P/1 – Então, Aguilar, como eu disse, a gente vai retomar aí as questões mais básicas e vamos entrando na tua história. Eu queria que você falasse o seu nome, o local e a data de nascimento.
R – Olha, me chamo José Roberto Aguilar, nasci em São Paulo aqui na Pro Matre Paulista, Alameda Joaquim Eugênio de Lima, no dia 11 de abril de 1941.
P/1 – Legal. E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chamava José Mario de Aguilar, original de Diamantina, Minas Gerais, onde foi amigo do Juscelino e daquele pessoal, nasceu em 1905, e minha mãe Ida Aguilar, filha de farmacêutico napolitano que migrou para São Paulo e nasceu em 1911.
P/1 – Legal. E que eles faziam, qual era a atividade deles, Aguilar?
R – O meu pai começou vendendo tecidos, depois teve uma loja que vendia aviamentos, tecidos e coisas em geral, depois criou uma filmoteca, a filmoteca Rainha, onde alugava filmes e, no final, ele fez uma fábrica de botões, era um comerciante.
P/1 – Interessante, e a tua mãe?
R – A minha mãe era, como eu falei, filha de um farmacêutico que tinha uma farmácia aqui na Bela Vista nos anos quarenta, nessa mesma Rua Doutor Luís Barreto e ela era prendas domésticas, né, existia essa coisa. Foi mãe de cinco filhos e essas coisas.
P/1 – Eu queria entender um pouco assim, o teu pai nasceu onde?
R – Em Diamantina.
P/1 – Em Diamantina, como eles se conheceram? Porque ela é de São Paulo, tua mãe.
R – Exatamente. Meu pai, com vinte anos foi para o Rio de Janeiro, ser balconista e uma vez veio para São Paulo, onde ficou amigo dos meus tios não sei como e conheceu a irmã do meu tio que era filha do farmacêutico e ele gamou, voltou para o Rio de Janeiro numa pensão onde ele morava e falou: “Eu ainda vou casar com a filha do farmacêutico”. Em 1932, na Revolução Constitucionalista, ele veio para São Paulo, mudaram de local e ele ficou...
Continuar leituraP/1 – Então, Aguilar, como eu disse, a gente vai retomar aí as questões mais básicas e vamos entrando na tua história. Eu queria que você falasse o seu nome, o local e a data de nascimento.
R – Olha, me chamo José Roberto Aguilar, nasci em São Paulo aqui na Pro Matre Paulista, Alameda Joaquim Eugênio de Lima, no dia 11 de abril de 1941.
P/1 – Legal. E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chamava José Mario de Aguilar, original de Diamantina, Minas Gerais, onde foi amigo do Juscelino e daquele pessoal, nasceu em 1905, e minha mãe Ida Aguilar, filha de farmacêutico napolitano que migrou para São Paulo e nasceu em 1911.
P/1 – Legal. E que eles faziam, qual era a atividade deles, Aguilar?
R – O meu pai começou vendendo tecidos, depois teve uma loja que vendia aviamentos, tecidos e coisas em geral, depois criou uma filmoteca, a filmoteca Rainha, onde alugava filmes e, no final, ele fez uma fábrica de botões, era um comerciante.
P/1 – Interessante, e a tua mãe?
R – A minha mãe era, como eu falei, filha de um farmacêutico que tinha uma farmácia aqui na Bela Vista nos anos quarenta, nessa mesma Rua Doutor Luís Barreto e ela era prendas domésticas, né, existia essa coisa. Foi mãe de cinco filhos e essas coisas.
P/1 – Eu queria entender um pouco assim, o teu pai nasceu onde?
R – Em Diamantina.
P/1 – Em Diamantina, como eles se conheceram? Porque ela é de São Paulo, tua mãe.
R – Exatamente. Meu pai, com vinte anos foi para o Rio de Janeiro, ser balconista e uma vez veio para São Paulo, onde ficou amigo dos meus tios não sei como e conheceu a irmã do meu tio que era filha do farmacêutico e ele gamou, voltou para o Rio de Janeiro numa pensão onde ele morava e falou: “Eu ainda vou casar com a filha do farmacêutico”. Em 1932, na Revolução Constitucionalista, ele veio para São Paulo, mudaram de local e ele ficou procurando, procurando e achou o meu tio já vestido de uniforme de revolucionário e daí deu o local, se encontrou com minha mãe e saiu o casamento.
P/1 – Então ele veio a se radicar em São Paulo?
R – E daí se radicou em São Paulo.
P/1 – Voltando um pouquinho, teus avós, qual é a origem?
R – Olha, meus avós paternos a origem é tudo mineira, né, e meus avós maternos são italianos de Nápoles.
P/1 – Os italianos que migraram.
R – Imigraram no começo do século passado.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Então eu já falei, ele é farmacêutico, assim, o italiano era farmacêutico.
P/1 – E os mineiros?
R – Aí a parte do meu pai, o pai dele era telegrafista.
P/1 – Olha que interessante. Legal, e você falou que você tem cinco irmãos, conta um pouquinho sobre eles. Não, você tem quatro, né? São cinco filhos.
R – É, um faleceu já. Cinco irmãos, o mais velho é o Luis, que mora na Argentina, que é engenheiro. Depois, tinha um mais velho do que eu que era o Renato, que também era comerciante, vendia tapetes e ele já foi para o céu. Daí eu sou o do meio, depois mais jovem do que eu tem o José Mário, que é um técnico de computador, é um dos maiores conhecedores de histórias em quadrinhos e science fiction, aficionado por cinema e o mais jovem era professor na Unicamp, foi curador na bienal várias vezes, o nome dele é Nelson.
P/1 – Aguilar, devia ser animada a infância, não?
R – A infância era muito animada.
P/1 – Conta um pouco o cotidiano.
R – A minha casa era, puxa vida, eu tinha uma casa imensa na Joaquim Eugênio de Lima. Toda a nossa história é em torno desse bairro, da Bela Vista, né, Bixiga. Era uma casa imensa que tinha muitas árvores frutíferas, seis jabuticabeiras, abacateiros, pitangueiras, tinha até galinheiro aqui, galinheiro e, então, é uma infância muito livre. Andar de bicicleta na rua, muitos cachorros e, sem dúvida, são lembranças livres.
P/1 – E você brincava com teus irmãos, vinha mais gente, era mais na rua?
R – Brincava, eu era o elo. Os mais velhos, muito jogo de futebol, eu era o goleiro, com minha estatura alta sempre foi muito fácil e os mais jovens, eu era um elo entre os mais jovens e os mais velhos.
P/1 – Legal. E você brincava, você tinha bastantes parentes que moravam perto assim ou era mais amigo?
R – Não, era mais a turma da rua e um dos elos que também na infância e durante também a adolescência foi o colégio, a gente estudava no colégio Dante Alighieri, então, que é um colégio de italianos e tinha muitos colegas no Dante Alighieri. No Ginásio, por exemplo, eu fiquei amigo do Jorge Mautner [Henrique George Mautner], então daí a gente começou o tipo Partido do Kaos, que ele era muito...
P/1 – Ah, foi desde aí o Partido do Kaos?
R – Desde aí, desde o terceiro ano ginasial. Tinha também o Arthur de Mello Guimarães, que era outro grande amigo. Nós três e daí como o Mautner vinha de uma família judaica, mas altamente intelectual, o pai era físico quântico, dava aulas de quântico, literatura universal, filosofia, então a partir de mim e os dois mais jovens partiram para o interesse para a cultura, enquanto os meus dois irmãos mais velhos foram para a Engenharia e o Comércio.
P/1 – Olha só, como que era o cotidiano na tua casa, tinha essa coisa de brincar, como que eram as refeições, como a família se juntava, como eram esses momentos?
R – Era uma bagunça enorme porque cinco filhos é uma briga. Um brigava com o outro, o outro respondia e tudo, mas era muito vivo, tinha uma união muito grande, quer dizer, não era uma coisa solitária nunca e os cachorros também davam o seu parecer.
P/1 – E a relação com seus pais, como era?
R – Bem, só pelo fato de não ter nenhuma irmã, mulher era uma coisa muito reverenciada, endeusada e a minha mãe era a rainha da casa e o meu pai era gamado na minha mãe, então deu o nome da Filmoteca Rainha e ele era o rei, era o rei dos aviamentos. Então era uma coisa de família muito unida e básica, né?
P/1 – Você estudou no Dante, foi sua primeira escola ou não?
R – A primeira e única.
P/1 – Única, estudou durante a vida inteira?
R – Eu entrei no Dante logo após a guerra, eu tenho quase setenta anos, né, em 1946, quando o colégio se chamava Visconde de São Leopoldo, algo assim porque era proibido ter nomes italianos porque o Brasil lutou contra o Eixo, né, e depois, tudo bem, se transformou no próprio Dante Alighieri.
P/1 – E como que era o Dante assim, como era a escola, a instituição?
R – Olha, era permissível até determinado ponto, era um ensino laico e eu não me lembro de um colégio ser cerceador, mas sempre incentivou um tipo de rebeldia sadia assim, dentro dos limites.
P/1 – Como que eles faziam isso, incentivavam?
R – Não, não incentivava. Eu me incentivava nesse nível, mas era uma coisa de camaradagem.
P/2 – Que tipo de rebeldia era, o que vocês faziam aqui?
R – A gente era meio cínico em relação, não acreditava, mas a gente, eu, o Mautner não acreditava muito dentro do postulado de seriedade que se impunha, né, porque o italiano é muito interessante, tem o lado que é o lado quase fascista do estudo, mas tinha outro lado que até eles não acreditavam muito, então foi uma coisa, e teve um estudo muito humanitário. O Dante Alighieri foi muito interessante porque puxava mais para humanitárias do que para Ciências. Latim, eu estudei oito anos de Latim.
P/1 – Oito anos?
R – Línguas, é tudo história. Os professores, tinham dois professores, muito importantes lá que marcavam muito, um era um professor de Geografia, que era o professor Petrone, o outro era de História, Ofélia, e tinha um de Matemática que era genial, [San Gerard?], coisa assim, me lembro desses mestres, né?
P/1 – O que você achava genial desse professor de Matemática, você lembra alguma passagem?
R – Eu repeti tudo, mas a vivacidade dele era muito incrível, ele era muito criativo. E o resto era bem normal.
P/1 – E esses de História e de Geografia que você falou que marcaram?
R – Ah, fantásticos, um dia eu repeti de ano tirando dez de História e dez de Geografia e zero em todas as outras matérias.
P/1 – E como que eram as aulas desses professores, você lembra como que era o sistema?
R – Quando a pessoa acredita no que está fazendo ela transmite isso, né, fica uma coisa viva, então dentro da pasmaceira didática, essas eram coisas vivas, você sabia, sentia o interesse, sentia a linguagem. Gozado, o aluno mesmo, jovem, é muito permeável à verdade, a autenticidade, a veracidade do que ele transmite.
P/1 – Você gostava de ir para escola?
R – Olha, acho que nem era uma questão de gostar ou não gostar, se ia, né, mas não me lembro de ter sido uma coisa penosa, era uma parte da vida bacana, nunca tive uma, eu só quando era adolescente quando levei pau no primeiro Científico, na época, e depois fui para o Clássico, mas depois a gente já era... Daí eu troquei de escola, acabei o estudo através de um cursinho, né, de um como é que se chama?
P/1 – De um supletivo?
R – Supletivo e daí tinha que entrar numa universidade, né, daí tem uma universidade de Economia da Universidade de São Paulo, né, décimo quarto lugar, mas no mesmo dia, eu mandei um trabalho para Bienal, em 1963, e fui aceito.
P/1 – Só voltar um pouquinho esse período escolar para gente já passar para juventude.
R – Olha, quem, de fato, fez um relato muito interessante desse período foi o Jorge Mautner, num livro de memórias dele.
P/1 – Ah, isso é legal a gente saber. E aí na escola, só voltando um pouco, como que era a relação com os amigos na escola, os recreios, o que você lembra dessas situações?
R – Era muito gostoso porque a gente jogava muito futebol, futebol de tampinha, futebol..., era muito interativa, eu era uma pessoa interativa e a gente sempre tinha amigos.
P/1 – Eles iam na sua casa, não?
R – Também, eu tinha um amigo de infância que é o Alexandre [Miusni?] e a gente jogava futebol, jogava muito futebol embora eu fosse um perna de pau, meu maior sonho era ser goleiro, mas era um sonho torto, mas eu jogava. Era uma infância e uma juventude bem normal.
P/1 – Você jogou bastante futebol até colegial?
R – Não, daí eu era muito perna de pau para jogar, mas daí quando eu conheci o Mautner... Eu sempre fui leitor voraz, né, mesmo de criancinha, eu me fechava e ficava lendo, lendo e quando encontrei com os pais do Mautner, tudo, que a gente emergiu na literatura mundial que eu vinha a conhecer Faulkner, Hemingway, Kafka, Dostoiévski, toda a grana, a filosofia, daí eu falei “Pô, é tudo isso o que eu queria na vida”.
P/1 – Você ia muito à casa do Mautner?
R – A gente vivia indo um na casa do outro porque era aqui mesmo no bairro.
P/1 – Todo mundo do bairro.
R – Ele morava na Rua Itapeva e eu na Eugênio de Lima, umas quatro quadras.
P/1 – Legal. E só também para fechar essa coisa da escola, eu estou curiosa um pouco, você falou que estudou Latim oito anos. Que línguas você tinha, só Latim ou tinha Inglês? Como que era?
R – Não, era mais Francês, Latim e Francês. Gozado, o Inglês só foi para o Clássico, no Ginásio era Latim e Francês, eram básicos, né. E Português, é claro.
P/2 – Você fazia outras atividades depois da escola?
R – Não, não existia isso muito, viu? Nessa época, não existia, era tudo na escola porque tinha muitas coisas, balé, pintura, judô, não, não existia nada disso naquela época.
P/1 – Era manhã, era período?
R – Olha, no Primário era de tarde e no Ginásio era de manhã.
P/1 – Você ficava de manhã e à tarde ia para casa?
R – Exato.
P/1 – E aí quando começou a despertar o teu lado artístico? Você se lembra disso?
R – Exatamente, quando a gente ficou amigo do Mautner e então eu escrevia bem. Eu e o Mautner éramos os melhores em redação e daí a gente ficou amigo, daí criou o Partido do Kaos, quer dizer, uma rebeldia e a gente escrevia e fazia poesia e a filosofia, estudava física, até o Mautner um dia foi e falou: “Eu vou descobrir como que se pinta”.
P/1 – Ele falou?
R – É. “O pai do meu padrasto que é o primeiro violinista do municipal”, Senhor Henrique, o padrasto, o pai e a mãe eram muito amigos, moravam pertinho e sempre se uniam, então ele falou: “O pai do meu padrasto, ele pinta”, e ele era um pintor que veio da Alemanha e pintava paisagem de neve no Brasil.
P/1 – Pai do Henry Miller?
R – O pai do Henry Miller, o pai ou tio, não me lembro bem, acho que era pai. E daí o Mautner volta a falar: “É facílimo, é só comprar tinta óleo, terebintina, tela e pincel”. E eu, o Arthur e ele começamos a pintar.
P/1 – Quantos anos vocês tinham?
R – Tinha dezesseis, eu acho, não era uma coisa muito antiga, quinze, dezesseis.
P/1 – E o que vocês pintavam, você se lembra?
R – Eu me lembro porque eu era o pior dos três, o Arthur era o melhor e o Mautner pintava umas coisas bacaninhas, uma pessoa tocando flauta. O Mautner era conhecido como sambista no Dante Alighieri porque ele tinha um bandolim e no recreio ele batucava muito samba, porque ele morou um tempo no Rio de Janeiro e ele tinha o conhecimento muito grande de samba e também tocava violino que o padrasto ensinou a ele tudo, então, qual era a pergunta mesmo?
P/1 – Não, você está contando de quando vocês começaram a pintar, da fase de quando vocês começaram a pintar.
R – Ah, sim. Então, eu só estou ilustrando esse quadro que o Mautner pintou de uma pessoa, acho que o universo dele era muito musical desta época e fora que ele escrevia magnificamente bem, né?
P/1 – Tinha uma coisa desde lá, né, essa coisa multi de vocês?
R – Exato, sem fronteiras, tanto é que a pintura veio de uma das serpentes dessa cultura geral. Aliás, eu pensava mais em escrever do que ser pintor, mas no fim acabei sendo pintor, entre outras coisas.
P/1 – E aí quando você estava no Clássico, você passou do Científico para o Clássico, né, e como foi você começar a pensar nessa fase no que você ia ser, porque você foi fazer Economia, como foi essa fase?
R – Pois é, tinha essa dicotomia, né, é que eu pintava bastante, mas o que eu pintava era muito, era bem angustiante, era muito forte e as pessoas detestavam, vomitavam e eu falei: “Pô, eu acho que agora eu tô precisando pôr o pé no chão, a família toda”. Então, tinha que entrar numa universidade e, como eu já falei, entrei, a gente era muito inteligente, entrava nos primeiros lugares, entrei em décimo quarto, estudando dois meses. Não entendia nada, eu queria fazer Psicologia, mas Psicologia tinha Física no vestibular e Física eu não entendia nada, pelo menos tomei umas aulas de Matemática e passei muito bem na Economia, mas daí aqueles quadros horrendos que todo mundo vomitava eu mandei para a Bienal, que antigamente existia a seleção, e fui aceito com vinte e dois anos.
P/1 – Mas tinha alguém que gostava, que te dava força para continuar ou você falou: “Eu vou mandar para Bienal esse quadro que ninguém gostou”?
R – Não, a gente se considerava um gênio: eu, o Mautner e o Arthur, ainda bem, porque você tinha, porque todo mundo achava um nojo e, de repente, confirmou. Então, eu fui considerado como um, porque era muito abstrato e a gente era gritantemente figurativo, tanto é que eu fiz uma exposição esse ano no Centro Cultural Banco do Brasil Cinquenta anos de Pintura e esses quadros estavam lá e eram considerados uma espécie de grupo cobra que virou interessante. Daí eu conheci Mário Schenberg, conheci todo mundo que foi um dos grandes incentivadores, o professor Mário Schenberg que era um dos maiores físicos do Brasil e também crítico de Arte.
P/1 – Você falou que você pintava umas coisas angustiantes, você estava angustiado na época?
R – Estava.
P/1 – O que era, o que você estava vivendo?
R – A adolescência é uma conturbação total de tudo, né, aonde vou, o que sou, o que não sou, então eu tive uma crise mística que todos os meus escritos e pus toda angústia na pintura.
P/1 – Então teve um ritual de passagem aí?
R – Teve um ritual de passagem muito grande.
P/1 – Olha, você abandonou a escrita e resolveu pintar.
R – É, mas foi assim, quase fiquei pinel.
P/1 – (risos) E fora vocês pintarem, enfim, e irem ao colégio, o que mais vocês faziam?
R – Mais do que isso a gente fazia umas coisas assim, de vez em quando, a gente fazia performances sem saber de nada, não existia inclusive performance. Então a gente entraria com velas, numa procissão, escrevia “James Tino morreu” nas paredes, nos muros, tocava fogo nos trilhos de bonde da Augusta, jogava gasolina e tacava fogo. A gente era muito meio maluco.
P/1 – Mas alguma vez vocês foram repreendidos?
R – Não, por sorte não.
P/1 – (risos) Queria saber se tinha alguma expectativa dos seus pais você fazendo Economia, antes pensava na Psicologia, como é que era a expectativa deles?
R – Ainda bem que, olha, meus pais que eram de origem mais humilde, né, tinham cinco, o primeiro filho foi engenheiro, que era o que o primeiro, o segundo era o queridinho e foi muito protegido, depois o terceiro, quarto e quinto eles não davam muito pelota, né, só um pouco, mas o que foi má sorte.
P/1 – Mas quando você estava na dúvida: “Ah, não sei se é Economia ou Psicologia”, o que eles achavam?
R – Eles nem estavam aí. Para eles, o quente era o Dante Alighieri, que era um status. Agora, quando eu passei em Economia, eu falei: “Pai, passei em Economia”. Ele falou: “Você devia era ter continuado no Dante Alighieri”. Daí eu não entendi nada, eu falei: “Como? Um é colégio, um é universidade”. Ele não tinha muita noção. Era mais a gente, não durou dois meses a Economia.
P/1 – Mas Economia, quando você fez a escolha tinha a ver um pouco com o vestibular, mas você estava lendo coisas influenciado pela família do Mautner e tal?
R – Imagine, total, até escrevi “A orelha do Caos”, né, não, eu escrevia muito bem. Imagine, fazia tudo. Não, isso daí era uma coisa muito superficial essa, nem eu também não acreditava nisso.
P/1 – Você não ficou curioso, você achou que você não ia levar tão a sério Economia, será?
R – Primeira semana de aula, eu já vi que aquilo era impossível.
P/1 – E aí, como que foi isso?
R – Durou dois meses, a primeira semana eu fui todos os dias, a segunda semana já faltei um, na terceira semana faltei dois e depois de um mês eu só fazia a política do Partido Comunista, daí era mais interessante.
P/1 – E como era a realidade na universidade naquela época que você entrou na Economia, como que era o clima?
R – Era o clima muito festivo, né, porque era Jango-Goulart (Jânio Quadros e João Goulart), não era universidade, era o clima geral, nessa época, um pouco antes, “O Deus e o Diabo na terra do Sol”, o teatro fervilhando, a literatura fervilhando, as artes plásticas fervilhando, os movimentos sociais, pessoas magníficas como Mário Schenberg e tudo e de repente consciência social, a gente se filiou até no Partido Comunista em 1962, mas já tínhamos vinte e um anos. Era muito, muito efervescente e a única cidade até que era menos, mas os lugares que a gente andava aqui, a Cinemateca, os filmes, as leituras, era muito efervescente São Paulo, o Brasil.
P/1 – E aí você desistiu de fazer Economia e o que você foi fazer, como é que foi essa trajetória depois?
R – Imagine, eu aluguei um ateliê, entrei na Bienal, o que mais eu queria da vida? Chutei tudo.
P/1 – Onde era o teu primeiro ateliê?
R – O meu ateliê era famosíssimo, era na Rua Frei Caneca, 348. A história do ateliê era muito interessante. Eu aluguei com o Gontran Guanaes Netto logo de cara que era também do Partido Comunista e lá funcionava a gráfica do Partido, isto é, o que gráfica era?
P/1 – Um mimeógrafo.
R – Um mimeógrafo e lá todo mundo ia, o Mário Schenberg, o Artigas, eu era muito considerado, eu era a sensação da pintura do momento, né, e ainda mais Partido Comunista, tudo, e mil pessoas visitavam o ateliê porque era muito perto da Maria Antônia, onde meu irmão Nelson fazia Filosofia e daí todo mundo vinha da Filosofia até o ateliê que era pertinho e daí o José Agrippino de Paula frequentava muito, né, a Panamérica e tudo, ele conhecia até a Maria Esther Stockler lá no ateliê, e o Rogério Sganzerla, quando tava filmando “O Bandido da Luz Vermelha”, o ateliê era uma efervescência imensa, e depois do golpe se transformou mais num centro, quase de clandestinidade, ao mesmo tempo tinha outro sócio que só ia lá para transar com a namorada de noite, que o José Parisi Filho, que era do CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Então tinha incômodos, essas absurdas incríveis e depois em 1966 o Jô Soares mesmo foi lá para o ateliê onde a gente ficou amigo, né, então a história do Frei Caneca 348, é imensa.
P/1 – Quanto tempo que durou esse ateliê?
R – De 1963 a 1969.
P/1 – Nossa, bastante tempo. Era você, você tinha alguns sócios no ateliê?
R – Olha, o primeiro fomos eu e Gontran Guanaes Netto, depois entrou o Carmélio Cruz, que era porto pintor, depois saiu o Carmélio Cruz e entrou o Jô Soares, e foram esses aí, fora todo mundo que entrava. Na época, tinha muitas Bienais, eram muito importantes, então é amigo de todo mundo, o Antonio Dias, o pessoal do Rio que vinha para São Paulo.
P/1 – Como que você fazia para se manter, Aguilar, para alugar um ateliê você começou a vender quadros, como que era essa?
R – Olha, eu vendia muito poucos quadros, mas vendia, vendia para a inteligência ou para os físicos, amigos do Mário Schenberg, para os arquitetos amigos do nosso amigo Artigas, Vilanova Artigas, então era o pessoal, mas a gente vivia com muito pouco e aí também eu vivia na casa da minha família também, né, não vivia no ateliê, até depois quando pesou muito a barra porque o ateliê de vez em quando tinha armas, isso mais depois assim, tal até que o Gontran caiu, quer dizer, foi preso.
P/1 – Gontran?
R – O Gontran, o meu sócio e daí soltaram ele e foi imediatamente para Paris e aí a gente fechou o ateliê, eu mudei para outro lado e depois eu fui viver em Londres.
P/1 – Para onde, você mudou o ateliê para outro lado?
R – Não, eu mudei de casa.
P/1 – Tá.
R – Foi o fim da Frei Caneca.
P/1 – E lá você estava produzindo pintura?
R – Pintura.
P/1 – E sua relação com a escrita ainda estava, você tinha se distanciado?
R – Não, tinha me distanciado total. Eu só fui retomar a escrita em 1977 quando eu escrevi uma peça de teatro e encenei, fui convidado para Bienal, em vez de pintura eu escrevi o Circo Antropofágico, então foi isso.
P/2 – Você tinha alguma influência artística ou uma roda de discussão sobre as tendências?
R – Em pintura?
P/2 – É, tinha algum mestre ou alguém?
R – Gozado, não. Quando a gente fala autodidata, é claro que depois você vem a conhecer tudo, não é, no começo não, depois que a gente vai conhecendo e a minha pintura se dirigiu muito para Action Paint, mas sempre com conteúdo figurativista, então a gente tinha textos logo de cara Van Gogh, aquelas coisas de adolescentes, depois foi conhecendo pessoas e tudo, mas o polo que jogamos tintas, mas a minha pintura sempre foi muito construtivista, figurativista dentro de um ponto de vista. Mas eu acho que como eu não sou pintor, como a pintura não era só o ponto de vista a área de influência foi muito grande, principalmente a nível de cultura, cinema, tudo. O meu pai tinha a Filmoteca Rainha, que alugava filmes, foi uma parte muito grande tanto da minha adolescência e tudo porque eu fazia projeções a domicílio, tipo Cinema Paradiso, quando os meus dois irmãos maiores estavam lá, de repente ia eu, com onze, doze anos fazer filme na máquina, é inacreditável. A Filmoteca Rainha foi uma coisa muito grande, tanto é que depois, nos anos de 1990, a gente doou para o Museu de Imagem e do Som (MIS) cento e sessenta títulos de filmes de dezesseis milímetros, fizeram até uma retrospectiva, se chamava Filmoteca Rainha, em homenagem ao meu pai eu até escrevi sobre.
P/1 – Ah, que legal.
R – Então, as artes visuais sempre estavam muitos presentes desde oito anos quando meu pai adorava alugar filmes nos anos quarenta, quando eu assisti “Mogli, o Menino Lobo”, com Sabu, foi incrível, então a imagem sempre esteve muito presente por esse lado do meu pai que era cinema.
P/1 – Isso te influenciou de alguma forma a trabalhar figurativismo?
R – Total, completo.
P/1 – Deixa eu te perguntar uma coisa, durante essa época do ateliê da Frei Caneca, 348, como é que estava sua relação com o Mautner, vocês estavam próximos ainda?
R – Ah, sim, sem dúvida. Mas, em 1966, o Mautner mudou para Nova York, mas o ateliê continuou e tanto é que eu fui visitá-lo em 1969, mas até 1966.
P/1 – E aí esse outro ateliê que você mudou, você ficou pouco tempo?
R – Fiquei um ano, é, nem um ano e depois me mudei para Londres.
P/1 – Como foi essa mudança?
R – A situação estava muito pesada no Brasil e não tinha nada, era uma coisa tenebrosa, cultura, toda aquela efervescência absurda foi totalmente cerceada, então imagine, em Londres estava o Arthur de Mello Guimarães morando lá, o Mautner que eu visitei um ano antes em Nova York a partir de 1969, 1968, a partir do Ato Institucional número 5 (AI-5), não tinha mais jeito. Até dezembro de 1968, ainda existia uma vida inteligente dos festivais de música, literatura, arte de resistência, né, mas depois disso, no AI-5 o Caetano, o Gil foram banidos, né, então, em 1970 eu mudei lá onde, fantástico, estava o Arthur, estava o Mautner, estava Caetano, estava o Gil, milhões de pessoas. Foi uma das coisas mais, um dos polos mais incríveis de cultura de exilados, voluntários ou não, que foi feito no exterior, né, incrível. Até escrevi um conto muito interessante, escrevi “A Casa de Arthur”, que era onde se reunia todo o pessoal.
P/1 – “O Demiurgo” é dessa época também, né?
R – “O Demiurgo”, o Mautner foi lá, eu até participei, Sócrates, o Gil era o Deus Pã, o Caetano era Demiurgo e o Mautner, você viu? É fantástico.
P/1 – Eu não vi, eu tenho que ver. E aí porque você decidiu ir para Londres, porque estava esse pessoal todo, como que foi isso?
R – Era normal, era onde todas as coisas aconteciam, se bem que Nova York estava muito bacana, mas Londres era a Meca de tudo, era fantástico.
P/1 – E até tem uma questão aqui falando um pouco do Kaos agora, vocês continuaram desde então, você e o Mautner alimentando essa filosofia do Kaos, vocês continuavam pensando nisso, como que foi?
R – A gente sempre permeou todas relações, todos anos, tudo. Que na realidade nada mais é do que uma amálgama universal de cultura, sendo centrado muito na cultura brasileira.
P/1 – E quem fazia parte assim, quem aderiu esse?
R – Ah, todo mundo, era mais um movimento do que um partido, partido entre aspas.
P/1 – Vocês começaram com a ideia de partido?
R – Ah, porque era tudo partido, era um movimento do Kaos, e desde a adolescência até hoje o Mautner é um dos grandes teóricos do movimento cultural brasileiro.
P/1 – Quer atender?
R – Eu vou atender. Pô, você vai me fazer falar toda a vida?
P/1 – (risos). Aguilar, e conta um pouco, você ficou em Londres quanto tempo?
R – Eu fiquei dois anos em Londres, fui com minha namorada, depois me separei e casei com uma inglesa, que era amiga do David Hockney, era separada de outro artista inglês, né, e tinha um filhinho, o Byron, que é sapeca para burro e eu aluguei, quando eu estava lá eu estava morando num flat e fui alugar um ateliê lá em Porto Belo e aluguei um [fóton?] lá dessa moça, né, e pintava lá o tempo todo e ela me tratava muito bem, muitos cafés e tudo até que uma vez eu fui e fiquei. Então ela me introduziu muito para a turma inglesa que era tudo, David Hockney, no ateliê a gente ia muitas vezes, a turma da moda, a Bianca Jagger de vez em quando, então ficava os dois lados.
P/1 – E como foi tudo, produção nesse teu período em Londres?
R – Ah trabalhei bem, muito com pintura, ah, isso você tem que ver no livro ou no site.
P/1 – E aí você começa a trabalhar quando com videotape, Aguilar?
R – Ah, isso foi depois.
P/1 – Muito tempo depois?
R – Não, não, em 1972, todo mundo volta para o Brasil, eu volto para o Brasil, eu me lembro, voltei para São Paulo, São Paulo estava nojenta, estava muito depressiva.
P/1 – 1971?
R – 1972. E daí eu vou para o Rio de Janeiro que é melhor, que toda a turma da gente estava no Rio e daí eu namoro e me separo da Ana que veio para o Brasil e foi um desastre, detestou e eu me caso com uma carioca que é a Sonia Miranda, ficamos no Rio de Janeiro, demos uma volta no mundo em 1973, mas voltamos paro Rio de Janeiro e 1974 a gente vai para Nova York e é onde eu compro o primeiro equipamento de vídeo.
P/1 – Ah, foi lá que você começou a trabalhar com vídeo?
R – É, foi em 1974 que eu comecei a trabalhar com vídeo.
P/1 – Como foi essa sua incursão pelo mundo do vídeo, o que te deu na cabeça de comprar um equipamento, como é que foi isso?
R – Eu sempre vivi com cinema e imagem, né, quando eu vi uma coisa que você podia criar uma imagem no ato, poxa.
P/1 – E como foram suas primeiras experiências lá em Nova York com isso?
R – Fiz um filme que eu acabei aqui que, um filme, um vídeo, que se chamava “Where is South America?”, onde começa eu no Empire State Building perguntando: “Where is South America? Do you know where is South America?”, e na volta eu morando no Rio de Janeiro daí eu videotapei cenas do carnaval, videotapei uma mãe de santo que era dona de um salão de beleza que esticava cabelos carapinhos e era uma mãe de santo e vários amigos atores que eram do underground e então ficavam falando frases do Eduardo Galeano: “America Latina tienes más naufragos que navegantes”, era um caleidoscópio e tinha Maria Gladys falando manifesto antropófago do Oswald de Andrade e incrível. Eu acho que era uma das grandes coisas, esse vídeo eu finalizei em 1975.
P/1 – Deixa eu te perguntar uma coisa que eu fiquei curiosa aqui, quando você foi para Londres, você falava Inglês?
R – Olha, eu tinha uma noção, mas não falava Inglês, aprendi muito com minha mulher, a inglesa da época.
P/1 – Aprendeu ali no dia a dia?
R – É, tinha que falar, né?
P/1 – E por que vocês resolveram ir para Nova York em 1974, você e sua nova namorada carioca?
R – Porque lá em Nova York estava acontecendo muitas coisas e para pintura era muito gostoso, o único lugar que não dava para ficar muito era o Brasil que era muito pesado, mas em todo caso a gente ia e voltava, no Rio de Janeiro a gente conseguiu fazer um oásis onde era amigo do Gil, de Caetano, do Mautner, então tinha sempre uma coisa assim, mas Nova York era ótimo, excelente.
P/1 – E você ficou quanto tempo lá, Aguilar?
R – Fiquei um ano, um ano e meio, entre idas e voltas no Rio e tudo até que fiquei no Rio.
P/1 – E aí você voltou para o Rio em 1975?
R – Exato.
P/1 – E aí o que você foi fazer lá?
R – Em 1975, eu continuava pintando até que em 1976 eu me mudo para São Paulo, me separei da Sonia e arrumo meu ateliê famoso, outro grande ateliê famoso que fica na Eugênio de Lima, 198, que é a casa azul.
P/1 – E aí, quando você volta para cá, você está trabalhando com pintura e vídeos, você mistura essas duas coisas, como que está tua criação?
R – Exatamente, pintura e vídeo em 1976, em 1977, daí eu casei com a Lucila Meirelles que fazia, quando eu cheguei aqui eu fiquei quase sete anos fora de São Paulo e ninguém me conhecia, daí eu cheguei para o Claudio e falei: “Claudio, qual é a melhor coisa de São Paulo?”
P/1 – Cláudio o quê?
R – Claudio Tozzi. Ele falou: “Uma é as aulas do Ivaldo”, e a outra acho que era o [Caorque?]. Mas as aulas do Ivaldo Bertazzo, era muito quente, namorei bastante, tanto é que casei com a Fernanda, com a Fernanda não, com a Lucila e daí fizemos muitos vídeos juntos.
P/1 – O pessoal do Evaldo?
R – Não, eu e Lucila.
P/1 – Ah, sim.
R – E aí escrevi até aquele o Circo Antropofágico, né, que foi feito para Bienal.
P/1 – O que era o Circo Antropofágico?
R – Era uma ópera multimídia com muito vídeo, foi a primeira coisa que houve vídeo no teatro.
P/1 – Primeira coisa o quê? Ah, de vídeo no teatro.
R – É, falhas, instalações de vídeo, tudo bem você tem um prêmio da Bienal, nós fizemos no Teatro Ruth Escobar.
P/1 – Aqui você estava com o ateliê de volta quando vocês vieram para cá?
R – É, estava no ateliê que eu aluguei a Casa Azul, que era em frente, na Eugênio de Lima.
P/1 – Ah, A casa Azul sim, você falou. E como que era, como você começou a entrar no mundo da música, como é que foi essa história da banda?
R – É gozado, tem uma história. Eu fazia muito vídeo, até que eu, Lucila, muita coisa, até que a gente, deixa eu ver, e o vídeo primeiro você faz o vídeo e, de repente, eu caí na frente do vídeo, daí a gente começou a fazer performances, videoperformances, em 1978, ou mesmo em 1979, 1978, a gente já estava em internacional, a gente já fazia muitas, participava de festivais de videoarte no Japão, onde comprei minha primeira câmera colorida, em Bueno Aires, Barcelona, de repente, fomos a um grande festival de videoperformances que lá onde a gente fez a “Ópera do Terceiro Mundo”, que era um telão, e no telão tinha uma saída que é uma cerimônia de Candomblé, que a gente fez na Bahia, e no outro era um ditador falando “Eu sou América Latina, você não é América Latina”. Tinha um revólver e tinha um estudante, e falava de um “Yo soy latinoamericano”, uma mulher “Yo soy latino americana”, no fim só se ficava o revólver antes da dor e uma televisão cheia de, cercada por velas de macumba, acendia tudo, ligava a televisão e era os críticos falando sobre linguagem de videoarte, entendeu, eles ficaram putos, mas então nós participávamos ativamente de todos esses circuitos, né?
P/1 – E essa instalação rodou o mundo?
R – Não, não.
P/1 – É aqui no Brasil, imagina, né?
R – Então, falando que daí a gente fazia performances e performances televisivas, né, estava sempre “videotapadas”, até que um dia em, daí eu me separo da Lucila e daí a Lucila, como é uma pessoa genial falou: “Olha, você não vai ficar sozinho aí na casa’’.
P/1 – Uma pessoa o quê?
R – Genial. A gente era muito amigo da [Uchi?], do Lelé e a [Uchi?] era a irmã do Arnaldo Antunes que estudava dezenove, vinte anos, ele e a [Uchi?] estudavam Letras, e eles ficaram no meu ateliê. Então, essa turma que era turma da Equipe, né, tinha muita gente lá que a gente começou a fazer videoarte com eles, que era Paulo Miklos, tinha tanta gente lá bacana, o Plínio Veras, tem toda a equipe e fora e outro pessoal que a gente também e eles eram muitos, lançavam aqueles almanaques, fanzines, e coisas incríveis, né, muito talentosos e a gente começou a fazer vídeo. De repente, em novembro de 1980, em uma performance na Pinacoteca, nós fizemos um concerto para piano de cauda, luvas de boxe, cítara, violinos, quatro letras de dois metros de altura, somando a palavra Arte, dois extintores de incêndio e instrumentos vários e então nós fizemos... Eu entrava no palco com minha orquestra, com minha banda, né, tocava piano, inclusive nas teclas, todas pessoas...
P/1 – Onde que era isso?
R – Aqui na Pinacoteca. É um piano de cauda e daí depois em seguida, o [Mancicano?] tocava a cítara, depois tinha um dueto entre eu e o [Mancicano?], depois a Gô tocava violino e depois o Arnaldo Antunes e a Vânia Bastos tocando extintor de incêndio, aqueles extintores de incêndio com o pó químico que todo mundo saía correndo e depois pegava uma espada samurai e cortava toda, destruía as letras.
P/1 – Essa era década de 1980?
R – Na década era, novembro de 1980, mas foi um caos absurdo, todo mundo e todos os amigos na plateia com assobios, com outras coisas, foi uma coisa fenomenal. A gente ficou tão entusiasmado, eu tenho tudo isso em vídeo.
P/1 – Essa era a banda?
R – Essa era antes da banda.
P/1 – E você já estava (risos), como é que foi esse pulo?
R – Daí um mês depois a gente se inscreveu, a gente era muito cara de pau, se inscreveu no Festival de Arte Universitária do Rio de Janeiro e a gente decidiu fazer um concerto pop, eu tocando guitarra com luvas de boxe, e tudo aquilo, tudo isso que aconteceu e mais ainda, a gente quase apanhou, teve que sair correndo, até tem isso em vídeo. A gente ficou tão entusiasmado que falamos: “Vamos fazer uma banda mesmo”, uma banda com letras e tudo. Então, no ano seguinte, em 1981, na “Paulicéia Desvairada”, onde eu lancei meu primeiro livro que era “A divina comédia brasileira”, lancei um vídeo que fizeram deles e a banda, mas a banda fez um sucesso imenso.
P/1 – Quem que era, era você?
R – É, no começo era eu, tinha o Arnaldo, tinha o Paulo Miklos, Flávio Smith e tudo o pessoal da Equipe, né e mais uns outros e depois a gente foi convidado para fazer um concerto ao ar livre no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, na coleção Gilberto Chateaubriand, onde foi um sucesso estrondoso.
P/1 – Você começou com essa brincadeira atrás da câmera e pulou para dentro da câmera, e quando foi ver estava dentro da banda, como é que foi?
R – Exatamente, você fez um percurso bom. Então, daí, a gente já fez aquela música que foi um grande sucesso, o maior sucesso, único: “Você escolheu errado seu super-herói”, mas o que mais me dói, e daí o Belchior, fizemos vários concertos em São Paulo, o Belchior adorou e produziu o primeiro disco da banda que saiu em 1982, e daí foi essa banda agora.
P/1 – Quanto foi, foi um monte de discos, não? Quantos discos vocês fizeram?
R – Nós fizemos “A porta bêbada II”, ah, fizemos quatro discos, quer dizer, está tudo em CD agora.
P/1 – O Titãs foi em que ano, hein? Que ano que eles se juntaram?
R – O Titãs foi logo em seguida, daí eles fizeram o Titãs, né, e daí a gente mudou a formação, porque daí eles fizeram mais sucesso.
P/1 – Daí eles o quê, fizeram mais sucesso? E você continuou com a história de música, não?
R – De vez em quando, a banda é cíclica. Há quatro anos, não, em sete... Há três anos atrás, a gente lançou um disco “Anti herói”, e ano que vem talvez a gente ressuscite a banda.
P/1 – Ela vai e volta?
R – A banda é fênix.
P/1 – E as atividades são comemoradas no Bicentenário da Revolução Francesa, como é que foi isso?
R – Nossa fizemos, eu escrevi a peça.
P/1 – Isso foi quando?
R – 1989.
P/1 – Ah foi bem depois, né?
R – Foi, duzentos anos.
P/1 – É 1989, tá certo.
R – Ah, você quer saber disso?
P/1 – Quero.
R – Ah, você quer saber da minha vida toda?
P/1 – (risos) Na verdade, a história do museu.
R – Eu só pensei que ia fazer um agrado.
P/1 – A gente faz, a gente vem para PlayPen que é a próxima... Então fala um pouquinho para gente entrar na PlayPen da tua, do teu trabalho com o livro, como é que foi que você escreveu o primeiro livro que foi a “Comédia”?
R – Exato. “Divina Comédia Brasileira” e depois eu não parei, eu escrevi mais, o segundo livro, que é maravilhoso, “Canção de Blue Brother” e o terceiro depois veio, veio a Revolução Francesa, depois o quarto e não parou mais, né?
P/1 – E o trabalho na Casa das Rosas, como que foi?
R – Pois é, daí já foi para os anos 1990. Nos anos 1980, também a gente estourou em pintura, olha, eu nunca vendi quadro, se eu comecei a vender quadro com quarenta anos, com trinta e nove anos, quarenta anos, onde eu fiz em 1980 voltando, daí me redescobriram como pintor. Daí eu participei, peguei inúmeras exposições no exterior. Nos anos 1970, era mais radical, era mais underground. A gente era underground, performances, tudo e nos anos oitenta de repente fui redescoberto na pintura e começa a vender quadros e tudo, e a Banda Performática acontece, nos anos de 1980, tudo aconteceu e eu viajo, de repente confiro lugares místicos, vou para Oregon e fico sempre estudando terapias alternativas e vou para Índia e volto e faço exposições, faço performances, tudo é muito intenso.
P/1 – Você decidiu ir para Índia porque você já estava interessado no Hinduísmo?
R – Não, já era _______, eu fui para Índia. Eu era terapeuta de criatividades e tudo, depois volta, os anos de 1980 e acontece isso tudo. Até o fim dos anos de 1980, a gente faz a Revolução Francesa, em duzentos anos eu escrevo, foi um negócio. Em 1983, eu fiz uma Ópera Rock “Macunaíma Performático”, na Praça Roosevelt para quinze mil pessoas e, em 1989, a gente faz isso onde vinte mil pessoas iam na frente do Estádio Municipal do Pacaembu, uma das coisas fantásticas onde eu e o Zé Celso Martins Corrêa, eu era o Voltaire e ele era o Rousseau, nós contávamos a Revolução Francesa porque esses caras morreram dez anos e viram tudo e eu, o Robespierre era Mautner, o Arnaldo Antunes também participou, o rei Luís XVI era o Serginho Mamberti, e tudo foi um negócio fenomenal, duzentos anos da Revolução Francesa no Pacaembu, foi uma coisa gloriosa.
P/1 – E na Casa das Rosas você ficou quanto tempo?
R – Sete anos, daí eu fui convidado em 1994 e abrimos a Casa das Rosas em 1995 com exposições memoráveis, fenomenal.
P/1 – Você fazia a curadoria?
R – Eu era o diretor daí fazia a curadoria.
P/1 – E daí vamos passar então para PlayPen. Queria que você contasse como é que foi o convite da escola para você participar?
R – Ah bem, primeiro que tem pessoas tão magníficas que são deusas que dirigem esse colégio, essa instituição. Então é uma das coisas mais inacreditáveis que eu vi em matéria de educação, se bem que tem várias coisas muito boas, tem colégios magníficos em São Paulo, todos de extrema vanguarda, né, e PlayPen é um deles, né, sem dúvida nenhuma. Eu não acreditei no nível quando eu fui apresentado lá e participei da Bienal, né, era uma Bienal muito interativa junto com estudantes, né?
P/1 – Aguilar, e aí o que você achou diferente de vanguarda na PlayPen?
R – Não, ia, agora ele (o cachorro) vai querer falar também.
P/1 – (risos).
R – Estou na área porque primeiro eles ensinam no nível de globalização e principalmente de realidade brasileira maravilhosa. Eles já foram lá para o Pará, Alter do Chão, é inacreditável o nível de consciência, de cidadania e de criatividade. Pô, se eu tivesse uma escola dessas no meu tempo eu não sei o que eu seria? Um Einstein ou apenas um ser comum, feliz.
P/1 – O que você fez com a escola, como é que foram as atividades, você foi lá, como é que foi isso?
R – Eu fui lá, interagi com o pessoal, pintamos juntos.
P/1 – O que era, com todas as séries, como que era?
R – Eram todas as séries.
P/1 – Tudo misturado?
R – Tudo misturado.
P/1 – E aí você ia lá e você propunha atividade, como que funciona?
R – Não, quem propunha eram eles, mas a gente propunha a pintura, a gente fez uma Bienal lá, todo mundo pintando.
P/1 – E o que você achou mais difícil de trabalhar com a criançada, assim de trabalhar junto?
R – Eu não achei nada difícil.
P/1 – Nada difícil.
R – Tudo fácil.
P/1 – Você se lembra deles assim, da participação deles?
R – Ah, lembro que estava todo mundo, pô, eu aprendi com eles, eu não ensinei. Eles estavam mais ativos do que eu, eu saía aceso.
P/1 – O que você aprendeu, Aguilar?
R – Aprendi primeiro que uma geração fantástica está se formando. Aprendi que, eu não sabia desse, eu não tinha consciência que existe uma coisa, um lado didático desse nível, que é muito existencial porque pega tudo, várias facetas.
P/1 – Você percebeu isso no comportamento deles?
R – No comportamento, em como ensinar as professoras, os professores todos.
P/1 – E a ligação deles com o tema, que era ligado acho que à diversidade brasileira, né, como é que era essa relação deles com o tema?
R – Eu não sei porque também eu não, a relação deles é que eles ensinavam muito sobre diversidade brasileira, não só ensinavam como pegavam os neguinhos e levavam no local.
P/1 – Na escola, né? Mas os alunos na manifestação deles de pintura para Bienal ligada a esse tema, como é que era assim, a expressividade deles em relação a isso?
R – É muito difícil falar isso porque cada um tinha sua própria expressividade, né?
P/1 – Mas o que você viu ali que você achou?
R – Eu vi tudo, desde gênios absolutos até pessoas comuns. Olha, não quer dizer nada porque o talento a pessoa tem, mas pode jogar fora o talento, o mais importante não é nem o talento, nem o que você vai fazer, o mais importante é o maravilhamento e esse maravilhamento a escola tinha porque dá a possibilidade da pessoa se maravilhar diante de tudo, do saber, do conviver.
P/1 – É, isso é muito legal.
R – Então é muito grande, não é aquela coisa da nossa época que era repetitiva, decorativa, não.
P/1 – Isso o que eu ia perguntar, assim, comparando.
R – Não, é que nem comparar uma carroça com uma Ferrari, é outro nível.
P/1 – Você tinha aula de Artes no Dante, como que era?
R – Tinha tudo, eu era péssimo, eu, pessoalmente, era considerado um lixo.
P/1 – Mas a aula como era, se comparando.
R – Ah, não dá para comparar, né?
P/1 – (risos).
R – Não dá para comparar.
P/1 – Bom, a gente falou isso. E aí o como é que foi para você ter sua obra como objeto?
R – Você sabe que foi uma coisa meio comovente? Foi a primeira vez, foi muito comovente, se bem que é também muito interessante. É comovente, mas é lúdico, né? Os caras, tá tudo bem, pegaram um neguinho aí que tem uma história na História da Arte, mas ao mesmo tempo eu vi meus quadros. As professoras que fizeram isso, fizeram com uma categoria de inclusive me traduzir para a moçada, né, e isso foi um trabalho de muita profundidade, foi interessante.
P/1 – Como que elas fizeram isso, essa tradução?
R – Primeiro eles trouxeram vários alunos aqui, segundo muitas entrevistas, depois codificaram para uma tradução para os meninos.
P/2 – Você chegou a fazer oficina, né, com os professores?
R – Cheguei.
P/2 – Como é que eram essas atividades?
R – Olha, eu sou meio “alzheimico”, não me lembro muito, viu? Mas a gente fez aqui também tudo, foram ótimas. Acho que você precisa perguntar mais para eles isso do que para mim.
P/2 – E qual que é a importância da Arte para o desenvolvimento da criança?
R – Ah, não existe essa diferença porque a Arte é vida, Arte é maravilhamento, por exemplo, se a pessoa não tem o interesse despertado por qualquer coisa a pessoa é doente, sem dúvida nenhuma. A coisa mais fantástica, mesmo que seja um enorme engenheiro, é uma Arte, que seja um matemático total, é uma Arte, é o maravilhamento da vida, né, a Arte ajuda total, não existe mais essa diferença, faz parte. Você lendo um jornal, você lendo um livro, você vendo uma pintura, a pessoa que não sabe o que é uma pintura hoje fica difícil hein. Antigamente existiam diferenças básicas e essa segmentação entre Arte, Ciência, humanidade, hoje é uma coisa só e tanto é pela própria internet, pela própria cibernética total. Não existe mais barreiras de linguagem, fronteiras.
P/1 – É tudo misturado, né?
R – É.
P/1 – Legal. Vamos partir para finalização?
R – Finalize.
P/1 – Finalização da finalização. Eu queria saber, vamos para o fim mesmo, o que você acha de a PlayPen comemorar os trinta anos com um projeto de memória?
R – Eu acho uma coisa muito importante para história da educação brasileira.
P/1 – (risos).
R – Legal, coisa fina.
P/1 – E o que você achou de ter participado dessa entrevista?
R – Mas vocês tiraram tudo, estou cansadíssimo.
P/1 – Só isso?
R – Espero que vocês mandem um bolo, uma caixa de bombons, alguma
recompensa.
P/1 – (risos), foi muito custoso?
R – Foi, você é excelente entrevistadora, puxou tudo.
P/1 – Obrigada e desculpa aí pela compridez.
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