Projeto Identidade Santander
Depoimento de Marco André Ferreira da Silva
Entrevistado por Gustavo Lima e Fernanda Prado
São Paulo, 11/11/2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BST_HV_018
Transcrito por Fernando Amaro Mendes Neto
P/1 – Marco, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro ...Continuar leitura
Projeto Identidade Santander
Depoimento de Marco André Ferreira da Silva
Entrevistado por Gustavo Lima e Fernanda Prado
São Paulo, 11/11/2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BST_HV_018
Transcrito por Fernando Amaro Mendes Neto
P/1 – Marco, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro a gente agradece a sua participação, sua vinda até aqui. Para começar a gente pede que você diga o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Marco André Ferreira da Silva. Eu nasci aqui em São Paulo, em 1965. Eu estou para fazer 46 anos agora em dezembro.
P/2 – Em qual dia?
R – Dia três de dezembro.
P/1 – O nome dos seus pais, dos seus avós?
R – Bom, meu pai chama Aparecido Ferreira da Silva. Minha mãe chama Maria Cleuza da Silva. Os nomes dos meus avós, da parte da minha mãe, eu lembro. Avô e avó por parte do meu pai eu não lembro. O meu pai, com um ano de idade, ele foi adotado, mas pela família mesmo. O nome da minha avó, do lado da minha mãe chama Melânia Conegundes Magalhães e o nome do meu avô chama João Magalhães. Do Avô e minha avó do lado do meu pai eu não lembro agora, mas isso faz parte da dinâmica, eu quase não o conheci. Na verdade o meu tio que criou meu pai. Agora esqueci também o nome dele (risos). Ele morreu muito cedo e não tive contato com ele.
P/1 – Você tem noção das origens?
R – Sim. A origem da família do meu pai é portuguesa, mas muitas gerações, portugueses. Da parte da minha mãe, tem espanhol, portugueses e tem índio também.
A minha avó, por exemplo, é neta de um casal de negro e índio.
Então realmente tem uma mistura muito grande na minha família de raças e origens.
P/1 – E a profissão dos seus pais, o que eles faziam?
R – O meu pai por muito tempo trabalhou em empresas. A última função dele, ele era gestor de uma área de suprimentos e ele tem formação em metalurgia. Ele trabalhava com empresas ligadas à metalurgia. A minha mãe é segundo grau completo, mas ela foi por um bom tempo, ela gerenciou uma empresa. Minha família tinha uma empresa, uma fábrica. Ela gerenciou a fábrica por muito tempo até o dia que teve que vender a fábrica. Uma fábrica pequena, também de peças de metalúrgica e tudo mais. Depois, só em casa, não trabalhava fora.
P/1 – Você tem alguma lembrança dessa fábrica?
R – Tenho lembrança. Adolescente, eu era adolescente e eu lembro, enfim, de todo o empreendimento. Na verdade o meu pai e minha mãe que abriram a fábrica em sociedade com um tio meu. Eles tinham funcionários; torno; tornearia. Fazer peças para empresas. Meu pai tinha já uma especialidade, ele conhecia isso. Minha mãe se mostrou uma gestora super legal para cuidar da fábrica sem ele estar lá. Ele trabalhava em uma empresa e ela cuidava da fábrica. Enfim, por muito tempo foi um momento muito interessante. Muito trabalho para eles, mas eu não lembro o que eles... Lembro de estar muito presente também ou na fábrica, como adolescente, ou em casa. Foi um momento muito interessante. Teve dificuldades, no momento do Brasil que não era muito fácil abrir uma empresa. Problemas, muitos problemas; relação com fornecedor, mas para aquele momento de Brasil, acho que era bem interessante buscar fazer alguma coisa desse tipo, ser empreendedor, montar uma empresa. Foi um momento bem interessante. Muito simples, um galpão com escritório. Eu visitava mais acompanhado da minha mãe, do meu pai, quando a gente estava na fábrica.
P/1 – Irmãos, você tem?
R – Três irmãs. Eu sou o mais velho, as três irmãs mais novas. Uma é regente, a outra mora em Barcelona, a mais nova. Trabalha em Barcelona com importação e exportação, em empresa. Também musicista, mas trabalha em empresa, aliás, canta, tem grupo e a outra mora em Brasília, trabalha com educação, trabalha coordenando uma escola de primeiro e segundo grau em Brasília.
Lembrança deles na adolescência, todos nós estudávamos música e a gente às vezes passava um sábado ou um domingo quase todo tocando de música clássica à música popular, muito interessante. Essa é memória mais marcante. Depois cada um foi fazer faculdade ou foi morar fora do país, mas até hoje eu chego à Espanha, vou visitar minha irmã, ela me dá um instrumento na mão para tocar e a gente toca junto. A gente quase não conversa, mas toca. Era outra linguagem. Essas são as três irmãs que eu tenho.
P/1 – Antes de chegar à adolescência, quais são as memórias de infância, de você enquanto primogênito e três meninas em uma casa? Como que era?
R – Antes da adolescência, a gente morou em três ou quatro casas diferentes.
P/1 – Sempre em São Paulo?
R – Sempre em São Paulo.
Meu pai e minha mãe não são de São Paulo. Um nasceu em Minas Gerais e o outro nasceu na Bahia. A minha mãe nasceu na Bahia, mas viveu no interior de São Paulo. Eu, muito cedo, como primeiro filho; eu e minha irmã, a mais velha das três, eu lembro mais porque somos os mais velhos, a primeira casa que a gente morou que é a casa onde... Eles casaram, compraram casa. Meu pai tinha um armazém na época. Meio metido já em ter negócio e minha mãe também cuidava, uma época importante, assim, um pouco da falta do meu pai. O meu pai teve tuberculose, foi se cuidar em Campos do Jordão. Depois, um pouco mais velho, eu lembro as bagunças, as brincadeiras de criança com a minha irmã. Eu subindo em árvore e esse tipo de coisa. Aí vêm essas memórias essas, essa primeira casa que hoje já não é mais da família, foi vendida. A gente mudou para outro local de São Paulo, aqui para a Zona Sul também. Eu entro na escola e começam muitas memórias da escola, mas antes da escola, antes da adolescência, escola, eu lembro dessa casa e dessa relação com a minha irmã, com os parentes. Casal novo também, meu pai e minha mãe casaram jovens, então muito movimento em casa e essa falta do meu pai em certo período, que eu já tinha nascido, devia ter uns quatro anos, três, quatro anos. Ele teve que cuidar de uma tuberculose, Isso marcou bastante a família, não se fala muito em casa disso, mas sempre quando fala tem sempre certa tensão. Um momento difícil, tratar uma doença, principalmente naquela época, hoje talvez, um pouco mais fácil.
P/1 – E já na escola, nos primeiros anos da escola, o que você tem de memória dessa época?
R – Ah, acho que duas coisas. O começo da escola, de enfrentar o primeiro dia. Quem cuidou de mim foi o meu avô, minha mãe trabalhava, acho, na época. Minha avó que me levava para a escola. Lembro das dificuldades que você encontra na escola. Não está acostumado com aquela coisa e depois ir acostumando com a escola, lembrar das matérias, dos amigos, das bagunças e brincadeiras com os amigos. Isso eu lembrava muito, muito futebol, muita brincadeira. Eu gostava de ir para a escola, eu gostava. Não é uma memória ruim, é uma memória boa, de aprender, de estudar. Tinha facilidade na época. Eu lembro bem da escola, uma lembrança boa, mas eu mudei também de casa, então teve uma mudança de escola no meio do caminho ainda nesses primeiros oito anos de escola. Acho que eu estava no quarto ano da primeira série e mudei para outro local. Também foi interessante, um colégio particular. Eu estudava em um colégio municipal e fui para um colégio particular. Também muito interessante, fiz muitos amigos. As brigas de adolescência, que entrando na adolescência, molecada, querendo ser mais agressivo. Tinha as brigas, bobas assim. Muito futebol também, muito envolvido com isso. Nessa época eu já comecei a me envolver com a música em casa. A minha irmã foi a primeira a começar a estudar música. Tinha, sei lá, uns nove, dez anos de idade. Aos 15 já dava aula de música na época. Eu também fui aprender, logo em seguida já estava estudando também. Foi nesse local que a gente se envolveu bastante com música, os quatro filhos. Meu pai gostava, mas nunca aprendeu nada. A minha mãe cantava em coral, esse tipo de coisa. Cantou em coral. Talvez isso que ajudou, e ali, os primeiros namoros. Enfim, namorar, 14, 15 anos, 13, 14, 15 anos, até sair dessa escola e aí estudar fora. Ter que ir longe de casa para estudar, eu fiz um colégio técnico ligado à patologia clínica, estudos de laboratórios, Fiz colégio ligado a isso e mais três, quatro anos, e aí comecei a trabalhar. Comecei a trabalhar muito cedo, aliás, com 14, aos 15 anos comecei a trabalhar. Minha adolescência foi meio misturada com a idéia do trabalho. Eu falo muito isso, tive a fase até os 14 anos. Depois, dos 14 em diante sempre trabalhando e estudando. Comecei muito cedo. Muito interessante, minha mãe me desafiou, falou: “Você não faz nada, você não faz nada!” Eu me senti assim... Fiquei muito tempo para poder lidar com isso, mas agora vejo até como uma coisa interessante. No dia seguinte comecei a procurar emprego, com 14, 15 anos. Isso foi um movimento meu. Não foi nem deles. Eles não pediram para eu fazer isso. Em uma semana arrumei emprego em uma fábrica de tratamento térmico e fornos industriais, trabalhando na área de serviços, de serviços gerais, e comecei a trabalhar. Desde então estudando na escola, fazendo colégio técnico e trabalhando na empresa. Eu digo que a minha adolescência é uma mistura entre essa coisa de adolescente mesmo, essa bagunça toda, música e trabalho. Eu me envolvi muito rápido com trabalho, sem ser forçado, mas eu me forcei. É interessante, eu ouvia algumas coisas e achava que era importante eu começar a trabalhar. Desde então sempre estudando e trabalhando.
P/1 – Marco, conta pra gente como foi esse momento com a música? Quem te influenciou?
R – Acho que o ambiente de casa.
P/1 – O que você tocava?
R – Eu tocava... Toco ainda, eu mantenho esse hábito até hoje. Estudei mais, mas violão, guitarra, piano. Mas o meu instrumento mesmo é o instrumento de cordas. Quem tocava piano em casa era minha Irma que é regente, hoje é regente. Vive de música, música mais educação. Então ela que tocava piano, minha irmã mais nova também. Na época tinha cinco, seis anos de idade e já aprendeu a tocar rapidamente, um ouvido muito bom para música. Ela ouvia comercial na TV e tirava as melodias. Ela aprendeu a ler partitura antes de ler. Diferente de mim, eu já, de alguma forma, sabia ler e fui aprendendo. O violão é um pouco diferente, a forma de estudar. Tem o violão clássico, mas também tem essa possibilidade do popular. Eu aprendia meio tudo junto e elas muito no clássico apesar de terem capacidade também de lidarem com o popular. A gente misturava essas coisas. Em casa tinha um ambiente, a questão da música virou esse ambiente da família. Hoje eu entendo como uma linguagem que a gente usava para conversar. Imagina homem, menina, difícil para conversar, ter assunto, mas tinha um assunto que não era em palavras, era em música. Isso era muito legal porque fez a gente... Lembro da interação por aí.
P/1 – Tinha algum professor específico?
R – Eu aprendi com um professor, depois parei. Mais velho que eu fui estudar mesmo, me aprofundar: jazz, música popular. Eu estudei com uma professora que dava aula de piano e de violão. Dava aula de piano para a minha irmã e violão para mim. Ela tocava os dois instrumentos. Depois eu fui aprender sozinho, fiquei uns dois, três anos estudando, depois fui estudar sozinho. Depois de um tempo que eu fui voltar a estudar com mais dedicação.
P/1 – E esse início de trabalho, de convivência com esse mundo do trabalho, como te afetou?
R – Completamente. Tudo. Tudo, a forma como eu tive que abrir mão de coisas, focar em outras. Eu comecei a pagar os meus estudos, também, que isso é outra responsabilidade que naquela época, aos 14, 15 anos, já responsável. Meu pai me ajudava quando precisava. Não é que eu não tinha dinheiro. Se eu não tivesse dinheiro, ele podia me ajudar. Eu tinha uma segurança muito boa, mas era eu já assumindo tudo. Isso me deu numa noção, acho que, de responsabilidade, até hoje, de dar o passo do tamanho da perna. Acho que isso até hoje me influencia. Ou eu já era assim e continuo, não sei. E essa coisa de aprender muito com o trabalho, não só com a escola. Tudo era escola pra mim. Aprender o que era uma responsabilidade. Eu trabalhei sete anos nessa primeira empresa. Bastante; desde os 14 até os 20, 20 e poucos anos. Logo eu comecei a faculdade de Psicologia e no primeiro ano já me deram a oportunidade de fazer um estágio de quatro meses na área, no tema que eu cuidava. Com 18, 19 anos eu já fazia o que eu faço hoje, assim, no conteúdo que eu trato hoje. Tenho 46 anos, imagina! Desde os 18 anos, uma vida muito longa ligada a esses temas. Fui me envolvendo, aprendendo o que deve fazer, o que não deve. Tenho uma sensibilidade para a questão do trabalho muito grande porque é diferente você entrar com 20, 25 anos, 26 anos em uma empresa outra é começar aos 14. Você sente que não é mais algo só racional, você tem um pouco da impressão e consegue lidar com as coisas a partir do que sente. Eu aprendi a fazer isso, viver uma aprendizagem além da escola, mas sempre continuei na escola. Fiz faculdade trabalhando, até os 26 anos, quando eu fui expatriado. Quando eu entrei no Santander, que era Banco Holandês [Banco Holandês Unido], uma das, do ABN AMRO [ABN AMRO Bank]. Eu fui em 1991, eu devia ter uns 25? Não, uns 23, 24 anos. Então eu trabalhei nessa empresa sete anos e fui trabalhar no Grupo Santista. Trabalhei três anos no Grupo Santista, muito interessante também, aqui no centro empresarial. Saí do Grupo Santista, trabalhei em uma empresa dois anos, o Liceu de Artes e Ofícios. Ali com 24 anos, 23, eu coordenava uma equipe de dez pessoas, já tinha me formado na faculdade e equipe tinha médico, tinha gente ligada a benefício. Uma equipe grande e logo cedo eu fui desafiado a fazer uma função um pouco mais madura, mas também eu trabalhava desde os 14 anos de idade. Não era algo para mim, amedrontador, era algo que fazia parte da minha vida. Saí dessa empresa e vim trabalhar em 1991, 1990, 1991, no Banco Holandês Unido, então logo; Jovem. Se eu somar todo o tempo que eu tenho de empresa são quase 17, 18, 17 anos, Eu saí no meio do caminho e voltei, mas 1991 eu venho para o banco para ajudar a trazer a equipe que estava no Rio de Janeiro para São Paulo. Trabalhando com seleção, educação. Tem umas que eu trato até hoje, mas eu era um analista consultor. Trabalhei uns três, quatro anos com isso. Foi legal, uns desafios muito interessantes. Na época o banco tinha dois mil funcionários. Nós tínhamos que mudar 800, 900 pessoas para São Paulo. Olhando daqui para lá, você fala: “isso é simples.” Na época era bem difícil. Hoje tem 54 mil funcionários, você vai conversar com 800. É tudo muito grande. Eu fiquei três, quatro anos até ser expatriado. Nesse momento eu casei com uma pessoa. Tinha 21, 22 anos. Logo cedo eu fui morar fora, eu já pagava a faculdade. Tinha meu salário, então eu aluguei um apartamento e fui morar sozinho. Em poucos meses eu fui morar com minha primeira mulher.
A gente decidiu morar junto. A gente ficou uns dois, três anos casados, aí a gente separou. Foi o primeiro momento mais denso de relacionamento. Passou um ano, eu casei com a minha mulher atual, com a minha segunda mulher. A gente casou, foi diferente, um ano antes de eu ser expatriado para Chicago, para os Estados Unidos. Olha que situação: eu sempre trabalhei, tive pouco tempo para estudar outros idiomas, mas no ABN AMRO, no Holandês na época, Banco Holandês. Passou a ABN AMRO [ABN AMRO Bank] naquela época. Falei: “Bom, acho que eu tenho que estudar outro idioma.” Fui estudar sozinho depois de velho. Fui fazer uma imersão na Inglaterra. Acho que peguei o jeito, não foi tão complicado assim pra mim. Quando eu voltei, falei: “Puxa, eu queria ser expatriado. Pode ser para o Chile, Argentina.” Passou dois meses, converso com uma pessoa dos Estados Unidos, a pessoa me convidou para ir trabalhar lá e eu já tinha falado que queria ser expatriado. Fui viver em Chicago com a minha mulher atual, na área que eu hoje cuido, a área de educação, área de treinamento, só que em Chicago. Morei um ano lá, era um ano mesmo de experiência, e voltei para o Brasil. Momento diferente, mudando as coisas na vida. Uma coisa é você ir trabalhar em uma empresa de metalúrgica, aos 14 anos de idade, trabalhando com serviços gerais e em outro momento você ser expatriado para outro país, falando outro idioma que você não está acostumado a trabalhar. Naquela época, não hoje, naquela época isso era uma coisa meio diferente demais. Hoje está bem tranquilo, mas naquela época era bem diferente.
P/1 – No começo dessa trajetória toda, você ainda iniciando no mundo do trabalho, como foi escolher a faculdade de psicologia?Onde você estudou?
R – Isso foi interessante. Lembra que eu falei que eu fiz um curso de patologia clínica ligado à, mais biologia, biomédicas, bioquímica? Nesse lugar assim. Muito jovem eu li um livro de um cara interessante na psicologia ou na psicanálise que chama Wilhelm Reich. Ele era discípulo do Freud [Sigmund], mas ele seguiu um caminho totalmente diferente e eu li um livro dele chamado Escuta Zé Ninguém, que falava de psicologia, mas do ponto de vista do corpo e da sociedade. Na época ele estava envolvido com a questão do Comunismo, do Socialismo e Comunismo. Ele escreve um livro, você meio que lê o livro e parece que ele está te desafiando o tempo todo a você: “Você está aqui pra fazer o que na vida?” Hoje a gente fala de protagonismo, fala de ser empreendedor. Esse livro na época foi que me chamou a atenção: “o que você pode fazer?”E eu li aquele livro e pensei: “por que você está fazendo essa coisa de bioquímica, biologia?” “Não tem nada a ver.” “Eu gostaria de estudar alguma coisa que pudesse ter a ver com isso.” Eu falei: “psicologia é o que está mais próximo disso.” Fiz a faculdade de psicologia e fui embora nesse negócio e continuei com esse estudo com a ideia do Reich. Entrei na associação Wilhelm Reich. Fui membro da associação, fui conselheiro da associação depois, ainda trabalhei com consultório por dez anos, uns oito anos. Só parei o consultório quando fui mudar para os Estados Unidos, aos 26, 27 anos. Quando eu fui, falei: “Agora não vai ter jeito, ou escolho uma coisa ou outra.” Ali
foi uma encruzilhada, mas por muito tempo eu mantive as duas coisas. Depois que eu terminei a faculdade, eu ainda continuei atendendo. Fui atende à noite, sempre mantendo as duas coisas juntas. A escolha da psicologia foi essa. Um livro que me desafiou e achei que aquilo tinha a ver comigo, era uma coisa que eu gostaria de estar perto e que fez com que até depois de oito anos; oito, nove, dez anos, o livro ainda continuava a ter efeito porque eu fui trabalhar na Associação Wilhelm Reich. Muito interessante, eu sei muita coisa dessa época. Trabalhei muito com terapia de grupos. Trabalhei dois anos. Cada mês eu saía dois finais de semana, um ou dois finais de semana, para trabalhar com grupo de terapia. Então eu aprendi muita coisa nessa coisa de grupo, de relação, de interação nessa época. Nessa época dos 20 e poucos anos, mas eu trabalhava na empresa também. Lembra que eu comecei com 14 anos, não dava para esquecer tudo isso. Eu aprendi a viver na empresa. Muita gente na época falava: “É ruim trabalhar na empresa, não é melhor trabalhar no consultório?” Eu falava: “Você tem problemas nos dois lados, você tem coisas boas dos dois lados; não dá para ter ilusão que só tem coisas boas de um lado, em uma das vertentes; tem coisas boas dos dois.” A questão é como você identifica, como que você lida com isso. As coisas foram aparecendo também na empresa de um jeito tão legal. Essa coisa de ser expatriado, morar fora. Na época eu achava que quem tinha oportunidade de ir fora, era uma coisa muito fora da minha possibilidade. Eu lembro que tinha na faculdade uma pessoa que tinha visitado os Estados Unidos e falava: “ Puxa vida.” O brasileiro era muito fechado na época. Não dá para falar isso hoje. Falar com quem não viveu aquela época é difícil, mas para mim era muito diferente. Eu falei: “Quero conhecer o mundo.” Conhecer o mundo trabalhando, ainda empregado, com possibilidades. Isso é maravilhoso.
P/1 – E por onde você circulou nesse momento de expatriado?
R – Eu trabalhei com o tema educação. Eu trabalhava com projetos de montar programas de educação para... Trabalhei com dois ou três projetos nos Estados Unidos. Um para o varejo dos Estados Unidos, para o banco do varejo dos Estados Unidos. Estudei muito metodologias de aprendizagem ligadas à empresa. Fui fazer curso em Denver, São Francisco. Fui duas vezes para Denver, trabalhando com metodologias e tecnologias. Em Chicago mesmo; vários cursos ligados ao que eles chamam naquela época de Instructional Design que é como desenhar um programa de educação usando a metodologia americana. A gente tem outro estilo aqui no Brasil. Estudei muito isso e a gente viajou muito também. “Vira e mexe”, ia pra Denver, estudava, mas passava o final de semana em Denver. Um pouco diferente. Eu morei na Europa também depois, um pouco diferente. Nos Estados Unidos são um pouco mais apertados os prazos, tudo mais preciso. Não tinha muito tempo para viajar. “Vira e mexe” um final de semana ia para Nova Iorque, para São Francisco mesmo. Fui fazer um curso em São Francisco e contatei tanta gente lá; brasileiros também. Tem muito brasileiro vivendo lá. Essa coisa de olhar o Brasil de fora, que é outra coisa também muito interessante. Aos 26, 27 anos, você olhar o Brasil de dentro, sem ter saído é uma coisa, olhar de fora, puxa vida! O primeiro impacto que eu tive: fui almoçar... Ainda o meu inglês ainda estava meio esquisito e o da minha mulher ainda pior.
A gente foi almoçar com a minha chefe na época, uma mulher chamada Jude Davenport. A gente conversando e tal, aí minha mulher fez uma pergunta para ela naquele inglês com seis palavras só, com seis palavras falava tudo. Isso é outra coisa interessante também com poucas palavras conseguia se comunicar. Depois ela estudou, fez até faculdade. Podia até fazer pós lá e acabou não fazendo. Fez uma pergunta para ela: “O que você acha de São Paulo?” Ela esperava um elogio. A Jude Davenport falou: “Realmente é muito difícil, muito feio tudo, aquele lugar de vocês. Ela foi tão sincera. Minha mulher ficou assim. A gente começou a descobrir, existiam os nossos problemas, o que é esse país. De lá pra cá melhorou muita coisa, mas o que é? Tem problemas, tem coisas legais. Então a gente começou a olhar o país de uma forma mais realista. Entender o que é feio, o que é belo; o que é legal, o que não é; o que precisa mexer. Nesse ano eu acabei refletindo muito sobre isso. Eu olhava para o país. Tinha muita saudade do país, um ano só, muita saudade. Eu gosto daqui, mas também gosto de estar lá daquela loucura toda com o ruim, com o que é bom; tudo junto. Eu acho que, foram os amigos, tive muita oportunidade de ter um relacionamento um pouco mais profundo com pessoas da própria... Falavam muito do americano que não tinha proximidade. Eu tive uma experiência totalmente diferente dessa, pelo menos em Chicago. Isso também ajudou porque nem tudo é igual ao que se fala. Vai um pouquinho devagar nisso, não vai no que o outro fala o tempo todo, mas vai experimentar um pouco. Eu acho que tem isso também, principalmente para o brasileiro que vai desbravar. Eu fui mais ou menos porque eu fui empregado, eu fui já colocado em uma situação muito mais favorável. Isso muda um pouco as questões. A minha experiência foi muito positiva, acho que também ali criou um momento importante. Fui com a minha mulher. Virou uma lua de mel, um ano fora do Brasil sem família, sem nada. Foi demais, acho que a gente reforçou nosso vínculo por causa disso. Acho que sim.
P/1 – O que esse jovem, você, ao voltar, você disse que logo no ano seguinte, vocês voltaram, é isso?
R – Uhum.
P/1 – E lidando com essas questões de educação, o que te motivou a voltar?
R – Aquela época nos Estados Unidos era a época do Pleno Emprego, quase igual o Brasil agora, melhor que o Brasil agora ainda, época do Bill Clinton. Eu podia ficar lá. Recebi propostas para ficar lá. Faltava gente para fazer as coisas que tinham que fazer nos Estados Unidos. Muito diferente do que está acontecendo hoje nos Estados Unidos, mas eu tinha muita saudade daqui. A saída foi uma coisa, falei: “Puxa, eu quero voltar, eu tenho que fazer coisas lá.” Acabei voltando. Fiz o contrato, eu não tinha contrato para ficar mais, mas podia falar “eu quero ficar mais” e eu tenho certeza que ficaria. Tinha propostas para ficar. Quando eu voltei, eu tinha uma expectativa de assumir coisas mais desafiadoras. Falei: “Tive uma experiência legal, então talvez eu possa fazer coisas melhores.” Voltei, fui fazer exatamente o que eu estava fazendo quando eu saí. Não é ruim o que eu estava fazendo, mas eu gostaria de fazer outras coisas. Em seis meses eu recebi uma proposta para trabalhar em outra empresa, o Citibank. Falei: “Ah, eu vou! Já que eu desbravei uma coisa, vou abrir outra porta e vamos embora!” Fui para o Citibank, outra cultura de empresa, totalmente diferente. Fiquei dois anos e pouco lá. Fui coordenar uma área ligada à educação também; educação e desenvolvimento, treinamento e desenvolvimento. Fiquei dois, três anos. Coisas muito legais, coisas mais difíceis, interações muito diferentes. Descobri o quanto era legal as interações dentro, pelo menos, do ABN AMRO e do Real, muito legal. Tive oportunidades muito interessantes. Ser expatriado, participar de projetos mais significativos. Bom, fiquei, foi uma decisão, “vamos embora!” Passou dois anos e recebi uma proposta para ir para a General Electric [GE], ou a GE Capital, a parte financeira de GE. Seis meses fiquei lá. Só que eu descobri que eles fizeram uma parceria com uma pessoa... Eu não tinha entendido, recebi uma proposta e a proposta foi muito sedutora, só que eles tinham feito um negócio, eles assumiram a parte financeira da Mesbla e do Mappin com Ricardo Mansur. Falei: “Puxa, esse negócio não está certo.” O Ricardo Mansur não tinha uma reputação muito boa naquela época. Depois que foram estouras as coisas. Não tinha uma reputação. O que a GE, uma empresa sensacional, aliás, as práticas e tudo, eu fui para lá por causa disso, sensacional, aí a operação aqui no Brasil fez um negócio com uma pessoa que era super questionável. Depois de seis meses eu recebi uma proposta para voltar para ao banco. O banco estava em integração com o Real, o Banco Real. Isso em 2000, falei: “poxa, talvez seja a oportunidade de sair.” Fiz uma coisa errada, acho que a mudança não foi boa. Não que eu não estava gostando do trabalho, aliás, estava gostando. Semanalmente conference call com Crotonville onde fica o centro de educação da GE. Super sofisticado, tudo muito legal, mas essa negociação foi terrível, aí eu aceitei voltar, mas você vê, tenho três anos fora mais ou menos, experimentando outras empresas. Voltei, e voltei para ajudar no processo de integração do Banco Real e ABN AMRO. Voltei com a parte de recursos humanos para tecnologia e depois em tecnologia e operações. Tinha uns três mil funcionários e eu fazia parte de recursos humanos e planejamento também. Porque eu voltei também em uma área de planejamento, não fazia só a função de RH. Estou até hoje, desde 2000; 2011, 2012, mais 11 anos de lá para cá.
P/1 – Esse primeiro momento de integração, o que você tem para destacar pra gente? Quais foram os desafios?
P/2 – Ainda em termos da sua volta, o que você encontrou de coisas que continuavam das práticas desse primeiro momento de banco? O que mudou? O que veio com a integração?
R – Sim. O ABN AMRO e o Real, por ter uma origem holandesa... É um pouco da aprendizagem da cultura desse banco. A cultura holandesa normalmente ela tende a ser mais low profile. Ela não gosta de fazer alarde. Pelo menos no banco, tinha a idéia de que tudo que você faz, tinha que ouvir todo mundo, essa coisa da participação e, ao mesmo tempo, certa liberdade porque o banco era administrado como uma federação na época. Então as federações tinham as suas regras e eram protegidas essas regras. Os executivos que estavam responsáveis por essas regiões davam um valor muito grande a isso. Isso influencia totalmente o processo de integração do Real e do Santander. Nesse momento assume o Fábio [Barbosa], presidente da operação no Brasil. Na época tinha um holandês para a América Latina, que era o Floris Deckers [Floris G. H. Deckers], que ajudou no processo de aquisição. A diferença naquela época era as sobreposições nas funções. O Banco ABN AMRO no Brasil era um banco de dois mil, três mil funcionários. O Banco Real tinha 17, 18 mil funcionários. Os overlaps, ou as sobreposições eram muito menores do que, por exemplo, um processo entre Santander e Real. Isso de certo ponto ajudou. O que agregou? O banco Real tinha toda a operação do varejo forte. Bem estruturado, apesar de ele estar nos últimos três anos antes da venda ou da aquisição do ABN AMRO, ele estava sendo preparado para vender então ele estava, bom, financeiramente bem ajustado; as operações, os processos. O ABN AMRO traz duas outras operações que o Real não tinha, que é a operação de crédito direto ao consumidor, que era a Aymoré na época, e Corporate Banking, Investment
Banking, que eram coisas que o ABN AMRO tinha mais força. O overlap que tinha era nas funções centrais. Só que as funções centrais do ABN AMRO tinham toda uma conexão global. Recursos humanos, recursos humanos na Holanda, Brasil, nos outros países. Mudou a configuração, mas muito espaço para discutir as diferenças e incluir as diferenças. Muito espaço, mesmo porque na prática tinha um espaço maior para lidar com as práticas existentes, porque não tinha que escolher uma prática do Santander, desculpa, do ABN AMRO ou do Real. Não tinha que fazer essa escolha porque tinha uma presente e não tinha outra para sobrepor. Isso ajudou muito. Nas áreas de Tecnologia e Operações, por exemplo, a mesma coisa. O ABN AMRO tinha uma área de tecnologia que prestava serviço muito mais para as áreas de Investment Banking e o Santander; o Real... Agora os nomes dos bancos, vêm vários na minha cabeça ao mesmo tempo, o Real na época tinha sistemas muito robustos, robustos. Claro, com necessidade de melhorias, mas olhando agora, na época não. Robusto para trabalhar no varejo. Era esse o contexto. Trabalhar na integração aqui significava entender o que era a gestão, a visão de futuro desse banco, assumir uma nova equipe de liderança. Isso sim, isso teve impacto, então muito do trabalho que a gente fez foi fazer essa ligação, alinhamento daquele momento para o futuro. Fábio [Barbosa] assumiu a presidência, nova diretoria. O estilo de liderança e de gestão era muito diferente nesse sentido. A gente tem uma história que na época a gestão era... Muito direta. O Real administrava tudo pedaço por pedaço e alguém falava o que tinha que ser feito. Muito comando e controle, mais comando e controle. A primeira reunião com o Fábio [Barbosa], a história que falam, ele pergunta assim: “O que a gente deve fazer para o futuro?” Isso criou uma crise por um tempo porque ele perguntou para as pessoas o que deveria ser feito. Enquanto a gestão anterior no Real, Dr. Aloysio [Aloysio Faria] e tudo, aliás, contam uma história que, não sei se isso é verdade. Isso eu ouvi. Tinha uma reunião que chamavam de missa. Era o apelido dela. Ele tinha todo mundo lá, os cardeais todos, ele passava o bilhetinho para cada um, aquilo que cada um tinha que fazer. Chamavam isso de missa. Aí o Fábio [Barbosa] na primeira reunião do grupo falou: “Olha, eu queria saber aonde vocês acham que a gente deveria ir?” Mudou totalmente a perspectiva. Um muito mais diretivo, enfim, tem o seu valor; “vai fazer isso, tem que ir por esse caminho”, o outro pergunta “o que a gente deveria fazer.” De lá para cá todo esse estilo foi incluído, a gente aí cria uma forma de enxergar o banco, para onde a gente estava indo. Surge toda a discussão sobre responsabilidade social, de sustentabilidade. Aí é só evolução, eu trabalhei muito em projeto de desenvolvimento de liderança que lidava com esses temas.
P/1 – Você está contando esse momento de aquisição do Banco Real pelo ABN e a sua participação e sempre trabalhando com a questão do desenvolvimento humano, de talentos. Como é fazer essa amarração? O que significava isso?
R – Eu era mais um generalista de recursos humanos que era chamado para as discussões de desenho dos programas. Eu era como se fosse o responsável por RH para operações e tecnologia. Depois eu passei a ser responsável por recursos humanos para o varejo do banco. Tive essa função normalmente como generalista de RH, todos os temas de RH. Mas, por exemplo, 2001e 2002, várias coisas nós fizemos, mas uma delas foi criar um programa de desenvolvimento de liderança que a gente pudesse aprofundar no que era minha responsabilidade, papel, naquela organização naquele momento. Foi o primeiro programa, a gente chamou de “Programa de Desenvolvimento de Lideranças, apelidado de PDL. Eu era responsável por um dos módulos. Eram quatro módulos voltados às competências e a gente lidava, tinha coaching para as lideranças. A gente montou esse programa para que esse alinhamento pudesse ser feito em um processo mais de médio prazo, não em um evento único, mas em um processo de um ano mais ou menos. Passaram, sei lá, 250 pessoas por esse processo e eu participei do desenho. Nós tivemos programas de discussão de valores no banco todo. Tinham 20 mil funcionários. Criando kits de discussão, ajudando o gestor a fazer essa discussão. Enquanto isso eu fazia a minha função de generalista de RH; quais as questões de RH de operações e tecnologia? E depois, quais as questões, desafios ligados à gestão de pessoas para o varejo? Porque eram muitos também. Meu papel foi, por ter esse conhecimento desses conteúdos, foi de ajudar montar esses programas, ajudar a implementar, gerenciar projetos. Eu, em um certo momento também, passei não mais trabalhar só com esses temas, mas trabalhar mais próximo dos temas de negócio. Teve uma época, em 2004, por exemplo, no Real foi implementado o que a gente chama de segmentação. Eu tive um papel inicial de coordenação do processo de segmentação, apesar de estar em recursos humanos, muito próximo do negócio. Entendendo como é que ia dar esse passo. A gente iniciou ali, muitas coisas foram feitas posteriormente a isso, mas como se posicionava a área de tecnologia enquanto a isso. As áreas de negócio, a criação de uma área de segmentos para poder desenhar isso. Foi um trabalho enorme, mas foi dentro do desafio da área de negócios, o meu papel como profissional de RH e pessoas que podia fazer. E fui além, eu até facilitei as discussões dos grupos e coordenei o projeto por um tempo até vir uma pessoa de fora, de uma consultoria tratar e depois a gente trabalhou junto nesse sentido. Eu fiquei entre o meu conhecimento de liderança e ajudando nesse sentido, a também levar esse conhecimento de pessoas para dentro dos projetos de negócios. Projetos esses que te coisas que nós mantemos coisas até hoje, que ficou dentro do Banco Santander hoje. Eu participava da equipe ali em 2004, participava da equipe de gestão do varejo, na mesa, onde tinha os diretores da área do varejo. Eu fazia parte desse grupo.
P/1 – Chegava-se a discutir produtos ou posturas?
R – Tudo. Segmentos, produtos, serviços, o método de relacionamento com o cliente. Tudo que tinha a ver com a cultura do banco, que estava sendo construído a partir lá de 2001, 2002, quando você decide que banco que você quer ser. Isso começa a influenciar passo a passo dentro da organização. Eu sempre trazendo a dimensão pessoas, reforçando a importância disso e trazendo questões práticas para poder ligar com isso. Segmentação você tem, por exemplo, um gerente de relacionamento hoje Van Gogh. Naquela época, por exemplo, que foi criado o Van Gogh. Saiu de uma segmentação. O que esse gerente precisava saber para conversar com um cliente? Essas discussões, eu participava dessas discussões. Ah, como que era o cargo dele? Como era a remuneração dele? Qual era a formação desse profissional? Quantas pessoas precisam ter na agência para atender um número específico de clientes? Claro que tinha uma equipe fazendo isso, mas eu estava sempre envolvido nessas discussões para dar a visão pessoa.
P/1 – Como assim?
P/2 – Vendo essa dimensão pessoa, qual é a importância dessa segmentação?
R – Então. A primeira questão lá. Qual era o desafio? Dá para atender todos os clientes da mesma forma? Eles têm a mesma necessidade? Hoje o mundo está tão complexo, como a gente atende então as diferenças? A gente sabe que é diferente, como que a gente atende as diferenças? O primeiro passo foi a segmentação. A gente sabe até que isso não é o suficiente, mas foi o primeiro passo que o banco deu para poder, pelo menos, atender mais gente parecida. Também, por um lado aliviar uma infra-estrutura para alguns segmentos que não tinham necessidades de alguns produtos e serviços, e por outro reforçar produtos e serviços de necessidades de clientes que tinham necessidades diferentes. Você imagina! Isso é praticamente gente, não tem outra coisa a não ser gente, aquilo que eu tenho necessidade e como eu posso interagir com o outro e entender a necessidade do outro. É gente, o tempo todo, não tem outra... Outra questão fundamental é que o banco sabia que não dava para ficar orientado por produtos naquela época. A orientação por produtos tem uma data para encerrar porque você só coloca o produto e vende, mas não vende o produto diante à necessidade do cliente. É outro grande problema. Então, de novo está dentro do escopo da discussão sobre segmentação: qual é a necessidade? O que ele traz como necessidade? Um profissional com a minha idade, que pode ter filhos de 20 anos de idade. Não tenho, tenho uma filha de 11 anos de idade, mas uma filha de 20 anos de idade ou de 18 anos, ou agora mesmo de 11 anos, vai estudar, vai fazer uma universidade e quer fazer uma pós-graduação fora do país. Bom, eu tenho condição talvez de cuidar da vida da minha filha na educação dela? Qual é a minha necessidade? A minha necessidade é diferente de uma pessoa que está com seus 22, 23 anos, acabando a faculdade, em uma característica de família totalmente diferente, tentando montar a sua infra-estrutura, casa e tudo mais. Podendo casar ou não, com um salário menor. Necessidades totalmente diferentes de crédito, de sonhos e desafios. Como você captura isso? Segmentação é para isso, é para capturar esse tipo de coisa e quem lida com essas necessidades precisa ter condições de lidar com essas questões. Alguém que vai conversar comigo, um gerente de relacionamento que vai discutir comigo precisa entender que isso é uma necessidade de uma pessoa de 46 anos de idade que passou pelo que passou na vida. Isso é gente. Isso não é outra coisa, você pode por um monte de processo lá, mas se eu não tiver alguém sensível a isso, isso não vai se materializar. Não vai conseguir virar algo positivo tanto para a empresa quanto para ele. Não sei se eu respondo as duas questões que vocês fizeram. Uma falando de pessoas e outra falando sobre segmentação, mas esse é o centro.
P/1 – Você participou de algumas outras aquisições do ABN AMRO?
R – Passei. A gente participou. Sudameris que foi a maior delas, mas teve o Banco do Estado de Pernambuco [Bandepe] e Banco do Estado da Paraíba [Paraiban]. Por ordem de complexidade: Paraiban é o menos complexo, o Bandepe mais, mas aí na região de Pernambuco, e aí o Sudameris que com seis mil funcionários, com mais overlaps nesse caso. Você vê, quatro mil funcionários eram da rede e outros dois mil tinham overlaps nas áreas de operações. Então aqui começou a ficar mais complexo. Você tem que tomar decisões, assim, quem é que faz o quê? Em termos de visão de banco, do que a gente queria, ficou muito mais claro, mas as decisões mais difíceis de serem tomadas porque você tem dois bons profissionais trabalhando na mesma função. O que você faz? Não dá para ficarem as duas pessoas, além de criar problemas porque uma pessoa quer uma coisa e outra quer outra. Então teve que tomar decisões, escolha de profissionais que iam ficar. Mais tenso. Isso em 2004, 2005. Eu participei de grande parte desse processo de integração e aí eu fui expatriado novamente. Fui expatriado por volta de 2005, 2006. Eu fui para trabalhar com desenvolvimento de liderança em Amsterdam. Mais uma função global nesse momento, fui assumir uma equipe com dez pessoas que cuidavam de três ou quatro temas. Um dos temas era coaching, então toda política de coaching mundial pelos executivos. Montagem e desenvolvimento de lideranças para os países. Minha equipe ajudava os países a montar programas de desenvolvimento de liderança. Por exemplo: Rússia, Luxemburgo, Dubai; esse tipo de coisa. Eu tinha uma equipe de três consultores que viajava muito, às vezes eu também. A própria Holanda usava muito a nossa infra-estrutura, e também desenvolvimento de jovens. Tinha uma equipe, uma dupla que cuidava de todo contrato que a gente tinha com a Association Internationale des Etudiants en Sciences Economiques et Commerciales [AIESEC]. Não sei se vocês conhecem a AIESEC? Nós tínhamos 75 pessoas da AIESEC entre Europa e Estados Unidos e um pouco no Brasil, basicamente Europa e Estados Unidos. A gente também administrava esse programa. Eram dez pessoas na minha equipe, cada uma com uma nacionalidade diferente. Um português; portuguesa, outra grega, finlandesa, holandês, israelense, surinamês e assim vai. Dois holandeses porque tinha uma secretária que era holandesa e uma pessoa que trabalhava com conteúdo de coaching que era holandesa. Então eu trabalhei com o projeto de integração do Sudameris até certo momento que eu mudei para a Holanda. Fiquei dois anos e pouquinho na Holanda trabalhando com esse tema de liderança até o momento que começa o processo de aquisição ou de venda do banco, 2007, por volta de 2007 mais ou menos. Na verdade era para fazer uma sociedade com o Barclays [Barclays PLC]. Naquele momento surgiu uma reclamação de acionistas que virou uma coisa enorme, o banco ia fazer uma integração com o Barclays e em seguida entra um consórcio de bancos, que era Santander, (ABS?), banco escocês, e Fortis, banco belga. Só era possível comprar o ABN AMRO naquela época com um consórcio porque era impossível outro banco comprar um banco do mesmo tamanho naquele momento. Aconteceu a aquisição, foi um movimento hostil, que eles chamam. Comprou o banco direto dos acionistas e a gestão na época não era a favor desse processo. Teve todo um processo de convencimento. O Santander ficou com duas operações. Ficou com a operação brasileira e a operação italiana que chamava Antonveneta [Banca Antoniana Popolare Veneta] que eu também participei do processo, parte do processo de integração na Europa. Eu participava dos grupos de discussão. Tinha uma função específica lá. Aí eu resolvi voltar. A coisa começou a ficar confusa porque não dava para manter uma equipe, lá na Holanda, global, no momento em que estava sendo vendido o banco. Não tinha mais função nenhuma. Eu pedi para voltar e eu voltei para a área de educação do banco em 2007 e fiquei seis, sete meses com um projeto específico ligado a toda governança de educação no Brasil. Até que começa a integração. Eu sou convidado para coordenar a integração de RH e reassumi a área de educação e desenvolvimento organizacional que contém desenvolvimento de liderança reportando para a VP [Vice Presidente] hoje que é a Lilian Guimarães. De lá para Ca, fazendo a função que eu estou fazendo hoje. O projeto é a integração do Santander. A integração de recursos humanos que é outra dimensão. São 54 mil funcionários hoje, muitos overlaps, concepções diferentes da forma de entender negócios, mas com uma predisposição para aprender dos dois lados. Uma definição que a gente faz, pegar o que tem de melhor dos dois, e quando não encontrar o melhor dos dois, encontrar o melhor do mercado e trazer aqui para dentro. A gente fez muito isso em recursos humanos. Aí vem de lá para cá, muitos dos trabalhos que nós fizemos no passado nós trouxemos com uma cara totalmente diferente agora para essa situação. Por exemplo: desenvolvimento de liderança a gente criou um programa “Ser Líder Santander”. Um programa que no Real tinha 200 pessoas baseado em competências. Nós criamos um outro programa baseado em aspirações, em propósito e nós criamos um programa que hoje já está com quase 700 pessoas que passaram pelo programa. Outras dimensões, tudo muito grande. Tudo que você faz é gigante. Eu estive envolvido com todo o processo de integração das práticas de RH. Coordenei uma equipe que ajudou a escolher quais as práticas que deveriam ficar. Como a gente deveria se posicionar enquanto àqueles conteúdos. Desde coisas bem de processos, de equipes ligadas a processos, de operações. A gente trabalhou muito nisso. Depois coisas ligadas a questões mais culturais, de valores e tudo mais. A gente está administrando esses programas até agora.
P/2 – Como que é para você vindo do Real, estar nesse processo de integração? O que você traz de bagagem da cultura do Real conversa com essa nova cultura que está se formando? Como você lidou com esse processo?
R – O que a gente traz de lá pra cá? Acho que o Banco Santander enxerga uma oportunidade no conhecimento das práticas que o Real tinha. Principalmente nessa relação de mercado, satisfação de cliente. Isso se desenvolveu muito. Exemplo: enquanto CRM [Customer Relationship Management], CRM do banco tinha um desenvolvimento muito forte na relação com o cliente. O front office de um aplicativo, vamos dizer assim, tinha muito desenvolvido lá na frente do cliente o Real, o Santander tinha isso para trás. Eu estou dando um exemplo, mas o Real trouxe muita coisa dessa interação com o mercado, com a sociedade enquanto que o Santander traz muita coisa do processo, da produção, da capacidade de fazer. Acho que a grande questão aqui é como a gente consegue usar o melhor desses dois mundos. Encaixar o que é essa coisa de sensibilidade para o cliente, ao mesmo tempo com uma operação eficiente. Eu estava lendo no jornal esses dias desde 2008 sumiram quase cem banco nos Estados Unidos, muito pela forma de gestão do banco, de não considerar a questão da eficiência, a questão de risco e assim por diante. O Santander no mundo traz isso com uma força muito grande. Ele é um dos bancos mais eficientes do mundo e mantém isso como linha. Por outro lado, a gente sabe, ser eficiente não pode desconsiderar a sensibilidade para o cliente, mas ser sensível para o cliente não significa ser ineficiente. Essa é a dinâmica que a gente está vivendo hoje: como a gente consegue colocar essas duas coisas juntas? As pessoas compreenderem que uma visão de eficiência é fundamental porque senão é impossível sobreviver. É difícil falar de sustentabilidade se a gente não consegue ser sustentável como negócio também. É tudo junto, vem tudo, ao mesmo tempo, que você não perde a sensibilidade para o cliente e amplia essa sensibilidade que realmente possa fazer junto com essa sociedade e com todos os setores envolvidos. É isso que a gente vem trabalhando. Não é fácil fazer. Isso depende de a gente flexibilizar coisas na nossa cabeça, na forma de pensar. Por exemplo, exemplo concreto, é evidente que a gente tinha programas mais sofisticados de educação no Real por causa desses últimos dez anos e a gente tinha recurso, mais dinheiro para poder investir só que a gente estava com um insight de sempre fazer o mais sofisticado. Se cuidava de assuntos muito importantes, mas com uma sofisticação. Isso fazia com que ficasse muito mais caro. Além disso, a gente se relacionava com o cliente muitas vezes não negociando tudo que deveria negociar, achando que isso não ia desrespeitar o fornecedor. Mas aí a gente descobre que o Real pagava muito mais caro do que outras empresas pagavam. Vinha um fornecedor aqui, via que era um banco e era o Real, dobrava o preço. A gente, sempre buscando o respeito e que deve continuar, e sempre, mas não entrava em uma negociação adequada nessas questões. Bom, não dá. Não é sustentável. Cobrar um preço para a gente que é o dobro e cobrar metade para uma empresa de consumo, por exemplo, não é correto. Como você faz isso ficar adequado no mercado? Cobrar o mesmo valor, eu cobrar o valor adequado para aquele trabalho sendo que todo mundo se respeita. O que é impossível. Para uma empresa de consumo cobra metade e tem respeito, e no Real porque não era, ia pagar metade, não tinha respeito. É muito interessante. A relação do fornecedor se apoiou muitas vezes nessa questão entre aspas de uma certa sensibilidade. Agora a gente tem que negociar um preço. Eu estou achando isso exorbitante. É exorbitante para o banco, mas não é exorbitante para outro. A gente teve que aprender, e está aprendendo a lidar aonde que é o espaço correto, o espaço da eficiência. Fazer isso com recurso adequado. Não é nem com menos, mas adequado. Fazer bem, fazendo o essencial, e ao mesmo tempo mantendo a sensibilidade. Acho que esse é o grande desafio a meu ver. Juntar essas duas coisas. A gente olha, tem hora que não junta e tem hora que junta. A gente está no meio do processo. Uma aprendizagem enorme, eu mesmo refazendo a forma de pensar o tempo todo. Como a gente pode fazer isso considerando o que é o banco no mundo? O Santander é o que é. O Santander está aí, e está aí dessa forma porque foi administrado desse jeito até agora. Agora, existe um desejo enorme, não só no Brasil como fora do Brasil, a gente sabe que isso sozinho não vai ser possível. A eficiência não é só ter custos mais baixos, é conseguir fazer mais com a infra-estrutura que a gente tem hoje presente. Então é também ampliar a receita. Ampliar a receita significa o cliente estar a fim de trabalhar com a gente, gostar de trabalhar com a gente, compartilhar dos mesmos valores. Isso não pode sumir. O Itaú, que é nosso concorrente, é muito eficiente. Ele tem uma infra-estrutura grande, mas ele é eficiente também porque os clientes que trabalham com ele têm essa ligação que vai ser diferente dos outros bancos. Vai ser diferente do Santander. A gente está procurando a nossa forma também. Fazer juntos, estar mais próximo da sociedade, mas não fazer isso a qualquer custo também. Porque você pode fazer isso a qualquer custo. Não é a qualquer custo, você tem uma limitação de recurso e precisa saber entender isso, lidar com isso. Não sei se isso responde. Eu não lembro mais a pergunta que você fizeram.
P/1 – É isso, está em um fluxo legal a narrativa. Eu só queria dar uma pequena voltinha, um rewind. Você acabou colocando em níveis na época das aquisições do ABN: Paraiban, Bandepe e Sudameris. Como você lida diretamente com essas questões de recursos humanos, eu fiquei com uma pergunta na cabeça. Como tem overlaps e tudo mais, quem é que manda embora? Como é esse procedimento?
R – Olha, Essa com certeza, a dimensão dessa integração deixa as coisas todas muito mais complexas, maiores. O impacto é muito maior. Eu não sei se a próxima vai ter uma coisa mais complexa que essa, foi crescendo em complexidade. O Bom é que a gente foi aprendendo. Não sei se vai ter algo mais complexo que esse, talvez diferente. Bom, em que momento está acontecendo isso? Está acontecendo em um país que está caminhado para o que eram Os Estados Unidos em 1997. A história do pleno emprego. A Dilma [Rousseff] que nós estamos quase no pleno emprego. Eu não sei o que é quase, mas está muito próximo disso. Do ponto de vista de mercado, falar em demitir é muito diferente do que falar em demitir dez anos atrás. Muito diferente. Claro que tem o sindicato e tudo mais, mas para o banco perder capacidade de conhecimento é muito ruim. Não demite à toa. Não dá para demitir à toa. Tudo bem, você tem menos recurso, mas você tem que aproveitar as pessoas, a capacidade, aproveitar do que a gente tem aqui já, senão você vai contratar fora, igual à pessoa que estava aqui dentro, mas não conhece o banco. Vai trazer um distúrbio para o banco porque você sabe que sair uma pessoa e entrar outra tem um custo que você não consegue colocar. O turnover tem um custo além do que você consegue colocar, tangível. A gente está vivendo nessa situação. Não é desliga de qualquer forma. A gente criou, por exemplo, esse ano, um programa de mobilidade interna, a gente abriu todas as vagas do banco. Sair e contratar alguém de fora, a gente na verdade aproveita gente de dentro. Em seis meses, a gente sabe que todas as vagas abertas, 74% delas foram aproveitamento interno. Claro, tem lugar que tem mais gente, mas a gente está abrindo porque tem lugar que não tem gente. Nós estamos fazendo a expansão de agências. São cem agências anuais. Nós temos projetos ambiciosos de crescimento: Rio de janeiro. Enfim, na verdade o banco quer que mude a configuração. Ele quer crescer do ponto de vista comercial em alguns lugares e quer ter uma estrutura que seja adequada para esse banco, eficiente do ponto de vista da central. O que tem é uma redistribuição. Cria uma série de questões porque quando você está em uma área que tem mais gente do que deveria, a tensão é muito grande para quem está lá, para que vai ficar e para quem vai sair. A gente vive isso no dia a dia, mas do ponto de vista de negócio, não faz sentido nenhum pensar só em desligamento. Isso é pensar em só em um lado da moeda, o outro lado da moeda é o seguinte: está difícil contratar gente. A gente tem um turnover hoje de gerente de relacionamento alto porque o mercado está contratando. Vem aqui, vê que tem gente, alto, comparado com o mercado, é alto. Vem aqui contratar o gerente de relacionamento porque o cara é formado, tem experiência, mas não tem gente no mercado para contratar. Então um vai ao outro banco. A gente vai lá e contrata alguém do nosso concorrente, do outro concorrente, aí vem aqui e contrata do nosso o concorrente também. A verdade é que precisa criar oportunidade aqui das pessoas se moverem para coisas que elas desejam, que elas gostam. É diferente de dez anos atrás. Um overlap em 2000; e alguém perder o emprego significa ter uma dificuldade de arrumar emprego fora. Fazer isso agora, primeiro que não vai mais ter essa dificuldade, vai ter bem menos dificuldade, segundo que o banco vai ter prejuízo, porque se ele desligar gente por desligar, ele vai ter que contratar um profissional porque vai para outra área, vai contratar mais caro e às vezes não vai encontrar a pessoa. Tanto é que a gente na verdade promove muita gente. O quadro é muito jovem. A rede está muito jovem. Lembra que o Santander vem de uma estrutura do Banco do Estado de São Paulo [Banespa]. Banespa; tem o Banespa e o Banesto. Banesto é na Espanha. Vem do Banespa, e o Banespa tem um quadro muito mais maduro. Tinha um quadro muito mais maduro, mas as pessoas foram saindo, se aposentando e tudo mais. O Real estava em um processo de transição. Ele tinha uma equipe madura, mas uma equipe também jovem, que estava sendo formada dentro do Real. O banco agora, ele tem uma equipe jovem, se você pensar bem. Então tem que formar, desenvolver e começar a perder profissionais para o mercado à toa é um tiro no pé, mas têm áreas que tem mais gente, isso é um overlap, tem uma sobreposição maior e tem que tratar isso. Não adianta manter uma equipe com sobreposição, você vai ter só mais conflito. Pessoas fazendo a mesma função, uma não ajudando a outra porque está fazendo aquilo que ela supostamente devia estar fazendo. É complicado para a empresa. É mais caro, e complicado para o clima também.
P/1 – Muito legal. Diante desse cenário de mudanças, de dez anos pra cá, olhando a contemporaneidade das relações de trabalho, como você vê aliar governança, hierarquia com esses novos sistemas de colaboração? Como você vê isso?
R – Estar em um banco nesse momento de sociedade é uma coisa interessantíssima porque a sociedade caminha para um questionamento enorme para as questões hierárquicas e controle, buscando autonomia e fluidez. Líquida, uma sociedade líquida, se molda, entra no copo, se molda. Em uma empresa, em uma indústria, em um ramo em que principalmente em grandes bancos, que precisa de organização, de ordem e vem de um histórico justamente de controle. Você imagina lidar com o seu dinheiro ou com o meu dinheiro. Você vai querer que seja feito da melhor forma. Uma sociedade muito líquida pode não ter conhecimento suficiente para fazer esse tipo de controle. Com gente muito jovem, nós temos que ter certa organização de processo, senão a pessoa pode fazer algo que pode destruir o banco, portanto, destruir as finanças das pessoas. Então a responsabilidade de um banco é enorme. Bom, então no mundo fluído, ao mesmo tempo uma exigência por cuidar dos recursos das pessoas. Muitas vezes esses recursos são recursos para as pessoas lidarem com seus sonhos. Vai nesse nível. Não sei se você lembra a história do Plano Cruzado? Collor? Onde todo mundo fica com 50 cruzeiros, não lembro mais o nome da moeda na época. Não sei como vocês lembram essa história, se contaram para vocês? Talvez vocês não tenham vivido esse momento. O governo brasileiro tirou o sonho das pessoas. Não tirou o dinheiro, tirou o sonho. Bom, o sistema financeiro continua sempre nesse lugar. Perder o dinheiro criou um problema tal. Você tirou o sonho das pessoas. É incrível, é horrível. Essa mistura dessas duas coisas: entender a sociedade como ela está hoje ao mesmo tempo em que a gente não destrua a competência de fazer isso é também um desafio. É uma tensão contínua, ao mesmo tempo conversa com a sociedade e busca conversar com essa sociedade de forma fluida, mas ao mesmo tempo não pode perder a competência de administrar, eu vou falar no extremo, administrar o sonho das pessoas. Administrar recursos para os sonhos das pessoas ou o dinheiro das pessoas que está aqui no banco. Outro dia eu estava ouvindo um gestor falando: “Não dá para você dar tanta autonomia assim, as pessoas ainda não sabem o que fazer.” Tem que aumentar a autonomia, a gente sabe disso, mas se você dá autonomia de uma vez você pode criar um problema para o nosso cliente. Essa tensão e essa capacidade de perceber qual o momento, a gente agora, por exemplo, ampliou a capacidade dos gerentes de relacionamento a conceder crédito, mas tem que ser feito de forma cuidadosa. Conceder crédito e a gente quer mais resultado, pode ser que você dê crédito para alguém que não possa pagar. Você cria um problema na vida das pessoas. A pessoa pode começar a beber porque não consegue pagar suas dívidas, o seu empréstimo no banco. Vai nesse nível. Então, como você faz as coisas de forma tão fluida? Tem que considerar isso para que isso não vire um horror. O banco tem uma responsabilidade social enorme, é um (hubbie). Ele tem contato com a sociedade inteira e não pode fazer isso de forma irresponsável, mas também não pode deixar de viver na sociedade que está vivendo hoje, fluida.
P/1 – Dentro desse cenário, como você imagina, daqui a dez, 20 anos, o banco interagindo com essa sociedade que se move tão rapidamente assim?
R – Pra mim, assim, a gente tem que aprender. Dez anos é aprender todo ano. A gente tem que trazer a sociedade para dentro do banco, ao mesmo tempo em que a infra-estrutura do banco nos ajude a gente se livrar muito das regras. Onde o sistema possa ajudar a gente a tratar dos conteúdos, que a gente não fique preso tanto no controle e que possa trabalhar mais do ponto de vista de princípios; princípios éticos, princípios da relação ética, da relação ética do cuidado e tudo mais. Se a gente conseguir aprender com a sociedade essa fluidez e ao mesmo tempo ter sistemas mais robustos, a gente está buscando isso, o investimento anual é para isso, eu acho que a gente pode ser cada vez mais a cara da sociedade atual. Não dá para ter um banco, ou qualquer empresa que viva 30 anos para trás da sociedade que vive. Não dá para você atuar em uma sociedade se você não viver o momento daquela sociedade. Eu vejo dez anos, o banco cada vez mais, ele aprendendo com isso. Muitas coisas que a gente vem fazendo para aprender com isso. Recursos humanos a gente está mudando um pouco como selecionar jovens. A gente antes fazia os programas de trainees, a gente ainda tem programas de trainees, mas tinha um programa de trainee que a gente queria contratar 30 pessoas e colocava no jornal as 30 vagas, aí 30 mil pessoas se inscreviam para essas 30 vagas a gente fazia o processo, mais ou menos perto do final ficavam 300 até chegar a 30. A gente pegava os trinta melhores, mas criava uma experiência negativa com 29 mil novecentos e setenta pessoas. Era isso que a gente fazia. A sociedade ainda faz isso. As empresas fazem. O que a gente falou? “ Olha,vamos mexer um pouco com esse negócio.” “É possível em vez de ele ter uma experiência ruim ele ter uma experiência positiva?” Esses 20 mil. Esses 30 mil? Qual é a questão que está aqui? Quais as angústias e sonhos desses jovens nesse momento de sociedade. Dentre várias coisas a gente chegou: “Olha, o que é básico e essencial no momento de vida do jovem que quer fazer o programa de trainee é um momento de escolha profissional em um mundo cada vez mais complexo, então se a gente puder ajudar nessa experiência nós vamos contribuir ao invés de estarmos tirando ou frustrando, nós vamos alimentar cada vez mais um futuro adequado para o jovem.” A gente criou uma plataforma de experiências para esse jovem onde ele pode entender o que é o banco. Ele vai lá, fala: “O que é uma área de microcrédito?” Ele pode ter experiência de realizar coisas dentro dessa oficina, dentro dessa plataforma. A primeira que a gente lançou foi “Riscos”. Ele entra nesse ambiente aqui, conversa com as pessoas tem email, troca email. Ele tem uma experiência de analisar crédito. O que a gente faz na área, o mais essencial da área. Agora a gente tem mais, nove ou dez oficinas. Nós criamos lá uma oficina onde a pessoa possa refletir sobre os valores dela e ter uma jornada dos valores. Fazer uma escolha dela sobre; dependendo daquilo que eu acredito: “Que escolha eu devo fazer na vida do ponto de vista profissional, de carreira?” Nós temos um lugar onde têm profissionais falando sobre carreira, chats e tudo mais. Eles mesmos podem criar comunidades para falar de carreiras dentro dessa plataforma. Nós vamos chegar agora no final do ano com 170 mil pessoas interagindo nessa plataforma. Dessas 170 mil pessoas a gente já contratou umas 900 pessoas porque a gente sabe que a pessoa que interage mais com alguns conteúdos tem interesse sobre aquele conteúdo. A gente chama a pessoa para conversar. Nós invertemos, esse é um exemplo de tentar interagir com a sociedade de outro jeito, mais fluido, em que ele mostre interesse. A gente apresenta coisas, a pessoa lida com aquelas coisas, gosta daquilo, percebe que tem sentido e a gente chama ao invés de ficar fazendo escolha: “você passa, você na, você passa, você não.” É claro que tem gente que entra na plataforma querendo se relacionar com esse negócio antigo, mas grande parte, não grande, mas a metade entra já na plataforma pensando em interagir. “O que significa esse banco?” E a gente começa a falar o que é o setor financeiro. Isso também é orientação financeira em um ponto de vista mais sofisticado. Como funciona o sistema financeiro não do ponto de vista só do que eu lido com a minha finança, com meu dinheiro, que é muito importante também. A nossa relação com o Twitter, a nossa ligação com as redes sociais. Tem toda uma gama de coisas, não é só recursos humanos que interage com ele, mas todo o banco. Isso vai fazer a gente aprender. A gente está mudando a estrutura de RH para trabalhar menos estruturado e mais orgânico. A gente vivendo isso dentro do banco e a gente consegue viver dentro de recursos humanos. Viver na rede é mais difícil hoje, mas em recursos humanos estamos aprendendo a viver isso lá dentro de RH. As pessoas estão hoje com a dificuldade de: “Poxa vida, eu não sei o que fazer?” Mas pensando com a cabeça da estrutura. Tem mais liberdade aí a liberdade começa a me irritar ou a me deixar angustiado. A gente está aprendendo a lidar com a liberdade. Tem várias práticas, mas isso é toda uma aprendizagem que ela é materializada em práticas importantes que a gente vem fazendo e aprendendo com isso. Daqui a dez anos eu imagino que a gente tenha muito mais práticas, que a sociedade vai pedir essas práticas para a gente, não precisa ficar muito preocupado porque a sociedade pede, aí tem que responder. Isso tudo pulsa junto. Se endurecer demais quebra.
P/1 – Dentro desse contexto todo que você deu, eu queria saber o que você vê? Como você vê o papel do indivíduo dentro de um ambiente que requer essa busca por lideranças? Como fica isso?
R – Busca de lideranças de que ponto?
P/1 – O que pode esse indivíduo nessa sociedade que se move dentro de um ambiente hierarquizado, corporativo e que quer a liderança, que quer uma postura, que quer um sujeito?
R – Falando de indivíduo e liderança. A forma de entender liderança nas organizações segue um pouco o raciocínio do mundo hierárquico. Nos últimos anos vem mudando essa forma de entender liderança e ela vai se mesclando com a sociedade. Então liderança há 50 anos em uma empresa era ser capaz de mudar como um camaleão em cada situação. Ou seja, lidar com as situações que aparecem. Isso é meio traduzido nos estilos de liderança. Tem várias teorias nessa linha. Ultimamente o que se fala de liderança é que a liderança surge em cada contexto, em cada situação e ela é sempre uma liderança distribuída. Não dá para você confundir liderança com a função do gestor. É evidente que é bom que todo gestor tenha capacidade de liderar, mas não necessariamente você é um gestor, ou está em uma função de gestão, você é um líder. Essa, não é uma contradição, mas é uma tensão que a gente vive hoje. Pensando assim, todo indivíduo tem a oportunidade de liderar. A gente fala muito na história do protagonismo. O protagonismo é a forma de falar de empreendedorismo, mas dentro de um grupo em uma empresa. Em uma sociedade que é fluida, em que os indivíduos estão sentindo isso o tempo todo. Quem percebe isso é o indivíduo. O indivíduo precisa se posicionar diante a isso. Ele precisa compreender propósito, valores, missão dos grupos onde ele participa. A aprendizagem acontece com o indivíduo. A aprendizagem organizacional ela passa pelo indivíduo. Essa sensibilidade, essa capacidade de mobilizar, capacidade de compreender propósito, valores, caminhos e traduzir isso para a prática é do indivíduo. Você pode ter o presidente da empresa muito claro isso, mas se os indivíduos não conseguirem traduzir esse tipo de coisa, propósito e conexão com as coisas, não tem movimento. Do ponto de vista do indivíduo, se a gente olhar só para a estrutura, a gente não vai reconhecer esse lugar. Se olhar só para a hierarquia, ou do que a gente olhava no passado, isso vai ficar vazio. Você não vai ter atenção. Praticamente, o que isso significa? É impossível falar da nossa relação com a sociedade sem que cada indivíduo desses 54 mil funcionários que tem hoje no banco, precisa ter sensibilidade para isso. Então precisa conversar, dialogar sobre a questão da sociedade com esses 54 mil. Se a gente está falando de satisfação do cliente e satisfação do cliente nessa sociedade que a gente está vivendo, essas 54 mil pessoas precisam ter sensibilidade para esse tipo de coisa. A nossa estrutura vai precisar fazer as mudanças necessárias para cada vez mais permitir que esse indivíduo possa agir nesse contexto. É interessante, por um lado a estrutura do banco ajuda o banco a cumprir sua responsabilidade de cuidar dos recursos dos indivíduos, recursos estes que vão ajudar as pessoas a lidarem com seus projetos. Por um lado é esse, por outro lado o exagero dessa visão de estrutura e controle pode comprometer a participação do indivíduo. Então, de novo, para mim isso é uma tensão que vai continuar por muito tempo. Não vai ser de agora. A nossa capacidade de gerir isso é ser sensível para isso e cada vez mais transferindo para o indivíduo, transferindo não, ajudando a ele lidar com sua responsabilidade. Eu vejo assim. Não é muito simples porque todas as nossas práticas, ou a maior parte das nossas práticas foram desenhadas em uma visão industrial de linha de produção, de controle, você começa a perceber que essas práticas já não conseguem mais abarcar. É a mesma coisa, para não contar outro exemplo, da contratação de trainees. Era linha de produção, não é? Linha de produção. Saía de 30 mil, chegava em 600, chegava em 30. A linha de produção é de laranja. Você colhia laranja ia passando por um funil, a laranja tinha o mesmo tamanho que a gente quer, do funil, a gente pega. É mais ou menos isso. Você vê, a sociedade não está mais funcionando assim. Quais são essas práticas que a gente vai conseguindo flexibilizar, que ela possa, ela possa se moldar mais? Possa ajudar mais essa fluidez que a sociedade vem buscando, que o jovem vem buscando e tal. Essa que é a questão. Dentro do banco a mesma coisa. A gente fez, por exemplo, outra prática do ponto de vista de recursos humanos, a gente está falando de engajamento de funcionários, a gente criou uma possibilidade das pessoas conversarem, 54 mil pessoas conversarem sobre isso, sem uma hierarquia, sem nada. Fazer conversas significativas sobre isso. A gente foi lá, criou um tabuleiro tipo um jogo e as pessoas iam, nesse jogo, falando sobre o conteúdo; uma, duas, três horas. Nós temos 35 mil pessoas com processos desse tipo. Essa foi uma visão menos de produção, mais de rede. A gente convidou pessoas que queriam facilitar esse processo. Mais ou menos parecido com a história do Black Eyed Peas com a Oprah [Winfrey] lá em Chicago. Convidou aquele grupo que se une na internet e vai dançar. Ajudou aquela coisa de dançar. Vocês viram esse vídeo já? Não? Procurem no Youtube. Muito interessante, eles convidam um movimento que tem nos Estados Unidos de pessoas que param um momento e dançam em grupo. Se encontram...
P/1 – No metrô?
R – No metrô e tal. Alguns exercitam em vários lugares, vários dançarinos se exercitam e quando vêem estão fazendo o mesmo passo. Mais ou menos parecido com isso. A gente não se inspirou nisso, mas depois descobriu que teve esse processo. Como a gente conseguiu colocar 35 mil pessoas, sem ser um processo hierárquico, conversando sobre um tema? Mas ainda tem um caminho enorme. Nossas práticas ainda estão muito parecidas com práticas que foram desenvolvidas há 30, 40 anos atrás e a gente fica falando dessa coisa do Benchmarking. Benchmarking era imitar o que o outro fez que já imitou alguém, que imitou alguém, que imitou alguém e não consegue mudar. É muito difícil mudar a forma de pensar. A gente vem se desafiando para isso, mas confesso que não é simples em um lugar que toda hora te dá um sinal de que precisa ser hierárquico, precisa ser controlado. Por quê? Porque tem razão para isso. Não é que não tenha razão, mas como é que você vai ajustando?
Colocar o indivíduo no centro ao invés de ser a linha de produção, mas colocar o indivíduo.
P/1 – Qual é o grande desafio que você vê para se oferecer serviços cada vez melhores?
R – Melhores em que sentido?
P/1 – Com qualidade mesmo.
R – Bom, a questão da qualidade passa por isso que eu falei, mas essa é a parte mais complexa porque a sociedade está caminhando para um lado que a gente não sabe totalmente para onde vai. A gente sabe que cada vez mais chega no indivíduo. Cada vez mais, inclusive o serviço, o consumo. Você vendia igualzinho para todo mundo que tinham necessidades diferentes. Está mudando isso. Cada vez mais está conseguindo chegar na necessidade de um indivíduo. Esse é também um desafio do setor financeiro. Como a gente consegue atender um indivíduo na sua necessidade e não ser um pacotão ao mesmo tempo em que eu preciso ter eficiência? Porque um banco que faz isso, mas fecha depois de três meses aí não tem jeito. É igual à história dos Estados Unidos fecharem cem bancos em dois anos, três anos. Por algum motivo administrou errado a questão de risco eficiência e tudo mais. Para mim o desafio é esse: como você combina a capacidade de atender um indivíduo ao mesmo tempo em que você tenha eficiência para você continuar fazendo isso? Porque se você parar no meio do caminho, também as pessoas que consumiram seu serviço vão ficar com falta porque, poxa vida, tinha um, mas não consegue mais fazer o que ele tinha que fazer porque não tem eficiência. Senão o outro compra ou fecha. Você corre o risco de fazer uma operação errada. Para mim essa é a grande tensão. Ter eficiência ao mesmo tempo em que você reconhece a sua necessidade. A gente tem um método muito interessante que a gente colocou lá, seis anos atrás, e agora a gente está buscando colocar em prática de novo. Estava colocando em prática, mas só que ele não ficou cem por cento, é saber conversar sobre necessidade financeira. “Quantos anos você tem?” “ah, tenho 30 anos; 25; 40” “Quais são seus planos de vida? Que sonhos você tem?” “Pô, eu gostaria muito de morar diferente, eu gostaria muito que meu filho estudasse, eu mesmo queria de ter uma vida depois dos 60 anos assim, assim assado.” A pessoa que está na sua frente precisa conversar sobre isso. Tem que saber perguntar sobre isso e saber também falar assim: “A gente pode te ajudar em algumas coisas.” Por exemplo, essa de viver a vida depois dos 60 anos assim, assim, assado. Tem um investimento que pode te ajudar nessa situação. A gente pode ajudar nesse planejamento até lá, mas essa conversa, ele precisa estar legal para fazer isso. Porque ao mesmo tempo ele tem um monte de processo que precisa realizar e essa conversa eu preciso de tempo para fazer. É conseguir chegar nesse ponto. Saber satisfazer cliente sem saber a necessidade dele, sem atender a necessidade é impossível. “Você não quer um seguro?” Sem saber: “Você quer um seguro?” Para quê eu quero seguro? Eu já tenho seguro.” A conversa não é essa, a conversa é: “Eu estou mudando, estou casando de novo, estou comprando uma casa e estou com receio porque vai ser um custo alto tal.” “Bom, um seguro talvez faça sentido para você porque você está comprando.” “Você quer morar bem, você quer proteger o seu patrimônio.” Essa dinâmica que precisa ser ampliada. Estou tentando trazer um jeito mais real, prático. Ainda tem muito que se descobrir nesse sentido, eu acho, para fazer isso melhor.
P/1 – Já que a gente falou de sujeito banco e sujeito Marco Andre, o que você vê na questão dos valores do banco que mais se aproximam daquilo que você acredita, daquilo que você sonha?
R – Acho que, assim, em um processo de integração a gente reflete muito. Onde você está com isso? Onde eu estou com isso? Confesso que não é simples mesmo para mim que lido com esse assunto cada vê mais. Não é simples. Nos últimos meses eu venho primeiro tentando entender muito o contexto que a gente está vivendo. Às vezes a gente não gosta de uma prática ou de outra coisa, mas esquece de fazer uma leitura do contexto do mundo. Eu estou fazendo muito e estou conversando com muita gente sobre isso.
Por exemplo, essa discussão de eficiência, que todo mundo fica irritado dentro de banco. “Ah o banco tem dinheiro, né?” Qual é o contexto? O contexto é o seguinte: se você não falar de eficiência não tem jeito, não dá nem para você entrar no jogo. Tem que falar. Isso me ajuda a entender um pouco algumas coisas fundamentais desse banco. Esse banco sabe que tem um gap que é da qualidade e da satisfação do cliente, sabe. E eu vim, nos últimos dez anos, lidando com isso de uma forma às vezes mais avançada, às vezes menos, mas vivendo isso. Isso me ajuda. Essa busca é muito legal. O que não tinha é conseguir colocar isso em uma equação como é. Falar de eficiência não tinha. Essa coisa de descobrir, fazer melhor sem saber o que é melhor ainda, apesar de algumas coisas serem algumas certezas dentro do banco. Por exemplo: a eficiência é uma certeza muito clara, tem que fazer isso, mas ainda tem muita coisa a melhorar. Isso tem a ver com o meu jeito de olhar a vida. Sempre eu olhei o desafio como algo legal. Quando tem desafio para mim é legal. Não assumo desafio como algo: “de novo, que saco!” Não, eu não tenho isso. Lembra que eu falei lá dos meus 14 anos. Minha mãe me falou: “Você não está fazendo nada!” Eu já fui desafiado a trabalhar, aí eu fui trabalhar. Fiquei um tempo falando “pô, minha mãe é fogo!” Ela nunca falou isso, teve um tempo que eu fiz terapia. Minha mãe, na verdade a interpretação da minha mãe foi minha, não da interpretação da minha mãe sobre mim, mas eu que me interpretei. Eu sou assim. Eu olho para algo e acho que se tem um chamamento lá eu quero trabalhar, por mais que seja um ambiente mais difícil ou mais fácil; mais hostil, menos hostil; mais difícil, mais complexo. Não! O desafio me ajuda. Ajuda-me a mover. Esse é um lugar que eu tenho certeza que me faz continuar nessa organização, e fazer tudo isso em um lugar onde a questão do respeito, o respeito com todo mundo que se relaciona aqui. Às vezes as pessoas falam muito. Falar de eficiência, por exemplo: “Você vê? A gente trata mal o fornecedor.” Falar de eficiência não significa tratar mal o fornecedor. Essas duas coisas podem acontecer juntas. “Ah, deixaram de pagar o fornecedor.” ”Falam que para conseguir eficiência pararam de pagar fornecedor” Não! Isso é um desvio de quem fez isso porque o banco nunca se posicionou de tal forma. Não pagar o fornecedor porque quer gastar menos. Isso não tem nada a ver. Isso tem a ver com a pessoa que fez aquilo e a pessoa precisa mudar o comportamento. Não é dessa forma. Como eu vejo essa organização? Um lugar onde tem essas tensões que eu comentei até agora em toda a entrevista, que isso me desafia, fazer essas duas coisas juntas. Não acho equivocada a discussão mais austera de resultado e de orçamento. Não acho, porque se a gente não falar isso no mundo dá o que deu, dá o que está acontecendo no mundo. Então é: vamos aprendera a fazer junto esse negócio. Eu tenho talvez uma possibilidade de influência. Eu tenho um lugar que eu posso influenciar então vou usar a minha influência para que faça essas coisas todas conectadas, mas ao mesmo tempo em que a gente consegue fazer de um jeito muito legal para as pessoas envolvidas. Duras, às vezes coisas duras, porque tem conversas que são duras, mas com muito respeito. Eu vejo assim, e viver nesse mundo que é um mundo difícil para os bancos. O setor financeiro é um setor que não está simples nos últimos anos. A sociedade fala que ganha muito, ao mesmo tempo em que fecha um monte de banco, ao mesmo tempo em que tem gente que ganha muito dinheiro, que tem os altos bônus e tudo mais, mas ao mesmo tempo não consegue continuar porque ganha altos bônus, mas aí fecha um Lehmam Brothers [Lehmam Brothers Holdings Inc.], fecha não sei o quê, o outro tem problema. Então não é muito simples. Agora, eu aprendi que o sistema financeiro não tem nada de errado. Eu aprendi que o sistema financeiro lida na verdade com os sonhos da sociedade. Isso me alivia tanto falo: “Poxa, se não tiver um sistema financeiro que trata bem dessa questão, o país não está legal.” Tem um papel social incrível. A gente olha: “Tal pessoa ganhou muito.”
“O Quê?” Mas em outra empresas também ganha. Ganhar muito não é o problema. O problema é se ganhar muito e não faz direito o seu papel social. Agora ganhar muito porque faz bem isso. Não era legal que todo mundo possa ganhar bem, fazendo bem aquilo que faz? Por que banco não pode fazer assim? Por que, por exemplo, trabalhar com história, com experiências não é fazer bem? Você não gostaria de ganhar bem fazendo isso? Acho que todo mundo. Fazer gravações com vídeo. Ora, a gente quer! Aí pega um, fala: “Ta vendo? O pessoal que fala de história está ganhando muito dinheiro, não deveria ganhar porque está sacaneando os outros.” Não! Não está não! Está fazendo um trabalho que é um trabalho importante e social de registrar a história ou das organizações, ou das pessoas, ou dos indivíduos, que é importante para a humanidade. Se eu puder refletir dessa forma eu consigo continuar nessa organização ou em qualquer outro banco no sistema financeiro. O momento em que eu não conseguir pensar dessa forma, e eu acho que aqui a gente pode pensar dessa forma, aí fica difícil. Eu valorizo esse tipo de coisa.
P/1 – Agora já para as questões mais avaliativas. O que você achou de participar desse projeto? Primeiro; o que você acha de o banco propor essa idéia de resgatar sua memória, sua história, através da história dos seus colaboradores, fornecedores?
R – Bom, até então eu recebi um email sobre isso, então não tive informações muito profundas. Eu gosto da idéia da história ser registrada a partir da vida e da experiência das pessoas. Eu gosto muito. Normalmente eu vou por esse caminho então eu gosto da abordagem. Não sei ainda o resultado. Não sei como vai ser esse negócio todo, mas me parece muito interessante. São coisas que eu acredito e gosto. Vamos ver o resultado disso, eu não tenho noção ainda qual vai ser o próximo passo e tal.
P/1 – O que você achou de participar da entrevista aqui com a gente, estar desse lado aí respondendo as perguntas?
R – Então, eu gosto. Eu estou acostumado a falar um pouco da minha história e eu venho refletindo sobre a minha história. É uma experiência legal porque eu estou, a partir das minhas reflexões, trazendo a história. Por exemplo, o ano passado eu percebi a importância de resgatar uma parte da minha história que eu não falava, por exemplo, a história de começar a trabalhar aos 14 anos de idade e ter que administrar educação e trabalho juntos. Era difícil fazer isso, muito difícil. Muita gente fala: “Isso é impossível!” Descobri que isso era importante, isso faz parte de mim. Então contar isso, poder falar disso. Eu já contei isso para 800 pessoas. Chamaram-me para falar para 800 pessoas, então falar em uma entrevista assim para mim é legal. Eu estou exercitando, aqui dentro do banco, fora. É interessante trabalhar ou ganhar e ficar contando a própria história. (risos) É legal.
P/1 – É isso. A gente agradece em nome da Vice Presidência de Marca, Marketing, Comunicação e Interatividade e do Museu da Pessoa, a gente agradece a sua participação. Muito obrigado.
R – Obrigado vocês.Recolher