“Num passe de mágica, conseguiram ludibriar estrangeiros durante a Copa do Mundo, escondendo o Brasilquistão (violento, desigual, pobre, sujo, sangrento, corrupto). Mostraram o Brasildinávia (que está virado para a Escandinávia)”. (Luiz Flávio Gomes)
A primeira vez que ouvi falar ...Continuar leitura
“Num passe de mágica, conseguiram ludibriar estrangeiros durante a Copa do Mundo, escondendo o Brasilquistão (violento, desigual, pobre, sujo, sangrento, corrupto). Mostraram o Brasildinávia (que está virado para a Escandinávia)”.
(Luiz Flávio Gomes)
A primeira vez que ouvi falar sobre o Estádio do Maracanã foi em 1950. Mas não foi por causa da derrota contra o Uruguai e sim porque meu tio rico tinha ajudado a campanha de arrecadar fundos para a sua construção, com a aquisição de quatro cadeiras perpétuas. Eu estava com oito anos de idade e sabia pouco sobre futebol, mas quando o tio voltou do Rio de Janeiro desolado com a derrota entendi a frustração dele, não pela derrota em si, mas pelo retorno negativo ao investimento.
Mal ele sabia que anos depois eu iria aproveitar aquelas cadeiras cativas, emprestadas por meu primo para assistir jogos no Maracanã. Porém, a facilidade era aparente e logo dispensei, depois de descobrir que nas cadeiras não tem o principal: o calor da torcida. Ademais, cada pulo que dava era uma joelhada no ferro, com consequentes hematomas. E o bar era longe... Assim não dá, né?
A Copa do Mundo de 1954 já me pegou com algum entendimento. A seleção brasileira era boa, mas perdeu nas quartas de finais para a Hungria de Lantos, Kocsis, o goleiro Grosics e companhia. A máquina húngara de jogar futebol estava há 29 partidas sem perder, ganhou Medalha de Ouro nas Olimpíadas de 1952. Ao fim da partida, húngaros e brasileiros saíram no pau.
Na partida final da Copa de 1954, com toda a nossa torcida, a Hungria ganhava da Alemanha por 2x0, mas - vergonha - foi garfada e perdeu de 3x2. Um brasileiro foi manchete nas semifinais: Paulo Amaral, cuja foto de chuteira em punho para agredir o juiz circulou por todos os jornais esportivos.
A Copa de 1958 foi sensacional. Eu já ia aos estádios assistir aos jogos e acompanhei pelo rádio, revistas e jornais toda a trajetória daquela equipe sensacional, desde as eliminatórias sul-americanas. Brasil, Argentina, Paraguai e México eram os representantes da América Latina. O Brasil passou após vencer o Peru por 1x0 no Maracanã, depois do empate de 1x1 em Lima. A terceira seleção do grupo era a Venezuela, que desistiu de participar. Botava-se o rádio na calçada, em volta ficavam bem umas cinquenta pessoas, cada vitória era uma festa. Na final com a Suécia, mal acabou a partida, fizemos uma charanga para percorrer o bairro em comemoração do primeiro Campeonato Mundial vencido pelo Brasil.
A Copa do Mundo de 1962 - conhecida como a Copa de Garrincha - no Chile, foi contaminada pela corrupção, vaidades, rasteiras e outros trinques. João Havelange era o Presidente da CBD, a equipe contava 22 jogadores e 22 cartolas. Tudo paulista e carioca. Mauro e Bellini brigaram à vera pela vaga de zagueiro. O homem da mala preta atuava nos bastidores. Pelé se contundiu, Mané Garrincha passou a ser o craque do time (ele sempre foi craque como Pelé, mas era cachaceiro... e pobre).
Apesar da aparente simplicidade, Mané tinha o sangue quente, aceitava provocações e acabou sendo expulso por encher de porrada um jogador chileno: expulsão provocava a suspensão automática de uma partida, então ele não iria jogar a final contra a Tchecoslováquia. É hora de chamar o “home” da mala preta! E assim, graças à ‘esperteza’ de Paulo Machado de Carvalho, Garrincha não foi julgado e pôde jogar a final: o Brasil foi bicampeão. A “esperteza” foi dar uma grana para que o bandeirinha que dedurou a agressão sumisse, sem depor. No ano seguinte o bandeirinha, agora juiz, reapareceu apitando jogos em São Paulo, contratado pela Federação Paulista de Futebol com altos salários.
A primeira vez que vi o Maracanã estava no ônibus 254, Praça XV-Quintino, rumo a Piedade, para visitar meu primo-irmão Waldir. Foi nessa época que comecei a usar o Guia Rex. Com esse guia de ruas eu aprendi a conhecer o Rio de Janeiro, indo aos mais longínquos recônditos com segurança. O Guia Rex tinha nomes de ruas, bairros, mapas, a linha de ônibus ou bonde para chegar aos locais desejados. No trajeto o ônibus 254 rodeava o estádio quase todo; de repente vejo o monumento azul, revestido de pastilhas vítreas, cintilando ao sol. Aquele instante mágico me fez fã eterno do Maracanã.
Desde os antigos “Torneio Início” – prévia do campeonato carioca – aos grandes jogos entre times e seleções do Rio-São Paulo – o grande eixo do futebol, antes de Minas Gerais e Rio Grande do Sul entrarem com suas fortes equipes; o maior Fla-Flu da história (1963), 200 mil torcedores; a partida Brasil-URSS (1965), na qual Bob Kennedy viu o goleiro Manga bater o tiro de meta na cabeça do adversário, a bola ricochetear e entrar no seu próprio gol! O jogo da Rainha Elizabeth II, Cariocas x Paulistas (1968), os paulistas venceram com um pênalti duvidoso marcado pelo árbitro Armando Marques; o jogo da estreia de Garrincha no Flamengo (1968), o canto de cisne do Mané, os portões foram derrubados por torcedores fanáticos sem ingressos.
Nos jogos, eu costumava ficar no último degrau da arquibancada neutra. Bem ao lado tinha o bar, cerveja gelada, o banheiro e bate-papo agradável. Do lado oposto via-se a Tribuna de Honra, as cadeiras especiais e mais abaixo as cabines de rádio. Tudo isso dividia as torcidas rivais. Mas na saída os dois grupos se encontravam no início da grande rampa.
Na saída do estádio, ao fim do jogo, os grupos vinham de lados opostos e na descida da rampa se fundiam num só. Dependendo do resultado do jogo e dos ânimos, acirrados ou não, começava um empurra-empurra, corre-corre, às vezes a porrada comia. A técnica de salvamento era buscar proteção atrás de uma coluna e se defender com os braços, sem agredir, apenas afastando a horda sem rumo. Jamais fazer como um torcedor que, apavorado, saltou para o jardim, esquecendo-se que a altura era de um prédio.
Depois do furdunço era só sair no rumo da Rua São Francisco Xavier para pegar o ônibus de volta. Se o público fosse daqueles difíceis de escoar, caminhava até a Praça Sáenz Peña, onde era certo ter chope gelado, belas tijucanas e bons bares.
Agora, em 2014, o estádio Mario Filho (Maracanã) é outro. Foi arrumado a peso de ouro para realizar a Copa do Mundo que o Brasil comprou da FIFA – todo mundo sabe que é um jogo de cartas marcadas. O futebol agora é um grande negócio que tem o aval dos governos, das empresas multinacionais, dos políticos. Em algum tempo o Congresso Nacional e a Promotoria Pública quis se intrometer com a máfia do futebol, em vão: foram apenas arremedos que incrementaram o legislativo com mais uma lei, o Estatuto do Torcedor. Onde tem lei tem corrupção. Então tá.
Para preparar o Maracanã para a Copa do Mundo de 2014, os governos estadual e municipal se aproveitaram da ocasião da maneira mais idiota possível: batendo de frente com a população. Anunciaram a derrubada do Museu do Índio (o local nos primórdios chamava-se “Aldeia Maracanã”), iriam pôr abaixo o Estádio de Atletismo Célio de Barros (jornalista, diretor de esportes do Jornal do Brasil e cartola da antiga Confederação Brasileira de Desportos), pasmem com as notícias: “A Escola Municipal Friedenreich (homenagem a Arthur Friedenreich (1892-1969), um dos maiores craques do futebol brasileiro), referência na rede de ensino, está para ser demolida por conta da obra do Maracanã”.
E mais: “Cerca de 200 alunos do Parque Aquático Julio Delamare protestaram contra o fechamento do parque aquático. A maioria dos manifestantes é de idosos e deficientes físicos que denunciam o fechamento do parque onde fazem tratamento com ginástica hidroterápica. Júlio Delamare, jornalista e locutor esportivo da Rede Globo, primeiro diretor do departamento de Esportes da emissora, morreu no acidente do voo Varig 820 na França, em 1973. Em merecida homenagem o Parque Aquático recebeu o nome de Júlio Delamare”.
Contra a demolição muitos protestos e atos públicos foram promovidos. O governo gastou milhares em dinheiro para mobilizar a força pública contra os manifestantes, coisa de idiotas, enfim, como disse acima. Tudo em nome da corrupção que assola o país, que abrange desde as presidências dos Três Poderes ao flanelinha da esquina. A dinheirama, porém, não conseguiu se impor, isso porque as ‘autoridades’ começaram a perceber que o custo para demolir aquilo tudo iria consumir considerável volume da quantia já direcionada aos próprios bolsos.
O recuo diante das demandas populares é o sinal de que a mobilização pela manutenção do complexo esportivo e educativo que envolve o Maracanã funcionou e deve ser mantida. Entidades de caráter popular, voltadas com foco exclusivo em defesa do espaço se organizaram e estão atentas. A maioria das reivindicações – como se viu – foi atendida, antes tarde do que nunca os governantes perceberam a estupidez que era se contrapuser às causas populares.
“A rua é nosso lugar e de lá não sairemos até a vitória completa. Governo do estado, Odebrecht, IMX e AEG devem ter consciência disso. Pela anulação imediata da privatização do Maracanã! Por um Maraca Público e Popular! O MARACA É NOSSO!!” – diz uma publicação do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Além do mais, nem tentaram renomear o Maracanã como fizeram com outros estádios famosos do país, como o Estádio da Fonte Nova, em Salvador, Bahia, que agora se chama “Arena Fonte Nova”. Ai se eles tentassem mudar o nosso Estádio do Maracanã, para “Arena Maracanã”!! O pau ia comer, sem dúvida.
Como diria o poeta: – Resistir, quem há-de?
Rio de Janeiro, Cachambi, julho de 2014.Recolher