O pessoal está querendo, sabe, tão querendo complicar, mas não vai complicar, não, que a sociedade está organizada o suficiente pra não voltar aquele período lá de, só quem viveu aquilo sabe, entendeu, isso não é interessante. Então a gente procurar, é claro, através de todo mundo, todos nós somos brasileiros, todo mundo queremos o melhor, né, e formamos força pra cobrar do pessoal lá de Brasília lá essa transformação política, né, que acredito que só através disso que a gente vai conseguir, você dar um pouco mais de transparência e cobrar realmente, entendeu, eu acredito que só isso, esse monte de partido que tem aí.
P/1 – Como é que foi, Manteiga, a sua experiência na época da ditadura? Você chegou a vivenciar algum conflito, fez parte de alguma militância ou teve amigos, conhecidos? Como é que foi a sua experiência, qual é a sua lembrança dessa época?
R – Eu lembro que essa época eu estava nos Correios, eu trabalhava nos Correios. Como é que a gente podia fazer? Que era meio proibido, então nós fazia como? Então nós ia pras nossas manifestações, se bem que quando tinha alguma manifestação nossa, eu lembro que na época tinha o diretor geral dos Correios, parece que era o Coronel Lemos, se eu não me engano, então aí ele vinha, né, tem um movimento, ele já oferecia pelo menos alguma coisa, então oferecia um adiantamento: “Vamos dar 20, 30%”, legal, aí o movimento, legal. Mas a gente, quando ia pra essas coisas de greve, de organização, que hoje não, hoje é faixa, é outdoor, a gente ia na papelaria, comprava umas cartolinas, escrevia, a gente se reunia muito na Igreja da Consolação e às vezes na Câmara Municipal também. Então tinha que sair, muito aglomerado não, era dois, três, saía, sabe, era assim, segmentado, eu lembro que a gente, a Igreja da Consolação cedia muito o espaço pra gente lá pra gente fazer o nosso movimento, às vezes na Câmara Municipal, mas era muito isso, então você não podia estar com aglomeração. Eu lembro que as pessoas que eram responsáveis, até pra associação, que era a chamada liderança, que tinha uma cúpula que estava lá fazendo esse movimento, então eu lembro de uma passagem de um amigo nosso lá, que ele morava lá, mais lá pro fundo lá, zona leste, lá, às vezes ele chegava em casa, estava uns carros meio estranhos parados, aquela coisa de intimidação, entendeu? Era meio complicado, era meio, a gente, mas a gente ia, tinha ainda um pouco daqueles resquícios da repressão, que era 78, 80, estava começando um pouquinho de abertura, mas eu peguei um pouco disso, e outra, era um órgão federal, porque o nosso regime era CLT, mas o comando dos Correios era órgão federal, então a pega era, mas nós conseguimos, debaixo da organização. Aí tirava os grupos, aqueles grupos, então reunia, então vai um grupo aqui, uma equipe que vai fechar, por exemplo, vai fechar as agências, um grupo que vai fechar as agências, outro grupo que ia pras portas das unidades, através de um conhecimento e tal, né, pra estar passando, falando com as pessoas da importância de vir pro movimento e tal, que fora salário também, as condições de trabalho, dessas coisas aí, né? Então foi através de luta, os Correios não deu nada a ninguém de graça, não, a gente batalhou, esse pessoal lá atrás, que muitos perderam até emprego, entendeu? Mas foi através de luta, essas conquistas foram luta, entendeu? Se você não se organiza, por isso que eu digo, de uma forma geral, se você não se organizar, você não... E paralelo a isso também a gente faz parte, eu faço parte junto com a escola de samba dos movimentos sociais, faço parte do conselho gestor de saúde lá do Jardim Maringá e Talarico, você vê, então a gente se envolve. Então através dessa organização conseguimos a transformação lá do posto de saúde da Vila Matilde, que era um posto precário, conseguimos trazer um posto também pra, a UPS Jardim Maringá, inclusive precisamos ir até no Ministério Público, é organização, várias entidades ligadas e a escola de samba inclusive participando. Você vê até que o modo também da escola, a escola é uma entidade da comunidade, além de você estar batalhando também pro próprio carnaval, pra essa estrutura do samba e tal, você também é nessas melhorias sociais pra comunidade. Então a Escola de Samba Flor da Dalila está inserida muito nisso, participa do Conseg. Então junto com as outras entidades e tal, então é muito isso, a gente, faço parte do conselho gestor, por exemplo, de saúde lá do Jardim Maringá. Ontem mesmo tivemos uma reunião pra estar discutindo algumas coisas, a falta de médico e tal, aquelas coisas todas, então é muito isso, sabe, a gente está muito ligado à essa transformação social, que se dá dessas várias formas que eu acabei de falar pra você. Mas voltando um pouco isso, daquela fase de grevista, dessa transformação, isso começou muito nos Correios, lá atrás já tinha um pouco disso, mas ficou muito mais marcante a partir dos Correios, que você começou a ter essa coisa mais organizativa, né?
P/1 – Você se aposentou nos Correios, Manteiga?
R – Não, eu saí de lá foi em 91, eu trabalhei durante 16 anos lá, saí, eu me aposentei foi até como autônomo, que aí eu trabalhei em várias empresas, mas depois aí com essa coisa da barraca e tal, aí eu comecei, me aposentei já como autônomo, mexendo só com a barraca mesmo, então foi nesse período que eu me aposentei.
P/1 – Te alguma coisa que eu não tenha perguntado e que você quer deixar registrado?
R – Eu quero deixar registrado que essa coisa que eu acredito muito, se pudesse estar passando pras pessoas, esse aprendizado que a gente tem, que eu sou um simples mortal, dentro desse universo aí, Planeta Terra, que vai além disso, que o universo é, estamos falando de universo, é uma coisa fantástica. Até pra gente botar a bola no chão, tinha uma hora que as pessoas tinham que parar e pensar e olhar pra toda essa, e voltar um pouco pra si, fazer uma reflexão, que a gente não é nada, pô, então vamos criar uma convivência dentro desse Planeta Terra legal. Quem tem direito, dar o mínimo de direito pras pessoas, que é o básico, porque se não dá, tá toda essa confusão que está aí, abrir mão de algumas coisas, mas ter muita força. Essa geração que está vindo aí, muita força, muita fé, que você tendo fé e força você consegue sim, entendeu? Você consegue e você valoriza mais isso, precisamos valorizar um pouco mais as coisas, os ganhos que nós temos aí, mesmo os ganhos sociais, precisamos valorizar isso. Porque na minha época aí não tinha, é um direito, é claro, é um direito que o Estado tem com o cidadão, nós precisamos valorizar isso, que eu, como tantos outros, sou de uma época que não tinha merenda, que não tinha uniforme, que não tinha transporte, que não tinha uma série de coisas. Eu lembro que eu ia pra, uniforme quem comprava era a minha família, a dificuldade, merenda, aquela época era caixa, chamava caixa escolar, só um da família que podia ficar na caixa, então nós éramos em cinco, só um, não tinha negócio de lanche, não, né? Então hoje há uma melhoria sim, o cidadão cobrou, então, mas vamos valorizar muito isso, isso é fundamental, a gente valorizar esse ganho e se unir pra conquistar mais, valorizar muito isso, hoje você tem uma série de coisas aí que a nossa, essa dificuldade de estudar. Hoje, se você tiver, que nem, a minha filha hoje se formou, fala inglês, fala não sei o que, mas a correria que foi, que a gente fez, a partir desse governo que abriu uma série de oportunidades pra isso, então a gente tem que buscar, e tem, hoje você pode, se você correr atrás, você pode ter seu filho dentro da escola do pré até a faculdade, tem que correr, tem que abrir mão de algumas coisas. Eu lembro, através do Senac, por exemplo, eu lembro que tinha uma amiga minha que trabalhava, trabalha ainda na Prefeitura, ela falou: “Pô, você sabe que a cor, tem lá um curso de inglês através do Senac, tal, se a sua filha”, fui lá e coloquei minha filha, meu filho, que naquela época não tinha esse vale-transporte, nada, essa coisa do passe, né?
P/1 – Bilhete único.
R – Então eu falei: “Pô, o dinheirinho, vai diminuir um pouco minha cervejinha”, tem hora que você tem que abrir mão de alguma coisa de você, não é? Você tem que dar algumas coisas pra poder hoje ter uma conquista através da educação, minha filha se formou, isso é o maior ganho, vai fazer mestrado, vai, mas não é porque a gente é bacana, não, mas ralado, ralo ainda hoje aí, entendeu, ralou, a menina ralou, meu filho ralou, mas a gente passou esses valores pra eles, entendeu, tem que ir pra cima, até pra valorizar isso aí. Então pra mim é uma honra muito grande, estar aqui conversando com vocês um pouco da minha vida, que é uma partícula da vida de milhares de brasileiros aí, uns mais, outros menos, e estamos resistindo, a ideia é essa da resistência. Agora é o seguinte, vamos se organizar enquanto sociedade, muita fé, fé é fundamental, o respeito, o respeito com as pessoas, com tudo, desde os animais até as plantas, é o respeito, porque senão a sociedade vira um caos, entendeu? É isso. Muita coisa pra fazer, mas tem hora que a gente também, mas eu acho que essa oportunidade da gente está falando um pouco da gente, o ganho é muito, porque não tem presente nem futuro sem passado, o passado é um referencial pra gente, independente da forma que ele seja, pegar como exemplo, isso é que reforça muito. O que dá muita referência pra mim é o passado, das pessoas que contribuíram, tem ganhos e perdas, isso é um processo normal da natureza, e também pra caminhar, enquanto tiver forças, o supremo me der forças pra isso, a gente está caminhando aí, né? Então eu quero agradecer essa oportunidade que vocês me deram da gente estar podendo falar um pouco disso.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – O meu sonho, eu ainda tenho sonho sim, eu estou batalhando, é ajudar nessa transformação um pouco da sociedade, como um todo, eu ser essa partícula de contribuição, ao mesmo também a gente também tem que se fortalecer, que o ser, esse ser aí que a gente chama como Deus, que me dê força, que me ilumine, os pensamentos da gente, porque tem hora que a gente fica meio também, não é fácil, meu, a gente é um ser humano e tal. Então que ele me fortaleça muito nesse sentido, São Benedito, que é o meu santo, que eu tenho muita coisa nele, muita crença nele, que ele dê força pra gente poder continuar essa batalha, então meu sonho é isso, de ver a nossa sociedade melhorar cada vez mais, dou minha pequena parcela de contribuição pra isso, que eu acredito muito nisso. Tem todo um grupo, mas não está perdido, o cara: “Ah, está tudo perdido”, não, não é assim, gente, não é, lá atrás teve pior ainda, eu acho que a gente sempre tem que acreditar de fazer alguma coisa, principalmente pra essa nova geração que vem aí, que tesá bem mais difícil pra eles, que tem uma coisa também, apesar desses ganhos que eles têm, teve outras perdas também, não tem mais aquele espaço que a gente teve, né? Hoje é o ter, o ter, o ter é legal, mas não ter pelo ter, mas ele é o ter, é o necessário, ter, eu acho que é por aí.
P/1 – Esses anéis na sua mão têm algum significado ou é só por estética?
R – É, eu gosto, é estética mesmo, sei lá, eu não gosto muito é de anel, anel, cordão, assim, eu não gosto, eu gosto é de aliança mesmo, então, sei lá, é uma coisa que estética, eu acho bonito e tal.
P/1 – É um gosto mesmo.
R – É um gosto, até a forma de eu me vestir, essa coisa um pouco da própria negritude, e ela é normal, não é que eu sou mais negro do que o outro, então é uma vestimenta normal, que às vezes choca as pessoas, que nem a minha esposa mesmo, ela costuma vestir afro, mas normal, no dia a dia dela ela sai. Às vezes, é o que eu digo pra você, às vezes você vem no ônibus, as pessoas olhando assim, acha que é mãe de santo, independente se for mãe ou não, e se for, mas confunde muito, confunde muito a nossa cultura. Porque esse que é um papel nosso também, na medida do possível, que a gente está falando realmente a verdade, como é que é.
P/1 – É falta de conhecimento também.
R – O significado, mas você vê muito assim, as pessoas olhando, sabe, então é normal, então essas coisas em mim são normais, eu aprendi esse valor cultural, inclusive passo pra minha filha. Eu lembro da minha filha, quando ela ia pra escola, a mãe dela costumava fazer trancinha nela, e chegar lá: “Pô, cabelo duro”, uma série, sabe, como é que você prepara essa criança pra enfrentar, além dessa transformação social, mas o seu lado cultural, o seu lado de ser, a sua africanidade, né? Então é uma coisa que trabalhamos o dia a dia, se precisava, ia até na escola, porque a professora também tem que estar aparelhada pra isso, pra quando surgir esse tipo de situação, ele ter, sabe, condições de poder estar interferindo nisso de uma forma, mas é, sabe, essa diversidade que nós temos, cada um aí. Tem uma música que diz assim, nossa, do samba, se as pessoas prestassem pouco atenção nas letras do samba, que tem, então teve uma que marcou muito, que diz assim, se não me engano, foi do Barroca, não, não é do Barroca, foi, como é que chama aqui? Não é Império, caramba, me deu um branco agora, mas dizia assim: “Não criou raças, Deus apenas criou vida”, não é? Nossa, isso é de um significado, a gente, é prestar atenção, é realmente, ouvir, como é que essa, a partir de que você tem essa vida, a gente poder conviver, poder, eu acho que a caminhada é essa daí, somos um ser único aí, um ser único, um ser coletivo, senão não tinha nascido homem e mulher, tinha colocado um só. Então como nosso ser é um ser coletivo, cada um com a sua caminha, mas é a gente se entender, entender através do respeito, independente da sua religião, da sua raça, da sua cultura, eu acho esse entendimento, senão é o caos. Essa transformação do mundo que está havendo aí, tem que...
P/1 – O que você achou de contar a sua história?
R – Ah, não, legal, eu quero agradecer ao Museu da Pessoa, através de vocês aí, nossa, foi um momento único, a gente estar podendo falar um pouco da gente, isso fortalece, isso alimenta, porque algumas coisas até que havia esquecido e através de você, através desse contato, a gente reaviva isso, isso fortalece e me fortaleceu muito. Eu só quero agradecer a vocês.
P/1 – A gente que agradece.
R – Eu tive vendo também um pouco aí das pessoas, nossa, é muito interessante, nossa, isso fortalece, saio daqui rejuvenescido, muito obrigada pela oportunidade.
P/1 – Obrigada, Manteiga.
FINAL DA ENTREVISTA
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