P/1 – Olá, bom dia!
R/ – Bom dia.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o nosso convite e vir para cá dar essa entrevista. E, para começar, queria pedir para você falar seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Ramón Sanchez Díez. Nasci na Espanha, Madri, no ano 1968.
P/1 – Em que dia?
R – Um ponto. 29 de outubro.
P/1 – Certo, e qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Orestes Sanchez e a minha mãe Maria de Carmem.
P/1 – Ah, fala um pouquinho para gente como é que era, é, o que você se lembra da Espanha, da sua infância, como é que era a sua casa.
R – Puxa, vamos lá: eu morei em vários lugares. São várias lembranças que tenho da minha infância. Eu nasci num bairro ali no centro de Madri e acho que com quatro, cinco anos, meus pais mudaram de apartamento para outro bairro no centro e, por fim, com sete, oito anos, já tinha meu irmão. Meu irmão Fernando nasceu e mudamos para outro bairro e aí que estabelecemos nossa residência por oito, dez anos. Me lembro que, na minha infância, tinha muita mudança, mudança de casa mesmo. E até na própria universidade que foi um lugar diferente que faz parte das mudanças e da trajetória da gente. Mas, é, tenho lembranças de escola, de ônibus, logo no início do Ensino Fundamental, lembro que pegava ônibus e vestia um – como se chama? – uniforme assim de colegial, foi pouco tempo que fiquei com esse vestido da escola... Mas acho que, realmente, comecei curtir a infância, o bairro, foi quando a gente mudou para uma cidade na periferia de Madri, chamada Aluche, e eu tinha uma vida bem assim, na rua mesmo, ia para escola de manhã, às vezes, meu cachorro me acompanhava. Era um cachorro desses vira-latas superinteligente. Acompanhava a gente até a escola e depois retornava para casa, ficava na escola a manhã toda, era bom. Dava para almoçar em casa e o restante da...
Continuar leituraP/1 – Olá, bom dia!
R/ – Bom dia.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o nosso convite e vir para cá dar essa entrevista. E, para começar, queria pedir para você falar seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Ramón Sanchez Díez. Nasci na Espanha, Madri, no ano 1968.
P/1 – Em que dia?
R – Um ponto. 29 de outubro.
P/1 – Certo, e qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Orestes Sanchez e a minha mãe Maria de Carmem.
P/1 – Ah, fala um pouquinho para gente como é que era, é, o que você se lembra da Espanha, da sua infância, como é que era a sua casa.
R – Puxa, vamos lá: eu morei em vários lugares. São várias lembranças que tenho da minha infância. Eu nasci num bairro ali no centro de Madri e acho que com quatro, cinco anos, meus pais mudaram de apartamento para outro bairro no centro e, por fim, com sete, oito anos, já tinha meu irmão. Meu irmão Fernando nasceu e mudamos para outro bairro e aí que estabelecemos nossa residência por oito, dez anos. Me lembro que, na minha infância, tinha muita mudança, mudança de casa mesmo. E até na própria universidade que foi um lugar diferente que faz parte das mudanças e da trajetória da gente. Mas, é, tenho lembranças de escola, de ônibus, logo no início do Ensino Fundamental, lembro que pegava ônibus e vestia um – como se chama? – uniforme assim de colegial, foi pouco tempo que fiquei com esse vestido da escola... Mas acho que, realmente, comecei curtir a infância, o bairro, foi quando a gente mudou para uma cidade na periferia de Madri, chamada Aluche, e eu tinha uma vida bem assim, na rua mesmo, ia para escola de manhã, às vezes, meu cachorro me acompanhava. Era um cachorro desses vira-latas superinteligente. Acompanhava a gente até a escola e depois retornava para casa, ficava na escola a manhã toda, era bom. Dava para almoçar em casa e o restante da tarde eu ficava lá na rua, enfim, jogando, com amigos. Nada de especial, mas tudo muito intenso, muito. Olhando para céu, e, na rua mesmo, jogando, aqueles jogos que eram simples, tinham poucas coisas sofisticadas. A coisa mais sofisticada que eu ganhei num aniversário foi um patins, acho que o mais sofisticada que usei como brinquedo, durante a infância. Então, era uma vida boa aquela que a gente tinha nesse bairro, vida de bairro mesmo, né, sempre fora de casa; se conheciam os porteiros dos prédios, os amigos, você sabia onde todo mundo morava, você olhava para o prédio onde morava um amigo seu, você via que ele morava no sexto, e meu tio morava no quinto e outro em um prédio próximo. Tudo assim, bem próximo, bem pessoal, né.
P/1 – E qual era a atividade dos seus pais e como é que era a sua relação com eles?
R – Meu pai, ele trabalhou por muitos anos num negócio editorial. Ele foi desde funcionário de uma empresa editora de livros de educação e até chegou a montar sua própria empresa, que eram várias lojas, várias livrarias, perto desse bairro onde a gente morava. E ele mudou também de emprego em outras ocasiões: trabalhou para uma empresa de produtos eletrônicos e, depois, trabalhou para um jornal, um grande jornal espanhol, chamado El País. Acho que ele se estabeleceu, ele se aposentou no jornal País. Acho que os últimos quinze anos da sua carreira foram lá. E, no meio do caminho, trabalhou também numa, numa vinícola. Aí que a gente achou que ele pegou um pouco o gosto pelo vinho, o processo, elaboração e tudo isso aí. Eu o acompanhei em várias das viagens que ele fazia na distribuição do vinho. Ele visitava distribuidores da vinícola na Espanha toda e, várias vezes, eu acompanhava ele nesse percurso para vender a mercadoria, o que é muito interessante. Minha mãe trabalhou também numa boa temporada, na mesma empresa de fatores, eles se conheceram nessa empresa editorial. E ela vez, basicamente, funções de assistente, de secretária, durante muitos anos; se aposentou, pois tinha umas doenças nas costas que a incomodou por muitos anos e que acabou a afastando do trabalho. E ela era a ama de casa – se fala assim em português? –, ama de casa.
P/1 – E você falou um pouco da escola, de algumas das suas lembranças que você tem de lá. Qual é a sua primeira lembrança da escola? Do que você gostava? De estar com os outros meninos? Como era essa escola?
R – Ah, a escola... Era uma escola que ficava muito longe de casa, a gente tinha que caminhar bastante até chegar lá. E ficava no meio do nada, não tinha prédio próximo, sabe? Uma escola pública, não me lembro do nome, né, eu entrei lá nessa escola quando tinha onze anos, se não me engano, mais ou menos, onze anos. E era uma escola simples, boa, de boa gente, e sempre tem figuras na escola. Tinha uma de um cuidador, aquela pessoa que olha pela segurança da escola, que vê se eu estou arrumado, que troca as lâmpadas, um cara bem simpático. Algumas vezes, ele corria atrás dos meninos para evitar que eles fizessem sacanagem e tal. A gente brincava muito lá no pátio. O pátio, que eu me lembro, tinha a grade que estava meio quebrada, tanto a gente pulava dentro e fora da escola assim, com total naturalidade. E ficava lá no campo, que nem o gado quando está espalhado fora da cerca, né? A mesma coisa. Então, era uma escola bem, é, como chama? Bem misturada, tinha pessoas de toda condição, lá tinham pessoas por exemplo, “cinganas”, né? “Cinganas”? Ciganos, que moravam numa comunidade próxima e nossa escola pública aceita todo mundo. Interessante, tinha essa diversidade de pessoas e era uma escola mista, tinha meninos e meninas. Nem sempre lá na Espanha tinha essa possibilidade de ter escolas mistas. Tinha escolas para meninos, escolas para meninas e eu estava numa escola mista. O que dava mais emoção ao dia a dia. E é isso. Depois, eu troquei de escola, fui morar num outro bairro, aí já mudou um pouquinho o cenário, né? Eu passei de uma escola pública, bem diversa na condição, não dos colegas e dos amigos e tal. E fui estudar numa escola de pais. Um colégio de mais, formal, mais sério, com muita... Não vou falar com muita religião, porque também não era uma coisa assim, absorvente. Mas, certamente, tinha na pauta semanal “religião”. Os professores eram pais, pessoas superbem preparadas, mas com um pouco, eu comecei essa lição um pouco mais tough, com esse rigor, que tem. E os professores eram muitos velhos, me lembro, os pais dessa escola. Velhos. Na época, eu enxergava eles como velhos. Pessoas que, eu imagino, teriam cinquenta e cinco anos, uma coisa assim, então tem essa distância geracional. Esse dom dos pais que nascem com a ovelha negra na comunidade, para um cara bem mais moderno, bem mais... que parecia um hippie né, ele só causava problemas com o restante dos pais. Então, essa era a outra escola onde eu fiquei estudando desde os onze anos até que eu ingressei na universidade. Então eu tenho um pouco desses dois mundos, esse contraste. Os bairros também, onde eu morei, eram bem diferentes. O bairro da periferia, um bairro mais popular, mas eu vivia na rua, tranquilo. Já quando eu morei perto dessa outra escola que estou a falar, um bairro mais de classe média alta, com muita gente com reminiscências do franquismo. Eu lembro que eu pegava o bus, o ônibus, que nos levava num campo que ficava fora de Madri, toda quinta se não me engano. A gente pegava esse ônibus com catorze, quinze anos. A gente ia num campo, num terreno, que os pais tinham, que tinha quadra de futebol, era uma imensidão, para lazer, para o que chamam de exercícios espirituais também. Eu nunca participei dos exercícios, eu participava dos exercícios físicos, dos espirituais eu não me dei bem não. E meus colegas iam cantando hinos nacionalistas, lá no ônibus e relembrando o fascismo que comandou a Espanha durante quarenta e poucos anos, na ditadura, e era naquela inocência, quando se fala qualquer bobagem e resgata esses valores que os pais dos meus amigos tinham instalado, porque a Espanha tinha mudado muito nessa época, nós estamos a falar do período que vai desde a morte do Franco, que era um ditador que comandou a Espanha por quarenta anos e que depois deu toda essa transição política, a incorporação da democracia como maneira de governo, as primeiras eleições quando eu me lembro, me arrepiam ainda. Na época, isso com catorze, quinze anos, eu vivenciei essa mudança política na Espanha de maneira bastante intensa, mas inserido numa escola que era de um teor muito conservador, que olhava mais para trás que para frente, então, fui uma espécie interessante, sobrevivi e vou olhar nesse entorno. Nem sei nesse ainda, não explico porque que a gente acabou convivendo nesse entorno porque meus pais também têm essa visão mais progressista que outra coisa, mas, por algum motivo, eu acabei nessa escola de pais, com esse entorno tão conservador que fugiu um pouquinho dos valores que eu mesmo tenho, mas enfim...
P/1 – E como é que você lidava com todas essas mudanças de escolas, dos bairros, de enfrentar realidades diferentes?
R – Eu lidava com muita abertura para as novidades. E você aprende a desenvolver uma naturalidade na inserção em grupos que você não conhece. Não tem jeito, você não pode ficar isolado, né? Então, eu não sei, acho que uma mistura de um certo arrojo, porque você chega numa escola nova, e você chegar numa escola nova, para uma criança, não é coisa simples, é meio traumática, agora me lembrando daquela época. Como que você faz amigos? Como que você se abre para o resto? Como você é aceito na comunidade onde você vai estudar? Eu lembro, por exemplo, de uma das escolas que eu comecei, e lembro perfeitamente que no primeiro dia eu tinha umas botas, assim, sabe essas botas de gaúcho, bota até aqui (altura da canela) que eu tinha ganhado pelo aniversário. Então, eu fui no primeiro dia de escola com essas botas, cara, foi o máximo! Todo mundo falava: “Poxa”, tal e tal. E aí que o negócio foi. Já na outra, aquela que eu fui aos onze anos, eu conheci um rapaz no primeiro dia, ele falou: “Puxa, você faz esporte, tal?”. “Não.” “Você não quer fazer parte do time de handebol?” “Tudo bem!” “Então, tem treino hoje à tarde, às cinco horas.” “Tudo bem, vamos lá!” Então, eu falei com treinador, ele falou: “Bom, aguarde aí um minutinho, você vai ver como o pessoal treina, tal o qual, se você gostar, você se incorpora já amanhã, mas fica observando”. Eu fiquei atrás do gol. Cara, nos cinco primeiros minutos eu ganhei uma bolada na cara que caí de costas no chão. Então, essa foi a primeira experiência dessa outra escola, penso com isso um pouco mais traumático. Mas um ponto que se ganha um pouco essa habilidade para começar a crescer, naqueles lugares aonde você vai. Interessante, fiquei pensando um pouco, porque também eu não preservei tanto esse contato com os meninos das diferentes escolas que eu percorri. Agora, já com quarenta e três anos, estou resgatando, sabe, através do facebook, alguns encontros, por exemplo, dessa escola mais conservadora que eu fui a partir dos onze anos, teve um encontro da, sei lá, geração dos sessenta e oito, que eu sou do ano sessenta e oito, que aconteceu em Madri, quatro, cinco meses atrás. Infelizmente, não pude me juntar, teria ido, teria pego um avião, mas algum compromisso desses que não dá para não assistir aqui no Brasil. E que incrível como tem passado o tempo desde então! Mas não mantive muito contato com o pessoal, só agora que estou resgatando algumas amizades, né?
P/1 – E o que você nessa sua meninice, indo nas escolas, e conhecendo essas pessoas diferentes, o que você queria ser quando crescesse? Você pensava assim, em seguir alguma carreira?
R – Não fazia a menor ideia! Acho que comecei a falar de carreira e tal com meu pai quando eu tinha, sei lá, a idade do meu filho, catorze, quinze anos. Eu sempre me dei muito bem na escola, eu era um cara assim, “top”, sempre, enfim. Dei sorte, sempre gostei muito de estudar, tinha muita curiosidade por tudo e, por algum motivo, me dava bem em todas as matérias. Então nunca me preocupei muito por esse assunto da carreira. Só dois anos antes, três anos antes da faculdade, quando se tem catorze, quinze. A faculdade eu comecei aos dezoito, né?. Aí que, conversando com meu pai e tal, e, honestamente, eu não queria fazer dessas carreiras que te sugam, que sugam você, que você fica, sei lá, numa Engenharia, que você fica quinze horas diárias estudando e tal. Eu era um bom estudante, eu tinha, acabei o, como se chama? O “high school”, o Segundo Grau, antes da faculdade, com menção especial, tudo com nota “A”, não sei qual é a gradação. Então, eu poderia ter optado por qualquer carreira, qualquer faculdade, porque eu realmente tinha um currículo que, felizmente, me permitiu fazer escolhas. E minha escolha, na época, foi eu acho, até que disse, gostava da faculdade, “curta, vai lá, mas não fique sugado pelo mundo acadêmico”. Então, minha escolha foi estudar Economia, por isso. Porque uma carreira demandante, mas não era, sabe, uma Engenharia, que precisa de uma demanda enorme e era interessante do ponto de vista até social. Eu sempre gostei de, me lembro de quando meu pai era empresário, e tinha essas lojas de, essas livrarias, eu corria atrás de informações sobre como gerir os estoques, como colocar o visual na vitrine da loja, a importância que tem a rotação da mercadoria para aumentar o lucro do negócio, a atenção ao cliente, o merchandising. Realmente, me interessava bastante esse mundo, não vou falar da Economia, né, porque você não tem noção com catorze anos que isso é Economia, mas sim do negócio, da troca, do serviço. Acho que uma coisa somada a outra, acabou dando em que eu estudasse Economia. E acho que foi uma boa escolha, curti muito a faculdade, muito. Fiquei tanto tempo fora do campus como dentro. Participei de todos os tipos de seminários, eu lembro que teve um cara que veio da Rússia para falar sobre o Marxismo, e eu fiz um workshop sobre Marx, sobre as economias de planificação e sobre a União Soviética. E, veja bem, naquela época nem tinha caído o Muro de Berlim, e foi fantástico participar desse tipo de experiência. Também fui representante dos estudantes na faculdade, estava sentado no Conselho Reitor da faculdade e tinham umas brigas interessantes. Eu representava os interesses dos estudantes, numa época também muito interessante, porque o sistema educativo estava se abrindo para permitir maior participação de todos os stakeholders: no caso do Ensino Médio, as Associações de Pais e Alunos; no caso do ensino universitário, os próprios alunos, passando por processos de eleição democrática na faculdade para representar os alunos lá no Conselho Reitor, e aí que eu fui né. Mas era esse momento de abertura, era a primeira vez que um aluno sentava para discutir com o reitor da faculdade, por exemplo, o orçamento do próximo ano, se vai dar ou não aumento salarial e, sei lá, quais são as prioridades até do ponto de vista do currículo e como esse currículo ia mudando e ia se adaptando às necessidades de ofertar um currículo acadêmico coerente com o que a sociedade demanda. Tinha um pouco essa discussão, se o currículo da universidade estava adequado ao que estava sendo as demandas futuras das empresas para a contratação de formandos da faculdade, esse tipo de discussões aconteceu lá no conselho. Acho que foi uma experiência super-rica e inédita: estar ali nesse fórum. Acho que foi possível por ter feito essa escolha de uma carreira não tão puxada no ponto de vista acadêmico, que me permitiu um pouco essa liberdade de movimento mais social, mais político, mais festivo, curtindo a faculdade. Tinha a festa a cada... Tinha a festa da Primavera, era famosa, até me falaram recentemente que foi proibida há dois ou três anos porque chegou nos patamares de balada continua que já não são coerentes com o que a faculdade representa, foi isso aí.
P/1 – E em termos de trabalho, qual foi sua primeira experiência?
R – Eu tinha uma vontade grande de viajar para o exterior, isso acho que estava gravado na minha cabeça até bem no início da faculdade. Com dezoito anos, eu fiz meu aniversário lá no bar da faculdade, convidando um monte de amigos, eu nem conhecia ninguém, mas um pouco dessa história de como que você inicia novos relacionamentos, tal. Eu lembro que convidei um grupo de pessoas que sentavam do meu lado no primeiro ou segundo dia de aula, no primeiro ano de faculdade: “Gente, meu aniversário, vamos num bar, convido vocês a um refrigerante, uma cerveja, só para comemorar”. Aí que eu conheci minha esposa, by the way. Então, desde o início, eu já tinha essa ideia de viajar para o exterior e não sei porque também tinha esse senso de: “Puxa, eu tenho que aproveitar, eu tenho um currículo tão bom que isso abre muitas portas”. De fato, cada ano de faculdade também foi... Eu finalizei a faculdade com prêmios de licenciatura. Eu paguei toda a faculdade pelo mérito, como que é? Quando a faculdade embora pública, custava uma grana. Acho que a USP também custa, né, não é gratuito, tem que pagar a matrícula, não?
P/1 – A USP é pública e gratuita, mas tem os...
R – Mas é cem por cento gratuita?
P/1 – É. Mas tem os sistemas onde há o público não gratuito.
R – Então, era pública, mas você tinha que pagar uma matrícula inicial e, depois, por cada curso, você pagava uma quantidade. Olha, não era, sabe, uma faculdade privada que é bem onerosa, mas também, te falo, era um gasto. Qualquer família, eu sempre fui uma classe média, normal tá, trabalhadora, três filhos, então é um dinheiro. Mas, da maneira como eu ia cursando, eu sempre cursava e fazia, sei lá, nota 9,5 sobre 10. Toda vez que você tinha uma, um “sobresaliente”, se chamava lá uma matrícula, não sei como se fala aqui, você usava isso como crédito para você se inscrever no curso do ano seguinte. Resumo da ópera: eu fui financiando minha faculdade com os resultados das teses que eu ia fazendo em cada um dos cursos, isso ia me permitindo fazer a faculdade entre “de graça”. Então meus pais pagaram pouco dinheiro, se não nada. Por que que eu conto essa história? Porque eu ia guardando, um pouco o sentimento de: “Poxa, com esse currículo dá para, sei lá, acessar um bolsa, e é um currículo bacana para participar de um processo de seleção de empresas ‘top’ tal”. E aí que comecei a enxergar essa oportunidade de ir para o exterior. E comecei a olhar aí todo o tipo de coisas, do tipo bolsas full nos EUA – mal falava Inglês, sabe. E bolsas de algumas instituições aí de base de pesquisa, né. E aí que veio uma oportunidade que o Santander estava disponibilizando junto com o que seria o Ministério de Comércio, que consistia em selecionar um grupo de pessoas graduadas da faculdade, sobretudo de Economia, para eles fazerem estágio no exterior, naqueles países onde o Santander tinha presença. E esse foi um pouco de como surgiu tudo. Eu me candidatei a várias, e aquela de que eu mais gostei foi esta que estou a falar, entre o Santander e o Instituto de Comércio Exterior, o que seria a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos) brasileira, que fomenta a exportação, que fomenta a internacionalização das empresas espanholas, no caso da Apex, das empresas brasileiras, né? Eu me dediquei bastante tempo a preparar os temas, não sei o quê, estudei muito Inglês e isso foi durante o último ano de faculdade, o quinto ano. E aí participei dessa prova e fui eleito. Éramos, não sei, ‘miles’ (milhares) e selecionaram vinte. Um cara acabou na China, outro cara acabou no México e eu acabei no maior! Olha, quando eu soube, primeiro foi uma surpresa: “Você foi escolhido!”. Digo: “Pô, bacana”. “Você vai para Nova Iorque.” Eu não acreditava: Nova Iorque! Não tinha viajado de avião na vida! E meu Inglês era um Inglês assim meio de laboratório, sabe? Eu nunca tinha como era comum de observar meus colegas – colegas não, amigos – da escola, lá atrás, né, que viajavam nos verões para a Inglaterra, para cursar Inglês e falar, depois não faziam outra coisa que curtir umas férias em Londres, tem mais espanhóis que ingleses. Mas, o fato é que eu dei sorte e acabei aterrissando em Nova Iorque no finalzinho do ano 1992. Logo depois que eu finalizei a carreira, a faculdade, aí fiz o meu, o que seria meu serviço militar, tinha mais seis meses de serviço militar que eu compatibilizei o serviço que era obrigatório na Espanha com os estudos e faculdade e aí acabei e peguei o avião. A primeira vez que eu viajei de avião, aterrisso em Nova Iorque, mal falava Inglês e também começando do zero, não tinha nada. Lembro que eu conheci o outro cara que também veio comigo a Nova Iorque, também escolhido pelo Santander, no programa de bolsas e estágios, tal. A gente decidiu compartilhar um apartamento. Mas isso durou uma semana, uma semana depois a gente decidiu: “Não, vamos seguir caminhos separados”. Porque realmente ele era inaguentável, desarrumado, mas deu uma semana a gente já estava morando em apartamentos separados. E aí começou do zero, nem sofá tinha. Tinha uma plataforma de madeira, um colchão, se chama assim, né? E na estrada, e um monte de livros e de “papers” que já na hora que cheguei a Nova Iorque, já arrumei todos esses livros de referência para o trabalho que eu iria fazer, que depois não tinham nada a ver com financiamento e exportação e tudo isso para o qual eu não me preparei. Eu acabei aterrissando numa mesa trading de tesouraria, não pergunte por que motivo, porque a principal bolsa era para estágio, cartas de crédito, financiamento de exportação, não sei o quê, nada a ver, né. E eu acabei fazendo trading. Acabei os primeiros meses indo procurar café e bagels para os traders da mesa de tesouraria (risos). Já foi um grande esforço e uma grande conquista entender qual que era o café e o tipo de bagel que cada um dos traders queria que eu fosse pegar no deli, da lojinha que ficava ao lado do prédio do banco. Eu não sei se você sabe, mas os americanos têm mil opções para tudo. Você vai para, numa deli dessas e quer comprar um lanche, eles têm quinze opções de pão, quinze opções de molho, se quer, enfim, na chapa ou quer com manteiga, não sei. É quase impossível, você: “Poxa, eu só queria um lanche de presunto e queijo”. Só isso, impossível. Total sofisticado, tantas opções, tanta variedade. Então, os primeiros meses foi isso: aprender a pedir lanches de inúmeras combinatórias diferentes, de várias pessoas que trabalhavam junto comigo lá na mesa de trading. E que eu comecei a trabalhar no banco, foi um pouco a somatória de fatores: a sorte, o empenho que eu sempre tinha de ir para o exterior, tinha um currículo aí mais ou menos destacado e uma coisa com a outra aí que acabei em Nova Iorque, fazendo trading de junk bonds de bonds empresas “falentes” (negócios de alto risco). E quem ia me dizer, quando eu comecei nessa aventura da faculdade de Economia que acabaria sendo esse meu primeiro emprego.
P/1 – E como é que foi a viagem de avião e toda a expectativa de chegar em um país diferente?
R – (suspiro) Da viagem de avião, eu me lembro de um homem muito engraçado que ele só falava: “Ramón, vou te dar um conselho, antes de subir no avião, por favor, vá ao toalete porque no avião não tem jeito, cara, é melhor que você já ir no avião depois de ter visitado o toalete. Assim você evita passar por essa situação incômoda de ir no toalete no avião”. Era muito engraçado, ele imitava as aeromoças: “Você vai chegar lá, você vai sentar? E vai ter um cara que vai começar a fazer assim, tal, e não sei o quê”. Era superengraçado. Eu nunca tinha pegado nenhum avião até esse momento. Mas foi tranquilo, me lembro mais dessa situação simpática desse amigo meu, com os amigos de carreira e tudo isso, do que outra coisa. Chegar em Nova Iorque meio perdido, você chega lá, “pufff”. Lembro do hotel onde eu fiquei duas ou três semanas que aluguei esse apartamento com esse outro colega que não deu certo. E é isso aí. Ficou um pouco a sensação, isso sim é o que eu me lembro fortemente né, a sensação de: “Wow!”, sabe? “Como que eu vou aprender isso, né, como que eu vou curtir este entorno?” É uma coisa tão diferente, até o fim. Eu sou muito apaixonado por tudo que eu faço, então, quando eu acho uma coisa assim, bacana, aí eu vou. Me deixei levar pela correnteza de Nova Iorque. Uma cidade muito intensa, muito intensa, não para. Então, foi chegar lá e é isso. Curtir, né? E trabalhar duro, né? Também trabalhei pra caramba. Não tinha a menor noção do negócio que eu fui lá e eu sempre um pouco assim, “quebrando a cara” também e com muita leitura, procurando muitas fontes de referência, falando com os traders e me ajudou um pouquinho a ter mais assim, tinha uma boa capacidade analítica, portanto entrava muito nos temas até e aí em alguns meses, acho que foram seis meses, no mínimo, que eu cheguei a respirar. Mas os primeiros meses foram muito corridos, muito extenuantes, de intenso trabalho e aprender como ganhar a competência básica para desempenhar em Inglês, num negócio totalmente desconhecido, como também do ponto de vista social de uma cidade que não para, foi bem interessante.
P/1 – Você falou que os primeiros seis meses foram muito puxados para entender o trabalho e a língua e para se ambientar na cidade que não para. Mas como é que foi, então, se desenvolvendo a sua carreira lá? Você ficou alguns anos em Nova Iorque? Como é que foi dando a sequência para sua carreira?
R – Eu fiquei em Nova Iorque seis anos. Comecei como assistente da mesa, e depois como analista e, gradativamente, eu fui ganhando responsabilidade nesse negócio de trading. Mas, realmente, o negócio foi crescendo também, foi passando de uma mesa de trading para uma gestora de fundos que começou a realizar investimentos de meio prazo em empresas que estavam em processo de turn around e isso passava como empresa, como management, com os outros credores da empresa. Como que você recapitalizava e reformulava um business case para as empresas seguirem para frente. Então, tinha muita coisa de negociação, de defesa dos interesses dos diferentes grupos de credores, credores – se fala? Sim. São palavras que eu nunca usei nessa hora que estou trabalhando no varejo, essas coisas não são tão..., lá atrás eram mais presentes –, e de entendimento de indústria também, estão precedidas as capacidades competitivas, os custos da eficiência, enfim, você olhar para esse universo de uma empresa que estava passando por um período de dificuldade financeira. Como que você reestrutura o balanço e toma decisões de negócio para permitir que essa empresa saia para frente, ou não. Tinham situações que a decisão era liquidar. E para você dar a cada um dos stakeholders a parte que corresponde nesse reparte, a gente passou de ser uma mesa de trading assim mais de dia a dia e passou a ser uma gestora de fundos. O banco apostou fortemente nesse mercado e, portanto, a gente começou, quando eu cheguei em Nova Iorque, tínhamos um portfólio de vinte mil, trinta mil sob gestão, cinco anos depois era um negócio de trezentos mil. Estavam alocadas oportunidades de turn around de empresas de perfis muito diferentes. Empresas que estavam submetidas a um risco, sei lá, contingências por, eu lembro muito bem, de, por exemplo, empresas construtoras que tinham uma contingência pelo uso de materiais que depois resultaram em cancerígenos. Então essa empresa ficou uma empresa falida, por ter uma dívida, um ônus com as pessoas que passaram, que trabalharam, peão de obra que participou numa empreiteira numa construção de um prédio e que acabou doente. Então, tudo isso gera um processo de reclamação judicial, imagina a complexidade de tratar um assunto como este e, com tudo isso, temos os credores, tem bancos, tem acionistas, tem outros stakeholders que participam um pouco dessa empresa, isso um exemplo. Outro exemplo lá é empresas de telefonia celular, que lá na época, nos EUA, eram empresas emergentes, eram empresas que não tinham, na época, uma visão clara sobre o potencial do desenvolvimento da telefonia celular. Olha que curioso, né? Tinha uma empresa chamada “Sprint”, ou “Nextel”, que na época eram empresas muito embrionárias que começaram a comercializar seus serviços, mas existia a AT&T que era o grande legado da telefonia fixa, sobretudo, que todo mundo achava que não deixaria essas empresas crescerem e depois virou o oposto. Então, a gente apostou muito nessas empresas pequenas, como a Nextel. Eu me lembro de comprar um bônus da Nextel que é hoje conhecida na América Latina toda, quando a Nextel era uma empresa deste tamanho (pequena), comandada por pessoas que tem uma visão de negócios, de como combinar a telefonia celular e o rádio para grupos de empresas que se comunicam tipo “walk-talk”. Puxa, boa ideia! Totalmente diferenciada no mercado. E as aerolinhas de baixo custo de trabalho, financiando empresas – ah, me fugiu o nome –, de baixo custo, pequenas que, agora, é uma coisa comum nos mercados americanos, brasileiros, mas lá na época, o “low-cost airline”, que competia contra a American Airlines, próxima “South West Airlines” que hoje é uma das maiores. Lá, na época, era uma coisa bem embrionária, era um modelo de negócio rompedor no mercado e, para financiar esse crescimento, essas empresas, todas essas que eu estou a falar seja dessas que são mais empreendedoras, ou aquelas que estão em processo de reestruturação, precisam de apoio de bancos, de venture capital de investidores que estejam dispostos a correr o risco da transformação da empresa “falente” numa empresa viável, ou do crescimento de uma empresa com uma boa ideia de negócio, mas que precisa de recursos para desenvolver esse business case. Então, isso que acabou sendo aquela reunião de negócio e, com o crescimento do negócio, acho que veio o meu crescimento profissional porque você vai encorpando seus skills e vai cada vez fazendo uma coisa mais completa. Passei de comprar e vender bonds, como fiz no início, a entrar um pouco, a entender essas oportunidades de negócios, falar com o management, falar com os stakeholders para ver se faz sentido ou não, que o banco coloque dinheiro nesse tipo de negócio. E aproveitei também essa época para fazer um posgrado (pós-graduação), parecia um posgrado, chamam de CFA, Chartered Financial Analyst. Uma certificação que é muito reconhecida no mundo da gestão de portfólios de investimentos, reforça muito a ética no mundo dos negócios, sobretudo no mundo de Wall Street. Se você é um gestor de fundos e atua em nome dos seus clientes, pessoas físicas, como que eu sempre sirva essa confiança que o cliente deposita em você na hora de tomar decisões de investimento. Puxa, essa é a coisa mais difícil que existe! E tem muitas pessoas lá no mercado que enfrentam dilemas a cada dia, seja de insider trading por ter informação privilegiada e usar essa informação privilegiada para ter um reconhecimento pessoal ou um dilema muito conhecido de front running: eu sei que tem várias pessoas que vão comprar uma ação e eu vou comprar primeiro. Eu seguro essa compra durante alguns dias, depois passo para elas, e faço um ganho na troca. Esses dilemas, eticamente, não tem dúvida de que estão errados. Mas eu pude mergulhar muito nesse tipo de situações porque eu observava isso lá. Wall Street é uma coisa feroz, não é por acaso que tem pessoas que vão à cadeia ainda hoje, que agiram de maneira pouco ética e criaram esquemas de enriquecimento ilícito. Então, isso que aparece na mídia, quando um gestor de fundo de investimento está fugindo o nome, do indiano, foi para cadeia, isso acontece. Quando você está lá, em Nova Iorque, trabalhando em Wall Street, você observa essas coisas. Então, para mim, foi uma coisa muito chocante, essa falta de ética em alguns comportamentos e sempre me mantive muito, como te diria? Muito rígido. Sabe, sem abrir brecha para esse tipo de práticas. Parte aprendi estudando nesse CFA que falava, que reforçava muito isso e, sobretudo, dava um visual para poder estar alerta de que tipo de comportamento a indústria financeira, a indústria de Wall Street podia fugir de uma política de bom senso e de uma política ética na atuação diária. Mas parte, acho, que era comigo. De fato, eu cheguei a voltar de Nova Iorque para Madri e chegou uma hora que, foi um pouco assim como, esgotado já desse tipo de mundo: “Cara, este não é o meu, minha vida não é essa”. Aprendi pra caramba, curti, sabe? Quando se trabalha no mundo da bolsa, tem uma gratificação instantânea tudo aquilo que você faz, é muito evidente o retorno da sua atuação, muito individualista, por outro lado, aí não tem teamwork, não tem nada disso, é cada um com sua carteira profit-making e depois coleta o bônus no final do ano. É uma coisa meio selvagem e confrontando todos esses dilemas éticos no dia a dia e observar que tinha coisas que eu não gostava e eu decidi sair. Honestamente, uma hora eu falei: “Gostei, mas não é da minha ciência, trabalhar com nesse mundo”. E aí que surgiu uma oportunidade para voltar para Espanha e foi um amigo meu, que ele era analista de equities, analista de bolsa de um banco que já fechou as portas, o Bear Stearns, não sei se você lembra dos Bear Stearns, Lehman Brothers, todos esses aí eram minhas contrapartes quando eu trabalhava, incrível que nada disso, hoje, não existe. Quebrou. Foi à falência. Milhares de pessoas perderam seu emprego, entre outros motivos, porque colocaram na prática atividades não sustentáveis, que não estavam olhando para o longo prazo, para a coerência dos negócios, para a ética na maneira de agir e aí que foi por água abaixo, não tem mais Bear Stearns, não tem mais Lehman Brothers, o Merrill Lynch foi comprado pelo Bank of America. “Puxa vida”, aquele modelo que eu vivenciei durante cinco anos, quase seis anos da minha vida, sumiu do mapa da Terra. Hoje, ele está reformulando de uma maneira, acho que, muito mais sólida, mais sustentável do que era lá atrás e eu observava isso. A minha experiência mundana, humilde, de uma pessoa que também não tinha muita estrada, apenas alguns anos observando e vivendo essa realidade... Agora pensando, retrospectivamente, “puxa vida”, eu tinha as luzes, o radar bem acesso naquela época. Resumo: eu voltei para Espanha, este amigo meu foi trabalhar no Santander, veio de Bear Stearns para o Santander, chamava Alberto, Alberto Sanchez, ou Sanchez, eu sou Sanchez também, olha a coincidência. E ele foi trabalhar por convite da que então era responsável do Santander Investment, que era o banco de investimento do Santander, sediado em Madri, mas com muita presença na América Latina, que estava começando a realizar aquisições nos diferentes bancos, que era a Ana Botín que hoje comanda só na Inglaterra. Lá atrás, a Ana fez um convite para Alberto para quê? Para ajudar na análise na tomada de decisão sobre quais bancos o grupo deveria e qual o preço que grupo deveria comprar, já que ele era analista de bolsa de valores, era a pessoa mais indicada para ajudar nessa avaliação de oportunidades de investimento, num momento onde o grupo estava se expandindo na América Latina e procurando oportunidades de parceria ou de compra mesmo do capital, de cem por cento capital de bancos latino-americanos. E aí que ele vem a fala: “Poxa, tô indo para a Espanha. Você quer vir com a gente?”. “Tudo bem!” Juro, em vinte e quatro horas, eu tinha a mala feita. Eu lembro perfeitamente de sentar ali nas escadas da minha casa, eu morava então no Brooklin, eu morei também, tive quatro apartamentos diferentes em Nova Iorque. Nossa, passei mudando minha vida toda, até que veio a nova cidade, que deu uma seguradinha. Quando nasceu o Ignácio, o meu filho mais velho, a gente foi morar de Manhattan para o Brooklyn. A gente alugou uma casa um pouco maior e compramos um carro. Isso foi o máximo, né! Ter carro lá. Mas lembro perfeitamente quando a gente tomou a decisão de voltar para a Espanha, foi uma coisa assim, (estalar de dedos) instantânea, não demoramos um minuto. Em vinte e quatro horas, já estava tudo já arrumado, mala feita. Meu chefe ficou bravíssimo comigo, bravíssimo: “Como? Tal, você está indo para a Espanha, como assim você deixa tudo, larga tudo?!”. “Não vou largar nada, mas surgiu a oportunidade.” Mas foi uma coisa de um stress grande. Mas eu já tinha tomado a decisão fazia tempo de sair desse modelo de vida e aí que veio essa oportunidade de ir para a Espanha para trabalhar pela primeira vez e, aí, que eu me deparei com a realidade latino-americana num negócio onde, embora a sede estivesse na Espanha, o filme acontecia na América Latina: Colômbia, Brasil, Venezuela, Peru, México, Argentina. Eu os percorri nos seguintes sete anos que eu fiquei trabalhando na Espanha, eu passei mais tempo no avião que em casa. E mais tempo na América que na Espanha. Então, esse foi um pouco dessa transição, onde eu deixei esse mundo do Wall Street e entrei, comecei a me aproximar da banca de arroz com feijão. Que aí que eu comecei a entender: “Puxa, é isso que eu quero”. E foi através de uma pessoa que já faleceu, faleceu de um câncer, chamado Ignácio Razzero que eu comecei a gostar da banca de arroz com feijão. Ele era o responsável do varejo de América, lá na Espanha, a pessoa que tentava cortinar, impulsionar o desenvolvimento da banca do varejo daqueles bancos que a gente foi comprando assim, sabe, pouco a pouco. Claro, bancos com culturas muito diferentes, com jeitos de fazer muito diferentes, num modelo, numa filosofia de cliente comum, então o mandato de Ignácio que a Ana deu para ele, foi: “Puxa, dá uma arrumada, estrutura um jeito de fazer banco comercial, de fazer varejo” e eu me somei nesse time. Com o Alberto de um lado, fazendo avaliação de bancos e o Ignácio, que é o cara comercial. E aí que comecei a sentir esse gostinho pela bancada arroz com feijão.
P/1 – E como é que foi para você, um espanhol que viveu durante seis anos em Nova Iorque, trabalhando em Wall Street, conhecer a realidade latino-americana e ter contato com esse arroz com feijão e ver realidades muito diferentes mesmo dentro da América Latina?
R – Foi espetacular! Foi fantástico! De novo, aquelas viagens que eu fazia à América, o que eu aprendia, sabe, essa capacidade de admirar, que existem realidades tão diferentes, e gente tão..., não sei se tão diferente, mas tão rico! Acho que o tema não é a diferença, mas a riqueza, sabe? Eu me aproximei da América como alguém que se aproxima a um... Não sei como explicar. Como num museu sabe, uma coisa assim rica e com conteúdo e com elementos, com cultura, com manifestações sociais, genuínas e gastronomia. Eu olhava para isso e falava: “Fantástico!”. Eu viaja ao México e: “Baita país, baita país!”, tentava aproveitar algum cantinho da agenda para visitar algum museu, ou seguir na casa de um amigo, tal, porque são modelos de vida diferente daquilo que você está acostumado. Vai lá nas Pirâmides de Teotihuacán, lá onde fica próximo do DF (Ciudad de México). Eu comecei a ler sobre a história dos zapatas, sobre a Revolução Mexicana, cara, é tão rico e tão fértil e eu sempre tive essa aproximação nessas viagens. Como também para o mundo empresarial, para mim, foi sempre uma descoberta: vai lá, vai visitar a rede, as agências do banco lá no México. Vai lá ver! Se você observa que é interessante. “Por quê que é isso?” E aí você começa a se questionar por que as coisas são como são. “Qual é o contexto? Por que é assim mesmo? O que há para melhorar?” Você observa, vê como funciona em outro lugar, em outro país, e nem sempre na Espanha, eu nunca tive experiência de varejo na Espanha. Sou espanhol de nascimento, mas de profissão eu sou de “por aí”, né? Então, sempre me aproximei com esse sentimento de: “Puxa, aqui tem corpo, sabe? Tem sustância”. México, Brasil, sempre fiquei maravilhado desde o primeiro dia que eu cheguei aqui! Eu pisei no Brasil logo depois do Santander comprar o Banco Geral do Comércio, um banquinho assim de, acho que tínhamos um plano de expansão de trinta agências, uma coisa assim, sabe? De bairros. Olha como cresceu o banco aqui no Brasil. Enfim, vamos mudar de assunto? Sempre essa admiração pela cultura, pela gente, a história e a capacidade de observar. Ficar muito tempo observando, essas viagens, por isso eu falei que é como um museu, porque você vai e observa. Quando você vai numa exposição, você vai mas curte também. Eu gosto muito de arte. Gosto muito da pintura, sobretudo. Então, eu curtia pra caramba essa possibilidade de me aproximar dessas culturas e dessa sociedade. Não sei, não reparei, por exemplo, em questões que agora estou muito mais ciente, morando no Brasil, como os temas de desigualdade social, como a falta de desenvolvimento de algumas competências básicas da sociedade, como a educação, os serviços básicos para as pessoas terem uma vida digna. Eu lembro que naquela época que eu morava em Madri e viajava, estava mais olhando para a parte cultural, não sei se folclórica em alguns casos, e práticas de negócios sociais, mas não cheguei nunca a entender, naqueles anos, essa realidade de desigualdade que existem e esses desafios enormes de desenvolvimento que cada um desses países tem. Enfim, eu sei que vim para o Brasil para continuar minha estrada. Mas, pensando um pouco nessa abordagem que você me perguntava, acho que só me deparei com esse dia a dia do brasileiro, esse dia a dia do mexicano quando vim morar no Brasil, no México. Aí que eu falei: “Puxa! Ainda bem que tem toda essa fortaleza e essa robustez cultural e social. Esse trabalho de sociedade, essa história e essa riqueza”. Com isso, dá para melhorar a desigualdade e dá para investir no futuro. Ainda bem que o país tem essa força. Outros países não têm essa força, países com desigualdade social que não têm a capacidade de se mobilizar ao redor disso e mudar, transformar, porque não têm recurso, não têm história, não têm riqueza, não têm pessoas que lideram essa transformação. E eu me deparei com isso aqui no Brasil, com esse privilégio, apesar de que o ponto de partida que não é ótimo, não é comumente aceito como um bom ponto de partida, mas tem a força e a bagagem para transformar.
P/1 – Então, antes da gente falar desse seu período aqui no Brasil, queria que você falasse um pouquinho desses seus anos cuidando da América Latina, da Espanha e conhecendo esses lugares. Como que o Santander fazia os estudos de compra de banco? Como é que era o plano de expansão? Como foram sendo essas visitas às redes de agências? O que elas têm de diferente – e se elas são diferentes em lugares diferentes ou se mantêm um padrão?
R – Eu acho que tudo partiu, ao meu modo de ver – porque eu também não participei de algumas, de muitas aquisições, mas eu participei da construção sim –, tudo partiu de uma missão, de uma vocação muito clara, acredito que vindo do próprio presidente Botín e das pessoas que, na época, desenharam essa teia do banco. Mas foi uma visão muito clara de que o futuro do Santander, como o de outras empresas espanholas, na época, passava pela internacionalização e pela abertura dos mercados no exterior e pela convicção de que esses mercados eram os mercados latino-americanos, por questões de afinidade cultural, de proximidade, de presença histórica, embora o Santander tenha feito uma expansão enorme nos, quando que foi? No final dos [anos] noventa, teve uma rodada de forte investimento, depois teve outra, em meados de 2006, 2007 por aí e aí já tinha presença em várias das geografias: presença no Chile, presença em Porto Rico e no Brasil, também, a presença já estava não como banco de varejo mas como oficina (escritório) de representação, com banco de investimento. Já tinha, eu chamaria, o “mínimo” de presença para entender da oportunidade e dos riscos que aumentar essa presença representava. Então, tinha uma decisão muito clara, estratégica de ir a fundo, a desenvolver, a expandir a empresa e suas oportunidades nestes mercados que reuniam uma série de condições, de atrativos, passando também por, acho que, uma somatória dos dois fatores, que os diferentes países latino-americanos estavam num processo de reestruturação de seus sistemas financeiros e estavam também comprometidos com permitir e fomentar o investimento estrangeiro, o investimento do exterior, para fortalecer seus sistemas financeiros nacionais depois de terem passado por crises dramáticas, o Brasil, o México... A da Argentina veio depois, mas também aconteceu. No Chile, o sistema financeiro chileno nos [anos] oitenta, se não me engano, sofreu um autêntico descalabro. Bom, então se deu um pouco essa decisão empresarial com convicção, se viu o entorno de fomento, essa incorporação de novos stakeholders para desenvolver o sistema financeiro, o contexto econômico foi gradativamente melhorado na América Latina nos últimos vinte anos: de inflações, enfim, astronômicas, para inflações moderadas; de moedas sofrendo crises cambiais constantes a moeda estáveis. Tudo isso tem sido um processo gradativo de estabilização. Então, se deu um pouco essa combinação de fatores. A partir daí, o que a gente fazia era definir uns critérios básicos, a gente quer que esse modelo de negócio seja sustentável e um pouco one-to-one de qualquer processo de internacionalização de uma empresa. Você precisar ganhar market share mínimo para competir em mercados que não são mercados mal-desenvolvidos, muito pelo contrário, a gente reconhecia, desde o início, que o mercado brasileiro e o mexicano são mercados difíceis, que a concorrência é grande, tanto entre os jogadores locais com também vários players internacionais que estavam ali se expandindo, então tem que definir um market share mínimo. Tem que saber muito claramente quais suas competências, o que você leva de valor agregado para essas geografias quando se expande seu negócio. E o Santander tem sido um banco enormemente bem-sucedido no desenvolvimento do seu varejo, da sua banca comercial. Aí que vinha um pouco dessa liga: oportunidade de mercado, decisão clara e feita estrategicamente, e isso é importantíssimo. Você tem que ir em frente, porque não é fácil. Se você tem claro o objetivo, você vai quebrando, vai tirando muros e tem que tirar muros. Comprar um banco é uma coisa muito complexa e está cheio de buracos no meio para você não chegar lá. E, por fim, tem que ter muito claro qual que é o valor agregado que você vai dar, que você vai acrescentar a esse modelo de negócio que você vai incorporar, quando adquirir essa nova entidade e esse valor agregado tinha muito a ver com o jeito de fazer varejo, uma trajetória muito bem sucedida do Santander na Espanha, como também do jeito de gerir gastos e riscos. Então você soma um pouco esse tripé que seria um modelo comercial, um modelo de riscos e a visão de eficiência operacional e um bom modelo para exportar. Então tudo isso junto deu nessa expansão. A gente começou a ganhar musculatura, market share, realizamos compras, enfim, eu participei de várias, desde Banco Río, na Argentina. A gente participou também da licitação, da compra do Santander mexicano, banco mexicano depois virou Santander mexicano. Na sequência, a gente comprou Banco Serfin S.A., numa licitação de um banco que passou por um processo de reestruturação e saneamento e foi finalmente colocado à venda. A gente comprou banco na Colômbia e deixamos de comprar na Bolívia, por exemplo, a gente decidiu não comprar, acho que essa foi boa. Foi interessantíssimo, qual era o trabalho da gente? Nós íamos a visitar a cidade, o mercado, visitamos as agências, entramos no que se chama os quartos de due diligence todas essas informações que o vendedor coloca à disposição do comprador, ficam lá, você vai lá e fica semanas mergulhando nas informações contábeis, nas informações da folha de pagamento, nas informações de bens imóveis. Você olha tudo, tem uma equipe de auditoria, especialista nesse tipo de questões. Eu olhava, sobretudo, as questões mais de negócio, se: tem cliente ou não tem cliente? Pergunta simples, mas tem muito banco que não tem clientes, você vai lá e fala: “Puxa, legal, tô na agência, mas não tem cliente”. Os clientes não têm vinculação com o banco, têm conta corrente aberta, mas não movimenta. Então, são coisas básicas que a gente olhava e a gente olhava a distribuição geográfica da rede de agências, por exemplo, a gente olhava a sustentabilidade do resultado: o banco ganhou uns trinta milhões de pesos, sei lá o quê, ou trezentos, né, mas como que foi ganho? Você vai lá, veja bem, setenta por cento da receita veio da compra e venda de bonds do tesouro mexicano, dez por cento veio da venda de um imóvel em Monterrey e apenas cinco por cento veio do negócio de banca do varejo. Não vale nada, ou vale muito pouco, aí que você ajusta o preço. Então, esse é o tipo de trabalho que a gente fazia: entender se esse modelo de negócio era rentável, porque tinha cliente atrás. Se o banco estava bem estabelecido na sua clientela e se os resultados eram sustentáveis – porque você paga acima de resultados sustentáveis, não paga acima de resultados de curto prazo. A gente avaliava também oportunidades de sinergia de desenvolvimento comercial, sem tem muitos imóveis que a gente poderia vender ou de fato tem uma, sei lá... Eu lembro quando a gente comprou o Banespa e o Banespa tinha, dentro do hall do banco tinha uma gráfica: “Vai lá vender a gráfica, estamos num negócio de banco, não num negócio editorial”, embora meu pai (risos) trabalhasse com isso. Esse tipo de coisa, você analisava e chegava a conclusões de que: “Olha, temos uma oportunidade interessante de reduzir gastos, de terceirizar...” e começar a dar uma maior eficiência no banco. Mas acho que o fundamento do nosso trabalho era validar se o banco tinha clientes, assim simples, se realmente existia uma franquia de negócios por trás que justificasse pagar um sobrepreço e, se não, você não paga esse sobrepreço, paga outro preço, né? Enfim, foram inúmeras aquisições. Na realidade, temos como duas ondas. Essa primeira que eu mencionei no início, com Ana Botín, lá no Santander Investment, que fui um pouco o cavalo de batalha do banco na expansão. Depois, veio outra época, que foi o máximo, que foi da divisão América, quando veio, a meu modo de ver já a consolidação da franquia de bancos latino-americanos e a presença do Santander na América Latina e trocaram as lideranças. Veio o Marcial Portela, que hoje é o presidente do banco no Brasil, que foi um dos fundadores dessa ideia empresarial do Santander de estruturar um modelo de negócio, um modelo de presença na América Latina já nos patamares de liderança, não tanto de aprendizado, de vai achando um espaço no “Top 10”, não, não! A gente já entrou com vocação de estar como dez por cento market share dos principais mercados da região e isso resultou, por exemplo, no Chile, na criação do primeiro banco do país, uma fusão do Santander e do Banco Santiago que virou o Banco Santander Chile que agora é o primeiro do país. Na Argentina também crescemos organicamente, teve uma pequena fusão do banco herdado do Banco Central Hispano que acabou se “fusionando” (fundido) com o Banco Santander naquela época e o nosso banco cresceu organicamente e virou o principal, se não um dos principais bancos do país. Veio a compra do Banespa no Brasil, o que nos posicionou, por fim, no ranking dos principais players do país. No México, mesma coisa, veio essa compra do Banco Serfin S.A. Enfim, essa época da divisão América realmente trouxe a consolidação do Santander como líder da região e os tamanhos de todos, enfim, foram aumentando e com essa visão de ter no mínimo dez por cento de market share, por aí. O Brasil é muito grande, dez por cento de market share é muita coisa, mas você precisa de uma presença muito robusta e estar entre os líderes para poder desenvolver um modelo de negócio sustentável para poder competir num mercado de varejo com uma vocação universal. E a gente sempre teve uma vocação universal, não de banco de nicho, mas de banco de varejo e todos os segmentos e uma presença geográfica a poder ser de cobertura nacional, embora no caso, o Brasil, tendo o tamanho do país que temos, a gente optou no início por concentrar sua presença no Sul/Sudeste, que é onde se concentra boa parte do mercado e do potencial de crescimento.
P/2 – Só para retomar um pouquinho, rapidamente, você participou desde a compra do Banco Geral do Comércio, e o que que cada um desses bancos desde essa primeira compra, o que cada banco trouxe e qual que era o foco de cada banco? Você falou, né, mas para crescer no país, mas assim, cada um tinha uma especificidade, você se lembra qual que era?
R – Mais ou menos. Do Banco Geral nem vou lembrar, sei que era um banco de porte pequeno e tinha uma acionista de referência que ajudou a gente até a dar o primeiro passo no mercado. E, a partir daí, a gente comprou o Banco Noroeste que já um banco com mais força no setor de empresas, middle marketing, que eu me lembro assim, vagamente. Veio a compra do Banco Meridional e do Bozano Simonsen aí se acrescentou uma presença regional no Sul, como um reforço do banco de investimento. Enfim, cada aquisição foi incorporando o que eu chamaria o DNA de cada uma dessas instituições, mas, também, vou dizer que essas compras iniciais se deram em bancos de porte muito pequeno, acho que a grande incorporação foi o Banespa. Aí sim que você foi tendo uma entidade de personalidade e enfim com um corpo suficiente para você falar: “Wow! Esse assunto tem cultura, tem tradição, tem base de clientes, tem presença, tem distribuição, tem um monte de problemas, mas tem um monte de oportunidades também!”. Então acho que essa foi realmente a primeira aquisição assim que você fala: “Puxa!”. Tem que primeiro tomar todo o cuidado para se preservar aquilo que se tem de bom, para não fazer besteira. A gente, por exemplo, demorou anos para trocar a marca e a gente também tomou muito cuidado de acolher os clientes do Banespa e mostrar para eles que a mudança no controle do banco foi uma mudança para melhor. E fizemos coisas assim, bem paradigmáticas como, por exemplo, reduzir os tempos de fila nas agências, que passaram de agências superlotadas – que nem “Poupatempo”, sabe? – para agências onde tem as coisas caminhando direitinho, como mudança de processo, colocando um gerenciador de fila que trabalha esse fluxo de uma maneira um pouco mais inteligente, colocar tecnologia. O Banespa não tinha tecnologia, os terminais de caixa, o sistema, assim era totalmente fim do século dezenove, não vou falar nem do vinte! A gente investiu fortemente e tudo isso acabou representando uma melhora no serviço, uma melhora na presença do cliente, contaminou uma maior expectativa do cliente, para o banco entregar um melhor serviço, foi interessante. Eu fui um pouco disso, acho que esse foi um divisor de águas no sentido da importância que tem preservar os valores e a franquia de uma instituição desse porte, mas como realizar uma transformação profunda em aspectos que certamente não eram competitivos e como dar uma maior modernidade ao serviço, como melhorar as filas, coisas assim simples. O leque de produtos era muito pequeno. Então a gente lançou um monte de produtos, lançou cartão de crédito, coisas assim. E fiz um trabalho importante também de dar eficiência a um banco que não tinha uma visão empresarial na gestão. Não foi fácil... Você estava tentando fazer uma amarração com os temas de cultura e de pessoas que acho que é, certamente, junto com o impacto, as oportunidades que para o cliente representam esse tipo de aquisição, é o que mais interessa. Eu acho que, na minha avaliação, para as pessoas que eu chamaria com vontade de crescer e de se desenvolver profissionalmente, não apenas para aqueles que estavam no Banespa nesse caso, mas para aqueles que participamos dessa empresa, essas aquisições foram momentos fantásticos de desenvolvimento profissional, fantásticos! Eu só posso falar de oportunidades que eu vi, não apenas na minha figura, que também eu estou muito agradecido, mas de pessoas vindo de um outro banco mas com um perfil, com uma atitude, uma vontade de: “Vamos fazer, vamos crescer, vamos virar o melhor banco do país, vamos melhorar nosso serviços!”. Eu acho que tem todo um florescimento. Não sei se existe essa palavra em Português, acho que não. Mas tiveram um monte de oportunidades para muita gente participar e construir essa empresa que foi gradativamente se encorpando. Então, no ponto de vista das pessoas, muito se fala; veja bem, tem demissões, tem planos de demissão voluntária. Tudo bem, mas, realmente, isso é o que fica às vezes registrado em alguma matéria de sindicato, da “Época”, não sei o quê. Mas o que houve aí foi um movimento de oportunidade para miles (milhares) de pessoas que passaram a fazer parte de uma família maior, de um projeto empresarial de longo prazo, de uma aposta estratégica de um dos maiores bancos do mundo. E você só tem que ir lá perguntar na rede a pessoas que vieram, por exemplo, daquele Banespa, ou daquele Meridional, ou daquele Geral, eu falaria o mesmo paralelismo agora que estamos juntos no que, ao meu modo de ver, é o melhor projeto de desenvolvimento profissional do país e, provavelmente, da América, que é o Santander que temos hoje. Acho que essa é a grande conquista destes processos de aquisição. E aquisição é uma canetada num cheque, honestamente, é um valor no leilão. O que realmente representa é uma oportunidade de crescimento para as pessoas que estão a fim de participar de um projeto empresarial, como ponto de vista do cliente, é uma oportunidade única de ver seu serviço melhorar, os produtos mais encorpados, a qualidade das pessoas também aprimorada. Fazer parte de um banco de presença internacional, quando você era cliente de um banco de presença, nem vou falar local, mas de bairro, com foi o caso do Meridional, por exemplo, um banco do Sul, de Porto Alegre. Então, para o cliente, os ganhos são também tremendos, enormes. Essa é um pouco da minha visão sobre isso.
P/1 – E como é que foi para você o momento então de fazer a mala e vir para o Brasil? Como é que foi essa proposta e quais foram os desafios encontrados aqui?
R – Bom, eu ia te dizer que eu já tinha a mala feita desde Nova Iorque. Não foi assim mas mais ou menos, né? E eu já estava com essa – em Espanhol se fala “com a mosca atrás da orelha” –, e estava já com essa vontade de pôr a mão na massa. Para mim, pôr a mão na massa significava me aproximar da gestão, do varejo daqueles países que eu passei vários anos visitando, pegando o vôo domingo à noite, voltando sexta de manhã ou sábado de manhã, mas que não deixa de ser uma passagem superficial, daquelas que você faz quando vem da matriz para tratar de um assunto, para ter uma reunião, para visitar um cliente, e tal. A gestão do dia a dia e a construção do banco é responsabilidade local, disso não tenho dúvida. Ainda mais agora que faço parte desse time que trabalha aqui no Brasil. Então eu já tinha falado com algumas pessoas, com o Paco [Francisco] Luzón e com o próprio Marcial Portela, o presidente daqui do Brasil, que na época estava na Espanha orquestrando toda esta gestão latino-americana, e teve um dia que me chamou o Paco Luzón e falou: “Ramón, sabe o que é, o que você acha de ir ao Brasil a trabalhar para cuidar de relações com investidores e para dar uma reformulada na maneira como a gente apresenta nossa estratégia para o mercado?”. Assim, não teve muito preâmbulo, não (risos), e falei: “Puxa, ótimo! Por que não!? Deixa só que eu vou falar com Sharon, minha esposa, e já te confirmo”. Mas foi uma coisa assim, eu falo: “Não, não, tudo bem, mas legal, e liga até para o Gabriel [Jaramillo] que era o country head do Santander, aqui no Brasil”. Entendo que deveria ter falado sobre isso, né, (risos) e aí que foi, voltei para casa, falei com minha esposa, ela ficou meio assim, apavorada. Mas eu falei: “Vai dar certo, vai ser fantástico, o Brasil é um país maravilhoso, tal”. E eu liguei para o Javier falando: “Não sei o quê, e aí tudo bem, e tal”. Claro, “pega um avião, vem cá e a gente conversa”, foi o que eu fiz. A conversa aconteceu no dia 20 de dezembro, passou o Natal, tirei férias, lembro que fui esquiar lá no norte da Espanha, a primeira vez que ia esquiar. Não dormi nenhum dia, imagina, ficava pensando e, no dia 6 de janeiro, estava pegando o avião para o Brasil, já. Lembro perfeitamente, me juntei no site que o banco estava fazendo lá em Guarulhos, sabe, nesse hotel que fica do lado do aeroporto? Fui lá, de cabeça, já me juntei no site, falando com um com outro, com Galán, com Gustavo Muller que, na época, estava também no banco, com Paiva, com pessoas que até essa época eram colegas, mas eu não conhecia realmente o management team do Brasil. E meio que fiz assim, um, não sei se uma entrevista, uma rodada de validação dos colegas. E aí que foi dia 15 de janeiro, já estava trabalhando para o banco aqui no Brasil. Foi rapidíssimo e foi bem engraçado porque (risos) eu estava superempolgado com uma ideia e já mergulhei de cabeça. Essa paixão e entrei a fundo. E aí combinei com Sharon de visitar o Brasil um pouco para: “Veja bem, como é que é, tal...”. Então voltei para a Espanha no final de janeiro e no seguinte final de semana viajamos juntos a São Paulo. E olha só como é a percepção seletiva, vocês já ouviram falar que o homem só olha aquilo que quer olhar, homem o ser humano. E eu me lembro de estar pousando o avião que vinha de Madri, estava minha esposa do lado e eu olhando pela janela (risos) e eu estava: “Olha que cidade maravilhosa! Grande! Fantástica!”, sabe, eu estava entusiasmado pela grandeza da metrópole e a Sharon: “Puxa, só tem favela!” (risos). Então, ela estava olhando uma coisa e eu estava olhando outra. A gente foi escolher um apartamento para morar, eu também não tinha muito, nem tempo nem vontade de ficar aí e tal, e precisava de uma pessoa de bom senso, por exemplo, minha esposa, e aí eu fui levar ela num apartamento, sei lá, no décimo quinto andar de um prédio novíssimo, recém-finalizado, uma coisa bonita, tal. A gente sai no balcão, na varanda, e eu: “Ah, que bonito! Olha que verde!”, era um prédio no Morumbi, que olhava para uma das poucas regiões que agora ficam no Morumbi sem edificar. “Olha que bonito, que verde, tal, que vista linda!” e ela falava, “Pô, você estava olhando para o morro!”, (risos) e ela começou a chorar nessa hora, aí eu: “Calma aí, calma aí”, e eu refleti muito nesse momento: “Para aí, o que está havendo aqui? Eu estou tão empolgado com a ideia de vir trabalhar no Brasil, que não vai dar para todo mundo vir junto se essa empolgação não é comum. E pelo o que eu sou observador, o panorama não era esse por enquanto”. Enfim, aí que a gente deu um pouco, uma relaxada e comecei a pensar com um pouco mais de calma: “Olha, vamos pensar na família, como que a gente vai morar, como fazer da vida da minha família, uma coisa mais ganha-ganha”. Mas eu lembro perfeitamente que esse foi um momento assim, chocante, eu não estava entendendo, poxa, para mim era verde, era isso, uma paixão, fantástica. Para ela, ela estava olhando, e tinha toda razão, tinha lá na frente da varanda, tinha um morro com favelas, mas eu não estava nem olhando para isso. Estava olhando para oportunidade, para a grandeza da cidade, oportunidade de crescer profissionalmente, sei lá o quê. E assim que foi, uma coisa bem rápida, né, que não teve muita reflexão, sim, teve esse momento de: “Espere, vamos fazer as coisas do jeito certo, vamos comprar uma casa legal, uma escola para que meus filhos sejam felizes e minha esposa também e vamos fazer um ganha-ganha para todos”. Mas foi muito rápido.
[Parte 2]
P/1 – Então, para gente retomar, estávamos falando no final da entrevista anterior sobre a sua chegada aqui ao Brasil, das impressões e de como você estava vendo uma cidade com uma grande potencialidade e como foi esse momento, então conta para gente, como é que foi essa chegada aqui definitiva para vir morar, trazer a família e trabalhar aqui?
R – Foi muito estressante, nossa, eu acho que os primeiros meses eu tive uma úlcera (risos) e tive uma cólica de rim, tudo assim, seis meses, acho que foi demais, talvez um pouco da ambição e da exigência que eu coloquei no primeiro momento de chegar ao país. Estava bem preocupado em me adaptar, acima de tudo, sabe, me dar bem, eu fazia aula de Português todos os dias das sete às oito e meia, uma coisa assim, mas fui a fundo para entender o negócio, entender a realidade do Banco, dos colegas, a comunicação. Eu me lembro das primeiras reuniões, eu me lembro do Comitê Executivo, lá na época eu fazia parte do Comitê Executivo do Santander, puxa, eu não entendia nada (risos), realmente foi uma aterrissagem bem… foi um grande aprendizado esses primeiros seis meses. Gradativamente, fui pegando jeito, fui entendendo a rotina, minha assistente se familiarizou com a maneira que eu tinha de direcionar os assuntos. Eu fiquei durante três meses num cantinho da sala, do andar de onde ficava a Diretoria do Banco, num cantinho, meio isolado, acho que também não tinha outro lugar, foi uma coisa assim meio… o Banco me abduziu, eu me deixei abduzir – eu não sei se é essa a palavra em Português. Mas, depois desse primeiro momento, as coisas rolaram muito bem. Agora, eu cheguei cara, e me dei conta da minha ignorância, acho que isso é um aprendizado importante, quando você chega, vai à ponta e vai trabalhar, pôr a mão na massa… eu tinha um histórico mais de staff, mais de casa matriz, essas coisas assim, agora, eu entendo muito bem esses gaps que se criam porque, quando você vai lá, a dinâmica do Banco, o dia a dia do cliente, do andamento do número, do KPI, do orçamento, das múltiplas demandas que você tem que priorizar, dos projetos, uma coisa tão… uma coisa que ferve, né? Você se dá conta, você toma ciência de como que ferve um banco de varejo, só se você está lá, no dia a dia e vivenciando junto com outros colegas essa pauta. Acho que isso foi um grande aprendizado. Fui superbem acolhido por todo mundo, apesar da dificuldade, eu até posso me colocar no sapato dos meus colegas brasileiros, o espanhol é meio, uma coisa meio extraterrestre, eu tinha convicção de que nós, como grupo, grupo de profissionais, de multilocais ou multinacionais estamos aprendendo a lidar melhor com as diferenças e atender melhor os contextos e a nos comunicar melhor entendendo esse contexto cultural e profissional de cada um e respeitando, mas, lá atrás, eu reconheço que tinha zero preparo para isso, aprendi um pouco, às pressas e com muita vontade de me encaixar num entorno bem diferente do meu. Minha filha, por exemplo, fez o primeiro aniversário logo depois de eu vir aqui ao Brasil, um dia recebi uma ligação da minha esposa: “Vem cá, rápido”, à tarde, finalzinho da tarde, que era um horário mais até puxado, umas sete: “Vem cá, rápido, tal, que prepararam um bolo de aniversário…” – eu já contei essa história? Acho que não – “…prepararam um bolo de aniversário para Catalina que faz um ano”, não entendi bem, tudo bem, sei lá, uma gentileza do hotel, uma coisa assim, pré-fabricada, isso o que eu achei, e um pouco meio que sem muita vontade, eu peguei o carro e fui embora do escritório. Nós estávamos morando num flat lá nos Jardins, cara, eu chego lá, deixo o carro, entro no lobby, e do lado tinha o restaurante do hotel onde se servia o café da manhã, tinha todo o pessoal do hotel, copeiros, recepcionistas, cara, todo mundo lá, um hotel também novinho, acho que nós éramos uns dos poucos clientes (risos), não vou falar os únicos, mas uns dos poucos clientes que tinham. Sabe isso, foi um gesto super, estava todo mundo reunido, tinham preparado uma, que nem um buffet assim de bolos, de brigadeiros, de salgadinhos, aniversário e a gente começou a bater palmas, a cantar “parabéns para você”, e eu: “Puxa, não acredito, olha todo esse pessoal aqui cantando parabéns para minha filha que está fazendo um ano”, foi uma coisa chocante. Como, agora já menos, mas durante anos, essa comemoração dos aniversários, até dentro do banco, você vai, é aniversário do João, vai lá, bate palma, puxa, que diferente! Que diferente! Então, são essas coisas que te pegam quando você aterrissa e está totalmente despreparado, você vai lá e vamos curtir, vamos entender. E, profissionalmente, foi muito rico, o Banco estava nessa etapa de transição de olhar para dentro para olhar para fora. Nós vínhamos de um processo de consolidação, compras, transformação sistêmica, investimentos, sobretudo nas tripas do Banco, e chegou a hora disso e até parte do mandato, assim que eu entendi, olha, a gente conta essa história para o mercado, como é que fica, a gente formula para o investidor, para o acionista aquilo que a gente sabe que o Brasil tem de bom, e de potencial, mas nós estávamos precisamente nesse momento, de olhar mais para fora, para os planos diretores comerciais. “Vamos crescer, vamos nos tornar um Banco de referência no mercado, vamos ganhar market share”. E eu me lembro, tinha uma certa obsessão pelo tamanho e a ideia era: “Vamos crescer de tamanho, já somos grandes, mas precisamos crescer mais ainda” e de rentabilidade, tinham várias das atividades, vários dos planos diretores, que se iniciaram naquela época, pretendiam encorpar a oferta do varejo, sobretudo com linhas de negócios e produtos que estavam meio na infância. Então, nós realmente apostamos forte, por exemplo, no cartão de crédito, me lembro, a primeira reunião, é sintomático, eu lembro do Gabriel, que era o country head na época, falou: “Bom, Ramón, bem vindo, tudo bem? Tem um off-site de cartões lá no hotel…”, não sei se é o Blue Tree ou, “… no Blue Tree lá em Guarulhos, ali do lado do aeroporto, tenta ajudar um pouco na estruturação, na pauta”, eu não saiba de nada, nem de cartões, nem de off-sites, nada disso, mas como eu tinha essa função de planejamento, de apoio ao desenvolvimento do negócio, dos planos estratégicos, então foi interessante. O primeiro dos meus cometidos, foi uma coisa bem simples, mas foi ajudar a montar esse off-site, que basicamente definiu a estratégia, formalizou o que seria a estratégia do crescimento de cartões de crédito nos próximos anos, que passava, entre outras coisas (risos) por implantar um sistema que não existia na época e por integrar todo o processamento nos diferentes processos de um banco disperso que era, cada cartão de crédito estava sendo processado numa empresa terceira diferente, a gente absorveu tudo isso e criou o que hoje chamamos de PAMPA e coisas assim que para o funcionário que trabalha no Banco, sobretudo na área de cartões, mais tranquilo, mas lá, na época, foi toda uma revolução integrar os sistemas de processamento de cartões como primeiro passo para o crescimento comercial e o lançamento de novos produtos, foi essa a época que eu aterrissei aqui em São Paulo. Esses primeiros meses foram um pouco da tomada de contato com essa realidade, com essa ambição comercial de crescimento que o Banco tinha e com uma formulação da estratégia, mais que formulação, a estratégia estava mais ou menos formulada, era do planejamento para fazer acontecer a coisa certa e quais os responsáveis com quem a gente imprimia uma dinâmica de execução de segmentos aos projetos, parte também do meu mandato. Foi assim que eu aterrissei.
P/1 – E quais foram sendo os desafios então desse dia a dia aqui no Brasil, o que tinha de novo, você falou na outra entrevista também de estar com vontade de ir para arroz e feijão da banca, de estar junto com esse dia a dia mais no varejo, então, como é que foram esses…?
R – É, foi fantástico, porque na minha função precisava saber um pouquinho de tudo porque em conhecendo bem as tripas do varejo, os projetos, as estratégias e a ambição que você tinha para cada produto, os clientes, os produtos, você pode depois comunicar para os investidores e as agências de rating. Então, eu fazia um pouco esse meio campo e então foi riquíssimo porque eu navegava até certo ponto de observador entre as áreas de Negócios e me apoiava neles para elaborar, sei lá, notas de imprensa ou relatório anual, isso para ter um exemplo, tem que produzir o relatório anual do ano, que época seria essa? 2004 seria? 2004 ou 2005, o Banco nem tinha, não me lembro, tinha uma primeira versão que o Gustavo Murgel cuidava assim com muito afinco e dedicava um tempo danado, porque é um trabalho bem, que leva à exaustão, você se dedicar para preparar um relatório anual bem feito, se você não conta com apoio, com participações de empresas parceiras, ou terceiras, é difícil pra caramba. Por exemplo, você sintetiza num documento que representa o Banco tudo aquilo que você tem de bom, como nesse acervo que estamos trabalhando juntos com essa iniciativa, poxa, dá muito trabalho, sobretudo quando você quer projetar uma imagem, uma coerência, uma linha estratégica e você quer responder as perguntas básicas: o que você é; para onde você vai; quanto que você ganha; qual é o DNA da sua organização. Esse é o objetivo do relatório anual. Esse é um exemplo das atividades que eu comecei a apoiar, a direcionar ou a liderar. Mas a experiência era muito rica porque, para você criar esse conteúdo, você precisa se aprofundar e entender o que está havendo no Banco para depois poder comunicar através dos produtos, que seriam o relatório anual, uma conferência dos investidores, uma regulação de uma empresa aos resultados semestrais, receber um grupo de investidores americanos que nunca tinham nem viajado ao Brasil para contar para eles como que é o Banco e qual que é a estratégia para, enfim, isso é um pouco parte do cometido, tá? Era bem interessante, porque você olhava o Banco por dentro e depois você filtrava e articulava uma comunicação para fora e, do mesmo modo, você pegava esse input das pessoas externas ao Banco, sobretudo esses stakeholders que eu falei, e você se deparava com questões assim como: o mercado está se valorizando, você está com qual iniciativa ou tem uma expectativa de que, por exemplo, um exemplo que me custava a acreditar, tinha um processo de emissão de riscos, importado como melhor prática da casa matriz, que no mercado local não tinha muito… o pessoal não entendia muito bem porque nós tínhamos um processo, por exemplo, de classificação da carteira creditícia de riscos do Banco Central Brasileiro, ao mesmo tempo em que temos um sistema interno a princípio mais desenvolvido com critérios de grupo que corriam em paralelo. Então, para o investidor, essa dicotomia de modelos de risco não faziam o menor sentido, eles só olhavam para o sistema comumente aceito no mercado local, que é a classificação do Banco Central, cara, me dava uns problemas enormes, hoje ainda continuamos vivenciando esse tipo de paradigmas de comunicação, nós divulgamos o critério local, o das associações financeiras, depois tem um critério internacionalmente aceito, depois, um critério, não sei enfim, tem três critérios de mensuração, esse tipo de paradoxo, você acaba, a situação sai meio anômala, você acaba vivenciando. E esse é o feedback que o mercado te dá também. Por que faz as coisas tão complicadas às vezes, né? Porque fazer parte de um grupo multinacional tem enormes vantagens, mas também tem seus ônus, tem sua sutura paralela, seus critérios locais e seus critérios da casa matriz e você precisa render contas para os dois grupos, então, tem esse tipo de coisa.
P/1 – E quais são as vantagens de ser então um banco global, em contrapartida, essas desvantagens que você já falou, de ter esses dois paralelos, de ter a referência matriz e de ter as características locais e saber lidar com isso.
R – Acho que as vantagens são de todo tipo, desde a possibilidade de potencializar a marca – e o grupo Santander caminhou muito nesses últimos dez anos para fazer a marca Santander uma marca de um posicionamento global e homogêneo, acho que é superdifícil toda essa geografia, todos os bancos que formam o conglomerado, acho que até melhores práticas mesmo, melhores práticas de varejo, melhores práticas gerenciais, nem sempre uma melhor prática se traduz num produto, ou numa tecnologia, às vezes, o próprio modelo gerencial, como que você aborda as oportunidades ou como que você resolve os problemas, que disciplina você coloca na parte analítica ou na parte de execução. Então, fazendo parte de um grupo global, você utiliza esses recursos, esses insumos das melhores práticas, de novo, para o varejo, do ponto de vista de produto, do ponto de vista de vocação comercial, acho que, esse sempre tem sido um ponto de estímulo para desenvolvimento de negócios no Brasil e essa vocação comercial de varejo que o Banco tem no mundo e que preza e prioriza quando define a sua estratégia em cada mercado. Então, nem todo banco internacional se diz banco de varejo. Nós somos um banco de varejo, somos o banco com a maior rede de agências do mundo e tem na essência do modelo de negócios essa característica, como tem também uma visão conservadora e muito próxima do cliente, analisando os riscos. Essas duas características são globais, isso parte do valor agregado, do insumo, ao meu modo de ver, que te dá pertencer a um grupo global. A gente se alinhou por isso. Poderíamos ter alinhado por outros valores, ou por outras questões, do ponto de vista global. Depois, cada grupo, cada país tem suas características próprias que também enriquecem o global. Por exemplo, no caso do Brasil, eu acho que tem dois paradigmas que, desde o Brasil, a gente quebrou para o resto do mundo – não sei se paradigma é a palavra, mas são coisas pouco chocantes –, por exemplo, a possibilidade de investir e expandir a base de gastos do Banco, apostando pelo futuro do mercado em crescimento, essa dinâmica de investimento e gasto, para pegar a onda do mercado em expansão, quando o restante estava nesse negócio do banco, estava num entorno não tão expansivo assim, em que a bola da vez é a eficiência e a redução de gastos e tal, poxa, foi uma tremenda conquista do Brasil e, certamente, de outras unidades que estavam nesse mesmo contexto de se abrir ao grupo. Acho que o grupo reconheceu o valor de não apenas rentabilizar o investimento inicial, que muito se falou sobre isso nos primeiros anos de expansão internacional, mas a conversa rápida passou de “como rentabilizar o investimento da compra” para “como que a gente continua no investimento do desenvolvimento do negócio até aproveitando a própria capacidade de geração de resultados que tem cada uma das unidades”. Isso significa o quê? Significa se ter os gastos dos investimentos ao mesmo ritmo que os concorrentes, aquela época a gente estava atrás, “puxa, não dá para continuar fechando a torneira do investimento, vamos abrir, porque o mercado está avançando”. Então, esse foi um ponto interessante de contribuição do Brasil para o corporativo. E outro ponto que acho que é mais recente é a visão de sustentabilidade, isso, eu acho que foi nítida a contribuição que, acho que América Latina como um todo, até porque o conceito de sustentabilidade e, sobretudo, o interesse genuíno que as empresas e seus funcionários, ou os funcionários e as empresas como consequência, têm um retorno para a sociedade daquela atividade que eles realizam. Eu acho isso inigualável em outras partes do mundo, e acho isso uma grande conquista, a visão da sustentabilidade e óbvio, sempre temos matizes, temos missões diferentes, acho que aí a cultura do Banco Real trouxe uma enorme carga de valores, de sentido a essa palavra, a essa atividade, mais que palavra, ou a essa vocação e acho que o grupo ganhou e se enriqueceu com isso. Tem situações que eu achava inéditas que agora se dá, eu lembro que a primeira vez que eu falei de produtos de sustentabilidade que nós tínhamos aqui no Brasil com colegas espanhóis, os caras não entendiam nada, numa boa, nada de julgar se era bom ou não, simplesmente não existia essa liga, não existia esse entendimento do contexto e tão importante você aterrissar e viver nos países – estou me colocando na postura daquele que enxerga às vezes o Brasil de fora, na Espanha falaríamos aquele que enxerga o touro atrás do muro, sabe quando você vai na tourada? Uma (risos) coisa é você estar lá na arquibancada, “olé”, e no final, você ainda tem a pretensão de julgar se o cara fez uma boa partida ou não, você fala bem, fala assim, coloca um lenço branco para premiar. Isso é uma coisa. Outra é vai lá na frente do touro (risos), assumir o risco, a criatividade inventiva concorre, uma tourada tem seis touros e três toureiros, tem uma competência aí, aí vai, uma competência assim, à morte. Então, quando você enxerga a sustentabilidade desde a arquibancada, é como um toureiro que faz alguma filigrana com o… (risos) você não entende muito bem, sai um pouco do padrão, do classicismo. Agora, quando você está lá, talvez, não sei, acha um sentido diferente. Então, essas duas questões, acho que foi uma grande contribuição do Brasil, da América em geral, viver momentos de expansão que levaram ao grupo a conciliar e investir para crescer mais rápido quando, talvez, vemos uma cultura de aperta, aperta, aperta, fecha, fecha, eficiência, não sei o quê, tal. Aí que surge esse conceito das mandíbulas, o (Alfredo Sanchez, conselheiro delegado falava?): “As mandíbulas”, as mandíbulas no fundo, elabora-se o conceito no sentido de “crescer a eficiência, mas garante os recursos para o crescimento da receita”, enfim. E outro tema de sustentabilidade, que de Brasil para o mundo, teve um lema muito legal, no IPO, que estava cheio de perguntas deste estilo: “Qual a vantagem de pertencer a um grupo global?”, porque o investidor se valida que você tem essa vantagem competitiva num ponto de valor agregado e sabia o valuation do competidor e, por outro lado, ele quer saber: “Bom, e aí, quais as dificuldades de pertencer a esse grupo global?”. Mas, primeiro, as vantagens, verdade, são muitas as vantagens no sentido de sinergia, de melhores práticas, de importar, por exemplo, todo o nosso negócio hoje de call center. A gente desenvolveu no Brasil modelos corporativos que já tinham se provado bem-sucedidos em outros países, a própria infraestrutura tecnológica que temos aqui, de algum modo, é a mesma essência de uma plataforma proprietária que teve sua origem, por exemplo, se adaptou, enfim, adaptação local, mas teve sua origem dentro de um conceito global, então, teve essas oportunidades do ponto de vista de sistemas, de modelos de negócios, eu me perdi…
P/1 – Você estava falando dos diferenciais, então das duas…
R – Ah, estava a falar do lema, então, naquele diálogo com os investidores, a gente falava: “O melhor do mundo para o Brasil e o melhor do Brasil para o mundo”, se usou muito essa analogia. E, se não me engano, um dos cartazes do IPO tinha isso do mundo, Brasil e acho que isso se dá “cross fertilization”. Existe isso? Agora, tem que estar aberto também para isso, tem que quebrar certas barreiras, tem que entender o contexto das coisas, acho que isso é indispensável principalmente para um grupo global.
P/1 – Por que é importante para uma empresa como o Santander, global e em diversos países, mantendo as características locais de cada um deles, à medida do possível, por que é importante de ela pensar nesse futuro, de ela estar voltada para um futuro, para essa perenidade, para que a empresa siga no mercado…?
R – Por que é importante isso?
P/1 – É.
R – Acho importante para toda a empresa, não é? Acho que não entendi o propósito da pergunta.
P/1 – É, o que também pode ter no alicerce do Banco, ou servir de base para que ele exista e se mantenha, possa fazer essas perspectivas a longo prazo?
R – Não sei se entendi a pergunta. Houve que nós temos uma estratégia de médio prazo, não falaria nem de longo, acho que antes essa perspectiva de longo prazo, que teve uma vocação de sobrevivência dos executivos e dos funcionários, eu penso um pouco assim, em termos mais sociológicos. Acho que a empresa perde isso pela própria ambição de dependência de seus colaboradores e o que me parece, um pouco como eu penso, a estratégia, no fundo é o meio que garante essa subsistência, começando pelo presidente, finalizando pelo caixa e pelo atendente de call center, o que entendo que motiva essa gente: “Olha, estou me realizando, estou à vontade, estou sendo bem pago, estou feliz com os meus colegas, estou sendo desafiado”. O que não precisa falar isso, pelo o que eu percebo, bom, fazendo com que a minha atividade se prolongue no tempo. Acho que a somatória de pensamentos desse tipo faz com que a empresa se perpetue. Quando surge um elemento dissonante que não está nem aí, pode levar a empresa à quebra. Enfim, isso é um pouco da dificuldade de um banco também… conseguir os controles para que a harmonia se dê e não exista um maluco por aí que sacrifique o bem comum por uma ideia mal executada, mal avaliada, pondo esse risco e tal, não, eu falo isso porque enfim, a tua pergunta é: “Onde que está a sobrevivência da empresa?” A sobrevivência da empresa está no consenso do que os seus líderes e funcionários querem, e isso tem que ser coerente com a expectativa do acionista, aí que está a comunicação do acionista e dos stakeholders em geral. Então, acho que o alicerce passa por ter pessoas com pensamento comum para onde que a gente quer colocar este barco navegar e com uma doação pessoal para que isso aconteça. Óbvio, com sua retribuição, com seu retorno de todo tipo, econômico, de prestígio, de realização, de enfim, colocar um monte de adjetivos ou de substantivos. E aí que está o desafio da empresa, que seus líderes, e todos somos líderes, todos lideramos e todos nós somos liderados, reúnam, nesse grupo, pessoas que façam a empresa sustentável, porque se atentam… até parece o diálogo com os stakeholders, está o acionista, tem que entregar o resultado, a condição sine qua non é que o resultado venha. Está o funcionário, tem que ser um bom lugar para se trabalhar, senão, não vai ser sustentável, não vai prevalecer essa condição, está o IRS [Internal Revenue Service], o sistema tributário, fiscal, o Governo, tem todos esses, o regulador, está o cliente, que no fundo é quem faz que… o giro da empresa se baseia no cliente, no cliente confiando cada dia que somos o banco onde ele deposita a sua poupança, ou de onde pegar um dinheiro para antecipar um financiamento, um sonho que ele tem, fazer um pagamento com o nosso cartão, coisas bem básicas, mas acho que a essência, a sua pergunta, estou elaborando até, passa por ter um grupo de pessoas que têm essa visão e essa visão ser uma visão de continuidade. Os americanos falam que, quando você avalia uma empresa, você pode ter dois procedimentos de avaliação, assim, básicos, de livros, sabe, que eles chamam de Going Concern, que é a empresa em funcionamento e tem o Liquidation, o valor de liquidação. Eu respondo sua pergunta, o que faz que a empresa seja Going Concern são seus funcionários que têm essa visão, a meu modo de ver, depois tem os clientes, tem tudo isso aí, senão, é valor de liquidação, não tem… reparte, vende. Vamos para próxima (risos).
P/1 – E falando do atualmente, então, quais são as suas atividades hoje, os seus grandes desafios?
R – Bom, quando eu cheguei no Brasil, meu foco estava sobretudo naquela visão de que a empresa tivesse planejamento, relação então com os investidores, etc e tal. No final do terceiro ano, acho que seria uma somatória dessas circunstâncias. Primeiro, eu tinha a vocação de pôr a mão na massa, mas de verdade, assumir algum negócio, ou alguma atividade de varejo mesmo e, também, seria a oportunidade dentro do Banco, tínhamos um plano de crescimento da base correntista e que ganha confiança do Gabriel, do Paiva, dos colegas para tocar esse negócio. Esse foi como uma grande virada de página e a partir daí que eu já me considero varejo pleno. Eu não sei se eu tinha mais ambição e estava mais olhando do outro lado do muro, mas com muita vontade de pular na praça, voltando ao paralelismo taurino, sempre tem um espontâneo, o espontâneo é o cara que pula (risos), está no meio da tourada e tem um cara que tem tanta vontade de ser toureiro (gargalhada), que ele pula e vai lá e começa, faz, rapidamente, ele é expulso da… tem uma situação de extremo risco, né? Então, eu acho que eu tinha um pouco essa ambição de ser espontâneo, às vezes, até fazia lances espontâneos até nem me corresponder, mas tinha tanta vontade… mas por fim, ganhei a alçada do varejo, já virei toureiro já para valer, na frente do touro, naquela época, naquela época não, também não passou tanto tempo, o touro era abrir um milhão de contas correntes por ano, um touro com chifres grandes (risos) e passei três anos nessa função. E mais recentemente, nos últimos três, com uma função com o Banco Real, a história mudou também para outro touro também de chifres grandões, que é a gestão dos canais, os canais que você chama de canais de relacionamento, que nos outros se chamam canais complementares, isto é, qualquer interação do cliente com o Banco, que não seja a agência, eu denomino como canal, ou seja, no mobile, na banca telefônica, na banca telefônica do call center, a internet, o autoatendimento nas agências ou pontos públicos, correspondentes bancários, enfim, tem inúmeras maneiras do cliente se relacionar com o Banco, e nós como Banco, como empresa, temos inúmeras maneiras de fazer dessa experiência do cliente a melhor, isso é um pouco o nosso desafio. Até temos uma visão para isso, uma visão que soma a visão das pessoas que trabalham em canais com a visão do cliente e o como, como que a gente gera essa experiência para o cliente, que a gente quer… o que eu quero, que é minha ambição pessoal e representando todo o time de mais de seis mil pessoas que trabalham em canais no Santander, é ter orgulho de entregar, de uma maneira eficiente e simples essa melhor experiência para o cliente, é quase que um presente. Presente que nos faz orgulhosos, que tem que ser simples, tem que ser eficiente, não pode ser uma coisa assim muito complexa, como é um banco de varejo, um banco de milhões de clientes, as coisas têm que ser boas e simples, isso que gera boa experiência e por isso que o cliente repete, por isso que o cliente recomenda depois o Santander, depois que o cliente está satisfeito, a gente é capaz de, através dos canais, fazer essa entrega, isso que eu faço agora, ajudo a mobilizar as pessoas em prol dessa visão que nós construímos juntos e entender as oportunidades, os gaps, estamos muito longe de entregarmos sempre essa melhor experiência e o varejo é meio… o varejo é muito gratificante quando as coisas dão certo e muito frustrante quando não dão, frustrante no sentido de que são tantas interações, tem dez milhões de clientes que cada dia ligam para gente, ou usam a internet, vão à agência fazer um pedido, tirar uma dúvida com o seu gerente, olha a quantidade de… imagina com o seu cérebro, com os seus neurônios, o número de contatos assim elétricos são milhares, milhões, como que você faz com que todos eles, o cliente saia: “Bacana, obrigada, valeu, atendeu a minha expectativa, superou a minha expectativa”. O varejo é isso. Em cada uma dessas interações, o cliente tem que sair satisfeito, atendido com sua solicitação, problema, dúvida resolvidos e com uma boa imagem do banco: “Que cara bacana, me atendeu bem, foi simpático, ele não sabia, mas foi procurar ajuda e resolveu”. Sabe, ninguém é super-homem, mas o cliente entende que até tem essa possibilidade de errar, mas essa vontade de acertar, isso também gera boa experiência.
P/1 – Vamos retomar então, e para gente ir caminhando para um final, você falou que veio para cá com a sua família, então, conta para gente um pouquinho quem são eles, dos seus filhos, sua esposa, como é que eles estão aqui no Brasil hoje?
R – Prepara uma fita de uma hora e meia, long play, sabe, aquelas fitas (risos), sempre tinha as de trinta minutos, as de sessenta e as de noventa, duração dupla, não sei como se fala no Brasil, na Espanha tinha (risos). Bom, sou um cara superafortunado, isso… e tem uma coisa, eu acho que a minha família se entrar agora, agora entro nos detalhes, nossa vida familiar, minha família, todos os meus filhos, minha esposa, eu mesmo temos nos beneficiado pra caramba pelo fato de estarmos morando no Brasil. Nós aprendemos um monte de coisas, os afetos, a paciência para algumas coisas, a admiração da beleza diferente, que tem esse país e essas pessoas, a diversidade. Aprendemos também a pureza dos desequilíbrios, das desigualdades, como também do mais sofisticado, quando você olha esse acervo de coisas, às vezes falo para minha esposa, agora, a gente nem se dá conta do valor que a gente construiu e continua construir aqui pelo fato de estar inserido nesse país maravilhoso. Então, falando da família, minha esposa, ela continua reclamando, claro, acho que faz parte, cada um tem o seu papel aqui, embora ela goste também bastante do Brasil, acho que estamos felizes, ela tem uma expressão brasileira que eu adoro: “Um olho no gato e outro no peixe”, peixe é a Espanha e o gato é o Brasil, ou vice-versa, não sei, mas ela está sempre com esse olho (risos) em cada lugar, mas superfeliz. A Sharon, ela é superparceira e ela gosta do Banco e ela também é crítica com o Banco, eu acho que ela me ajuda bastante e como que eu diria? Ela é a voz do cliente, vou chamar “promedio”, promedio significa que a grande maioria dos clientes se comporta desse modo, então, me trás uns insumos fantásticos, porque ela se atenta a questões que escapam, escapam para mim, escapam para colegas, pessoas do time, tal. E têm também ressalvas em questões de segurança, o que ela mais sente falta é a possibilidade de passear na rua da maneira despreocupada como você passeia em Madri. Essa é a Sharon. Eu tenho cinco filhos, nós temos cinco filhos e como (risos), eu estou me lembrando que quando eu falei que a Sharon estava grávida da Josefina e da Luzia, as mais novas, são gêmeas, elas nasceram aqui, têm seis anos, a conversa foi mais ou menos a seguinte, isso só acontece aqui, eu acho. Falando com um colega do banco: “Nós estamos esperando, minha esposa está grávida”. “Ah, vocês vão ter um filho?” “Não, vão ser dois.” “É sua primeira gravidez?” “Não, vai ser o quinto.” “Mas todos com a mesma mulher?” (risos) Foi uma construção tão divertida, claro, deve ser uma raridade também. Aliás, nunca entendi porque um fenômeno aqui social, quando eu me comparo, não devia fazer comparações, mas eu faço, o comportamento do brasileiro e do espanhol, cara, o brasileiro, ele se junta e se separa muito, tem essa visão de muitos matrimônios, um tal de primeiro, segundo, terceiro, acho para mim, culturalmente uma coisa assim…, o espanhol é bem mais casto, depois faz qualquer coisa, mas não sei, é que pega um pouco, né? Bem, resumo da ópera, tem a Luzia e a Josefina, seis anos, novinhas, eu apresento elas, às vezes, não que eu falo no café da manhã, todo mundo se apresenta e eu falo das minhas filhas: “Olha, são brasileiras, nasceram aqui, tem samba no pé”, elas nem cogitam a possibilidade de voltar para a Espanha, Espanha é férias e avó e vovô e acabou, elas são muito simpáticas, mérito máximo, uma dupla bacana. Depois tem a Catalina, ela tem oito anos e, como eu falei antes, ela fez o seu primeiro aniversário recém-chegados ao Brasil, então, ela curtiu esses oito anos no Brasil tanto quanto e ela, às vezes, tem (risos) dúvidas na sua cabeça, ela tem uma camisa da seleção brasileira, tem uma camisa da seleção espanhola, ela adora o Piqué, não sei o quê, mas por outro lado, também acompanha as figurinhas dos jogadores do Corinthians, do Santos, também, na escola, eles falam… então tem essa, eu me coloco no seu sapato, não é fácil também não, para uma menina que teve essa origem tão dispersa, não dispersa, mas, certamente, você não está enraizado assim como você estaria se tivesse morado a vida toda na mesma cidade com a sua família, com os seus amigos de sempre, uma coisa mais amarrada, aqui é um pouco, tem as vantagens, mas também tem um pouco dos dilemas: “Quem eu sou?”. Enfim, acho que são cidadãos do mundo, mas são muito brasileiros e com uma pimenta espanhola, acho que é por aí. Tem o Mateu, o Mateu fez treze anos recentemente também. Já no caso dos meninos, Mateu e Inácio, o mais velho, eles já chegaram com cinco e sete anos, já tinham uma praia, tinham rodado um pouquinho mais, eles são também superfãs do Brasil, da escola. Acho que isso é interessante também, a escola virou uma referência, na verdade, para nós. Não sei se teria sido a mesma coisa se estivéssemos morando em Nova Iorque, ou na Espanha, mas aqui a gente achou esse ambiente bacana, a gente adora a escola dos filhos, os meus filhos adoram a escola, eles vão felizes assim, com um sorriso na boca e a Sharon falou para mim recentemente: “Eu devo ser a única mãe da escola que quando tem feriado, tem festa, sou diferente dos outros pais que ficam assim meio aborrecidos que os filhos voltam pra casa e aí quebram a rotina diária”. Ela não, ela se empolga com isso, qualquer momento de convivência com os nossos filhos é bem-vindo. Mas estava falando do Mateu. Ele toca trompete, ele é supercriativo, já viajou para os Estados Unidos para uma feira internacional de meninos acima de doze anos para trocar experiências de invenções que eles fizeram, tal, bacana. E o Inácio, o Inácio é o mais velho, ele já está olhando como a mãe, o gato e o peixe, mas acho que o peixe aqui… o gato é o Brasil, o peixe acho que é Estados Unidos, vai saber aonde que ele quer estudar a faculdade, ele certamente tem essa vontade de continuar curtindo o mundo por aí, ele tem quinze anos, um cara também superlegal. Acho que se eu olho para eles, puxa, quanto que eu vejo do Brasil neles, na figura deles, o quanto que eles absorveram e se mimetizaram e quanto o Brasil ajudou a construir o que eles são hoje. Quando falo do Brasil, eu falo isso, a convivência com as pessoas, com as paisagens, a gente fez, foi para Bonito, só para dar um exemplo assim, cara, descer mergulhando, se usa snorkel esse rio, os sete que são, sabe, todo mundo com a roupa de neoprene, não sei o quê, a máscara, vai lá, vai lá descer um rio por duas horas, olhando peixe, flutuando, meninas de cinco, isso foi há um ano atrás, cinco, até o garoto de catorze. Cara, essa experiência, eles nunca vão esquecer na vida. Isso é uma coisa única, inédita. Isso marca, isso é uma coisa mais tangível. Tem outras um pouco mais intangíveis como eu falei lá no início, como a visão que eles têm pela, sobretudo pelo respeito à diversidade, acho que isso é uma coisa bem marcante e entender a condição não tão favorável de outras pessoas. Cara, para mim, me dá um orgulho enorme quando o meu filho, ele participa de alguma atividade como faz recorrentemente, chama after school, vai a uma comunidade ajudar, vai dar aula, vai ensinar computação, por exemplo, ou tem alguma atividade de reciclagem de resíduos, eu tiro o chapéu. Eu nunca, esse aprendizado para mim veio aos trinta e oito anos de idade, trinta e sete quando eu vim aqui no Brasil. Para eles é natural, já saiu desde a infância. Essa é a minha família. Bom, tem uma gata que é a Mika, tem duas tartarugas (risos), tem cinco carpas, já tivemos um cachorro, o coitado foi mordido por uma cobra, morreu. Pô, ninguém merece, né, você fala com o seu pai: “Como está o cachorro?”. “Foi mordido por uma cobra e morreu” (risos), ele acha que você está aqui na selva Amazônica. Aliás, foi no interior. Mas tem esse contraste também, em um canavial, sei lá da onde que veio essa cobra aí. Essa é a família. E tem uma pessoa que trabalha conosco que é superquerida, que é a Érica, ela é peruana, ela veio trabalhar conosco um tempão atrás e está também, acho que feliz, colocando todos os papéis em ordem, sua carteirinha, seu seguro social, suas aulas de culinária e bem feito, tá, que isso é um ponto importantíssimo que eu sempre fiz questão. Enfim, tem um jeito brasileiro, tem o jeitinho e tem o jeito correto às vezes, acho que isso é um ponto importante também e não é fácil, porque o “entramado” social às vezes te leva a ir pelo caminho mais simples. Já foi, bem, isso não tem nada com os meus filhos, mas já que eu já fui tirar carteirinha de motorista e o cara: “Não, coloca as mãos aqui, olha para câmera” e comecei a ver que, fazendo o teste, a prova, né, comecei a ver que estava sendo pilotado, era tudo um engano, uma fraude, para eu ganhar a carteira sem fazer o teste, aí, levantei e fui embora, o cara ficou assim: “Esse cara está louco?”. Então, às vezes, existem essas facilidades para você procurar os atalhos, mas até isso é uma prova, um aprendizado, e acontece em todos os países também, na Espanha, na China, na Alemanha, enfim…
P/1 – E, para encerrar, eu queria que você nos falasse em termos de aprendizado, o que toda essa sua carreira no Banco te trouxe de aprendizagem?
R – Tudo isso (risos). Não sei, se eu tivesse que escolher algumas assim, pílulas, do ponto de vista da carreira… bom, o aprendizado tem muito a ver com, eu fiz muita coisa diferente em momentos e lugares muito diferentes também, durante muitos anos, então, talvez o aprendizado esteja mais num aprendizado de adaptação, como eu acho que o Banco tem essa essência também, me considero parte de um grupo que tem um pouco essa, não sei se qualidade, essa competência, essa maneira de…, então, para mim, foi muito enriquecedor, essa capacidade de adaptação te permite um enriquecimento contínuo, sabe, muda tudo tanto e vai absorvendo e até ajuda na transformação. Isso é outra coisa, também eu acredito que podemos fazer do Banco o que ele tem que ser, isso é assim, nítido, o Fábio fala muito disso. Eu não entendia bem o que ele queria dizer até que um dia caiu a ficha: “penso igual, está na nossa mão”, não é, como dizer? Não é coisa para plateia não, é coisa que acontece a cada dia e o Santander permite isso. Depois tem as disputas, vão tendo as hierarquias, não sei o quê, a casa matriz, a área global, tem essas coisas assim que, acho que, na grande maioria das vezes, são desculpas para não se dar, às vezes, o diálogo devido, o confronto, a discussão sobre onde que está a essência do negócio que nós queremos fazer, passado isso, a gente tem alçada e tem autonomia e tem… o funcionário do Banco deve se sentir com esse empowerment, e eu falo bastante isso. Ontem eu estive numa abertura de uma turma de trezentos novos funcionários e eu disse: “Gente, curtam e façam a transformação que vocês acham adequado, porque está na sua mão”. Então é uma responsabilidade, esse é outro aprendizado. E o terceiro – e esse eu chamo mais brasileiro do que outra coisa, brasileiro, porque aqui que eu achei esse caminho – é incorporar a emoção no meu dia a dia profissional e abrir até os registros – não sei como se chama – até na vida pessoal. O Brasil me mostrou isso nitidamente, como somos seres humanos com emoção, com uma missão, com aspirações, com medos, com segurança, ou insegurança, com tudo isso, para mim foi uma caminhada longa, mas eu acho que eu cheguei lá. Agora, eu vejo que esse valor de considerar as emoções nos relacionamentos profissionais também é algo que eu vou levar comigo e me parece essencial na maneira de como construir até um melhor clima para se trabalhar, como a gente enxerga o cliente. Bom, se você não coloca um pouco de emoção e de empatia nos relacionamentos, você está perdido, não tem processo redondo e perfeito que suplante um diálogo assim com honestidade e transparência com o cliente que gere essa empatia, então, isso é uma grande sacada que devo ao Brasil e a algumas pessoas que também me ajudaram a achar essa emoção na profissão, é um bom lema, não: “Emoção na profissão”.
P/1 – E quais são os seus sonhos, assim em termos de perspectiva de futuro, o que você busca?
R – Puxa, tenho vários sonhos. Certamente, um deles seria ver meus filhos se tornarem pessoas completas e que contribuem para o seu entorno, esse senso de realização me espelhando nos meus filhos. Isso é uma coisa que eu vejo aí. Por isso que eu prezo muito essa experiência brasileira, porque eu vejo que essa condição se dá. Seria um sacrifício grande olhar para o outro lado e viajar, trabalhar em outro lugar, se não tivesse essa segurança de que essa possibilidade de crescimento redonda se dará também, como se dá aqui no Brasil para os meus filhos. Então, isso é algo que eu vejo como um sonho. Eu sonho voltar para a Espanha, não sei se um sonho, um ideal, não necessariamente trabalhar em banco, não sei, mas eu sinto falta de estar mais presente no meu país, na minha terra, um saudosismo. Olha, tem tanta coisa bacana que eu sei que eu poderia curtir, então, isso está também presente nas minhas aspirações. E, profissionalmente, eu acho que… puxa, meu sonho, honestamente, seria que todos os clientes do Banco estivessem supersatisfeitos como a gente. Isso é um sonho (risos), isso que me tira o sono também. Então, tenho essa ambição, esse ideal de entregar, aquilo que eu te falei, entregar uma boa experiência para o cliente, acho que isso me realizaria assim, pessoalmente, e acho que é mais é que necessário para virar o maior banco do país e o grupo de referência.
P/1 – Certo, e para gente mesmo encerrar, o que você acha dessa iniciativa do Banco de resgatar a sua memória e buscar sua identidade através da trajetória dos seus colaboradores, destes que estão aqui no cotidiano?
R – Acho espetacular, incrível, muito bom, tanto assim que eu recomendaria a todos os funcionários que passassem na frente dessa câmera, deveria ser assim, até me sinto um pouco privilegiado com certeza, porque todo mundo tem muita coisa que contar, todo mundo tem essa experiência, histórico, vivência, me parece um valor incalculável, então, me parece muito legal. Agradeço por participar aqui, falar de mim e do que eu penso, do que eu sinto sobre o Banco, sobre coisas muito mais triviais, muito mais banais que o Banco, eu acho uma oportunidade fantástica.
P/1 – E o que você achou de estar aí então, desse lado contando um pouco da sua história para a gente nesses dois encontros?
R – Eu achei que eu tenho coisas que contar também, eu não sei, não sei muito bem como se traduz isso, mas eu senti prazer em compartilhar, ainda que seja dessa maneira, com uma câmera na frente, com vocês duas que são bem simpáticas e agradáveis, o que é um contexto bacana. Eu senti prazer em compartilhar dessa minha vivência e acho que isso tem algum valor, falo isso de uma maneira bem modesta, certamente, terão outras pessoas com outras vivências diferentes e, certamente, mais interessantes. Eu achei prazeroso e acho que pode contribuir com alguma coisa e me entreguei para isso também, não coloquei muita censura por não falar nada, tá, também me senti muito à vontade, achei muito bacana, tive esse privilégio, vocês me ajudaram a me sentir muito bem para poder falar desse modo.
P/1 – Tá certo. Em nome da Vice Presidência de Marca, Marketing, Comunicação e Interatividade e do Museu da Pessoa, a gente agradece a sua entrevista.
R – Eu que agradeço, foi bacana, obrigada.
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