Programa Conte Sua História
Depoimento de Olga Giongo
Entrevistada por Bruno Pinho e Felipe Rocha
São Paulo, 30/11/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV644_OIga Giongo
Transcrito por Mariana Wolff - MW Transcrições
P/1 – Você pode falar, por favor, o seu nome, o dia e o ano , quando você nasceu e em que lugar?
R – Eu nasci em Rio Claro, Estado de São Paulo, no ano de 1937. Que mais?
P/1 – Seu nome?
R – Olga Giongo Ribeiro dos Santos.
P/1 – E aí, pode falar também o nome dos seus pais e de onde eles vieram?
R – O meu pai era austríaco, mais para o lado da Itália, no caso, que era Trento. A minha mãe era também descendente de italianos e nascida em Campinas, Estado de São Paulo.
P/1 – E como que eles eram? Como que você se lembra deles?
R – Eles eram pessoas amáveis, gentis, cultos. Pessoas afáveis, gostosos, saudáveis, dá uma tristeza saber que a gente passa pela vida tão rápido, é muito rápido.
P/1 – E esse família, além dos seus pais, de você, era composta por mais quem?
R – Ah, eles tiveram sete filhos, oito, um morreu. Sete filhos, então todos cresceram, estudaram e vivemos, né?
P/1 – E como era a sua infância?
R – A minha infância era gostosa. Era infância de pular corda, brincar na rua quando pequenininha. E com os pais sempre juntos, pais estrangeiros são mais ou menos… minha mãe era mais estrangeira do que o meu pai, no caso, porque ela descendia também, né? Mas eles eram felizes. Eles deixavam agente ser criança e ser feliz. E ficavam sempre juntos. Nós éramos sete.
P/1 – Isso lá em Rio Claro?
R – Em Rio Claro.
P/1 – Como que era a casa de vocês? A vizinhança?
R – Como que eu posso dizer? Era gostoso, eu só lembro de uma fase gostosa de vida, uma criança feliz. Uma criança que viveu tranquila, com os pais relativamente estrangeiros, a vida é diferente do brasileiro. Então, nós éramos crianças diferentes das outras.
P/1 – Mas por quê?
R – Porque nós falávamos só italiano em casa, então a dificuldade de conversar, às vezes, atrapalhava um pouco, porque ficava na ideia o procedimento e a maneira deles serem que era diferente na época das pessoas mais… interior é bem simples, os meus pais eram formados, então fazia uma diferença com relação às crianças. Mas valia a pena, porque a gente aprendeu a ser gente. Tanto fazia viver na minha casa como na casa se fosse necessário, de um parente ou de um vizinho, porque nós tínhamos liberdade de expressão, de ser, tudo dentro da regra, né?
P/1 – E qual que era a sua brincadeira favorita, dona Olga, o que você mais gostava de brincar?
R – Desenho. Eu nasci desenhando. Eu gostava de desenhar e brincar com as outras crianças, né? Aquelas brincadeiras de roda, coisa muito antiga, filho. Brincadeira de roda, Amarelinha, hoje nem existe acho mais isso. Era um… fazia um desenho na calcada e ficava pulando e levando uma latinha cheia de terra. Era uma coisa muito antiga, não existe mais isso.
P/1 – E que tipo… que material você usava para desenhar? O que você gostava, era lápis?
R – O que tivesse, filho, carvão, carvão era uma coisa fácil, porque naquela época, nós não tínhamos gás, sabia? Era só aqui em São Paulo. Eu morava no interior, então o carvão era o nosso giz, entendeu?
P/1 – E toda casa…
R – Ali que a gente aprendia a desenhar. Então, calcada pra gente, eles já faziam até cimentada, ou então aquele tijolinho amarelinho, amarelinho, não, como e que fala? Cor de tijolo, vai, bem lisinha, porque sabia que era a lousa das crianças. É antigo isso, é do século passado.
P/1 – E o que você mais gostava de desenhar?
R – Tudo. Pra mim, desenhar era a vida, porque era a brincadeira nossa.
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho, eu não sei se você vai saber me contar essas coisas, dona Olga, mas eu queria saber se você sabe como que os seus pais se conheceram.
R – Meus pais se conheceram, a minha mãe era descendente de italianos, só falava italiano, inclusive. meu pai era italiano, ele veio de Trento, da Itália. Ali acho que é o Trieste que eles falam, né?
P/1 – É o Tirol, né?
R – Tirol. Ele era um tirolês, enorme. Acho que chegava a dois metros e alguma coisa, ele era muito grande. Minha mãe era um toquinho de gente. Era um casal lindo, lido, lindo, lindo. Parecia um rei e o súdito de tão… o filho do… era lindo. Muito bonito, gentis, cultos, educados, que mais que eu posso dizer? Saudades.
P/1 – Você sabe como que eles se conheceram? Foi em Trento, não? Foi aqui mesmo?
R – Não, não. Meu pai veio de Trento e a minha mãe era filha de italiano, então era fácil de se comunicarem, se encontraram em São Paulo. Eu não sei como… não, em Campinas, Campinas. Daí, eles se casaram, foram pra São Paulo, o meu pai estava procurando o que… era um engenheiro químico, veio trabalhar na Companhia Paulista Estrada de Ferro em São Paulo. E lá ele passou a vida trabalhando e a minha mãe cuidando da gente, porque nós éramos em sete. Naquela época, era construir família, por isso que o Brasil é grande hoje (risos).
P/1 – E sete devia dar bastante confusão. Como que eram você e mais seis irmãos?
R – Era gostoso. Eles eram estrangeiros, praticamente, então a maneira de educar era diferente, então a gente às vezes, ficava sem condições de entender a maneira de ser por causa da educação que a gente tinha, era uma educação dentro das formalidades estrangeiras para os outros. As outras crianças achavam que nós não éramos brasileiros, você entendeu? Mas nós falávamos português, mas essa maneira de ser fica diferente, né, do ser humano. E aí, a escola, escola, escola até crescer. nesse interim, eu resolvi que eu ia ser freira. Eu queria ser freira porque eu achava que no convento, eu tinha possibilidades maiores para aprender, porque eu adorava desenhar, eu sempre desenhei. Acho que eu nasci desenhando. Minha mãe disse que a primeira vez que me deram um lápis na mão, no lugar de eu rabiscar, eu falei: “Senta”, ela falou: “Sento”, e eu fiz um retratinho dela. Deve ser uma coisa que de alguma forma, a gente herda, porque eu não tive estudo naquela época, eu era nenê praticamente. Primeira vez que você pega no lápis, o que você tem? Três, quatro anos. Acho que por aí, né? Bom, que mais?
P/1 – Mas antes do convento, você fez o primário, certo?
R – Fiz. Eu fui no grupo escolar primeiro, eu entrei no grupo escolar normal, depois os meus pais acharam que… porque nós éramos sete filhos, então tinha que dividir, aí eu gostei daquele convento e fui pro convento, ganhei o estudo, fui pro convento porque eu trocava os favores. Eu recebia, mas dava também os meus… então, eu cuidava das crianças, ajudava e na minha hora de escola, era escola. Então, eu garanti o meu estudo diferente dos meus irmãos, até.
P/2 – Só para entender, dona Olga, esse convento era em Rio Claro?
R – Era em Rio Claro.
P/2 – Rio Claro, ainda.
R – Rio Claro, Coração de Maria chamava.
P/1 – E como era? Como foi esse período?
R – Foi um período diferente, porque eu tinha… eu acho que eu tinha vontade de aprender tudo. não era uma criança pacifica. Era uma criança tranquila, mas queria aprender e lá, eu tinha a chance de aprender muito mais do que num grupo escolar, que era muito burocrático naquela época, acho que até hoje, né? Era um… não tinha… você só aprendia a ler e a escrever, você não tinha comportamento, relacionamento, não tinha nada, era difícil. Então, eu falei: “Bom…”, pode até ser que eu tivesse errada, mas naquela época pra mim era bem diferente. E os meus pais sendo estrangeiros, dava uma certa dificuldade. Minha mãe não era estrangeira, mas dava uma certa dificuldade pra relacionamento, pelo fato da gente não ter… como é que eu posso dizer? Um português igual o dos outros, era misturado. Isso atrapalha tanto a criança, é bom eu comentar isso, porque eu depois quando eu fui dar aula, eu sei o quanto que isso faz mal para a criança, mas de forma geral, na cultura da vida, faz uma diferença.
P/1 – E como era, dona Olga, com essa idade, falar com outras crianças que eram puramente brasileiras, por assim dizer?
R – Falávamos português… nós trocávamos. Porque Rio Claro é uma cidade… era uma cidade formada por italianos e alemães, praticamente, certo? Então, era uma cidade de pessoas estrangeiras. Então, se eu tivesse falando com uma alemãzinha ou com um alemãozão, tanto fazia ou com um italiano, dava pra você entender, porque era formada por essas duas línguas, praticamente, mais o português, que era o que menos se falava na minha primeira infância. Depois, Rio Claro mudou totalmente. Depois da Segunda Guerra, é Segunda Guerra, né, eu nasci em 37, a Guerra acabou em 45, isso? Aí, Rio Claro teve outro estágio, gostoso, feliz, do mesmo jeito, mas mais evoluído porque aí, vieram franceses, os brasileiros mesmos, muitos de são Paulo vieram pro interior, entendeu? Então, cresceu a cidade. Aí, modifica… eu sou do começo do Brasil.
P/1 – E aí, voltando ao convento, você decidiu ser freira?
R – Não, eu fui do convento não porque eu decidi ser freira, eu fui no convento porque era uma coisa diferente, era uma coisa presa, eu nunca tinha sido orientada… orientada, não, orientada até demais, porque os meus pais eram cultos. Meu pai era um engenheiro, minha mãe também formada, então numa altura dessa, era uma coisa diferente, era uma pressão que eu não tinha tido, de comportamento de horários, sabe? Então, eu gostei logo de cara. Gostei do tratamento das freiras, gostei de muita coisa naquele convento, quase que eu virei freira.
P/1 – Você se lembra do primeiro dia no convento, dona Olga?
R – Lembro. Mas não fui… era externo, eu ia de manhã e voltava à tarde. Primeiro dia no convento, eu tinha acho que uns 12 anos, por aí. Que eu fui no ginásio, por aí que a gente vai, né, mais ou menos. Então, eu fui e entrei, tinha aquelas freiras, tudo vestidinha de preto, bonitinha, com aquelas coisas assim, eu achei lindo. É lindo, mesmo. E o comportamento, a maneira de ser, aquela rigidez, tudo me assustou logo de cara, porque não que nós fossemos… era uma família normal, certo, mas aquele comportamento do convento, falei: “Meu Deus, pra mim isso aqui é rígido, né? E é certo”. Mas o estudo lá era muito bom. A maneira das freiras, a partir do momento, a postura já contava. E era uma educação muito rígida, mas gostosa, você aprende para o resto da vida, coisa que nessa época não existe mais. Mas a pessoa se sente mais a vontade, mais gente, entendeu? É a definição de uma pessoa que viveu isso, pode ser que eu esteja errada, também, mas é uma maneira de ser gostosa também, porque você aprende muito em todos os setores, desde como lavar um alface até fazer a maior história da vida ou qualquer lição de colegial, de ginásio, tudo! Ali, eu fiquei bastante tempo, mas ia pra casa todo dia, era uma escola normal, só que a gente ia de manhã e voltava à tarde. Certo? Pra sete filhos, eu escolhi isso, não era uma coisa que era obrigatória, ,eu escolhi porque eu gostei e os meus pais eram nessa parte, não sei se é porque eles eram estrangeiros, eu não sei se é a maneira de ser, meu pai era um engenheiro químico daqueles que achavam que a criança tinha que ver e aprender tudo e se comportar direitinho.
P/1 – Qual episódio, qual história a senhora lembra com mais carinho?
R – Do convento todo, filho. Pra mim, aquilo foi uma vida. Eu passe, praticamente, o que? O tempo de primário e ginásio. Mas foi uma escola pelas freiras, e tinha umas freiras também, só freira em Rio Claro, tinham umas freiras italianas, então a gente convivia muito com elas, porque aí era nossa raça, a gente falava… raça, não, porque o brasileiro, sou muito mais brasileiro, mesmo, mas era raça no sentido de se transmitir. De ouvir, de falar. Então, era fácil falar italiano, e era muito difícil falar português, até hoje, de vez em quando eu me sinto tão do interior, que é bom, é gostoso pisar no chão de pé sem sapato. É uma delícia, mas a gente cresce. Ali, naquele convento, eu aprendi a pintura porque foi a coisa da minha vida, porque eu já pintei igrejas, quantos… quando eu olho, às vezes, uma pessoa, quando eu te vi hoje, eu lembrei do Seu José que eu pintei com esse olho aí (risos). Você entendeu? A gente reporta para o interior. A vida de velhinho não é a presente, normalmente, é a passada. Entendeu? O resto se assiste. É gostoso. É bom viver um pouco a mais.
P/1 – Você contou pra gente ali fora que tinha uma das freiras que sabia que você não ia se tornar freira também.
R – Sabia!
P/1 – Como que era isso?
R – Ela falou: “Mas você não tem jeito de freira, filha, você é viva”, eu falei: “Ué, e você não tá viva?”, nunca me esqueço disso. “Não, tem que ser uma pessoa assim, como você é, você consegue fazer tudo junto, tudo igual, nada é igual”, ela falava: “Você inova, não sei o que…”, eu olhava pra ela: “Inova? O que é isso?”, porque eu era descendente de estrangeiro, então tinham palavras que eu não entendia… até hoje, é difícil, às vezes, eu escrevo e falo, já fiz até romance, mas é difícil a gente interpretar a infância, aí passou a infância, eu resolvi que ia ser freira, meus pais não queriam. meu pai não era ateu, era até batizado, tudo, acho que no caso romano lá dele, mas ele ano queria que eu fosse freira, porque ele achava que eu era uma pessoa muito ativa e que não ia ser. “Mas eles precisam, aquilo lá tá morto” (risos). Bom, aí eu comecei ir para o ginásio, todas essas coisas, muda a vida da gente, né? Cresce, muda bastante, aí você começa a trabalhar, eu dei aula muito tempo. Primeiro, eu me formei, depois eu dei aula, depois… aí, eu casei.
P/1 – Voltando um pouquinho, dona Olga, você tava falando, antes d você sair do convento, tinha alguma… você ficou lá um bom tempo, né, você tinha alguma devoção, algum santo?
R – Todos.
P/1 – Em especial…
R – Até hoje. Isso é pra mim… tem… sabe, não é um apoio. A religião faz a gente… você não vai ter fé num santo que você não conheceu a vida, é essa a realidade. O que modifica hoje o Catolicismo do de antigamente é que você sabia a história de todos os santos. Então, não que você quisesse imita-los, mas sabia o que deu pra ele chegar lá, não que ia ser perfeito, mas simplesmente tem um plano de vida. Se você fosse admitido numa sociedade de uma maneira decente. E quem não tinha naquela época… era a minha consciência, isso, não sei se é a realidade, quem não tinha essa educação naquela época, provavelmente, ia fazer muita besteira na vida, entendeu? Então, era uma coisa diferente pra gente. Era um aprendizado que eles sabiam impor a quantidade certa para a idade certa. Hoje não tem mais isso. Depois que a gente estuda você vê a diferença que faz de uma época pra outra. Aí, a coisa fica mais a vontade. Eu não sei qual é o tempo melhor. De vez em quando, eu tenho absoluta certeza que esse nosso tempo é o melhor. Mas de vez em quando, quando você vê uma criança que tá tudo errado, você fala: “Meu Deus, É a educação”, dá um certo constrangimento na pessoa. Você fala: “Bom, mas também eu não vou consertar oi mundo, né? Eu tô de passagem, e no fim da passagem”.
P/1 – E qual foi o momento que você percebeu que você não ia mais ser freira, dona Olga?
R – Quando eu conheci o meu namorado. Não era namorado, era amigo do meu irmão. Mas era doce, um sonho de pessoa, gostoso de conversar, gostoso de viver. Aí, eu apaixonei, mas aí eu já tinha 23 anos. Eu tive uma vida de infância e de juventude muito bonita. Muito aberta, consciente, pé no chão, filhas de italiano têm que andar de… certo? maneira de ser, né, era interior. É diferente de são Paulo. Quando eu vim pra São Paulo que eu sofri. Não entendia nada de São Paulo, aqui. Aí, casei em 1962 eu casei.
P/1 – Mas você lembra como foi quando você conheceu ele?
R – Lembro. Ele era amigo do meu irmão. Ele era terno, carinhoso, bonzinho, educado, de vez em quando era malcriado, tudo que tinha direito no ser humano. Ele era normal.
P/2 – Foi lá em Rio Claro?
R – Foi lá em Rio Claro.
P/2 – Onde que foi?
R – Que eu conheci ele? Na minha casa. Meu irmão que levava os amigos pra brincar, eles eram pequenos, mas quando eu vi a primeira vez, eu achei que ele era diferente, ele era aquilo que eu talvez… a gente é criança, numa altura dessa, 14, 12, 13 anos, quando você tem, você não tem ideia do que tá acontecendo na vida, a vida é uma surpresa. É uma caixinha de surpresa.
P/1 – E como evoluiu de amigo do seu irmão para namorado?
R – Um dia, eu já tava com acho que com 20 anos, mais ou menos, a primeira vez que nós conversamos, ele era amigo do meu irmão, só. Aí, ele falou: “Eu gosto muito de você. E você gosta de mim?”, eu falei: “É lógico que eu gosto. Tô acostumado com você” “Você não quer namorar?”, eu olhei pra ele e falei: “Namorar?”, a minha intensão era ser freira. Falei: “Como você vai casar com uma freira?” “Não, mas eu sou protestante”, eu falei: “Nossa senhora, tá perdido”, brincando, conversa assim, mas a gente tinha mais amizade com as irmãs dele, por isso que a gente se conhecia. No fim das contas, a gente começou a namorar, só namorei ele, casei e vivi com ele até ele morrer. Judiação. Podia eu ter ido e ele ter ficado (risos), entendeu?
P/1 – E como foi pro seu irmão, para as irmãs dele?
R – Ah, foi bonito, eles gostaram. O meu irmão gostava muito dos amigos dele. E esse era um amigo, assim, sabe, desde a infância? Então, ele gostou, ele sabia que eu tava em boas mãos, né? E ele era mais velho, então ele tinha a consciência, né, diferença entre ele e eu eram cinco anos, então ele tinha uma vida maior que a minha, né? Mas foi bom. Valeu a pena.
P/1 – Isso em Rio Claro?
R – Tudo em Rio Claro. Nós casamos… não, aí ele já morava em São Paulo o meu marido. Aí, eu casei, já tinha estudado, já tava trabalhando, tudo. casei vim aqui pra São Paulo e fui dar aula… porque eu não tinha filhos, ainda, então fui dar aula na Associação da Criança Defeituosa. Um nome horrível, mas é real. Não sei se ainda existe. Você já ouviu falar? Era uma época que deu muita poliomielite, muita… como é que fala? Degenera a criança. E eu não lembro que irmã que falou pra mim: “Olguinha, você precisa ver aquelas crianças, você que tem bom coração, vai lá, vê e trata delas, ajuda”. Eu fui. Ai, era na época o Doutor Paulo Bonfim, o médico geral do hospital. Aí, ele me fez uma entrevista que eu imaginei que eu ano ia nem ficar, porque as criancinhas terrivelmente doentes. Aí, no outro dia, ele ligou para o meu marido: “Você podia por favor deixar ela trabalhar lá?”, ele tava muito precisando. Naquela época, ele não ia querer que eu trabalhasse, mas eu briguei e fui. E fiquei lá acho que até eu ficar grávida do meu primeiro filho. Aí, ele: “Não, chega, não pode tratar dessas crianças nessa situação”. Aí que realmente começou a minha vida quando as crianças nasceram, né, a vida de mãe, de dona de casa.
P/1 – Só pra entender, as aulas que você dava na Associação eram do que?
R – Educação Infantil.
P/1 – E você lembra da sua primeira aula, como foi? Você entrou na sala…
R – Chorei que nem uma bobinha depois que sai. Mas fiquei firme até o fim, porque não é fácil, não é fácil. Foi uma experiência que determinou a minha vida, entendeu? Tem coisas… existe alguma coisa que faz você mudar você a ser melhor ou ser pior, sabe? Existe um caminho. Por isso que eu sou católica e acredito em religião, de uma certa forma, seja ela qual for, tá? Desde que te dê o limite e uma maneira e uma sensibilidade de vida para ter compaixão, amor, ódio, tudo que você tem direito, certo?
P/1 – Mas determinou como as aulas, assim, olhando hoje para aquele período, como que você fala que mudou a sua vida?
R – Muita tristeza, filho. Uma criança que não pode ir no banheiro, você imaginou? Que tá numa cadeira de rodas, que depende de você, vaio depender o resto da vida. Aprende você a ter consciência e consideração com os outros, porque hoje você não vê mais isso, quase, certo? Você vê as pessoas na rua às vezes, tão alienadas, que você não toma consciência do que é viver. Mas se você se relaciona com uma história dessas, você simplesmente pensa: a vida não é só o que eu tô vivendo e por que eu tive esse privilegio? Eu sou saudável, jovem e esses daí não vão ter vida. Passa 20 anos… eu conheci uma daquelas crianças de muleta formado engenheiro químico. falei: “Isso Deus me fez ver”, culto, educado, gentil, casado com cinco filhos. Eu te juro que naquele dia, eu comecei a ver a vida que a gente leva, que a gente posa ter e que os outros, às vezes, alienam, deixam pra lá, não põem observação. Eu acho que a observação é o que torna a gente ou culto, ou educado, ou consciente, ou inconsciente, a escola ensina, obviamente, você pode falar Inglês, Frances, Italiano, o que você quiser, é necessário inclusive para se relacionar. Você pode saber Matemática, História, Geografia, tudo o que tem direito, mas eu acho que o relacionamento das pessoas é a coisa mais importante e a observação. Se você tá numa comunidade que você vê que tá tudo errado, procurar de alguma forma melhorar aquela situação é uma obrigação do ser humano, eu acho. Pode ser que eu esteja errada, mas eu penso assim, por isso que eu ate não fui ser freira pra ver se eu faria alguma coisa pelo mundo (risos), entendeu? Porque aí, eu ia ficar enclausurada e não poderia nem abrir a boca para falar.
P/1 – E aí, você seguiu dando aula nessa Associação até chegar a gravidez?
R – Ah, sim! E depois, eu voltei à pintura.
P/2 – Esse foi o seu primeiro trabalho, Olga?
R – Não, eu já trabalhava. Meu pai tinha uma fábrica de rebolos, então, desde pequenininha, eu já fui trabalhar com ele. Rebolos é pedra de corte, discos, como é que fala aquilo?
P/2 – Máquina de indústria?
R – Não é máquina de indústria, ele fazia os rebolos, os discos de corte. Isso, bem, é 1930 e bolinha, tá? Então, era o Brasil tava começando, meus pais eram estrangeiros, ele trabalhava na Companhia Paulista e tinha essa fábrica junto. Quando saía da Companhia, ia pra lá, ele era engenheiro ali. Então, ele era inventor, ele foi o primeiro que fez discos de corte, uma série de coisas, era um inventor maravilhoso.
P/1 – E você cuidava como? O que você fazia lá?
R – Tudo (risos), tudo não, trabalhava no escritório, né? Eu comecei muito cedo. A primeira coisa que o italiano faz é botar as meninas pra fazer corte de costura. E os meninos para aprenderem algum oficio. É uma raça especifica, então a primeira coisa que eu fiz fora de casa, fora o convento, né, foi aprender a costurar, até hoje, eu faço todas as minhas roupas. Muito raramente, eu compro uma roupa, porque acostuma, né? Eu faço desfile, fazia desfile, mas tudo grande, eu compro tudo feito. Hoje em dia não tem mais isso, mas a época era diferente, hoje você vê tudo pronto. Você vai lá e pega uma camisa, escolhe lá na… tá feito já na máquina, é outra coisa. naquele tempo, no tinha isso aí. Eu não sou tão velha, tem gente mais velha que eu, você entendeu? Mas era difícil, você tinha que aprender a costurar, cozinhar, fazer todas as coisas, porque empregada no meu tempo, não existia, quase. Você podia ter uma governanta. Meus pais tinham alguém que olhava a gente, tudo, mas diferente de hoje. Eu acho que a liberdade hoje é maravilhosa. Prejudica às vezes, porque às vezes, é em excesso. Vista por mim, porque tem gente que fala que ainda é preso, na minha época era diferente.
P/1 – Dona Olga, eu fiquei curioso em saber como foi a senhora descobrir a sua primeira gravides, descobrir que estava grávida. Você lembra disso? De falar para o seu marido?
R – Lembro. Era um tempo tão velho, filho, tão antigo. A gente tinha tão pouco… como é que pode se dizer? Não tinha liberdade de expressão como há hoje. Você sentia as coisas e quem te avisava que tava grávida era o médico. Aí, você perguntava: “E o que acontece agora?” “Você vai ter um filhinho”, é diferente. A liberdade de hoje, às vezes, é excessiva, mas é muito mais como é que eu posso dizer? Liberal, não, depende da família, de como ensina, não vai depender da pessoa. Se você tem uma família que te solta e que te deixa livre, você fica de um jeito, se você tem uma família que te pressiona e que te segura, você vai reagir de outra forma. isso vai depender… até hoje, ainda a família é a coisa mais importante que nós temos. Goste ou não, é! Por incrível que pareça. Eu tenho saudades da minha infância, da minha juventude, do meu casamento. Quando morre o marido é uma tristeza que você não faz ideia. Tem, 20 anos e pouco que eu tô sem o meu marido e ainda eu sinto como se tivesse ontem ele ido embora. de vez em quando, ainda vejo, sabe quando você vê a pessoa? Por exemplo, tô fazendo uma comida que ele gostava, às vezes, você até esquece, sabe que na hora de servir você quer servir a comidinha? Eu falo: “Ele não tá mais aqui para comer”, é gostoso. Mas viver muito também não é muito bom, não. Você fica com muitas lembranças boas e uma vida normal, sabe, não é que é diferente, posso fazer uma série de coisas, eu faço a pintura pra poder ir longe, então cada tela, você bota na tela, você coloca na tela o que você gostaria de ver, de viver, você sinhá. Se o ser humano perder a vontade de sonhar, ele tem que arrumar outro processo. Eu arrumei a minha pintura já desde pequena eu fazia isso. Mas é o que dá, como dizia o meu pai que era italiano, “Sustancia la vita”, né, porque você cria os filhos, eles crescem, você fica… São Paulo também é uma cidade em que você não tem muitas amizades, essa é uma realidade. Então, para ver qualquer pessoa que é minha amiga, eu tenho que sair de ônibus, metro, ano sei o que… às vezes, na idade que eu tô, não dá pra ficar saindo sozinha. Eu sou meio ceguinha, eu deixei o óculos lá, agora eu não tô vendo muito bem vocês (risos). Mas é isso.
P/1 – Mas voltando um pouquinho, seu filho nasceu, que é um momento bem marcante, como que foi isso? Como que mudou a sua vida? Conta um pouquinho pra gente?
R – Mudou que eu trabalhava na Associação, eu tive que parar, né, e mudara vida. E a coisa mais linda que pode existir na vida de um ser humano e especialmente mulher, é você ter um filho. Muda a tua vida. De repente, você não existe quase mais, porque aquela doçura, aquela meiguice das crianças, eu tive um logo atrás do outro, diferença de um pra um, do menino pra menina, um ano e três meses, então a vida preenche. Valeu a pena casar, vale a pena ter os filhos, porque aí, eu comecei, realmente, viver, sabe? Viver sem pensar naquilo, simplesmente a minha vida. Hoje casar, eu não sei se é igual, mas deve ser melhor ainda, tá? Porque na hora que você tem um compromisso com as crianças, você cresce, porque você tem que ter responsabilidade, cuidar tudo direitinho e procurar para que eles estudem, eles cresçam, eles façam faculdade, tudo o que tem direito. E até chegar nesse ponto, você já passou 20 anos da vida, você não vê, você não vê, sabe? Fica uma coisa nas saudades. É bom viver, é triste ficar velhinho, mas as lembranças sustentam. Essas coisas boas da vida sustenta até a velhice. Realmente, porque você lembra de tudo isso e nunca um ser humano deve chegar nos 70, 80 e falar: “Tô velho”, não, inventa coisa pra fazer. Muda o jeito de pintar, se é uma pintora, como no meu caso, muda o esquema de vida, muda a maneira de fazer a comida, renova. Cada dez anos, a gente ser uma renovada na vida, tô falando pra vocês que são crianças, tá? De dez em dez anos, vocês derem uma renovada na vida, não precisa mudar nada, nem de esposa, nem de filho, nem nada disso, continuar com a mesma coisa, mas dar uma renovada. Seu emprego é ruim? Tchau, se a vida tá ruim, melhore, como melhorar? Você vai ter que estudar o que você gosta de fazer, porque quem faz o que não gosta não chega em lugar nenhum. Essa é a realidade. Isso é uma velhinha falando uma história de vida, não sei se é boa, se é ruim, mas é a que eu vivi.
P/1 – E eu queria perguntar, nossa, acabou de ter o filho, nos primeiros meses descobriu quer tava grávida de novo. Como que foi esse período, esses meses, assim?
R – Era normal naquela época. Você tinha um atrás do outro pra criar os dois relativamente juntos e serem amigos. Era uma coisa proporcional à época. Hoje, as mães têm um, dali dez anos, tem outro. Então fica com duas etapas diferentes. Naquele tempo, era mais ou menos condicionado, eu ano sei se é o tratamento italiano, desentende dos alemães, italianos que era diferente ou o brasileiro também procede dessa forma, mas deve ser. Eu sou brasileira e aí de quem falar que eu não sou (risos), certo? mas tive a educação diferente dos outros. Isso modifica alguma coisa na vida da gente, não sei se é para o bem ou se é para o mal, mas a gente se torna uma pessoa… como que eu posso dizer? Não sei, mais adulta dentro das idades.
P/1 – E deu certo? Eles ficaram, amigos?
R – Quem?
P/1 – Os seus dois filhos? Eles cresceram juntos e deu certo?
R – Cresceram juntos. São amigos até hoje, nossa senhora, são irmãos, né? Porque irmãos não tem jeito, é irmão. E o carinho, o entendimento foi criado junto. É raro existir uma família que tenha irmãos diferentes, é raro. Mas tem, mas normalmente, a família procede da mesma forma.
P/1 – Você não contou pra gente os nomes deles, Olga.
R – De quem? José Carlos Ribeiro dos Santos e Raquel Ribeiro dos Santos. São os meus filhos.
P/1 – Por que você escolheu esses nomes pra eles? Você e o seu marido?
R – Meu marido gostava, ele punha os nomes, eu não tive alternativa. Mas em todo caso, eles gostam dos nomes e o menino né o nome do pai, né? E a menina, Olga eu achava muito feio, então Raquel é bem mais bonitinho, não é? Olga é um nome muito estrangeiro, tem poucas nesse Brasil. Então, eu achei que era melhor pôr Raquel que era lindinho.
P/1 – Mas ele que escolheu? Você escolheria diferente ou…?
R – Não, nós escolhemos juntos. Eu pus Raquel porque ele queria e eu queria também. Era um nome diferente pra gente, bonitinho, curto.
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho, que você falou como conheceu ele, mas você não falou como foi o casamento. Como foi o dia do seu casamento?
R – O casamento foi muito engraçado pelo o seguinte, eu era católica, ia ser freira, de família católica, meu pai era ateu, mas minha mãe era muito católica. Mas eu sempre ficava muito dividida em relação a religião, por isso que fui pro convento pra saber o que eu queria ser. Desde pequenininha, eu tinha essa mania de querer saber… a época era diferente, você tinha opção de escolher, hoje não tem, né? Hoje nasce, cresce… eu vejo, tem que seguir a coisa de uma forma que às vezes, nem é a pessoa, pessoa. A gente não tem tempo, especialmente em São Paulo. Não dá tempo pra gente pensar. Do que nós estamos falando?
P/1 – Do dia do seu casamento.
R – Ele era protestante e eu ia ser freira. Você fez uma ideia? Então, ele não ia querer casar na igreja minha e eu não ia querer casar na igreja dele. Eu não entendia nada, eu fui freira, como é que eu ia na igreja dele? Mas eu gostava muito dele e gosto até hoje, ele já morreu faz quase 20 anos e eu ainda sinto falta dele, imagina o quanto eu devera gostar, né? E numa altura dessa, nós resolvemos que íamos casar em casa, porque naquela época era moderno. Ainda tinha essa de modernismo, sabe, era uma casa grande, né, que comportava um casamento e tinha aquele estilo todo chique, então foi lá que nós casamos, o padre vai em casa, a gente recebe todas as pessoas, faz uma grande festa. Foi isso.
P/1 – Você falou que foi engraçado. Falou que o seu casamento foi bem engraçado, teve algum momento que você lembra que foi divertido? Como é que foi?
R – Porque é dentro de casa, pra gente era uma novidade, você entendeu? dentro de casa, com liberdade, conversando com todos os parentes que vieram todos, e os meus parentes, normalmente, eram mais estrangeiros do que portugueses, então aquela liberdade de italianada, né? E fica tudo a vontade, fica uma festa feliz.
P/1 – O padre foi católico ou protestante?
R – Católico. E o meu marido aguentou firme. Depois aí, nós fizemos uma espécie de uma... o pastor também foi na festa. Rio Claro é uma cidade… interior, normalmente, todo mundo se conhece e todo mundo apoia e a gente era querida, graças a Deus, então era uma festa que valia a pena fazer em casa. E foi muito bom e nós éramos uma família muito grande, sete filhos e todo mundo casou assim, lá. Na igreja assim, aquela coisa, só o primeiro, o meu irmão mais velho, que fez aquele casamento, que a mãe queria o casamento na igreja. O padre na minha casa, era tudo italiano, eles iam em casa fazer as coisas, entendeu? Era diferente. Então, aquela… mas eu entrei de vestido de noiva, tudo bonitinha, etc. Fui vestir minhas roupas tudo na modista, lá, que fez o tal do vestido de noiva. Foi bonito. Tempo passa, filho, vocês me fizeram dar uma volta nesse mundo de 80… 80 não, dez. Aos dez anos, você tem uma consciência geral, certo? Então, 70 anos atrás vocês me levaram.
P/1 – Você falou que o nome do seu filho é o mesmo do seu marido, você não falou o nome do seu marido.
R – José Carlos Ribeiro dos Santos.
P/1 – e depois do casamento, teve lua de mel?
R – Teve lua de mel, a gente foi… eu não lembro. Ah…
P/1 – Você chamava ele de José ou de Carlos?
R – Juquinha.
P/1 – De Juquinha?
R – É. Era o meu Juquinha. Oh, saudades dos tempos. A gente podia voltar a atrás, né, devia ir até os 50 e depois dar uma retorcida e voltar a fazer o que queria da vida.
P/1 – Eu tenho uma pergunta. Você falou que depois do casamento que vocês vieram pra São Paulo, né?
R – Aham.
P/1 – Como que foi vim de Rio Claro para São Paulo? O que a senhora sentiu dessa mudança?
R – Pra mim foi um pouco impactante porque eu falei pra ele que eu queria trabalhar, porque eu sempre trabalhava, né, eu tomava conta de uma indústria, eu não ia ficar sem fazer nada ou esperando ele chegar só com o almocinho. Almocinho pra mim era coisa de fazer rápido e pronto. Bem feitinho, caprichado. Mas a dificuldade minha… o que você perguntou?
P/1 – Vim de Rio Claro para São Paulo, oque você sentiu?
R – A diferença é grande, filho. Interior e interior, São Paulo é são Paulo. São Paulo você… é uma transeunte a vida toda. Você trafega no meio… trafega não, porque não sou carro, mas você anda no meio das pessoas de uma maneira geral, mas você não conhece quase ninguém. Então, por mais que você more num lugar como… eu vim morar no Brooklin, era um lugarzinho bem requintado, gostoso, ele sabia escolher as coisas dele, meu marido. Era um lugar gostoso, um sobradinho muito elegante, gostoso de se morar, pro tempo anterior. Ele existe ainda, de vez em quando, eu passo lá só para matar as saudades, porque as saudades é uma coisa difícil de aguentar, filho. Saudades de quem morreu é triste que você não faz ideia.
P/1 – Qual foi a primeira impressão? Você lembra de você chegar em São Paulo pela primeira vez, assim? Qual foi a primeira impressão que você teve da cidade?
R – Eu já tinha vindo há muito tempo, né, eu fazia uns cursos, essas coisas aqui. Mas a impressão que eu tive de escolher. Antes, eu falei pra ele: “Eu não vou lugar em lugar que seja ruim pra mim, porque eu tô acostumada no interior e a ter liberdade”, aí ele escolheu o Brooklin, que ele já trabalhava no Brooklin, ele falou: “Ali é gostoso e você vai se sentir em Rio Claro”. Então, eu cheguei, moramos num sobradinho muito gostoso, ali no Brooklin moravam muitos alemães e italianos, por isso que ele escolheu. Ele era dócil, sabia as coisas.
P/1 – Essa que é a casinha?
R – Essa era a casinha.
P/1 – Como que era a casinha? Você pode descrever pra mim?
R – Não, a casinha era outra.
P/1 – Outra?
R – É. Ali, eu tive as duas crianças no Brooklin. Mas era alugado. Aí, nessa altura tanto eu trabalhando, quanto ele, nós fizemos uma casinha na Chácara… como é que chama ali? Aí, como é que chama, meu Deus?
P/1 – Klabin?
R – Não, é santo Amaro, para o lado de lá.
P/2 – Flora, não é?
R – É, perto da Chácara Flora, é junto. Era um lugar que era assim, tinha bastante arvores, era uma coisa de rio Claro, interior. Uma chácara mesmo, uma espécie de chácara Santo Antônio, sei lá como é que chama, não era… como você falou?
P/2 – Flora?
R – É. Flora. Era perto ali. Muito gostoso. Lugar gostoso, arborizado, feliz e lá eu construí a minha vida, total, porque as crianças nasceram no Brooklin, mas porque o sobrado era pequeno, a gente foi pra casa maior pra poder cria-los com liberdade.
P/1 – E como era essa casa?
R – Era uma casa normal que a gente construiu, assim, sabe? Vamos lá, vamos construir, estavam vendendo os terrenos e estavam abrindo aquela situação de casas. Muito bom, valeu. Eu não posso dizer que eu fui infeliz, porque eu seria uma mentirosa. Eu fui muito feliz, tive uma vida simples, estudei muito na vida, mas tive uma vida simples, gostosa. Um marido bom, uns filhos maravilhosos, se eu reclamar da vida eu vou mentir pra vocês.
P/1 – E as crianças gostavam da casa?
R – Gostavam. Gostavam, sim. Gostavam muito da casa. sabe que a gente perde a referência para falar muito das crianças, porque quando eles são pequenininhos, você corre, corre, corre, depois cada um toma um caminho (risos), você já… agora a Raquel tá solteira comigo, né, então a gente vive mais, mas o menino… eu tenho dois bisnetos, coisinha mais linda! Você precisava ver que coisa fofa, lindos. Eu tenho dois bisnetos, tenho um neto que me deu dois bisnetos. João Pedro, é um artista.
P/1 – Mas na casinha, o que as crianças gostavam de fazer? Como é que elas brincavam?
R – Brincavam de tudo, filho. Tinha rua, por isso que eu gostava de morar no Brooklin, tinha rua, tinha amigos, certo? Jogava bola, menino é de futebol, de brincar. Sempre foi… ele foi muito… como é que eu posso dizer? Ele é uma pessoa culta, muito educado, muito bacana. A Raquel também, muito bacana. Eu não tenho o que reclamar da minha vida, filho. Se eu for embora amanhã , eu fiz o que eu tinha que fazer da melhor maneira que eu poderia.
P/1 – Então vocês mudaram pra casinha e aí, você começou a pintar…
R – Não, já pintava, filho.
P/1 – E aí, como é que era? Você pintava em casa? Você tinha um ateliê?
R – Não, eu dava aula. Dei aula muitos anos. Tive muitos alunos. tem gente que é um absurdo que eu encontro na rua e falo: “Misericórdia”, vem me abraçar e eu não conheço mais, porque eles eram mocinhos e eu tô velhinha, então agora hoje, quase que equivale as idades, por causa do tamanho, o rosto não, porque eles são jovens, ainda. Mas eu não tenho nem noção de quantas pessoas eu dei aula na vida. Só na Associação… acho que uns dez anos atrás, eu vi uma senhorinha de muleta no metro, e eu fui lá para ajudar, mas ela era uma senhorinha bem mais nova que eu, tá? Ela falou: “Por que você tá me ajudando, Dona Olga?”, eu olhei bem: “Você não tá lembrada de mim?”, ela falou: “Nossa, quanto você me carregou. Você me levava pra lá e pra cá, você nem deixava eu ficar andando, porque as muletas travavam, dava do, né?”, ali, eu comecei a ver a vida realmente. Porque é nessa hora que você tá se doando e que você aprende. Eu falei: “não lembro nada”, não é que eu não lembrasse, mas a vida passa, a pessoa muda, você não reconhece mais. Então, de vez em quando, a gente tem uma surpresa com 80 anos, como dessa senhora, como uma professora que eu tive, ela era tão menina no convento. Ela era menina, e de repente, eu tô na estrada, na estrada, o carro parou e nós resolvemos fazer um lanche e veio uma pessoa toda com o braço aberto, falei: “Meu deus do céu, quem é essa mulher”, né? “Tive a alegria te ver outra vez na vida”, eu falei: “ Me desculpe, mas eu já tô com 80”, foi no ano passado “Eu já tô com 80”, ela falou: “E daí? É a mesma pessoa”, eu falei: “Ah tá! E você?, aí ela falou. Era uma menininha que eu sempre tratei bem, cuidei, ajudei crescer, vizinha, de uma família muito pobre e que hoje é milionária. Você vê como a vida é? Eu não pude imaginar aquela criança crescer e ficar aquela senhora. Eu continuo simples, mas ela tava toda chique, sabe? Então, você fala: “Ué, da onde eu conheço? Entendeu? Quem nasce no interior, vai ser sempre simples, não muda nunca, filho, nem que você se esforce, que você faca faculdade, que você faca tudo que tem direito, mas aquela essência do interior fica. Você vê a vida de um patamar diferente. Aqui em são Paulo, a pessoa é muito rígida. Contar a história deles? Eu vejo pelos meus filhos, escola, escola, escola, casa, criança, criança, criança. E vai em frente, é pouca essência para o ser humano, é muita correria, eu posso estar errada, espero que não. realmente, eu espero que não, que seja uma maneira da época, né? Da vida.
P/1 – Mas você estava em casa cuidando das crianças e quando você decidiu voltara trabalhar? A dar aula?
R – Eu nunca parei, bem. Mesmo com as crianças. Eu nunca parei pelo fato justamente de eu estar passando uma coisa que normalmente não se passa aqui no Brasil, que é uma profissão além de fazer comida, é lógico, eu adoro fazer comida, se eu pudesse, eu tinha ido para uma escola de fazer comida, não sei como é que fala aqui.
P/1 – Culinária. Que prato que você mais gosta de fazer?
R – Tudo italiano. Você gosta de comida… não, italiana, brasileira, qualquer um, mas tem uns que eu não entendo.
P/1 – Então, você gosta de massa?
R – Adoro fazer uma massinha. Não tem nem unha pintada, que é pra ficar tudo limpinho e fazer uma massinha.
P/1 – E você falou que você nunca parou porque você ensinar era valioso, ali. Qual é pra você o valor da pintura? Por que ela é importante?
R – Porque ela é um paliativo. Eu considero a pintura… pra mim, é uma coisa, tô dizendo para ensinar. Eu acho que uma criança que faz alguma coisa a mais, ou pintura, ou escultura, qualquer tipo de arte, ela depois quando cresce, ela tem mais criatividade. Ela não vai só da escola pra casa, da casa pra escola, só trabalho pra… fica muito monótono e sem essência na vida. Então, seja pintura, seja música, eu estudei música também um pouco. Os meus pais eram estrangeiros, então eles punham a gente na escola para ter uma… de maneira geral, uma orientação da vida, preá você saber o que vem a ser. Se de repente, você não casasse, que eu ia ser freira, que eles falaram que nunca eu ia dar freira, que eu era boa pra criar as crianças, que eu olhava os meus irmãozinhos, né? Então, eles sabiam pra que a gente tinha vocação ou não. Mas de qualquer forma, eu posso dizer que a vida é muito bonita desde que você tenha consciência do que você tá vivendo. Isso é importante. Consciência se você é feliz. Como ser feliz? Não é querendo o que os outros têm, não é querendo viver a vida de alguém, é querendo viver a sua vida, planejando ela. Eu vou ser isso, então eu vou estudar isso. Se eu não estudei isso, se eu não tive chance, se eu não tive oportunidade, eu vou fazer isso, isso da minha vida. Você entendeu? Hoje em dia, as crianças têm toda a chance de estudar, fazer uma faculdade. na minha época, não. Você tinha que escolher o que queria fazer, então por que eu fui para o convento? porque lá eu teria uma profissão para o resto da minha vida que é a pintura. mas eu não tinha consciência disso, mas os meus pais induziram, porque viam que eu gostava de desenhar. Então, eu acho que a atitude dos pais influencia muito no que vai ser o filho no futuro.
P/1 – E aí, você falou da importância da pintura para as crianças, mas pra você, então, pintar é?
R – Até hoje, é alegria, é uma festa pra mim, pintar, entendeu? Quando eu faço todo o meu serviço, não tenho empregada, nunca tive, cuido da casa, deixo tudo bonitinho e depois, eu tô livre, tá tudo no lugar. Aí, como que fala? Em italiano é fazer a estação dos horários, você entendeu? Você planeja pra ter um tempo seu. Esse planejamento dá liberdade de você ter uma profissão. Então, a casa tem que estar bonitinha, as panelas ariadinhas, tudo bonitinho, comidinha feita na hora, bem gostosinha, uns bons raviólis, tudo feito em casa, mas com gosto. Se a pessoa não tem gosto de fazer as coisas na vida, não é vida. Tem que gostar do que tá fazendo. Eu, por exemplo, gosto de cozinhar, gostei muito tempo de escrever, já cheguei até a escrever um monte de histórias e tudo. Como aluna, eu era uma pessoa especial, não era uma pessoinha, não, não gosto de me engrandecer, mas eu acho que eu devia ser bem, porque eu era bem tratada (risos). Hoje eu vejo, você entendeu? Eu vejo os professores de hoje, a classe enche de aluno, acho que não dá nem tempo de você olhar uma criança e ver se ela tá precisando de alguma ajuda. Quantas crianças? Cinquenta? Dá para ver? Mas o mundo cresceu e eu não vou consertar isso, então eu espero morrer, voltar, mas não perder a consciência (risos).
P/1 – Dona Olga, no meio de tudo isso, o mundo crescendo, as crianças também estavam crescendo, como que foi acompanhar tudo isso? A Raquel…
R – Ah, foi lindo! É muito rápido. É uma coisa tão rápida e tão necessária na vida, eles crescem… você quer que eles estudem, é obvio, o menino fez faculdade da USP, a menina fez faculdade, os dois estudaram, os dois são formados, de uma forma geral, educados na parte literária, escrita, da evolução. Você tem que dar tudo certinho, brincar com eles quando eles são pequenininhos, é brincar mesmo. É sentar no chão, não é: “Não, não faz isso”, não, é brincar. Ensinar. Vai andar de carrinho? Pra que derrubar o carrinho? Carrinho é pra andar. Pode até virar ele do avesso, ele vai ter que uma hora cair, mesmo, entendeu? mas é ser normal, é brincar, é brincar com a criança como se estivesse mesmo brincando de criança, conversar e chega uma idade que eles estão a fim de conversar, então você sonda, né? Pra ver se tá tudo bem. É gostoso viver. Eu acho que de uma maneira geral, a vida é curta, a gente devia ter um plano para sentar depois e ficar olhando tudo bonitinho e falar: “Vou mudar isso, aquilo” e ter chance de mudar, porque a gente também faz coisa que não devia, não existe gente que nasceu perfeito, nem Jesus Cristo, ainda botaram ele na cruz. mas de uma maneira geral, eu acho que a vida é isso.
P/1 – Mas se você tivesse a chance de mudar, o que você mudaria?
R – Na minha vida? Nada. Eu gostei de viver isso, realmente. Não sei se todas as pessoas chegam nesse ponto, mas acho que sim. A gente só tem consciência, pra falar a verdade, vocês que são crianças, depois dos 70. Aí você começa a pensar: meu Deus, a minha infância foi assim, assado, assado… minha juventude foi assim, assim, assado… eu fui uma pessoa feliz, a somatória, 90% da pessoa que tem 80 anos foi feliz. Às vezes, reclama de barriga cheia, tá? Como diz o italiano. Essa é uma entrevista que eu acho que vocês nunca deram, porque é uma mulher que fala muito e italiano, descendente, então é isso aí.
P/2 – Eu queria perguntar mais umas coisinhas pra você, Dona Olga, mas vai ser rapidinho. Da pintura, o que você gosta mais de pintar? Que temas você gosta?
R – Eu gosto muito da natureza. Eu adoro o frio, fazer… eu tenho uma memória que se eu vir hoje um palácio, daqui a 20 anos, eu sei o que eu vi, você entendeu? Isso que me repontua a fazer a pintura, porque eu guardo. A sua fisionomia, por exemplo, vai ficar na minha cabeça muito tempo e a dele também. E olha que eu enxergo pouco, hein! Imagina se eu enxergasse bastante! Eu já nasci com…
P/2 – Teve algum quadro, uma obra sua que você mais gostou de fazer?
R – Eu gostei quando eu era pequena, nas freiras. Essas freiras foram uma essência na minha vida. Nós pitávamos… por exemplo, abriu uma igreja nova, tá? Então, eles faziam como é que chama aquilo? Acho que era andaime, era um negócio que subia junto com a gente, com cordas… não, era aquela corrente, então pra mim, aquilo era festa, subir naquela corrente era uma festa. A pintura, nem, valia, você entendeu? Pra mim. Então, eu subia com a irmã. De repente, ela tava fazendo o menino Jesus, tá? E aí, ela falava… eram todas italianas: “Figliola, faz os olhinhos”, quer dizer, não vou falar italiano, porque senão complica tudo, “Faz os olhinhos”, então o meu oficio era chegar lá e fazer os olhinhos azuis do menino Jesus, por exemplo, ou a boquinha da Santa ano sei o que… então, começou com as coisas pequenininhas e de repente, quando já tava vendo, já tava fazendo festa inteira da igreja. Aí, eu resolvi ser freira, porque eu achava que era lindo aquilo. Então, eu tive a liberdade de ser e existir, que os meus pais me deram, porque com o fato de eu estar nas freiras, deixava eles um pouquinho sossegado. As freiras, então, precisavam da minha habilidade que eu nem sabia se eu tinha ou se eu não tinha, mas hoje, se eu for lá naquela igreja e tiver ainda uma pintura minha, eu falo: “Será que fui eu que fiz?”, você entendeu? Então era uma coisa que nasceu, acho. Como eu tive parentes tipo Michelangelo, essas coisas na vida, acho que de alguma forma, passa, né?
P/2 – E tem alguma obra de outra pessoa que pra você é uma grande referência? Algum quadro de alguém que você gosta demais, assim?
R – Gosto de tanta coisa, tudo. Tudo, mas Michelangelo pra mim é o maior especialista. Acho que depois dele, com religião… porque são quadros de religião. Agora é lógico, tem uma enormidade de pessoas… eu dei aula, assim, desde… imagina flores, nossa senhora! Eu fui na Associação, que o Doutor Paulo Bonfim pediu pra mim, para dar umas aulinhas pras crianças que têm um futuro, um experiência de pinceis, porque às vezes, eles não andavam, mas tinham umas luzinhas de cabeça que é o importante para a pintura, então era o essencial para eles, por isso que eu fui lá. Aí, quando eu engravidei, ficou horrível no sentido de deixar as crianças, mas feliz pra mim que eu tinha os meus, entendeu? É difícil viver e ter que organizar vessas partes na vida durante a juventude, que nem vocês que são jovens, de repente, o impacto na vida, fico nessa coisa: “Você vai ter o seu filho, é seu”, entendeu?
P/2 – Eu queria fazer outra pergunta também, Dona Olga, e aí eu acho que é uma pergunta um pouco mais delicada, se você não quiser responder, sem problemas também, eu queria saber quando foi quando você perdeu o Juquinha.
R – Aí, foi uma desgraça real. Nem gosto de falar. O Juquinha pra mim era a vida da minha vida, aí você começa a morrer aos poucos, mas como você tem os filhos pra criar, essas coisas todas, você toca a vida.
P/2 – Vamos sair da parte ruim e vamos lembrar um pouquinho, o que você mais sente falta do Juquinha?
R – Carinho, atenção, delicadeza, sabe um ser humano lindo? Eu tive sorte, se eu reclamar da vida, te juro que eu tô mentindo. Eu tinha tudo pra ser infeliz, porque eu nasci segundo o Doutor não sei das quantas, disse que eu era epiléptica, então eu tinha convulsão. Eu eliminei isso logo não primeiros dez anos da minha vida, sem querer. Quando eu via que ia ter aquilo, ficava durinha, quietinha no cantinho sem se mexer, e sem deixar ninguém perceber, (risos) eu lembro disso como se fosse hoje e aos pouquinhos, eu tirei isso da minha vida e nunca mais eu tive, você entendeu? Era uma maneira de ser muito do meu pai e da minha mãe: “Não, Olga, você não precisa mostrar”. A convulsão você não controla, você sai do ar. Então, eu perguntava para a menina que tava na minha frente: “Como que eu fiquei?” “Você ficou assim, assado…”, e era sempre uma coisa que eu não gostava, eu não queria ter e não tive mais. O Doutor acho que era paulino Longo, não sei, que era um neurologista falou que não tinha visto caso igual de uma pessoa não querer ter e conseguir eliminar uma doença que foi… porque eu nasci justamente na época em que a minha mãe (corte no áudio). Então, acho que a tristeza, angustia… ainda perder um menino e nasceu uma mulher (risos), naquela época tinha essa… hoje em dia, você nasce as crianças, você não… o mundo não é só dos homens ou só das mulheres, ele é um conjunto geral, mas tinha uma maneira de ser, né, hoje olha, quem nasceu e agora tem 20, 20 e poucos anos devia ser muito feliz, não que eu fui infeliz, você entendeu? Mas a trajetória, quando vocês tiverem 80, vocês vão ver. Às vezes, a gente perde muito tempo pensando o que eu vou fazer da vida, faz e depois resolve, tá? Quer estudar? Quando eu quero fazer um curso, você precisa reinventar de falar… Frances eu sei, mas vamos dizer, russo, vamos dizer, eu vu lá e me matriculo, você entendeu? Por que eu não posso fazer? Essa é a liberdade de viver, não se escravizar e não escravizar os outros. Liberdade de ser correto é o essencial pra vida ser gostosa.
P/1 – Dona Olga, a gente falou dos quadros que você gostava, então aproveitando que estava falando do Juquinha, qual era o prato favorito dele? E das crianças também.
R – Até hoje é nhoque, ravióli, lasanha, arroz e feijão, eu faço, eu adoro arroz e feijão, justamente quem faz é ao contrário, né, quem faz esses pratos não gosta muito deles, porque passou a vida comendo eles, certo? Você gosta de novidade. por exemplo, pra mim, feijoada é a coisa mais chique do mundo, tá? Aí, meu Deus do céu, não posso nem falar, deu fome. Agora, ravióli pra mim é a mesma coisa que fazer como o brasileiro faz, eu sou brasileira, nasci em Rio Claro, Estado de São Paulo, é a mesma coisa que fazer arroz e feijão… não sei, não é… tem que ter uma elaboração na coisa, tempo, gostoso ter um tempo, saber que você fez uma coisa gostosa, uma lasanha, mas não uma lasanha com três fatias de… tem que fazer a massa em casa, aí ela tem outro gosto, precisa por dentro, ano aquele macarrão comprado. Bom, tem coisa prática e tem coisa que pra gente é prático, dos antigos e dos modernos não é. Comprado feito, pra mim é difícil, mas tem gente que gosta daquilo, eu não poso mudar o mundo. O mundo muda a gente.
P/1 – E você falou várias vezes do gosto que você tem por apreender e…
R – Ah, passei a vida inteira. Todo mundo tem que ter.
P/1 – Ainda hoje tem alguma coisa que você quer aprender?
R – Aí filho, se fizer uma lista não tem fim.
P/1 – Quais seriam os primeiros itens, assim?
R – Eu gostaria muito, muito mesmo se eu tivesse tempo e cabeça, porque preciosa ter cabeça, porque chega numa hora em que você não é amis aquela pessoa que lê um negócio e fica para dez anos, você lê, acabou de ler, virou… revista, por exemplo, eu sempre gostei da mídia, de uma maneira geral, ou de revista, ou de jornal, é uma maneira de você estar sempre por dentro de tudo, tá? Ler um jornalzinho, ler uma revista, uma revista atual e uma antiga e comparar. A comparação é muito boa quando vocês estão nessa idade, você vê o que você via de criança, o que você gostava, o que você gosta hoje, comparação pessoal, tá? Quando eu tinha 12 anos, o que eu fazia? Fazia isso, aquilo e aquilo outro. O que eu gostava? Isso, aquilo e aquilo outro. Você percebe que durante a sua vida, a mudança sua é muito pequena. Então, se você vir que tá muito pequena, você tem que ampliar, é obvio, você tem que fazer ela ficar bem maior, então o que às vezes é estudo, às vezes é viagem, às vezes, é um trabalho diferente. Sabe-se lá! Toda pessoa arruma um jeito de mudar. Então, tem um ciclo na vida de todas as pessoas, não é uma sequência onde… é um ciclo, você fala: “Cansei disso” e chega essa hora, você fala: “Nunca vai chegar”, chega filho.
P/1 – Mas o que você queria aprender? Você falou que tava com muita vontade…
R – Ah, eu gostaria de aprender muita coisa, filho, eu gostaria… a primeira coisa que eu pudesse, se eu tivesse que nascer outra vez, eu queria fazer Medicina, melhorar a situação (risos). Não sou contra nada, tá tudo bem, eu tô viva, é sinal que u fui bem tratada, certo? Com 80. Não posso reclamar, seria injusto, mas eu gostaria de fazer uma especialidade pro ser humano, qualquer que fosse, que eu pudesse devolver o que eu ganhei nessa vida, se é que a gente tivesse chance, né? Mas ninguém veio contar pra mim até agora, por mais que eu fosse freira, estudasse pra chuchu religião, não que eu descreio, não, adoro o que eu fiz. Se pudesse nascer, talvez eu quisesse nascer a própria Olga.
P/1 – E os sonhos, quais sonhos você tem?
R – Com 80 anos? Ter saúde. Física, a te a gente releva, mas mental é necessário que a gente tenha ela sempre equilibrada e pra isso, filho, existe só uma receita: comer bem, não exagerado, nunca passei dessa… não pode ficar muito gorda, tá? Porque aí, parece que a comida come a tua inteligência (risos), não é isso, mas a comida faz… não sei, tem que comer coisas boas, gostosas, bem feitas, caprichadas. Nhoque tem gosto de nhoque, lasanha tem de lasanha, arroz e feijão tem de arroz e feijão. Tem gente que faz uma comida que a vida inteira aquela comida parece a mesma, não, tem que mudar. Comida é essencial, passear, eu não posso dizer que eu passeie muito nessa vida, tá, muita diversão eu ano tive, eu criei crianças minhas, criei família, do meu marido, corri, andei, sou uma pessoa normal. Completamente normal. Nem sei porque eu tô fazendo essa entrevista. falei amis do que a minha boca.
P/1 – Você ano sabe, mas o que você achou?
R – Da entrevista?
P/1 – Isso. O que você achou de estar aqui batendo esse papo coma gente?
R – Filho, eu nunca fiz isso, ainda não tenho o que eu achei, mas eu achei muito bom falar, nunca abri a boca para falar tanto. Acho que vocês são extremamente simpáticos, amáveis, deixaram uma velhinha falar o tempo todo, não interferiram e parece que eu sou… ave, nem sou eu (risos), da pra entender?
P/1 – E ainda tem amis alguma coisa que você queira falar que a gente ano perguntou e você queria colocar?
R – Não, eu falei mais que a boca, eu te disse (risos).
P/1 – Então, foi uma honra, agradeço. Obrigado.
R – Eu que agradeço vocês. Eu desejo de coração que vocês continuem fazendo isso, porque é uma liberdade de expressão diferente das demais. É contar a história da sua vida com duas crianças agradáveis, amáveis e que fazem a gente falar além do que é a intensão.
P/1 – Muito obrigado, Dona Olga.
FINAL DA ENTREVISTA
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