O meu nome é Francisca Fragoso Diniz. Nasci na cidade de Catolé da Rocha, em 1952, no sertão da Paraíba. A minha história de vida é recheada de muita luta, força de vontade e autoconhecimento. Acredito que tudo o que possuo hoje: família; filhos e netos, são frutos dos ensinamentos de meus pais: Dona Maria Diniz Dantas e Seu Lindolfo Fragoso Veras. Primos, casaram-se na mesma cidade em que nasci e tiveram nove filhos juntos.
Tudo começou no final dos anos de 1930, quando a minha mãe tornou-se viúva. Pouco após dar à luz ao seu primeiro filho, o seu primeiro marido faleceu de ? , o que a fez retornar a casa dos meus avós com uma criança nos braços. Aquele período as coisas eram diferentes, mães solteiras sofriam muito preconceito da sociedade. Então, os meus avós insistiram que ela se casasse com o primo - apaixonado por ela desde os tempos da adolescência. Foi quando ela se casou com o meu pai.
Apesar deles serem contrários sobre deveres e direitos entre homens e mulheres, viviam bem - a minha mãe o ajudava nas despesas da casa e do sítio em que vivíamos e ele administrava nossos recursos e a força de trabalho. Foi quando eu apareci (riso). Era a sétima gravidez da minha mãe e ela logo percebeu que algo de estranho estava acontecendo. Vivia estressada por causa de alguns desentendimentos entre os irmãos de papai, que brigavam pela mesma mulher. No nordeste, homens quando brigam por mulher geralmente resulta em morte. E como o papai tentava apartar a briga, ela temia por algo drástico e vivia sentindo dores na gestação.
Durante uma tarde, faltava um mês para eu nascer, surgiu um boato de que um dos meus tios estava armado atrás do outro. Sabendo, papai correu à chácara em que eles estavam a fim de evitar a morte entre irmãos. Foi quando mamãe nervosa entrou em trabalho de parto. Desesperada, achando que iria perder o bebê, fez uma promessa a São Francisco de Assis, para que eu nascesse com saúde e que papai não se...
Continuar leituraO meu nome é Francisca Fragoso Diniz. Nasci na cidade de Catolé da Rocha, em 1952, no sertão da Paraíba. A minha história de vida é recheada de muita luta, força de vontade e autoconhecimento. Acredito que tudo o que possuo hoje: família; filhos e netos, são frutos dos ensinamentos de meus pais: Dona Maria Diniz Dantas e Seu Lindolfo Fragoso Veras. Primos, casaram-se na mesma cidade em que nasci e tiveram nove filhos juntos.
Tudo começou no final dos anos de 1930, quando a minha mãe tornou-se viúva. Pouco após dar à luz ao seu primeiro filho, o seu primeiro marido faleceu de ? , o que a fez retornar a casa dos meus avós com uma criança nos braços. Aquele período as coisas eram diferentes, mães solteiras sofriam muito preconceito da sociedade. Então, os meus avós insistiram que ela se casasse com o primo - apaixonado por ela desde os tempos da adolescência. Foi quando ela se casou com o meu pai.
Apesar deles serem contrários sobre deveres e direitos entre homens e mulheres, viviam bem - a minha mãe o ajudava nas despesas da casa e do sítio em que vivíamos e ele administrava nossos recursos e a força de trabalho. Foi quando eu apareci (riso). Era a sétima gravidez da minha mãe e ela logo percebeu que algo de estranho estava acontecendo. Vivia estressada por causa de alguns desentendimentos entre os irmãos de papai, que brigavam pela mesma mulher. No nordeste, homens quando brigam por mulher geralmente resulta em morte. E como o papai tentava apartar a briga, ela temia por algo drástico e vivia sentindo dores na gestação.
Durante uma tarde, faltava um mês para eu nascer, surgiu um boato de que um dos meus tios estava armado atrás do outro. Sabendo, papai correu à chácara em que eles estavam a fim de evitar a morte entre irmãos. Foi quando mamãe nervosa entrou em trabalho de parto. Desesperada, achando que iria perder o bebê, fez uma promessa a São Francisco de Assis, para que eu nascesse com saúde e que papai não se machucasse. No meio do caminho, papai foi avisado de que eu estava nascendo e retornou as pressas. Nem chegou a encontrar a briga dos irmãos. Nasci saudável e segundo mamãe, fui o bebê com mais saúde que já teve - ganhei esse nome como pagamento da promessa (riso).
Da minha infância, lembro-me que andávamos sempre arrumadas por conta do trabalho de costureira de mamãe. Ela nos enfeitava com brincos, colares e pulseiras - comprados com o dinheiro que sobrava do orçamento. Queria todas as filhas bonitas e apresentáveis. E por achar que as mulheres tinham o direito de estudar e trabalhar, sempre insistiu na nossa educação o que resultava desentendimentos com papai. Sempre estavam a discutir, praticamente diariamente. Aprendi a ler e a escrever na casa dos meus avós, junto as minhas três irmãs mais velhas, e tivemos como professora a nossa irmã Juracema, que frequentava a escola morava com eles.
Durante a tarde, ajudávamos com os deveres de casa. Sempre gostei de ajudar nossa mãe com a limpeza e a cozinha. Aprendi a cozinhar bem cedo. Éramos uma família de classe média, criávamos animais de sítio e plantávamos verduras. Consumíamos o que criávamos e cultivávamos. Nunca nos faltou nada. Aos meus 11 anos, papai decidiu comprar uma fazenda no Ceará. Para isso, teríamos que vender tudo. Apesar do risco, mamãe apoiou e no final deu tudo certo. Nos mudamos para o Ceará, para uma fazenda enorme e construímos um casarão como o de nossos avós. Assim que chegamos, fomos matriculadas na escola da cidade - entrei na quarta série - e íamos as três no lombo dum jumento (riso). Logo, aprendemos a andar de bicicleta e o trabalho do animalzinho ficou menos árduo (riso).
Devido as discussões calorosas, mamãe decidiu comprar uma casa próxima a escola. Assim, ela poderia estar mais próxima aos clientes e nós dos estudos. Papai continuou na fazenda, cuidando dos negócios. A nossa renda melhorou bastante. E morando na cidade, foi quando conheci um vizinho, que passou a ser o meu namorado. Era coisa boba, de criança. Conheci a família dele, bem humilde, e fiquei encantada em como eles se amavam e se ajudavam com tão pouco. Ao completar 16, decidi que precisava trilhar a minha vida. Tinha terminado o ginásio e não queria mais viver com meus pais. Combinei com ele de fugirmos (riso), assim poderíamos nos casar sem interferência de ninguém.
Os meus pais eram contra o nosso relacionamento porque a família dele era muito humilde. Queriam que eu estudasse, virasse doutora. Pelo incrível que pareça, papai mudou de ideia em relação a profissionalização das filhas quando soube que eu era a melhor aluna da classe - tirava sempre a melhor nota. Foi assim que mamãe o convenceu (riso), apresentando o meu boletim superior ao dos rapazes da classe. Então, para poder me casar, fugi com o meu namorado à chácara de um amigo. Fugimos de bicicleta e passamos a noite em quartos separados. Retornando, não tinha mais o que argumentar.
Foi um escândalo na minha família, os meus pais ficaram decepcionados mas não tiveram o que fazer. Naquele tempo, quando uma moça fugia com o namorado era obrigada a se casar para não cair na boca do povo. Casei e fui morar com os meus sogros. Foi uma fase bem complicada na minha vida. Os meus pais recusaram-se a nos ajudar financeiramente: “agora que quis caminhar com as próprias pernas, não conte comigo”, disse papai. Tive que reaprender a viver. A condição de vida era bastante inferior e nos faltava tudo - teve vezes que íamos dormir com fome, barriga doendo, por não ter comido nada ao longo do dia. Na casa dos meus pais vivia no conforto, comida em abundância. Por vezes, abafei o meu choro no travesseiro para não entristecer a família dele, que me recebeu de braços abertos. Com tão pouco, não reclamaram em receber mais um membro na família. Nunca, nunca me trataram mal ou disseram algo que pudesse me entristecer. Sempre me amaram, desde o primeiro momento. Fui acolhida com bastante amor.
Como éramos crianças, engravidei no primeiro mês de casamento. Não conhecíamos métodos contraceptivos, não falavam disso naquele período, e decidíamos que não era o momento. Passei por um aborto - o que não adiantou - e engravidei novamente em seguida. Durante essa fase de adaptação e gravidez, mamãe ficou desgostosa com o casamento dela. Descobriu que papai, por morar em casa separada, estava se relacionando com outras mulheres. Ela não aceitava traição e para ele era normal um homem casado escapar algumas vezes do matrimônio. Como estávamos todas crescidas, ela pediu o divórcio e voltou a morar na Paraíba, próximo ao casarão de nosso avós.
Dei a luz a uma menina doente. Nasceu com icterícia/ hepatite, e os médicos da nossa cidade não tinham experiência nesse tipos de tratamento. Foi muito triste, recordo quando ela abriu os olhos pela primeira vez vimos como eles eram amarelados. O meu marido tentava trabalhar com tudo o que aparecia. Com frequência, realizava trabalhos para os escritórios da região. Fazia serviço de office boy, mas não era o suficiente para nos sustentar. E mamãe, quando soube que a neta nasceu doente, pediu para morarmos com ela. Fui sozinha com a criança e ele continuou na cidade até ser convidado pelo irmão mais velho, o Cadu, a viajar para São Paulo - tinha fama em ofertas de emprego.
Eles viajaram para a capital, conseguiram emprego numa fábrica de talheres e assim que tiveram condições alugaram uma kitnet próxima ao centro, no bairro da Saúde. E o irmão dele, como era solteiro, falou me convidou para morar junto deles e tomar conta da casa. Foi quando a nossa filha faleceu. Na Paraíba também não havia conhecimento médico em tratamentos contra hepatite. Recebi a carta deles me chamando e já tínhamos enterrado a criança. Mamãe aconselhou que eu fosse morar junto ao meu marido. Eu tinha um boi, ganhei do meu irmão ele ainda bezerrinho. Alimentei e cuidei direitinho até crescer. Então, o vendi para comprar a passagem.
Demorei dias para chegar a capital, início dos anos 70. Comprei a passagem de um ônibus que parecia um pau de arara. A estrada estava cheia de desníveis por causa da chuva. Choveu o caminho inteiro e a estrada era de terra. Foi bastante desconfortável! Desembarquei na antiga Rodoviária de Sorocaba, não existe mais. Ficava próxima a Estação da Luz. Nossa, achei a cidade tão fria e escura. Até hoje quando o tempo fecha e chuvisca, lembro do dia em que cheguei na cidade. Nunca tinha visto tanta gente na minha vida! Com medo de me perder, encostei num pilar até me o meu cunhado me encontrar. Foi um alívio quando ele apareceu!
Conhecendo a kitnet, tomei como meta comprar com o dinheiro que sobrou um fogão e algumas panelas. A kitnet tinha uma sala, um quarto e uma cozinha sem pia. A pia e o banheiro era compartilhado com os outros moradores do prédio e éramos os únicos nordestinos da região. Posso dizer que sofremos muito preconceito; nunca abaixei a cabeça. Como os baianos era conhecidos pela força de trabalho na construção civil, os paulistanos consideravam que todo mundo que vinha do nordeste era baiano. Nos chamavam de baianos e com certo preconceito. Faziam questão que nos sentíssemos inferiores, o que nos incentivava a melhorar na vida. Para aumentar a nossa renda, decidimos alugar a parte da cozinha a um casal sem filhos. Eu e o meu marido dormíamos num colchão no quarto, o meu cunhado na sala e o casal na cozinha. Ajudou bastante. Eu limpava a casa, lavava a roupa e fazia comida. Consegui comprar o fogão e três panelas. Ocupava a mente o dia todo.
Então chegou a notícia que os parentes do meu marido estavam passando por dificuldades no Ceará. A falta de emprego e a ausência de chuvas. E eles chamaram todo mundo para morar com a gente: sete pessoas. Nesta, eu já tinha um bebê de colo e o meu marido dois empregos. Ele trabalhava na parte da manhã na fábrica e durante a tarde vendia produtos de armarinho (linhas, agulhas, alfinetes) numa barraquinha improvisada. Serviço de marreteiro, hoje conhecido por camelô. Ele ganhava mais como vendedor do que metalúrgico. Então, pedi que alugássemos um quartinho para nós. A kitnet não suportaria tanta gente e mais uma criança de colo. Ele concordou. Alugamos um quartinho na mesma rua, cortiço bem simples, e também dividimos o banheiro e o tanque de lavar roupas. Eram dois cômodos: a sala e o quarto.
E trabalhando como vendedor de rua, o meu cunhado aprendeu a confeccionar uma bonequinha muito famosa na época, conhecida como dorminhoca. Ele comprou os materiais e foi na minha casa: “vou te ensinar a fazer essas bonequinhas que vendem bastante”. Aprendi a confeccionar a dorminhoca e trabalhava dia e noite no quarto. Colocava uma vela na cabeceira da cama e moldava a cabecinha de plástico. Depois, pegava um tecido de pelúcia e recortava o corpinho. Em seguida, o enchia de espuma e o colava - com cola de sapateiro - na cabecinha. Quem é daquele tempo com certeza lembra desta boneca. O meu cunhado decidiu apresentar mostruário nas lojas do centro e começamos a receber pedidos. Fazia com tanta perfeição que vendia todas.
A minha casa era forrada de pelinhos de pelúcia e fedia a cola de sapateiro, mas conseguíamos ganhar muito dinheiro nestas vendas. As pessoas até brincavam que o tempero da minha comida era pelinhos de pelúcia (riso). Tinha 19 anos, confeccionava dois sacões de bonequinhas - todos os dias - e tomava um ônibus sentido centro para entregá-las. Acho que pessoas ficavam impressionadas comigo: miudinha carregando dois sacões de mercadorias que eram quase do meu tamanho. Alguns até tiravam sarro, porque pedia ao motorista abrir a porta de trás para colocar as encomendas. Nunca me importei, se soubessem quanto eu ganhava com aquilo (riso). Nestas viagens de ônibus, costumava observar os carros e sonhar comigo dirigindo um. Imaginava colocando as bonequinhas no porta malas e dirigindo até o centro. Decidi tirar a carteira de motorista. Consegui antes do meu marido, que não sabia ler direito, e compramos um fusquinha. Aprendi a dirigir antes dele (riso)! Todas as noites, antes de dormir, o ensinava ler e a escrever direito até conseguir passar na prova.
Durante a confecção, deixava o bebê com uma vizinha do cortiço para ele não me atrapalhar no trabalho ou passar mal com o cheiro da cola. Até que o sucesso das bonequinhas terminou, os pedidos acabaram e tivemos mais um filho. Precisava trabalhar com alguma coisa, juntar dinheiro para um dia morarmos em um lugar melhor. Comecei a ajudar o meu marido nas vendas, até que fiquei sabendo que aqueles sacos de pano para farinha, que as padarias descartam sempre ao final do dia, eram cobiçados por donas de casa para os usavam como pano de chão. Foi quando virei vendedora de porta em porta. Pegava os sacos nas padarias, limpáva-os, e ficava o dia todo apertando campainhas oferecendo.
O tempo foi passando e decidimos legalizar o nosso trabalho, porque a fiscalização municipal estava pegando pesado com os vendedores de rua. Um dia, o meu marido fugindo do Comando - como eram chamados na época - colocou toda a mercadoria dentro de um saco e fugiu. Ele e todos os vendedores, uma cambada de gente correndo pelo centro. E no meio do percurso ele acabou tropeçando em uma mulher, ambos caíram no chão. Desesperado em não perder as mercadorias, ele levantou e não a acudiu. No dia seguinte, na mesma feira, apareceu uma mulher com o braço engessado e controu que um homem havia caído sobre ela durante a fuga. Ela não sabia quem tinha mas entendia a condição das pessoas, tanto que estava lá comprando os produtos (riso). O meu marido ficou envergonhado com aquilo e preocupado com a mulher. Então, decidimos parar de correr risco de vida e legalizar a nossa barraca. De início ele foi contra, achou que perderíamos dinheiro. Depois percebemos que ganhávamos mais ainda porque as mercadorias não eram mais apreendidas pelo Comando. Foi muito bom!
Fomos ganhando dinheiro e conseguimos comprar mais um carro, um chevetinho. Colocávamos a barraca na parte de cima do carro e chegávamos na feira de madrugada. Assim que o sol nascia, estava tudo montado para a clientela. A nossa ideia fez sucesso e todos os outros feirantes começaram a usar a parte cima do carro para a mesma coisa (riso). Achávamos que iríamos passar vergonha e acabamos sendo copiados. Mas era uma rotina muito puxada, acordávamos às quatro da manhã e tínhamos que montar e desmontar a barraca - todos os dias. Então, decidimos empregar a minha cunhada para trabalhar na minha barraca e eu voltaria a vender produtos de porta em porta.
E nesse tempo fui convidada a visitar Brasília, cidade em que o meu irmão mais velho morava. Ele tinha chamado a mamãe para morar com ele e ela foi junto as nossas irmãs. Chegando lá, 1968, pediram para eu comprar algumas peças de bijuteria na região da 25 de Março e enviar via Correio. A minha sobrinha vendia bijuterias na escola e precisava diversificar o material. Quando retornei, fui na ladeira da Rua Porto Geral e encontrei uma barraquinha de cerâmica. Havia um rapaz nela comprando vários produtos com um velho e perguntei do que se tratava. E ele me explicou que fazia colares e vendia no centro, era investimento com retorno na certa. Pedi para ele me ensinar e acabei levando algumas amostras do trabalho dele. O velho me orientou e vendeu tudo o que precisava para confeccionar as pecinhas. Chegando em casa, decidi que metade do que tinha comprado ficaria comigo e a outra metade iria pra Brasília. Como já tinha experiência em artesanato, aprendi rapidinho a fazer colares e entreguei dez deles para o meu marido vender na feira.
No dia seguinte, ele retornou todo entusiasmado: “Deu briga! Mal coloquei os colares na barraca e apareceu uma mulher querendo todos. Em seguida surgiu outra e começaram a discutir!”. Vendíamos ao preço de hoje por um real e ele teve a ideia de levar um mostruário para as lojas do centro e aumentou o valor para 18 cada. Chegou em casa com as pernas bambas, mal apresentou o trabalho a um lojista e recebeu o pedido de uma dúzia de cem. Iríamos ganhar muito dinheiro! Então, bati em todas as portas do cortiço - nas casas em que tinha amigas - e chamei todas para trabalharem comigo. Montamos a nossa primeira fábrica, naquele quartinho de dois cômodos.
Tínhamos dois filhos, uma boa clientela no centro e dinheiro o suficiente para comprarmos uma casa. Então, compramos um terreno e construímos uma casa bem grande, com varanda, pela região mesmo. No porão, montei a minha fábrica e empregamos tanta gente que formava fila na calçada de pessoas pegando os materiais para confecção. Antes de entregar cada lote de mercadoria, pesava tudo numa balança para conferir depois no recebimento. Ajudei muita mãe de família, desempregado, aposentado, deficiente. Todo mundo que pedia eu ajudava. Até que um dia, durante uma reunião familiar, sofremos um assalto. Foi bem tenso.
Era um domingo, os bandidos entraram armados e prenderam todos nós dentro de um quarto. A família inteira do meu marido estava reunida, inclusive uma cunhada grávida que chegou a passar mal dentro do quarto. Levaram todos os nossos materiais de confecção, objetos de valor e os nossos dois carros. E para piorar, o meu cunhado como refém. Acho que a nossa prosperidade acabou chamando atenção. Quando ele foi liberado pelos bandidos, retornou a casa e nos soltou. E foi aí que decidimos que não poderíamos mais ter a fabricada na nossa casa. Alugamos um estabelecimento na região da 25 de Março, o nosso cunhado como sócio. Depois do incidente, fiquei com muito medo de continuar morando naquela casa e passei a procurar outro lugar para morar. E como vivemos por muito tempo num “apartamento”, não queria morar em prédio. Procurava por casa.
A fábrica que montamos no centro foi um sucesso! Como ali circulava pessoas de todas as parte do país, viramos fornecedores de muita gente e acabamos abrindo também uma loja. As pessoas que trabalhavam para a gente tinham que ir até lá buscar os materiais, não abríamos mais a nossa casa. Nós sempre ajudamos muito a família do meu marido, conforme íamos prosperando na vida levávamos todos conosco. E um dia, descansando na varanda da nossa casa, encontrei um jornal de bairro no portão e nele anunciava terrenos de casas num condomínio fechado em Barueri. Gostei muito da ideia. Afinal, haveria lugar mais seguro do que um condomínio fechado de casas?
Convenci o meu marido da ideia e fomos visitar o local. Não imaginávamos quanto custaria e ele, temendo em perder dinheiro, estava contrário a aquisição. Quando chegamos no lugar ficamos impressionados com a beleza. Haviam diversas árvores e era próximo a capital. Ele ficou admirado com a beleza e nem acreditávamos que ficava em São Paulo. Foi no final dos anos de 1980, não tinha nada na região - pouquíssimas casas construídas. Chamavam o local de Alphaville. Chegando, fomos procurar o corretor.
Como em São Paulo costumavam nos chamar de favelados, fomos com receio de sermos mal tratados e o meu marido chegou a ser confundido com um dos pedreiros das obras. O corretor foi sensacional no atendimento, devia ganhar por comissão, nos tratou super bem e quando anunciou o valor do terreno decidimos comprar na hora. O primeiro lote que nos apresentou já fechamos. Era muito barato! E ficamos tão empolgados que nem nos preocupamos com as condições do solo, nada. Assim que fechamos, começamos com o projeto de construção e como tinha o trabalho da fábrica e da loja, o meu marido largou tudo na minha mão para resolver. Eu tinha que me desdobrar no trabalho e na construção do imóvel.
Contratei os mesmos pedreiros que construíram a nossa casa na região da Saúde e iniciamos o projeto. Demorou cerca de dois anos para ficar pronto. Uma maravilha! Sonho realizado. E na mudança, foi um pouco complicado convencer os nossos filhos adolescentes a se mudarem. A menina tinha um namorado na mesma rua e um dos meninos tinha vários amigos e não queria se distanciar. Mas, como o meu foco era segurança os levei obrigados (riso). No início, a adaptação foi difícil. Éramos simples e não estávamos acostumados a conviver com pessoas mais cultas, bem arrumadas. Com o tempo as coisas se encaixaram. E na região da 25 de Março, já possuíamos mais uma loja - uma no térreo do prédio e outra no segundo andar. No sexto andar ficava a nossa fábrica. Tínhamos tantos fornecedores de bijuterias que nem precisávamos mais confeccionar, a loja abastecia sozinha.
Era um movimento gigantesco de clientes, porque o prédio ficava de frente a uma loja do Armarinho Fernandes. Pessoas entrando e saindo da hora em que abríamos até fechar. Chegamos a ter problemas com furtos e a solução que encontramos foi pedir o lacramento das sacolas na porta da loja. Mas mesmo assim, ainda ocorre. Nesse período, decidi abrir uma loja no centro de Barueri, de frente a uma agência do Bradesco. E fomos investindo o nosso dinheiro em outras construções de Alphaville. Nunca gostamos de deixar o dinheiro parado no banco, sempre estávamos investindo em imóveis.
Alguns anos mais tarde,, o meu cunhado não queria mais ser nosso sócio e deixou o meu marido escolher uma das lojas. Aconselhei que a melhor seria a loja térrea e que eu continuaria o ajudando no atendimento. Terminou a parceria entre os dois. Ao mesmo tempo, a minha família me chamou para abrir uma loja em Brasília. Gostei da ideia! Tínhamos uma loja em Barueri, outra em Brasília e outra no centro de São Paulo. Até que chegou a crise pós Copa do Mundo e começamos a vender menos. Tive que fechar a loja de Barueri e a do centro começou a andar mal. O meu marido ficou descontente, porque eu viajava com frequência a Brasília e foi quando nos separamos pela primeira vez, sem ser no papel.
Ele queria que eu largasse os negócios no outro estado e ficasse mais tempo com ele em casa e na loja do centro da cidade. Eu não queria. Então, ele decidiu retornar ao nordeste e ficar mais tempo com a família dele. Percebemos que tínhamos passado tanto tempo trabalhando e investindo que esquecemos do romance no casamento. Vivíamos mais como amigos do que marido e mulher. Sempre fomos muito unidos e praticamente nunca brigamos. Tudo o que fazíamos era com o consentimento de ambos. E eu me senti um pouco sozinha quando ele partiu, mas não desisti do relacionamento. Até que fiquei sabendo que ele estava se divertindo muito em festas e bebendo. Nunca foi disso e cheguei a acreditar, por um tempo, que, como nos casamos jovens e perdemos a fase da adolescência, ele queria compensar de certa forma.
Infelizmente, ele acabou se envolvendo com uma mulher mais jovem e foi morar com ela numa casinha alugada. Isso me devastou, não imaginava que chegaria a este ponto. Comecei a aprender a viver como solteira, sozinha. Fiquei arrasada...a nossa história era muito bonita: conquistas, superação, crescimento. Não precisava terminar assim. Então... ele adoeceu e a mocinha o abandonou. Ele começou a se sentir sozinho, desamparado e ligou para um de nossos filhos pedindo para retornar. O meu filho ficou comovido e acabei aceitando o retorno dele, mas para dormir no quarto de hóspedes. Porém, o nosso convívio não era mais o mesmo.
Fiquei um ano tendo que me adaptar a nova vida e quando ele retornou não estava mais acostumada em ter um marido. Começamos a nos desentender e entrei com o pedido de divórcio. Consegui tirá-lo de casa com a ajuda de um advogado. Dividimos tudo igualmente e hoje somos apenas amigos. Em um relacionamento, quando perdemos a confiança não adianta insistirmos. É melhor terminar antes que a amizade acabe. Foi uma decisão difícil, mas a melhor. Combinei que o ajudaria com a loja do centro, que ficou com ele. Lutei bastante com a crise, mas no ano passado tive que abaixar as portas. Muita despesa, impostos altos, gastos com funcionários, furtos e faturas de fornecedores. Não dava mais para continuar. Hoje tenho apenas a loja em Brasília e continuo viajando com frequência.
Os meus filhos cresceram e dois deles são casados. São pessoas maravilhosas: honradas, decentes, honestas. Não são porque são meus filhos, mas são pessoas ímpares na sociedade. Os meus netos, não tenho o que falar. Um deles, sempre quando chego para visitar, vem correndo pedindo abraço. Olha que nem sou avó coruja (riso), mas ele sabe que aqui dentro do meu peito tem muito amor. Quando olho para trás e vejo todas as coisas que passei, só tenho que agradecer a Deus. Sempre tive este costume, de agradecer a ele por tudo o que conquistava. Cheguei em São Paulo novinha, sem conhecer nada e ninguém, e consegui virar empresária e criar os meus filhos.
Algumas vezes, no início, cheguei a ouvir que o nosso destino era ser assaltante e moradores de favela. Conseguimos provar o contrário. Nunca tive vergonha de ser nordestina. As coisas que ouvíamos nos fortalecia. E acredito que boa parte da minha conquista veio dos ensinamentos de meus pais. A minha mãe sempre acreditando que a mulher era capaz de realizar tudo que desejasse e o meu pai dizendo que mesmo se lhe derem um pedacinho de terra feita de pedras, ele tiraria o próprio sustento dali. Sempre honestos, decentes, trabalhadores. Eles me ensinaram a administrar o dinheiro e a investí-lo. Sinto muita saudade deles. Agradeço sempre, todos os dias, pela pessoa em que me tornei.
Editado por Renata Pereira Rotunno
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