P/1 – O senhor diga seu nome completo, data e local de nascimento.
R/2 - Meu nome é Augusto César Sampaio Fiorelli. Nasci aqui em São Paulo no Ipiranga e comecei a trabalhar com meu avô em 1974. Eu trabalhava em 1973 numa empresa aqui na Barra Funda de office boy. Comecei como office boy. Aí em 1974, no meio, em maio ou junho de 1974 ele me convidou pra trabalhar com ele. Ele já estava sozinho na oficina. Fiquei meio em dúvida no começo, de entrar ou não, acabei aceitando e vim trabalhar com ele.
P/1 – Seus pais, o nome deles?
R/2 – Meu pai chama-se Pedro Fiorelli e a minha mãe Ligia Maria Sampaio Fiorelli.
P/1 – E qual era a atividade deles?
R/2 – Meu pai é contador aposentado e minha mãe trabalhou no Correios, em 1950, 1960, trabalhou na Telefônica e agora é em “prendas doméstica”. Ela fica em casa mesmo. Desde que eu nasci ela parou de trabalhar e agora trabalha em casa.
P/1 – E você passou a infância no Ipiranga?
R/2 – Eu passei até os sete anos no Ipiranga e depois dos sete anos eu fui pra Cachoeirinha, Santana, Imirim, Santana. Ali é Vila Nova Cachoeirinha. Ali até quando eu casei. Com 27 anos eu casei e fui morar na Freguesia do Ó e estou agora, faz 14 anos, casei faz 14 anos, estou morando lá.
P/1 – E você tem lembranças da infância lá no Ipiranga?
R/2 – Tenho. Nasci lá. Até os sete anos eu morei lá. Brincava na rua. Até tem uma lembrança não muito boa. Quando eu tinha cinco pra 6 anos, mais ou menos, e na época, em 1964, 1965, estavam fazendo a canalização de água e colocaram os canos na rua. Colocaram os canos ali do lado, mais ou menos uns 70 centímetros de altura, mais ou menos 60 á 70 centímetros e a molecada passava por dentro do cano e saia do outro lado.
Enquanto eles estavam fazendo o buraco lá pra colocar o cano. E numa dessas passadas lá do cano, eu pensei que tinha passado o cano e não tinha passado ainda....
Continuar leituraP/1 – O senhor diga seu nome completo, data e local de nascimento.
R/2 - Meu nome é Augusto César Sampaio Fiorelli. Nasci aqui em São Paulo no Ipiranga e comecei a trabalhar com meu avô em 1974. Eu trabalhava em 1973 numa empresa aqui na Barra Funda de office boy. Comecei como office boy. Aí em 1974, no meio, em maio ou junho de 1974 ele me convidou pra trabalhar com ele. Ele já estava sozinho na oficina. Fiquei meio em dúvida no começo, de entrar ou não, acabei aceitando e vim trabalhar com ele.
P/1 – Seus pais, o nome deles?
R/2 – Meu pai chama-se Pedro Fiorelli e a minha mãe Ligia Maria Sampaio Fiorelli.
P/1 – E qual era a atividade deles?
R/2 – Meu pai é contador aposentado e minha mãe trabalhou no Correios, em 1950, 1960, trabalhou na Telefônica e agora é em “prendas doméstica”. Ela fica em casa mesmo. Desde que eu nasci ela parou de trabalhar e agora trabalha em casa.
P/1 – E você passou a infância no Ipiranga?
R/2 – Eu passei até os sete anos no Ipiranga e depois dos sete anos eu fui pra Cachoeirinha, Santana, Imirim, Santana. Ali é Vila Nova Cachoeirinha. Ali até quando eu casei. Com 27 anos eu casei e fui morar na Freguesia do Ó e estou agora, faz 14 anos, casei faz 14 anos, estou morando lá.
P/1 – E você tem lembranças da infância lá no Ipiranga?
R/2 – Tenho. Nasci lá. Até os sete anos eu morei lá. Brincava na rua. Até tem uma lembrança não muito boa. Quando eu tinha cinco pra 6 anos, mais ou menos, e na época, em 1964, 1965, estavam fazendo a canalização de água e colocaram os canos na rua. Colocaram os canos ali do lado, mais ou menos uns 70 centímetros de altura, mais ou menos 60 á 70 centímetros e a molecada passava por dentro do cano e saia do outro lado.
Enquanto eles estavam fazendo o buraco lá pra colocar o cano. E numa dessas passadas lá do cano, eu pensei que tinha passado o cano e não tinha passado ainda. Peguei bem na quina do cano. Abriu a cabeça. Saiu sangue...Foi a lembrança que eu tenho, não muito boa da época. Mas eu brincava muito de carrinho de rolimã. Foi uma brincadeira muito boa. E na Cachoeirinha também, brincadeira de bicicleta. Tinha muito campo de futebol na época, Agora já não tem mais, mas até 1970, 1970 e pouco, tinha muito campo de futebol na área lá da casa do meu pai e da minha mãe. Era brincadeira direto. O dia todo, a noite toda. Muito gostoso.
P/1 – E daí você começou a estudar?
R/2 - Eu estudava no primário lá no Ipiranga e depois comecei o primário e ginásio na Cachoeirinha. Fiz o colegial em Santana e depois eu passei a ir no Brás, no curso técnico, no Osvaldo Aranha na Piratininga. Depois eu fiz a Faculdade. Entrei na faculdade, na Faap [Fundação Armando Alvares Penteado], fiz Economia. Aí no Pacaembú, mas nesse ínterim, do colegial pra faculdade, eu comecei a trabalhar com meu avô. No ginásio eu já trabalhava com meu avô, com 14 anos.
P/1 - Você já tinha idéia da atividade do seu avô?
R/2 – Já porque a gente ia... Eu ia com ele quando eu tinha 10, 11, 12 anos. Ele tinha relógios de torre que ele ia concertar, então ele me chamava pra ir junto. Aí eu ia junto, ficava limpando relógio, máquina, engrenagem. Foi aí que começou a conhecer o relógio.
P/1 – O primeiro que você foi, você lembra?
R/2 – Eu lembro que fui no Brás, ia no [Colégio Salesiano] Liceu Coração de Jesus, eu lembro bem. Antes de começar a trabalhar com ele. O Liceu, o Brás e um ou outro que eu não me lembro bem. Depois, com 13 pra 14 anos ele me convidou pra trabalhar. Porque ele estava sozinho. Ele já tinha uns empregados, e o pessoal começou a sair e naquele ano o último empregado acabou saindo. Foi aí que ele me convidou pra não ficar sozinho. Ele me convidou pra trabalhar com ele, pra aprender a profissão, ver se dava certo. Porque isso aí é uma incógnita. Não é uma certeza que a pessoa vai continuar.
P/1 – Você imaginava que tinha jeito?
R/2 – Aí ele me convidou para vir. Comecei a trabalhar com ele, consertar despertador, limpando peças, essas coisas. E com o tempo a gente foi... E coincidentemente nessa época, o que acabou acontecendo? Acabou o seu Júlio, como ele contou aí, a passar o serviço pra ele. Foi nessa época mesmo, em 1974, 1975, 1976 que seu Júlio começou a passar. Então, pra mim foi bom porque junto com ele ir no mosteiro de São Bento, na Estação da Luz, acabou indo junto com ele. Aí, coincidentemente começou a aparecer outros relógios. O relógio da Praça da Sé, foi em 1977; o Mappin em 1978, 1979, 1980, por aí.
P/1 – O relógio do Mappin é de 1969?
R/2 – É quando nós começamos, que o pessoal chamou a gente pra ir consertar o relógio. Mas já tinha. O relógio já funcionava lá.
P/1 – E era o seu Júlio que cuidava lá.
R/2 – Não. Não era o seu Júlio não. O seu Júlio era mais o mosteiro de São Bento e a Estação da Luz. E o de Santos. Os outros relógios não. O pessoal dava corda, funcionários lá. Aí quebrou o relógio e o pessoal começou a chamar. Chamou o relojoeiro do mosteiro de São Bento. Já não era mais o seu Júlio Müller. Já era o meu avô. Aí o pessoal começou a chamar. Foi aí o Liceu Coração de Jesus. O pessoal começou a chamar pra consertar, pra fazer a manutenção. Aí foi começando e aumentando o número de relógios de torre. E aí acabou se especializando nisso. Daquela época pra cá começamos a se especializar nisso. O pessoal chamava a gente pra consertar. A gente consertava e falava pra eles: “Oh! Não adianta só consertar. O bom é fazer a manutenção preventiva.” Que era dar corda, lubrificar. Então deixava pra gente fazer. O pessoal passava pra gente fazer isso aí. E acabamos se especializando nessa parte. Além dos relógios, como ele falou, de parede, que a gente vai na casa do freguês, pega o relógio, traz pra oficina, conserta, vai lá, monta.
P/1 – E como é que se chega aqui até vocês?
R/2 – Normalmente, 90% dos relógios de torre, o pessoal liga pro mosteiro de São Bento. Primeiro lugar que ele ligam é pro mosteiro de São Bento.
P/1 – Porque pro mosteiro de São Bento?
R/2 – Porque o mosteiro de São Bento é considerado o Big Ben daqui. O Big Ben do Brasil, de São Paulo. É considerado o relógio mais preciso. Todos os que a gente faz manutenção, são. Mas ele sempre foi considerado o relógio mais pontual. Então o pessoal chama: “o relógio do Brás, da igreja do Brás está quebrado o relógio, está parado, como é que vamos fazer pra consertar?”. Aí eles ligam pro mosteiro de São Bento. O pessoal pergunta: “Quem é o relojoeiro aí do relógio do mosteiro de São Bento?”, eles respondem: “Augusto Fiorelli”, e o pessoal continua: “Tem o telefone dele?”, e aí eles eles indicam. Aí o pessoal liga: “O relógio não está funcionando, daqui da igreja” e a gente vai lá, conserta o relógio e aí já começa a fazer a manutenção. Vem dar corda uma vez por semana, ou de cinco em cinco dias. Porque cada relógio tem um tempo certo de dar corda.
P/1- E dá problema nos relógios? Dá muito problema?
R/2 – Normalmente dá porque como a gente faz a manutenção preventiva, já é mais difícil dar um defeito. Porque a gente está lubrificando e tudo. Mas se o pessoal deixar, é lógico que não é a gente que toma conta. Ele quebra e para mesmo. Sempre enguiça alguma coisa. Mesmo a gente tomando conta, já acontece de quebrar. Aconteceu em 1981 com o relógio do mosteiro de São Bento. Em 1981 o relógio parou. Aí era o problema de uma engrenagem, de um carretel que estava prendendo e parou o relógio. Engripou uma peça do carretel que bate a hora, e ficou uma semana o relógio parado. Isso foi em 1981. Ficou uma semana pra desmontar aquela peça pra tirar o defeito dele.
P/1 – Desses relógios antigos, como você conseguiu as peças pra consertar?
R/2- Se quebrar a peça, aí tem que ou retificar e a gente mesmo retifica. Ou então tem que levar no torneiro pra fazer uma peça, ou soldar ,ou fazer alguma coisa na peça. Porque tendo a peça, fica mais fácil você fazer uma nova peça. É mais simples, mais tranquilo. Mas tem que fazer isso.
P/1 – Quando você decidiu que ia ficar.
R/2 – Foi definitivo mesmo quando eu estava na faculdade. Em 1980, 1981, 1982, por aí, eu falei: “Meu negócio é relógio mesmo”. Eu acabei estudando, me formei mas falei: “Não vou seguir nada, vou ficar aqui no relógio”. Aí em 1983, 1984 comecei a namorar, tudo o mais e em 1986 acabei casando.
P/1 – Conheceu sua esposa onde?
R/2 – Conheci minha esposa em 1982 pra 1983. Minha irmã trabalhava na Salles, agência de propaganda. Salles Interamericana de Publicidade. Era aqui na rua Teixeira da Silva. Agora está na rua Borges Lagoa. E a minha mulher trabalhava com a minha irmã, na mesma sessão, na mídia. Então, teve uma festa lá na Salles e eu fui com a minha irmã e acabei conhecendo a minha mulher. Aí começamos a namorar e três anos de namoro, quatro anos e casamos.
P/1- Aí resolveu ficar de vez?
R/2 - Não, eu estava decidido. Em 1980, 1980 e pouco eu já estava decidido. Quando eu estava no segundo ano da faculdade decidi ficar mesmo definitivo. Era isso que eu queria fazer.
P/1 – E com foi a sua evolução dentro desse trabalho?
R/2 – Você acaba começando com as peças mais simples. Despertador, que é uma engrenagem maior. Depois você vai pro relógio de pulso, relógio de bolso, pra você pegar, pra você não ter problema de ficar tremendo e quebrar uma engrenagem. Aí acaba dando prejuízo. Em vez de dar lucro acaba dando prejuízo [risos]. Depois vem os relógios de torre, de parede, que aí eu acabei pegando junto com meu avô, porque ele pegou mais ou menos na mesma época.
P/1 – Você foi aprendendo junto?
R/2 – Aprendendo junto. Dar corda, lubrificar. Fui pegando o jeito dos relógios de torre. De parede, de mesa, esses pedestais de chão. Comecei em 1974, até 1980, 1985, já ficou uma coisa mais tranquila. Em 1984 já podia lidar sozinho com a coisa. Sem precisar do auxílio dele. Aí começamos a fazer esses consertos. Em 1993, 1994, ele começou a não consertar mais relógio. 7, 8 anos atrás ele já estava tirando o pé do acelerador. Foi tirando, parando. Agora eu acabei assumindo todos os serviços da oficina, das manutenções.
P/1- Tem mais um lugar onde vocês trabalham?
R/2 – Não. É aqui, é só a oficina. Essa é a base. E tem os relógios de torre que a gente tem que ir lá. Nas igrejas, repartições públicas.
P/1 – E desses relógios espalhados pela cidade, que referências vocês têm?
R/2 – Esses relógios são todos importantes pra São Paulo. O relógio da faculdade de Direito do Largo São Francisco; o relógio da Praça da Sé que já está fazendo pra consertar; o Palácio das Indústrias, já consertei a semana retrasada. São todos importantes porque passam milhares de pessoas na frente do relógio. Se a pessoa vê o relógio parado, não tem nenhuma utilidade pública.
P/1 – Perde a função.
R/2 – Perde a função de utilidade pública. Já pensou o relógio da São Bento parado? A Estação da Luz, o Liceu Coração de Jesus. Relógios tradicionais, têm relógios aí, como o da faculdade de Direito que tem 114 anos, 117 anos. O do mosteiro de São Bento tem 80 anos que está funcionando. O original da Estação da Luz pegou fogo, mas esse já está funcionando há mais de 50 anos. São referências pra São Paulo. O pessoal quer saber o horário, ele olha pra cima. Na Estação da Luz ele olha pra torre...
P/1 – E pode confiar.
R/2 - E pode confiar que o relógio está funcionando direitinho. Está certo. O mosteiro de São Bento, a faculdade de Direito, a faculdade de Medicina da Avenida Doutor Arnaldo. A Imprensa Oficial aqui na Mooca. Esse da Praça da Sé que a gente está fazendo o conserto. Todos esses relógios são referências.
P/1 - E relógios menores, de parede?
R/2 – De parede? Esse são casas. Casas das pessoas. Isso você não vê na rua. Esses de pedestal você não vê na rua. São relógios que estão em casa, residências, apartamentos, sítios.
P/1- Aqui no Centro tem algum lugar, um comércio ou uma casa que tem relógio.
R/2 - Que eu conheço assim de residência, de comércio, não. Só se tem na parede. Relógio de parede ainda tem. Tem relógio de banco. Tem um que nós consertamos aqui, do [Banco] Hsbc [Hong Kong and Shangai Banking Corporation] – Bamerindus, que é relógio de comando. Nós consertamos há pouco. No começo do ano. Está funcionando lá. De comando é o relógio mecânico, elétrico mecânico. Você dá corda nele e ele fica funcionando. De minuto em minuto o relógio vai dando impulso, ele tem só um mostrador e ponteiro. Vai a pulso. O relógio do Citibank. Na esquina da Avenida São João com a Avenida Ipiranga, também é assim. Desse jeito. De comando também são relógios menores do que esses que eu estou falando, mas também faz função. O do Citibank funciona lá fora mesmo.
P/1 - E o seu pai?
R/2 – O meu pai não quis nada... Quando meu avô trabalhava, em 1950, quando já tinha idade pra trabalhar meu pai, eu não quis, não se interessou. Meu avô também não se interessou na época, de fazer. Como agora, eu não sei de meu filho. Tá com sete anos. Eu não sei se ele vai gostar também. Aí é que está o negócio. E se vai ser na época que ele tiver 14, 13, 15 anos, tem que ver se naquela época está bom também a coisa. Essa profissão está em extinção. Eu não sei. Pode ser que continue o relógio de torre, se vai continuar o pessoal mantendo... Continua. Agora esses relógios de parede, de pulso, de bolso... Esses praticamente estão sendo eliminados. A maioria é tudo digital, que o pessoal usa. E o pessoal que tem idade, vai acabando também. Aí perde aquela tradição de usar relógio. Vai terminando a tradição. E os novos, a maioria não fazem questão. Tem gente que faz. Tem muitos fregueses nossos, jovens, que continuam a tradição. A maioria não tem relógio no pulso, a maioria não quer aquele relógio de pedestal na casa... Vamos ver se daqui a 10 anos, 15 anos, a coisa vai continuar. Não é uma certeza. Não é uma garantia.
P/1 - O seu filho demonstra algum interesse já?
R/2 – Olha, no final de semana eu levo ele, mais no Liceu, porque no Liceu eu vou de carro, e lá pode entrar. Então, eu vou no Liceu, levo ele. Sobe a escada. A loja da “Freguesia do Walkman” é lá perto da igreja. Então eu levo ele lá. Dá a manivela pra eu dar corda no relógio. Sobe na torre e fica olhando. Fica olhando se o peso está chegando, porque o peso fica lá em baixo. Ele desce de mais ou menos uns 10 metros, 15 metros de altura. O peso vai descendo na torre. Ele fica no buraco, tem um buraco na torre pro peso. Ele fala: “Oh, pai, tá chegando, o peso está chegando”. Então eu dou uma manivela e ele faz. Acaba ajudando. Ele gosta.
P/1- Como é o nome dele?
R/2 – André. Está com 7 anos. Eu tenho duas meninas. Uma menina de 12 anos, Mariana e a Daniela com 7. São gêmeos. Um casal de gêmeos.
P/1 - As meninas vão também?
R/2 - As meninas vão, mas menina não liga muito pra essas coisas e acaba... Com o passar do tempo acaba não ligando mesmo. Mas o André é capaz de gostar. Se por acaso na época ele se interessar, eu coloco ele na oficina pra ajudar.
Foi na Santa Cecília, acabou quebrando o “criquê”, que segura o cabo de aço do peso. Quebrou e o peso desceu lá pra baixo. Aí quebrou a engrenagem, aí o torneiro mecânico teve que fazer uma peça nova, teve que refazer a peça. E esse dia eu estava com ele, num domingo. Tinha até missa lá tudo e eu subi com ele. Aí o peso caiu lá embaixo, quebrou o piso de madeira. Ele percebeu, está lá embaixo o peso, e não era pra estar, era pra estar mais pra cima, aí eu fui ver e estava tudo quebrado as engrenagens. Aquele dia eu fui com ele, ele era menor, devia ter uns 4 ou 5 anos. Foi ele que me avisou. Tem outra coisa, é uma profissão que precisa gostar. O meu irmão, lá pra 1981, 1982 ele veio trabalhar com a gente. Ele tinha uns 15, 16 anos na época. Eu já estava com 21, eu tenho uma diferença de 6 anos dele. Ele tinha uns 15 anos, mais ou menos. Aí ele veio trabalhar aqui, ficou um ano. Falou: “Olha Augusto, não é pra mim isso aqui”, respondi: “Se não é pra você, vai procurar outra coisa”. Aí ele foi trabalhar num banco, no Bradesco, aí ele foi fazer a vida dele em outra coisa. Se não gosta, não adianta, tem que gostar, tem que ter paciência, tem que ter jeito e gostar. Não é uma coisa de ficar rico, mas é uma coisa que a gente gosta. Sempre gostei desde o começo, ver um relógio aqui, vai aqui, vai ali. Cada dia a gente aprende alguma coisa, o defeito que cada um tem é um pouquinho diferente do outro. A gente acaba aprendendo cada dia que passa.
P/1 – Queria perguntar pra vocês, vocês trabalharam quase que a vida toda no centro de São Paulo, como foi essa mudança, desde que começaram. Como foi essa mudança do Centro de São Paulo.
R/2 – Do começo do século, mudou demais. O relógio continua o mesmo, que nem da Estação da Luz, está lá. Mas se você for em volta da Estação da Luz de 1901 quando foi colocado, foi inaugurado a Estação da Luz, vê em volta como mudou, as pessoas e tudo. Mesma coisa no mosteiro de São Bento, 1912 feita a construção do mosteiro de São Bento, está lá marcado. Em 1912 o que era São Paulo? A Praça, o Largo São Bento, dava a volta ali, agora como está a cidade.
R/2 - A educação do povo. Homem nenhum conversava com mulher no meu tempo de mocinho, usava chapéu, palheta, bengala, aquelas coisas. Ninguém falava com uma mulher com chapéu na cabeça, ninguém subia no bonde na frente de uma mulher. Pra cumprimentar tirava o chapéu e falava.
R – Porque naquela época a população era de quanto, 200, 300 mil pessoas? 1910, 1920, 1930. Agora tem 10 milhões. Vem uma média de 4 milhões de pessoas que passam por aqui, por dia ou até mais, você vê que é uma diferença mais ou menos.
R/1 – Na Rua Direita, um quarteirão da Praça do Patriarca até o Largo da Misericórdia, era perfumado. Tinha duas lojas de perfumes: Casa Leiken, Casa Alemã. Tinha uma coisa assim na rua soltando perfume. A rua era perfumada, pra fazer propaganda da loja. Ali tinha o vai e vem. E tinha uma vez por semana os pretos, tudo bem arrumado, de terno e gravata.
P/1 – Uma vez por semana era só dos negros?
R/2 – Era mais final de semana. Na Rua Direita, tudo perfumada.
R/1 – Eu vou contar uma coisa bem interessante. Eu tinha um camarada que deixava o carro na Rua José Bonifácio e tinha a lanterninha traseira quebrada, eu era menino, eu vi aquela lâmpada lá, me deu uma vontade de pegar aquela lâmpada, mas não pegava. Um dia eu peguei, como eu não tinha automóvel nem nada, no dia seguinte voltei e coloquei de novo [risos]. São coisas pitorescas...
P/1 – São nossas lembranças...
R/2 – Eu me lembro que em 1974, quando eu comecei a trabalhar com meu avô, o único marreteiro que tinha era o vendedor de loteria. Não tinha essa gente, o pessoal andava, não ficava parado. Vendedor de loteria federal.
R/1 – Tinha um homem que vendia vassoura que ocupava toda a Rua Direita, com vassoura e espanador. De vez em quando passa aqueles filme antigo na televisão, de repente eu vejo o francês, na Rua 15 (de Novembro?): “Madame..... tudo falando em francês”.
R/2 – Ele vendia espanador e vassoura.
R/1 – Outra coisa pitoresca de São Paulo era o cabreiro. Um camarada que vendia leite de cabra. Ele tinha mais ou menos 20 á 25 cabras tudo amarradinha assim, isso era mais nos bairros. Eles andavam com um chicotinho e um apitinho. “Piii”, elas paravam, obedeciam. Ele pegava o copo da mulher e tirava na hora. Isso até quando ele tinha uns 5 ou 6 anos. Ele chegou a ver o cabreiro.
R/2 – Cheguei a ver bonde, cheguei a ver os cabreiros na Avenida Angélica. As cabras ficavam todas na rua. Quando vinha algum carro, ele apitava e elas atendiam. Tinha também os padeiros, entregador de pão que vinha com a carrocinha com cavalo. Ele parava, vinham as pessoas pegar o pão, parava logo mais, e assim ia. A hora que acabava o padeiro subia na carroça, aí o cavalo ia numa disparada porque sabia que ia comer, beber água. Essas coisas pitorescas. O tripeiro aquele que vendia miúdos, fígado. Ele ia no matadouro, pegava todos os miúdos e não pagava nada, davam de graça pra eles. Tinha matadouro na Lapa, Vila Clementino, vários lugares. Aí ele passava a gente comprava fígado, tripa, pra fazer lingüiça em casa, miolo, rim. Não tinha balança, nada disso. Chegava na casa do camarada, 200 réis, 300 réis, coração... Era numa carrocinha. Quando eu ficava na casa da minha avó, era muito interessante, era rua de paralelepípedo, escutava as carrocinhas passarem. E um povo pacato, formidável. A cidade era limpa, limpa, limpa. No tempo do frio você falava saía aquela fumaça, cachorro latia saia fumaça da boca dele, ele via fumaça começava a latir mais ainda. Era frio. Agora acabou isso aí tudo com a poluição.
P/1 – Tinha muita garoa, né. Era a terra da garoa.
R/1 – Muita garoa. Era uma vida muito boa, agora acabou tudo isso aí, agora sai pouca fumaça.
P/1 – E em termos de paisagem do Centro, paisagens e ruas. Que lugares são mais marcantes pra cada um de vocês, na memória de cada um.
R/2 – São Bento, Praça da Sé. Pontos de encontro, Largo do Café. No tempo do café o pessoal se encontrava lá, negociava lá, no Largo do Café. Praça da Sé era um ponto onde o pessoal se encontrava. Aqui, às três horas no mosteiro de São Bento, marcava sempre encontros, namorados, dez horas para o pessoal que sai do serviço. Praça da Sé por causa do relógio. Não esse relógio, um outro que ficava onde está o monumento a São José de Anchieta, um pouquinho mais pra baixo, perto da Caixa Econômica.
R/1- Na Catedral da Sé tinha tudo músico, se o sujeito queria montar uma orquestra ia lá. Depois mais pra baixo tinha o pessoal que trabalhava com assoalho, raspador de assoalho. Você queria um pedreiro, tinha lá um pedreiro, um encanador. A loteria sempre ficou, era tradicional. Era um ponto de encontro. Tinha o pessoal de desentupidor de água, com uma taquara enrolada, ainda tem lá, ainda continua.
Rua Riachuelo encontrava encanador.
P/1 – Rua de serviços.
R/2 – É, rua de serviços, de contratar serviços. Rua Santa Efigênia, coisas de rádio, televisão, era lá. Rua das noivas. Viaduto do Chá que é um lugar bem tradicional.
P/1 – E pra comer? Quais são as referências?
R/1- Aqui tinha lugar pra comer e comia bem, depois foi caindo, caindo. Tinha o Campestre que fechou a pouco tempo. O restaurante Tâmega, era um bom restaurante, que já não tem mais, tinha o Barsotti, da Famiglia Barsotti, agora normalmente é comida por quilo, self-service.
R/2 – Sabe o que tem ainda, na Rua Bom Jaguará 1020, no Centro não tem nada. Tem agora aqui na Bela Vista, no Bixiga, aquelas cantinas.
R/1- Tinha uma casa chamada Spaghettilândia, tinha tudo quanto era massa: Canelone, capeletti, acabou há muitos anos.
P/1 – Onde era isso?
R/2 – Aqui na Praça da Sé.
R/1 – Tinha ainda aqui, há pouco tempo atrás, a Massa D’oro, era aqui na Rua Líbero Badaró, fechou a três anos atrás. Só tinha massa. Tudo quanto era tipo de massa você podia comer aí. E era bom.
R/2 – Na Rua Direita onde era a Lusolândia, era um bar, o Bar Avenida, tocando música boa, música fina.
R/1 – Tinha o Bar Brahma que agora foi reinaugurado, do lado do correio, eu não sei se está a mesma coisa, aí tem que ver. Eu acredito que não esteja não. Pelo pessoal...
R/2 – Ali onde é o Othon Hotel, tem um prédio vizinho, aquele prédio caiu, ele não caiu, entortou. Afundou mais de um metro. Isso a mais de 30 anos atrás. A rua afundou tudo. Onde é o Banespa hoje era a casa de um alemão, o Bar Alemão, tinha cristais, tudo. Ia cair em cima do Bar Alemão, aí veio uma companhia, colocou gelo, uma máquinas de fazer gelo, porque o gelo cresce, e levantou o prédio. Depois calçaram e o prédio está até hoje.
R/1- Depois puseram cimento.
R/2 – Eu fiquei sabendo que na Europa tinha uma igreja, aí tinham que fazer uma avenida e tinha que levar a igreja 30 à 50 metros pra lá. Eles cavucaram embaixo, puseram gelo e levaram a igreja, a gente ficou sabendo...
P/1 – Olha só...
R/2 – É que nem essa implosão. Ele já viu a implosão do palacete Santa Helena. Você já viu uma implosão? O palacete Mendes Caldeira foi em 1973,1974. Eles fizeram o Metrô. Eu tenho gravado em casa o prédio caindo. O palacete Mendes Caldeira e o edifício da Paulista, aquele que pegou fogo, o call center.
R/1 – Implodiram para fazer a estação do Metrô.
R/2 – Eles poderiam aproveitar o palacete Santa Helena pra fazer a estação. Fechava lá pra fazer a frente da estação.
R/1 – Depois que quiseram derrubar a Escola Normal Caetano de Campos, aí eu briguei.
R/2 – Aí o pessoal ficou bravo.
R/1 – Era pra passar o Metrô.
R/2 – Não era pra passar, era só pra fazer a estação, aí puseram a estação mais pra lá. Mas poderia ter aproveitado o Caetano de Campos pra fazer a fachada. O pessoal de fora vinha e falava: “Que Centro Histórico, o que!” e ia derrubando tudo. Queriam derrubar a catedral ortodoxa do Paraíso, já estavam desmontando lá em cima. Quando resolveram depois fazer umas curvas pra passar o metrô e deixaram a catedral em cima. Então, conhece a catedral ortodoxa, queriam derrubar ela. E lá foi feita assim a céu aberto, São Bento também um buraco, Praça da Sé outro buraco.
R/1 – É faz o buraco e passa o trilho.
R/2 – Depois o metrô foi lá e consertou tudo, foi lá limpou.
R/1 – Céu aberto, sabe como é, mexe muito com a terra.
P/1 – Eu vou fazer uma nova pergunta pra vocês, qual é o sonho de cada um de vocês?
R/2 – O sonho é continuar trabalhando, criar os filhos que ainda são pequenos e que tenha saúde. E que a gente possa viver muitos anos pra ver os filhos crescerem.
R/1 – O meu é o da família. Esse é o meu castelo. Ver entrar os netos, correndo, é o sonho da família, eu estou em outra idade, outra coisa já.
R/2 – Meu sonho é fazer o que ele fez, ver os filhos crescerem, os netos.
R/1 – Eu já filho morre, mulher morre, neto morre.
R/2 – Vai fazer 8 anos agora.
R/1 – Morreu um neto com 32 anos. Mulher morre, os amigos, volta e meia leio nos jornais.
R/2 – É que ele já tem 88 anos.
R/1 – 88 anos e 5 meses. Quando nasce uma criança fala que ela tem 20 dias, 30 dias, 35 dias. Velho também fala 88 anos e 5 meses, 6 meses.
R/2 – A nossa vida é essa, a tendência é essa. Quando a gente tem 20 anos, nossa cabeça é de 20 anos; quando tem 40 tem uma cabeça de 40 anos. Você vê menos coisa que uma pessoa de 80 já viu. O que a gente tem que fazer? Ter força pra chegar na idade dessa pessoa de 80 anos, se você não chegar lá, você não vai ver seus amigos morrerem. Se você morrer antes, você não vai ver essas pessoas morrerem.
R/1 – E eu ainda me visto com terno, chapéu, com dificuldade, mas ainda me visto. Saio com ele e o pessoal me chama de Al Capone.
R/2 – É a moda, já não está em moda. A 50, 60 anos atrás o pessoal usava terno, gravata, chapéu. Agora não, de 30, 40 anos pra cá o pessoal já não usa.
R /2– A gente usava monograma de ouro no colete, fazia dois furinho e enganchava o seu monograma. Gravata com alfinete de pedrinha. Agora eles usam brinco. Ah, vá pro inferno. Como eles me chamam de Al Capone eu às vezes uso boné, é gozação lá na Cidade Getúlio onde eu moro tem os estudantes, quando eu pego o metrô quando tem estudante é um caso sério.
R/1 – O pessoal estranha. Pra molecada é diferente.
P/1 – A única casa de chapéu que eu conheço...
R/1 – Tem a chapelaria Paulista, bem antiga, eu trabalhava em frente. Perto da rádio Record que era na Rua Direita.
R/2 – Era outro ponto de encontro de jogador de futebol.
R/1 – O pessoal vinha cantar e se encontravam lá na esquina.
R/2 – Chico Alves. Eu trabalhava ali pertinho e conhecia todos eles, aquele lutador de boxe, atletas. O Friedenreich apareceu na oficina, o pai dele era um alemão e a mãe dele era uma preta, mas era o melhor jogador de futebol. Vi muito ele jogar, ele vinha muito na oficina. Ele não ganhava um ordenada, mas ganhou muita medalha de ouro. Ele ia lá na oficina pra vender as medalhas. Vendia pra fazer dinheiro. Ele jogava na Argentina, em todo o lugar.
R/1 – Ele jogou no São Paulo.
R/2 – Ele não parava, era agitado, magrinho. Ele ficava lá, porque o Filó tinha um armazém, onde tem uma sapataria, perto do velho. Era um armazém de luxo, vendia todos artigos de luxo, comestível. Até quando tinha ______ parava todos automóveis de luxo e enchia de mantimentos, os fazendeiros levavam tudo.
P/1 – O senhor lembra das revoluções?
R/1 – Se lembro, de 1924, com o general Isidoro Dias Lopes. Ele colocava os canhões dele nas Perdizes, lá em cima, lá na Rua Cardoso de Almeida lá em cima. De lá ele dava tiro de canhão do Campos Elíseos, no Palácio e no Quartel da Tiradentes. Tinha um chaminé no meio da rua que era a primeira usina a vapor pra fazer energia elétrica. Agora disseram pra mim que derrubaram isso aí. Era um monumento histórico. A chaminé é comprida e tinha dois rombos, que eram justamente as duas balas de canhão que pegou nela, em 1924, eram granadas antiquadas, porque aqui era tudo velho, bonde velho, navio velho. Da Primeira Guerra Mundial, o Brasil comprou tudo que sobrou da guerra, porta-aviões, bonde velho, é tudo coisa de 30 anos, 40 anos. Compraram o trem espanhol, é tudo velho. Agora só o metrô que é novo. Assim mesmo tinha a Fepasa [Ferrovia Paulista S/A] e fecharam.
R/2 – Fazia, agora não faz mais.
R/1 – Eu não entendo esse país, eu não entendo.
R/2 – Não tem indústria pra isso. No começo do metrô era uma festa.
R/1 – Vieram uns bondes que eles compraram da Inglaterra, muito bonitos, vieram para desembarcar. Eu tenho fotografia dos bondes desembarcando inteirinho nos cais, botavam em cima dos trens pra vir pra São Paulo, subir a serra. Mais tudo velho, nunca compraram bondes novos.
R/1 – Naquela época também não tinha fábricas de bonde, não. Só comprava e montava aqui. Compravam locomotivas bonitas, mas passaram tudo no maçarico, só ficaram as velhas. Os maquinistas aposentados disseram: “Não, deixa elas aí, nós vamos conservar elas”. Agora a maria fumaça está servindo, pra tudo quanto é coisa, vai indo lá. Teve uma festa de terça pra quarta que ela foi lá na Estação da Luz. Nós temos um amigo, o Rui Quintanilha, é superintendente da Estrada de Ferro, é aposentado. Teve uma festa no interior e ele falou pra por a maria fumaça por que chama atenção. Os engenheiros não queriam porque tinham medo que iria encrencar, então colocaram a máquina, depois a maria fumaça e o resto dos vagões, com pouco fogo só pra manter a fornalha acesa, só pra fazer a fumacinha. Eles disseram: “Ta bom , então vai”. Aí quebrou a máquina, tiveram que pôr mais lenha e a máquina a vapor começou a puxar. Foram, fizeram a festa, comeram churrasco, e foi. E depois na volta a máquina a vapor trouxe a outra até a Lapa pra consertar. Outro dia aconteceu dela sair sozinha da Lapa, matou gente. Uma vez levaram uma máquina na Lapa, porque lá que é a oficina maior. Montaram a máquina lá, mas não calçaram, de repente ela começou a sair correndo, ela é pesada, se movimentando. De repente a máquina indo embora, quem que segura aquilo. Da Lapa tem a Água Branca, foi parar em Perus, teve aquele acidente. Teve outro do tempo do seu Júlio, eles foram avisando nas estações até a Estação da Luz, mas esse não aconteceu nada, passou Barra Funda, Água Branca e foi embora. Quando chegou na Estação da Luz, arrumaram um atleta pra pular dentro dela. E ele ficou lá, quando a locomotiva veio a uns 40 km/h, foi correndo junto e “pam” pulou e segurou a máquina e freou.
P/1 – O senhor falou que o bonde era pontual?
R/1 – O bonde era.
R/1- O bonde não tinha aquele horário como o trem. Aí que está o negócio, o bonde era mais ou menos como o ônibus, tinha aquele itinerário daí você calculava. Mais ou menos 30 minutos pra chegar no Ipiranga, o caminho era livre, menos trânsito. O trem já não, não tem farol nem nada. O bonde tinha farol.
R/2 – Eu não entendo porque atrasa o trem, não tem motivo de atrasar. Eu não sei porque, é uma coisa que eu não entendo, está sempre atrasado.
R/1 – O trem é que nem o metrô. A gente sabe que o metrô do Jabaquara até Santana leva um tempo de 40 minutos, são 20 estações, são 2 minutos cada estação entre parada e tudo. É você ter mais ou menos o cronológico, de 2 em 2 minutos tem metrô, não tem aquele horário, é de dois em dois minutos. Então o bonde não tinha aquele horário certo.
R/1 – Um dia eu estava vendo, chegou um carrinho oficina e levantou o bonde, porque ele só tinha roda no meio, tinha quatro rodas só no meio, então eles colocavam o carrinho no meio daquelas quatro rodas pra levar o bonde embora, amarraram com umas correntes e amoleceu a corrente e de repente “pam”, estourou a corrente e ele começou a descer a Rua Líbero Badaró sozinho. Tinha um guarda lá embaixo, à cavalo. O bonde foi descendo no meio dos fordinho bigode [Ford Modelo T] e todo mundo pulando da frente do bonde. Esses guardinhas civis que fazia o farol manualmente, acendia e apagava o farol, não era elétrico nem por tempo, era manual. Ele que fazia.
R/2 – Aqui tinha o Luizinho do Mappin. Era um policial do trânsito, isso foi em 1972, 1973, 1974, por aí. Eu era office boy na época. Ele tomava conta do semáforo da Rua Xavier de Toledo e da Praça Ramos de Azevedo. Quando ele fechava o farol, o pessoal que parava na faixa, ele fazia o cara abrir as duas portas do carro e o pedestre passava por dentro do carro. Ele era o guarda Luizinho, ele era o pitoresco daqui do centro. Em Salvador, nessa época também, tinha um moreno que fazia esse tipo de coisa em Salvador, quando tinha que passar ele pulava, são pessoas pitorescas. Luizinho foi depois candidato a vereador, a deputado estadual, mas não ganhou. Ele era pitoresco aqui na Rua Xavier de Toledo. Depois ele se aposentou, mas era folclórico. O cara que estava errado, que atravessava a rua correndo, esses office boys, ele pegava fazia voltar, abraçava ele e ficava conversando com ele, abria e fechava o farol e só conversando com ele, fazia o cara perder a pressa. Falava que era perigoso, deixava tudo parado, ia pra lá e pra cá com ele. Era muito engraçado. É que nem a Rua Direita, todo mundo anda na direita, vem do tempo antigo. Quando veio a Guarda Civil, veio um húngaro, porque vieram da imigração, tudo com 1,80 , 1,90 de altura e falavam de 3 a 4 línguas, italiano, espanhol, inglês. Quando alguém vinha e queria saber alguma coisa e falava na língua, inglês ou coisa assim.
P/1 - Quando foi isso, mais ou menos?
R/1 – Mais ou menos em 1925, 1927, 1928. Aí eles faziam todo mundo voltar na ponta e punham pra andar à direita. Como ele via todo mundo andar desengonçado ele falava: “À direita, por favor, à direita”. E continua, vamos pôr o pé na mão? É o hábito. E ficou. Quando tinha o pessoal reunido.
R/2 – Na Estrada de Ferro é o contrário. Agora mudou. Mas quando começou os ingleses, você ia pela esquerda, como é na Inglaterra. Se você quer ir pra frente, você vai pela esquerda e se quiser voltar, vai pela direita. O trem começou assim. O trem que ia pra Paranapiacaba estava à direita e o outro ia pela esquerda. Como era na Estrada de Ferro era como era na França, na Inglaterra. O carro é ao contrário, no Japão também é ao contrário. A uns anos atrás é que a Estrada de Ferro fez como é o normal hoje.
R/1 – Aqui no Brasil é tudo desorganizado, até a eletricidade, viu? Aqui temos 110 e 220 volts. Santos é 220 volts, São Vicente é 110 volts. Tinha uma amigo que morava na divisa, na cozinha era 220 volts e na sala era 110 volts.
R/2 – Agora já mudou. Agora a esquina é que vale.
R/1 – Um outro mora num prédio que está bem na divisa. A entrada do prédio é que vale. O imposto né. Ele está em Diadema, não em São Paulo, mas a Prefeitura não quer saber, quer é cobrar. Até hoje está bagunçado lá. Teve uma vez uma peça de teatro fazendo uma sátira de fronteira. Quando se aluga um apartamento na praia de José Menino, Gonzaga, leva o radinho. Pronto, queima tudo. Nunca se sabe, porque ninguém fala e queima tudo. 110 volts ou 220 volts.
R/2 – É que nem as bitolas de trem, uma hora era de 1,20 metro, outra de 1 metro ou 0,90 centímetros. Sabe o que aconteceu agora, tem 3 trilhos. A Sorocabana ocupa 2 trilhos e a outra o circular. Tem que se adaptar.
R/1 – Agora é a Cptm [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos], agora unificou. Misturou rede ferroviária com Fepasa, juntou os dois.
P/ 1 Então, pessoal, é isso aí
R/2 – Precisando de qualquer coisa...
---FIM DA ENTREVISTA---
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