Numa dada manhã de setembro de 2017. Em um clima aconchegante de Lábrea, Amazonas. Três horas. Acordo. Ligo o notebook sobre a escrivaninha e começo a escrever. Palavras por palavras e concluo. É um conto chamado Maria. Envio a um concurso literário da Editora PVB e fico aguardando uma p...Continuar leitura
Numa dada manhã de setembro de 2017. Em um clima aconchegante de Lábrea, Amazonas. Três horas. Acordo. Ligo o notebook sobre a escrivaninha e começo a escrever. Palavras por palavras e concluo. É um conto chamado Maria. Envio a um concurso literário da Editora PVB e fico aguardando uma possível seleção.
O resultado chegou dois meses depois. Meu conto fora selecionado para compor uma antologia chamada BASTA. A qual está entre as mais vendidas da Amazon.
Isso me fez pensar sobre o caminho que percorri para me tornar um escritor. Tenho certeza que quem ler os meus textos, jamais imaginará.
Eu nasci em Carolina, no estado do Maranhão, em 1980. Meu pai era vaqueiro, analfabeto. Minha mãe dona de casa, só cursou a quarta série primária. Sou o mais novo dos oito filhos de minha mãe. O primeiro a concluir o ensino médio e fazer uma faculdade.
Aos dois meses de idade fui levado para uma Fazenda chamada Grotão.
Lá eu fui alfabetizado em uma escolinha a uns seis quilômetros de distância da referida fazenda. Se não me engano, chamava-se Escola Adalberto Ribeiro. Saíamos cedo para podermos começar as aulas às oito da manhã. Retornávamos as onze para chegar ao meio dia, morrendo de fome.
Lembro-me bem da rotina. Chagava da escola, almoçava. Sentava na cama para ouvir a Rádio Nacional da Amazônia, o programa da Tia Heleninha, o qual sempre contava uma bela história dos clássicos da literatura.
Em oitenta e nove, meu pai comprou uma casa na cidade de Goiatins, no Estado do Tocantins, onde estudei a primeira série primária. Não sei exatamente como passei. Uma vez que, na ausência de meus pais, não me lembro de ter sido acompanhado. Porém, meu pai vendeu a casa. Voltamos para o campo. Com o dinheiro da casa, e mais um pouquinho que meu irmão mais velho tinha guardado, deu para comprar uma terra. Mas logo meu pai percebeu que havia sido enganado. A terra era improdutiva.
Percorremos muitas estradas, muitas fazendas, muitas lutas, muitas alegrias, muitas dores... Assim, o tempo foi passando.
Quase todas as fazendas onde moramos foi no Maranhão, até meu pai encontrar uma, chamada Fazenda Tucum, no Tocantins.
Acredito que em meados de 1992. Ali meu pai cuidava do gado, com a nossa ajuda. E, como de costume, fizemos um grande plantio de arroz. Havia sempre uma vaca para cuidar. Um alqueire para desmatar, plantar, uma área de pasto a limpar, enfim... Havia sempre muito trabalho.
Mas um dia meu pai disse: ‒ mulher, leve esses meninos para a cidade, para que possam estudar. Vendeu dois bezerros e comprou uma pequena casa em Goiatins.
Certo dia, às seis da tarde, quando o sol já vinha se escondendo por trás das serras e a noite engolindo o agreste em sua vasta imensidão, entramos na velha rural do patrão.
Lembro que o carro seguiu lentamente, enquanto minha mãe desmanchava de chorar. O que só mais tarde pude entender.
Era julho de 94. Minha mãe foi à escola para matricular eu e meus dois irmãos. Lembro-me bem quando ela me disse que havia me matriculado na terceira série. Eu disse a ela: ‒ mãe, não tinha que ser na segunda série? Ela me disse: ‒ você já está muito atrasado. Assim, nunca cursei a segunda série.
Era uma escola de adultos. À noite. Meus colegas me excluíam. Faziam chacotas de minha cara. Às vezes, a professora dizia: ‒ quando copiar o exercício, pode sair. Resultado, eu ficava sozinho por mais de meia hora.
Meu pai aparecia muito raramente. Quando aparecia era só confusão. Foi aí que descobri que o motivo da saída da fazenda não era meus estudos e de meus irmãos, mas um par de coxas escapando à saia.
Com isso, minha mãe teve que procurar um trabalho. Tornou-se cozinheira do mercado Municipal. Enquanto ela cozinhava lá, eu tinha que fazer as coisas em casa.
A sorte, se é que há sorte nesta vida, é que apareceu um tio. Pediu arrancho. Ele tinha um açougue. Meus irmãos começaram a trabalhar com ele e as coisas melhoraram. Ele era muito trabalhador, mulherengo e muito valente.
Mas nem tudo são flores. Na verdade, as dificuldades estavam só começando. No recesso de julho de 96, nosso trabalho de limpeza do pasto foi interrompido por um estranho. Tua mãe morreu, disse o portador.
Enterram-na em Carolina. Com ela, foi-se minha felicidade.
Um mês depois, em uma tarde, meu pai levou a mulher para a casa de minha mãe.
Como de costume, fui à escola, mas não houve aulas. O irmão de um aluno havia morrido e o pai levado dois tiros do próprio cunhado. Ali, naquele momento, eu descobrira que o aluno era eu.
A casa ensanguentada. Meu pai foi levado para Araguaína. Não pude ir. Era necessário cuidar do corpo de meu irmão. No outro dia, cedo, tive que ir cuidar de meu pai. Meus outros irmãos ficaram para realizar o enterro.
Fiquei no Hospital Regional por mais de nove dias. Meu pai perdera muito sangue. Mal me reconhecia. Sem dinheiro, tive que pedir comida ou mesmo roubar para comer.
Quando meu pai ficou melhor, foi morar com sua esposa na Fazenda de seus familiares.
Meus irmãos foram todos embora e eu, por sorte, fui convidado para morar com uma tia. Ali eu ficaria até 2001, quando resolvi atender um desejo de minha mãe: entrar em um seminário.
Em noventa e oito. A tristeza e introspecção me consumiam. Foi nesta época que comecei a escrever. Talvez para dar voz à grande dor que existia dentro de mim.
Em noventa e nove, ao ir à Carolina, em conversa com um tio, falei do meu gosto por escrever. Ele resolveu, então, me apresentar a um escritor renomado. Era um idoso, famoso, fazia parte da Academia Imperatriz de Letras.
Recitei-lhe dois poemas. Ele gostou. Pediu que eu deixasse meus escritos com ele para dar uma olhada, quem sabe não colocasse no jornal do irmão.
Dias depois, fui à sua casa. Decepção. Você não sabe escrever, disse-me seco. Nunca será um poeta, talvez, lá daquela cidadezinha, qual o nome mesmo? Goiatins..., enquanto fazia um gesto com a mão para denotar insignificância.
Essas coisas me fizeram correr atrás de livros para ler. Eu já gostava, havia aprendido com minha mãe, mas agora eu fazia não só por gosto, mas por determinação.
No seminário não foi fácil. Ouvi por mais de uma vez: somos melhores que você. ‒ Por quê? Eu perguntava. Porque você é da roça. Eu me escondia e lia.
Aos poucos fui crescendo. Destacando-me como poeta. Em 2002 fui convidado para participar de uma mesa redonda na Universidade do Estado do Maranhão – UEMA. Ali estavam os melhores poetas de Carolina, entre eles o imortal, o qual veio, apertou minha mão e disse: ‒ Está indo, né Ronilson.
Concluí o ensino Médio em 2003. Neste mesmo ano saí do Seminário Diocesano de Carolina. Um ano depois, entrei em uma Congregação Religiosa dos Filhos de Maria Imaculada, cujo fundador foi o Italiano Ludovico Pavoni.
Foram muitas formações, muitas orações e muitas viagens. Morei um ano no Gama – DF, um ano em Pouso Alegre – MG, um ano em São Leopoldo – RS e, quatro anos em Belo Horizonte – MG, onde cursei Filosofia e um ano de Teologia.
No Instituto, conheci uma professora, chamada Helena Contaldo, que gostava muito de escrever. Ela tinha um grupo de produção textual. Ali aprendi a melhorar o meu texto. Aprendi a escrever contos e escrevi meu primeiro livro, Contos do meu Sertão, pela Editora O Lutador. E, com um grupo de amigos, participei de uma coletânea de contos, por esta mesma editora.
Lembro-me dos conselhos que minha professora me dava. O texto precisa ter clareza. O que você escreve, o leitor precisa entender. O texto precisa encantar o leitor, criar uma expectativa, a qual deve ser guardada para o final. Precisa haver coesão e coerência. As palavras precisam ser escolhidas, pensadas, repensadas e lapidadas. Só assim poderão ser apreciadas e degustadas pelo leitor... Às vezes, encontro na rua um amigo que me diz: ‒ Eu li o seu livro. Adorei.
Eu fico muito feliz. Afinal, sonhei muito com essa reação dos leitores. Mas, na verdade, eu não gostaria de ter percorrido esse caminho. Embora, reconheço que ele me fez o escritor que eu sou.
O que me tornou escritor, além da grande necessidade de escrever, foram as histórias que ouvi no rádio, os causos contados pelos meus familiares, os muitos livros que li, os conselhos de minha professora de faculdade e o resultado dos muitos sofrimentos e alegrias que passei.
Tudo isso me trouxe até aqui e vai me levar para algum lugar bem distante.Recolher