P/1 – Tonhão, você fala pra mim então o seu nome completo, local e data de nascimento pra ficar registrado.
R – Correto. Meu nome é Antônio Pereira de Azevedo. Nasci em 13 de outubro de 1958 em São Paulo. Mas meus pais são de Minas, aqui do sul de Minas, da cidade de Camanducaia. Mas eu nasci em São Paulo porque antes de eu nascer meus pais vieram pra cá. E eu tive uma infância boa parte em São Paulo, depois, na adolescência, uma parte eu morei no Vale do Ribeira, devido à profissão do meu pai, caminhoneiro, ele fazia estradas, então ele não parava na cidade, né? Ele trabalhou na BR-116 e conforme a estrada ia se adiantando até chegar no Paraná, até Curitiba, nós fomos morando em várias cidades do Vale do Ribeira. Uma delas foi Miracatu, onde eu morei muito tempo, morei mais de cinco anos lá. Morei também uma mais pra frente, que hoje é uma cidade muito grande que chama Registro e morei quase na divisa de Curitiba, que é Barra do Turvo. Depois a estrada acabou, nós retornamos a São Paulo e meu pai já mudou o ramo, ele vendeu o caminhão e mudou para um táxi.
P/1 – Antes de você continuar eu queria voltar um pouco. Você fala o nome do seu pai, local e data de nascimento também.
R – Meu pai chama Oswaldo Pereira de Azevedo, ele é hoje falecido. A minha mãe ainda é viva, graças a Deus, é Luzia Pereira de Azevedo, hoje ela mora no interior também, na cidade de Miracatu. Meu pai, eu tenho muita saudade porque hoje eu sou um homem íntegro e eu aprendi muito com ele e com os meus tios, um deles que fundou essa loja aqui, que é meu tio Afonso. Então toda a minha vida foi ligada ao comércio. Eu entrei logo no comércio, fui ser ajudante na loja, uma das primeiras lojas foi na rua Santa Rosa e trabalhamos com meu tio e meus primos, esses que agora são donos aqui, eles também eram pequenos e começaram a trabalhar lá. E vinha o queijo de Minas e começou, São Paulo a vários setores atacadistas de queijo em geral, começou a ficar mais aqui, centrou aqui na zona cerealista, entre as casas da Laticínios Liberdade, Laticínios Vencedor, que é um dos fundadores, Casa Flora. Tinha um outro também que chamava Carvalho, era uma outra casa. Então acabou ficando todos eles aqui na região, onde eu também fiquei trabalhando desde pequeno junto com eles. Conforme eu fui crescendo fui fazendo outros tipos de funções dentro da loja, no começo era office-boy, naquele tempo ainda tinha, fiquei uma parte de office-boy e depois já comecei, quando eu peguei uma idade maior, quase 18 anos, já passando pra maioridade eu já entrei no balcão mesmo pra servir o pessoal, servir o povo no dia a dia.
PAUSA
P/1 – Antes de você entrar na parte que você vira comerciante e tal eu queria falar um pouco da sua infância e dos seus pais. Então seu pai nasceu em que cidade de Minas?
R – Meu pai nasceu em Camanducaia e minha mãe também. É Sul de Minas, é uma média de 140, 150 quilômetros daqui de São Paulo. E eles foram criados no sítio, na roça. Meu avô era tirador de leite junto com meus tios e eles tinham uma linha de leite que puxava do sítio até Camanducaia. E de Camanducaia puxava pra São Paulo, o leite já pasteurizado e feito queijo, onde nasceu também o Laticínios Camanducaia e o Laticínios Vencedor devido ao nome da cidade.
P/1 – E você sabe como sua mãe e seu pai se conheceram?
R – Meu pai e minha mãe são primos.
P/1 – Ah, é?
R – É. Porque lá no sítio, chamava Pinhalzinho, as famílias eram quase todas uma perto da outra, então a minha mãe era prima do meu pai, conhecia toda a família do meu pai, meu avô Ramiro, tal, que era a outra família, dos Teixeiras, e o meu pai é a família dos Pereira. Os dois eram primos porque a minha avó é irmã da mãe do meu pai então é tudo parente. Aí acabou, se conheceram mais e melhor e lá em Minas tem isso, as famílias sempre casam um com outro mais perto. Minha mãe e meu pai casaram e os dois eram primos legítimos.
P/1 – E a família toda fazia esse trabalho?
R – A maioria era plantação, ali é uma região que dá um pouco de milho, mas a maioria era leite. Então era agropecuária, cada um tinha lá seu gado, tal, tirava o leite e esse meu tio já passava recolhendo com os burros, nos tonéis de alumínio, já trazia o leite até na cidade e lá no laticínio já pasteurizava e virava queijo e já mandava pra São Paulo.
PAUSA
P/1 – Você sabe por que sua família veio pra São Paulo? Por que eles mudaram?
R – Em parte veio porque lá a produção de tudo girava em torno do leite, questão de vaca e tal, mas era aquilo, não tinha uma perspectiva melhor. Então eles vieram pra melhorar a vida e acabaram ficando. Vieram pra fazer uma coisa, vieram pra trabalhar no setor de queijo mesmo. Só que na roça é aquilo, você trabalha só aquele x e não sai daquilo. E São Paulo todo mundo na época, agora já mudou um pouco o pensamento, mas na época todo mundo que vinha pra cá progredia, todo mundo chegava aqui com uma mão na frente e outra atrás, acabava progredindo, conseguia fazer as coisas, conseguia ter um imóvel, ter um carro e foi isso que trouxe eles mais pra cá.
P/1 – Em que ano eles chegaram aqui, você sabe?
R – Meu pai e minha mãe vieram pra cá, como eu nasci em 58, eles vieram pra cá um pouquinho antes de eu nascer. Acho que vieram em 1955 e em 58 eu nasci, eles já estavam com três anos aqui. E de lá pra cá ficaram sempre.
P/1 – Você tem quantos irmãos?
R – Eu tenho três irmãos. Um é do meio, 54 anos. E como eu falei pra você do meu pai andar pela estrada e ir até o Paraná, o meu irmão mais novo nasceu no Paraná, na cidade de Campo Largo, que meu pai já estava lá numas obras em Campo Largo, que é mais ou menos uns 60 quilômetros de Curitiba, então ele nasceu nessa cidade. E o outro irmão, quando nós voltamos pra cá, que é o do meio, já nasceu aqui.
P/1 – E você como está nessa escadinha?
R – Eu sou o primeiro, eu sou o mais velho.
P/1 – Então você tem mais dois irmãos, é isso?
R – Dois irmãos mais novos.
P/1 – Qual é o nome deles?
R – O meu irmão do meio é Aldo, Aldo Fernando, e o mais novo é Aparecido. Por ele ter nascido pequenininho, tudo, todo mundo pôs o apelido dele de Nenzinho.
P/1 – Ah, é?
R – É, nenzinho, nenzinho. “Esse neném seu é pequeno” “Ah, parece um nenenzinho, nenzinho”, aí pegou o nome, Nenzinho. E ninguém conhece ele como Aparecido. Quando alguém chama ele de Aparecido ele mesmo fala: “Quem será?” (risos). Quando ele vai em algum lugar e a pessoa acaba chamando por nome, ele: “Não, é eu mesmo”. Então, pegou esse apelido de Nenzinho e ficou.
P/1 – E qual é a história do seu nome?
R – O meu nome é Antônio Pereira. Eu nasci dia 13, minha mãe e meu pai muito religiosos, Santo Antônio, então 13 é o dia de Santo Antônio. Eu nasci dia 13 no Hospital Santo Antônio no Tucuruvi e fui batizado na Igreja de Santo Antônio da Vila Mazzei, então tudo isso levou o meu nome Antônio. Minha mãe é católica, então Antônio de Santo Antônio, no dia 13.
P/1 – E como é que foi crescer em São Paulo? Você disse que viajou muito, mas até que idade mais ou menos você ficou em São Paulo?
R – Eu fiquei em São Paulo a minha infância. Naquela época era uma coisa mais light, era mais tranquilo, você brincava na rua até de noite, saía rodando pneu de caminhão na rua, então era muito mais tranquilo, hoje em dia não tem nem como fazer o que a gente fazia.
P/1 – Que bairro que era?
R – Na Zona Norte mesmo, Vila Mazzei. Nós fomos criados na Vila Mazzei e até hoje eu moro lá. Então nós fomos criados nesse estilo, ficava sossegada a minha mãe. Até os 14, 15 anos.
P/1 – Era na Vila Mazzei.
R – Na Vila Mazzei. Como o pai teve que começar a estrada, começou a fazer e quando estava aqui em Embu dava pra ele vir pra casa. Quando chegou em Juquitiba, que já é uma cidade mais pra frente, já não dava porque dava duas horas de São Paulo, ele já tinha que ficar lá. E quando foi pra outra cidade mais longe a minha mãe falou: “Vamos mudar”, porque às vezes meu pai ficava uma semana, dez dias, pra compensar ele vir em casa, foi quando eu mudei de São Paulo, com 15 anos, 16 anos mais ou menos.
P/1 – Mas vamos falar um pouquinho desse período na Vila Mazzei ainda. Como é que era a Vila Mazzei naquela época? O que tinha pra fazer lá?
R – A Vila Mazzei era simples demais, eu morava na Mario Pernambuco com a Sezefredo Fagundes. O fundo da casa do meu pai era um terreno baldio e toda hora tinha uma coisa diferente, uma hora era um circo, outra hora era um parque, então a gente dava a volta por trás e já saía no parque, parque de diversão, roda gigante, mas coisa mais antiga, mais simples. Mas de vez em quando era um circo mais simples, uma coisinha mais... porque o espaço não era grande. Então o divertimento nosso era esse. Ou senão às vezes, quando eu já peguei um pouco mais de entendimento da coisa, a gente ia pra Santana também, que era o lugar de dar uma passeada, naquela época tinha discoteca, né?
P/1 – É?
R – É, em Santana tinha uma discoteca chamada Macacos, a gente ia nessa discoteca. Ou às vezes a gente ia no outro bairro grudado ao Jardim Tremembé, que tem um clube chamado Acre, tinha a domingueira, então a gente já entendia o que era, já estava quase namorando. A gente ia nesse clube que tinha a domingueira toda, até umas onze e meia, meia-noite. Hoje em dia o pessoal passa a noite toda na rua, na balada, né? Hoje eu tenho sobrinha que quando eu vou ver ela está saindo dez horas da noite. Antigamente não, onze horas, meia-noite já estava indo de volta. Hoje parece que dez horas estão saindo pra balada, né?
P/1 – Eu queria depois chegar nessa questão da juventude, que é mais adolescência. Mas na sua infância você falou que brincava de algumas coisas na Vila Mazzei. Do que mais você brincava lá?
R – Naquela época não tinha muita bicicleta, a gente tinha uma bicicleta meio simples, Caloi, a Forte. Como não tinha dinheiro o meu pai no máximo conseguiu comprar uma, andava em três. E tinha também um pouco de bolinha de gude, a gente tinha lá entre nós um pouco de jogo de bola, que pra trás onde eu moro tinha um bairro que chama-se Palmas do Tremembé, mas era tudo aberto, então a gente jogava uma bola lá, jogava outras coisas, empinava pipa, era muito bom. Todo mundo ia lá, já ia pras Palmas pra empinar pipa porque o lugar era aberto, como um parque mas aberto. Em geral é mais ou menos isso.
P/1 – Tinha alguma brincadeira que você gostava mais ou não?
R – Como eu era um pouquinho inibido eu gostava mais das brincadeiras tipo assim, mais de infância mesmo, esconde-esconde era uma brincadeira que a gente gostava, de muita conversa eu não era muito, eu era muito inibido, acanhado, não conseguia falar muito na hora.
P/1 – E como é que era a escola? Qual foi a primeira escola que você frequentou?
R – Estudei no Rafael de Moraes Lima, que é um dos colégios que tinha nas Palmas do Tremembé, o primeiro colégio era o Rafael de Moraes. E depois na frente tinha o Cardoso. Do Rafael de Moraes eu lembro que nós fizemos do primeiro até o quarto ano. Só que naquela época você saía do grupo e pra passar pro ginásio você tinha que fazer um ano de admissão, hoje seria um vestibular, entendeu? Então você fazia um ano de admissão, aí você pega o diploma dessa escola particular de admissão, levava, se a sua média fosse oito, nove, você entrava nesse colégio, no Cardoso. Se fosse sete, seis, cinco, você já ia para um colégio mais longe. Já ia pro Jardim Joamar, já ia lá pra Cantão, então a briga da minha mãe era a gente tirar média boa porque esse Cardoso era pertinho de casa, saía dele, já caía na Sezefredo, dava pra ir a pé, primeira rua já é onde a minha mãe mora, que é a Mario Pernambuco, né? Então a briga era a gente ter uma média boa pra ficar no colégio perto de casa, porque a média se fosse no Cardoso não entrava, se você tivesse média menor de sete, que seria 70 na época, lá você não entra. Você teria que chegar com o diploma lá da Admissão: “Qual é a média?” “É tal”, então tudo bem. Menos de 70 você tinha que procurar outro colégio, mais longe um pouco, em um outro bairro mais pra frente, Jardim Joamar, Bortolândia, aí mais pra frente.
P/1 – Você conseguiu tirar nota?
R – Tirei. Eu estudei nesse colégio. E é onde esse meu primo, que é dono da loja aqui, também estudou lá, também se formou lá, tirou o segundo grau completo, que era o colegial naquela época.
P/1 – Você estudou até o fim nesse Cardoso?
R – Estudamos até o terceiro colegial. Não, minto, teve uma época que não sei se eu repeti e na época não podia repetir, aí eu fui estudar no Silva Jardim, é um colégio que tem no Tucuruvi, quando acaba o metrô hoje, é um colégio bem em cima do morro. Porque não podia repetir também, naquela época se você repetisse você perdia a vaga, só podia entrar em outro colégio. Aí a minha mãe conseguiu esse Silva Jardim.
P/1 – Como era você na escola? Você estudava muito, gostava de alguma matéria?
R – Primeiro de tudo eu sempre tive problema de visão.
P/1 – Ah, é?
R – Você vê que eu uso óculos desde quando nasci, então... a história não é bem quando eu nasci, minha mãe diz que eu tinha uns sete anos, mais ou menos, meu pai tinha um caminhão basculante e eu subi no caminhão, escorreguei e caí lá de cima e bati um pouco. Aí oftalmologista na época falou: “Olha, em vez dessa batida dele, ele causou problema na vista, essa dorzinha de cabeça dele é da visão, então ele vai ter que usar óculos”, eu comecei a usar óculos desde pequeno, uns cinco anos, seis anos no máximo. E de lá pra cá onde eu vou eu tenho que ficar na frente. Não no cinema, né, porque no cinema tem uma tela enorme, mas se é uma palestra ou um teatro, até a voz eu escuto bem, mas a pessoa ali não enxergo bem. Então na escola eu sempre estudei na primeira carteira, sempre na primeira fila e tal e na época os caras falavam: “Ah, não sei o quê, você é caxias”, porque naquele tempo quem estudava na frente a professora chamava pra apagar o quadro da lousa, pra passar alguma lição na lousa, tal. Eu sempre tive uma letra bonita, naquela época eu tive caligrafia, tinha aula de caligrafia. Você pegava um caderno de caligrafia e comprava junto, com o material escolar vinha o caderno de caligrafia. E aí a pessoa vai ter que fazer tal nome, tal nome, tal nome e eu tive muita aula de caligrafia. E fui escrevendo também bastante e como eu sentava na frente a professora chamava. Ela ficava sentada lá e eu bá bá bá, preenchendo a lousa toda. Não acho ruim, não, porque eu aprendi muita coisa, eu gosto muito de História do Brasil e tudo e a aula que mais escreve na lousa é a aula de História. História, Geografia. Matemática nem tanto porque o professor mesmo escreve porque são contas. Mas História, Geografia, Estudos Sociais, na época tinha Estudos Sociais, tudo isso é a lousa toda.
P/1 – E você que escrevia.
R – Escrevia. A professora dava lá e eu ia escrevendo e tal e quem estava sentado tinha que copiar. E eu levava a chance que ela dava para eu levar pra casa porque eu não podia copiar porque eu já estava fazendo na sala. Então dentro da sala de aula eu sempre sentei na frente, né? Eu até gostava um pouquinho de bagunça, tal. Minha mãe nem tanto, mas meu pai era meio rígido, então ele sempre estava acompanhando a gente e naquela época tinha reunião dos pais, hoje eu não sei se tem muito, mas meu pai, às vezes ele ia, minha mãe ia. Chegava lá: “Como é que está aí, tal?”, e nós apanhávamos. Só não apanhava na Semana Santa, sexta-feira: “Seu pai foi na escola, a coisa ficou feia pro seu lado. Você estava fazendo bagunça lá”. Eu tinha um irmão que bagunçava muito. E às vezes a pessoa confundia eu com ele: “Mas hoje vocês não vão apanhar, não, porque hoje é Sexta-feira Santa”. Mas Sábado de Aleluia já tinha uma vara lá. Verdade, já estava esperando a gente lá pra acertar o que nós fizemos errado. Então eu evitava também de fazer muita bagunça, ser destaque em bagunça, tentava ser destaque de coisa boa, né, porque destaque de bagunça sobrava lá em casa, porque a professora não falava pra mim, ela ia falar pra diretora, aí a diretora punha o nome meu lá; quando tinha reunião dos pais: “Quem é pai do Antônio Pereira?” “Ah, ele” “Ele tava bom, tal, mas de vez em quando faz uma baguncinha”. Quando chegava em casa meu pai: “Que negócio é esse? Você só estuda, chega lá e vai bagunçar?”, a gente meio que maneirava dentro da sala de aula.
P/1 – Mas teve alguma bagunça grande que você fez que te marcou?
R – Eu era muito acanhado, essa história eu até não gosto muito de contar porque eu cheguei a ter até um apelido. Eu era muito acanhado e eu tinha uma professora japonesa, não sei se era Português, ela era muito brava. Quando ela entrava ninguém abria a boca, ela já ia. Naquela época você levantava a mão pra pedir pra ir no banheiro. E como eu olhei, o menino já tinha pedido pra ir no banheiro, o outro também já tinha pedido e ela já estava com saco cheio daquilo lá. E eu fiquei envergonhado de pedir, acabei fazendo nas calças e aí, nossa, aquilo foi uma zoeira danada porque eu saí da aula e fui embora e todo mundo junto e aí pegou o apelido de mijão, né? Aí: “Ó o mijão, ó o mijão!”, mas eu ficava bravo. O apelido pega quando a pessoa fica brava, se alguém por um apelido em você e você nem esquentar a cabeça tudo bem, mas se você ficar bravo, aí que ele pega, entendeu? E aí Mijão, Mijão, ficou o maior tempo isso aí. Por quê? Porque eu era acanhado, já estava com medo da mulher, de falar com ela, acabei mijando na calça. E antes de acabar a aula uma menina lá: “Ó, o Antônio mijou na calça”. Aí, nossa senhora, foi uma zoeira danada, molhou a carteira, nossa senhora! E naquela época as carteiras eram geminadas, eram com duas pessoas, entendeu? Aí quem sentou do meu lado saiu e foi sentar lá pra trás. E a professora: “Por que você saiu daí?” “Não, mijou aqui. Como é que eu vou ficar do lado dele?”. Aí foi uma zoeira danada. Mas coisa da gente ser inibido, entendeu, e acaba acontecendo isso aí.
P/1 – E que série foi que aconteceu isso?
R – Acho que foi no segundo ano, segundo ou terceiro ano.
P/1 – Você tinha o quê, oito anos?
R – Ah, nove anos no máximo. O meu pai era meio rígido. Ele era bom, mas ele e minha mãe, a gente ia em qualquer lugar, num aniversário, tudo, enquanto ele não olhasse pra gente pegar alguma coisa, podia passar a noite toda ali a gente não punha a mão, entendeu? Então a gente foi criado numa coisa respeitosa. Mesma coisa na sala. Então como eu me senti, eu olhei: “Pô, o menino já pediu pra ir, o outro também já pediu, eu vou pedir?”, acabei fazendo essa sujeira na sala, mas foi engraçado. Na época eu não achava muita graça porque onde eu ia todo mundo: “Ô mijão” e ficou uma época isso daí.
P/1 – Ficou muito tempo?
R – Ficou quase um ano isso daí. Aí quando a gente muda de sala alguns encontravam comigo e sabiam, mas na outra sala já não sabia mais. E eu já tava meio, quando eu via aquela povo que tinha estudado na mesma sala comigo eu já desviava (risos).
P/1 – E você tem o quê, miopia, astigmatismo, o que é?
R – Eu tenho miopia numa vista. Eu tenho tudo na vista, miopia, astigmatismo. Sem óculos eu até enxergo normal, fica um pouquinho de vulto, mas pra ler ou pra enxergar melhor tem que por o óculos, não tem como. Teve um dia há não muito tempo, com essa chuvarada a minha sogra mora numa escada e lá embaixo mora uma cunhada. A minha sogra estava lá embaixo e a minha mulher, aquele negócio, compra as coisas pra ela e compra pra mãe, comprou duas jaquetonas de jeans mais ou menos da cor dessa blusa sua com capuz e estava chovendo. Aí a minha sogra começou a tirar uma roupa da minha cunhada do varal e eu achando que era minha mulher. E eu: “Bem, foi tudo bem hoje?”, e fui puxando, quando eu vi era minha sogra. Eu falei: “Minha nossa! Ô dona Cida, me desculpe!” e é a vista. E tinha acabado de chover e estava meio embaçada a vista, meio escuro e quando eu vi era a minha sogra. Porque ela comprou uma blusa pra ela e pra mãe, igualzinha, de jeans e com capuz. E minha mulher tinha quase o corpo da minha sogra, assim, as duas são parecidas, eu acabei me confundindo. Mas na hora eu fiquei numa vergonha, rapaz! Vixi maria! Eu tenho até hoje o maior respeito pela minha sogra, considero ela como uma segunda mãe minha, até minha mãe eu não vejo toda vez, mas todo dia estou vendo minha sogra. A minha mãe, por ela morar no interior eu acabo demorando mais tempo pra ver.
P/1 – E como era isso na infância? Você estava sempre de óculos?
R – Ah, sim! Esse ainda é moderno, eu usava aqueles óculos quadradões. E era uma briga porque eu gostava de jogar bola, quando acabava pega o óculos, deixava lá no pé do gol e acabava o jogo, tal, vamos pra lá, lá ficava o óculos. Quando voltava não estava mais. Ia lá nadar no rio, ou ia lá, tinha um clube no Tucuruvi, a gente ia lá, eu guardava os óculos num canto e daqui a pouco esquecia. Não dá pra calcular, minha mãe não sabe nem calcular, mas a cada um, dois anos tinha que fazer um óculos. Porque eu perdia mesmo, perdia de deixar num canto, deixar no outro, ia dormir na casa de uma tia. Só lembrava do óculos depois que eu estava longe de lá, porque eu andava sem o óculos, não tinha problema. Mas na hora acabava esquecendo. E quebrava também, né? Uma certa vez meu irmão estava namorando uma menina e ela chegou no portão. E aí eu brinquei com a menina e ela ficou brava comigo. Eu entrei. Meu irmão era muito bom de pontaria, sabe, de jogar as coisas. Eu entrei pra dentro de casa porque ele correu atrás de mim. Entrei e me tranquei lá no banheiro, tal. Eu estou quieto lá, demorou. Eu falei: “Ah, ele já esqueceu, já deve estar calmo”. Quando eu abri a porta ele estava com uma batata, mandou a batata, pegou bem no meio do óculos e quebrou bem aqui. E se pega na minha vista? Tinha furado a minha vista com lente e tudo. Quebrou bem aqui assim. E pra explicar pro meu pai depois? Apanhou os dois, né? Primeiro de tudo apanhou os dois. Depois lá vai minha mãe fazer outro óculos de novo. Mas é coisa que, a vida, né?
P/1 – E como era você e seus irmãos? Vocês se davam bem?
R – A gente se dava bem. Mas irmão é aquilo, quando um estava quieto dois estavam brigando, quando um estava sem fazer nada o outro perturbava. Na época era um pouco mais difícil, na minha infância. Hoje a minha neta já comeu tudo quanto é coisa de doce, de iogurte, de doces em geral e tudo, com nove anos. Eu não, um Leite Moça era uma briga, minha mãe não comprava, minha mãe comprava só o básico. Então quando ela comprava o Leite Moça a gente escondia. Esse meu irmão que era mais esperto, ele furava, chupava o leite moça, uma época ele escondeu e meu pai bateu em nós três. Ele escondeu num canto da cama e encheu de formiga. E aí minha mãe: “Cadê o Leite Moça para eu fazer o doce?”, aí o meu outro irmão que pra não apanhar entregava todo mundo: “Ah, o Aldo guardou lá em tal lugar, mãe, e eu acho que está com formiga, não vai dar pra senhora fazer doce nenhum”. A minha mãe foi lá pegar no canto da cama escondido lá e leite moça cheio de formiga dentro. Daí naquela já apanhou todo mundo. “Por que você escondeu?” “Pro Antônio não pegar, pro Nenzinho não pegar” e acabava apanhando todo mundo. Mas em geral irmão é aquilo, né, se você está longe você sente saudade, se está perto você quer bater, né? Então é desse jeito (risos). Na infância, né, depois vai crescendo, casou, cada um seguiu mais o seu caminho. Até depois da adolescência um pouco, um ficou mais perto do outro, mas quando casou já fica mais distante, cada um já tem uma casa, um canto e já muda um pouco a noção. Mas na infância, nossa senhora, só Deus. Não dormia, não dormia.
P/1 – Sério?
R – Era briga de chinelo. Meu pai entrava no quarto, ficava tudo quieto. Ele virava, esse meu irmão Aldo pegava o chinelo e bum na cama. Eu falava: “Meu Deus do céu” e é uma briga danada. Mas no geral normal.
P/1 – Vocês faziam tudo junto.
R – Tudo. Sempre, sempre.
P/1 – Andava pra lá, jogava bola, pulava no rio.
R – Esse meu irmão do meio não era muito de jogar bola, o Aldo não gostava muito, não. O outro até gostava um pouco, mas mais era eu. O outro brincava mais em casa. Quando a gente saía para um lugar não muito longe a gente sempre ia junto pra ter uma companhia. Tipo na rua de casa não dava pra brincar muito de pipa devido à fiação e tal, minha mãe não gostava. Então a gente ia nessas Palmas, que é um lugar aberto, aberto, aberto. Imagina um lugar aberto. Então a fiação era longe. A gente ficava junto e soltava pipa o dia todo. Depois das aulas, de sábado, nas férias, o negócio era soltar pipa, fazer cortante e assim ia.
P/1 – E como é que foi crescer nessa casa de vocês, como é que ela era?
R – Tanto meu pai como minha mãe eram muito unidos com a família, a família ia muito na casa da minha mãe. Meus tios por parte da minha mãe, meus tios por parte do meu pai iam muito na casa do meu pai. Essa casa do meu pai no Jardim Tremembé era uma casa grande, com um quintal grande, então, tudo quanto é festividade fazia na casa da minha mãe. Era festa junina, meu pai fazia as três. Fazia Santo Antônio por eu ter nascido, fazia São João porque já estava no meio e São Pedro devido ao tio, pai do seu Luiz, chamava Pedro, então: “Vamos fazer por causa do tio Afonso”, o nome dele é Afonso, mas o nome certo é Pedro. Então dava pra fazer as festas juninas na casa do meu pai porque era um quintal muito grande e dava pra fazer fogueira. A minha mãe e as minhas tias, uma fazia uma coisa, outra fazia pipoca, a outra fazia pamonha, fazia batata doce, então, todo mundo se unia. E a mesma coisa no fim do ano, quando chegava no fim do ano, Natal, era na casa da minha mãe, todos os irmãos vinham, irmão de Minas, minha mãe tinha três ou quatro irmãos em Minas, agora só tem um no Vale do Ribeira, mas vinham todos os irmãos dela. E do meu pai a mesma coisa porque uns já moravam aqui em São Paulo, então se reunia tudo lá porque sabia que os outros iam estar lá, entendeu? Então: “Ó, nós estamos aqui na casa da Luzia” “Ah, então vamos passar aí”, às vezes tinha irmão que fazia tempo que não via o outro, um morava em Minas e o outro morava no Vale do Ribeira, então esse vinha pra casa da minha mãe porque a casa da minha mãe é no meio, aqui em São Paulo. Então, os que moravam no Vale do Ribeira vinham até São Paulo, os que moravam em Minas vinham até São Paulo, acabava se reunindo tudo junto.
P/1 – Entendi.
R – E todo mundo gostava porque era uma coisa muito boa, chegava a ter 50, 60 pessoas na casa da minha mãe, tanto época junina como fim de ano, todo mundo ia pra casa da minha mãe. Isso diminuiu bastante quando meus avós começaram a falecer, depois quando meu pai veio a falecer, aí já perdeu aquele tom de todo mundo estar lá, mas todo mundo ia na casa da minha mãe. Até minhas primas e tias que tinham problema de saúde, tal, quando tinham que vir aqui pro HC, o Hospital das Clínicas, que até hoje ainda é referência pra eles se tratarem, alguma coisa, eles vinham dormir na minha mãe. Tinha outras tias e tal, mas gostavam da minha mãe. Eu lembro que a casa da minha mãe tinha quatro quartos, sala e tal, ela jogava um colchão aqui dormia uma aqui, dormia uma ali, tal. Mesma coisa nas festas, quem não quisesse ir embora podia dormir que sempre tinha lugar pra dormir.
P/1 – E você se lembra quando você assistiu TV pela primeira vez, como é que foi?
R – TV...
P/1 – Você tinha.
R – Era muito engraçado, não é engraçado, a gente apanhava.
P/1 – Ah, é?
R – É, porque a televisão era seletor, então você tinha que virar lá e a gente não tinha paciência. A gente estava assistindo com meu pai, meus irmãos, tal: “Ah, não quero ver isso daqui”, pá pá pá e virava de uma vez pra lá, pra cá, até que quebrava. Aí meu pai já vinha: “Quem quebrou, quem quebrou?” “Ah, foi o Aldo” “Ah, foi o Antônio” “Ah, foi o Nenzinho”. Apanhava os três porque a gente não tinha dinheiro pra arrumar e ele tinha que arrumar. E tinha um tio meu, que é falecido e que Deus o tenha, chamava tio Zé, corintiano roxo, roxo, roxo. E uma vez ele foi na casa do meu pai assistir jogo lá, porque não tinha televisão na casa dele e meu pai já tinha, televisão preto e branco, e a gente não era muito de assistir jogo, queria assistir Tarzan, Zastras, tal. E quando meu tio disfarçava o meu pai pra ir em qualquer lugar lá nós ia e pá, mudava o canal. Aí meu tio: “Ô Oswaldo, os meninos já tiraram do jogo”. Aí meu pai ia e pá pá, a gente saía correndo. Então o seletor foi um dos grandes problemas. Hoje, controle remoto pra tudo quanto era lado, mas na época era seletor. Eu ainda tenho um pouquinho de paciência, mas esse meu irmão que é a cem por hora, o do meio, ele virava de uma vez. Na época tinha canal 13, o 5, acho que tinha a Gazeta e o canal 4 no máximo, não sei, tinha uns cinco canais só. Ele daqui virava no último, prá. Aí o cara quando ia arrumar: “Ô, seu Oswaldo, o senhor tem que diminuir, isso daqui é devagar, você pá. É seletor, pá, mudou” “Mas não é eu não, é esses trens aqui” “Não pode virar de uma vez, aqui tem uma ignição, um negócio aqui, quebra tudo, entorta tudo”. Mas era muito. E aí na época começou a aparecer, um pouquinho longe, televisão colorida, né? Mas não nós podia. O que a gente fazia? A gente viu uns primos fazerem, eles compravam um tipo de um celofane, um papel, meio esverdeado. Minha mãe não achou ruim não, a gente colocava na televisão, ficava meio colorido, sabe? Porque não tinha televisão colorida. Então a gente punha aquele papel verde lá, ficava mais ou menos como se fosse uma televisão colorida. Mas era muito engraçado.
P/1 – Vocês assistiam o quê?
R – Na minha infância a gente gostava muito do Batman. Hoje eu vejo e falo: “Mas eu era criança mesmo”. Ele nunca apanhava, né, ele só batia. Batman, Robin, Tarzan. Nossa senhora. E no comecinho da Globo o Zastras, que foi a Globo que trouxe, né? Então tinha o programa do Zastras e no meio do programa sempre tinha os desenhos. Era o Tarzan, um pouco na época já apareceu o Pica-Pau, o Jaspion. Nossa, hoje eu vejo Jaspion: “Como é que eu acreditava num negócio desses? O cara derrubava cada monstro só com um pedaço de raio ou um soco”. Ultraman é um absurdo, né? Nesses dias eu vi, o meu filho consegue mudar lá e põe, ele dá uma olhada na internet lá e puxa Ultraman, algum filme, alguma coisa e fala: “O pai acreditava nesse negócio?”, agora que eu vejo como era a ideia da criança, né? E nós assistíamos direto.
P/1 – E rádio, vocês ouviam muito? Música?
R – Quem mais ouvia rádio era o meu pai, meu pai era um pouco mais de rádio. Ele por ser mineiro gostava muito de música de viola, música caipira, ele gostava muito do Mario Zan, um grande sanfoneiro. Então, como meu pai levantava muito cedo, quatro e meia, cinco horas ele saía, no máximo cinco e meia ele estava saindo, então já punha aquelas modas antigas, Tonico e Tinoco e essa moda de viola, né? Então a parte do rádio era mais ele que ouvia, que era essa parte de música caipira. Mario Zan foi um dos grandes sanfoneiros que teve, meu pai tinha LP do Mario Zan, porque ele gostava muito. E a gente não era muito vidrado em rádio. Eu fui pegar um pouco mais de gosto por rádio quando eu comecei a pegar um pouco mais de adolescência, que muitas coisas a gente pegava no rádio e logo já veio rádio FM, que nem a rádio Antena 1 é uma das rádios primordiais, tem muitos anos. Eu era jovem ainda e já tinha a rádio Antena 1. É onde eu já comprei meu carrinho, eu tive um SP2, era um carrinho meio esquisito, é pequenininho, baixinho, aí eu me ligava mais no carro, em casa não era muito de ouvir rádio, era mais no carro.
P/1 – E esses LPs e tal, vocês ouviam também? Você cresceu ouvindo.
R – Minha mãe tinha uma vitrola, na época chamava vitrola. Nossa senhora, lá punha tudo quanto é coisa. Aí meu irmão puxou um pouquinho pro lado rock, eu também gostava, então Led Zeppelin. De vez em quando a gente punha lá, quando a minha mãe se enchia o saco ela ia desligar tudo, mas a gente escutava de tudo, tanto samba, Roberto Carlos, rock, Led Zeppelin e mais alguns tipos de gêneros que a gente escutava na época. Mas tinha muito LP. Mas como não tivemos a infância maior, cada um já não demorou muito e casou, na nossa casa que a gente foi ter outro tipo de LP e tal.
P/1 – E você estava lá com 14 anos na Vila Mazzei você já tinha tido algum namorinho ou fazer alguma coisa desse tipo?
R – Tinha lá uma menina que na época ela me ensinou a beijar, porque eu não sabia beijar. A gente estudava no Silva Jardim, o colégio tinha um corredorzinho assim, então a brincadeira era assim: as meninas ficavam de um lado e do outro do corredor e os meninos passavam no meio, na hora do recreio. A gente sabia quem passava ali ganhava beijo. Aí onde eu pá, falei pro meu primo: “Vamos lá, a gente passa no meio, as meninas estão beijando”. Eu já me animei e fui pra lá. Nem lembro o nome da menina mais, Isaura, não sei, era um negócio esquisito. Sei que ela me pegou, tal, eu tinha o cabelo meio arrepiado: “Vem cá, arrepiado!” e naquela brincadeira, dá beijo. Onde eu aprendi a beijar e ela beijava bem pra caramba, acabei ficando um pouquinho com ela, mas naquela época você namorava uma semana com uma, já começou a aprender a namorar, já pegava outra e não era de firmar muito tempo, não.
P/1 – Isso em São Paulo ainda.
R – Aqui ainda. Lá no interior eu já tinha uma noção, já namorava seis meses, dependendo. Agora aqui não, aqui é bem adolescente mesmo, estava aprendendo quase tudo.
P/1 – E com 14 anos vocês se mudaram pra onde?
R – Com 15 anos nós quase fomos para o Vale do Ribeira, que é quase o Sul, sentido Paraná. Lá eu passei uma boa infância também, infância com a juventude, com 19 anos, 20 anos. Aprendi a nadar lá na marra, porque em Miracatu tem um rio que passa no fundo da cidade. Muito antigamente a cidade era virada pro rio, até a igreja é virada pro rio, então eu aprendi a nadar nesse rio, quase meio na marra. Minha mãe ficava doida porque a gente jogava boia, aquelas boias de pneu de caminhão, amarrava uma corda naquelas mangueiras, uma mangueira enorme lá, amarrava a corda lá, saía no pique e caía lá no meio do rio, já em cima da boia. Mas eu não sabia nadar. E quando eu caí a boia foi embora, aí eu dei uns gritos lá e tal, na época eu lembro, até hoje não esqueço disso, o rapaz chamava Antônio Camargo, ele pegou e puxou eu com a mão, que ele estava numa boia, segurou eu e falou: “Você é louco? Você não aprendeu a nadar ainda e já vai pular no meio do rio?”, daí me puxou e graças a Deus não aconteceu nada de grave. Mas dali eu aprendi a nadar porque o rio tem corrente, então se você não nadar ele leva você embora lá embaixo. Você pulava aqui, dois minutos e você já estava lá embaixo, então você tinha que aprender a nadar quase na marra pra você chegar na margem e sair onde você estava, entendeu? Onde eu aprendi a nadar muito foi nesse rio de Miracatu, que é no vale do Ribeira, ele vai parar lá em Registro.
P/1 – E como era a cidade de Miracatu?
R – Miracatu era uma cidadezinha boa, na época uma cidade que não tinha muita gente, não tinha tanta função à noite, só de sábado e domingo que tinha aqueles bailinhos, tinha um clube atrás da igreja lá e o pessoal punha lá uma música e a gente ia dançar e tal. E as festas tradicionais da cidade, aniversário da cidade, festa junina. E festas comemorativas do ano, né? Tipo sete de setembro, essas coisas assim.
P/1 – E era muito diferente de São Paulo, você sentiu?
R – Ah, bem, bem, diferente. Era bem mais tranquila. Até hoje lá, lá é um verão muito forte, não tinha tanta necessidade de usar uma roupa mais, uma camisa de manga, de gola, terno, então nós fomos criados mais de bermuda, de chinelo, que é uma cidade quente. E todo mundo conhece todo mundo. Às vezes você estava lá numa estrada e: “Rapaz, eu vou a pé mesmo”, daqui a pouco passava um conhecido, você já não estava indo a pé mais, ele já levava você, sabia quem você era, sabia da sua família. Então era bom por causa disso, porque o conhecimento era todo mundo junto, uma família conhecia a outra em geral. Meus tios também são de lá até hoje, tinha um tio que era muito famoso lá e conhecido por toda cidade, quase meio político, então: “Você que é sobrinho do Juvenal?”, então todo mundo sabia da gente. Bom, também era ruim porque não podia fazer tanta coisa errada, fazia alguma coisa errada: “Ó, quem fez isso aí foi o sobrinho do Juvenal”. Maneirava, mas por ser conhecido de todo mundo você não se apertava em locomover de um lugar pra outro, que sempre tem um conhecido passando perto e te levava. Em São Paulo é diferente, ninguém conhece ninguém, até um vizinho, às vezes você nem conhece. Você mora a duas, três portas pra frente e não sabe. Na minha rua eu conheço muita gente porque eu tenho convívio há muito tempo já, moro há mais de 20 anos na mesma rua. Mas tem lugar que você mora que três, quatro portas pra frente você não sabe quem é. E lá não, lá conhece todo mundo. Sem contar que se encontra na igreja, se encontra em um campinho de futebol, se encontra numa festa junina, se encontra em qualquer evento da cidade, está todo mundo lá: “Aquele é filho de tal, aquele é sobrinho de tal”. Hoje a cidade cresceu um pouco mais, mas mesmo assim você sabe quem é quem.
P/1 – Quanto tempo vocês ficaram lá?
R – Em Miracatu eu morei quase uns dez anos, dos 18 aos 25, 28 anos.
P/1 – Bastante tempo.
R – Porque ali, Miracatu, ele está no meio do caminho. Então meu pai estava trabalhando na estrada e ia até Miracatu, a estrada foi pra frente, nós ficamos ali no meio porque ele foi até Registro construindo a estrada e depois foi até Curitiba, então de Curitiba pra Miracatu era mais perto do que vir morar em São Paulo, o meio do caminho facilitou tanto a locomoção do meu pai pra nossa casa.
P/1 – E o seu pai, eu não entendi, ele construiu a rodovia, foi isso?
R – Não é que construiu, ele ajudou, né?
P/1 – Mas ele era caminhoneiro, é isso?
R – Caminhoneiro, puxava asfalto, pedra, terra, em geral. Essa estrada, a BR-116, foi dura pra fazer, até hoje ainda estão fazendo, agora estão fazendo a duplicação, tem um pedaço da serra que ainda estão acabando, que é a Serra do Cafezal, que estão acabando a pista dupla. Mas no meu tempo de jovem a fama dessa estrada era Estrada da Morte. A cidade de Miracatu, três prefeitos morreram na estrada.
P/1 – Nossa!
R – É. O Armando Gonçalves morreu na estrada e mais dois prefeitos da cidade, porque prefeito sempre está saindo pra lá e pra cá, três prefeitos da cidade, em gestão diferente, morreram.
P/1 – Em acidente?
R – Acidente de carro. Agora ela é mais maneira porque ela tem duplicação quase toda, mas na época que eu morava lá era só mão ida e volta, não era duas pistas. E o fluxo de caminhão de São Paulo para o Sul passava tudo ali, quem ia pra Curitiba passava ali, ia pra Santa Catarina e passava ali, quem vai pro Rio Grande do Sul passa ali. Escoava toda a plantação que vinha do Sul pra São Paulo em qualquer tipo de coisa, é banana, é laranja que tem também no Sul, vinho, tudo o que vinha do Sul. E sem contar os frigoríficos, que têm em Santa Catarina, da Chapecó, da Aurora, Perdigão, até hoje ainda passa os caminhões da Perdigão, então vem tudo do Sul. Frigorífico de presunto, essas coisas. Então a estrada é perigosa. E muitos que entram lá andam em São Paulo a 40, 60 por hora, pega uma estrada como essa que na época, agora diminuiu a velocidade, antigamente era 120, 140. Pega uns caminhãozão desses daí, o cara vem babando em cima de você. E por não ser pista dupla eles andavam numa mão, outro andava do lado e outro andava quase no acostamento. Você chegava assim e vinha três caminhões pro seu lado e você tinha que correr pro outro canto, entendeu? Era uma estrada muito perigosa.
P/1 – Mas como era a paisagem dessa estrada?
R – O Vale do Ribeira é forte em banana, então a plantação maior que você vê do Vale do Ribeira, tanto de Juquitiba até Juquiá, Registro, a maioria que você vê é plantação de banana. Então é bananal, bananal, bananal até o fim. Agora no pedaço de Registro já tem mais outro tipo de plantação. Mas aqui de Juquitiba até lá embaixo é só plantação de banana, a maioria, a cultura agrícola mais forte é banana.
P/1 – Você se lembra bastante dessa imagem.
R – É. Eu cheguei a trabalhar um pouco com negócio de banana, mas quando eu morei em Miracatu em trabalhei em uma serraria, naquela época tinha umas três ou quatro serrarias na cidade. Eu trabalhei numa que chamava São Martins.
P/1 – Foi seu primeiro emprego?
R – Um dos primeiros. Adolescente, né? Jovem já, homem quase. Vinha madeira bruta, tora, cortava, saía caibro, saía viga, saíam tábuas e tinha uns caibros que eram pequenos, que ele tinha uma fábrica dentro, uma máquina, que fazia cabo de vassoura, colocava de um lado quadrado e saía o cabo de vassoura do outro lado. Então os mais novos, o primeiro serviço lá dentro era esse. Você entrava lá dentro, era uma sala que nem essa aqui, mais ou menos, só tinha aquela máquina no meio. Você entrava lá e o cara falava: “Põe alguma coisa no cabelo, uma camisa, tal que lá dentro vai ter um pozinho”. Você falava assim: “Tudo bem”. Daqui a pouco aquela máquina começava, nhau. E saía o cabo de vassoura do outro lado, mas com 20 minutos que você estava lá dentro você não enxergava mais nada, só enxergava o seu olho. Você saía lá de dentro com a camisa amarrada aqui e tudinho cheio de serragem. E eu tinha que trabalhar, né, ajudar meu pai, minha mãe. Na época a fiscalização de saúde não via esse negócio. Então você entrava pra fazer cabo de vassoura, meu amigo, não é brincadeira. O cara chegava: “Ó, você vai trabalhar no cabo de vassoura e você vai ver o que é bom pra tosse”. Você entrava lá limpinho, saía que só enxergava seu olho, enxergava mais nada, porque a máquina soltava aquela.... puta que la vida, era duro.
P/1 – Você ficou muito tempo nessa serraria?
R – Trabalhei uns três anos ou mais. E roupa então? Roupa da gente, que cortava a madeira na hora e ela tem água, tem tudo, aquela água, aquele limo dela, se bateu na roupa estragou, pode esquecer aquela roupa, só serve pra trabalhar, você não pode nem sair na rua porque não tem como.
P/1 – Mas você se divertia como nessa cidade? Você falou um pouco dos bailes.
R – A diversão maior nossa lá era ir no rio, quando a gente saltava lá no rio com boia e descia rio abaixo, já ia bater quase no outro bairro, andando pelo rio. E lá tem muita mexerica, a gente ia buscar mexerica, ia andar mais lá pelo mato afora e jogar um pouco de bola pra lá e pra cá. E outras coisas mais assim. Mas em geral, parque, eletrônico, essas coisas não tinha, era difícil vir um cirquinho lá, quando vinha um circo lá era uma briga, sabe? Nunca tinha dinheiro. Às vezes o cara dava lá um: “Ó, se você arrumar três gatos você entra”, os caras davam os gatos pros bichos, então você arruma um ou outro pra entrar. Ou: “Faz uma coisa aqui, à noite eu arrumo lugar pra você entrar”. Então é desse jeito, que não tinha dinheiro.
P/1 – E você gostava de circo?
R – Gosto. Até hoje ainda acho bacana circo. Até meu filho mesmo, eu levei ele uma vez quando era pequeno, eu acho bacana. É uma coisa que é ali tête-à-tête uma pessoa, o que o cara faz ali ele tem que tentar divertir a pessoa na frente ali, né? Até meu filho já era grande, estava no circo pelo lado de Santana e aquele Sérgio Malandro estava no palco brincando com outros meninos lá, com outros palhaços e ele escondia a menina dos outros. Aí meu filho começou a chorar, que ele estava escondendo a menina e começou a gritar e eu falei: “Calma, filho! Estamos assistindo, não pode entrar no meio” “Não, pai! Ele está escondendo a menina lá”, não sei o quê e todo mundo começou a dar risada. Eu: “Filho, calma, jaja vão descobrir, vão contar que ele estava escondendo a menina”. E o Sérgio Malandro escondia a menina de quem estava procurando. Mas é muito engraçado o circo.
P/1 – E você disse que jogava muita bola, né?
R – É, jogar bola assim, corria atrás (risos). Às vezes fazia lá quatro, cinco times, eu quase entrava no último time porque quando os caras percebiam: “Ó Tonhão não joga tão bem assim, né”. Você sabe que isso sempre teve, até hoje em geral é assim, sempre entram os melhores, faz o time do melhor, depois sobra pro outro time o mais ou menos, aí o terceiro time é aquele que não é muito de jogar tanta bola. Mas é gostoso, não é ruim. Mas todo mundo em geral é assim, quem se destaca mais sempre vai estar na frente, né? Se o cara joga melhor e tal ele é chamado primeiro. Na hora que você pode escolher: “Meu time eu quero Fulano, quero Fulano”, já sabe que os caras jogam bem. E na época não jogava tão bem assim, mas jogava, pelo menos era mais um pra contar dentro do campo.
P/1 – E você torce pra qual time?
R – Até hoje eu sou sãopaulino. Eu gosto do São Paulo há muito tempo já, desde pequeno fui centrado no São Paulo. E olha que eu tenho tio que é corintiano, tenho padrinho corintiano, tenho muita gente, mas eu sempre gostei do São Paulo, sempre. É uma coisa mais diferenciada, o Corinthians eu acho... eu não sou contra o povão, nem nada, mas o São Paulo é mais elitizado, parece. Todo lugar tem ruim e bom, mas que nem diz lá, o corintiano já chega cuspindo, o sãopaulino não entra cuspindo em lugar nenhum, a gente pensa assim. Então na época eu sempre gostei do São Paulo.
P/1 – Desde criança.
R – É. E quando eu peguei a idade boa de entender melhor tudo, ele já teve grandes títulos, São Paulo na Libertadores são três títulos, Raí e companhia. São tudo jogadores, o Zetti esteve na loja aqui, comprando aqui. Então são coisas que você acaba se identificando com aquele time: “Ah, eu gosto mais desse daqui, eu vou ficar nesse aqui”, acabou. Sem contar as rixas que às vezes tem um primo que você já não gosta muito e ele é corintiano, aí já cria aquela rixa e você fica desfazendo dele, né? (risos)
P/1 – E você tem algum ídolo no São Paulo?
R – Ah sim, o Zetti é um deles. Hoje é o Rogério Ceni, mas o Zetti é da minha época. Eu ainda vou mais pra trás ainda, o Waldir Peres é da minha época, tinha vários jogadores do São Paulo. Mas o Waldir Peres foi um dos grandes goleiros do São Paulo. Pereira, o Cafu, são todos jogadores que fizeram história no São Paulo.
P/1 – E você chegava a ir no Morumbi também?
R – Já fui. Você não vai acreditar, fora eu trabalhar aqui no comércio, de vez em quando eu fazia alguns biquinhos, tipo de garçom. E eu trabalhei atrás do clube do São Paulo, porque fora o estádio do São Paulo atrás tem um clube, então eu trabalhei no clube de garçom. Então eu sempre estava no São Paulo, sempre estava lá no meio. Cheguei a trabalhar quase numa lanchonete lá também, nos bicos que eu fazia. Então eu sempre gostei de estar lá. Eu sou do sistema, tudo o que eu vou fazer eu gosto de fazer bem feito.
PAUSA
P/1 – Você estava falando que você estava trabalhando no Morumbi, né? No clube. Você viu algum jogador, alguma pessoa assim?
R – Ah sim, sempre a gente via. O Cafu a gente via, o Müller eu cheguei a ver muito tempo, o Müller sempre ia nessa lanchonete onde eu trabalhei uma época de garçom. E as festas do São Paulo, sempre tinha festa de confraternização entre eles lá, diretoria, não sei o quê, então você sempre via um monte de jogador. Telê Santana eu conheci. Nós tivemos um monte de gente sempre do meio ali.
P/1 – Você serviu eles então.
R – Já sim.
P/1 – E você aprendeu muito de garçom?
R – Eu comecei a trabalha de garçom meio na marra porque eu estava fazendo meu sobrado e no primeiro andar bate uma laje, chama laje, e a gente chama vizinho, chama amigo, chama tudo. Todo mundo vem, você faz uma feijoada, qualquer coisa e todo mundo vem ajudar você, o pedreiro vai enchendo a laje e todo mundo vai levando as latas de cimento. Aí eu estava pra bater uma laje e o pedreiro falou: “Olha, vai comprar mais 20 sacos de cimento e mais tal coisa”. E eu já tinha tirado dinheiro por financiamento, tirado dinheiro da firma, eu não tinha pra onde correr. Aí o meu sogro, hoje ele é aposentado de maître, meu sogro trabalhou em todos os restaurantes bons de São Paulo. Aí o meu sogro era maître e ele falou: “Vamos me ajudar no buffet, eu ponho você pra lavar louça lá e você já ganha os seus 30 contos. Quanto está faltando lá pra você comprar lá o cimento?” “Falta cem” “Então você trabalha três dias lá, você já compra o cimento, quando for domingo já bate a sua laje”. Aí eu fui trabalhar pra lavar copo, ajudar a limpar o buffet. Chegou lá um garçom faltou. Que essa raça não é fácil, garçom não é brincadeira, eu fui garçom, eu sei como é que é. Faltou e o cara falou: “E o seu genro aí?” “Mas ele nunca foi garçom, eu trouxe ele pra lavar copo” “Não, põe uma bandeja na mão dele aí e sai”. Aí tinha o uniforme do cara que não veio e o cara tinha quase o mesmo corpo que o meu. Aí eu pus a camisa, a gravata, o terno e já peguei uma bandejona assim, ó, mas desse tamanho, com uns 20 copos de cerveja (risos). Eu firmei aqui, segurei na aba aqui da bandeja. Meu sogro falou: “Você não tem prática”, meu sogro saía correndo, né? “Você não tem prática, você pega na aba da bandeja, meio disfarçado, e sai e vai segurando perto da pessoa, você oferece. Quando a pessoa quiser você nem pede, você encosta que a pessoa pega”. Agora garçom quando tem prática, depois eu peguei prática, você põe a bandeja, segura, tira o copo e dá pra pessoa, quando eu peguei prática depois. Mas no começo eu andava com uma bandeja com 20 copos e segurando na aba aqui pra levar pra todo mundo. E aí acabei aprendendo sem querer, na marra, de 30 reais eu fui pra 60, porque quem ia lavar copo era 30 reais e os garçons ganhavam 60, fora a caixinha, né, quando fechava a festa o dono da festa falava: “Ó, deixa aí 200 reais pra dividir com os garçons”. Então onde eu sempre tive dinheiro a mais foi fazendo esses biquinhos de garçom. E tem muita passagem que eu passei. Eu lembro uma vez, aí eu já estava com prática de garçom. Fui trabalhar num buffet chamado Eiffel, que é o nome daquela torre da França, né? O buffet não sei se tem ainda, mas é lá pro lado dos Jardins. Eu lembro que uma vez a festa era Tropical. Então todas as mesas tinham um monte de frutas, laranja, banana, manga, maçã. Aí sentaram umas senhoras assim logo na entrada da porta da cozinha e aquelas frutas lá, estava começando a festa. Aí a gente abre toda festa, a maioria abre sempre com um pouco de água, um pouco de refrigerante, tal. E eu peguei uma bandeja metade de água, metade de refrigerante pra começar a servir. Quando eu saio no salão uma mulher daquelas estava com uma manga, porque lá tinha umas mangas, sabe, enfiando dentro da bolsa, socando a manga dentro da bolsa (risos). E eu não aguentei ver aquilo, sabe? Eu falei: “Minha nossa senhora, a mulher tá” (risos). Que ideia, né, viu uma manga bonita, ela abriu a bolsa, que a alça da bolsa não deu largura pra ela guardar a manga...
CORTE NO ÁUDIO
P/2 – Volta pro começo da história, pergunta pra ele.
P/1 – Ah, da passagem, né, como é que foi?
R – Garçom você vai aprendendo, vê um monte de coisa dentro de festa. E essa festa era Tropical, quer dizer, de frutas, os desenhos todos era uma coisa tropical. E todas as mesas tinham um arranjo só de fruta, nós mesmos que arrumamos, tinha um abacaxi no meio, tinha umas maçãs em volta e tinha umas mangas segurando. Mas eram mangas mesmo, desse tamanho. E essa senhora, quando eu saio de dentro da cozinha, a primeira mesa era dela e de mais umas senhoras juntos. E ela estava socando a manga, mas nem tinha começado direito a festa ainda e ela socando a manga dentro da bolsa e a manga não entrava, né? E eu vi tudo aquela cena. Eu não aguentei, aí eu segurei a bandeja – com experiência já, hein? Já tinha bastante tempo – segurei a bandeja pra dar risada e voltei de novo pra dentro da cozinha porque não ia aguentar, o salão grande. Eu voltei pra dentro da cozinha e o maître: “Pô, rapaz, você foi lá no salão e já voltou! Você não deu guaraná pra ninguém?!” Eu falei: “Maître, pelo amor de Deus, deixa eu ficar dois segundos aqui, só para eu melhorar” “O que aconteceu?” “Pô, tem uma senhora aí, ó, ela estava metendo uma manga dentro da bolsa, eu não aguentei ver aquela cena lá, hilário demais, eu peguei e voltei para dentro aqui, deixa eu me recuperar”. Aí até ele começou a dar risada, não parava mais. “Você mostra pra mim” “Não vou mostrar, não, o senhor vai lá dar bronca na mulher ou vai falar pro dono da festa e ele vai lá dar bronca na mulher, não vou mostrar pro senhor, não” “Mas rapaz” “Não vou mostrar, não”. Aí voltei e entrei de novo na festa e tal, do salão, e eu passava na mesa dela meio de lado assim pra não constranger ela, porque ela já olhava pra mim e já escondia o olhar, né? Ela virava o rosto assim porque ela sabia que ela tinha feito algo errado. Eu: “Servido, servido”, mas bem disfarçado pra ela não achar que eu tinha percebido tudo, tinha visto tudo (risos). Então são passagens que você acaba, dentro de uma festa, passando.
P/1 – Tem alguma outra que você se lembra?
R – Ah, lembro! Lembro do Jacinto Figueira Júnior. Eu trabalhava de garçom também nesse buffet mesmo, o Jacinto Figueira Júnior, hoje ele é falecido, que é “o homem do sapato branco”. E ele sempre tinha mania de estar com uma moça mais nova, ele já era velhão já e sempre colocava a lei dele, né? E a maioria dos garçons não tinha paciência com ele, mas eu tinha. Aí eu cheguei lá perto dele pra servir lá um suco pra namorada que estava com ele, a metade da idade dele, Jacinto Figueira Júnior já era velhão. Aí ele falou: “Eu quero whisky aqui porque não chega whisky para eu beber”. Eu falei: “Seu Jacinto, pode ficar sossegado”, ele era famoso na época, hoje tem Cidade Alerta, era um programa que o Jacinto Figueira Júnior fazia, esse “O Homem do Sapato Branco”, tipo um programa como esse Cidade Alerta, sabe? Ele era policial, ele andava de calça branca, sapato branco, entendeu? Ele era celebridade na época. Eu falei: “Não, seu Jacinto, pode ficar sossegado”. Aí cheguei na cozinha lá, em vez de colocar dois dedos de whisky eu colocava quatro e punha só um dedo de guaraná e gelo em cima. Aí eu chegava lá e a namorada dele: “Mas não é muito whisky, não?”, eu: “Não, é só gelo e guaraná, pus pouco whisky”. Pá, pá, pá. Não deu nem meia hora, ele não saía nem do lugar. Ele estava lá travado. Aí o maître: “Ô rapaz, o que você fez com o homem?” “Ah, ele foi me dar bronca que não chegava whisky, agora ele não consegue nem levantar, lá, tá todo mundo lá querendo levantar o homem” (risos). Mas eu não fiz por querer, porque foi ele que falou: “Não chega whisky aqui em mim”. Eu falei: “Tá bom, pode deixar”. Ele saiu torto de lá, saiu torto de lá, eu não sei nem como ele foi embora. Uma hora eu vi de relance, a moça estava agarrada no braço dele e tinha mais um cara grudado com ele. Mas na época ele nem levantava da cadeira, naquela hora que eu acabei de servir ele eu entuchei umas cinco vezes só whisky e gelão em cima. E a namorada dele: “Mas não é muito whisky?”, eu falei: “Não, filha, é dois dedinhos de whisky, o resto é só guaraná, que eu sei como ele gosta” “Não, hoje tá bom, tá bom”. Era whisky puro, ele bebeu e saiu torto (risos). O maître falou: “Mas pô” “Ué, mas se ele pediu, vou fazer o quê?”. E mais outra, né? Festa que você vai trabalhar achando que vem 50, 60 pessoas, o pessoal foi pro interior aí fazer uma festa uma vez, eu acho que eram 60 pessoas. Quando começou a festa, era um salão pequeno e tinha mais de cem pessoas, 150 pessoas. Quando a gente saía com a bandeja da cozinha lá no fundo, a gente saía com a bandeja pro salão, a gente saía assim, com a mão levantada e não deu meia hora e meu terno já estava rasgado a manga porque o pessoal puxava a bandeja, aquele povo que estava lá no fundo não comia. Uma coisa de louco, eu falei: “Meu Deus do céu, o que é isso aqui?”. E a dona do buffet falou: “A moça falou que eram 60 pessoas mas que chamou uma coisinha a mais, chama outro, chama outro”, tinha mais de cento e poucas pessoas. E nós em três garçons. Porque você consegue servir cinco mesas com seis pessoas no máximo, que dá umas 30 pessoas. Então até 40 pessoas você consegue servir mais ou menos. Mas cem pessoas pra três, você acaba nadando. Você passar dentro do salão não sobra nada, né? E é coisa de saber fazer as coisas. Tanto a dona da festa não soube explicar pra mulher do buffet, como a mulher do buffet acreditou que era pouca gente e não chamou tantos garçons. Mas uma festa com mais de cem pessoas tem que ser três, quatro, cinco garçons. Conforme vai aumentando, 200 pessoas, tem que ser de seis a oito, pra todo mundo sair bem servido.
P/1 – E você ficou naquela cidade no interior até os 25 anos, foi isso?
R – Mais ou menos 25 anos.
P/1 – E você trabalhou de quê lá nessa cidade? Essa passagem de garçom você estava em São Paulo já.
R – Sim. No interior eu trabalhei em Miracatu e depois nós fomos lá em Registro. Em Registro também é uma cidade boa, lá eu trabalhei numa casa de material de construção chamada Cugler e lá eu era tipo somador de nota, tirador de nota. O depósito de material de construção tirava tudo na mão, até hoje eu tenho calo na mão porque eu escrevia tudo na mão, porque computador e tudo é pouco tempo, na época era tudo na mão, você fazia três vias, quatro vias. Tanto que aqui no laticínios mesmo, antigamente, era tudo na mão. Então eu trabalhei nesse Cugler, que é um depósito de material de construção, que ele era dono e sócio de um japonês, chamava Toyo, hoje ele ainda tem supermercado lá, chama Supermercado Toyo, os dois eram sócios. Então eu trabalhava no escritório e ajudava um pouco na loja de servir, tirar nota, porque às vezes fazia um endereço errado, então tirar nota certinho, tudo na mão. É até engraçado porque o sócio dele era japonês e de vez em quando levava um outro japonês lá. Porque nessa cidade de Registro mais ou menos 50% ou mais é japonês. Então o sócio dele levava uns japoneses amigos dele, sócios dele também, e ele também tinha imobiliária que estavam fazendo sítio, eles estavam fazendo loteamento, esses japoneses e eles conversavam só em japonês. E na época, no começo, eu não entendia muito porque não sabia falar nada, não entendia nada. Mas quando eu comecei a entender, e eu ficava numa sala que nem essa daqui, né, conversando. Quando eu comecei a entender: “Antônio, vê se tem outra coisa pra fazer lá que nós vamos entrar num assunto aqui”, porque eu já estava entendendo o que ele estava falando.
P/1 – Ah, é?
R – Eu já entendia um pouco, um pouco eu sei falar.
P/1 – Ah, é?
R – É. Então _1:13:03_, tal. Quando está frio, quando está calor, atsui, samui, né? Então eu via quando um cara chegava lá: “Ó, hoje está atsui”. Aí eu falei: “Pô, atsui é calor”, que lá era muito calor. Samui é frio. E você acaba aprendendo, tal. Mas quando ele viu que eu já estava sabendo muito e estava acontecendo uma reunião meio particular: “Antônio, vê se tem alguma coisa na loja pra fazer lá”, era para eu sair porque o que eles conversassem lá eu sabia.
P/1 – E vocês voltaram pra São Paulo depois, foi isso?
R – É. Eu fiquei um bom tempo lá. Até essa cidade aí tem uma avenida principal, chamada Clara Gianotti de Souza.
P/1 – Registro.
R – É, Registro. Essa avenida não era asfaltada, era barro. É onde eu sofria porque eu morava num bairro chamado Vila Fátima. Eu saía de lá com sapato até na avenida, na avenida eu tirava porque era barro. Então vinha até no depósito descalço.
P/1 – Nossa!
R – Verdade! Aí chegava quase no centro de Registro tinha uma padaria lá, Padaria Joia, tinha um banheiro lá e tinha uma torneira, aí lavava o pé, punha o sapato e a meia. Ia descalço porque se eu chegasse lá no depósito de material com o sapato, era tudo barro. Hoje não, faz muito tempo que eu não vou lá, mas hoje falaram que está tudo asfaltado, a cidade todinha, essa avenida, a cidade aumentou umas quatro ou cinco vezes, muito mais. E aí eu lembro disso aí, que eu saía de casa e ia até lá descalço, com o sapato na mão, porque se eu fosse chegava lá com o pé só barro.
P/1 – E vocês ficaram quantos anos lá?
R – Acho que eu morei lá uns seis anos.
P/1 – Até os 30 anos.
R – É, quase 30 anos eu já vim pra cá.
P/1 – E como é que foi, você trabalhou nessa empresa todo esse tempo?
R – Toda essa época que eu morei em Registro eu fiquei nesse depósito de material. Ele estava crescendo, ele era pequeno mas foi crescendo, já estava crescendo, então não tinha como mudar. E era um lugar bom, um lugar que eu aprendi muita coisa. Tanto a parte de escritório, a parte de tirar nota, saber metragem, tudo isso eu aprendi muito lá.
P/1 – E você conheceu sua esposa lá?
R – Não, minha esposa eu conheci aqui no Jardim Tremembé, numa dessas festas que meu pai fazia.
P/1 – Ah, antes então.
R – Nessa época quase, dos 27, 28 anos. Meu pai fazia essas festas juninas e tinha aquela dança caipira que o casal ia dançando e vinha aquele que não estava com mulher nenhuma, estava sozinho com uma vassoura. Aí ele chegava, você estava dançando com a moça, ele dava o cabo de vassoura, a vassoura, pra você e se a moça ficasse quieta, ela continuava dançando com esse que deu o cabo pra você. Você já pegava o cabo de vassoura e já ia caçar outra pra você dançar. E aí uma vez eu estava dançando com ela, com a minha esposa, aí veio o meu primo com a vassoura e ela: “Não quero mais brincar disso aí, não”. Eu falei: “Opa”. Aí vem outro, meu irmão lá com o cabo de vassoura pra ela dar pra mim para ele dançar com ela, né? “Ai, eu não quero brincar disso aí mais”. Eu falei: “Opa, todo mundo ela não quer mais, ela acabou achando graça de mim”. Aí começamos a namorar e daí em diante, estamos até hoje, eu tenho quase 30 anos com ela. Mas começamos assim, numa festa junina. Que o irmão da mãe dela é casado com uma tia do meu pai, são meio parentes. Então ela foi lá na festa, levou ela, levou mais uma outra sobrinha lá e tal. Nessa festa do meu pai que eu conheci ela, daí em diante nós acabamos ficando juntos até hoje.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Sandra. Sandra Lia. Lógico, hoje ela tem outro sobrenome, Pereira de Azevedo, Sandra de Azevedo. Eu conheci ela nessa festa. Porque se a pessoa não queria mais dançar com você, então, o outro chegava com um cabo de vassoura, logicamente você tinha que pegar e ir embora. Agora se ela, como ela falou: “Não quero brincar mais disso”, quer dizer, então aqueles que falavam: “Não quero brincar mais disso”, aí o cara ia sobrando pra lá, ia sobrando, acabou que sobrava só o cara com a vassoura lá, né? (risos).
P/1 – Então até aí você não estava trabalhando com comércio ainda, como é que foi?
R – Em geral trabalhava também, só que eu não trabalhava especificamente aqui. Aí aqui, quando eu entrei pra cá, daí não saí mais, uns 25 anos aqui, dos 30 até agora.
P/1 – Mas como você veio trabalhar aqui na Santa Rosa?
PAUSA
P/1 – A gente estava voltando pra São Paulo. Você estava em Registro e por que você voltou?
R – Voltamos porque a escola lá não era tão boa que nem aqui, meus irmãos já estavam crescendo, ficando maior de idade quase e o campo de trabalho lá pra eles estava pequeno. Meu pai também já não estava tendo serviço pra lá e viemos pra cá. Chegamos aqui eu já entrei nesse ramo junto com os pais dele, eu já era homem já.
P/1 – Vocês voltaram pra Vila Mazzei?
R – Voltamos pra mesma casa. O meu pai não vendeu a casa, ele alugou, então onde a gente morava era sempre o aluguel dessa casa. Meu pai recebia e pagava onde a gente morava. Essa casa, até há pouco tempo, minha mãe vendeu depois que meu pai veio a falecer, mas essa casa sempre esteve. Então quando meu pai decidiu voltar, ele pediu para o inquilino um ou dois meses antes, o inquilino saiu e nós voltamos. É engraçado, pediu dois meses antes, mas o cara mudou na mesma semana que a gente estava trazendo a mudança. Aí foi engraçado porque ele não tinha saído da casa. Meu pai chegou com a mudança, com caminhão e tudo, tivemos que pôr no depósito o caminhã de mudança, eu ficava dormindo na casa da minha avó porque as aulas já estavam começando, a escola, tudo, que eu estava estudando ainda, até os caras irem embora da casa, porque daí meu pai trouxe a mudança.
P/1 – Você voltou pra São Paulo quantos anos você tinha?
R – Voltei pra cá com quase 30.
P/1 – Trinta anos. Mas você estava estudando o quê?
R – Fazendo colegial.
P/1 – Você tinha parado de estudar.
R – Parei uma época lá e aí prestei vestibular só uma época mas não passei.
P/1 – Você prestou pra quê?
R – Na época era, como é que era? Não sei se era História, não lembro direito agora.
P/1 – Mas era um curso de História, Geografia.
R – Era.
P/1 – Você sempre gostou muito de História, né?
R – Ah, sempre, porque História é bom, né, você estudar, ver. Eu gosto de ver muitas fotos, foto antiga, isso me lembra. Eu tenho foto antiga do meu pai, então você acaba lembrando bastante coisa.
P/1 – Como é isso de gostar de História? Você gosta de fazer o quê?
R – História eu gosto da história do Brasil, história da sua própria família, de onde veio, o que passou, o que não passou, a parte econômica de tudo isso aí, né? Porque até a criação da gente se conhecia, depende da onde você nasceu, como é que você viveu, o que você já passou na vida, guarda uma história, cada um tem sua história. E a minha história de vida daí em diante foi aqui no Brás, história de vida do Brás que eu me identifiquei aqui com o tipo de comércio e acabei entrando de uma vez, trabalhando com meu tio, e fiquei até hoje. Ele veio a falecer, mas eu continuei trabalhando com os filhos dele e estou até hoje.
P/1 – Ainda na questão da História, o que te chamava a atenção na história do Brasil ou do mundo? Qual era o prazer que você tinha?
R – Por exemplo, história do Brasil, coisa que você acha bizarro, né? Por exemplo, Dom Pedro tinha amante em Santos, quer dizer, o negócio de amante e mulher fora de casa desde essa época tinha, entendeu? Então você acaba achando que muitas vezes a pessoa ser infiel já não é dele, já vem de trás, de pessoas anteriores a você que acaba influenciando você a ser desse jeito, né? Eu graças a Deus não tive essa criação, meu pai sempre foi centrado, sempre foi família, mas você vê que a história do Brasil é complicada. Então você acaba se pegando, né, nesses detalhes.
P/1 – E vocês voltaram pra Vila Mazzei e o seu tio abriu um negócio aqui, foi isso?
R – É, ele já tinha um comércio com o irmão dele aqui. Aí o irmão dele acabou se separando e ele montou o dele mesmo. E as outras casas do mesmo ramo já estavam chegando tudo aqui, entendeu? Casa Flora, Laticínios Vencedor que era o dele, Laticínios Liberdade, que era uma parte do interior de Minas, que eles traziam queijo deles mesmo, Queijo Liberdade. Então todas essas empresas de laticínios, eles produziam no sul de Minas e vendiam aqui, onde ficou o foco de todos eles aqui, todo esse pessoal grande de queijos ficou aqui.
P/1 – Camanducaia também?
R – O Camanducaia é a mesma coisa. A produção era em Camanducaia, que hoje não é mais, é em Goiás, tudo o que produzia lá trazia pra cá.
P/1 – E isso foi a partir de que ano que começou?
R – 1975 em diante.
P/1 – Eles começaram, esses mineiros vieram pra cá.
R – É, isso. Cada um é de uma região. Casa Flora é de uma região, o Camanducaia era de outra região, o Laticínios Liberdade é de outra região de Minas. Cada um foi montando a sua própria loja e é onde expandiu todo o Brás nesse setor de queijos.
P/1 – E a do seu tio era qual?
R – A do Camanducaia, que antigamente tinha o nome de Laticínios Vencedor, que produzia no Sul de Minas e vendia aqui. E todo mundo vinha pra cá pra comprar queijo aqui e quem produzia trazia pra vender aqui. E quem tinha pizzaria, ou quem tem até hoje, a maioria se identificava em vir buscar aqui, tanto mussarela, parmesão, tudo veio cair aqui.
P/1 – E a Vencedor começou e vendia só queijo.
R – Em geral era queijo e um pouco de lataria. Balcão em geral era mais queijo, todo tipo de queijo, queijo meia cura, parmesão, provolone, queijo frescal, ricota, todo esse tipo de queijo eles produziam. E a Casa Flora também produzia a parte deles, mas com o nome deles. A Liberdade produzia também a parte deles já com o nome deles também. Era o mesmo queijo, só que cada um produzia com o seu nome. Eram vários tipos de queijo, todos eles produzindo o seu e cada um tinha o seu nome.
P/1 – E como é que foi isso, você trabalhava em um ramo e aí você veio pra São Paulo e o que você achou de trabalhar no comércio, você não tinha trabalhado ainda, né?
R – A gente na realidade não tinha tanta opção porque eu também não era formado e eu tinha que trabalhar e ganhar a sobrevivência. Então acabei entrando no comércio e acabei gostando porque você lidar com o povo não é ruim, sabendo, você acaba tendo amizades com o pai, depois o pai tem um filho, o filho cresce, tem um outro filho, você acompanha a vivência de uma, duas, três gerações comprando, isso é gostoso, se torna bom. E eu acabei me identificando com isso, me apegando nas vendas em geral. E não sei fazer outra coisa, não adianta tentar fazer outra coisa que eu não sei. Agora, a parte de queijo, que nem às vezes eu vou cortar meu cabelo e eu corto ele lá no Jardim Tremembé, o cara corta há muito tempo e toda vez: “Como é que o senhor quer?”. Eu sento lá e falo pra ele: “O profissional é você, eu sou o vendedor de mortadela. Se você falar como é que é tipo de mortadela que tem, que tipo de presunto tem, que tipo de queijo eu falo pra você, agora como é que pra você cortar o meu cabelo é você que tem que saber, não é eu” “Ah, não sei o quê”, ele sabe que eu gosto assim, assado e tal, às vezes eu dou uma mudada, eu cheguei até a pintar o cabelo, ficou bom mas ficou muito superficial, né? Você vai pegando uma idade que não adianta você tentar esconder a idade, é a pior coisa que tem é tentar esconder a idade, você acaba se tornando ridículo. Você não pode tentar esconder.
P/1 – Você pintou de preto?
R – É. Tinha uma pintura, acho que é _1:28:32_ que chama, parece. Fica preto que nem isso aqui. Mas daí na cara, ou é peruca, ou você pintou (risos). Porque a barba aparece branca (risos), bigode branco, como é que você pode ter cabelo preto? Com 40, 50 anos de idade. Não pode. Então você acaba passando por ridículo. Que nem esse menino que corta o meu cabelo: “Tem coisas que fogem da realidade. Não adianta o senhor querer pintar assim, assado que sabe que seu cabelo não é dessa cor”. Então, é melhor o senhor ter um corte bonito. “Então você faz um corte igual ao do William Bonner pra mim” “Ah, mas daí é difícil, não é fácil fazer o cabelo igual ao do William Bonner. Mas eu vou tentar” “Se você cortar o cabelo igual ao do William Bonner eu vou falar pra você não por mais tinta no meu cabelo, nem nada”. Aí ele foi acertando, acertando e eu já corto com ele há mais de três, quatro anos. Mas toda vez que eu chego lá: “Como é que o senhor quer hoje?” “Mesma coisa, do mesmo jeito, você corta direitinho, pezinho, pá. Esquece esse negócio de pintar, é só isso mesmo” (risos).
P/1 – Sei (risos). E você começou em que ano, 81, foi isso?
R – Ah, 84 quase.
P/1 – E como era o comércio aqui na zona cerealista quando você chegou?
R – Ah, bem mais forte do que agora, né? Na época quase todo o atacado era aqui. Tinha um atacadista no fim dessa rua aqui que chamava Bofesa, seria maior do que o Atacadão ali da Marginal, então era o comércio em geral era aqui. E a parte de batata, cebola, a zona cerealista era aqui. A pessoa tinha um restaurante lá na Paulista, ele vinha aqui pra comprar tudo, ele queria comprar tudo e ir embora. Em geral era assim, então o cara vinha buscar um saco de batata, aqui tinha, porque o produtor também era do Sul de Minas. Então buscar um saco de cebola, aqui tem, e buscava os queijos pros restaurante dele, aqui tem. E buscava a parte de lataria, extrato, milho, ervilha, então, em geral os atacadistas eram tudo aqui também. Aí conforme foi aumentando muito os atacadistas, foi abrindo mais a Marginal, tem interior que tem atacado grande, grande mesmo, e os supermercados, né? Supemercado grande também, já começou a pôr de tudo. O Brás acabou ficando um pouco mais fraco nessa parte, nós temos uma gleba boa de atacadistas aqui, de importadoras e tal, mas em geral abriu um pouco mais o leque, os atacados maiores saíram muito pra Marginal, outros cantos, outros pedaços maiores. Tem cidades que têm Makro, Mogi das Cruzes tem Makro, tem Extra, são os hipermercados. Modo de dizer, que na época que eu era adolescente pão era na padaria, não tinha outro lugar pra você comprar pão, hoje pão vende em qualquer lugar, vende na padaria, vende no supermercado, vende em qualquer posto tem pão pra vender. Mercado também era assim. E mercado não abria de domingo, depois começou a abrir de domingo, começou a abrir até sete horas, hoje tem mercado 24 horas, então isso daí foi tirando um pouco da clientela daqui. Porque lá do centro, um Extra do lado, dependendo da quantidade que o cara vai comprar ele não vem até aqui buscar, você acaba pegando do lado lá. Você não vai pegar um saco de batata de 60 quilos, ele compra do lado lá três, quatro quilos pra servir o cliente naquele dia que ele vai fazer aquele almoço, no outro dia ele compra de novo, entendeu? Então acabou espalhando um pouco mais. Aqui sempre foi forte, tanto na parte de laticínios em geral, como hortifruti. Sem contar que tem na praça aí um tipo de Ceasazinho, não o Ceasa, que o Ceasa é grande, mas um Ceasa pequeno e muitos produtores trazem tudo aí. É laranja, é limão, é uva, uva não digo, mas abacaxi, laranja, limão, traz tudo aí.
P/1 – Você falou que o comércio teve que abrir um pouco o leque, é isso?
R – É.
P/1 – Como é que é isso?
R – Aqui, como estava muito centrado, então você entrava aqui e levava três horas pra sair daqui de dentro, o cara dava a volta aqui, tudo. Aí os próprios atacadistas falaram assim: “Pô, estamos apertados aqui, vamos montar”, um teve a ideia de montar na Marginal, aí o outro viu que deu certo, que não era o lugar que estava trazendo cliente, é a mercadoria e o preço. E na época, hoje nem tanto, mas todo mundo tinha aquela impressão, o cara comprava de manhã uma lata de milho a dois reais, dois cruzeiros, de tarde estava 2,50, então os atacadistas ganhavam dinheiro porque a pessoa não ia comprar uma lata só, já comprava duas caixas, três. Hoje é diferenciado, ninguém compra pra estocar, compra quem está vendendo, mas quem não tem restaurante, não compra pra estocar, compra pra vender, a não ser a parte de vinho, a pessoa entra pra comprar um pouco mais, mas a parte de lataria, ninguém compra fechado, dez caixas, é difícil.
P/1 – O consumidor comum, por causa da inflação...
R – É, na época eles compravam caixas porque compravam a dois reais e à tarde estava 2,50, modo de dizer, uma explicação mais bruta. Hoje não é tanto, hoje tem inflação mas não sobe tanto e a pessoa não precisa ficar com aquele capital parado no depósito lá dentro, esperando vender tudo.
P/1 – Mas você acha que os produtos que se vende aqui na Santa Rosa, na zona cerealista, mudaram?
R – Não. Em geral a qualidade não, a qualidade aqui sempre foram as melhores marcas, nós trabalhamos sempre com Scala, Sadia, Aurora, a parte de lataria também trabalhamos com as melhores marcas, extrato Elefante, ervilha Quero é marca boa, trabalhamos com a parte também de descartáveis também marca boa. E outros comércios aqui também, não diminuiu a qualidade, entendeu?
P/1 – Não, mas eu digo os tipos de produtos.
R – Também teve uma mudança. Em geral laticínios teve que ir mudando porque ele era mais só a parte de queijos, azeitonas e azeite. Vendia mais queijo, azeitona e azeite.
P/1 – Isso nos anos 80.
R – É. Aí teve que ir mudando, ramificando um pouco mais porque teve que por outra qualidade pra complementar, então começou a colocar ervilha, milho, extrato de tomate. Porque o dono da lanchonete vem em você e fala: “Você manda pra mim uma peça de mussarela, uma de queijo, uma lata de ervilha, um quilo de azeitona”. E se você não tem aquela lata de ervilha? Foi quando a parte de enlatados entrou também. Os atacadistas em geral, aqui no comércio, todos eles trabalham com a linha de enlatados, em tudo.
P/1 – E importado.
R – E importados também.
P/1 – Tipo o quê?
R – Presuntos importados, queijos importados, Massdam, queijos finos, queijo Gouda importado. Temos o Prima Donna que é um queijo pra lá de bom. Não é barato, né, mas são queijos finos.
P/1 – Vinho também?
R – Vinhos em geral. Hoje em dia mudou muito, antigamente todo mundo falava vinho português, hoje não, a parte de vinho mais forte que tem hoje é o Chile. Nós temos vinho chileno aqui que é muito bom a 14,90. Então o Chile hoje é forte em vinho, os vinhos do Chile são melhores do que os de Portugal, muitos importados que vêm de fora não são tão bons quanto os chilenos. E azeite a mesma coisa, não é só o português que tem azeite bom, o italiano é bom, o espanhol é bom. Uma parte da Argentina tem azeite bom também. E azeitonas, azeitonas argentinas é uma das melhores que têm. Uva passa, ameixa. Ameixa chilena é maravilhosa. É onde a parte de importado de fora que não pega tanto. Embora, lógico, tem alguns vinhos que têm que pegar. E os queijos importados, Prima Donna, Massdam, que não tem aqui.
P/1 – Mas hoje está mais ou menos assim, então? Está mais diversificado.
R – Está bem mudado. É que você tem que, que nem diz aquele ditado, você tem que dançar conforme a música. Se você está com uma linha de produto que não está vendendo, você já tem que ir mudando. Você pôs um produto que começou a vender, já começa a por aquele também. Então você vai pondo tudo o que pode por, lógico, você não vai variar tanto, mas tudo o que você pode vender que seja liberado você tem que por. Você não pode vender só um tipo de coisa, não pode ficar centrado só naquilo que às vezes a demanda daquele produto, outros têm mais barato e você acaba não vendendo. É o que aconteceu com muitos atacadistas de batata, essas coisas, porque eles ficam só com aquele negócio de batata, mas o cara vende batata aqui a 20 o saco, mas o cara fala: “Mas lá perto de casa, no Makro, está vendendo a mesma batata a 18”. Então o cara já nem vem aqui, então por isso que o cara tem que dar uma mudada na mercadoria, aumentar a variedade, pra ele ter a melhor venda.
P/1 – Mas é só variedade ou também atender não só atacado, mas a varejo.
R – Também. Nós aqui temos uma clientela grande de atacado, restaurantes, lanchonetes e hotelaria, mas nós damos muito valor no consumidor final, que é o que vem de sábado, o que leva lá meio quilo de azeitona, meio quilo de queijo provolone e pega mais algumas frutas secas, um pouco de ameixa, um pouco de uma coisa variada, mas dá muito valor porque é um cliente que a maioria das vezes, pode dizer 100% é no cartão, então o cara passa no caixa, pagou, o dinheiro já está no banco, né? Então é uma venda boa. E são clientes bons. Às vezes você vai vender para um atacado, você manda lá pro rapaz duas caixas de mussarela: “Ah, essa mussarela não tá boa, não tá fatiando, minhas pizzas não estão derretendo, tá soltando óleo”. O cara leva meio quilo, um quilo e nem quer saber. A maioria da mercadoria é boa, mas às vezes o varejo final é bom, quem gosta de se alimentar com coisa boa acha aqui, ele acha uma boa azeitona chilena, ele acha uma boa mussarela, que nós temos Scala, temos Três Marias. Ele acha um bom queijo minas frescal. Tem o nosso concorrente também que tem queijo minas de primeira qualidade, que é tradicional, queijo minas Camanducaia, frescal Camanducaia tem em São Paulo todo. Ele acha uma boa uva passa, uma boa ameixa, uma boa nozes, ele quer fazer um bolo de nozes, ele tem uma noz chilena nossa que é maravilhosa, entendeu? Tudo o que você quiser fazer, se quiser fazer um panetone ele tem as frutas cristalizadas nossa que são maravilhosas, um pouco já dá pra fazer um belo de um panetone, entendeu?
P/1 – E você ficou quantos anos na outra firma, antes dessa aqui?
R – Dos pais dele? Dez anos. Já foi na Santa Rosa.
P/1 – Na Santa Rosa.
R – Foi o começo deles, né? Eles começaram lá, três tios, depois dividiram e aí teve o Laticínios Santa Rosa, do lado do Banco Itaú ali e foi uma das grandes lojas que teve aqui no Brás. Depois foi dividindo, cada irmão montou a sua, o meu patrão montou a dele aqui, o irmão dele montou na Santa Rosa. Aí deu uma dividida, devido ao falecimento do nosso tio eles acabaram tocando a sua, cada um dividiu. Até foi bom porque aumentou mais a clientela, quanto mais comércio... Às vezes você fica bravo, por exemplo, você tem uma loja de roupa, aí abre outra do lado, daqui a pouco abre uma em frente, você não pode ficar tão bravo porque às vezes eles são concorrentes, mas eles podem trazer mais clientes praquele local. Porque a pessoa fala: “Em tal lugar lá tem um monte de loja de calçado”, então a pessoa se identifica de ir lá buscar, porque sabe que vai achar variedade. A mesma coisa aqui na zona cerealista. Se eu quero comer um queijo bom, uma azeitona boa, eu venho aqui na zona cerealista porque tenho uma opção grande de laticínios em geral que vai me servir bem, entendeu? Melhor do que no mercado, que na minha concepção o mercado trabalha só com o básico, que é o arroz, o feijão, o óleo que eles põem lá embaixo e um pouco do leite que eles vendem de graça. Mas você vai comprar uma lata de tahine que nem eu vendo aí de 200 gramas no mercado, aqui é oito, no mercado você vai pagar 20, entendeu? Então quando você sai do produto tradicional, no mercado você paga três vezes mais. Agora se você vai no mercado atrás da cesta básica, que é o arroz, feijão, óleo, café e açúcar, lógico que vai ter preço bom, porque eles compram em quantidade muito grande e eles põem o preço lá embaixo, da concorrência deles mesmos. Mas na variedade de outros produtos tudo é mais caro.
P/1 – E o Mercado Municipal?
R – O Mercado Municipal é um lugar bom, só que devido ao grande fluxo de turismo, ele acabou ficando caro, a televisão entrou muito dentro do Mercado Municipal, a mídia entrou muito lá dentro, então ficou caro. Tanto pra quem tem comércio lá dentro e pra quem vai comer lá também, porque tudo lá é mais caro do que aqui. Você compra aqui um quilo de massdam a 25 reais, no mercado é 40. Você compra um quilo de uva passa preta e paga sete reais, no Mercado é 12. Porque ali é turismo, o Mercado Municipal se transformou em um turismo, entendeu? É muita gente do interior, é muita gente de fora que vai porque tem uma variedade grande, mas o preço lá é um preço mais caro, é o preço pro turista, entendeu? É que nem você vai pra praia, você chega aqui no mercado, você compra uma latinha de cerveja, paga 1,50. Agora lá no Guarujá essa mesma latinha você vai pagar quatro reais na beira da praia. A mesma coisa é o Mercado Municipal, você paga aqui o quilo de uma massa seis reais, no mercado você vai pagar 12, porque ali é turismo, virou um centro de turismo. Tem tudo, não estou dizendo que não tem. Tem uma variedade grande de bacalhau, tem uma variedade grande de azeitona em geral, mas o preço lá, é um preço pra turista, virou uma loja de turista. É bom, é bonito, é gostoso de ver, mas não pra consumir, que é caro. Pra mim não.
P/1 – Agora vamos falar um pouquinho sobre como é vender, como é fazer uma venda, como é lidar com um cliente. Quando você começou imagino que você não soubesse tanto fazer, ou você já tinha experiência?
R – Não, eu acabei pegando experiência no dia a dia, no mês a mês. O cliente vem e pede uma semana e na outra semana ele está lá de novo, você acaba aprendendo, “Tal Fulano gosta de tal produto”, ou “Fulano gosta de produto assim”. Na época que eu comecei a trabalhar a gente embrulhava queijo em papel, embrulhava quatro, cinco mussarelas no papel, passava barbante, tinha umas pastelarias de uns chineses, a gente embrulhava cinco mussarelas no barbante, azeitona no saco grande, então foi mudando. A primeira coisa é quando o cliente está de frente a você. A vantagem do vendedor é que ele tem que saber abarcar a pessoa, ele tem que saber falar com a pessoa, o que a pessoa deseja. Se você tem aquele produto, aí você fala as opções que você tem e o preço. E é lógico que você nunca pode falar que o seu produto é ruim, nunca. Sendo ou não sendo ruim o seu produto é bom. E o preço é a mesma coisa: “Ah, mas lá no concorrente está um real mais barato” “Ah, mas lá a mercadoria eu não sei a procedência, eu não sei a qualidade, não sei a validade. Nós estamos vendendo aqui um palmito a oito, lá está sete ou seis, mas eu não sei a validade, pode ser a validade curta e ele quer vender logo”, são formas de você falar para que o cliente acredite mais ou menos no que você está fazendo. E sempre ser atencioso, educado, você tem que ser educado, tem que ser prestativo. Você fala um bom dia, obrigado, até logo, boa sorte. Porque o coitado do rapaz, eu tenho cliente aí que tem umas pizzarias, são pizzarias pequenas, trabalha ele, a mulher e mais um filho ou um motoboy e ele compra aqui pra vender a pizzinha dele lá, umas cem pizzinhas na noite, 50 e ele vem naquela semana, na outra ele vem de novo comprar a azeitona, a mussarela, o provolone, entendeu? Então você tem que desejar boa sorte pra ele. “Boa sorte, que a semana seja boa, que o seu pizzaiolo não falte”. Tem muitos que têm que aprender a fazer pizza por quê? Porque pizzaiolo falta três, quatro dias quando o cara precisa, o cara tá precisando fazer dez pizzas, cadê o pizzaiolo? Não chega. O cara tem que fazer correndo, tudo, então acaba aprendendo. Então muitas coisas que eu falo: “Vá com Deus, tudo de bom lá, que dê tudo certo”, tudo pra pessoa vender, retornar e comprar de novo. Isso é praxe, você falar pra pessoa: “Muito obrigado e boa sorte lá, que você faça boas vendas”, isso é de praxe você falar. Porque ele tendo boa sorte, tendo boas vendas, ele vai retornar e comprar de você.
P/1 – São coisas...
R – Não é muito que você fala, um bom dia, uma boa tarde, obrigado pelo senhor ter comprado aqui, o senhor gostou, não gostou, entendeu? A mesma coisa ao vivo como no telefone. Telefone não é porque a pessoa não está na sua frente que você não tem que ser prestativo, você tem que ser prestativo do mesmo jeito que da pessoa que está na sua frente. Tanto com a pessoa idosa, como menino pequeno, como um novo, uma criança, você tem que ser prestativo e determinado a explicar só as coisas certas: “Ó, isso é bom, isso não é bom” “Ah, isso aqui serve pra tal coisa?”, você sabe que não serve, então você fala: “Não, não serve. Isso é mais pra outra coisa” “Ah, esse aliche é muito forte?” “Esse aliche, não é que ele é forte, a quantidade que você vai colocar, você vai fazer uma pizza pra cinco pessoas, você não vai colocar um vidro desse tamanho que vai ficar muito forte, uma criança não vai conseguir comer. Em vez de 200 gramas você põe lá cem gramas, 50 gramas, só pra dar o paladar”. São coisas que você tem que explicar pra pessoa não fazer as coisas erradas. Até teve uma senhora uma vez: “Ah, eu queria variar a minha pizza, pondo alguma coisa”. Eu tinha escutado um programa que o cara fritava um milho com margarina, mas o cara explicou que tinha que pôr pouca margarina pro milho e a mulher colocou um caminhão de margarina. E ela disse que deu uma dor de barriga na família toda (risos). “Mas eu não expliquei pra senhora que era uma colher só de margarina?” “A minha filha pôs um monte lá”. Eu falei: “Não, era só meia colher de sopa de margarina para uma latinha de milho, aí você frita o milho naquela margarina, vai dar um paladar melhor”. Mas a mulher disse que colocou tanta margarina que deu uma diarreia em toda a família (risos). Eu falei: “Eu não tive culpa” “Não, o senhor não tem culpa, não, é a minha filha que não soube fazer a medida certa”. Então às vezes você tem que tomar cuidado também na hora de você indicar uma receita ou explicar alguma coisa porque você não sabe se a pessoa vai fazer do jeito que você está falando. Se a pessoa fizer um pouquinho diferente já vai dar outro gosto.
P/1 – Você aprende muito com o comércio, vendendo?
R – Aprendo. No comércio em geral você é um aprendiz de vida. Você tem que ter paciência, você tem que ter determinação, você tem que ter garra. Às vezes tem clientes nossos muito bons, mas que são pessoas que têm lá aquele sistema deles, às vezes um sistema meio antigo, um jeito duro de você lidar. Mas você sabendo como contornar você tira o pedido dele, você vende pra ele e ele fica contente. Então você tem que ter muita determinação. Você tem que ter determinação pra vender porque vender não é fácil, qualquer coisa que você for vender, por mais boba que seja, você tem que saber vender porque se você não souber você não vende. Tem que estar centrado e determinado.
P/1 – E você tem algumas passagens que você se lembra no comércio?
R – Ah, eu tenho muita passagem engraçada demais. Uma vez um rapaz, até lembrei agora há pouco, negócio de groselha, né? Uma das marcas famosas é a Groselha Milani. E ela sempre foi em garrafa de vidro. Um rapaz uma vez trouxe uma embalagem de plástico assim, PET, hoje tem, chama Boituva, né? Na época, bastante tempo atrás, ele trouxe essa embalagem PET e falando pra nós, vendedores, tudo, o patrão junto, o pai dele ainda estava junto: “Olha, essa embalagem é boa porque a Milani, embalagem de vidro, quebra, dá prejuízo, machuca e a nossa embalagem é plástica, você pode colocar ela em qualquer lugar, pode bater em qualquer lugar que não vai acontecer nada. E você tem um bom produto”. Daí o que eu fiz? “Mas será que é boa mesmo?”, peguei a groselha, e a loja cheia, a loja lotada de gente no balcão. Eu bati a groselha de plástico, ela abriu bem no meio e vazou groselha no balcão todo (risos), escorreu no chão. E o patrão falou (imita voz berrando): “Pelo amor de Deus, o que é isso aqui, rapaz? Pelo amor de Deus, isso é groselha” “Ah, o Tonhão bateu a groselha pra testar o vasilhame aí e arrebentou tudo”. E correu pra lá trazer pano, limpar e cheio de gente, você atendendo freguês e falando com os vendedores. E aí escorrendo groselha pra todo lado, nossa senhora. Mas foi demais. Sem contar a bronca que levou porque acabou atrasando outros setores. A gente sempre dá risada demais.
P/1 – O que mais teve?
R – Tem as pessoas que têm muita pressa, tinha um tio nosso que trabalhava com nós e às vezes ele pedia as coisas pra mim, eu saía correndo buscar. Uma vez ele pediu para eu buscar no depósito. A loja é aqui, o depósito lá do outro lado da rua e eu estava com um fio daquela corda de amarrar bacalhau no pescoço e ele: “Corre e busca tal coisa”. E eu saí correndo e esqueci daquele fio. O fio desceu no pé, quando eu acabei de descer a escada e cheguei na rua enroscou. Saí patinando no meio da rua e o carro parando e eu ralei tudo o braço, tal. E o pessoal: “Nossa senhora”. E o produto acabou vindo mais tarde porque teve que ir lá buscar machucado e demorou para eu ir. Mas foi, desse jeito.
P/1 – E tem cliente seu que marcou você, que vem há muito tempo.
R – Tem cliente que hoje não está mais no meio, que veio a falecer, mas é gente que você se lembra muito. E tem um cliente nosso que já comprava na outra loja, no tempo do pai dele, mencionando nele, que Deus o tenha, chamava Antônio Ito. É lembrar o nome dele que eu já lembro dele, ele já entrava, ele era feirante, chegava meio cansado. Eu lembro que a feira começava quatro horas, cinco horas e ele chegava aqui na loja três horas da tarde, quatro horas da tarde pra comprar. E eu arrumava uma cadeira pra ele sentar pra ele ir pedindo as coisas. Ele era muito bom, um japonês muito bom. E ele ficava sentado pedindo as coisas, arrumava uma cadeirinha pra ele: “Tonhão, vem pra cá, Tonhão, vai pra lá, Tonhão pega isso”. Então você acaba. Hoje ele não está mais no nosso meio, mas a mulher dele ainda compra com a gente, o irmão compra, o cunhado compra, então são pessoas que vão indo embora e você acaba continuando, mas você sente falta, né? Tem uma moça que vem aqui, o pai dela comprava muito com a gente também. Ela entra, às vezes ela fala, dá impressão que é o pai dela, eu já vejo ele. O nome dela é Paulinha, ela tem duas lojas no Mercado Municipal do Tucuruvi e eu tive muita amizade com eles. Ela veio começar a comprar depois que o pai faleceu porque ela ficava mais lá. E quando ela vem, que ela fala comigo, já vem a fisionomia dele entrando, porque ele era um portuguesão alto, sabe, falava alto e tal e você acabava relembrando dele entrando na loja. É bom, às vezes não, porque é uma coisa um pouco triste, mas fazer o quê, é o fim de nós todos, né?
P/1 – Então você acompanhou, você falou, gerações de famílias.
R – Ah, é. Tem clientes que veio ele, depois ele acaba aposentando e vem o filho. “Ah, vou comprar pro meu pai, meu pai já não está podendo vir mais, ele está ficando mais na loja”. Daqui a pouco acaba vindo os filhos juntos, esse filho cresce e acaba comprando também e assim vai seguindo, é a sequência natural das coisas.
P/1 – E eles falam assim, tudo com o Tonhão, vai comprar.
R – Graças a Deus eu tento atender todo mundo bem. Você sabe que não dá pra você agradar gregos e troianos, sempre tem aquele que acha que você não trabalha muito certo ou tal. Eu tento ser agradável com todo mundo. Se eu consegui ser com a minha sogra (risos). A minha sogra, é muito engraçado, ela sempre foi, espanhola, o meu sogro pernambucano e ela sempre foi rígida comigo, porque eu tinha o apelido de playboy, eu era meio playboy, tinha um Fusca baixo, os pneuzão largão, eu tinha o cabelo amarrado. E aí: “Minha filha, esse moço, você vai é passar fome com ele”, ela falava. Mas não falava pra mim, falou pra minha cunhada, né? Aí muitas vezes ela vai lá em casa e eu falo: “Quer saber, eu lembro que ela falou que ia passar fome, né?”. Aí eu começo a por todas as coisas pra ela comer pra ela nunca achar que a filha dela está passando fome. Então é o dia a dia, o dia a dia da gente é assim.
P/1 – E tem cliente que só vai com você?
R – Ah, tem muitos, eu tento até direcionar pra outros vendedores, que eles também são bons, são profissionais, trabalham bem também, eles aprenderam como eu aprendi. Mas às vezes a pessoa, se a gente fica mais com a simpatia é onde... às vezes você entra numa loja de sapato e tem uns 70 vendedores, onde eu compro também, que eu compro sapato, tênis, tem um monte de vendedor. E tem um moreninho lá que há muito tempo eu compro dele, você acaba identificando que parece que a pessoa tem mais vontade de atender. Por exemplo: “Eu queria um tênis, mas que não fosse assim, assado”, ele não vem com uma opção, ele vem com quatro, cinco, seis. Um dia eu levei minha neta lá, ela queria um sapatinho não sei o que da Frozen. Ele veio com quatro, cinco lá. Às vezes eu até falo pra eles ali: “Você tem que ter boa vontade pra pessoa não ficar só em mim, é pro outro também”. Porque às vezes tem dia que não dá para eu dar atenção pra todo mundo, eu queria poder atender tudo, mas não, tem que deixar um pouquinho pros outros aprenderem também e atenderem. A maioria que trabalha comigo aqui são profissionais também, eles sabem atender. Primeiro de tudo: você tem que ter boa vontade. Por mais que um cliente seja chato, for difícil de lidar, você tem a boa vontade, você atende ele. Você não pode é não ter boa vontade de atender. Você tendo a boa vontade, o que ele pedir você vai tentar resolver o que está pedindo e pegar certo. Você pegou certo, atendeu, ele vai embora. No outro dia ele compra com você, compra com outro, sabe que todo mundo ali atende igual. Mas às vezes centra um pouco mais em mim porque é o modo de eu ser mesmo, entendeu? Eu gosto de ser educado com todo mundo, eu chego cinco e meia aqui, dez pra seis, é bom dia pra todo mundo, desde a porta até lá dentro. Eu não sei ser mal educado, é difícil, eu não sei como é que pode ser, né? Na minha rua mora um sargento lá e eu tenho amizade com ele. E a maioria dos meus vizinhos lá que são amigos meus, taxistas, tudo, falam: “Pô, como você tem amizade com aquele cara lá? Ele não fala com ninguém” “Não, mas ele me procurou para conversar comigo e eu fui educado com ele e acabei conversando com ele e tenho amizade com ele também. Como tenho com vocês e com todo mundo”. Eu tento ter amigos, porque você ter inimigos é fácil, agora você ter bastante amigos é mais difícil, ter amigos é mais difícil do que ter inimigos. Inimigo qualquer coisinha, um jeito torto que você olha e ele já se acha no direito de se tornar um inimigo seu.
P/1 – Você acha que a relação entre consumidor e venda e a produção e o comércio mudou de lá pra cá?
R – Ah, mudou. Hoje em dia o atendimento tête-à-tête que eu falo não é tanto, hoje em dia tem muitas pessoas que vão em grandes mercados, hipermercado, atacadista, ele compra lá, passa no caixa, vai embora, não sabe nem quem é dono daquilo ali, nem quem é gerente, só sabe quem é o caixa, e isso se o caixa falar bom dia pra ele ou boa noite. Se o caixa não falar nada disso, ou CPF na nota, ele nem sabe quem é o caixa, entendeu? Isso mudou, isso eu acho que faz um pouco de falta porque toda pessoa gosta um pouco de atenção, né? E esses mercados em geral, grande, tirou isso aí, tirou essa linha de pensamento, eu penso assim, entendeu? Você vai a muitos lugares aí que a pessoa compra, vai lá, passa no caixa, paga, vai embora, ele não sabe nem quem é dono, quem não é dono, quer dizer. Apesar que tem muitos comércios pequenos ainda, que eu conheço, tem uma mercearia de um amigo meu, que é no Tucuruvi, chama Mario, ele que fica no caixa. Ele tem três, quatro funcionários na mercearia dele, mas todo mundo é amigo dele, os clientes. Ainda tem aquele negócio. “Ah, essa mulher gosta de tal coisa assim, ela gosta de tal coisa assim”, separar produtos, separar compras, ele tem isso ainda aí. E ele tem muitos clientes que ele ainda leva na casa. Isso aí às vezes está um pouquinho defasado.
P/1 – Mas é importante, né, isso.
R – É importante, é lógico que é. Todo tipo de comércio, por mais que você não queira aparecer, uma hora você tem que aparecer, porque faz falta. O dono aparecer, o gerente aparecer, sempre uma pessoa pede uma atenção. Nem que o dono não esteja ali, então o gerente dar atenção pra ver qual é o problema daquela pessoa. Porque às vezes a pessoa veio na boa-fé de comprar um produto bom e a pessoa que está vendendo tem a boa-fé de estar vendendo um produto bom. Às vezes aquele produto vem danificado, ruim, da fábrica ou da indústria e a gente não tem culpa. E o consumidor também não, que ele compra como fosse bom. E aí a pessoa traz aquilo pra trocar, você tem que ter uma maneira de identificar: “Nós não temos culpa, nós vamos conversar com o fabricante, fornecedor pra trocar isso pro senhor”, mas tem que dar aquela atenção, isso é importante.
P/1 – Mas mesmo assim você atende muito no telefone, né?
R – Eu tenho muitos clientes de telefone, muitos que ligam, se não sou eu: “Então eu ligo daqui a pouco”, ele não quer, entendeu? Mas não é, eu explico pros outros lá, é simples a mercadoria é igual, você fala tal coisa, tal coisa. Mas tem muitos que querem que eu mesmo marque, não tem como. Não tem como eu fazer mudar, entendeu? E eu não acho ruim e também não acho... às vezes eu não acho certo porque às vezes não dá para eu dar atenção, eu tenho que atender a pessoa no telefone meio correndo porque já tem outro pra atender, tem outro na minha frente, entendeu? Mas se a pessoa quer, vou fazer o quê? Eu sou obrigado a fazer do jeito que eles querem.
P/1 – A gente está chegando no final da entrevista já e eu queria voltar um pouco pra falar um pouco do seu casamento. Você se lembra o dia do seu casamento?
R – Ah, o meu casamento foi muito engraçado. Meu casamento é muito engraçado (risos) porque a maioria das pessoas fala assim: “Eu vou roubar a moça da casa” e some com a moça. O meu foi mais ou menos o contrário. No Dia das Mães, a gente estava almoçando e tudo na minha avó, do meu avô Ramiro, a minha mulher falou: “Hoje a gente tem que juntar”, na época nós nos juntamos ainda antes de casar, porque já estava com um ano junto, assim namorando e tudo: “Nós vamos ter que juntar e depois nós vemos se nós vamos casar e tal”. E meu pai não estava aceitando muito. Então aquele dia ela deu aquele: “É hoje ou nunca. Ou nós juntamos hoje ou nunca”. E eu almocei lá na minha avó no Dia das Mães, aquele negócio todo e tal e aquele negócio na minha cabeça, que a minha mulher já estava arrumando as coisas, uma casinha, perto de onde eu moro, onde minha sogra mora, minha mãe mora, pra mudar lá. E aí de noite, rapaz, meu pai é muito ligado a mim à época, de noite eu arrumei minhas coisas, sabe. E eu tinha medo de falar com ele que eu ia morar junto com ela. E de noite eu já tinha saído fora de casa, sem falar com ele. Aí todo mundo: “Ah, ela que roubou, ela que foi buscar você na sua casa”. E minha mãe levantou primeiro: “Ó, o Antônio já não está mais aí, não”. O meu pai começou a chorar, mas foi um trem danado pro meu pai melhorar e tudo, demorou bastante tempo pra compreender a situação. Mas aí eu já fui morar com ela, do dia pra noite no Dia das Mães. Mas depois com o tempo meu pai acabou aceitando a situação. Não muito, mas acabou aceitando. Mas no meu caso foi diferente, né? A maioria rouba a moça. No meu, eu e a minha esposa pode dizer que ela que me roubou (risos), eu acabei indo pra casa dela. Nós montamos uma casinha, era uma casa geminada que tinha outras casinhas de aluguel e ali comecei. Morei junto com ela logo no começo. Era difícil, meu pai queria que a gente fizesse as coisas mais ou menos na linha, tipo, ficar noivo, casar na igreja. Depois eu fiz tudo isso, mas na época era aquela coisa. E eu também não queria mais viver naquele negócio de ficava lá a semana toda com ela e ficava em casa de sábado e domingo. Só ia trabalhar, chegava de noite e ia pra casa dela. Então minha mãe disse que meu pai chorou, chorou porque ele não queria que eu saísse daquele jeito. Mas foi assim. E graças a Deus eu não me arrependo, não, porque eu sou muito feliz com a minha mulher, ela é um pouco brava (risos), é que nem eu digo: “Mas por que você se dá tão bem com a Sandra?”, é que lá em casa eu tenho uma política, né? Quando eu falo, ela não ouve e quando ela fala, eu obedeço. Pronto, você vive o resto da vida. Quando a mulher fala e você obedece você vive o resto da vida, você pode ir. E ela falou e eu estou obedecendo. Às vezes eu mudo até, às vezes eu estou indo embora: “Você está indo pra onde? Não, vai por aqui que você vai ter que passar em tal lugar”. Então a gente vive bem por causa disso. E tanto ela me conhece como eu conheço ela, até no olhar ela sabe como eu sou. E eu também, quando eu sei que ela não está boa, ali é dois segundos eu já sei. Com o convívio do dia a dia você acaba reconhecendo. Mas eu não me arrependo nenhum minuto de ter saído de noite da casa do meu pai pra ir morar com ela. Até hoje ainda fico um pouquinho triste do meu pai ter ficado emocionado, que ele não queria. Mas foi a mulher que eu escolhi, é ou não é? E todo mundo faz isso, ninguém fica dentro da casa do pai assim, que nem eu por exemplo, todo mundo vai embora morar com uma mulher, pelo menos o homem é uma coisa e a mulher também.
P/1 – E você tem filho?
R – Tenho um, mas minha mulher teve um menino antes, então pra mim ele é um filho, é enteado mas pra mim é um filho. Ele passa pra lá de filho. Eu faço o que eu posso e não posso porque eu gosto mais do que um pai, pra ele eu fui mais do que um pai. Fui não, sou, porque graças a Deus ele é vivo, é todo certinho, trabalha, tem a familinha dele, tem a filha dele e nós nos damos muito bem. É que nem dizem, pai é aquele que cria, né? Eu tentei dar o que eu tinha e o que eu não tinha até o dia de hoje pra ele e nós nos damos muito bem. Isso aí não modificou em nada, esse menino veio só a acrescentar, só somar na nossa relação. Ele era pequenininho, eu fui dando carinho, tudo e o menino acabou ficando do meu lado, né? E às vezes essa palavra padrasto eu não conheço. E ele também, essa palavra enteado eu não gosto, eu não falo. Ele chama eu de pai e eu chamo ele de filho, que eu acho que a nossa relação é bem, bem forte, entre nós e entre a minha mulher. Então pra mim basta.
P/1 – E você tem sonho pro futuro hoje?
R – Eu, na realidade, penso assim, a vida, você vai mudando seu pensamento. Com 20 anos eu pensava em ter um Passat GLS, esportivo, pensava em ter um carro esportivo na época e eu tive também, né? Aí é um pensamento. Com 30 anos você já pensa em ter uma mulher, uma pessoa ali no dia a dia que te ajude. Com 40 anos você já pensa em ter uma casa, ter uma estabilidade. E com 50 anos você já pensa em só ter saúde. Porque não adianta nada você ter tudo e não ter saúde. Não adianta nada você chegar numa festa que tem tudo o que você possa comer e imaginar e você não pode pegar nada, você tem pressão alta, tem diabetes, então, o que adianta? É melhor, da minha idade, 50 em diante, é você pensar em ter saúde, pra você chegar em qualquer lugar e o que te oferecer você pode comer. É uma riqueza maior do mundo, não é sonho, mas é uma riqueza você ter isso. É ou não é? E graças a Deus eu me considero uma pessoa rica porque eu tenho uma família, eu tenho um bom patrão, tenho uma boa empresa pra trabalhar, tenho uma casinha boa e tenho a família que me ama, né? Entendeu? Que nem um dia eu gostava muito de ir no Ibirapuera, quando era jovem. E lá tinha umas ciganas que liam a mão, né? Eu nunca tinha dinheiro pra ler a mão, era um cruzeiro pra ler a mão, mas um dia eu tinha. Aí eu falei: “Eu vou fazer essa mulher ler minha mão”. Ela leu, né? Ela falou: “Ó, você não vai ficar rico e nem pobre, você vai ter uma vida estável”. Quer dizer, ela acertou. “Você está procurando a mulher dos seus sonhos longe”, eu estava namorando uma moça pra lá de Minas. “A mulher da sua vida está perto de você”. E a minha mulher, a mãe e o pai dela moram duas ruas pra cima, então ela também não errou. Então: “Você não vai ficar rico nem pobre e o amor da sua vida está perto da sua casa”, entendeu? Aí eu falei: “Pô, então essa mulher acertou tudo” “E você vai viver três idades que você tem hoje”. Quando a mulher me leu eu tinha 22 anos, quer dizer, ela acredita que eu vou passar de uns 60 e pouco, 70. Não estou dizendo que eu acredito, mas tudo o que ela leu na minha mãe há mais de 25 anos deu certo.
P/1 – Eu ia te perguntar o que você achou de contar um pouco da sua história pra gente, como é que foi?
R – Eu não achei nada ruim porque eu tive passagens na vida não boas, mas a maioria foi boa. Até hoje a minha vida é boa e eu gosto de tudo o que eu faço, gosto desse meu patrão. Não gosto nem de falar porque eu começo a querer chorar, né? Gosto da minha família, gosto da minha mãe. E uma reportagem que nem essa é tudo de bom, né? Se essa reportagem vai ajudar alguém a ter mais objetivo na vida, ajudar a pessoa a ter fé, a ser determinada eu acho que eu fiz um bem pra todos.
P/1 – Obrigado, Tonhão.
R – Ôpa. Obrigado você.
Recolher