P/1 – Oi, Vera, tudo bom?
R – Tudo bem, e você?
P/1 – Tudo bom. Vamos começar hoje a história da sua vida, para comemorar 70 anos, não é?
R – Realmente. Olha, é uma data especial. Eu imaginava nesses 70 anos, fazer alguma coisa, mas devido a pandemia, não vai ser possível. Meus...Continuar leitura
P/1 – Oi, Vera, tudo bom?
R – Tudo bem, e você?
P/1 – Tudo bom. Vamos começar hoje a história da sua vida, para comemorar 70 anos, não é?
R – Realmente. Olha, é uma data especial. Eu imaginava nesses 70 anos, fazer alguma coisa, mas devido a pandemia, não vai ser possível. Meus filhos tinham até começado a organizar alguma coisa, mas vai ficar para o ano que vem.
P/1 – Vera, por favor, você poderia começar falando o seu nome completo, o local e data de nascimento?
R – Meu nome é Vera Aparecida dos Santos Nascimento, nasci no dia 7 de setembro de 1950, e já estou me considerando com 70 anos, porque vou fazer agora, na próxima segunda-feira. Eu nasci na Zona Norte, que é minha paixão, não me vejo morando em outro lugar, e nasci em Santana. Continuo morando lá, meus filhos também moram na Zona Norte, somos da Zona Norte.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – Do meu pai, Manoel dos Santos, e da minha mãe, Clotilde dos Santos.
P/1 – E você sabe qual é a origem da família?
R – A minha avó veio de Goiás para São Paulo, para trabalho, vieram para arrendar uma fazenda, e ali a família se formou, aqui em São Paulo já.
P/1 – E antes deles, você sabe de onde veio a família, os avós, os bisavós?
R – A minha bisavó era índia, e morava em uma comunidade. Meu avô era da região, mas… Os meus avós são de Goiás. A minha bisavó era índia, e eles se organizaram ali, naquela comunidade indígena. Dali, eles vieram mais para o centro de Goiás, e começaram, vieram para São Paulo. O meu avô começou a trabalhar, e já facilitou para ele vir mais para o centro de São Paulo. Também vieram morar na Zona Norte e ficaram.
P/1 – E o que eles faziam, os seus pais, quais eram as atividades deles?
R – O meu pai era serralheiro, ele fez curso no Senai de serralheria artística. Ele fazia umas coisas maravilhosas, mas o principal era a serralheria do dia a dia. Às vezes ele fazia umas coisas maravilhosas. Minha mãe era doméstica, trabalhou com uma família por duas gerações. Depois, quando casou, parou de trabalhar, porque naquele tempo, mulher não podia trabalhar sendo casada, então ela parou.
P/1 – E você tinha irmãos? Quantos? E se tinha, quais os nomes deles?
R – Eu sou a mais velha de sete filhos - seis mulheres e um homem, o caçula da turma. Então eu sou a mais velha, depois tem a Vanda, a Vilma, a Solange, a Elaine, a Valéria que foi a última das mulheres, e depois veio o Fernando que é a rapa do tacho. A família é grande.
P/1 – Esperaram até ter um menininho.
R – Ah, a gente falava, "vocês têm que tentar e tentar até vir um menino" (risos).
P/1 – E vocês se davam bem? Como que era a relação entre os irmãos?
R – Ah, foi sempre tranquilo. Minha mãe não deixava a gente brigar, porque era ela e uma irmã só, minha tia, então ela achava que era pouco, por isso que a família é grande. Então ela falava, "é tão bom ter irmão", porque minha tia morava no emprego, e ela praticamente ficava sozinha, então ela sentia falta da irmã. Eu falava, "ah, por isso que você deu esse monte de irmãos para nós". Quem comandava a família, era minha mãe. Meu pai era mais tranquilo, ela que ficava cobrando estudo, postura. Apesar dela ter tido pouca oportunidade de estudar… Ela estudou só meio ano na época dela, que era uma sala que tinha segunda, terceiro e quarto ano. Era muito difícil para ela na fazenda, onde eles moravam, então ela não teve oportunidade de estudar. Ela queria muito e o avô não deixava ela estudar, mulher não precisava estudar. Então ela se realizou em nós, nos filhos. Ela fazia muita questão de que a gente estudasse.
P/1 – E como era a sua casa na infância?
R – Ah, ali houve… O bairro é o Parque Peruche que nós crescemos. Houve um loteamento na época, e a minha avó, a mãe do meu pai ficou insistindo para ele comprar, "aproveita para comprar", e ele sempre muito tranquilo. Ela ficou insistindo, e uma irmã mais velha dele disse, "você vai comprar", ficou exigindo dele, e compraram o terreno. Fez uma casinha, um cômodo de cozinha, o banheiro… Tenho até essa foto, fica na memória. Era no alto, e ficava essa casinha ali. Não dava para fazer mais, porque tinha que pagar o terreno. A construção é aquela história, todo mundo veio ajudar e fizeram a casinha. Eu sou a mais velha, e a minha irmã veio só depois de cinco anos, então foi o tempo de ajeitar a casa, porque daí então, disparou o negócio. Era um ano e meio ou dois anos e vinha um filho, um ano e meio ou dois, e vinha outro. Então foi o tempo de poder arranjar a casa, e foi indo aos poucos. Como diz atualmente, foi fazendo os puxadinhos. Então a casa está lá, continua em pé.
P/1 – E o que você se lembra das brincadeiras que vocês faziam com os seus irmãos ou com seus amigos? Como que era… Era no bairro, na rua…?
R – Eu brinquei muito, minha infância foi de criança mesmo. Nesse tempo, as casas eram de cerca, então você via até o terceiro ou quarto vizinho para lá e para cá. Tinha muita criança. Era um bairro novo, e tinha muita criança. Era uma rua pequena, uma rua particular até, então todo mundo se conhecia na rua. Por exemplo, quando fazia festa de São João, juntava todo mundo, fazia uma fogueira, e todo mundo ficava em volta. Era muito gostoso! Era assim, do portão para fora, continuava sendo uma família. E assim, um olhava o outro. Minha mãe começou a trabalhar fora depois, mais tarde, porque a família foi crescendo, e a vizinha olhava. Ela olhava mesmo, chegava ali na cerca, "ei, criançada". Na rua não podia ir se a mãe não estivesse em casa, mas a vizinha olhava, vinha ver o que a gente estava fazendo, passava a cerca e ia em outra casa… Mas isso era nos horários já pré-determinados, não podia ser, "ah, vou lá e pronto". A mãe tinha que autorizar, e não era qualquer hora. Hora de almoço não ia, nem hora de café, nem hora de janta. "Agora você pode ir brincar", e aí ou a gente brincava na vizinha, ou brincava na rua, que alguma das mães ficava ali olhando. Pulava corda, pulava amarelinha, rodava pião, bolinha de gude que a gente nem vê mais… Eu brinquei muito. Fazia aniversário das bonecas e batismo, e as mães participavam. Bater corda, sabe? A gente adorava pular corda e a mãe ia lá bater corda para gente. Foi muito boa a minha infância.
P/1 – Você já tinha uma ideia do que você queria ser quando crescesse?
R – Não, não tinha. Eu queria estudar, porque isso minha mãe colocava na gente, "tem que estudar, tem que estudar", então eu sabia que eu teria que estudar (risos), quisesse ou não, mas eu gostava de estudar. Nessa época, a escola era muito longe. De casa, não tinha condução, a gente ia a pé. Era na rua Alfredo Pujol, que era bem distante de casa. Elas combinaram, um dia uma mãe levava, outra ia buscar, e vinha com aquela garotada na rua, a criançada toda. A gente estava sempre junto, então era muito bom. Eu tinha ideia de estudar sim, mas não sabia o quê.
P/1 – Como era essa escola?
R – Ah, era o Grupo. É estadual, ainda existe… A minha escola era o Grupo Escolar Barão Homem de Mello, ela ainda existe lá. Eu lembro que na época, no dia da árvore por exemplo, as crianças iam plantar uma árvore. E uma daquelas árvores que estão lá hoje, eu plantei. Então quando eu passo lá, sempre lembro, "nossa, aquela árvore que a gente tinha que molhar". A classe… Eles escolhiam uma das crianças para plantar, e depois, de tempo em tempo, cada uma da sala ia cuidar. Era muito legal isso. Quando eu passo… É bem raro eu passar por ali, mas eu olho e lembro que uma dessas árvores eu que plantei. Foi muito marcante.
P/1 – E tinha amigas, amizades marcantes dessa época?
R – Ah, sim. Que eram as vizinhas, né? Era a turma que a gente brincava que era ali da rua, era tudo vizinho. A gente tinha muita amizade e ficava sempre junto. Quando brigava também, brigava tudo junto. A gente ficava junto o tempo todo. Quando não estava ali na rua, estava na escola. Quando tinha uma festa… Porque a rua era curtinha, então era como se fosse uma vila.
P/1 – Tinha alguma professora assim, que te marcou?
R – Sim, a professora que marcou muito para mim assim, foi a professora dona Anita. Ela era professora de canto e ensinava a cantar todos os hinos. Ela fazia questão absoluta de que a gente soubesse cantar o Hino Nacional, Hino da Bandeira, todos os hinos. A gente fazia esse ensaio com ela na hora da entrada. Então ela separava por turma, a turma que não iria ter aula naquele dia, subia para a sala e ela ficava cantando com a turma e ensinando. Ela era pequenininha, subia em uma escadinha que tinha e… Ah, eu adorava aquilo, aquele momento, eu gostava muito. E ela era uma simpatia, eu nunca esqueci da dona Anita. Naquela época ela era uma senhorinha já, mas ela gostava muito da aula que dava, então ela curtia aquilo com a gente.
P/1 – E você seguiu cantando?
R – Nem tanto, hoje quem canta é minha filha (risos). Ela gosta muito de cantar e sempre esteve envolvida com o canto, até hoje. Ela trabalha em um hospital e é cantora (risos).
P/1 – E daí, você fez o ginásio em outra escola? Como que foi a sua adolescência?
R – Sim. Devido a distância, mais tarde eu mudei para uma outra escola, perto de casa. Era mais fácil, porque aí já tinha os irmãos. Nessa época, acho que foi a época do ginásio… Fui para uma escola particular. Era uma escola pequenininha e era perto de casa. Minha mãe ficava preocupada pela distância, que não tinha condução, era fora de mão… Então eu fui estudar nessa outra escola que era bem perto, e ali eu fiquei até terminar a admissão. Na época tinha admissão e hoje em dia não tem mais, que acho que é o nono agora, né? Dali, eu fui para uma outra escola fazer o ginásio técnico. Era o primário e o ginásio, o primário eu fiz nessa escola, e depois parti para a outra que era na Casa Verde, que era ali perto também.
P/1 – E como que era com os seus amigos na adolescência, o que vocês costumavam fazer?
R – Ah, eu tenho boas lembranças, porque na escola do ginásio, tinha uma fanfarra. Ah, era uma paixão, eu amava aquilo. De princípio, eu ficava muito encantada com o uniforme. O uniforme era escocês e era tão bonitinho, tinha uma boina com um lacinho, uma meia… Tudo bem no estilo escocês. Ai, eu tinha paixão! Eu não podia entrar na fanfarra, porque era uma seleção, e eu não sabia música, não sabia tocar instrumento, mas falei, "não, eu vou". Eles abriram para fazer treinamento e eu fui aprender. No começo, era porta-bandeira, porque de qualquer jeito eu tinha que entrar naquela fanfarra, e depois entrei. Era também o único passeio que eu tinha. Eram duas desculpas, eu queria entrar e queria sair de casa e passear, porque minha mãe não deixava. Eu tinha aquele bando de irmãos, não podia sair de casa sozinha e não tinha quem me levasse, então eu ia com a fanfarra (risos). A gente ia para muitos lugares. Na época, tinha concursos de fanfarra das escolas. Ai, que paixão! Ia para o Ibirapuera… Pena que eu não tenho foto dessa época, mas ficou na minha memória. Foi um tempo assim para mim, muito bom, com meus amigos. Uma das amigas ali foi minha madrinha de casamento mais tarde, e a gente formou um grupo legal, que ainda hoje ainda conversa.
P/1 – Então como mais velha, você cuidava muito dos seus irmãos, você era meio responsável assim, como que era essa relação?
R – Então, eu ajudava muito a minha mãe, porque em um tempo ela passou a não ter muita saúde, mas ela ia trabalhar do mesmo jeito. Ela tinha uma úlcera varicosa horrível, ela tinha a perna muito inchada, tinha dia que ela não podia trabalhar e eu ia no lugar dela para ajudar. A patroa dela era uma senhora que tinha muito dó da minha mãe, de ver o sofrimento, ela doente, aquele monte de filho, e ajudava muito. Então era uma troca. Quando tinha festa, ela chamava a gente, e ia eu e minhas irmãs, as três primeiras, que eram as que davam para ajudar. Ela tinha uma festa em outubro que era a festa de um Santo dela, nossa, era a festa! Ela tirava todas as pratarias, os cristais, e a gente ia lá para limpar essas coisas. Nossa, quando chegava nos cristais, ela ficava, "pelo amor de Deus, cuida disso, toma cuidado, nem tira da mesa". Ela ficava preocupada porque um cristal tcheco daquele ali… Era trabalhar a vida inteira. Mas ela tinha muita amizade e dava dinheiro para gente quando íamos ajudar. Ah, a gente ficava super feliz, mas dávamos os inteiro para a mãe, porque sabíamos que em casa era muito difícil. Eu ajudava muito a olhar meus irmãos, como mais velha. Minha outra irmã tinha cinco anos de diferença, então eu ajudava bastante. Ajudava com os meus irmãos, levava na escola quando fiquei com um pouquinho mais de idade, ajudava em casa. Minha mãe começou a não poder ir fora, e fazia trabalho manual em casa, calça, umas sapatilhas que tinha na época e tinha que costurar, então minha mãe ficava nesse trabalho e eu ficava ajudando ela na casa. Só que a minha ideia não era mais fazer aquilo e ficar em casa, eu queria trabalhar, queria ir trabalhar. Minha mãe falava, "mas você não tem idade", e eu, "mas eu quero". Eu comecei a trabalhar com 16 anos e tinha desespero para ir trabalhar, porque eu não aguentava ver aquilo em casa, a dificuldade, e aquele monte de irmão, a hora do banho… Minha mãe falava, "vai dar banho nas crianças", eu enfileirava e depois era banho para todo mundo, ajeitava, dava comida, ajudava minha mãe a fazer... A vida foi bem difícil, mas a gente passou.
P/1 – Como foi a sua decisão pela sua profissão? O que você resolveu fazer?
R – No meu primeiro trabalho, eu fui telefonista. Na verdade assim, eu fui trabalhar na Telefônica, na rua 7 de Abril, e eles estavam contratando meninas para serem mensageiras. Imagine, eu ser mensageria que era como se fosse um boy, e andar naquela cidade toda sem sair, porque minha mãe não me deixava sair na cidade. Mas eu tinha que encarar. Meu pai foi contra, porque falava que ali naquele lugar tinha moças não recomendadas para amizade, e minha mãe falou, "não, ela vai e vai saber escolher, tem que saber ver com quem vai ter amizade, ela vai". Meu pai ficou contra, mas mesmo assim eu fui. Tinha uma vizinha que trabalhava lá. Eu fiz teste e tudo mais e falaram, "você passou, mas tem que aguardar chamada". Em conversas com as vizinhas ali da rua, tinha uma moça que trabalhava lá e ela era responsável por um departamento e a gente nem sabia. Ah, rapidinho! Minha mãe conversando, falando que fiz teste e estava esperando chamar, ela pegou meu nome e em cincos dias me chamaram e eu comecei a trabalhar. Foi a maior felicidade da minha vida, eu queria muito trabalhar. Eu trabalhava das oito ao meio dia, era mensageira. Minha mãe falava, "cuidado quando sair na rua, veja com quem vai falar". Eu nunca esqueci isso, no meu primeiro trabalho, era aniversário de uma das chefes, e ela falou, "você vai lá no Largo do Arouche e compra umas flores, que a gente quer dar para a chefe", e eu falei, "meu Deus, onde que é?" (risos) e falei, "tudo bem… E agora? Vou perguntar ao segurança na portaria. O que é Largo do Arouche?", e ele ficou me olhando, "será que estou entendendo? Você vai reto aqui". Foi meu primeiro trabalho que fiz quando comecei a trabalhar lá. Daí foi, fiquei dez anos, foi o tempo que fiz a faculdade e me formei. Depois eu fui para um outro lugar, mas esse tempo foi maravilhoso. Eu queria tanto trabalhar, tanto, era uma glória, porque eu queria ajudar em casa. Não era que nem hoje em dia a molecada, "ah, quero comprar um tênis", era para ajudar em casa, e foi muito bom.
P/1 – Você trabalhou, e como você deu seguimento aos seus estudos?
R – Eu trabalhava das oito ao meio dia, ia para casa e passei a estudar a noite. Eu já tinha terminado… Não, eu estava fazendo o ginásio ainda. Terminei o ginásio a noite. Foi uma aventura, estudar a noite, nossa, aquilo… Maioridade na época, né? Ir sozinha para a escola, voltar… Ali começou a vida propriamente dita, porque tinha que encarar, tinha que ajudar em casa, tinha meus irmãos, ser exemplo… Os mais velhos tinham que ser exemplo para os irmãos.
P/1 – E você estudou o que e onde?
R – Eu fiz um ginásio técnico de magistério, e depois veio o segundo grau… Eu fiquei, "vou continuar sendo professora", e fui fazer estágio e tal, depois falei, "não, eu não quero ser professora, quero ser outra coisa". As meninas que estudavam, que eram ainda algumas amigas de onde eu morava, ali do pedaço, queriam abrir uma escola, "vamos abrir uma escolinha, a gente se junta e tal, depois fazemos…", na época não era pedagogia, na época era aperfeiçoamento que eles falavam, técnica para poder ser professora. Já podia dar aula, para aperfeiçoar os estudos. Eles estavam mudando o ensino naquela época, e eu falei, "ah, acho que quero ser outra coisa". Fiquei pensando e fui fazer cursinho. Fiz o cursinho para ver para que lado tocava. Na época, você tinha três áreas de escolha: comunicação, saúde, exatas. Eu fui para comunicação, e falei, "depois dá tempo de escolher o que eu quero". Fiz o vestibular, fui na Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo, e passei. Nossa, foi uma felicidade ver meu nome lá. Comecei a estudar para ver qual era a área que… Porque você fazia dois anos básicos de comunicação e depois escolhia, tinha várias opções, e eu optei por biblioteconomia. Nesse tempo que eu fiz o básico, eu fiquei pesquisando, fui em algumas bibliotecas, e comecei a ver assim, eu pensava em estudar aquilo que eu gostava, mas também comecei a ver o mercado de trabalho. Não adiantava estudar, tinha que ter mercado de trabalho, e o mercado de trabalho estava começando a ficar complicado, com muita gente. Eu resolvi fazer biblioteconomia e não me arrependi. Eu parti para a biblioteca técnica, porque tinha as bibliotecas escolares, as públicas… As públicas eram quase impossíveis. Você fazia um teste, ia lá, e eram todos nomes conhecidos. Eu não conseguia passar. Fiz acho que três vezes para a biblioteca pública e fui para a biblioteca particular. A primeira biblioteca em que eu fui trabalhar foi a Villares, que era uma biblioteca técnica, e eu fiquei meio perdida naquilo. Depois eu fui para a biblioteca de banco, fui trabalhar no mercantil primeiro e depois fui para o Itaú, onde me aposentei. Fiquei 30 anos no Itaú, biblioteca técnica de informática. Nossa, foi maravilhoso, foi uma escola para mim. Fiz muitos cursos, eles me incentivaram muito na época a fazer cursos, viagem… Fiz viagens, fui para São Carlos e ficamos lá uma semana, por aí foi. Foi muito bom para mim.
P/1 – Voltando um pouco assim na sua infância, teve alguma história muito marcante e que você gostaria de contar?
R – Da minha infância ou da juventude? Assim, para mim foi uma realização eu participar da fanfarra, porque para mim, nossa, aquilo era tudo, porque eu era muito fechada, não podia sair para os bailinhos que nessa época tinha… O que marcou bastante para mim, foi que a minha tia, irmã da minha mãe, morava no trabalho, e só vinha no final de semana, às vezes não vinha…Quando eu saía de férias, eu ia ficar com ela. Ela trabalhava ali na Paulista, e na frente tinha o Teatro Record, então eu ficava já com a ideia de ir para lá para ir ao teatro. Ela me atravessava, porque era mesmo em frente, e eu sempre ia lá assistir aos programas que tinha para criança. Eu gostava muito de ficar as férias lá com ela. Isso marcou bastante para mim.
P/1 – Teve alguma peça especial, que te pegou assim?
R – Ah, que marcou bastante para mim nessa época que eu ia ao teatro… Era difícil, quase ninguém tinha essa oportunidade de ir ao teatro. Foi uma… Como que chama? Era uma peça de final de ano, "O quebra-nozes", nossa, eu nunca esqueci! Sempre que eu vejo que tem uma dança, alguma coisa do quebra-nozes, eu dou um jeito de assistir. Inclusive a minha filha caçula, na escola tinha dança, e ela foi dançar o quebra-nozes que a professora marcou. Nossa, foi uma viagem para mim, daquele teatro que eu assisti quando devia ter uns 12 anos.
P/1 – Bom, e com que idade você entrou na biblioteca do Itaú?
R – Eu já estava recém-formada, não tinha um ano quando eu fui para lá. Eu entrei quando tinha 25 anos. Não, 26. Eu me formei com 25 anos em biblioteconomia e depois eu fui para lá. Nessa época, eu estava trabalhando no Banco Mercantil, na biblioteca de informática também. Estava começando e eles queriam uma pessoa para arrumar, porque estavam trocando as normas das bibliotecas, modificação, então eles me contrataram. Recém-formada, você não sabe nem por onde começar. A gente sabe das teorias, mas a prática… Tinha uma amiga, que era uma irmã, até hoje eu tenho amizade com ela. Ela foi fazer estágio no interior e acabou ficando lá. Ela foi trabalhar na faculdade e queria voltar para São Paulo, estava meio perdida no interior. E aí, o moço que vinha trazer as assinaturas de revistas específicas que eram importadas na época para a Biblioteca Mercantil falou, "não conhece ninguém que queira trabalhar em uma biblioteca como essa aqui? Só que é maior que essa", porque era bem pequenininha, estava começando. Falei, "tem sim, minha amiga que está no interior", "ah, o Itaú está precisando, está aqui o cartãozinho". Eu liguei para lá para marcar para ela vir fazer a entrevista e eles não davam informação pelo telefone. Fui lá em uma hora de almoço minha para saber e marcar para ela. Eu queria tanto, estava sem a minha irmã, ela estava longe. A gente ia para teatro, a gente se identificava muito com as coisas e estava sempre junto. Eu estava sem a minha amiga. Fui lá, marquei, fui falar com o gerente que era o responsável pela biblioteca, e ele falou para mim que ele não iria ficar, estava tendo uma mudança no Itaú e ele não iria ficar como meu gerente, mas era ele que iria entrevistar. Eu falei, "então, não é para mim, é para uma pessoa que…", "mas como?", "minha amiga está lá no interior", "ah, não queremos pessoas…", "não, ela se formou aqui, mas é que ela trabalha em uma biblioteca escolar", "mas nós não queremos ninguém com experiência em biblioteca escolar", falei "mas não tem nada a ver, é a mesma coisa", "não, mas é o diretor da área", "então tudo bem". Ele falou, "por que você não vem?", e eu disse, "eu já trabalho na Biblioteca Mercantil e acabei de entrar", "ah, mas por que você não tenta?", e eu falei que iria pensar. Fui para casa, conversei com a minha mãe, que ela era minha conselheira e falou, "ah, mas você está gostando?", "estou", "faz um teste, depois você pensa, e a Yoshiko?". Até minha mãe falava que a Yoshiko era a filha japonesa dela. E não teve jeito, não queriam de jeito nenhum. Fui eu lá fazer o teste, passei, mas não queria sair do Mercantil. Depois de dez anos em um lugar, para você sair para ir para outro, e depois sair de novo, para mim estava demais. Eles ficaram uns três anos insistindo e eu brigando com eles lá para chamarem minha amiga. Eu lembro como se fosse hoje, dia sete de dezembro… Em outubro mais ou menos, "olha, vamos colocar no jornal, porque a gente está precisando urgente de gente", e eu perguntei, "qual o salário?". Eu ainda nem tinha perguntado o salário, e era o dobro do que eu recebia. Aí já mexeu em uma área complicada. Eu falei, "bom, vou pensar mais um pouquinho", e dei a resposta, comecei a trabalhar lá diz sete de dezembro de 1977 e fiquei esse tempo todo com o mesmo chefe, mas mudando de prédio. A cada dois anos, eu mudava de prédio, porque o Itaú trabalhava em um crescimento fantástico. Depois surgiu o Itautec e eu fui para lá, e fiquei todo esse tempo. Já estava na época de me aposentar e acabou a biblioteca. Eu comecei e terminei a biblioteca do Itaú. Era uma biblioteca de informática, mas era só IBM, porque eles tinham um contrato, e depois surgiu a biblioteca de projeto e desenvolvimento e tinha que importar livro, saber um pouco de inglês… Eu fui estudar um pouco de tecnologia para pelo menos entender um pouco o que era aquilo, e foi, foi muito bom, uma experiência muito boa.
P/1 – Onde era o Itaú e onde era a sua casa! Você morava na Zona Norte?!
R – Sim, eu sempre morei na Zona Norte. Quando eu comecei no Itaú, era na rua Boavista, que hoje é a sede. Depois eu fui para vários… Acho que fui para todos os prédios do Itaú. Dali eles mudaram para a Avenida do Estado. Era a época que chovia muito, inundava tudo, era uma loucura. Tinha dia que tinha que entrar de barco, porque aquele rio inundava tudo. Depois dali, eu fui para Bela Cintra, olha que mudança, fiquei ali um tempo, bem em frente a igreja São Luís.
Da biblioteca, eu avistava, era um lugar muito bonito. Depois dali, outra mudança chocante, Santa Efigênia, aí já era Itautec, porque para a Itautec era bom ficar ali, pelos equipamentos que tinha que comprar, os acessórios… Estava bem ali na boca para comprar as peças que precisavam. Depois eu fui para o CPO, na Avenida do Estado, mas aí já era outra Avenida do Estado, porque nesse tempo o doutor Olavo foi prefeito e arrumou a Avenida do Estado, porque ali quando chovia, nossa, dava pânico de chegar ali. Inundava mesmo. Começa a garoar, colocavam as comportas ali na frente e carro não saía. A gente muitas vezes tinha que sair andando por cima dos muros para não pôr o pé na água. Quando eu voltei, estava inaugurando o prédio, um prédio maravilhoso, feito sob medida para a área de informática, com tudo que precisava. Depois dali, eu fui para a Estação Conceição no metrô, lá na Zona Sul. Depois eu vim para a Bela Cintra...
P/1 – Rodou muito, né?
R – Nossa! Ah, eu também estive no Tatuapé, porque o Itaú comprou a Philco na época, e nós fomos para lá. Eles queriam juntar toda a parte industrial ali, então era Philco e o Itautec. Começou a se espalhar, foram para Jundiaí… Mas ali no Tatuapé, era um lugar maravilhoso, era imenso. Tinha ali no estacionamento uma plantação de jabuticaba. Quando era época, a gente almoçava e ia comer a sobremesa lá (risos), era muito bom, um lugar muito bonito, mas também era longe, porque era no Tatuapé, fora de mão, mas a gente vai, né? Precisa trabalhar.
P/1 – E como era o dia a dia de atendimento? Como que era a sua relação com as pessoas que iam na biblioteca?
R – A biblioteca era técnica. Quando fala de biblioteca, se pensa naquele monte de livros, né? Só arquivar… Eu tinha que entender um pouco do que era aquela técnica. Os usuários eram os projetistas e engenheiros de desenvolvimento, porque na época o Brasil estava explodindo. Tinha a lei da informática, em que não podia mais importar, tinha que desenvolver tudo aqui. O doutor Olavo falava, "eu quero fazer do Itaú uma IBM do Brasil". Eles podiam ir para fora, os engenheiros iam estudar e traziam os livros, então tinha muito curso na época que eu ajudava a preparar, fazia pesquisa para ver o que tinha lá fora principalmente de normas, porque no estrangeiro, ele dão muita importância às normas. Nessa época aqui no Brasil, nem se cogitava, começava a fazer as coisas e pronto, mas eles tinham muita atenção para essa parte, então eu pesquisava muito de normas estrangeiras para trazer para o Brasil. Fiz parte da rum grupo da ABNT e tentei trazer as normas para fazer a tradução. Então eu participei dos grupos para poder facilitar esse contato com as normas, que era fundamental. Nessa época, precisava comprar a tecnologia de um monitor… Não tinha nada no Brasil. Quando chegava lá fora para comprar, perguntavam, "qual a norma que você usa?", "o que é isso, que norma?", então eles estudavam muito. Nessa época tinha uma turma bem afinadinha. Quando era para contratar os engenheiros, a empresa ia nas faculdades, Unicamp, USP… Todo ano os engenheiros que tinham um pouco mais de experiência, iam selecionar os recém-formada e traziam. Foi feita uma vez a pesquisa de idade da turma do desenvolvimento, e eles tinham 22 ou 23 anos. Era só gente nova, com a possibilidade de aprender, de crescer, e ele se dedicavam muito. Inclusive o chefe que eu tinha, com o qual fiquei 30 anos, ia para o Japão, ia para os Estados Unidos, para Alemanha para trazer as tecnologias. Foi um tempo assim, de muito aprendizado.
P/1 – E uma boa lembrança dessa época?
R – Ah, os amigos. A lembrança que eu tenho dessa época que trabalhei no Itaú, é dos amigos, muitos amigos. Era assim, a maioria eram homens, porque mulheres nessa época, tinham poucas, mas tinha. Nossa, era muito bom, a gente estava sempre… Final de semana, o diretor dizia, "ah, vamos lá para o meu sítio" e a gente passava o fim de semana lá. Todo ano tinha festa dos funcionários. Eles fechavam o Playcenter, ou fechavam o Botânico só para a nossa festa, era muito bom. Isso marcou bastante.
P/1 – E teve alguma lembrança que não foi legal?
R – Que não foi legal… Ah, nessa época, era tão glorioso aquilo, a gente gostava tanto de estar junto. Foi quando a empresa cresceu demais e tiveram que separar um pouco a turma. Teve uma turma que foi para Ribeirão Preto, outras que foram para o… Tinha um outro lugar. Eles começaram a desenvolver os núcleos para poder desenvolver tecnologia no local, então surgiu mais oportunidade, mas a gente perdia o contato. Uma outra coisa boa para lembrar… Ah, eu gosto de guardar as coisas boas. Quer dizer, eu já estava namorando, meu marido foi trabalhar lá junto como inspetor de qualidade das placas, daquelas coisas lá, e foi um bom tempo. A gente trabalhava junto, mas não podia ter contato, porque nessa época, namorado não podia ficar de namorico. Mas ele trabalhou comigo uns seis anos, e nesses seis anos, a gente casou.
P/1 – Como foi quando vocês se conheceram?
R – Eu conheci o meu marido ali, era meu vizinho já de tantos anos. Eu já casei com uma certa idade. Era vizinho, mas só de, "oi, bom dia, boa tarde", e de repente mudou. Foi uma situação tão assim… Um dia que estava chovendo e a gente pegava o mesmo ônibus para vir embora. Sabia que era vizinho, mas não tinha nada, da minha parte pelo menos. Depois eu vim saber que ele sempre ficava me acompanhando. Ele estava todo atrapalhado… Eu perguntei se ele queria uma carona no guarda-chuva, porque eu sabia que era perto de casa. Ele falou, "ah não, eu vou ficar aqui", porque aquilo pegou ele de surpresa, e ele ficou todo atrapalhado, "vou ficar aqui mesmo" (risos). Houve uma aproximação e a gente começou a namorar. Depois ele fazia um estágio em uma área de projeto, não deu certo e eu comecei a ver com meu chefe se ele poderia trabalhar lá. Quando surgiu a área de inspeção, que era uma área que ele já conhecia, ele veio trabalhar comigo. Foi assim que ele foi trabalhar lá.
P/1 – Vocês casaram, e depois de quanto tempo tiveram filhos? Tiveram quantos filhos?
R – Bom, já era ali vizinha, já era conhecido da família, todo mundo já se conhecia. Dois anos depois que a gente começou a namorar, casamos, então foi o tempo da gente encontrar nossa casa e casamos. Em dois anos, a gente se preparou. Eu já estava com 31 anos, e meu marido com 35, "bom, não vai poder esperar muito", e ainda esperamos três anos para termos filhos. Meu primeiro filho é o Arthur. Eu tenho três filhos. O mais velho é o Arthur, a do meio é a Inara, e a mais nova é a Nanda. Hoje eles estão formados, graças a Deus, só que nesse meio tempo eu fiquei viúva. O Arthur estava com 18 anos na época, e minha caçula estava com 12. Então a minha preocupação era formar eles, porque era um sonho do casal de ter os filhos formados. O Arthur já estava formado, ele fez mecatrônica, então já estava formado. Mas ainda tinha as outras duas que eu falei, "e agora, como que vai ser?". Foi bem temeroso, porque sozinha, né?! Mas graças a Deus eu consegui, e hoje eles estão trabalhando nas áreas para as quais estudaram, e graças a Deus estão bem.
P/1 – Os outros trabalham em que áreas?
R – O Arthur, por influência do pai, vamos dizer assim, trabalha na gestão de qualidade também, só que na área de tintas. A Inara é nutricionista e trabalha no hospital Oswaldo Cruz, como nutricionista na área de oncologia. E a Nanda, é veterinária, e trabalha com inspeção de qualidade dentro dos mercados. A gente fica até imaginando, "veterinário, estranho". Quando ela estava estudando, até para ela foi uma certa surpresa, porque a gente vê a área de uma forma e imagina uma outra coisa, mas os mercados têm os veterinários para o controle das carnes, tanto de frango, quanto a de boi, para ver a procedência, a qualidade das carnes… É uma espécie de vigilância sanitária. E a minha caçula é brava, está bem na área que precisa mesmo, porque ela é muito brava. Ela sempre em casa é a dominante, a leonina. Eu falo para ela, "tinha que ser leonina" (risos). Mas ela gosta muito da área em que está atuando. Os três se realizaram, valeu o esforço da formatura e tudo mais.
P/1 – E o seu marido faleceu de que?
R – Ele ficou com problema de pressão alta, mas de repente. Ele precisou ficar internado um tempo para ver porque dava aquela pressão e não abaixava de jeito nenhum. Ali foi ver que os rins dele não estavam funcionando. Um não funcionava nada, e o outro tinha 15% só. E aí, quando ele saiu do hospital, já precisou fazer hemodiálise. Essa foi a tristeza, ele ficou sete anos em tratamento, fazendo a hemodiálise. No começo era com sangue, e com o tempo, conforme a medicina foi evoluindo, ele conseguia fazer em casa, pela barriga, e não mexia com sangue. O tratamento era menos doloroso, vamos dizer assim. Ele ficou, só que de repente teve um AVC. Nem foi dos rins, porque os rins estavam até normalizados com o tratamento dele, mas foi bem difícil. Foram até anos de muita luta, e quando veio o falecimento, foi bem difícil, foi na véspera do aniversário dele que ele faleceu. Nossa, foi muito triste. No dia do aniversário, a gente estava fazendo o velório. Foi bem difícil para gente, mas… Agora em dezembro, isso vai fazer 17 anos.
P/1 – Então você tinha 63 anos quando ele faleceu?
R – Não, 53, porque vai fazer 17.
P/1 – Ah, 17, eu entendi 7.
R – Foi bem difícil, ter que apoiar os filhos, porque a caçula tinha 12, a outra tinha 14, e o Arthur estava para fazer 19 anos. Foi bem difícil, mas como tudo na vida, passa. A gente tem lembrança dele até hoje.
P/1 – E como é hoje o seu dia a dia? O que você gosta de fazer nas suas horas de lazer?
R – Okay, hoje eu sou tranquila. Depois que eu saí do Itaú, fui ser voluntária e trabalhar em uma ONG perto de casa. Isso foi uma das lições que o doutor Olavo dava para gente. Ele era uma pessoa muito amiga. "Você nunca deve esquecer do lugar que você se formou", ele falava, "sempre volte lá no seu bairro, olhe para ele. Eu que sou empresário, nunca deixei de olhar para Poli, eu me formei lá. O que eu sou hoje, é graças a Poli". Às vezes tinha essas palestras lá para gente, e aquilo ficou. Eu pensava, "quando eu parar de trabalhar, vou fazer alguma coisa. O que eu posso fazer para ajudar meu bairro?", mas já foi se encaminhando. Quando eu estava no Itautec, me colocaram em um grupo de voluntariado, porque isso no Itaú era muito forte, e ainda é hoje. O doutor Olavo incentivava, tanto que tem um centro cultural lá na Paulista e ele sempre se empenhou nesse instituto cultural. Eu ficava pensando, "interessante a gente olhar no bairro o que você pode fazer, no quê você pode ajudar". Como eu já estava quase perto de me aposentar, eu já estava pensando. Alguém falou, "você não quer ser voluntária?". Eu sempre passava ali na igreja de Santana, que era perto do metrô, e alguém me abordou. Eu falei, "olha, eu penso sim, mas não agora, porque ainda trabalho, agora eu não tenho tempo", porque era aquela velha história, a gente acha que para ser voluntário tem que ficar ali o tempo todo, "ah, mas é uma hora do dia que você pode", "eu vou pensar". E aí, quando veio, eu falei, "não, eu vou fazer". Fiquei conhecendo essa ONG, fui até lá ver como que era, fui fazer um curso que existia e hoje acho que não tem mais, o Centro Voluntariado de São Paulo. O Itaú cedia um lugar ali para eles para fazer cursos e tal. Eu fui fazer o curso para entender melhor o que era o terceiro setor e aí me encantei. Eu parei de trabalhar e fui lá me oferecer, fizeram ficha e começaram a me chamar para ir lá. Tinha festa, tinha
passeio com as crianças em que precisava ir alguém para ajudar a olhar e monitorar e tal… Eu estava fazendo um curso de informática para melhorar meu conhecimento. Falaram assim, "a gente está precisando de alguém para vir umas duas vezes na semana", como eu estava aposentada, eu falei, "ah, eu posso vir, só que tenho meus filhos, ainda estou estudando", "ah, mas você vem…". É aquela história, pé de grude, você coloca o seu pé lá e não consegue sair depois (risos). Comecei a ir mais vezes, e trabalhar ali na secretaria. Eu vi que em um cantinho lá tinha uma caixa escrito "Itautec", esse nome era bem familiar para mim, né?! (Risos). Perguntei, "o que é isso?", "nós ganhamos, foi doado", "por que não usa?", "não tem ninguém que saiba mexer, montar esse computador", e eu falei, "ah, vamos começar a mexer com esse negócio", porque era minha praia, Itautec. Comecei a colocar para funcionar e ele falou assim, "será que dá para você fazer um bilhetinho para os pais? Porque a gente vai fazer uma reunião", eu falei, "ah, dá para fazer, mas como que é?", "ah, faz do seu jeito", e eu fiz lá, "nossa, faz mais outra coisa", e dali… Mas a minha prioridade era arrumar a biblioteca deles, porque tinha uma biblioteca lá. Biblioteca?! Era um acumulado de livros, vamos dizer assim. Eles chegavam de doação e o pessoal colocava naquela sala e chamava de biblioteca. Eu queria arrumar, e nunca conseguia, porque ficava na secretaria atendendo, fazendo coisas no computador e ali fiquei. Depois me colocaram na captação. Na época era telemarketing que falavam, depois veio a ser a captação de recursos. Eu me identificava bem. Por exemplo, "vamos fazer uma feijoada para ter verba para fazer uma cobertura e para pintar o prédio?", para mim era tranquilo. Eu ligava, ia ao mercado, pedíamos fornecedores das coisas da feijoada, e ligava para eles, "eu sou uma ONG, aqui da periferia da Zona Norte, preciso das coisas", e o pessoal trazia. Acabamos ficando amigos, "quando vai ser a feijoada?", nem precisava pedir mais, o pessoal já trazia as coisas para gente. Foi muito bom, uma experiência boa. Hoje está tudo parado por conta da pandemia. As crianças não estão indo (essa ONG é de criança). Como eu sou do grupo de risco, não sei como vai ser esse retorno. Estou aguardando para ver como fazer, mas eu quero continuar fazendo, e no bairro, como foi passada essa mensagem para mim, de fazer onde você mora, onde você se formou.
P/1 – Como era o nome dessa ONG?
R – O nome, assim… Thomaz Gouveia Netto, que é o nome do primeiro dono de um supermercado que tem lá, que é o nosso maior parceiro. Foi uma homenagem a ele. Hoje já são os netos que estão a frente do mercado. Quando ele faleceu, todo mundo falou, "nossa, agora a gente perdeu um parceiro". Os filhos assumiram, e agora já são os netos, todos rapazes já, e eles continuam. Como tem o nome do avô, eles têm que cuidar. A melhor coisa foi colocar o nome do avô, porque hoje eles cuidam, né?! (Risos). Eu estou há quinze anos na ONG. Desde que eu me aposentei, fui para lá. Quando eu cheguei, peguei uma turma que tinha fundado a ONG junto com uma pessoa, senhores já. É aquela história de se preocupar com o bairro, eles tinham essa preocupação. Esse senhor era o dono do supermercado, mas era uma pessoa simples, que sempre ajudou. O pessoal chegava lá, pedia coisas, e ele estava sempre doando. Eles juntaram um grupo para ajudar as mães que tinham dificuldade de ir trabalhar por conta dos filhos, de não ter onde deixar. Eles se juntaram, e alugaram uma casa para poder acolher essas crianças. Eles se mobilizaram para poder pagar o aluguel dessa casa. Se iniciou com 14 crianças, que eram as que tinham mais vulnerabilidade social das que eles tinham contato. Chamaram os pais, trouxeram as crianças e assim começou o projeto, mas tinha muita procura, porque as mães iam falando, "ah, porque ali tem um creche". Eles falavam que era creche, né?! Na época não tinha convênio com ninguém. Eles mesmos faziam as coisas nas suas casas, abordavam os vizinhos, e os parentes para poder ajudar. A coisa foi crescendo, tinha demanda, mas não tinha espaço na casa, e eles resolveram, "vamos alugar uma outra casa maior para poder trazer essas crianças que estão lá esperando uma vaga". Só que esbarraram no valor do aluguel que era muito alto, e para eles era difícil, eram todos senhores já aposentados. Os filhos do seu Thomaz… Ele comentava muito da ONG, e o filho mais velho, "ah pai, o senhor fala tanto, eu quero ir lá conhecer essas crianças", e foi lá conhecer. Chegou lá, ficou olhando, abordou uma criança e perguntou, "você gosta de ficar aqui?", "ah tio, eu gosto, porque se eu não vir para cá, minha mãe me deixa trancado em casa, porque ela tem medo que eu saia na rua, porque ela trabalha", "ah, tá certo, e você acha que falta alguma coisa aqui?", "ah tio, falta um lugar para a gente jogar bola". O terreno era muito íngreme, a casa ficava no alto e não tinha nenhum espaço. Se jogasse, a bola ia parar lá em baixo, na rua. Ele falou assim, "nós vamos arrumar um lugar para vocês", e eles começaram a procurar um lugar ali que o mercado pudesse comprar. Nem era o mercado, era o seu Thomaz, era um projeto dele, porque ele queria um lugar para as mães poderem deixar as crianças e irem trabalhar. Ele estava pensando nas funcionárias que eram donas de casa, como também no bairro de uma maneira geral. Começaram a procurar e acharam um terreno que tinha uma casinha bem velhinha, que tinha uma placa de "vende-se". A placa estava desbotada de tanto tempo que estava ali para vender. Foram atrás, eram de uma senhora alemã que morava ali sozinha, e falaram, "vamos ver como faz para vender", mas os herdeiros estavam na Alemanha e não dava para comprar. O senhor Thomaz falou, "eu quero esse terreno para fazer a casa". Mandou para o jurídico do mercado e falou, "quero comprar aquele terreno e vocês vão atrás", "ah, mas mulher é alemã", "se vira". Precisou entrar em consulado, fazer uma carta para mandar para a Alemanha, e aí apareceu um parente dela, venderam, e a senhora foi para a Alemanha. Ali começou, eles construíram o que era um sonho do pai para poder atender, então o prédio é próprio para o projeto. São cinco andares , não tem escada, é tudo rampa, a luminosidade é muito boa, as salas são amplas, foi tudo feito justamente junto com as senhoras que já estavam ali e já tinham alguma experiência anterior. Elas participaram do desenvolvimento do projeto e é um lugar muito bonito, então existe um contrato de comodato, para o uso desse prédio. Quer dizer, a gente considera que é lá do espaço, mas na verdade é do mercado, porque se o mercado não faz isso, não tinha como pagar aluguel de um prédio de cinco andares para o projeto. Então eles são muito benéficos, não só eles, como outros tantos ajudam, eles são, olha, um exemplo. Eu acho que se os empresários de uma maneira geral olhassem ao seu redor, iria ser bem diferente. Eles fazem a diferença ali no bairro. Eles começaram com uma portinha, uma mercearia, e hoje é uma imensidão. É um mercado que sempre que existe a estatística da Associação dos Supermercados, é o metro quadrado mais barato do Brasil. Nossa, para mim é uma honra trabalhar com eles. Eles têm lá o supermercado, têm o estacionamento com quatro andares, mais de mil vagas, e têm um shopping. É um shopping também que só têm eles, eles só querem essa loja. É um supermercado bem próprio da região, que é um região bem vulnerável, e é da Zona Norte também, Vila Nova Cachoeirinha, abrange toda aquela área ali. Eles trazem no final de semana a família para a área de alimentação e eu fico pensando que não tem outro supermercado e shopping igual. Eles ajudam muito!
P/1 – Qual o nome?
R – Hipermercado Andorinha. Só tem essa loja, mas olha, o que eles fazem… Ela são muito conhecidos por esse trabalho que eles fazem, de ajudar a região, é muito bonito ver o trabalho deles.
P/1 – E o que você gosta de fazer? O que a Zona Norte traz de legal? Como é sua relação com o bairro?
R – Ah, eu amo morar na Zona Norte. Acho que tudo que a gente precisa, tem ali. A Zona Norte antes do rio… Porque tem o Rio Tietê que separa do Centro. Você não precisa ir para o Centro, você tem o Center Norte, você tem esse mercado que está próximo da gente… Então você resolve tudo ali, não precisa sair da região para resolver problemas de compra ou qualquer coisa assim. Ainda falta muito no bairro, mas eu gosto muito, me identifico muito. Eu não consigo me imaginar morando em uma outra região, eu gosto muito da Zona Norte.
P/1 – E como está agora nessa época de pandemia, o que mudou na sua vida?
R – Ah, a mudança com a pandemia foi radical, mudou muito. Uma que a ONG está fechada, como tem criança, então a gente acompanha a orientação da prefeitura. As ONG's aqui da região, acabam sendo parceiras da escola, justamente pelo trabalho que a gente faz de ajudar crianças no aprendizado, de fazer muitos passeios, sempre com uma orientação lúdica, então as crianças estão em casa, não estão na rua. As professoras fizeram uma pesquisa assim, bem por alto para ver onde as crianças estão, e como elas estão. Olha, foi muito triste o resultado. Com os pequenos nem tanto, mas com os maiores… Porque lá o atendimento é dos 6 aos 14 anos. Os mais velhos, nossa, muitos estão já no tráfico, que ficam naquela… Eles falam que não pode ficar aglomerado… Brasilândia está aí na mídia. Eles mostram a comunidade por dentro, é uma casinha com seis pessoas. Imagina se essas seis pessoas ficam o dia inteiro dentro de casa?! Eles saem. Está mostrando, "olha, eles não respeitam, eles não ficam em casa", mas de que jeito? Como que fica? "Ah, eles estão fazendo balada, fazem funk, vão para laje", mas eles não têm outra opção, então. A gente tem feito muitas campanhas entre nós de doação de alimentos para eles, mas é difícil. A vulnerabilidade desse lugar, ali na Zona Norte é muito grande. Quando eles estão na ativa, vão para a escola e ficam lá, a coisa fica um pouco melhor, mas assim do jeito que está hoje, é muito difícil. Por isso que as mães estão desesperadas para que volte para poder movimentar isso.
P/1 – Hoje você mora com quem? Como é o seu dia a dia? O que você gosta de fazer fora da época de pandemia?
R – Hoje eu tenho dois filhos casados. O Arthur está casado, e minha filha Fernanda, só falta a Inara. Ela iria casar no mês que vem, já tinha data, buffet, etc, mas precisou cancelar tudo e marcou para fevereiro para ver se vai dar certo. Ela é muito festeira, e não tem como fazer um casamento e não ter festa. Essa veia de festa é do meu marido, ele gostava muito de festa. Para mim… Festa é no vizinho (risos), mas ela gosta muito, então nós estamos esperando. Então no momento a preocupação é o casamento dela. Ela comprou um apartamento agora, e está reformando do jeito que ela quer. Vou ajudando na medida que eu posso, estou em casa. Estou com muita saudades das crianças. Tenho feito crochê para o enxoval dela, e assim vou passando o meu tempo. Quando surge alguma coisa lá da ONG, a gente faz o home office, mas eu não sei como vai ser depois, porque como eu sou do grupo de risco, eu tenho que ficar em casa, tenho que arrumar um trabalho para fazer em casa. Na medida que eu posso… A captação, a gente tem os cupons fiscais. E isso aí é uma benção, porque aquele cupom que a pessoa não quer, a gente traz para a ONG, digita… É isso que eu faço, fiz bastante isso em casa. Como agora está mais difícil para fazer a captação, então estou fazendo da maneira que dá para fazer, porque é bem precário. Diminuiu bastante a arrecadação. Esse valor que arrecada é que movimenta a ONG. Está tudo muito difícil, então temos que esperar a volta, terminar tudo isso para ver como é que vai ser, mas se não for nessa ONG, eu vou arrumar outra coisa para fazer, porque eu não consigo me imaginar só dona de casa (risos).
P/1 – E você tem netos? Quantos?
R – Ainda não, ainda não tenho netos, mas disseram que logo vou ter. Estou esperando, tenho paixão para ter um neto (risos).
P/1 – Você se considera uma empreendedora?
R – Sim, eu me considero de um certo modo, porque a ONG tem um bazar. O empreendedorismo é bem interessante, principalmente agora que nós temos o Sebrae conosco e o Center Norte nos preparando, porque até então a gente era uma coisa muito "caseira", vamos dizer assim. A gente tinha muito contato com as artesãs ali da região, e existe um bazar que começou há oito anos. Nós pedimos um espaço no mercado e eles nos deram esse espaço para fazermos um bazar de artesanato lá. Nós juntamos as artesãs e elas iriam expor o material delas lá para vender. Cobramos uma taxa e essa pequena taxa ajudava a ONG. Só que foi mudando e agora nós temos um quiosque. Uma experiência que adquirimos no Center Norte, porque eles convidaram a ONG para expor no Center Norte. Eles têm um quiosque solidário lá, e a partir da nossa participação e da experiência que adquirimos lá, nós trouxemos para dentro do mercado. Foi uma experiência fantástica! De princípio foi assustador. Teve uma reunião lá no Center Norte, estava eu e uma das fundadoras da ONG, e perguntaram se alguém tinha interesse em participar de um quiosque solidário. Nossa, na hora a gente tremeu. Não, na hora ela perguntou, "quem tem bazar nas suas ONG's?", e eu levantei a mão. Quando olhei para traz, só estava eu com a mão levantada, ninguém… Mas eu nem sabia o que vinha depois. Ela disse, "ah, quando terminar a reunião, eu quero conversar". Nós conversamos e ela foi nos apresentar, porque eu realmente não conhecia o quiosque que tinha lá no Center Norte. Ela falou, "vamos marcar uma data para vocês participarem", eu falei, "o que?", nossa, me assustou. Falei, "que responsabilidade levar o nosso bazar para o Center Norte". De princípio, eu já logo pensei, "é uma visibilidade para a ONG, mas e aí? E essas artesãs, será que elas assumem?", fizemos reuniões com elas, pedi para o Sebrae vir falar com a gente… Na época, o Sebrae já estava junto na rede social. Vieram conversar sobre o que era empreender. Tinha um medo de abrir uma empresa, de ser MEI, "ah, tem que pagar"... R$50,00 por ano, isso não é nada. E para convencer? Tudo senhorinha, já aposentada, que estava com a sua sacolinha para vender seu produto. Olha, para resumir, foi um sucesso, tanto que era para ficarmos seis meses, pediram mais dois meses, ficamos ali e foi maravilhoso. Todo mundo queria ir no espaço. Já tinha muita coisa, precisamos selecionar e tal, mas foi muito legal, uma experiência boa. Hoje está lá no mercado, e é uma dinâmica quase parecida com a do Center Norte, é um pouquinho diferente, mas um sucesso. Elas brigam para estar lá. Agora com a pandemia, precisou selecionar o material, já não é como era antigamente. Nós íamos quatro vezes no ano, foi o que o mercado abriu quando pedimos o espaço lá, maravilhoso. Dia das mães, dia dos pais, Páscoa e Natal era o que a gente tinha. Os clientes do mercado começaram a procurar a gente e cobrar o mercado, "cadê aquele pessoal que vende artesanato aqui? Ah, a gente quer". Aí colocaram uma vez por mês e eles continuaram a nos procurar. Colocaram duas vezes por mês, todo final de semana, e acabou ficando todo dia e hoje estamos instalados lá. Quer dizer, foi todo um trabalho ao longo de oito anos, só que agora também estão tentando ver se as artesãs tomam conta, mas elas têm medo, então o Sebrae tem que… Foi lá dar o curso Mil Mulheres, que foi uma experiência maravilhosa. Muitas… Nossa, elas não acreditavam que podia ser tão fácil. Foi muito boa a experiência, e acho que agora eles vão repetir. Depois da pandemia, a ideia é fazer de novo esse curso. Foi muito bom!
P/1 – Você participou do curso?
R – Eu participei do Mil Mulheres como organizadora, vamos dizer assim, ajudando a trazer o Sebrae lá para dentro, achando as artesãs, conversando… Participei do curso sim. Não como eu gostaria, de sentar lá na cadeirinha e assistir ao curso, mas era no meio… Para gente aprender as ideias, ir pegando contato. Eu participo das reuniões que ainda têm uma vez por mês. Inclusive a reunião desse mês foi virtual. Foi uma experiência maravilhosa. Foi a primeira que teve e foi um sucesso, foi maravilhoso. Foi muito bom, eu gostei. É a última quinta-feira do mês que fazemos essa reunião lá da do Sebrae, do Center Norte. Eles estão preparando o pessoal. Dessa vez eu vou fazer o curso (risos).
P/1 – Fala mais um pouquinho do seu papel para montar esse bazar no Center Norte, de alguma história específica que aconteceu nesse processo...
R – Participar do Center Norte, do quiosque, foi um divisor de águas assim, para mim. Eu não sei como a ONG se sentiu, mas para mim foi. No mercado, eram mesinhas. A gente montava uma mesinha 70x70 para cada artesã, então a artesã cuidava daquele espaço. Ela arrumava do jeito que queria, trazia o material dela, pagava essa taxa, e ficava dona daquele pedaço, vamos dizer assim. O mercado deu todo apoio, porque o que acontecia? Essas pessoas ficavam ali na porta do mercado, ali perto de um ponto de ônibus, ficavam ali com uma sacolinha vendendo coisas. Quer dizer, o mercado também teve esse olhar, de ajudar a ONG e de tirar aquelas pessoas dali. Elas vendiam bombom, bala, essas coisas de artesanato que elas faziam, também pano de prato, na sacolinha, meio escondidinha. Então ele falou, "olha, a gente não tinha pensado em um bazar aqui, mas está bem dentro de uma coisa de querermos tirar esse pessoal daqui da volta do mercado e trazer para dentro, mas a gente não sabia como", então juntou. Tínhamos aquelas mesinhas, começamos com umas dez que a gente trazia da ONG. Toda a montagem era por nossa conta. O mercado falou, "nós não vamos interferir. Vocês montam, tomam conta, administram e montam tudo. A gente cede o espaço, e vocês usam, só que vão ter algumas regras". Foi surgindo na medida que… A pessoa vinha de carro com os artesanatos e deixava no estacionamento. E o que acontece? Os clientes começaram a reclamar, porque estava ocupando a vaga deles. "Ah, mas antes de ser artesã, eu sou cliente", "não, não pode", porque ficava o dia inteiro o carro ali no final de semana e os clientes reclamando porque tinha menos vaga para eles, mandavam cartinha para o mercado. Eles reservaram uma área em uma outra parte que era reservada só para os gerentes para ceder x vagas para nós. Era o suficiente, porque a maioria eram senhorinhas. Era um neto que vinha trazer, deixava ali o material e ia buscar a noite, porque era o dia todo. Tinha x mesinhas. No começo eram dez. Já não dava mais, porque tinha uma fila e o pessoal ia lá na ONG, "eu quero participar, quero participar". Nós chegamos a ter 40 mesas naquele espaço. Eles iam dando, porque até então não tinha nada naquele espaço, estava vazio. O que aconteceu? O pessoal começou a visualizar esse espaço dentro do mercado e o mercado começou a vender os espaços, como tem nos mercados, os quiosques e tal. Só que para nós, era uma cortesia, a gente não pagava para o mercado por aquele espaço, eles estavam doando. Tudo que a gente conseguisse tirar dali, era para a ONG. Foi aumentando e a briga também, o pessoal querendo, e a gente começou a fazer seleção. Cada hora era de um jeito, "a prioridade vai ser para a terceira idade", "ah não, mas e os jovens? Têm muitos jovens"... Ih, olha, aquilo foi rendendo por oito anos, até que surgiu o convite do Center Norte. A gente ficou observando como aquilo funcionava, fomos aprender antes, porque era uma outra realidade, um divisor de águas. "Nao vai ter mais mesinha", foi um chororô. O pessoal ia brigar lá no mercado, porque a ONG não estava mais dando espaço, que ia tirar, que não sei o que… O mercado já sabia que a gente estava mudando. A primeira coisa foi informar para o mercado, afinal de contas a gente estava lá dentro. Ficamos pensando como a gente podia… Uma outra ONG que tinha lá no Center Norte também nos ajudou, porque eles tinham um curso de… Dentro na ONG, na comunidade que é ali no Jardim Japão. É um lugar muito complicado, mais complicado que o nosso. Para tirar os jovens ali da rua, eles fizeram esse curso de marcenaria em parceria com o Senai. Eles começaram a desenvolver e fizeram o nosso quiosque. Foi muito legal, a parceria a partir dessa inovação para nós. A gente conseguiu fazer e é o quiosque que está lá hoje, junto com essa ONG. Foi muito legal. Continua funcionando.
P/1 – E teve alguém que não queria e que você conseguiu? Alguma conquista assim, que foi importante a sua participação?
R – No começo foi. Ninguém queria ir para o Center Norte, tinha medo, "como
vai pôr o nosso material lá? Como que vai ser?", nossa, foi desgastante. De princípio, quando reunimos as artesãs para falar que nós iríamos ficar aqui ainda no mercado… Porque a gente não iria abandonar o mercado, né?! E iria atender o Center Norte. Ninguém queria ir para lá, tinha medo. "Nossa, material nosso lá no Center Norte", porque era aquela imensidão, aquela coisa. Elas viam ali aquela coisa caseira, vamos dizer assim, dentro do mercado, mesinha, toalhinha branca que cada uma trazia a sua, a mesinha a gente dava com a cadeira… Nossa, foi… No geral elas não… Acho que teve umas duas que tiveram uma ideia mais arrojada de princípio, porque elas já tinham participado. Têm alguns lugares, principalmente aqui na Paulista que chamam "loja colaborativa", e tinha algumas poucas que participavam. Elas disseram, "ah, eu topo", toparam, mas as outras ficaram, "você é louca. Center Norte, imagina, só três meses para tanto trabalho". E aí nós pensamos, "temos que convencer essa gente aí". Convencemos algumas e depois do "sim" foi uma loucura, porque todo mundo queria ir para lá. A menina lá do Center Norte, a Maria Clara, que é uma das responsáveis… Hoje ela tem um outro cargo, mas ela ficava diretamente ali lidando com o quiosque. Ela nos chamou para uma reunião para falar que tinha muito material. A gente não conseguia… A gente queria atender todo mundo. Tinha muita coisa naquele quiosque. Porque assim, se você chega em um lugar e tem muita coisa, você não visualiza, precisa deixar mais espaço. Fizemos do jeito que ela falou e aí foi a briga, né?! Todo mundo queria seu material lá, porque elas venderam muita coisa lá. Foi uma experiência muito boa, é por isso que nós trouxemos para cá. Com uma dinâmica um pouco diferente do Center Norte, mas está lá. Hoje, devido a pandemia, o que está vendendo lá, são só máscaras que elas fazem… Tem que ser artesanato. Isso é a primeira exigência para poder participar. Não pode comprar lá na 25 e vender lá, elas têm que provar que estão fazendo. Mas com a experiência, a gente já olha e vê se é da 25, de algum outro lugar, ou se foi feito por elas. E álcool gel. As que fazem sabonetes e aromatizantes estão mexendo também com álcool gel, então hoje é só isso. Mas estamos nos preparando já, pedindo a elas outros materiais para a próxima etapa que vai vir agora que a gente não sabe quando vai liberar, porque o mercado também restringiu o que vai pôr lá e também as horas. Nós ficamos só quatro horas, seguindo a orientação do mercado.
P/1 – Só que você acha que precisa… Quais são as características, as qualidades que precisa para ser uma empreendedora, para conseguir fazer essa organização toda?
R – Bom, primeiramente é paciência, porque o pessoal fica com aquela ansiedade da coisa. A artesã precisa ter muita qualidade no trabalho dela, isso a gente sempre exigiu, desde antes, no começo, quando eram aquelas mesinhas, a qualidade no produto que elas estão fazendo. Isso aí… E modéstia a parte, quando o Center Norte veio conhecer o nosso trabalho, antes de convidar, foi uma pessoa lá e eu nem sabia que estava tentando conhecer o nosso trabalho. É a qualidade do produto que faz… Precisa ter o gosto de compor aquele objeto, e elas têm. Tem uma em especial que faz bordado. Assim, eu falava só entre nós, não podia falar no meio delas lá porque dá briga, mas é o melhor artesanato. Ela se chama Rosimeire e faz bordado, roupa de criança… É a coisa mais linda o trabalho dela. Se tivesse que fazer uma votação, eu votaria como o melhor artesanato, ela é muito caprichosa. É feito na máquina. Essas máquinas modernas agora só faltam falar, né?! Só que você tem que entender de programação, programar a máquina, depois fazer o acabamento… Ela faz divinamente isso. As coisinhas dela de criança… Coisa de criança já é bonita, né?! Mas o capricho que essa moça tem… E tem uma outra que faz MDF, essas caixinhas, caixa de porta joia… Maravilhoso! Essa investe no trabalho dela. Eu acho tão bonito isso. Tem um curso que é uma vez por ano, é tipo um seminário, que é de uma semana e é sempre fora. Elas se preparam o ano todo e reservam um dinheirinho para ir lá participar, para a estadia, participar dos cursos que têm dentro do seminário… O trabalho dela é lindo também, muito bonito. Ela até me ligou esses dias, e falou, "ah, eu não tô podendo expor as minhas coisas' eu falei, "calma, vai preparando enquanto isso". É lindo o trabalho que ela faz. Então eu acho que o que falta para as artesãs é acreditar. Porque algumas acham assim, "a lã está cara, não vou comprar", aí chega o inverno e não tem material do inverno, porque o novelo estava caro e ela não investiu. Agora é calor? Compra agora as lãs e você vai produzindo. Quando chegar no inverno… Mas é difícil. Também essa história de ter MEI. Agora o Sebrae está mais forte nisso, com os créditos que eles ajudam… Então elas têm uma ajuda maior. Eu sempre falo, "vai lá no Sebrae", "ai, eu não sei como fazer", "vai lá pegar orientação". É tão pertinho ali da gente. Elas estão mais… E tem mais gente jovem, porque as senhorinhas ficam sempre com medo, porque é o dinheirinho da aposentadoria e vai gastar aquele dinheirinho. Mas o pessoal mais jovem, tem acreditado e estão participando mais. Eu tenho percebido nos cursos.
P/1 – Eu queria saber não delas, mas de você. O que é importante em fazer o que você faz? Trazer a empreendedora para ajudar, para organizar...
R – A importância que eu acho de entender esse empreendedorismo aqui no Brasil, é para poder orientar, então eu sempre participo dos cursos. O Sebrae deu um curso de dois anos. Foi assim, um curso de pós-graduação e abrangendo tudo. Quer dizer, para nós que estávamos na administração, foi importante, porque falou de gestão de pessoas, a parte financeira… Então tudo isso fica difícil se você não tem uma ajuda para orientar e participar também. Diretamente eu não participo, mas eu estou ajudando nessa administração. Eu fiz o curso e foi um curso bem difícil. Era uma vez por semana só, mas olha, bem puxado. Eu fiz até o fim, e agora vão ter específicos. Eu estou querendo participar para poder entender melhor as possibilidades, porque elas existem. A gente precisa ter coragem para enfrentar, porque é bem desafiador.
P/1 – Quais são os seus valores pessoais que precisa para ser uma mulher empreendedora?
R – Primeiramente ela tem que descobrir do que ela gosta, qual a linha do artesanato se for o caso. Se for mexer com alimentação ou artesanato, ver do que ela gosta e investir nisso. Por exemplo se ela vai querer mexer com alimentação, ela vai conhecer… Se ela quer investir em comida fitness por exemplo, conhecer, saber o que é… Não é simplesmente, "acho legal e bonitinho, vou fazer", tem que saber o porquê. O pessoal que mexe com alimentação e está ali com a gente, para estar ali, primeiro elas precisam fazer curso de boas práticas. Eu fui fazer também para conhecer. Porque de repente a gente pode até complicar a vida do mercado porque ela não está sabendo manipular esses alimentos. Ela precisa ter o curso que uma parte da vigilância sanitária dá gratuitamente. Para gente poder saber o que a gente está fazendo, como estar manipulando, como vai vender isso, para quem, orientar as pessoas… Então é muito importante a gente estar sempre acompanhando, porque isso está sempre mudando. Tem que estar se atualizando, e o Sebrae nesse ponto está sempre com cursos diferentes para ajudar como abrir o seu negócio, como você atuar naquela negócio. Eu acho isso importante.
P/1 – Mas eu queria saber dos seus valores, não dos delas. Quais são as características importantes para você ser esse elo, para você fomentar, para você ser uma empreendedora.
R – Hoje eu não sou empreendedora, como eu já tinha te falado, mas eu tenho um olhar diferente. Acho que primeiramente você tem que se atualizar, tem que fazer curso, então é o que eu estou fazendo, fiz vários cursos. A ideia é você ter um grupo. Essas lojas colaborativas que têm uma importância grande, porque virtualmente você consegue expor o seu material através do Facebook… Têm muitas maneiras de você expor o seu material, mas para isso você tem que se atualizar, tem que fazer cursos. A coisa mais importante é o curso. Eu tenho feito mais como orientadora, porque a minha filha tem a ideia de ter um negócio. Talvez com ela eu me interesse em participar mais e ajudar mais, mas eu pessoalmente não tenho interesse em ter uma coisa minha, e sim de ajudar.
P/1 – Então, mas nesse sentido de ser voluntária, quais as características da sua personalidade que você acha que são importantes para fazer esse trabalho de voluntariado?
R – Eu decidi ser voluntária a partir do momento em que me aposentei. Eu sempre tive muita vontade de ajudar, de orientar, tenho muita paciência para isso de orientar as pessoas, e trazê-las para descobrir o dom que elas têm, porque a gente precisa primeiro descobrir qual é o dom. Acho que meu dom é da paciência, que graças a Deus Ele me deu bastante para chegar até aqui (risos), porque não é fácil esse trabalho voluntário, porque todo mundo se acha dono daquela coisa. A gente precisa trabalhar bastante isso. E ter essa vontade de ajudar, acho que isso é o principal, a vontade de ajudar ao próximo. Lá a gente tem o voluntariado do artesanato, o das crianças, e você pode de repente descobrir entre as crianças um artesão. Então você precisa ter esse olhar e trazer para a pessoa enxergar, porque às vezes a gente não enxerga isso, e uma outra pessoa pode te trazer isso.
P/1 – Tem alguma história específica em que você conseguiu isso?
R – Deixa eu ver se tem alguma história… Assim, eu acho que o mais importante é esse contato que a gente tem. Quando comecei, o artesanato era assim, para passar o tempo, vamos dizer assim.
Ou fazer umas coisas para a casa, ou um presentinho para uma amiga de crochê, que eu gosto de fazer. A gente fica observando, e de repente eu comecei a ver o artesanato como um todo. Isso a gente está sempre acompanhando. Nós fizemos um bazar lá no Clube Pinheiros, porque fomos convidados. Eles têm o Bazar do Bem Possível que eles fazem todo ano. Quando o clube faz aniversário, eles abrem. Esse ano talvez não tenha. Era para os frequentadores lá do clube. Na primeira vez que eu fui, fiquei com muita vontade de levar a ONG. Fui batalhando, e consegui chegar lá. Você ver aquela gama de artesanato e produtos tão diferentes uns dos outros… Nossa, quanta possibilidade. A gente trouxe isso lá para a ONG com as mães e com as próprias crianças… As mais velhas, porque tem que mexer com tintas, e isso para os menorzinhos já é mais difícil, mas para os maiores, a gente conseguiu, e as mães também. Aquela mãe que às vezes não consegue sair de jeito nenhum, consegue fazer em casa um produto para vender e gerar renda. É até um projeto que fizemos há um tempo, "gerando renda para família". A gente conseguiu algumas coisas. As senhoras ali do bairro que sabiam alguma coisa, vinham ensinar as mães. Chinelo, por exemplo. Nossa, foi um sucesso fazer chinelinho para usar em casa. As mães se identificaram. Mas tinha problema de material, aí fomos conseguir doações de materiais… Assim foi. Com as crianças também. Teve uma menina, que hoje ela é funcionária lá do mercado. Ela queria muito aprender crochê, mas era canhota. Agora você imagina, eu sou destra, não tinha como ensinar fazer o ponto do negócio, porque era ao contrário. Nossa! Ela ficava, "ah, queria tanto, queria tanto". Nós ficamos procurando entre as artesãs quem poderia estar explicando para ela pelo menos como pegar nas agulhas, porque nem isso a gente conseguia. Tinha uma senhorinha lá que veio ensinar. Ah, o primeiro cachecol que ela fez foi um sucesso para nós e para ela principalmente (risos). Nessa época ela tinha doze anos. Às vezes eu encontro com ela e pergunto, "e aí, o cachecol ainda existe?" (Risos). Ela diz que guardou, porque fazer ao contrário aquele negócio lá, olha, foi um sucesso.
P/1 – E como você se sentiu depois dessa história?
R – Ah para mim foi uma experiência legal, eu nunca tinha imaginado uma pessoa canhota fazendo crochê. Só você vivenciando, porque essas coisas você pergunta se a pessoa sabe fazer crochê e é ou "sei" ou "não sei". "Ah, eu queria aprender". E aí, como que vai ensinar a pessoa que é canhota? É outra coisa, então a hora que ela fez e veio mostrar para gente, "ai! Eu consegui fazer", nossa, que sucesso. Porque para mim foi… Porque eu tive que procurar alguém que soubesse ensinar o contrário e foi muito bom (risos).
P/1 – E quais foram os aprendizados dessa sua trajetória toda, da história do voluntariado e desse empreendedorismo social?
R – Olha, fazer esse trabalho voluntário para mim, foi um mundo totalmente à parte. Porque eu estava acostumada com o segundo setor, era aquela coisa, eu era bibliotecária, vivia cuidando da biblioteca, e de repente chego no setor e pelo menos já sabia mais ou menos como ele funcionava, mas na hora que você entra, nossa! Olha, eu fiz coisas que eu nunca imaginei que iria fazer. Por exemplo, no começo, que não tinha voluntário, tinha pouca gente, eu fiz RH, contratei pessoas, fazia contabilidade. Nós temos um escritório que ajuda e faz esse trabalho voluntário. Foi um dos diretores do começo da ONG, contador, que abriu uma empresa e desde o começo… Começou em 2002 e até hoje ele presta esse serviço voluntário. Ele faz toda a parte de RH, faz folha, faz balanço, e não cobra nada. Eu nem imagino quanto que possa ser um trabalho desse. Ele faz a parte final, mas o começo, contratar funcionário, fazer a parte contábil do dinheiro que entra das doações, das compras… Eu fazia isso. Acho que fiquei uns três ou quatros fazendo isso. Nossa. Eu falei, "meu Deus, nunca na minha vida eu imaginei que iria fazer um RH, fazer a parte contábil". Então eu fui aprendendo com aqueles que já tinham passado por ali, ou que já tinham tido uma experiência anterior e foram me ajudando. Mas eu nunca pensei em fazer compras no mercado para a ONG, a quantidade de coisa que comprava para fazer o almoço das crianças… Tudo isso era de doação, mas a gente tinha que ter. Às vezes eu me surpreendia, "Deus, o que eu estou fazendo?" (Risos). Eu me assustava, porque a responsabilidade era grande, mas foi uma virada, que eu nunca imaginei que iria acontecer comigo. Mas eu tinha muita vontade de fazer esse trabalho. Sempre tive e continuo tendo essa vontade do voluntariado.
P/1 – O que você acha desse projeto das mulheres empreendedoras da Zona Norte contarem suas histórias?
R – Eu acho muito bom, porque com esse curso Mil Mulheres, elas passam a acreditar nelas. Ela não acreditam… A gente não acredita, porque é uma coisa tão que vem assim, aquele pensamento bem caseirinho, arroz com feijão, bem simples. De repente você fala, "nossa, eu tenho o mundo". Têm muitas, essas que eu te falei que fazem o trabalho de bordado, que vão para o exterior. Tem muita pessoa que passa ali, "vou para Portugal, preciso comprar uma coisa para levar". Nossa, elas ficam todas assim. "Imagina, aquela senhora comprou tanto, gastou tanto, e está levando para Portugal o meu trabalho". Então você vê como a coisa pode… Mas elas têm medo, existe o medo. Uma máquina dessa que borda e faz essas coisas, é muito dinheiro, então elas ficam com medo, "será que vai dar certo? Eu vou comprar tanto de linha, vou investir. Aumentou o novelo de lã…", não acreditam que vão comprar aquela lã e que vão vender no próximo inverno. "Ah, eu não comprei porque aumentou a lã", aumenta o… Tem esse curso lá no Sebrae. Esse daí eu acho que é um dos mais importantes, "A precificação" é o nome do curso. É você dar o preço ao seu trabalho, ver quanto que vale. "Nisso eu gastei tanto", não, tem toda uma técnica, têm porcentagens. "Eu gastei tanto, eu vou investir tanto", tudo isso entra na dinâmica da precificação, e elas ficam assustadas, porque não imaginam. "Ah, eu vou pôr R$5,00", não, você tem que ver. E nisso, o Sebrae bate bem nesse curso, o que eu acho muito interessante para gente poder acreditar, porque a gente não acredita.
P/1 – Mas o que você acha de contar essa história para o museu, de trazer essa história das empreendedoras da Zona Norte, desse projeto de memória ficar aqui no Museu da Pessoa?
R – Ah, eu acho muito importante a gente passar por essa experiência, de como começou, que começou ali na sacolinha que eu levava, oferecia para as amigas, e de repente você vê que pode ter uma loja virtual, que hoje está tudo aí facilitando. Então deixar isso registrado no museu é importante para acreditarem que realmente pode acontecer. Só aconteceu para ela, porque ela tem sorte? Não. Ela trabalhou, e acreditou. Acho que a importância maior é acreditar. Tem que acreditar que aquilo pode acontecer e investir em estudos. Qualquer coisa que a gente tenha dúvida, vamos ao Sebrae, vamos perguntar, porque eles estão preparadíssimos eu acho, para poder ajudar essas pessoas. Ela tem que ter um pouquinho de visão, um pouco de abertura, mas eu acho que é o mínimo para acreditar que a coisa acontece.
P/1 – Vera, tem alguma coisa na sua vida assim, alguma história marcante que você não tenha contado aqui e que você tenha vontade de contar?
R – Da minha vida? Coisas que marcaram muito… Assim, desde o começo foi a atuação da minha mãe na minha vida, que ela sempre me incentivou. Tanto que quando eu comecei a trabalhar, fui estudando, me interessando… Antes de ingressar no terceiro setor, eu fui ver o que era o terceiro setor. Isso minha mãe sempre incentivava, "vai procurar, estudar, tenta conhecer mais para não ficar sempre na mesma coisa". Apesar do pouco estudo que ela teve, ela sempre incentivou e falava com a gente sobre isso, então isso ficou enraizado em mim, e hoje eu passo para os meus filhos, para sempre estarem estudando. Falei assim, "olha, ano passado você não fez curso, tem que estudar, ano que vem tem que fazer", "ah, estou sem tempo". Porque minha caçula que se casou, ainda está lá se adaptando. Faz dois anos que ela casou. Falei, "Nandinha, vamos minha filha, tem que fazer curso ano que vem", "ah, já estou procurando, mas vi um curso que é em inglês", "vai fazer inglês, estude, aproveite, tem tanto curso online", então vi que isso é importante e isso foi a minha mãe que passou para mim. Justamente pela falta de oportunidade dela, ela passou muito isso para gente, então eu achei importante. Eu sempre falo para os meus filhos e agora estou esperando os netos, é isso aí (risos).
P/1 – E o que você achou de contar a sua história aqui?
R – Ah, olha, a minha história é muito simples, eu acho. É uma história comum, vamos dizer assim. Não tem nada de impressionante, mas acho assim, tem um particular de cada um, da luta de cada um para chegar em algum lugar. Eu sempre imaginava ter minha casa, ter minha família, meus filhos… Porque a vida vai passando e a gente perde os pais… Que nem eu perdi o marido. Então agora a minha família são meus três filhos. Eu foco neles agora, de incentivar, de ficar falando com eles para nunca perderem o pique ou desanimarem por alguma dificuldade. Então esse é meu foco ultimamente.
P/1 – E os seus sonhos, quais são seus sonhos?
R – Olha, eu tenho um sonho de muito tempo que ainda não consegui realizar. Meu marido ainda era vivo, e eu sempre tive vontade de fazer um cruzeiro. A gente ia fazer, "ah, vamos deixar os filhos crescerem mais um pouquinho e a gente vai". Aí os filhos cresceram, veio a doença, e ele faleceu, mas o sonho continua. "Quando se formarem, a gente vai e vão os filhos junto". Agora cada um casou, e já tem sua família, mas eu continuo sonhando, quero fazer um cruzeiro, nem que seja pela costa do Brasil, mas quero fazer. Esse é meu sonho maior, de estar junto com eles e fazer esse cruzeiro.
P/1 – Tá bom, queria te agradecer muito pela entrevista, obrigada.
R – Ah, eu que agradeço por essa oportunidade de estar aqui falando um pouco da minha vida (risos).Recolher