Depoimento de Sergio Muniz
Entrevistado por Luiz Egypto e Luis Ludmer
São Paulo, 6 de setembro de 2019
Projeto Instituto Vladimir Herzog
Entrevista número PCSH_HV804
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Luiz Egypto
P/1 – Boa tarde, Sergio. Muito obrigado por ter atendido o nosso convite. Queria que você começasse dizendo seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Sergio Aurélio de Oliveira Muniz, 13 de janeiro de 1935, do século passado, e cidade de São Paulo.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Davidson Muniz e Maria Benedicta de Oliveira Muniz.
P1 – O que faziam seus pais?
R – Meu pai trabalhou muitos anos numa companhia de seguros, como gerente e minha mãe é a chamada prendas domésticas.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Não, não tenho.
P/1 – Você conheceu seus avós?
R – Conheci brevemente uma avó paterna e mais longamente, uma avó materna. Mas os avôs, não.
P/1 – Havia na família histórias dos avós, alguma coisa que seus pais contavam?
R – Isso é um drama. Não, não tem. Infelizmente é um buraco negro que eu não consegui... Talvez na minha juventude e infância eu não tenha me interessado e, por outro lado, eu tenho impressão que a família não tinha muito interesse em voltar, talvez, à sua origem mais modesta. Não sei, essa é minha interpretação. [Tive] várias informações de segunda ou terceira mão e nunca de ter sido um avô que contou ou minha mãe que contou ou meu pai que contou. Não são fontes fidedignas.
P/1 - Nascido em São Paulo, vocês viviam onde?
R – Eu nasci na cidade de São Paulo, mas meus pais moravam em Santos. Não sei como minha mãe veio dar à luz em São Paulo, aos seis meses de idade eu fui pra Santos e vivi em Santos, dos seis meses de idade até os 18 anos, quando eu voltei para São Paulo, morando numa casa de uma tia.
P/1 – E como é que era essa primeira infância em Santos, cidade litorânea, garoto novo?
R – Esse é outro problema que eu tenho. Eu tenho uma memória muito frágil desse momento. Eu não sei se eu tive problemas de neurose, o que foi, ou de crescimento. Eu vejo, às vezes, fotografias, eu sei que sou eu, mas eu não lembro da situação. Eu posso lembrar uma ou duas situações, talvez as que mais me marcaram. Uma de minha infância, que eu devia ter sete anos, oito anos, e tinha um irmão do meu pai, chamado Antônio, que gostava muito de fazer jacaré na praia. Sabe o que é jacaré, não é? Deslizar na onda. E, no geral, fim de semana, em Santos, sábado, não tinha ninguém na praia, não havia esse costume . Então, num desses dias, ele me levou junto para a praia e, não sei como nem por que, eu me perdi dele. Acho que ele começou a fazer [jacaré] e eu fui me afastando e, quando eu percebi, não o via e eu consegui voltar para casa. Agora, nesse caminho ao longo do mar talvez tenha sido a minha primeira visão da morte, porque eu vi chegando na beira da praia um cadáver, todo esburacado. Isso eu lembro. Agora, por exemplo, vendo uma fotografia, em Santos era muito comum ter na praia uns carrinhos pequenininhos, puxados por um carneiro, para você passear. Eu vejo minha foto, me lembro daquele transporte, mas não me lembro de eu estar ali. Ou então me lembro, talvez, que antigamente, nos anos 1940, as escolas, no 7 de Setembro, tinham que participar do desfile na cidade. Todas as escolas vinham para o desfile e eu me lembro que, como eu tinha bicicleta, eu ia no batalhão das bicicletas. Mas é por aí, um ou outro caso, mas coisas tão fugazes que eu não consigo... Há alguns anos um amigo foi fazer uma viagem por Santos, eu passei pela rua onde meus pais tinham morado, em um correr de casas iguais. Mentalmente eu tenho a geografia da casa, mas vendo eu não lembro da casa. Passei em frente, enfim, eu sou muito ruim de memória.
P/1 – Mas a sua casa, como era, da sua infância?
R – Era um correr de casas. Cinco ou seis. Num bairro. Sobrados, casas geminadas, em que você subia uma escada, tinha um primeiro andar aqui, e tinha uma sala de jantar, uma cozinha e, no fundo, um quintal. E subia uma escada e você tinha dois quartos e um banheiro. Outra coisa também que, agora, lembrei da lembrança. Lembro também de me contarem e eu vagamente lembro do sucedido: havia na época, nos anos 40, era muito comum você ter uns abajures que eram umas estátuas de porcelana, uma figura feminina com uma lâmpada dentro. Eu tirei essa porcelana, tirei a lâmpada, joguei perfume dentro e peguei a tomada e enfiei assim o dedo. A sorte, me dizem, foi que queimou o transformador da rua e não o de casa. Eu fui jogado para fora pelo choque.
P/1 – A chamada ideia de jerico. E o fato de ser filho único, que lembrança você tem disso? Você sentiu a falta de uma companhia, se relacionava com a vizinhança? Como é que era?
R – Da vizinhança não lembro. Na fotografia eu sei que tinha uma vizinha. Praticamente ao lado, a uns cem metros desse correr de casas, morava um irmão do meu pai que tinha uma casa isolada, térrea, bem-posta, com quem – ele tinha, na época, uma filha e depois teve um filho, mais tarde – eu sempre me relacionei muito, até a adolescência. E com pessoas da rua não me lembro. Vou lembrar de colegas de escola, talvez no ginásio, mas do primário eu não lembro nenhum. Me lembro, talvez, também por contarem, que em criança eu já era muito grande. Aos seis ou sete anos de idade eu tinha um tamanho maior. Então contam uma história que alguém reclamou que eu bati numa criança: “Um menino desse tamanho batendo numa criança”. Eu frequentava uma escola em Santos que era ao lado de uma estrada de ferro que ligava o porto a outra linha de estrada de ferro que não era Santos-Jundiaí, era outra, para ir para o interior, e passava o trem. Isso eu me lembro, do trem passar. Mas meus colegas desse momento eu não tenho lembrança.
P/1 – Lembra as brincadeiras de infância?
R – Talvez, se eu fizesse uma sessão de terapia, eu pudesse lembrar, mas não lembro, não. Nessa coisa da escola eu me lembro que havia uma vegetação que eu não sei o nome, que tinha um caule muito grosso, furado, que eu podia ficar assoprando. Então eu também me lembro de lembrança que você punha uma semente, digamos, de mamão, o que for, ficava assoprando e a bolinha ficava flutuando no ar. Isso mais ou menos.
P1 – E a sua escola, como era?
R – Essa escola era privada que eu fui, desde o jardim da infância, até o que hoje seria quando você vai fazer o curso médio. Depois, por meu pedido, porque eu sabia que meus pais tinham dificuldades econômicas, e eu pedi para passar para uma escola pública. Eu fiz na escola pública o equivalente ao ginásio e parte do que seria, na época, o clássico, e terminei o clássico em São Paulo.
P/1 – Essa foi uma decisão sua, a mudança de escola? Você percebeu a situação?
R – Eu pedi, porque eu sabia que a família estava com dificuldades.
P/1 – O garoto demonstrou uma maturidade inaudita.
R – Não sei.
P/1 – E a opção pelo clássico foi por quê? Já tinha ideia do que queria ser quando crescesse?
R – Que nada! Eu posso dizer que até os 18 anos eu era um perfeito idiota.
P/1 – Por quê?
R – Eu faço uma comparação com meu filho. Eu sou pai-avô, eu tenho um filho de 18 anos, e o que esse menino, meu filho, hoje, aprende, ele está no terceiro ano do curso médio, eu só fui aprender aos 20 e tantos anos. Noções de Física, de Química, eu não sabia nada. E culturalmente eu não conhecia nada. Quer dizer: tenho impressão que eu começo a ler de verdade quando eu venho para São Paulo, [quando] eu vou descobrir literatura brasileira. Por quê? Eu faço o último ano, que seria o curso clássico chamado, na época, numa escola que era chamada “Arapuca”, que era o Colégio Pucca, um colégio que você frequentava para ter diploma. Entrei porque precisaria ter diploma. Mas tinha, curiosamente, um interessante professor de Português que nos começou a introduzir a literatura brasileira como uma brincadeira: “Vamos pegar um texto aqui do Graciliano Ramos e vou fazer a seguinte pergunta”. Brincadeira. Você começa lendo assim: “Antônio entrou no quarto por cima, enquanto a sua mulher, por baixo, estirava o colchão por cima”. Nessa brincadeira entre alto e baixo, ele nos introduziu Graciliano. Li, dos 18 aos 20 anos, praticamente todo Graciliano, todo o Jorge Amado, “Iracema”, enfim, toda a literatura clássica brasileira. Quanto a essa decisão do que fazer, eu não sabia o que ia fazer. Aos 18 anos, sinceramente, eu não tinha ideia. Só que, por várias contingências da vida, quando foi... eu sou de 1935, eu já tinha 20 anos, seria 1955 para 56, criei um conflito com a família e decidi sair de casa. Mas antes disso, eu já tinha conseguido um pequeno emprego num banco, não sei se era italiano, meu pai arrumou, e eu trabalhava no setor de cadastro. Não havia computador, eram umas fichas e você ia no banco para [descontar] um cheque, pegava sua ficha para conferir sua assinatura e você tinha que tirar e repor. Era esse o meu trabalho: tirar e repor, tirar e repor e colocar outro. E, passado algum tempo, um outro amigo indireto da família, que era advogado de um grande frigorífico americano, chamado Frigorífico Wilson, falou: “Tem um lugar de assistente lá”. Eu ia ganhar duas ou três vezes o que eu ganhava como ficheiro. E fui para esse Frigorífico Wilson. Era no Departamento Jurídico. Eu chamaria isso de “office boy” de luxo. Na verdade, o que era? Dava entrada em processo na Justiça, pegava certidão, pedia certidão, tirava passaporte para americano, era essa coisa e comecei a conhecer um pouco disso através dessas pequenas tarefas. Quando foi 1959, um amigo meu que já trabalhava – aí depois eu posso fazer um parêntese – em publicidade, falou: “Por que você não frequenta a Escola Superior de Propaganda? Antigamente não tinha “Marketing”, era Escola Superior de Propaganda sem “Marketing”. E eu fui, comecei a frequentar, em 1959. No meio do ano, em julho, um dos professores da escola falou: “Você não quer trabalhar comigo? Eu vou ter que instalar, aqui em São Paulo, a filial de uma agência importante do Rio de Janeiro”. Eu falei: “Vamos”. Peguei e dei outro pulo de salário. Nível de vida maior. Só que nesse meio de tempo, entre chegar em São Paulo, em 1959, uma série de acontecimentos, certamente relacionados com ligação de família... É o seguinte: eu tenho um primo irmão e, portanto, filho de uma irmã da minha mãe, chamado Bráulio Pedroso. Virou um dramaturgo, fez “Beto Rockfeller”, mas na época ele era jovem, estava começando a querer fazer alguma coisa, muito ligado a um grupo de esquerda, ao Partido Comunista, e comecei a conhecer várias pessoas que, em 1950 e poucos, por aí, estavam, de alguma forma, ligadas ao cinema brasileiro. Por exemplo, Galileu Garcia, que foi o assistente do Lima Barreto em “O Cangaceiro”; Agostinho Martins Pereira; conheci o Rodolfo Nanni e o Nelson Pereira dos Santos, que na época sequer era cineasta. Nelson Pereira dos Santos era da Faculdade de Direito, que ele fez em São Paulo, colega de outra pessoa que participava desse grupo de intelectuais do Partido Comunista, que também era advogado. E começo a trabalhar na produção do filme do Rodolfo Nanni, “O Saci”. E o Bráulio devia ser o assistente de direção do Rodolfo Nanni. Só que nas vésperas de começar a filmagem, resolveu ter uma crise aguda de uma doença que se prolongou pela vida inteira, chamada artrite reumatoide. E o Nelson Pereira dos Santos entra no lugar dele. Por aí que o Nelson começa. Então, eu conhecia esse pessoal socialmente, de saber, de conversar, de participar com meu primo das conversas dele. E é uma aproximação minha indireta, mas não por meu interesse por cinema, estava conhecendo pessoas que eram do cinema.
P/1 – Mas você ia ao cinema, gostava de ir ao cinema?
R – Gostava de ir ao cinema. Tem um detalhe: acho que a partir dos 15 anos – quando eu tinha 12 não tinha carteira de identidade – uma vez por mês pelo menos eu vinha para São Paulo. Saía de Santos por volta do meio-dia e chegava em São Paulo às duas e ficava ali no Centro pingando de cinema em cinema, das duas até dez horas da noite vendo filmes. Ia dormir na casa de uma tia, mãe desse Bráulio Pedroso. No dia seguinte, antes de ir para Santos, meio-dia, duas, quatro horas, seis horas pegava o trem. Mas via filme mais como divertimento, nunca como formação, nem tinha ideia do que era cinema. E o Bráulio, depois, acho que era antes dessa situação ou depois, vai ser assistente de direção num filme de um cara chamado Carlos Ortiz, que faz um longa-metragem chamado “Alameda da Saudade, 113”. E teve uma cena que era filmada em Santos e eu fui ver. E fiquei olhando: ação, maquiagem, nananana. Aí ele falava: “Luz, câmera, ação! Corta!”. Puta, que saco! Insuportável. Mas, alguns meses depois, ele começa a montar o filme ali no Bixiga. Eu não lembro qual era [a produtora], acho que era a Bandeirantes. Uma sala de montagem. E pela primeira vez entrei numa sala de montagem. Aí me fascinou um pouco, não sei se foi uma idealização minha, mas deve ter um pouco de inconsciente aí. Quando eu entrei naquela sala escura vi uma sala escura, uma fonte luminosa, uma máquina estranha em plano, assim, as pessoas... não, [a máquina] era vertical, e tinha um cheiro que eu gostei muito, que era o cheiro de película. Então eu brinco que eu gostei de cinema pelo cheiro, não pelo conteúdo do filme. E aí comecei a me interessar mais em uma ou outra coisa de cinema. Tinha uma famosa livraria que pertencia ao Partido Comunista, começou na Praça das Bandeiras, depois ficou na Praça da República. Chamava-se Livraria das Bandeiras. E todo esse pessoal intelectual de esquerda frequentava muito. E podia fazer crediário. Então, comecei a comprar um ou outro livro. Comprei um livro do [Sergei] Eisenstein, um diretor russo e comecei, mais como interesse bibliográfico, vamos dizer assim. Quando chega 1959 eu vou, então, para a publicidade e faço uma carreira razoavelmente meteórica, de 1959 a 1963. E cada vez que eu reclamava, eu ganhava mais dinheiro. Quando chega o final de 1963 eu percebi que estava começando a ficar com gastrite e já estava numa segunda relação, que depois termina num segundo casamento: “Quero parar, quero fazer outra coisa. Fazer o quê?”. Outro parêntese: e, também, em 1954, esse pessoal ligado ao Partido Comunista, entre eles o Rui Santos, que era um diretor de fotografia, iria fazer um documentário sobre a casa do Mário de Andrade e me convida para ser assistente de fotografia dele. O que era? Montar o tripé, pôr a câmera em cima, carregar o chassi, carregar o negativo no chassi. Era um moleque montando as coisas. Então, meu primeiro contato direto com o cinema foi esse. Depois teve a campanha eleitoral: 1955 é a campanha do Juscelino, não é isso?
P/1 – Isso.
R – Esse mesmo grupo filma, através do Partido Comunista, coisas para o Juscelino. Filmei na rua, passou batido. E quando eu venho para a publicidade, eu retomo o contato com muitas dessas pessoas que eu tinha tido contato nos anos 50 e já tinham se bandeado para a publicidade: Galileu Garcia, Agostinho Martins Pereira e vários outros.
P/1 – Quando você fala publicidade, era um filme?
R – Eu trabalhava em uma agência primeiro como contato e depois trabalhei no departamento de TV e cinema da Alcântara Machado. Aí comecei a fazer as contas e falei: “Esse ano de 1963 eu vou juntar dinheiro para que, em dezembro de 63, eu possa ficar dois anos tentando ver o que eu quero fazer na vida”. E tomei essa decisão. Coincidindo com o favorável convite que esse mesmo Rui Santos me convida para ser diretor de produção de um longa-metragem que ele ia fazer na Bahia, em Salvador, baseado no que é tido como primeiro romance proletário do Brasil. Esqueço o nome do autor [Amando Fontes]. O nome é “Os Corumbas”. Corumba é nome de uma família de operários tecelões ali perto de Salvador, que tradicionalmente participava das lutas sociais. Obviamente começou a [filmar] em janeiro de 1964 e terminou em abril de 1964. Veio o golpe, toda a estrutura montada, e tudo foi para o espaço. Nesse meio de tempo, que vai de 62 até 64, o que acontece? Em 1962, o [Fernando] Birri e sua mulher e outras pessoas vêm da Escola de Santa Fé para São Paulo e ficam hospedados na casa do Vlado. Por sua vez, eu venho a conhecer o Vlado através de quem? Através de uma moça chamada Lucila Ribeiro, que posteriormente casou com o Jean-Claude Bernardet, que tinha sido colega de ginásio da minha então companheira, Amazonas Alves Lima. E ela e Vlado e o [Maurice] Capovilla estavam próximos da Cinemateca. Aí eu passo a conhecer Vlado e passo a conhecer Fernando Birri. Fui ver os filmes dele. Acontece tudo isso antes de 64, veio o golpe, volto para São Paulo. Com esse Galileu Garcia tento uma reaproximação para intermediar contatos para conseguir trabalho em algumas agências. De 1962 a 66 eu comecei a frequentar esse círculo de Cinemateca.
P/2 – O que era esse círculo da Cinemateca?
R – As pessoas que eu conheci, quem eram? A Lucila, o Vlado, o Capovilla, o Rudá Andrade, o Thomaz Farkas, o Paulo Emílio Sales Gomes, eu conheci essas pessoas nas projeções. O Vlado era mais próximo porque estava trabalhando junto com a Lucila. E quando eu volto, eu volto em abril porque tem o golpe, até conseguir sair da Bahia demorou, enfim, final de abril eu volto para São Paulo, retomo os contatos com o pessoal da Cinemateca e sei que teria acontecido o seguinte: o Farkas tinha conseguido montar um mini-esquema de produção para produzir, para o então Ministério da Reforma Agrária do Jango Goulart, filmes sobre a reforma agrária, e quem ia dirigir era o Fernando Birri. Então, estava tudo sendo montado, o Fernando Birri ia fazer a direção, o Edgardo Pallero ia fazer a produção, a Tolly Pussi, enfim... Desmancha tudo, o Birri vai embora, mas o Pallero e a Tolly ficam em São Paulo, e o Farkas tenta, isso eu vim saber depois: “Como é que eu faço para produzir? O que eu faço?” E coincide uma série de oportunidades, entre elas, quais são? Vem para São Paulo o Geraldo Santos, fugido da Bahia, eu não sei por qual via ele chega ao Farkas; o Paulo Gil Soares, que tinha sido assistente do Glauber no “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, vai para o Rio. Enfim, as pessoas começam a vir para o sul. E o Farkas entra em contato com esse pessoal, junto com o Vlado: “Vamos fazer? O que nós vamos fazer?”. E junto com o Vlado e o Capovilla começa a montar a história do “Subterrâneos do Futebol”, o Sarno começa a montar a estrutura do “Viramundo”; com uma ligação que tinha através do então diplomata Arnaldo Carrilho, consegue uma coprodução do Ministério das Relações Exteriores para o filme do Paulo Gil, que é “Memórias do Cangaço”. Então essa coisa começou: não tudo filmado ao mesmo tempo, mas contemporaneamente: filmava aqui, filmava ali, filmava aqui. Quando chega, acho que agosto, o Vlado recebe o [convite] para trabalhar na BBC de Londres, aí me convidam para entrar no lugar do Vlado. Por isso que eu tenho na minha primeira oportunidade do que eu chamo não-destino. Aí eu tenho que contar uma história do Fernando Birri, que fala: “Não existe destino, existe uma ordenação de casualidades”. Mas como é isso? Se o Vlado não tivesse ido para a Inglaterra, eu não teria começado a fazer cinema. Como é que eu faço o meu primeiro filme? Por quê? No filme “Viramundo”, do Geraldo Sarno, ele conhecia o pessoal da Bahia – Capinam, Caetano, Gilberto Gil – que já estão fugidos em São Paulo. Ele tinha convidado o Capinam e o Caetano para escreverem a letra e a música da canção-tema do “Viramundo”, e quem iria interpretar – e interpreta – no filme, é o Gilberto Gil. Só que esse grupo veio e muitas apresentações eram em casa de amigos e tal, e começamos a nos conhecer mais proximamente. Ele cantava as coisas, o Gil cantava coisas, Caetano cantava, Bethânia cantava, e fiquei próximo do Gilberto Gil. Ouvindo as canções do Gilberto Gil, eu falei: “Gil, tem cinco canções suas, que você cantou, que se você permitir eu faço um curta”. “Ah, pode fazer.” Então eu fiz o meu primeiro filme: é um filme com canções do Gilberto Gil, que eu não teria conseguido se não tivesse sido assim. Quer dizer, é um encadeamento de casualidades.
P/2 – O Vlado te indica? Como acontece?
R- Não, quem me convida é o Farkas, que eu conhecia já anteriormente, de passagem, não era amigo dele, mas em festas, enfim, não era uma amizade que era contínua e todo dia, mas éramos bem próximos. Quem me convida é o Farkas.
P/1 – Para o lugar que era do Vlado?
R - Para o lugar que era do Vlado.
P/2 – O Vlado, então, dirigiria o “Viramundo”?
R- Não, dirigiria a produção, o diretor do filme é o Geraldo Sarno. Enfim, por aí, então, começa um, vamos dizer assim, desempenho mais ou menos linear dentro dessa estrutura. Para retomar um pouco a relação com o Vlado, que eu acho que é o que mais interessa para vocês, é o seguinte: a minha relação com o Vlado, eu diria que tem alguns aspectos pontuais que eu pessoalmente lembro com carinho, digamos assim. A primeira delas é: ele vai para a Inglaterra e, na primeira viagem que eu faço... na verdade, a segunda; a primeira, eu [tinha] três ou quatro amigos que tinham ido para a China para ensinar português na China, aí tem o golpe de 64, um deles que foi por último, não pôde voltar, então me paga uma passagem para ir até Paris para contar como é que estava a zorra aqui. Eu vou, então eu descubro Paris com viagem paga por um amigo, então conversamos e tal. Em janeiro de 1966 já conseguimos montar uma viagem turística, minha com a minha companheira de então, para ir para a Europa. Passamos pela Inglaterra e ficamos hospedados na casa do Vlado. Aí ele primeiro me ensinou como andar de metrô em Londres, que é diferente de Paris. Em Londres, naquela época, você pagava por estações que percorria, e não o trajeto que você percorria; [ele ensinou] como trocava o dinheiro, como era, enfim. E também tenho a impressão que revimos um texto que eu tinha esquecido totalmente, que a Naara Fontineli descobriu, que é um texto meu e do Vlado. Nós apresentamos no Festival de Florença, em 1966, um texto sobre a situação do cinema brasileiro. Ela recuperou, mandei para o arquivo do Vlado e está na exposição [“Recentes experiências e tendências do filme de documentação social”, apresentado ao XII Simpósio Internacional do Filme Etnográfico e Sociológico. Florença, 10 a 12 de fevereiro de 1966]. Então, revimos esse texto. Aí eu continuei a minha viagem, combinamos de nos encontrar em Florença, não me lembro a data, mas houve um intervalo entre eu estar em Londres e estar em Florença. Nos encontramos em Florença, e aí são, vamos dizer, anedotas que sempre me vêm à memória. Ele veio de trem de Londres para a Itália, e naquela época ainda tinha muito imigrante italiano trabalhando na Inglaterra. E ele conta. [É que] antigamente, quando você passava a fronteira, o trem parava e [os guardas de fronteira] viam os passaportes. Parava, tinha todo [um procedimento], e você podia ir até à estação para um café, comer um pão. Ele conta a seguinte situação: tinha vários operários que estavam voltando depois de dois anos para a Itália, entram num bar e pega um pão, aquele pãozão, e a tradução seria: “Faz dois anos que eu não arranco um pedaço de pão”. Porque na Inglaterra é tudo pão mole. Depois a nossa relação comum, dos dias que passamos em Florença: primeiro ficamos hospedados num hotel luxuosíssimo, era um delírio, tinha um detalhe que todo momento vinha a camareira no seu quarto e dobrava a cama, quando você entrava [era] um leito de linho, todas essas coisas. E era eu, minha mulher e o Vlado. E descobrimos que tinha uma fantástica sobremesa, o italiano chama “zuppa inglese”, que, na verdade, não é uma sopa, é um doce fantástico que o hotel fazia, mas só fazia um por dia. Então, se chegasse muito tarde você não comia. [E a gente] tentava chegar cedo para poder comer o doce. E, na diária, dizia assim: o senhor tem direito à alimentação, almoço e jantar e uma garrafa de vinho. E, na nossa ignorância: “Vamos pedir um suco”. Dava uma fortuna, pagamos um dinheirão no final das contas, que a gente pouco tinha. Muito bem, e teve também duas sequências durante [o festival]. Era uma quinta-feira, as sessões do cinema terminavam por volta de onze horas. Nós vamos para o hotel. “Espera aqui, nós vamos pegar você e vamos para um restaurante na periferia de Florença, chamado ‘Moinho das Estrelas’, que vai ter um jantar para todos os convidados do festival”. E chegamos lá, era uma construção medieval, tinha umas mesonas imensas, um banco, uma cadeira, e em frente de cada, onde você sentava, havia os pratos, naturalmente, e cinco garrafas de vinho e vários copos de vinho. Aí vinha uma mulher com um troço assim, [servindo]: “slash slash”, entrada, “slash”, primeiro prato... Passaram cinco vezes comida e a cada comida que punham, eles mudavam o vinho e nós enchemos o rabo de tudo aquilo de tal maneira que, quando voltamos de ônibus para o hotel tivemos que voltar em pé, não aguentávamos de tanto que tínhamos comido. Aí chegamos na sexta-feira, [havia um compromisso] na fazenda do príncipe não sei do quê, perto de Florença, que nos convidou para passar lá ao meio-dia. “Opa! Vai ter um almoço. Vamos nessa”. Era um lugar esplêndido, coisa de cenografia de filme de Bertolucci, de Visconti. Um príncipe muito simpático e tal, e o que ele nos ofereceu? Um copo de vinho e uma entrada que em italiano se chama “fatunta”. O que é? É um pedaço de pão, não sei se é no azeite ou o que, cozido. E estamos falados. E depois, mais tardiamente, quando ele volta para o Brasil, foi quando ele estava na revista “Visão” ainda, eu tive contato com ele. Várias vezes fomos à casa do Thomaz Farkas, ele era muito amigo do Farkas também. Quer dizer, nos conhecemos assim, socialmente, mas não de visitar a casa dele. Ele morava até pertinho.
P/2 – Eu posso fazer uma pergunta ainda da viagem?
R - Diga.
P/2 – Esse texto que vocês escrevem para o festival, no final o que valeu foi o encontro, estar junto ou o festival era uma coisa importante para vocês?
R- Direta e indiretamente. Duas ou três informações: um, aquele festival era Festival do Filme Etnográfico e Sociológico. Então, de uma certa forma, aqueles quatro primeiros filmes [“Memórias do Cangaço”, “Viramundo”, “Subterrâneos do Futebol” e “Nossa Escola de Samba”] se encaixaram dentro da preferência desse festival. Segunda coisa: um dos diretores do festival tinha sido colega de faculdade do Farkas em São Paulo, e estava sendo organizado, com o copatrocínio direto ou indireto da UNESCO, por um italiano chamado, se não me engano, Enrico Fulchignoni, que era muito ligado ao Jean Rouch, essa turma, e tinha essa pegada do filme sociológico também. Agora, o nosso texto não era sobre isso, era sobre a situação do cinema brasileiro naquela época. Mas o filme vai para lá e, principalmente o “Memórias do Cangaço”, tem uma grande receptividade. E nesse momento a gente conhece algumas pessoas, uma delas que reafirma a nossa relação com o Joris Ivens. Aí também tem outra história para contar, posso contar?
P/1- Claro.
R- Então é o seguinte: 1965, terminamos os filmes, e os filmes são apresentados no Rio de Janeiro, no Festival, os quatro filmes.
P/2- Os filmes do...
R- Do Farkas. Os quatro primeiros, que são “Memórias do Cangaço”, “Viramundo”, “Subterrâneos do Futebol” e “Nossa Escola de Samba”. E entre esse grupo que vem para o festival, vêm, na época, os bambambãs do cinema documentário. Vem o Jean Rouch, vem o Edgard Morin, vem o famoso crítico chamado Louis Marcorelles, outro chamado Marcel Martin, outro chamado Robert Benayoun. Na época eram os astros da crítica francesa. E se encantam com os filmes. Quando chega o final de 1965, uma amiga recebe uma bolsa para ir para Paris, e nós tínhamos sabido que o Joris Ivens tinha relação com o cinema vietnamita. E decidimos, o pessoal que estava na Bahia: “Manda essa câmera lá para o Vietnã”. Então conseguimos que essa amiga levasse para o Ivens essa câmera para ele entregar. Até esse momento eu só sabia do Ivens por essa ligação. Quando vem o Festival de Florença, é apresentado no festival o filme do Ivens sobre o Vietnã [“Loin du Vietham”, feito em conjunto por Joris Ivens, Alain Resnais, Jean-Luc Goddard, Claude Lelouch, William Klein e outros]. Na volta, então, eu vou a Paris para encontrar o Ivens e aí estabelecemos uma relação de amizade que perdurou pelo resto da vida. Tenho a fotografia dele, em 1983. A importância do festival nessa época foi essa: outra ordenação de casualidades, entendeu?
P/1- Isso.
R- Inclusive eu me lembro que, no festival, primeiro teve uma dificuldade que os filmes estavam em Roma e a embaixada não mandava para Florença. Eu que tive que encher o saco [deles]. No final o representante da embaixada queria entregar, [e eu disse]: “Você não vai entregar porra nenhuma, quem vai levar isso aí sou eu”. E estando em Roma, quem nos recepcionou também foi o Arnaldo Carrilho, que por sua vez tinha facilitado a produção, quando ele estava no Itamaraty, no Rio, do “Memórias do Cangaço”.
P/2- E o Vlado falava italiano fluente?
R- Eu acho que ele falava em português. Você me pegou agora.
P/2- Porque a carta está em italiano [41:42].
R- Porque a carta foi traduzida.
P/1- Porque o Vlado passa a infância na Itália.
R- Ele passa. E aí quando a gente sai de Florença, nós vamos para Roma e ficamos hospedados na casa do [Fernando] Birri, no apartamento dele na Via Giovanni Balacco. E aí o Birri nos apresentou a várias pessoas da relação dele que faziam cinema, enfim todo um tour cultural intenso durante uns quatro, cinco dias.
P/1- O Vlado manifestava algum desejo de deixar o jornalismo e dedicar-se ao cinema com mais intensidade?
R- A partir de 1968 [até] 1970 eu comecei a coletar na imprensa o que saía de informações do que era o Esquadrão da Morte; na [revista] “Realidade” tinha um certo espaço pra publicação de matérias. Quando foi final de 70 tinha um senhor chamado Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, que tinha arrendado na Barra Funda o Teatro São Pedro. Ele tinha transformado a sala de baixo para espetáculos de grande público e, numa parte de cima, fez um pequeno estúdio para cem a cento e poucas pessoas, para fazer peças experimentais ou mais avançadas depois. E acontece que ele é preso no final de 70, a peça ainda não tinha estreado, ia ser estreada em novembro, por aí, ou outubro, e a família me convida pra ser o gerente do teatro enquanto ele estava preso. E simultaneamente a isso, duas coisas: primeiro, conversando com o Vlado, o Vlado é que consegue, por ligações dele que eu me permito não contar quem era, tirar do arquivo de uma emissora de televisão, materiais sobre o Esquadrão da Morte que nunca tinham sido veiculados. Uma delas, que eu coloco no meu filme “Você Também Pode Dar Um Presunto Legal”, é o [delegado Sérgio Paranhos] Fleury recebendo uma menção do Ministério da Marinha, pelos serviços prestados. E o outro: cenas de enterros de marginal, que ele conseguiu. Ao mesmo tempo ele estava desenvolvendo um roteiro, ele chegou a fazer umas visitas, sobre Canudos. Nós conversamos um pouco sobre isso e ele chegou a escrever um roteiro. Eu me lembro que ele me emprestou, mas eu não me lembro que fim que levou, se eu deixei na produtora que eu estava... Quando a Clarice me cobrou, eu falei: “Isso eu não sei, esse é o original”. E ele comentava um pouco a solução que ele estava pensando encontrar para as cenas de batalha, que eram complicadas, uma solução que alguns documentários ingleses tinham resolvido para essa situação: faziam as batalhas com soldadinhos de chumbo, contar a batalha. Isso é a lembrança que me ficou. Acho que ele tinha intenção de fazer alguma coisa.
P/2- Me veio à cabeça o [pensamento] da relação possível, que eu não tenho certeza, do Vlado com o Peter Watkins.
R- É, pode ser, eu não sei. A vida dele em Londres eu realmente não tenho mais informação.
P/2 - É que você falou desse filme, e tem um filme do Peter Watkins que é exatamente esse recurso.
R- Certamente. E aí, enfim, digamos assim, essa minha relação com o Vlado foi pontuada com vários intervalos de tempo, não foi uma relação contínua.
P/1- Sergio, conta um pouco o que significava a revista “Visão” nesse momento? Ele cuidava da área cultural da revista?
R- Eu não saberia dizer porque eu não acompanhava muito a revista. Eu tenho a impressão que ele cobria as matérias de cultura em geral. Como eu não fui colega de jornalismo dele...
P/1- Você não era leitor da revista?
R- Uma ou outra vez.
P/1- Ela tinha assim uma inserção notável, notada na intelectualidade local?
R - Tinha espaço para cultura, era uma coisa rara na época, mas tinha espaço. Agora a penetração disso, quem lia e quem não lia, realmente eu não tenho informação.
P/1- Afora todas essas peripécias, esses encontros e essas casualidades, eu queria que você definisse um pouco como é que era o jeito dele de ser. Como é que era o Vlado, pessoalmente? O que ficou pra você como lembrança?
R- Primeiro, o tempo que eles moram em Londres, não é que tenha sido um mar de rosas, mas também não foi [de quem] tinha dificuldades de sobrevivência. Não era uma bolsa, não era um salário fantástico, ainda mais criando filho na Inglaterra, quer dizer, era toda uma conjunção de fatores. Mas ele era muito... ele pensava o que dizia. Quando ele falava, você sentia que ele estava se expressando de maneira a mais objetiva possível, sem ser impositivo, não querendo impor o pensamento dele. E tinha um certo lado do chamado humor judaico, de autogozação, ele tinha um pouco disso, algumas dessas histórias do humor judaico ficaram e lembro através dele. Você conhece a história da gravata? A mãe judia chega para o filho e dá para o filho duas gravatas, uma vermelha e uma verde. E o filho, por educação, pega a verde e depois a mãe fala: “Que foi? Não gostou do vermelha?”
P/2- E você frequentava a casa dele e da Clarice, aqui em São Paulo?
R- Não frequentava. Quando eles estavam morando perto de mim antes, até 64, eu morava ao lado da Biblioteca Municipal, a biblioteca aqui e eles moravam aqui, então de vez em quando nos víamos. Mas quando ele mudou, ele muda lá para onde não sei onde é que era, essa casa eu não cheguei a frequentar.
P/1- Essa casa dele no Centro onde era, exatamente?
R - Tem o prédio do “Estadão”, não tem?
P/1- Sim.
R - Do lado de cá tinha um prédio de esquina que agora parece que é uma loja, é o segundo prédio, o segundo prédio de apartamentos que tinha ali, em frente ao “Estadão”.
P/1- Em frente ao “Estadão”, naquela rua contígua ao “Estadão”?
R- Não na rua, na própria avenida que vai até a Praça da Sé.
P/1- Sei.
R- Eu não sei o nome daquilo, se é continuação da [avenida] São Luis. Tem outro nome.
P/1- É a continuação da São Luis. Interessante.
R- Que é onde tem – teria que fuçar no arquivo da Clarice –; tem uma foto, que eu mandei para a Clarice, que é do dia do casamento deles, no apartamento, uma foto do Birri, do [Edgardo] Pallero e da mulher do Birri, comemorando. E a Clarice tinha dado para mim dois rolinhos de filme, que ela não sabia o que era, que eu mandei recuperar e mandei para ela, também não sei o que fim que ela deu: um era a festa de casamento do Vlado, alguns planos; e o outro filme, que eu não consegui identificar, era uma sequência de planos filmada em alguma favela, alguma coisa, eu não sei o que ele pretendia fazer com isso.
P/1- Como é que foi o casamento do Vlado?
R- Eu não estava em São Paulo, então eu não cheguei a frequentar.
P/2 - No que constituía esse trabalho na Cinemateca, essa frequentação na Cinemateca, desse grupo de pessoas? Que era a Lucila, o Jean-Claude, você, o Rudá, o Paulo Emílio, o Vlado. Quais eram as atividades que vocês faziam?
R- Olha, primeiro a gente tem que, talvez, situar geograficamente esse primeiro momento. O primeiro momento da Cinemateca se passa no antigo Museu de Arte Moderna, que era na [rua] Sete de Abril. Nessa época a Cinemateca não tinha um espaço, inclusive a primeira projeção do Farkas, dos quatro filmes, foi nessa tela do então Masp, na Sete de Abril. E tinha um cinema na Sete de Abril que eu esqueci o nome [Cine Coral], que era daquele cara, qual o nome dele? Esqueci o nome do cara, tinha algumas salas de cinema.
P/1- Severiano Ribeiro?
R- Não, era um nome italiano.
P/2- Era o Dom Vital, não?
R- Não, não. Depois eu vou lembrar. E na sobreloja [do Cine Coral] tinha a Sociedade Amigos da Cinemateca, então tinha uma frequentação da Sociedade Amigos da Cinemateca, você ia lá conversar com o Rudá e com as pessoas dele lá, e a frequentação. A partir do momento que eu não sei qual é o ano, mas tenho impressão que é 1963 ou 64, eles mudam para os quintais lá do Ibirapuera, que eram aqueles barracões. Lá você não tinha condições de projeção, você tinha condições de ter áreas de trabalho; tinha um espacinho para ter uma reunião, uma coisa qualquer, mas sala de projeção lá não tinha. E certas atividades que o Rudá conseguia programar, eu não lembro em quais cinemas, mas, enfim, eram coisas pontuais. Eu não diria que eu estive numa reunião em que o Paulo Emilio disse [isso ou aquilo]. Não, não aconteceu isso, mas sim situações de eu ir à Cinemateca por alguma razão, ou porque a Lucila vivia com a minha companheira, ou porque eu ia pedir informação sobre algum material, enfim, a Lucila trabalhava lá. Nesse momento o Vlado e o Capovilla já não estavam tão dentro, eles estavam mais próximos, nesse momento, da Sete de Abril. Considere também os vácuos da minha memória, tem que conferir as datas.
P/2- Era mais um lugar de encontro.
R- De encontro, é. Não tinha essa condição física que hoje tem a Cinemateca, você vai lá tem uma sala de projeção, as pessoas vão, isso é anos-luz do que [era]...
P/2- Você não estava ligado [na organização da] programação?
R- Não, não estava. Eu era um “by standard”.
P/1- Nesse momento, Sergio, há um recrudescimento da ditadura e tudo o mais, e você ainda mantinha suas relações com um partido clandestino?
R - Não, aí eu tenho que contar a minha história. Em 1953, que eu vim para São Paulo, através desse meu primo Bráulio Pedroso eu me aproximo da moçada do Partido Comunista. E ia haver, em 1954, coordenado pela União da Juventude Comunista, e não pelo partido, um encontro da juventude latino-americana. Esse meu primo me apresenta uma pessoa que era do partido, que estava organizando esse Festival da Juventude Latino-Americana. Então eu começo a trabalhar e com facilidade, por essa relação que eu tive com esse pessoal do cinema. E fui cuidar da parte de cinema. Tinha alguns filmes para serem exibidos e eu vou na então Cinemateca da Sete de Abril para conseguir fazer projeções. Quais filmes foram não lembro, sei que eram uns filmes. E tive assim um certo entrevero, que não chegou a um desentendimento, [com] uns conservadores. Um era chamado acho que Caio Scheiby, que ficou com medo da exposição, mas eu firmei um pouco o pé e consegui projetar. Então, por essa minha facilidade de ter entrada na situação, me convidam para ser membro da União da Juventude Comunista, em 1954. E, com esse meu trabalho, em 1955 me convidam para passar para o partido, e eu entro para o partido. Aí, em 1956, junto com outras pessoas, que depois eu digo o nome, rompemos, com a invasão da Hungria, com o Partido Comunista, mas não com o comunismo. E tinha o pai do Agildo Ribeiro, chamado Agildo Barata, também ele rompe com o Partido Comunista nessa época e decide fazer um movimento nacionalista, e várias pessoas que estavam no Partido Comunista decidem participar de uma reunião que ele propôs. Era num apartamento que tem ali na Avenida São Luis, na casa de quem, não lembro. Só vou citar alguns nomes que foram para essa reunião: Fernando Pedreira, foi jornalista do “Estadão” durante muitos anos; Renina Katz e um personagem chamado Fernando Henrique Cardoso. Foram para essa reunião. Romperam, mas não rompi, continuei meu diálogo com o Partido Comunista. Naquela época não tinha grupos de esquerda, não tinha VPR, não tinha ALN, não tinha porra nenhuma. Mas continuamos paralelos até 1964. E aí, em 64, é o golpe, o xeque-mate na esquerda que havia no momento, e ficamos todos mais ou menos órfãos. Mas eu comecei a me irritar demais, digamos assim, em não aceitar, então comecei a procurar, em paralelo ao trabalho que eu estava fazendo de cinema, alguma coisa. Bom, quando foi no início de 1967, passa por aqui um cineasta venezuelano chamado Carlos Rebolledo, que junto com o Pallero – que tinha vindo com o Birri, da Argentina – estão percorrendo o Brasil para convidar cineastas brasileiros para participarem do Primeiro Festival de Viña del Mar, em 1967. E alguns brasileiros, entre eles eu, fomos para Viña del Mar, antes passando por Buenos Aires, numas reuniões preparatórias. E fomos para Viña del Mar. E lá eu conheço, digamos assim, a grande maioria da geração de então do cinema latino-americano: vai [Fernando] Solanas, vai [Octavio] Getino, vai [Gerado] Vallejo, vai não sei quem, não sei quem, não sei quem... E entre eles um senhor chamado Alfredo Guevara, que era então diretor-presidente do ICAIC, que é o Instituto Cubano del Arte e Indústria Cinematograficos. Ele tinha sido fundador desse Instituto, em 1959. Como curiosidade, a lei que forma o ICAIC foi a segunda lei revolucionária do país: a primeira foi a lei da reforma agrária, a segunda foi a do cinema. Eu conheço esse senhor e, mutuamente, a América Latina se redescobre nesse encontro. Inclusive tem um livro importante do José Carlos Avellar, “A Ponte Clandestina”. Ele resume bem o que é, e fazendo um exagero de resumo, ele dizia “unidade na diversidade”. Você descobre que tem várias pessoas na América Latina que pensam numa forma mais ou menos diferente, mas que tinha alguma coisa que as unia, um eixo unitário no meio disso tudo. Enfim, estabeleço essa relação e esse homem me convidou: “Olha, você não quer conhecer o ICAIC?”. Eu falei: “Quem não quer?’. Você para ir à Cuba tinha que dar a volta ao mundo, era complicadíssimo para chegar lá. E lá conheci o cinema, pude conhecer. Desde então, até 1980 e tantos, se eu conheço o cinema latino-americano da época, é porque eu vi em Cuba. O que aconteceu? Mesmo a partir dos golpes todos que houve na América Latina, de uma forma geral, pelas condições e relações de amizade e correio, as pessoas mandavam cópias de seus filmes para lá. Havia filme chileno, filme argentino, filme uruguaio, filme peruano, que aqui não vimos chegar. Então, foi uma imersão de cinema latino-americano que eu pude ver. E em 1968, não sei o mês também, mas deve ser lá pela metade do ano, a UNESCO decide fazer um grande encontro sobre cinema latino-americano na ECA [Escola de Comunicações e Artes da USP], patrocinado pela UNESCO e, apesar de, desde então, o Brasil não ter relações com Cuba, eles são obrigados a dar um visto de entrada para esse Alfredo Guevara, que vem participar desse encontro. E quando ele veio para São Paulo, fui eu que o levei e trouxe para muitos lugares. E, sim, primeiro se encanta com duas coisas: a primeira coisa que ele se encanta é com a música “Soy Loco Por Ti, America” [de Gilberto Gil e José Carlos Capinam]. Ficou fascinado. E queria conhecer como é que era a história daquele movimento estudantil que estava bombando em todos os sentidos. E eu consegui, então, como eu tinha participado dessas ocupações, fazia parte do grupo de apoio da invasão da faculdade, eu tinha feito o primeiro ano da faculdade e deixei, e consigo coordenar de tal maneira que eu levo o José Dirceu, um dos líderes do momento daquele movimento, para conhecer [Alfredo Guevara]. E vamos na casa de um professor, o professor Octavio Ianni, e tem mais uma ou duas pessoas que eu não lembro quem são. Vamos dizer assim, eu estabeleço um outro vínculo de relação com os cubanos. E, quando eu volto para lá no final de 1968, eu falo: “Olha, está uma merda esse Brasil em que eu estou vivendo; o que eu puder ajudar indiretamente os movimentos daqui, eu ajudo, não sei o que eu posso fazer”. Então, eu começo [a ajudar]. “Como é que eu faço para conseguir passaporte?”, “como é que eu faço para conseguir visto?”, “tem facilidade de alugar?”. Eram informações assim que eu mandava por terceiras vias. Falei: “Enquanto estiver essa merda no Brasil...”. Não sei para quem que eles davam, se era A, B ou C, mas eram coisas práticas. Então, essa minha aproximação foi com isso até sempre.
P/1 - E nesse período você estava residindo lá, morou?
R- Não, não, não. Só fui morar em Cuba em 1986. Só que nessa época eu ia com frequência; a cada ano, ano e meio, eu ia para Cuba. Desde 1967, a primeira vez que eu vou, vou em 68, vou em 70, vou em 71, até 1979 fui várias vezes. Em 1979 tem o primeiro Festival de Havana que consegue se realizar. Por quê? Apesar de Cuba não ter relações diplomáticas com nenhum país, salvo o México e, mesmo assim, quando você entrava e saía do México, carimbava no seu passaporte “entrou em Cuba”, “saiu de Cuba”, apesar de não ter relações, quase todos os países latino-americanos tinham filmes presentes nessa primeira mostra. Graças ao quê? A um grupo que se forma a partir do Festival de Viña del Mar, de 1967, Merida, em 68 e novamente Viña, em 69, eles formam um negócio chamado Comitê de Cineastas da América Latina que, naquele momento, pensava em tentar difundir a produção latino-americana na América Latina. Consegue episodicamente aqui, primeiro na Argentina, depois no Uruguai, mas depois se transformou numa caixa de ressonância política: [Fernando] Solanas é emigrado, fulano foi assassinado e tal. Mas esse comitê foi importante para que, em 1979, vários filmes estivessem lá [em Havana] graças a esse comitê. Bom, em 79 me convidam [e não fui]. Recusei os convites em 1980, 81, 82, 83, 84, quando em 85 eu falei: “Se eu não for este ano, nunca mais me convidam”. Aconteceu que nesse meio de tempo eu tive um drama familiar, minha mulher teve que fazer um transplante de rim, foi uma epopeia. Tudo isso mexeu com a minha vida pessoal, econômica, mas em 1985 eu fui ao Festival de Havana e revi pessoas que faziam mais de cinco anos que eu não via, alguns tinham sumido etc. e tal. E uma dessas pessoas que participa, que era então diretor-presidente do ICAIC, que não era mais o Alfredo Guevara, era quem? Aí outra remissão: 1950, vão fazer a formação na Itália, um grupo no Centro Experimental de Cinema. O grupo quem era? Gabriel García Márquez, Fernando Birri, Tomás Gutiérrez Alea, famoso diretor cubano, Julio García Espinosa, outro cara importante, e Rudá de Andrade. Eram cinco amigos, mantiveram essa relação, e o Julio estava então na posição de contar o que estava acontecendo. Ele falou: “Olha, no final desse Festival...” Tinha sido criado naquele ano uma fundação de cinema na América Latina, chamada Fundación del Nuevo Cine Latinoamericano. É uma fundação de direito privado que não pertence ao Estado cubano, uma fundação como qualquer outra, sobre cinema. E estavam decidindo ainda quem ia ser o presidente, e havia uma proposta que estava sendo levantada desde 1967, se valia a pena e tinha condições de fazer uma escola de cinema e com isso: “Pode ser que, quem sabe pode ser, mas não comente com ninguém”. Eu fui de índio, não tinha nem filme, nem nada, fui lá de puro espectador. Na sessão de encerramento, quem aparece para fazer o discurso de encerramento é o Fidel [Castro]. Ele conta: “Me contaram agora no corredor que tem essa história de uma tal escola de cinema para a América Latina e o Caribe, eu acho ótimo. A única crítica que eu faço é que deve ser também para a África e para a Ásia”. Aplausos, falou só 45 minutos, fechou. Falei: “Bom, na minha cabeça subdesenvolvida, o que vai acontecer? Estamos em 85, final de 86 vai ter uma maquete, no final de 87 começa a construção, no final de 88 termina a construção e em 89 inaugura essa porra de escola”. Só que não foi assim. Aí me contaram a história, aí que eu entro de bicão de novo, por quê? Qual é a história? Quem ia ser o diretor presidente da Fundação? Então o Fidel fala: “Ah, vamos convidar o García Márquez”. O Fidel tinha relações íntimas, naquela época, com o García Márquez, ficava cinco a seis meses por ano escrevendo em Havana: “Vamos convidar o García Márquez para presidente”. E o García Márquez aceita. Ele fala: “E para a Escola de Cinema?” Essa é a história que me contaram depois, não que eu soube na época. O García Márquez fala: “Olha, no primeiro momento eu prefiro convidar uma pessoa da minha confiança, se essa pessoa não aceitar, eu indicaria outro”. Ele convida quem? O [Fernando] Birri. Por quê? O Birri estava terminando de montar uma produção em Cuba, baseado num conto do García Márquez chamado “Um senhor muito velho com umas asas enormes”. Ele ia começar em março, abril daquele ano. Me convida para ser diretor da escola. E como é que vai ser a escola? O Birri falou :“Olha, num primeiro momento, eu vou convidar para diretor administrativo, docente e de produção, três pessoas de minha confiança, se não aceitarem...”. E nisso que ele me indica pra ser diretor docente. Nessas viagens todas que eu fiz de 1967 em diante, eu sempre passei pela Europa de alguma maneira, e ia visitar o Birri. Então, eu mantinha minha relação constante, não só por visita, mas por carta. E ele vive um drama, aqui outro parêntese: ele começa a filmar em 67, 68, 70, um filme que ele demora onze anos para fazer, chamado “Org”. Resumindo, seria um filme do ‘cosmonismo’. O filme, vamos dizer assim, é um desenlace de uma epopeia enlouquecida da vida dele naqueles onze anos. Dizer loucura é pouco, mas loucura criativa. Mas, enfim, aí que eu entro no samba. Então, quer dizer, como continuei frequentando Cuba e algumas vezes que eu fui antes de 79, visitando, cheguei a visitar o Dirceu e outras pessoas, mas sempre na retaguarda, nunca tive, nunca pertenci a nenhuma organização e nunca participei em nenhum assalto, se bem que podia ter feito, escapei por pouco.
P/2- Nem foi filiado ao Partido?
R- Não, nesse momento não tinha filiação nenhuma.
P/2- E a sua produção fílmica?
R- Eu vivia uma vida dupla. Era cineasta e, ao mesmo tempo, de vez em quando, eu tentava ajudar. Quer dizer, em termos cronológicos é assim, vamos dizer: em 1965 eu faço o meu primeiro curta, 1966 tinha uma jogada que entra Paulo Emílio [Sales Gomes], Maria Isaura [Pereira Queiroz], Instituto de Estudos Brasileiros, que fundaram um grupo chamado Departamento de Filmes Etnográficos, que era um nome fantasia, e me nomearam diretor desse departamento. Nunca teve nomeação nenhuma, nunca recebi salário, mas pudemos colocar umas brechas do Instituto, que facilitou algumas coisas da produção do Geraldo Sarno e, depois em 67, participou de um projeto da Maria Isaura, junto com a Fapesp, de um documentário que eu venho fazer na Bahia em 67. Nesse meio de tempo juntou um pouco o IEB com o Geraldo Sarno e o Instituto de Zoologia para fazer um filme para o [Paulo] Vanzolini, sobre um projeto de zoologia do Vanzolini. Era para o Geraldo dirigir, ele não pôde e eu acabei dirigindo. Então são “Roda”, “Projeto Ilha Grande” e “O Povo do Velho Pedro”, de 1967, “Santa Brígida, Bahia”; e, intercalando entre 66 e 67, faço como diretor de produção de uma série coproduzida pelo Farkas, com um francês, para a televisão francesa; em 68 faço uma parte, junto com a Ana Carolina, ficamos seis meses lendo livros sobre o Nordeste, cultura popular, não sei o que, para fornecer informação para o que poderia ser a tal série de 1969, da segunda etapa do filme do Farkas. Aí participo dessa segunda etapa, saímos em abril de 69 com o compromisso de voltar em julho com dez documentários prontos. Dirigindo os filmes éramos eu, Geraldo [Sarno] e Paulo Gil [Soares], esses três. Íamos fazer o total de dez filmes, voltamos com dezenove filmes, fomos descobrindo no meio do caminho, depois eu conto como é que em vez de um, eu fiz dois. Aí faço a direção de produção de uma grande parte e faço a direção de dois filmes. Aí encerra 69, 70. Nesse meio de tempo, eu tinha participado de uma produtora chamada Blimp Filmes, fiz um ou dois “Globo Repórter”. Fico de 70, 70 e poucos na tal Blimp Filmes. No final das contas, entre 76 e 80, eu faço, ou em coprodução com o Farkas ou com dinheiro de um concurso que nós participamos, quatro filmes. Um era sobre o armazém de catação de café em Santos, outro sobre o provador de café, depois o outro sobre cuíca e outro sobre berimbau. Aí quando é 78, participo de outro concurso da Embrafilme, ganhei o concurso com uma proposta minha, que era fazer uma série sobre migrações, e faço o piloto sobre migração italiana. Aí chega 80, volto a fazer publicidade para ganhar dinheiro, entro numa crise complicada, fico de 80 até 84 trabalhando em publicidade em uma produtora de amigos. Em 85 eu fico um ano na Cinemateca como diretor administrativo e, a partir de 85, eu vou para Cuba. Quando eu volto, em 88, do final de 88 até 92, eu fico trabalhando com Marilena Chauí na Secretaria de Cultura, na gestão da [prefeita Luiza] Erundina. O que mais? Aí, em 93 é o ano mais negro da história da minha vida, em que a minha mulher teve uma complicação de coluna, um drama: ela falece em outubro de 93, ela falece em 93. Eu fico de janeiro a dezembro de 93 sem um dia de trabalho, então, imagina! Aí, por relações, eu consigo... quem trabalhava na Secretaria de Cultura era o Ricardo Ohtake, eu fazia alguns projetos no MIS de gravação de entrevistas. Era pegando o pessoal que, de alguma forma, trabalhou com cinema ou com dramaturgia, para falar sobre seu trabalho. Por exemplo: o fotógrafo de “Deus e o Diabo Na Terra Do Sol”, o Waldemar Lima e veio contar como é o trabalho dele. Como naquela época estavam saindo os primeiros exercícios da Escola de Cinema, [trouxe] pessoas que tinham conhecido aqueles exercícios [para] fazer uma análise crítica daqueles filmes. Enfim, dura uns três, quatro anos.
P/2 - Que escola de filmes?
R- De Cinema de Cuba. E aí depois, de 1995 até 2000, eu fico como assessor de cinema do Memorial [da América Latina], e de lá para cá tenho sobrevivido. Então eu vou contar o filme do “Presunto Legal”. Então em 70, acontece essa situação.
P/2- Em 70 quando o Vlado volta para São Paulo?
R- Não, em 70 o Vlado já está no Brasil. Eu fui para o Teatro São Pedro. Então, naquele momento, estávamos apresentando duas peças. A peça do Teatro São Pedro, produzido pelo Mauricio Segall, era baseada numa peça do Peter Weiss, um alemão, chamado “O Interrogatório”, que era o julgamento de ex-funcionários de campos de extermínio nazista. Ao mesmo tempo que o Arena estava lançando uma versão brasileira da peça do Brecht, “A resistível ascensão de Arturo Ui”. E então eu comecei a trabalhar no Museu, eu comecei a filtrar as primeiras informações de tortura, entre elas que o Maurício estava sendo torturado, muito torturado, o Maurício Segall. Então eu estabeleci um nexo entre aquele material que eu estava levantando do Esquadrão da Morte, as pessoas que estavam torturando eram as pessoas do Esquadrão da Morte, o Fleury e companhia. Então, a minha reflexão naquele momento é que o Esquadrão da Morte estava servindo de balão de ensaio, enquanto o governo se preparava para dar a grande virada posterior, que veio com a repressão massiva. Então, eu filmei fragmentos das duas peças, alguma coisa de rua, pichações, juntei esse material, consegui fazer uma transcrição do som através de amigos do Rio de Janeiro, enfim, esse material ficou aí. Em 1973 eu consegui condições, através de um grupo de amigos, de ir montar esse filme na França, em segurança. Quatro amigos, seis meses, cada um, deu mil e pouca coisa de dólares, naquela época era um dinheiro, e eu fui montar na França. Montei na França, a parte de som eu consegui mais ou menos terminar na Itália com ajuda do Birri, num estúdio de som, e, por carta, mandei para uma cubana que eu conhecia, que era montadora: “Fulana, quero corte em tal lugar para acontecer isso e montar assim”. Recado a distancia para a edição. Em 74 , quando eu volto e passo por Cuba, me entregam um rolinho de quarenta, cinquenta minutos: “Está aqui o filme, é seu. A única sugestão que nós fazemos é que você não exiba nesse momento no Brasil, porque você e essas pessoas que estão no filme podem correr risco de segurança”. Eu fiquei chateado, mas hoje em dia reconheço que tinham toda razão, porque, quem aparece no filme? Aparece como personagem o Othon Bastos, aparece o [Gianfrancesco] Guarnieri [e outros]. Eu falei: “Um dia antes de morrer, eu deposito no baú de águas passadas em alguma Cinemateca e seja o que Deus quiser”. Só que aí, em 2003, fiquei viúvo, depois casei de novo, e minha então companheira era professora na Unesp de Araraquara e decidiu fazer um seminário sobre cinema e televisão durante a ditadura militar, e falou que passou o filme do Roberto Farias, o “Pra Frente, Brasil” e outros filmes. “Tem que exibir!’. Eu falei: “Eu não posso exibir, é uma merda o filme, está cheio de erros”. Tinha vários problemas. Quando eu filmei, nunca pensei em televisão. Quando você reduz para televisão, já perde vinte por cento, várias trucagens não tinham sido feitas. O resultado foi que, principalmente do ponto de vista acadêmico, [ela insistiu]: “Não, é importante, você tem que [exibir], é importante”. Falei: “E agora, como é que eu faço?”. [Isso era] 2003. Aí eu sabia que os negativos estavam em Cuba, na Cinemateca de Cuba, e como é que eu faço para localizar esses negativos? Me lembrei que, na época, tinham me contado: “Por questão de segurança, seu filme vai ser guardado com outro nome”. Só que as pessoas que tinham feito isso já tinham morrido ou ido embora, qual é a porra do nome do filme? Aí depois, um dia, sabe essa coisa chamado insight coisa? Me lembrei que o filme chama-se “Você Também Pode Dar Um Presunto Legal”. Lembrei que no rolinho de filme, marcado com lápis dermatográfico, esse lápis, enfim, que você escreve e fica branco na película, estava escrito “El regalo”. “Regalo” é presente. E era. Consegui localizar, através das minhas relações e das relações internacionais do ICAIC. Uma amiga minha que foi lá localizou e falou: “Olha, o seu negativo está aqui, separado em três rolos, o rolo 1 e o rolo 3 sem problemas, o rolo 2 está impraticável”. Eu falei: “Não tenho dinheiro, então vai esse aí”. O que eu fiz? Quando eu recebi a cópia película, por segurança eu fiz uma cópia VHS para guardar, só que eu perdi a cópia 16 mm, então eu [pensei]: vou remontar a partir da cópia VHS que eu tenho. Foi aí que eu remontei o filme. E esse filme, felizmente, ganhou vida própria. O que eu fiz? Remontei, tirei o que realmente não dava para ler, enfim, mantive a edição original, ficou com menos quatro ou cinco minutos, uma coisa assim. E até hoje – aqui não tem madeira, mas eu bato – eu tenho medo de ter problemas de direitos autorais. Por quê? Tem fragmentos da peça do Peter Weiss, fragmentos da peça do Brecht, várias canções de tudo que é tipo: “Tropicália”, Gil, Caetano, Bethânia, a família toda. Então, o que eu fiz? Quando eu copiava em casa, no meu computador, no estojo eu punha assim: “Este filme pode ser exibido e copiado, desde que gratuitamente”. E sempre mandava o histórico junto: se, após alguma projeção, me puderem mandar o retorno de quantas pessoas, para eu poder... e aconteceu. Essa coisa de poder fazer uma cópia, eu tive notícia de quartas ou quintas gerações de cópias de cópias de cópias, o que foi uma surpresa, porque além de ter isso, episodicamente, o que aconteceu? Uma pesquisadora daquele museu de Madri, o Reina Sofia, Monica Carvalles, não sei como descobriu o filme e estava fazendo um trabalho sobre cinema documentário durante as ditaduras da América Latina e descobriu esse filme. Arrumou um jeito de pôr subtítulos eletrônicos, não sei de que jeito, e ela pôs esse filme numa Bienal de Valencia e depois numa Bienal no Chile. Daí começou a ter uma vida. Eu diria que até 2013, no máximo até 2013, eu fui recebendo assim: “Ah, seu filme foi visto em tal lugar”. Até aquele momento umas quinze mil pessoas já tinham visto o filme. Então, de lá para cá, até hoje, quando foi? O final da gestão do Haddad é dois anos quase, não é? Me convidaram para ir ao CEU de Perus. “Vai ser feita uma atividade lá com relação aquelas covas [de desaparecidos políticos] que abriram lá [no cemitério de Perus], que desenterraram...”. E eu fui, apresentar, conversar. E o cara que era da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura falou: “Tenho usado muito o seu filme”. Quer dizer, o filme...
P/1- A obra transcendeu o autor.
R- É. Eu acho ótimo.
P/1- Claro.
R- Uma maravilha. A melhor cópia é crítica.
P/1- Sem dúvida. Sérgio, onde é que você estava no dia 25 de outubro de 1975?
R- 25 de outubro de 1975? Eu estava em São Paulo. Eu recebi um telefonema, eu não me lembro de quem. Quem foi que me telefonou? Alguém me telefonou dizendo: “Olha, o Vlado foi preso e pelo jeito foi morto”. Aí eu comecei a telefonar para várias pessoas amigas. “Pegaram o Vlado e acabaram com ele.” E ficamos na retranca, não se sabia quem ia junto, porque nesse momento a gente não estava próximo dele, estava próximo era o [George] Duque Estrada, o [Rodolfo] Konder, o Serjão [Sergio Gomes].
P/1- E vieram os desdobramentos disso. Como é que você vivenciou esse período?
R- Acompanhei. Quer dizer: não fui visitar a família do Vlado na época, participei daquela atividade, a missa lá na catedral [da Sé], mas não tive maior proximidade com quem estava organizando as manifestações. Outubro de 1975, deixa eu ver. Eu estava saindo também de um período de vacas magras. Nesse momento eu não estava fazendo nada. Não estava próximo.
P/1- E que análise vocês faziam, você e seu grupo de amigos na época, dessa situação? Como é que vocês interpretavam o assassinato e o que poderia vir adiante?
R- Eu não sou nem político, nem tenho tanta profundidade assim, mas, de qualquer maneira, eu sentia que a repressão estava chegando num auge que era do tipo “dá ou desce”, quer dizer, chegou um momento que daqui só pode piorar. Acho que o medo que esse terror se espalhasse... Na verdade, até 1975 eliminaram o pessoal da luta armada, agora vão eliminar o pessoal da luta não armada. Estava claro que isso aí era um projeto, não era ocasional. Então vamos ver para quem que vai sobrar. Muita gente ficou com medo. Eu me lembro de em 64, muito em 68 principalmente, eu, burramente, destruí praticamente toda a minha cópia de correspondência, então tinha carta com o Vlado, tinha carta com o Ivens, talvez se a Naara [Fontineli] fuçar o arquivo do Ivens lá na Fundação, tem a cópia da carta dele. Mas eu acabei com a minha memória. A sensação que a gente sentia era que o medo estava vindo para pior, a conversa que a gente tinha era de muito pessimismo, muito pessimismo.
P/1- É. De fato o ar não devia ser muito fácil de respirar, na época.
R- Era aquela coisa assim: se você via um Chevrolet C14 passando, você já punha um passo para trás, sabia que era o carro de preferência da repressão.
P/1- Um C14.
P/1- Sergio, que importância você atribui à existência de uma entidade como o Instituto Vladimir Herzog, a sua criação, o seu trabalho? Como é que você avalia a necessidade de sua existência? Por que um Instituto Vladimir Herzog?
R- Primeiro, eu admiro a persistência do Ivo [Herzog], porque essa história do Instituto não começou agora, começou num momento bem atrás. Não é que hoje as coisas estão mais difíceis, hoje as coisas estão mais claras. E a importância, eu acho que é um dos poucos... Existem alguns movimentos de discussão de direitos humanos, acho que tem um pessoal do Rio, muito ligado àquela Vera Vital Brasil, que eu acho que desenvolve um trabalho interessante. Tem, enfim, essa necessidade de tentar não perder essa memória, não só não perder, mas como passar adiante a memória do que foi isso. Quer dizer: não é só porque mataram o Vlado. Mataram o Vlado por que, em quais condições? Tanto assim que quando eu exibia esse filme recentemente, quando eu chegava e exibia esse “Presunto...” para a plateia, eu dizia: “Na época em que esse filme foi feito, esse filme é dedicado aos companheiros que na Argélia, no Vietnã e no Brasil lutam... Hoje em dia esse filme serve para vocês saberem que naquela época teve tortura”. Eu tenho uma figura que me ajuda, não a explicar, mas pelo menos aceitar um pouco a situação, que diz o seguinte: “Se eu fosse um alemão que em 1945 nasceu, certamente a minha visão do que foi a época da guerra é outra. Agora, se eu fosse um alemão que, em 45, já era adulto, não dá para esquecer, certas coisas não dão para esquecer”. Quer dizer: quando tem essas coisas de 1975, a gente era adulto: eu não posso aceitar que se esqueça esse momento. E cada vez que eu penso, não é todo dia, mas quando eu penso no ponto de vista assim de resgatar, é uma certa dor – e essa é a importância desse Instituto: não permitir que a memória desapareça. Fico imaginando se eu teria tanto fôlego quanto o Ivo tem.
P/1- É, tem também aí uma cena, um fator importante que é a indignação da Clarice no sentido de processar o Estado, de levar essa luta jurídica pelos meios legais que certamente deve ter sido desgastante, mas ela conseguiu.
R- É a saga daquela peça do Brecht, que a matriarca defende a família inteira. Aí já é outra história. Quer dizer: é uma história que corre junto. A Clarice é uma... não tem palavras para descrever a coragem dela. Algum tempo atrás, brincando, um amigo falou assim: “Sabe, essa história de pessimista e otimista é bobagem, por que o que é um otimista? É um pessimista mal informado”. E eu falei: “Olha, então eu prefiro ficar com a definição do Ariano Suassuna, ele falou: ‘Não acredito nem em pessimista, nem em otimista. Eu sou um realista esperançoso’”. É um pouco por aí. E, para mim, eu defino três etapas dos últimos anos da minha vida com três “hasta”. “Hasta” é “até”, em espanhol. Se fosse os anos 60, eu diria: “Hasta la victoria, siempre”, sem nenhum problema. A partir dos anos 90 para cá, eu tenho terminado os meus textos assim: “Hasta manãna siempre, espero yo”. E, ultimamente, eu tenho escrito assim: “Hasta...?”. Quer dizer: eu me sinto pisando em ovos, num mar revolto, num tiroteio em que eu sou um cego. Eu me sinto, realmente, não diria pior, mas nessa situação dos anos 60, nessa época dos anos de chumbo. Eu falo: “E agora? Para que lado, não é o que o vento sopra, para que lado eu tenho que olhar?”. Porque o que está acontecendo não é obra do acaso, não é assim. O que está acontecendo conosco, hoje em dia, não é que de repente mudou de outubro [de 2018] para cá. Isso vem sendo montado há anos, é uma estrutura que não foi montada agora. Quando esse “Bostonaro” fala, fala bobagem, mas tem uma inteligência atrás disso, que atinge um público especifico muito certamente, muito precisamente, não é de graça.
P/1- Tem método essa loucura.
R- Não é um método dele, ele está sendo ensinado a, aproveitando o histrionismo dele, claro. Quem pensa e reflete sobre o que pode acontecer usando esse histrionismo é que está... Só de falar eu me sinto mal, sabe?
P/1- OK. Tem alguma coisa que você gostaria de ter dito e não disse, que a gente não te estimulou a dizer?
R- Que eu gostaria de ter dito? Como diria um amigo meu argentino: um cineasta latino-americano, em geral, deveria ser mais conhecido pelos filmes que não fez, do que pelos filmes que fez. Quer dizer: tem muita coisa que talvez ficou no meio do caminho e eu gostaria de ter feito e, finalmente, eu não vou ter tempo nem de pensar hoje. Eu não tenho a sutileza ou o maneirismo de frequentar os chamados corredores do poder. Tive a boa sorte, mas também é o problema: nunca tive que entrar num edital da Ancine, que você tem que provar que é isso e aquilo. Trabalhei com um grande produtor generoso que foi o [Thomaz] Farkas, e com ele muitas vezes fui funcionário, como técnico, muitas vezes fui coprodutor em alguns filmes, mas nunca cheguei a dizer “fulano, empresa tal, CPF, qual o texto...”, tudo isso não tive que fazer. E eu não consigo entender, e acho, também – aí é uma crítica pessoal e ideológica – que as chamadas entidades de classe a que eu pertenci e algumas que eu ajudei a criar, estão muito preocupadas com como você faz para pegar dinheiro e não numa proposta cultural para o cinema. Então, nessa discussão não sei entrar. Saí das entidades para não prejudicar as entidades. Lei de incentivo, tudo bem, mas como é, está certo do jeito que está? Eu sempre brinco com a hipótese do exagero. Vamos dizer: eu pego um filme, consigo ganhar o certificado da Ancine para recolher recursos e vou nas empresas. Aí a empresa X me dá um milhão, digamos. Então essa empresa deixou de pagar para o imposto de renda, e põe no filme. Vamos sugerir a hipótese, que nunca aconteceu até agora, que esse filme dá um puta lucro, portanto você vai reaver esse dinheiro. Esse dinheiro volta para quem? Para o produtor, não volta para o Estado. Quer dizer: o dinheiro deveria voltar para o Estado, não para o produtor.
P/1- Para financiar outras coisas.
R- Isso eu não entendo. Logo que começou a lei de incentivos, o fornecedor sabia que você estava com esse incentivo e o seu preço aumentava de vinte a trinta por cento, porque ele sabia que tinha um intermediário no meio e ganhava dez por cento. Agora o intermediário no meio, entre um projeto de cem mil dólares e um projeto de dois milhões, eu quero o projeto de dois milhões, que eu vou ganhar dez por cento sobre dois milhões. Então há uma distorção nesse meio do caminho e muita coisa também: faz o filme, exibe, e aí é uma divagação minha: quer outro exemplo de como o dinheiro podia ser poupado? Parece que no Brasil tem duzentos e tantos festivais, cento e cinquenta, enfim, vamos pôr cem para ficar ali, mas é muito mais do que cem, cento e cinquenta, cento e setenta. E tem um grupo de pessoas, que eu não vou citar, que frequenta esses festivais sistematicamente, pra aqui, pra lá, o grupo passa o ano inteiro pingando. Esse ano inteiro eles viajaram de avião, pago por quem? Pelo Estado, que ele financiou aquele festival. Eu achava que a milhagem que eles ganhavam devia ir para o governo, não para quem está viajando. Não foi ele que pagou a viagem? Está certo? Mas isso é uma quimera minha. De qualquer maneira, é um exemplo de como certas coisas eu não consigo engolir.
P/1- Está certo. Mantém a sua capacidade de indignação.
R- Não chega a ser indignação, é mais saco cheio, sabe?
P/1- De todo modo, não existe notícia de chuva que não tenha passado.
R- É. O pior foi o dilúvio e a humanidade sobreviveu.
P/1- Sergio, quais são os seus sonhos?
R- O meu sonho é ficar velho e não dar trabalho para os outros. Eu já estou com 84 anos, um dia eu espero que vocês cheguem e ultrapassem. Mas é que você começa a enfrentar limitações que são inevitáveis. Eu nunca fui de fazer esportes. Então, primeiro não dar trabalho para terceiros. Quer dizer: se é que é pá-pum e não ficar todo torto de Parkinson, o que for. Aliás, se me permitem um momento de humor, vou fazer dois momentos de humor. Sabem quais são os dois sintomas de Alzheimer? O primeiro sintoma: o cara faz xixi e esquece de fechar o zíper; o segundo sintoma: o cara faz xixi e esquece de abrir o zíper. E o outro é... o que você prefere? São piadas que me chegam com pessoas de idade, que vão me contando: “O que você prefere: ter Alzheimer ou Parkinson?” Ele fala: “Alzheimer”. “Mas, por quê?” “Alzheimer, você vai num bar, bebe todas, esquece, vai embora e não paga a conta. Um cara com Parkinson vai num bar, ele quebra tudo e ainda tem que pagar tudo”. Enfim, não querer dar esse trabalho, entendeu? Quer dizer: não é ficar dependente, que os outros tenham que se ocupar de você por coisas triviais, que é ir ao banheiro, fazer xixi, pôr fralda, falar, não falar coisa com coisa. Há pouco tempo tive uma experiência pessoal, que um documentário meu serviu lá na Bolsa de Café de Santos, que é um museu, para uma exposição sobre armazém de catação de café. Então eu fui e aproveitei para visitar uma prima que eu não via há trinta anos, que é um ano mais velha que eu, que eu sabia que estava hospitalizada em casa, numa cama, entubada. E fui visitá-la. E aí chego lá, ela me reconheceu, assim, ficamos de mãos dadas, fiquei falando com o marido aqui e tal. E ela tinha certas ausências. Aí eu comecei a contar para o marido dela: “Ela morou numa casa assim, assim, tinha seis casas, uma casa, lalala, na rua tal”. Ela falou: “Trezentos e vinte e cinco”. Ela lembrou do número da porra da rua em que ela morava quando era criança. Ela está entubada: “Eu estou com uma gripe passageira”. Entubada até a alma... Então eu não quero, espero não dar esse tipo de trabalho. Isso é meu sonho. Em termos de sonho cinematográfico, eu queria fazer dois documentários ainda. Um sobre um tema que as pessoas têm dificuldade de discutir, que é sobre a morte. E o outro é sobre um amigo meu, um pintor, que teve uma história curiosa de vida. Alguns anos atrás, teve um problema na vista e ele perdeu a diferenciação de cores. Eu queria fazer um documentário sobre isso, como é que ele – se é que ele continua pintando – enfrenta. Mas isso vai ficar para as calendas mais que gregas.
P/1- Roteiriza isso, então, pelo menos.
R- Falando grosseiramente: ficar contando com o ovo no cu da perua, eu prefiro não contar.
P/1- Algo mais?
P/2- Eu gostei muito de te ouvir, eu acho que você tem uma história de vida completa. Às vezes eu fico tentando entender a sua relação com a cidade de Santos, como cineasta. Tem alguma coisa que eu não perguntei?
R- Então, é o seguinte: quando eu morava em Santos, talvez já com problema, com dificuldade com relação [à cidade, eu pensava]: “Quando eu fizer dezoito anos e um dia, eu saio daqui”. Porque, entre outras coisas, eu não via em Santos as fantasias que eu estava vendo em São Paulo. Por exemplo, eu vinha a São Paulo uma vez por mês e ia a quatro, cinco cinemas num dia, era uma fantasia que era uma cidade melhor. Aí consegui entrar num acordo com a família, então eu saí de Santos, mas continuei na família, morando na casa de uma tia. Fui desenvolvendo e, com isso, eu praticamente me distanciei de Santos, das relações familiares etc. Incluindo essa prima que eu fui visitar, velha e tal. Por um lado, acho que talvez por um desleixo meu, por outro lado por eu achar que não tinha o que conversar em Santos, porque essa parte da família eu estava vendo que estava entrando num diapasão bem conservador – essa prima com a igreja católica tradicional. E depois eu brincava muito. Quando começaram a ter chapas [de veículos] com letras, lembra?, a de Santos era WC, eu falei “Pode [existir] uma cidade com essas letras, WC?” Era uma gozação pessoal. Então, eu me distanciei. Quando foi, acho que uns cinco ou seis anos atrás, tinha um irmão do meu pai, que era o mais jovem de todos, que era o único que estava vivo na época, que eu falei “eu vou entrevistar esse tio” – ele gostava muito de mim, [é] o [tal de quem] eu me perdi na praia – e ver se consigo, com ele, resgatar um pouco justamente da memória da família da parte dele. Não deu muito certo, mas foi bom porque eu percebi que a nossa relação, mesmo nessa distância que nós vivemos, nossa relação tinha permanecido próxima, do ponto de vista afetivo, o que não aconteceu com as primas. Então, a minha relação com Santos foi um pouco esse interregno entre eu querer sair, achando que... Se bem que eu não posso reclamar: eu tive problemas de saúde na adolescência, de desenvolvimento de tireóide, fui tratar, desmaiei na rua, enfim, um troço desagradável, mas não tive maiores problemas. Nunca fui um bom aluno, cheguei a repetir um ano, mas também andava muito de bicicleta, ia para a praia, passava o fim de semana não sei onde, enfim, a chamada cuca fresca estava aí. Então, essa minha relação com Santos, talvez tenha sido possível repensá-la a partir dessa viagem recente em que eu fui visitar essa prima, aí realmente eu identifiquei com esse tipo... Eu respeito o carinho que eu tenho pelo passado que eu tive com eles. Mas o irmão dela, que nasceu uns anos depois, que ele estava na internet, por acaso no Facebook, de vez em quando eu tenho vontade de cancelar, porque é um negócio de... ser mais conservador é até um elogio. Eu não tenho que ver, não tinha que ver.
P/1- O que você achou de ter dado esse depoimento, como é que você se sentiu?
R- Me ajudou às vezes para me reconhecer, porque muitas coisas, conforme eu vou falando, eu vou revendo, e às vezes reaparece alguma informação. Assim como eu citei a parada de Sete de Setembro que eu ia de bicicleta. Eu lembrei, mas não falei: na época o meu pai tinha uma criação de pombos e no Sete de Setembro ele soltava pombos. Ele soltava na parada e voltava para casa. E aí tem uma fabulação minha, pode ser uma fabulação: meu pai foi integralista e ele nunca me uma frase: “Olha, meu filho, eu estive na Marcha dos Integralistas de 1937 no Rio de Janeiro, eu fiz isso”. Não, não houve essa conversa, mas sei que ele esteve na famosa Marcha dos Integralistas em 37, contra o Getúlio [Vargas], ele estava lá e contava que o trem em que eles iam do Rio para São Paulo foi sabotado, descarrilharam. E soube também que, durante muitos anos, ele guardou em casa os documentos da Ação Integralista e no móvel, que era um chapeleiro, tinha espetado o “pin” da Ação Integralista. Isso eu me lembrei agora, enfim. Então, depois, vem a fabulação: pombo-correio, para mim, era a comunicação. Eu acho que meu pai tinha uma comunicação com os outros integralistas com pombo. Entendeu? Mas aí é fabulação minha, não tenho comprovante nenhum. Por exemplo: quando eu vim para São Paulo ele tentou me aproximar da Juventude Integralista e uma pessoa com que ele se aproxima, veja você, quem era? Almeida Sales. Almeida Sales era um crítico de cinema muito importante que foi membro do movimento integralista, que depois virou uma pessoa importante na discussão do Cinema Novo brasileiro. Enfim, isso aí eu tinha sepultado. Então é bom. Quer dizer: em vez de fazer uma terapia, eu não paguei nada. E tem alguma coisa que talvez você possa pesquisar mais, a Nara tem também muita informação. Ela fez uma longa entrevista.
P/2- Essa questão do documentário social, que ela chama, você tinha dimensão do que queria dizer no período?
R- Não, na época. Tem um texto meu publicado naquela revista “Mirante das Artes”, do [Pietro Maria] Bardi, em que eu faço uma reflexão sobre o significado do que então chamavam de cinema-direto, ou cinema-verdade. Ali tem mais ou menos o que eu pensava na época com relação à possibilidade, à finalidade, a função, o desempenho, diferente do que era o cinema-verdade na França, do que era o cinema-verdade no Canadá, já tinha uma outra configuração. Então, isso está, acho que quem tem cópia disso é a própria Nara e ela pode fornecer. E eu acho que é um texto interessante, para pensar o que eu pensava na época. Acho que – eu não gosto do verbo achar – acredito que muitas das possibilidades do cinema documentário brasileiro se perderam por muito tempo dessa investigação mais próxima da realidade. Extrapolo dizendo assim: acho que essa recuperação recomeça com o filme do [Eduardo] Coutinho, “Cabra Marcado Pra Morrer”. Entre “Viramundo” e isso aqui tem um vazio, que eu não consigo identificar. Está reaparecendo uma série de diretores e diretoras que estão retomando mais um cunho político, onde eu achava que tem uma parte de um cunho, digamos, que o Jean-Claude [Bernardet] critica como “sociológico”, mas é um campo que foi mal explorado no Brasil. Esse campo de pesquisa que você vai encontrar no Jean Rouch, no Godard, naquele filme “Chronique d’un été”. Aliás, a viúva do Ivens está no filme, aquela jovenzinha que aparece sendo entrevistada é a que vai ser, no futuro, a companheira do Ivens.
P/2- E só para não perder o bonde: era esse tipo de cinema social que interessava o Vlado também?
R- É, acho que era. Não chegamos a discutir essencialmente isso, mas acho que tinha para entender só essa parte política do que é importante, indispensável, e muitas vezes vem junto. No caso, por exemplo, do “Viramundo”, ele junta essa parte do contexto político codificado pelo Octavio Ianni, mas tem uma outra dimensão que, inclusive, o filme extrapola e pela qual certos críticos observaram, que era o seguinte: a partir de um certo momento... você lembra do filme “Viramundo”? Tem um momento que descola do filme a parte religiosa. Então, como é que junta isso? Que é a parte sociológica, mas que era importante, naquele momento, você pegar o que era naquele momento: 1964, um pastor falando numa praça pública é outra coisa completamente diferente do Edir Macedo. Enfim, era um fenômeno que não se estava entendendo, mas que tinha que ser entendido, para entender o que está acontecendo hoje. E não foi acompanhado. Esse fenômeno da religiosidade, principalmente pentecostal, não foi acompanhado e deveria ter sido acompanhado para se entender como é que o Edir Macedo chega aonde ele chegou. Antes desse filme não conhecíamos nada de Rouch. Nós viemos a conhecer depois que eles são apresentados na Europa, aí vamos conhecer, vemos que tem compatibilidade. Mas, por exemplo, uma linhagem de documentários que o Rouch desenvolve, poderia ter tido um bom caminho no Brasil. Se bem que hoje, digamos, um certo tipo de documentário... Tem uma realizadora chamada Beth Formaginni, vocês já ouviram falar dela? Enfim, ela fez recentemente um documentário excepcional chamado “Pastor Claudio”. É um tipo de filme que tem que ser feito. Então ela mistura o lado político e tem o lado sociológico: como é que essa história de pastor e religião? Por que ele prefere ser chamado pastor e não delegado? E por que ele vira pastor? Ela explica no filme: porque ele matou a mulher. Mesmo o pessoal do Rio, do Vital Brasil, tem muitas coisas também relacionadas à memória. Enfim, é por aí que eu gostaria de também ter ido. Mas, como não tem replay...
P/2- Muito obrigado.
P/1- Muito obrigado, Sérgio, foi um prazer ouvi-lo.
R - Qualquer informação posterior que necessitem, estou às ordens.
P/1- Muito provavelmente eu vou te procurar adiante pra checar alguns nomes, uma grafia, uma ou outra coisa.
R- Naquela fotografia que tem o grupo fundador e professores fundadores, talvez um ou outro eu não lembre o nome.
P/1- Não, eu digo menos das legendas das fotos e mais do que você citou, você falou de muita gente, alguns eu nunca tinha ouvido falar e, na transcrição, quando eu for revisar.
P/2- Eu acho que na transcrição, as pessoas não têm muita familiaridade com [termos como] ICAIC, sobretudo quem vai ouvir e transcrever.
P/1- É.
R- O ICAIC, hoje em dia, é totalmente outra coisa. Posso falar ou não?
P/2 - Pode.
R- O ICAIC é uma invenção da revolução cubana, em que eles nacionalizam produção, distribuição e exibição. Fechou. Num primeiro momento havia uma tendência interna, uma luta interna cultural: “Vamos importar uns filmes do leste europeu”. “Calma, se tiver que importar, vamos importar filmes da América Latina. Vamos exibir filmes soviéticos, mas não vai ser a programação preponderante, não é por aí”. E nos primeiros momentos do ICAIC tinha a coisa mais quixotesca possível, mas bela como ideia: os filmes não tinham orçamento, você fazia o filme e depois via quanto custava. Era um idealismo. Mas fizeram, o dado é que fizeram. E, num primeiro momento, eles não tinham ninguém, tinham que pescar. As duas únicas pessoas que tinham formação eram o Julio García Espinosa e o Tomás Gutierrez Alea, que tinham feito clandestinamente nos anos 50 e qualquer coisa, logo que eles voltam da Itália, um documentário sobre um bairro de Havana que fazia carvão. Esqueço o nome do filme. Eles tinham militado na arena cultural. Quando vem a revolução, são dos primeiros a ser chamados. Agora, por exemplo, é chamado para o ICAIC um senhor chamado Santiago Alvarez que nunca tinha feito porra nenhuma de cinema, e que desenvolveu um trabalho genial chamado “Noticieros de América Latina”. Esse Santiago Alvarez tinha tido várias, entre outras experiências de vida, tinha sido mineiro de uma mina nos Estados Unidos, tinha sido discotecário, conhecia música da América Latina inteira, mas cinema, não. Ele inventa um noticiário semanal que é absolutamente genial. Eles tinham a seguinte tarefa: hoje, por exemplo, é quarta-feira; Então vamos discutir o que vai ser o “Noticiero Latinoamericano”, um nome assim. O que aconteceu na América Latina, no mundo, na semana? Ah, teve a luta pelos direitos humanos dos negros nos Estados Unidos, na Argentina... Então, conseguiam coletar o que tinha, podia ser fotografia, filmado era muito difícil, selecionavam o material, essa vai ser a informação. Editavam na sexta, copiavam no sábado e domingo, na segunda-feira eram distribuídos pelo país inteiro, para ser projetados antes dos filmes, substituindo uma função da televisão, que era uma merda. Cuba servia como mercado de ensaio para produtos americanos. Vai lançar um sabão, é em Cuba que lançavam. E a televisão era isso. E esse noticiário chega não só nas salas de cinema: tem unidades móveis que vão para os bairros e exibem nos bairros onde não tem cinema. E vão para o lugar que tem as ilhas, que tem ilhotas, umas lanchas, e vão para o interior onde não tem estrada, vão, vem uma caminhoneta, pega um lombo de burro e vai lá projetar. Quer dizer: esse era o ímpeto. E a formação, o que era? Como que eles se formam? Então no primeiro momento o que eles trouxeram o Godard, Agnès Varda. Agora, esse pessoal vai embora e como é que fica? Nós vamos mandar fulano para Escola de Praga, só que a Escola de Praga é cinco anos, vai lá, o cara fica cinco anos fora de Cuba, quando volta é outra coisa. Até eles conseguirem criar um sistema interessante, que era o seguinte: o cara que ia estar começando a se formar, como essa moça que foi minha montadora, conseguiram que ela ficasse num estágio de seis, oito meses na Itália com um editor, essa é a escola dela. É assim a conformação. E eu falei assim: “Tem um fulano no Ministério das Relações Exteriores, ele gosta de escrever e tem jeito. Chama para trabalhar no grupo de pesquisa”. Aí, como é que formava o cara que ia começar? Para começar, então, vou dirigir um projeto, dirigir o primeiro documentário. Então esse cara vai participar, com esse diretor, da redação do roteiro, da pesquisa do roteiro, da finalização do roteiro, da produção do filme, da finalização do filme e do lançamento. Quer dizer, o cara tem uma escola.
P/1- Todo um processo.
R- Certamente, em termos de produtividade, ele vai produzir menos que um profissional especializado, mas, em compensação, tem uma conformação completa. E quando, em 1977, eles são obrigados, por questões da economia ligadas ao bloco socialista, a participar do comércio comum socialista, que era o COMECON. Então, eles têm que qualificar, em todos os ministérios, funções e tarefas. O que é isso? Eles chegam no ICAIC e eles têm que discutir o que é um assistente e o que é um diretor de produção. Empacaram nessas duas coisas. Por que empacaram no diretor de produção? Porque a concepção do ICAIC era a seguinte: o diretor de produção tem que ser alguém que tenha capacidade intelectual de discutir de igual para igual, com o diretor do filme, para saber o que o diretor quer. Então, não é um cargo só técnico. “Mas, como?!”. Até que acabaram entendendo. E outro, que foi mais fácil, foi do assistente. Então quer dizer: é toda uma concepção de organização da produção que é diferente do que a gente está acostumado.
P/2- Mas você vai ser professor da Escola que deriva disso, não é?
R - Mas não deriva diretamente do ICAIC. Por quê? Até a concepção da escola, o ICAIC não tinha interesse numa escola para si. No momento de auge de produção, eram doze filmes de longa metragem por ano, um por mês, chegaram a fazer uma vez e não repetiram, depois eram oito, seis por ano, não sei quantos documentários, uma parte de cinema educativo feito com o Exército e com o Ministério da Educação. E eles faziam uma conta assim: por ano, tem necessidade de um novo diretor, de dois produtores. Quer dizer: não tinha justificativa para formar uma escola. E essa escola é proposta em termos internacionais, que não é uma escola cubana em que por acaso não entram estrangeiros, era uma escola em que há uma proporcionalidade entre Cuba e [outros países], como é até hoje. É uma escola realmente internacional. Não é como as escolas que você tem na Europa, por exemplo, o FENISC, que substituiu o antigo Centro de Formação. É uma escola que tem trinta alunos, vinte e cinco do Mercado Comum Europeu e cinco do exterior. Quer dizer: é a mesma coisa na escola russa, na escola tcheca, na escola polonesa, na escola dinamarquesa. Quer dizer: escolas nacionais. Aí, no caso, Cuba é minoria, e a maioria é estrangeiro. E quem propõe essa estrutura é justamente esse Júlio Garcia Espinosa que, junto com o Tomás Gutierrez Alea, estava lá na Itália nos anos 1950. A chamada coordenação de possibilidades. Enfim, tomei o tempo de vocês.
P/1- Não. Pois é. Essas histórias a gente não têm de outra fonte.
R- Tem um documentário, aliás vale a pena, que está na internet, chamado “Pela primeira vez”, “Por primera vez”, que é justamente em cima de uma unidade móvel – é dirigido pelo Otavio Cortázar –, um caminhão que ficava rodando vinte e oito dias pelo país e depois dois dias descansava. Eles dormiam no caminhão. Em cima um projetor, um sistema de som e tela para projetar. Então eles vão para um vilarejo em que nunca ninguém tinha visto filme na vida. Então chegam de manhã, fazem projeção na escola de filmes educativos – escovar os dentes [por exemplo] – e de noite fazem uma projeção na praça pública para o público. E o filme que eles exibem é um filme do Chaplin, “Tempos Modernos”. Depois entrevistam algumas pessoas. Aí tem uma que é fundamental, que ela fala: “Deve ser uma coisa muito importante, pois se deram o trabalho de vir até aqui”. Mas vale a pena, vê na internet. “Por primera vez.”
P/1- “Por primera vez.”
P/2- Mais uma vez, muito obrigado. Foi um prazer.
P/1- Muito obrigado. Foi ótimo.
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