P1 – Doutor Ximenes, a gente começa sempre com o senhor falando seu nome, local e data de nascimento.
R – José Abel Alcanfor Ximenes, nasci na cidade de Crateús, Ceará, em 7 de outubro de 1950.
P1 – E qual é a sua função atual na Unimed?
R – Sou presidente da Fed...Continuar leitura
P1 – Doutor Ximenes, a gente começa sempre com o senhor falando seu nome, local e data de nascimento.
R – José Abel Alcanfor Ximenes, nasci na cidade de Crateús, Ceará, em 7 de outubro de 1950.
P1 – E qual é a sua função atual na Unimed?
R – Sou presidente da Federação das Unimeds no estado de Goiás e Tocantins, que a partir do ano passado começou a ser denominada de Unimed Cerrado, em homenagem ao nosso estado, nossa região, onde o cerrado é a vegetação predominante.
P1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Pedro Melo Ximenes e Maria de Lourdes Alcanfor Ximenes.
P1 – O que eles faziam?
R – Meu pai foi comerciário, trabalhou de balconista, praticamente a vida inteira. Minha mãe era costureira. Hoje os dois estão aposentados, mas vivos e com saúde, graças a Deus.
P1 – E eles são de onde?
R – Meu pai é do Piauí e minha mãe cearense.
P2 – Uma pergunta sobre sua formação educacional. O que influenciou o senhor na escolha da sua carreira?
R – Olha, eu acho que desde muito cedo eu tive uma preocupação social muito grande e aquela vontade de contribuir de alguma forma para a melhoria da sociedade. Eu vislumbrei na profissão médica essa oportunidade de fazer um trabalho social importante, até independente de minha vontade. Porque eu acho que o médico, independente de ele querer ou não, se ele quiser melhor ainda, ele tem uma oportunidade muito grande de servir a sociedade. E principalmente no meu caso, que sempre estive envolvido com o setor público, as pessoas mais carentes da nossa população.
P2 – Conta um pouco do curso de medicina. Como foi?
R – O curso de medicina foi para mim uma maravilha [risos]. Porque era um sonho da vida, passar no vestibular e fazer medicina e consegui logo na primeira tentativa em uma universidade federal. E no meu estado, meu segundo estado. Porque eu nasci no Ceará, mas fui criado em Goiás, Goiânia. A gente deve tudo que tem a essa cidade. E passei no vestibular.
Eu lembro com detalhes, desde o momento onde foi anunciado no alto-falante, em cima de um caminhão, os nomes dos aprovados. O meu nome estava na lista. Logo a seguir, nós fomos jogados, tinha um trote naquela época. Não diria que violento, mas um trote que jogava a gente dentro de um... A própria prefeitura fazia um buraco no centro da cidade, enchia aquilo de água, fazia lama e o batismo da gente era - assim que anunciavam o nome -... os veteranos iam lá, tiravam a gente da multidão e jogavam no barro. Daí para frente um trote muito interessante. E para mim foi muito bom, porque inclusive morava perto da faculdade e passei a morar dentro da faculdade.
Minha vida, durante todo o curso, até o quinto ano, eu praticamente morei dentro do hospital. Vim para São Paulo fazer o sexto ano, internato, depois já voltei como professor da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Goiás. E estou lá até hoje. Costumo dizer que estou a 36 anos dentro da faculdade de medicina. Porque eu entrei em 1970, fiquei apenas quatro anos fora fazendo a pós-graduação. E estou lá até hoje como docente. O curso foi muito bom. Era um período difícil. Em 1970 o regime militar ainda estava em plena vigência. Eu até que não tive uma participação muito expressiva na vida política acadêmica. Vim a ter uma participação mais efetiva quando vim pra São Paulo, em 1976, 1977. Foi o auge da luta pela redemocratização do país, da criação do movimento de renovação médica. Eu passei então a me inteirar mais e participar da política estudantil e principalmente da política médica. De lá para cá não deixei mais. Fui diretor da Associação dos Médicos Residentes do Hospital do Servidor Público do estado. Foi minha primeira representação estudantil e médica. Fundei o sindicato dos médicos de Goiás, participei da fundação dele. Fui presidente da Associação Médica de Goiás, vice e depois presidente. Dez anos conselheiro do Conselho Federal de Medicina. E depois ingressei também para o cooperativismo e estou dentro do cooperativismo até hoje.
P2 – Com que idade o senhor começou a trabalhar?
R – Nós começamos muito cedo. Como eu disse, meu pai foi comerciário. A gente morava num bairro periférico, na periferia de Goiânia, e ele sempre achava que a gente tinha que trabalhar. Como arrumar emprego – hoje é proibido, mas naquela época criança não tinha esse privilégio de não trabalhar, era necessário trabalhar – então ele sempre tinha o que a gente chamava de um pequeno armazém, quase sempre na frente da nossa casa, onde a gente trabalhava. Eu aprendi muito cedo a trabalhar.
Desde os oito anos de idade, a gente já tinha responsabilidade junto com minha mãe, eu sendo o filho mais velho e meu pai, de administrar um pequeno armazém. Eu devo muito do que aprendi de gestão e de vida a ter começado a trabalhar muito cedo. E também foi uma coisa interessante, essa atividade no comércio, porque me facilitou muito o relacionamento com as pessoas. A questão de fazer amizade, de tudo. Eu não esqueço nunca que eu gostava muito de estudar. Então, nos intervalos entre atender um cliente e outro, eu fazia as tarefas e estava ali estudando. Uma vez um gaúcho, que não sei nem se é vivo hoje, disse: “Vou te dar um presente e você não vai esquecer de mim nunca mais”. Foi lá na casa dele, que era quase em frente ao armazém, e voltou com um dicionário. Chamava Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa. Eu tenho esse dicionário até hoje. Realmente foi muito importante o estímulo para eu estudar e chegar aonde cheguei até hoje.
P1 – O senhor lembra do primeiro dia que trabalhou?
R – Não sei, porque a gente era tão criança e o trabalho quase que se confundia com a vida da gente. A gente encarava o trabalho com muita naturalidade. Eu sempre gostei de trabalhar. Fiz de tudo na vida: feirante, engraxate, garrafeiro. Existia essa profissão de garrafeiro. A gente ganhava ou comprava as garrafas dos vizinhos e depois comercializava. Tudo era reaproveitado. Tinha uma demanda muito grande por vasilhames. Numa cidade como Goiânia, na década de 50, a coisa era muito atrasada desse ponto de vista de modernidade que a gente tem hoje. Então, eu fiz de tudo. Achava muito interessante, como eu gostava muito de trabalhar, todo mundo me estimulava, me dava serviço. Limpar quintal de vizinho, encerar a casa, o escovão que hoje não existe mais, mas primeiro se passava o escovão, depois encerava. Eu gostava de tudo. Era conhecido na vila como o garoto que sempre estava disponível para estar trabalhando e não me faltou oportunidade de trabalhar e fazer amizade. Lógico que quando a agente começa a fazer o curso de medicina, a gente fica tolhido de trabalhar. Foi uma das coisas mais difíceis que eu achei. No primeiro ano eu ainda trabalhava no armazém, mas aí chegou um ponto em que meu pai mesmo falou: “Não tem como, a gente tem que encerrar essa atividade. Você vai estudar”. E a gente fechou com o comércio.
P1 – Vamos falar um pouco da Unimed. Como foi seu ingresso na Unimed?
R – Eu voltei para Goiânia em 1979 e meu sonho era ser professor universitário. Tive a felicidade de ingressar logo na carreira universitária. Na época o doutor José Mario de Freitas que foi o fundador da cooperativa, mais o Antonio de Oliveira e o doutor Humberto, que eram os diretores da cooperativa na época, me procuraram no meu consultório dizendo que existia uma cooperativa. Naquela época eu nem tinha ouvido falar que existia cooperativismo e muito menos em cooperativismo médico.
Eu chegando, recém-formado e ávido por entrar no mercado de trabalho, e eles me procurando sobre eu querer ingressar para a cooperativa, porque eles tinham dificuldade de conseguir especialistas na minha especialidade. Primeiro que eram muito poucos especialistas em gastrenterologia e endoscopia digestiva. Me procuraram perguntando se eu não queria ingressar como cooperado da cooperativa. Logicamente que a gente estava aceitando qualquer proposta no início da carreira e ingressei como cooperado da cooperativa em Goiânia, que era recém-criada - tinha sido criada um ano antes -.
Era interessante que nos primeiros anos da cooperativa, a gente às vezes recebia uma consulta a cada três meses. Porque na verdade a cooperativa estava começando e existiam mais médicos que usuários. Mas foi uma experiência muito interessante. Depois de uns cinco ou seis anos de médicos cooperados, como eu disse, que comecei a trabalhar mais na área sindical, na fundação do sindicato dos médicos, fui vice-presidente e depois presidente da associação médica e aí me inteirei mais na questão do cooperativismo, com todos os médicos discutindo a questão do mercado de trabalho, o que a classe médica vivia naquela época. Ao sair da Associação Médica, eu ingressei realmente no cooperativismo médico. De lá, eu vim ocupando todos os cargos. Eu fui de todos os cargos dentro da cooperativa. Desde de mero participante dentro das assembléias, depois fui do conselho fiscal da cooperativa, depois ocupei cargo no conselho técnico da cooperativa, depois fui vice-presidente da cooperativa de Goiânia, depois assumi a presidência durante três mandatos consecutivos. A eleição era a cada dois anos e eu fui reeleito três vezes para a presidência da cooperativa.
Depois fundamos a Federação das Unimeds de Goiás e Tocantins, enquanto eu era presidente da cooperativa. Quando eu saí da Unimed Goiânia, da presidência, eu continuei na federação onde estou até hoje. Foi interessante porque eu tive oportunidade de participar, se não da fundação da Unimed Goiânia, porque quando eu cheguei ela estava fundada, e de Catalão, que é outra cidade onde a gente não teve participação efetiva na criação e na vida da cooperativa, mas nas outras 18 cooperativas, eu participei desde o início da sua fundação, de todo seu desenvolvimento. E estou vivendo uma fase muito interessante agora, porque eu estou revisitando todas as cooperativas pessoalmente e com uma surpresa das mais agradáveis. Porque a expansão, a profissionalização do cooperativismo da área médica em Goiás, só quem acompanhou desde o início consegue aquilatar o avanço que foi. Como eu sempre estive ligado à docência, como eu disse que sempre tive esse sonho de ser professor na faculdade de medicina, eu levei isso também para dentro do cooperativismo. Então, todos esses anos dentro do sindicato e da associação médica e dentro da Unimed, eu procurei sempre centrar as minhas ações na qualificação de pessoal, trabalhando muito forte na área de recursos humanos.
Para você ter uma idéia, nós criamos os cursos de pós-graduação em administração cooperativista. Hoje não tem nenhum diretor que ocupe cargo ou presidente das nossas cooperativas que não seja pós-graduado em administração, ou às vezes com mais de um cargo. E fiz questão de fazer todos esses cursos que a gente ajudava a ministrar, ajudava a organizar. Treinamento da área técnica, da área contábil. No início era muito difícil dispor de juizes, contadores, que tivessem a visão cooperativista. Não era só a questão do dirigente, que até hoje no Brasil como um todo não é tão simples assim. Investimos muito na qualificação. Se você for ver a história das entidades por onde eu passei e por onde eu dirigi, em todas elas fica muito marcada essa visão pelo treinamento. Não só o treinamento técnico, da área médica, mas principalmente, quando estava ocupando cargo diretivo, da capacitação e qualificação para gestão do negócio da área, da discussão do mercado, do profissional para se inserir no mercado.
Eu promovi vários cursos para acadêmicos de medicina, onde eu acho que há uma falha muito grande, porque a faculdade não prepara pessoas para ingressarem no mercado de trabalho. E a gente sempre teve essa preocupação dentro e fora da faculdade de estar oportunizando para os acadêmicos, para os residentes e mesmo para os colegas médicos de estarem fazendo cursos nessa área. Hoje o foco mudou um pouco, porque a gente já tem uma massa crítica boa, principalmente em Goiás, onde eu considero que a gente já tem uma massa crítica boa na área de gestão. Nós estamos voltando novamente para a capacitação técnica do médico, não só nessa forma tradicional, mas dentro das outras oportunidades que surgiram no mercado de trabalho, que é de administrador, mesmo.
Hoje a especialidade de administração é reconhecida. Eu sempre briguei muito por isso, durante muitos anos, desde que me entendo por médico, que se tentava divulgar e desqualificar o médico enquanto administrador, dizendo que o médico não sabe administrar, não deve administrar. A gente nunca aceitou isso e lutou muito para mudar esse conceito e mostrar para o médico que ele não só sabe, como precisa administrar bem a sua clínica, o seu hospital. Estar contribuindo com o governo na área de gestão de serviço público. Essa foi uma panorâmica do meu trajeto na faculdade de medicina até hoje. Ocupei como disse o cargo de presidente de uma cooperativa de terceiro grau, que era a Aliança Cooperativista Nacional Unimed, num momento de transição de reunificação do sistema. Tenho a consciência tranqüila que eu fiz e dei o melhor que eu podia no sentido da busca desse entendimento, do reencontro das lideranças das duas correntes, que lideraram o Brasil durante quase oito anos. Estávamos ligados ao grupo de São Paulo, norte-nordeste e centro-oeste. O grupo que formou a Aliança em 1996. A partir daí a gente tentou mostrar novos caminhos, novas visões para o cooperativismo. Apesar de muitas críticas quanto a essa visão, na nossa avaliação acabou sendo positiva, porque fez tanto a gente refletir sobre aquelas teses que a gente defendia, como também levou a Unimed do Brasil a repensar o seu modelo. Hoje a gente vê a Unimed bem diferente de dez, 12 anos atrás, que foi a época em que começou a surgir essas diferenças, essas divergências, essas propostas alternativas aos modelos vigentes desde 1967 quando foi criado o sistema.
P2 – O senhor acompanhou a história da Unimed há muito tempo?
R – Desde 1979. Mais precisamente de 1986.
P2 – Conta um fato marcante da Unimed.
R – Ah, foram tantos [risos]. É o modelo diferente de organização do trabalho médico. Ela tem 40 anos e dentro da história está engatinhando. Principalmente depois que a gente teve oportunidade de conhecer o cooperativismo na Espanha que é mais tradicional. Acho que ninguém ainda conseguiu, porque analisar a história quando você está participando dela é muito complicado. Mas daqui a uns anos, quando os historiadores forem avaliar a importância do movimento cooperativista para a sociedade brasileira, não diria só para área de saúde ou médica, mas para toda sociedade brasileira, eles vão ver que foi uma contribuição fabulosa que a classe médica está dando para esse país, em termos de abertura.
O cooperativismo leva a gente a refletir sobre tudo. Eu costumo dizer que a cooperativa tem cinco dimensões: a política; a social; a econômica; a educacional e, falta uma, educativa. É complexo. É uma sociedade de pessoas, não é de capital. O processo decisório é diferente. O primeiro impacto que teve para mim, que vinha da militância política dentro do sindicato e da associação médica, onde a gente não tem essa visão do aspecto econômico, social, da sua responsabilidade estar envolvida na gestão da área de saúde. Você passa a assumir a responsabilidade de não só fazer crítica, mas de viabilizar o modelo que você defende de organização de serviço de saúde. E aí a coisa pega. Uma coisa é você criticar, exigir, fazer greve e solicitar. Agora, quando você assume a responsabilidade de você mesmo gerir.... Isso teve momentos muito difíceis para mim.
Lembro muito bem que quando comecei a abraçar o cooperativismo fui muito criticado por lideranças ligadas ao sindicalismo e mesmo ligadas à área médica, porque achavam que eu estava traindo uma causa, em nome do cooperativismo. Porque eles achavam que o cooperativismo tinha a mesma função o mesmo papel que tinha a medicina de grupo, só que era uma empresa organizada por médicos e a outra organizada por empresários não médicos. No início acho que a categoria não conseguiu perceber a proposta do cooperativismo. Acho não, tenho certeza. O doutor Edmundo Castilho teve esse papel de ser esse andarilho pelo país inteiro defendendo essa ideia. Esse mérito ninguém tira dele. Acho difícil a pessoa desbravar qualquer área, qualquer setor. É complicado. E ele teve esse mérito. E eu participei com ele. Foram momentos muito importantes, porque eu participei com ele desse despertar para o cooperativismo numa região que até certo ponto fica um pouco isolada do país. Hoje não.
Falar de Goiás, de centro oeste dá até um orgulho para a gente. Hoje todo mundo conhece o estado de Goiás, conhece o centro oeste. Pela pujança, pelo desenvolvimento, pela hospitalidade, culinária ou pelas músicas sertanejas que tanto divulgam nosso estado, ficou fácil. Mas de primeiro não era. Eu morei em São Paulo durante um certo período e como médico, esse relacionamento de São Paulo sempre foi muito forte com Goiás. Inclusive quem criou o internato, a residência no Hospital do Servidor foi o Doutor Jatobá. Ele era paulista, deu aula um período lá na faculdade de medicina e depois retornou para São Paulo e começou a trazer alunos da Universidade Federal de Goiás para fazer o sexto ano e depois a residência. E a coisa deu tão certo, que depois eles resolveram trazer não só os goianos, que era um privilégio muito grande, e abriram concurso. Mas mesmo assim, Goiás sempre se destacou nos concursos do Hospital do Servidor. Tanto é que na minha época, nós viemos em 21 prestar a prova e 20 foram aprovados. Só um que desistiu. O doutor José Vaz, que era da nossa turma, desistiu pela paixão goiana, que ele não conseguiu ficar longe. Largou o internato aqui e voltou pra Goiás. A gente participou desse processo.
Era muito marcante para gente visitar todo o estado de Goiás, que não era dividido entre Goiás e Tocantins. Muitas vezes, com o doutor Castilho, naquela simplicidade dele, a gente pilotando muitas vezes um Chevett ou uma Parati, percorrendo milhares de quilômetros no sentido de discutir, convencer os colegas de que deveriam fundar uma cooperativa. Era uma coisa assim que marcou muito a nossa vida e de todos esses colegas que trabalharam conosco. O cooperativismo é um trabalho coletivo. A gente teve a felicidade de estar na frente dos movimentos, porque sempre tive essa... Sempre ocupei cargos diretivos, quase sempre como presidente das entidades e tudo.
A vivência coloca a gente às vezes à frente do movimento, mas é um movimento que se eu fosse citar o nome de todas as pessoas que participaram dele, que tiveram importância muito grande.... Mas eu queria citar um fato que acho que foi fundamental para o crescimento do cooperativismo no estado de Goiás. Foi um fato que marcou uma disputa muito grande entre medicina mercantil e a visão mercantil e a cooperativista. Foi quando a gente era presidente da Unimed Goiânia, não vou citar nome porque é ruim isso, mas o governador do estado, o irmão dele era médico, na época, e começou essas empresas, no caso a Saneago, empresa de Saneamento Básico do estado de Goiás, a terceirizar seus serviços de assistência médica. Na época já tinha assumido a Unimed de Goiânia e estava fazendo alguns empreendimentos. Quando eu assumia a Unimed tinha 16 mil usuários, quando saí em 1996, deixei com 144 mil usuários, um crescimento estrondoso para uma cidade como Goiânia e para o estado do desenvolvimento do cooperativismo. Então, um dos embates grandes que nós tivemos foi esse: o governo resolveu terceirizar a assistência médica e o irmão do governador, junto com outros empresários médicos, criaram um plano de saúde para poder assumir a assistência médica. E nós não tínhamos. E como eles eram ligados a uma rede hospitalar, já tinham rede montada no estado inteiro. E uma das exigências do edital é que para participar da licitação tivesse rede em todo o estado. Nós tivemos que num curto espaço de tempo viajar todo o estado, junto com vários colegas, tentando convencer os médicos para que, se não fundassem cooperativa – porque não se funda cooperativa do dia para a noite, mas que pelo menos aceitassem fazer parte da rede da Unimed Goiânia. Até porque como foi a primeira cooperativa a ser fundada, a área de atuação da Unimed Goiânia rezava no seu estatuto, felizmente, que era todo território do estado de Goiás. Isso garantia para gente esse direito, essa oportunidade de trabalhar em todo o estado. E nós tivemos que fazer essa rede, num curto espaço de tempo. Todo mundo achava que era impossível, mas nós com a ajuda de toda diretoria, muitos colegas do interior que hoje são dirigentes de cooperativas, ou já foram, montamos essa rede. Mesmo assim, quando viram que a gente ganharia se fosse participar, até porque meu relacionamento com os sindicatos era muito forte, já tinha militado no sindicato e na associação médica, eles optaram, fizeram uma enquete deles lá e o plano de preferência deles seria a Unimed. E aí criou aquele impasse, porque a pressão do governador, do irmão dele e daquele empresariado da área hospitalar, eles criaram um sistema deles, ficou aquela disputa. Arrumaram aquela solução salomônica, onde eu participei e foi a seguinte: daria uma carteirinha da Unimed e uma carteirinha do outro plano de saúde, para que o funcionário optasse.
Logicamente eu aceitei com tranqüilidade, porque tinha confiança que a gente iria conseguir esse mercado. Em poucos meses, nós estávamos com 70, 80% do atendimento. E aí foi uma seqüência de vitórias em termos de mercados. Hoje a Unimed Goiânia está com seus 180 mil usuários. Foram muitos. A implantação da eleição direta dentro do sistema... Eu sempre, por onde eu passei, dar expressão ao que se fala hoje “as bases”, mas são as pessoas. Que eu acho que você tem que estar representando. Há a necessidade de que ela possa se expressar com toda liberdade quais são as pessoas que vão dirigir. E as eleições eram em assembléia. A primeira eleição minha foi assim. Você convocava uma assembléia que tinha 300 e poucos cooperados, foram lá 20, 30 e elegia uma diretoria. Na eleição seguinte, depois que assumi criamos o modelo de eleição direta. Talvez o modelo de Goiás seja o único no país. Um modelo muito interessante de eleição direta. Todo mundo falava que era impossível: “Como vai fazer uma eleição? Isso não dá certo. O médico não sabe quem é quem, quem tem condições de administrar. Isto é uma empresa não é um sindicato ou uma associação”; E eu acho que a história mostrou que a gente estava com a opção correta. Hoje as eleições da Unimed Goiânia, que deve ter 2500 cooperados, nunca teve uma eleição onde tivesse menos de 80, 90% da participação dos médicos no processo eleitoral. A gente tentou lá criar, porque a lei mandava que a eleição fosse feita em assembléia. “Não tem problema. Fazemos a eleição de dia e à noite na assembléia leva o resultado. Se a assembléia estiver de acordo, ela referenda aquilo. Se não estiver não vai referendar”. Lógico que eu sabia que nunca seriam capazes de não referendar. 30, 40 pessoas numa eleição de mil e tantos cooperados. Foi uma contribuição que a gente pode dar.
Outro fato marcante foi a criação do Unicred. Uma decisão difícil, porque o sistema Unimed está rompendo uma série de barreiras que as outras entidades médicas tentaram e não conseguiram. Sempre que a gente propunha montar uma estrutura cooperativista, sempre o lado mercantil, o lado empresarial de médicos e não médicos procuravam se contrapor. Quando eu assumi a Unimed Goiânia tinha essa ideia criada no sul do país, de se criar uma cooperativa de crédito. Mas por outro lado tinha toda uma pressão. Os médicos diziam: “Vocês não dão conta nem de administrar a área médica, a cooperativa e agora vão ser banqueiros? Vão montar a cooperativa de crédito? ” Mas eu sempre fui muito persistente, muito determinado naquilo que eu achava que era correto. Sempre procurei buscar o respaldo, mas também fui muito veemente na defesa daquilo que eu acredito. E graças a Deus tenho conseguido. Eu lembro que tinha um colega que estava responsável por fundar a Unicred mas estava protelando ou criando muita dificuldade. Eu escolhi um diretor da cooperativa e falei? “Olha, você vai fundar a Unicred de Goiás. Vai fazer o que for preciso, mas vai fundar”. Era o nosso diretor financeiro na época. Felizmente o doutor Francisco Sales abraçou essa ideia e nós conseguimos fundar a Unicred dentro da Unimed Goiânia, com os recursos da Unimed Goiânia. Depois, era para eles retornarem esse empréstimo em 12 meses, com seis meses de funcionamento já pagaram tudo que deviam para gente. Funcionaram dentro da sede da Unimed por um período. Quando nós mudamos, eles adquiriram essa sede e hoje o sistema Unicred em Goiás, em termos de financeiro, é muito mais pujante que o próprio sistema cooperativista. Criamos a cooperativa de venda. Eu penso que não é questão só do cooperativismo médico.
Uma das funções do cooperativismo é essa dimensão social. Essa dimensão social subentende você estar defendendo a criação e utilização de cooperativismo por toda a sociedade. Principalmente por aquelas áreas que estão afetas à área médica. Então nós criamos também a cooperativa de vendas, que hoje funciona em Goiás, criamos a Univenda, que é essa cooperativa. Participamos da criação da Usimed, cooperativa de usuários. Hoje acabaram com a Usimed. Mudam as lideranças, mudam os pensamentos, desativaram. Mas Goiás tinha todos, teve todos os segmentos de cooperativismo ligados a esse complexo cooperativo Unimed. Foram muitos pontos marcantes que eu vivi com muita intensidade. A parte acadêmica.... Não é fácil conciliar todas essas dimensões. Acho que o cooperativismo só tem sucesso se você conseguir equilíbrio de tudo isso: dessa dimensão política, papel político do cooperativismo, para propor mudança; a parte social, que você tem que estar preocupado e a econômica, de ter que oferecer retorno para o médico cooperado; precisa da parte educativa para mudar comportamento, a visão da classe médica e da sociedade.
P1 – Qual foi o maior desafio?
R – Olha, os desafios maiores, por incrível que pareça, são os de convencer as pessoas a mudar, a experimentar o novo, a pensar diferente. Esse é o desafio. Eu costumo dizer e desafio as pessoas muitas vezes, porque vejo essa discussão: “O problema, o judiciário vai quebrar o sistema Unimed; a ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] veio para liquidar; as multinacionais vão entrar”. Quando eu pergunto, e já estou desde 1979 no cooperativismo, pergunto: “Qual foi a cooperativa que deixou de existir ou que quebrou por causas desses argumentos? ” E as vezes se passa décadas discutindo e na realidade, eu acho que o grande problema está dentro da gente mesmo. As dificuldades são criadas pelo próprio sistema. Pela visão, não vou dizer errada, mas equivocada, fora de foco das lideranças. Acho mais da liderança, porque a responsabilidade é muito mais nossa. Não é o aluno que é culpado pelo insucesso do ensino. Eu acho que sempre a culpa é do docente. Dentro do cooperativismo também. Porque a responsabilidade de mostrar o caminho, de discutir, de ajudar as pessoas a enxergarem diferente, a se motivarem, participarem é de quem está à frente do processo. Apesar do cooperativismo ser uma coisa coletiva, querer tirar o papel da liderança, achar que dentro da espontaneidade nasce, não é assim. Eu acho que se confunde muito isso.
O trabalho coletivo é muito importante, mas não prescinde de pessoas que liderem o processo em cada área, em cada setor. Dentro da empresa você tem liderança em todas as áreas. E se não tiver não vai para frente. Sempre tem as pessoas que têm a responsabilidade de estar coordenando e ter a visão do todo, do processo como um todo. Os grandes desafios, e não são meus, são de toda humanidade e o cooperativismo está inserido nesse contexto, é de convencer as pessoas de que o individualismo não é a melhor forma de se organizar nem a sociedade, nem as associações e muito menos as empresas.
Essa visão de compromisso social, a visão de responsabilidade social, a visão do desenvolvimento do todo e não de algumas pessoas dentro do processo. O cooperativismo só tem sentido se ele beneficiar o todo. Hoje estamos vendo uma grande discussão e que me preocupa, que é da Unimed grande e da Unimed pequena. Tem uma corrente dentro do sistema hoje que diz que as cooperativas de pequeno porte não podem mais existir. Ora, meu Deus! Isso está indo contra a essência do cooperativismo. A proposta do cooperativismo é de viabilizar os pequenos, não os grandes. Os grandes têm todos os seus mecanismos de defesa.
Eu costumo brincar que precisava muito do governo, quando eu comecei. Hoje se ele não me atrapalhar, já está muito bom. Acho até que é obrigação das pessoas. Na medida em que você cresce, se desenvolve e pode caminhar com seus recursos, por que ficar dependendo de recursos governamentais, quando tantas pessoas necessitam tão mais do que você? Isso é fundamental. Eu acho que cooperativismo tem que ver isso. As grandes, um dia foram pequenas. E esse conceito de grande e pequena é muito relativo. Um grande em São Paulo, é enorme em Goiás. Agora, um grande em Goiás, em relação a São Paulo, é minúsculo.
P1 – Conta para gente um pouquinho das mudanças na Unimed.
R – Olha, mudou em tudo. Se você vê, vocês me ajudem a lembrar as dimensões e eu vou tentar ver o que mudou em cada dimensão dessa. No âmbito político: vamos nos ater mais aos aspectos da política de saúde. Hoje a medicina suplementar no país não dá um passo sem a participação do sistema Unimed. Não sei se vocês têm noção da dimensão do sistema, mas é o único sistema que está presente no país inteiro.
Eu costumo brincar que tem dois SUS no Brasil: o Sistema Único de saúde e o sistema Unimed de Saúde. Um público e outro privado. São só os dois. Não existe outro. E dificilmente qualquer empresa, seja nacional ou multinacional, com experiência ou sem no setor de saúde vai conseguir constituir uma rede ao nível nacional. Hoje estamos presentes nos quase 6.000 municípios em quase 80% deles. Nós temos 100 mil médicos. Um terço da classe médica está presente dentro do sistema. E estão atendendo a 16 milhões de pessoas, quer dizer, 30% da área de medicina suplementar. Bem estruturado do ponto de vista de modelo organizacional. Um modelo excepcional de organização cooperativista. A movimentação financeira é muito grande. Talvez hoje a gente movimente quase que a metade dos recursos que são destinados ao Ministério da Saúde para atender 180 milhões, quase 190 milhões de brasileiros. Esse papel político hoje no sistema Unimed é muito forte. A gente tem uma força política muito grande. E eu só espero que a gente use essa força para dar uma contribuição decisiva na mudança de modelo da organização do setor saúde no país.
Área social: na medida em que você leva assistência médica no padrão – e claro que tem falhas, deficiências e precisa melhorar muito – mas no nível de atendimento que o sistema Unimed leva para a população, só isso já seria uma contribuição social muito grande. Porque ele está presente em municípios como São Paulo e está presente também em Marabá, cidades do Nordeste, do estado de Goiás, do interior, pequenas e as pessoas têm acesso à assistência médica.
Permite hoje um fluxo de doentes de áreas as vezes subdesenvolvidas, que a pessoa não teria acesso a um certo tipo de tratamento. E hoje podem. Na urgência, em trânsito, as pessoas podem. A grande maioria dos nossos usuários acaba utilizando os grandes centros. Para vocês terem uma ideia, em Goiás, a maioria dos usuários está no interior. O conjunto das Unimeds do interior tem mais usuários que a capital. 30% desses usuários do interior buscam a capital no sentido de estar tendo assistência. É até uma dificuldade que a gente tem de atender e que se repete em todos os estados.
Essa é uma contribuição social muito importante que o sistema está dando. Tanto estar atuando, interferindo na política pública do país, nas políticas de saúde do país, como nas políticas privadas de saúde, dando essa contribuição. Sem dizer nos inúmeros projetos sociais que o sistema Unimed desenvolve. Eu mesmo quando era presidente da Unimed de Goiânia, nós criamos dois projetos sociais: um com meninos de rua e uma creche. São os médicos que dão a contribuição de meia consulta por mês e a gente mantém até hoje. Isso foi em 1994, tem 12 anos desse projeto. É uma maravilha a gente ver. As vezes parece pouco, eu participei, visitei durante dois anos fazendo o acompanhamento. Esse papel social é muito forte.
Na dimensão educativa da cooperativa: nós estamos promovendo uma revolução dentro da área de saúde. Através do sistema Unimed, nós estamos levando outros profissionais de saúde a questionarem a sua forma organizacional. Muitos criaram cooperativas: Unipsico; Uniodonto; Uni não sei o quê. Várias. Ou quando não estão criando sua própria cooperativa, estão utilizando de alguma forma o nosso know how, a nossa capacidade de gerenciamento para estar melhorando as suas condições de trabalho profissional. Está mudando o perfil do médico. Ele hoje está com uma auto-estima melhor, no sentido de ver que ele é capaz de administrar, que ele pode assumir esse papel do administrador, tanto no setor público quanto no privado. Ocupando um espaço que é dele, e que não pode abrir mão disso.
A dimensão econômica: hoje o sistema Unimed movimenta uma quantidade de recursos, cria empregos. São muitos os empregos criados pelo sistema Unimed. Mas pegando só a classe médica, são 100 mil médicos dentro dessas empresas. Qual empresa tem 100 mil sócios dentro do Brasil ou no mundo? A não ser essas empresas de ações que abrem suas finanças com ações nas bolsas. Mas são 100 mil médicos que dependem, muitos deles, da receita da Unimed. Mais um aspecto social aí para classe médica: a maioria desses 100 mil médicos tem acesso a assistência médica dentro do próprio sistema. Eu lembro muito quando nós fomos criar o fundo de assistência em Goiânia e que se discutia como ia criar um plano para os médicos e aí a discussão: “Nós temos que criar um plano especial, somos os donos da cooperativa. Vamos criar um plano com apartamento, uma série de coisas”. E eu na assembleia falava: “Não. Se nós criarmos um plano diferente para nós do que vamos vender para nossos usuários, você vai criar um conflito. Como ele vai pensar se tem um plano para os médicos e um outro para eles”. São coisas que parecem detalhes, mas que têm uma importância muito grande em termos de imagem. Criamos o plano. Meus filhos todos nasceram pelo sistema Unimed.
Normalmente médico hoje já não tem mais isso, mas alguns anos atrás, a gente se sentia satisfeito de atender de graça os familiares, eu faço isso até hoje, dos colegas, dos estudantes de medicina e tudo mais. Mas a vida está tão difícil hoje que os médicos cobram. E as vezes quando não tem como cobrar, os hospitais cobram, porque eles têm custos, porque não é só a parte do trabalho, a parte artesanal da medicina. Então, hoje essa parte econômica tem esse peso. A assistência médica hoje pesa, é cara. Eu pago a Unimed, e não é pouco. Eu fico imaginando como deve ser difícil para a população brasileira arcar com esses custos. A gente é médico, já está aí a 30 anos de formado e tudo. É um valor que eu tenho que pagar para meus filhos, esposa, meus pais que acaba pesando no orçamento. Mas é muito menos do que eu pagaria se não estivesse no sistema Unimed.
Estava falando da econômica, da educativa já falei? Questão também do processo econômico, educativo, político, social. Faltou uma, mas eu acho que esse é o processo do sistema. É muito importante que os médicos tenham consciência disso. Porque à medida que a pessoa toma consciência do processo, como ele se passa, ele se motiva mais, acho que vai contribuir mais. É um processo assim. Eu estive fora, estive em Harvard com um pessoal aqui de São Paulo – único Goiano – e um alagoano, fomos junto com os paulistas para Harvard. Depois estive na Espanha vendo o complexo cooperativo deles. É muito bonito. Estive em Barcelona vendo um hospital. Naquela época fiz uma palestra também na Universidade de Bilbao sobre cooperativismo, em 1998, e na época não sei porquê me delegaram essa honra de fazer uma palestra na Universidade de Bilbao. E a gente via, tinha mais de 250 pessoas assistindo dentro da Universidade. Lá tem um curso de cooperativismo. E a gente sentia no olhar das pessoas uma certa incredulidade. Eles não estavam acreditando muito naquilo que a gente estava falando. Porque em Barcelona, a maior cooperativa médica, na área de saúde de lá, naquela época tinham 300 mil usuários. A Unimed Campinas, aqui do lado, naquela época tinha parece que 500 mil usuários. Você falava em 10 milhões de usuários.... Não sei se nós temos muito que aprender ou se realmente a gente revolucionou o cooperativismo mundial.
O Brasil tem um pouco de autoestima meio baixa. A gente sempre vê o país com uma visão um tanto negativa, a gente compara o país com modelos equivocados de desenvolvimento, conceitos de progresso que eu acho que não são os mesmos que a gente deveria ter aqui no país. A gente tem uma oportunidade muito grande de fazer um desenvolvimento diferente. Ter um país de forma diferente. Aproveitar essa alegria, essa facilidade que o brasileiro tem de se relacionar. Eu acho que o cooperativismo no Brasil está se dando muito bem até pela forma do brasileiro ser, do brasileiro encarar as coisas. Agora, tem a questão do individualismo, que é muito forte. Não é porque as pessoas queiram. Uma certa vez eu li, não sei aonde, que o estudante de medicina entra um idealista e sai um cínico. Porque a faculdade de medicina é um processo de destruição de uma pessoa. Eu achei aquilo muito chocante, achava absurdo. Mas depois, desde 1979 dando aula, coincidiu meu ingresso na faculdade com o ingresso na Unimed, talvez eu não tenha muita dificuldade em conciliar e ver todas essas dimensões do cooperativismo, porque minha vida vive várias dimensões.
Eu nunca deixei de atender meu consultório. Só o ano passado quando eu fui para Aliança é que eu me afastei de Goiânia. Mas sempre existi meus cargos dentro de Goiânia, porque a atividade acadêmica, cheguei, fiz mestrado, procurei ir trabalhando para fazer um doutorado. Lógico que com tanta coisa não dá para fazer. Mas nunca me afastei da sala de aula. Sempre dirigi, tive cargos diretivos dentro da faculdade. Estou falando isso porque acho que é importante. A gente ter essa postura quando vai mexer com cooperativismo, achar que é complicado, difícil, complexo, eu acho que essa é a realidade do mundo atual, essa aparente complexidade. Mas a vida é complexa. Não é fácil. A pessoa precisa ter consciência disso para saber trabalhar todas essas dimensões: de pai, de esposo, de médico, de professor, de dirigente, de político, porque o ser humano é essencialmente um ser político, mesmo aquele que acha que está em cima do muro, que é neutro – e na verdade, a pior posição política é da neutralidade, segundo uma autora francesa que eu li, sobre o processo de globalização, onde ela chama a atenção, criticando esse modelo de globalização, internacionalização da economia.
Lógico que ninguém é contra as coisas boas, essa integração do mundo, a queda de barreiras geográficas de fronteiras, cultura, de preconceitos e tudo mais. Mas o modelo usa esse discurso, mas na verdade faz a “mesmificação” de tudo, um padrão único para tudo. Desrespeita a cultura dos países. Os grandes querendo ficar cada vez mais grandes explorando os pequenos. Eu acho que é importante que a gente tenha essa visão também no exercício das atividades da cooperativa, na nossa atividade profissional. Eu procurei sempre conciliar todas essas atividades e acho que não é impossível. As pessoas falam: “Como você dá conta? ” Eu fico perguntando como a pessoa dá conta de fazer só uma coisa se a vida não é só uma coisa. E o ser humano, as potencialidades dele são múltiplas. Quantas vocações você poderia desrespeitar quando você coloca para pessoa o que ela vai ser quando você crescer. Como se ter uma profissão fosse o objetivo da vida do ser humano. Eu acho que não. Você vai ter uma atividade profissional, mas as suas atividades enquanto gente, cidadão, pessoa, tem que ser mais ampla, mais desafio.
P1 – Fala um pouquinho para gente o que a Unimed representa para os colaboradores médicos no passado e hoje?
R – Eu acho que ela representa uma mudança da água para o vinho em termos de mudança de mercado de trabalho e em termos do médico se organizar. Porque nós vivemos num mundo capitalista, certo? E o poder político advém do poder econômico. A medida que você tem uma estrutura como tem a Unimed de nível nacional, e uma estrutura tão grande, tão representativa na economia do setor de saúde no país, a gente não tinha a dimensão do poder que a gente tem, da influência que a gente pode.... Estamos começando a perceber isso. E está mudando acho que o perfil não só da classe médica, mas dos profissionais de saúde. Acho que a gente vai poder influenciar muito. A vida do médico mudando muito, mas também tendo a oportunidade maior de estar intervindo no mercado.
Uma das preocupações que a gente tem hoje, e eu falei isso nessas visitas, é do sistema Unimed não se tornar o carrasco da classe médica. Porque à medida que você concentra o poder, concentra a economia, desperta o interesse de todas as áreas. Aí pega a área do governo, quer dizer a parte de tributos. O governo vê esse volume de recursos, quer tributar. As multinacionais vêem esse monte de recursos, querem vender equipamento médico-hospitalar. Não querem saber se precisa ou não precisa, se é adequado para o modelo de coisa. Medicamentos, querem vender. Na América do Norte não existe mais esse contato direto com a indústria de equipamentos médico-hospitalar. Esse relacionamento já é direto com os governos, com as grandes operadoras de planos de saúde, essas coisas. Nós temos que ter cuidado com isso também, porque senão, daqui a pouquinho, nós vamos colocar o sistema Unimed não a serviço da sociedade, mas dos nossos clientes.
Outra coisa, eu acho que os benefícios que os médicos têm tirado do sistema Unimed é em decorrência da prestação de serviços ao setor de saúde e precisa ser bem remunerado. Acho que nós somos profissionais de uma área crítica, muito importante e tem que ter boas condições de trabalho, todos os profissionais de saúde, até para poderem trabalhar melhor e poder produzir melhor. Mas tem que ter cuidado, senão, daqui a pouco essa estrutura vai ser utilizada para explorar o médico e de uma forma coletiva. Quando isso era feito de forma individual, para eles era até mais difícil. Agora, você mexer com uma estrutura dessas, tentar influenciar as políticas, dentro de uma estrutura grande como a Unimed, você vai influenciar também a conduta do médico e até da própria população.
Nós estamos vivendo um grande dilema, que sempre existe entre a medicina curativa e a medicina preventiva. E acho que o sistema Unimed tem que dar uma resposta. Eu vislumbro pela primeira vez na história do país, condições para que o governo e a medicina suplementar através da Unimed passem a trabalhar mais na promoção de saúde e na prevenção das doenças, do que na mercantilização da doença de nossa população. Doença não é para dar lucro. Quem tem que dar lucro e resultados é a saúde. E a Unimed hoje tem esse papel e nós não podemos fugir, nos eximir de participar efetivamente desse processo de discussão. Inclusive, no meu entender, em parceria com o governo, com o setor público. Um país de 180 milhões de pessoas onde só 45 milhões têm acesso à medicina suplementar, nós temos mais 150 milhões que precisam ter equacionado ou pelo menos minorado seus problemas na área de saúde. E o sistema Unimed precisa dar essa contribuição. São muitos desafios, muita coisa que a gente tem. Agora, eu acho que ele é marcante para a classe médica na história da medicina, na história do setor de saúde do país. E as contribuições para o médico e para a sociedade que o sistema cooperativista está dando são muito grandes.
P1 – E como que são os colegas de trabalho? Algum especial?
R – A gente não vive sem ter apoio. Começa por casa, né. Eu falo lá em casa que meus filhos não tiveram pai, só tiveram mãe. Se eu não tivesse a esposa que eu tive, não conseguiria fazer tudo isso. Compreensão dela.
P1 – É difícil dividir essas atividades?
R – Muito difícil, principalmente dentro dessa visão que eu procurei dar para vocês, da forma como eu atuo. Exige muito, exige muita capacidade emocional, muito controle, muita dedicação, muita determinação, renúncia de muita coisa, porque senão, não consegue. Mas eu me sinto bem desse jeito. Profissionalmente, eu tenho um colega que tem 30 anos que trabalhamos juntos, eu sou clínico, gastroenterologista e ele cirurgião. E eu costumo falar assim: “Nós passamos as vezes três meses sem conversar um com outro”. Nós trabalhamos toda vida na mesma clínica, hoje mesmo consultório, e a gente, ele atende de manhã e eu a tarde. Eu faço a endoscopia de todos os pacientes dele. Ele opera meus pacientes. E a gente tem uma convivência que talvez se conversasse muito não desse tão certo. Dentro da medicina, nós dois trabalhamos de forma muito harmônica. E isso me ajudou muito, porque com tanta atividade, se eu não tivesse.... Na gastrenterologia não tem tanta urgência, elas são mais cirúrgicas. Então, sempre que eu precisei, ele estava ali. Como eu também, sempre que ele precisa, estou disponível.
P1 – Como é o nome dele?
R – Doutor Hélio Ponciano. Dentro da área médica, o doutor Tarcísio Dagoberto, outro colega de turma, que sempre esteve comigo acompanhando esse passo. Às vezes a gente não gosta de citar nome, porque acaba cometendo alguma injustiça. São muitos, eu estou citando aqueles que são mais próximos, colegas de turma. Dentro da faculdade de medicina, porque fui diretor da faculdade de medicina, o Doutor Isol Pimentel Arantes, doutor Tarcísio, criamos a diretoria financeira do hospital, criamos a diretoria de recursos humanos no Hospital Universitário. Se eu não tivesse esses colegas e logicamente o relacionamento é maior com os colegas de turma. Então, dentro da associação médica, dento do sistema Unimed, as pessoas, os dirigentes, os colaboradores médicos são muitos. Eu nunca deixei de ganhar uma eleição dentro do sistema Unimed. Implantei o voto direto e todas as vezes que eu fui candidato dentro do sistema representativo médico, graças a Deus, eu fui eleito. Então, além dessa colaboração de pessoas com quem lido diretamente, eu acho que sempre tive o apoio da classe médica que isso para mim é de uma importância muito grande. É o que me motiva mais. Cada vez que me exponho a avaliação da classe e tenho esse respaldo e aumenta mais a responsabilidade perante todos.
Quando você perguntou de colaborador, eu até quando falo em colaborador, penso nas pessoas que trabalham comigo dentro de outros níveis, outras áreas, tal, que é outra coisa também que é marcante. Eu procuro ter um envolvimento muito grande. Eu lembro que quando assumi a diretoria do Hospital das Clínicas, eu comecei da portaria. Pensei: “Vou começar a dirigir o hospital lá da portaria”. E comecei realmente desse jeito. Ver as condições do porteiro, do pronto-socorro, da entrada do hospital, dos ambulantes que ficavam ali diante daquela sujeira, vendendo bebida alcoólica à noite, cigarros na porta do hospital e tudo mais. Eu conhecia isso, mas não como diretor. Fui estudante, fui residente, fui professor, mas queria viver isso. E comecei realmente a dirigir da portaria, do pronto-socorro, da lavanderia, e realmente eu já conhecia, mas vivi o hospital como um todo. E assim eu tenho feito dentro da Unimed também. Eu sempre tive esse, sou muito enérgico, não diria autoritário, mas sou muito enérgico. Cobro muito de mim mesmo e das pessoas que estão comigo. Eles sabem disso. Mas por outro lado procuro dar todo apoio e dar todas as condições e ter aquela amizade mesmo com todas as pessoas. Minha despedida da Unimed Goiânia foi um negócio que vai marcar minha vida.
P1 – Falando de responsabilidade social. Quais outros projetos que tem lá na região?
R – Como eu fui para a federação e na realidade a federação não era operadora e a gente estava mais como órgão de representação das Unimeds, a gente acabou se afastando um pouco das atividades sociais diretas. Mas hoje, todas as singulares nossas têm atividades sociais muito importantes. A Unimed Goiânia, acho que parou um pouco. Não sei se tem algum outro projeto. Mas os dois projetos que existem na Unimed onde eu sou cooperado são esses dois que eu citei aqui.
Agora, se você pegar hoje todo o conjunto das Unimeds da cidade de Goiás e Tocantins, todas estão fazendo esse trabalho. São 20 singulares no Estado de Goiás e Tocantins, mais a federação. Sendo que duas singulares hoje não pertencem à federação de Goiás e Tocantins, porque se reuniram com Brasília e para criar uma federação precisa de três. Como Brasília não podia criar mais cooperativas dentro do distrito, o entorno ali, acabou que se juntaram Luisiana e Formosa com Brasília e criaram a federação Metropolitana. Então, no estado de Goiás existem 20 cooperativas. Filiadas à federação Goiás e Tocantins são 18, porque Goiás cedeu essas duas para o Distrito Federal, para que eles pudessem ter uma federação também. E também é outro desafio. “Para que criar? ”. Ainda agora tenho sofrido com isso: “Está vendo, cria Unimed para tudo quanto é lado e as Unimeds pequenas não têm condições de sobreviver”. Por isso estou visitando principalmente essas que são menores para levantar a moral deles e dizer que têm direito de existir. “Não é porque vocês têm um faturamento pequeno. A importância de vocês...” E aí vou mostra as outras dimensões da cooperativa para eles. Não é só a dimensão econômica. Há um risco de ter uma demanda judicial? Existe. Mas o cooperativismo tem mecanismos de minimizar isso, criar fundos, diluir esse risco entre as cooperativas. Agora precisa da sensibilidade das maiores. Porque se quebrar uma pequena é ponto negativo para todo conjunto. Essa que é pequena hoje amanhã vai ser grande. São 18 cooperativas hoje, todas elas bem estruturadas. A gente nunca teve uma visão paternalista e acho que isso ajudou muito. Desde o começo a gente não teve aquela visão clientelista, paternalista de fundação, de estar dando tudo. Não. Dá o apoio, dá orientação, mas cobra que os dirigentes se capacitem. O desenvolvimento do sistema cooperativista no estado de Goiás e Tocantins, o mérito não é só da federação, nem da Unimed Goiânia, que eu acho que contribuiu muito, mas principalmente das lideranças de cada cidade de cada região, que abraçaram e estão tocando o cooperativismo.
P1 – Tem alguma peculiaridade ali na sua região, que a distingue das outras regiões?
R – Eu acho. Sou bem bairrista nesse ponto. É o relacionamento. Infelizmente parece que ultimamente começou a toldar a água nesse ponto. Mas é um relacionamento muito tranqüilo, as conversas e tudo. A gente costuma dizer que quando tem amizade, não entra pela porta da frente, entra pela cozinha, que é o lugar melhor da casa. Principalmente lá em Goiás. Acho que a cozinha nas fazendas, nas chácaras e nas próprias residências é o melhor lugar. Ali você come, você conversa, saboreia seu aperitivo, ouve suas modas de viola. É a cozinha o lugar melhor. Até pouco tempo a gente ia e participava das reuniões na cozinha das Unimeds. Hoje infelizmente acho que esse processo de crescimento.... Às vezes as pessoas não estão bem preparadas para enxergar todas essas dimensões do cooperativismo, a importância da cooperação, da inter-cooperação. Tanto é que quando nós organizamos esse Conal, não lembro direitinho, mas foi há poucos anos atrás, a gente tinha essa preocupação. E nós propusemos a intercooperação como tema principal do congresso. E teve uma repercussão nacional muito grande. Esse evento foi o quinto congresso das Unimeds ligadas à Aliança, mas pra Unimeds do Brasil inteiro.
Nós fizemos o primeiro congresso sobre cooperativismo. Nós levamos todas as cooperativas, em todos os ramos, criamos a feira do cooperativismo e realizamos o décimo Sueco, que é o Simpósio das Unimeds do Centro Oeste, como tema “Intercooperação”. Vocês viram. Tinha ministro, governador e divulgou muito o nosso estado, a região centro oeste. Repetimos agora o décimo quinto Sueco na cidade de Caldas Novas. Voltei a insistir no tema da intercooperação. Isso é um campo tão aberto e nós temos que utilizar isso. O que acontece? Que estratégia estou utilizando? A parte econômica. Porque enquanto você fala que tem que ter solidariedade – os princípios do cooperativismo pregam isso: a democracia, a solidariedade, a cooperação, a intercooperação – mas parece que se não tiver alguma coisa palpável, ficar só na área da emoção, do sentimento, parece que a coisa não caminha. Qual é a tese que eu tenho defendido? Olha, nós temos hoje seis milhões de pessoas ligadas ao cooperativismo, no país, ou até mais do que isso. Faz uma continha simples de seis milhões de pessoas ligadas ao cooperativismo, cada um com três pessoas, familiares ou não ligadas a ela, já vai para 18 milhões de pessoas. O sistema Unimed tem 14, 15 milhões de usuários. Meu Deus! Se a gente conseguisse fazer com que esse pessoal de outros ramos e da própria Unimed – porque nós temos só 100 mil médicos na cooperativa, mas tem outros 200 mil que não estão dentro – você já pensou se fizer um trabalho integrado de inter cooperação entre as cooperativas e a gente prestar assistência médica para esses 18 milhões de pessoas? Em Goiás, nós estamos conseguindo isso. Já tem várias cooperativas que têm planos de saúde Unimed. Acredito que mais que nos outros estados. E agora mesmo a federação está assumindo esse papel de operadora, nós estamos focados nas nossas cooperativas. Estamos fechando uns contratos muito bons dentro do ramo cooperativista. É importante que a gente se contraponha a essa corrente que diz que só pode ter Unimed grande, sem Unimed pequena. E que a falta de solidariedade, inter cooperação dentro do ramo cooperativista e também dentro de outros diversos ramos.
P1 – Vamos falar sobre educação dentro do cooperativismo. Como você avalia essa questão na sua região?
R – Ela foi fundamental. O problema é o discurso. Eu desde estudante, de criança, que eu ouço isso. Eu não sei se foi por causa da educação que eu consegui romper tudo quanto foi barreira, que eu comprovei na prática, pessoalmente, que através da educação é a melhor maneira de você crescer. E crescer, eu prefiro até usar o termo desenvolver do que crescer, se desenvolver. Isso se é bom para o indivíduo, é bom para o grupo, para o coletivo, é bom para a nação. Agora o que não pode é ficar só no discurso. O que eu procurei e acho que a educação teve um processo muito forte lá em Goiás, foi porque além de achar que a educação realmente é fundamental, é imprescindível para a qualquer processo que você procure desenvolver, seja em qualquer área de atividade humana, eu fiz questão de colocar a educação na frente de todas as atividades. Criamos estruturas.
Hoje a federação parece mais uma, não vou dizer Universidade porque seria muita pretensão minha, mas parece muito mais uma unidade educacional do que uma empresa. Se você for lá ver, constantemente está tendo curso, tendo atividade, discussão. Nós fizemos um curso de pós-graduação em direito cooperativo, vários cursos de administração de cooperativa, treinamento em todas as áreas contábeis, jurídicas. Agora estamos entrando na área técnica: curso de capacitação na área de UTI [Unidade de terapia intensiva], que tem uma carência muito grande. Estamos expandindo a qualificação do sistema, exigindo melhor qualificação do atendimento médico no interior. Se eu não qualificar os médicos do ponto de vista técnico para atender as urgências, emergências, UTI, operar equipamentos mais sofisticados e tudo, como vou desenvolver uma medicina de padrão melhor? Se eu não treinar os médicos sobre como se trabalha na promoção de saúde e na prevenção de doenças... A gente não tem esse treinamento durante o curso médico, você só ouve falar. Mas hoje não dá mais para ouvir falar, tem que fazer, tem que treinar. Começa não é pelo projeto, começa com preparar as pessoas, ou as duas coisas juntas. Mas eu acho que se você puder começar por qualificar, capacitar, treinar as pessoas para fazerem aquilo que é essencial, que o conjunto define como essencial, a chance de ter sucesso é muito maior. Se você cria um projeto sem essa infra-estrutura de pessoal, o que acontece? Ele pode fracassar. Fortalece a posição daqueles que dizem que não funciona, que não dá certo, isso não tem como. Eu sempre tive esse cuidado. Médico sabe administrar, desde que ele queira. E eu acho que nós somos treinados para administrar. Eu traço um paralelo muito grande entre o processo administrativo e a formação do médico.
Você me perguntou sobre o que marcou a vida e eu lembrei agora de Peter _____. Ele estava aqui em São Paulo, em 1994, ele tinha vindo ao Brasil, foi a única vez que ele veio ao Brasil, acho, e ia dar uma palestra no Anhembi e eu fui assistir. E ele marcou realmente minha vida nessa parte administrativa. Eu vou relatar um detalhe, já quase no final da palestra. Tinha 1.500 pessoas, quase todos empresários da área pública, privada. Alguém levantou e perguntou para ele, se ele estando com quase 90 anos, se fosse começar a vida profissional dele, quais seriam as áreas que ele atuaria. Ele não esperou um segundo, falou: “Entretenimento, educação e saúde”. Naquela época, eu pensei: “Coitado, está gagá” Porque saúde, educação e entretenimento? Eu olhei dentro da ótica do..., mas hoje se vocês verem o setor que mais crescem e se desenvolvem no mundo são esses três setores. Eu li quase tudo dele que caiu na minha mão, porque acho que ele tem uma visão 100 anos luz, sabe? Para mim, ele é o verdadeiro pai da administração. Então, são essas coisas que eu acho que precisamos valorizar.
A educação tem esse papel mesmo transformador, de mudança de comportamento, mas precisa sair do discurso, ir para a prática. Se eu for ver as pessoas que mais marcaram minha vida, principalmente profissional, em toda ela, são professores. Desde o pré-primário. Eu lembro da minha professora do pré-primário até hoje.
P1 – o senhor estava falando sobre o curso de administração.
R - O tripé que nós criamos entre a Universidade Católica, a Organização das cooperativas do Estado de Goiás e o sistema cooperativista. Porque aí eu fui buscar dentro de uma cooperativa que já tinha a vivência do sistema cooperativista, mas muito para o ramo agropecuário e não para o ramo de saúde, que eles nem conhecem. Tanto é que quando se fala em cooperativismo hoje, em termos de Brasil, todo mundo pensa em agropecuária. Está mudando de pouco tempo para cá. Mas a pessoa tinha o conhecimento da doutrina, dos princípios, dos modelos da empresa cooperativa. Da Católica, para buscar a visão acadêmica da coisa. Vamos buscar professor de economia, colocar coisas para eles lerem, se interessarem e tal.
Fizemos os primeiros cursos juntos, onde a gente dava aula também, porque também era professor universitário. Participei do primeiro curso, porque eu intervinha na aula quando eu via que a coisa estava descambando para um lado inadequado. Foi uma experiência sensacional que eu tive. E acabamos criando essa estrutura. Hoje, por exemplo, nós temos a Fundação Unimed que já tem um corpo de docente que com essa visão cooperativista. Nós mesmos, temos ex-alunos que dão palestras, são hoje dirigentes e acabam ajudando no curso de auditoria, de tudo, dentro da visão cooperativista. Foi essa parte educacional, não só foi como é, e enquanto eu estiver a frente de alguma instituição, seja ela pública ou privada, a gente vai investir nisso, não só no discurso ou no papel, mas colocar em prática. O que não é tão difícil assim, nem gasta tanto dinheiro como as vezes parece. “Eu não faço isso porque não tem...” Não. Tem condição.
Educação não é tecnologia é relação de pessoas. É ideia, é capacidade de se comunicar, de se relacionar, ter poder de convencimento e isso não custa. Custa muito esforço, mas financeiramente não é tão alto. Se a gente enfocasse a educação por esse ramo, teria uma qualidade de ensino no país muito melhor. O computador é importante, mas o professor é bem mais do que tudo isso. É uma ferramenta e tem outras tantas ferramentas que a gente pode utilizar com resultados até maiores e melhores. Principalmente se tratando de cooperativismo.
P2 – Uma pergunta sobre a ANS. Quais as principais mudanças que ela trouxe pra Unimed?
R – Olha, eu acho que a ANS, como agência reguladora, acho até que é importante ter vindo mesmo, certo? Nós vivemos num país sem regras, num país sem controle, sem muito critério para fazer as coisas. E ela veio para normatizar. O problema da ANS é que ela extrapolou um pouco as funções dela. Ela começou a querer arrecadar. Principalmente para nós, cooperativistas, ela desconhece. Nós temos regime jurídico próprio, nós temos a lei, artigos da constituição que definem o que é uma cooperativa, o que é um ato cooperativo, como funciona uma cooperativa. Eu acho que ela precisa só entender o que é. Não é culpa da ANS essa dificuldade de se entender o que é uma cooperativa. Esse momento é de transição, onde ela precisa respeitar as peculiaridades e características do sistema Unimed. E também ver que nós somos hoje o segmento maior do cooperativismo. E sendo o maior, tem mais força, mas tem mais problemas e mais dificuldades de realizar tudo aquilo que eles exigem, até mesmo pelo modelo descentralizado de gestão, de organização. Se a gente for obedecer ao que a ANS exige, logicamente que pequenas cooperativas, como operadoras, ficam difíceis de existir. Agora eu acho que não é acabar com as cooperativas. A ANS tem que adequar as suas exigências ao nosso modelo e ajudar a gente a viabilizar esse modelo e não destruir o modelo. Acho que vai ser nefasto para o país, para a sociedade e para a classe médica, que vai ser um prejuízo muito grande.
P2 – Que lições você acha que pode tirar do passado e levar para o futuro da Unimed?
R – São muitas. As pessoas às vezes falam que estão envelhecendo e perdendo o entusiasmo e a esperança. A primeira lição que eu tiro do passado é que eu não penso desse jeito. Quanto mais eu vejo o passado mais me entusiasmo pelo presente. Mais tenho esperança pelas mudanças. Nunca achei que o passado fosse melhor do que o presente. Apesar de todos os problemas eu tenho uma visão otimista, tanto profissional e mesmo como cidadão. Eu acho que o país, talvez pela minha experiência de vida, e preciso ter cuidado, porque não posso confundir minha trajetória pessoal e profissional e achar que todo mundo está tendo essa mesma trajetória, mas eu tenho essa preocupação de analisar não em função da minha pessoa, mas do processo que eu vivo e da sociedade. Como eu disse para você, desde muito novo tenho essa preocupação social de estar olhando, vendo as coisas. A gente vê hoje. O país melhorou muito, cresceu muito.
A medicina cresceu muito. É difícil falar. O acesso à medicina está difícil. Está. Mas na minha época. Você não tinha, você não via médico, não tinha acesso. Eu costumo brincar que quando a gente era criança tinha medo de dois veículos, lá em Vila Nova: o Samdu – Serviço de Assistência Médica de Goiânia, uma ambulância – e vocês imaginem uma ambulância em 1958, 1960; e a viuvinha, que era o carro da rádio patrulha, da polícia. Quando apitava essas duas coisas, todo menino tinha medo. Porque o medo de precisar do Samdu era tão grande quanto o medo do que a polícia fazia e ainda faz, às vezes, até hoje com o cidadão. Eu não vejo isso mais. Estou com um filho já trabalhando, já se formou e está trabalhando num pronto socorro numa cidade próxima de Goiânia. O nível de exigência das pessoas é muito grande e às vezes você tem que explicar para ele, porque extrapola o razoável, o óbvio. O médico trabalha muito. Num plantão de 12 horas, ele chega a atender 80 pessoas. Recebe 200 reais pelo plantão. É menos que três reais por cada atendimento. Do ponto de vista financeiro é até uma agressão. Mas você tem que mostrar para ele a importância de ele estar atendendo aquelas pessoas. Porque se fosse pagar mais talvez o estado não conseguiria. É a contribuição social que a classe médica dá, independente de querer ou não. E às vezes não é reconhecido isso pela própria sociedade. Quando o médico se dispõe a atender, mal ou bem, num pronto socorro, com as condições que são dadas e recebendo isso, é porque tem alguma coisa diferente nessa profissão. Não venha me dizer que é pela necessidade única e exclusiva financeira. Porque um cara que chega ao nível, passa no vestibular, se forma, se não tiver competência de ganhar mais do que isso em qualquer outra atividade, não dá conta de ser médico. Honestamente não dá. Não é. Perdi um pouco o foco. Mas é essa situação que precisa ser vista.
É essa visão otimista. Acho que a questão das lições que eu tenho do futuro é que o futuro é uma coisa para se olhar pelo retrovisor. De vez em quando dá uma olhada e tal. Mas tem que olhar para frente, mesmo. Eu costumo brincar com a minha esposa que eu não gosto de dar ré nem em carro. Se eu puder ir lá na frente e virar o carro, prefiro a ter que dar ré. Eu acho que você ficar olhando o passado.... Lógico que você tem que conhecer a história, até para não achar que está construindo um mundo. É uma lição grande para gente não ficar muito vaidoso e se orgulhar de uma coisa que não foi feita só por você, teve todo um processo de construção.
O sistema Unimed não começou por quem está dirigindo ele hoje. Às vezes, algum dirigente se arvora como se ele estivesse descobrindo a América. Quando a América não foi descoberta. Hoje eu vi na Folha de São Paulo os índios falando: “Poxa, nós, egoístas? Nós exigindo? - Como é o termo que ele usava – nós já fomos donos de 100%. Hoje temos 13% e queremos preservar os 13% que resta”. Eu acho que as vezes o pessoal precisa refletir um pouquinho, porque pensam que estão construindo isso aí. Não. O processo do cooperativismo começou muito antes do sistema Unimed. O sistema Unimed começou há algumas décadas dentro de uma mudança da classe médica, política social e do país. Criou dentro de um contexto que a história mostra como foi criado.
P1 – Como o senhor vê essa atuação da Unimed no Brasil?
R – Acho que é fundamental. Posso até divergir de algumas posições e é normal. Acho que é importante que se divirja. Mas a Unimed do Brasil tem um papel fundamental. Eu acho que a Unimed Brasil precisa ter o cuidado de representar o país como um todo. Não é? Porque fica as vezes muito centrada nas grandes Unimeds, nos grandes centros, com a visão dos grandes projetos, das grandes coisas, quando já dizia Roberto Carlos que as coisas estão nos detalhes. Nos detalhes que se faz a diferença. Eu acho que o cooperativismo prega isso, de que todos são iguais. Fico muito preocupado quando se começa a questão do voto proporcional. Poxa, se for fazer voto proporcional, o Sul e o Sudeste dominam tudo, aprovam tudo, fazem tudo. E a gente que está lá? Já nem digo nós de Goiás, a minha pequena cidade de Crateús, no Ceará, como fica nesse processo? O poder, ele é descentralizado. Acho que tem que centralizar a representação política, ao nível de governo federal, governo central.
A representação econômica de operadora, nos grandes centros, lógico que tem que ter um peso, porque as grandes empresas, a economia forte está aqui no estado de São Paulo e na região centro-sul. Está mudando, mas ainda está aqui. Então tem que ter uma representação forte nessa área aqui. A questão do marketing ao nível nacional da marca, do nome, tem muita coisa para fazer. Mas tem que ter esse cuidado de não querer influir muito na vida política de cada região, de querer transpor modelos de marketing. Eu levei a Unimed Goiânia de 16 mil para 144 mil usuários sem fazer nenhuma publicidade. Lá não temos nenhum concorrente. Aqui eu sei, vivi em São Paulo, a concorrência é brutal. Se não tiver um trabalho de marketing muito bem feito.... É diferente de lá. Lá o trabalho é outro. São situações em que eu acho importante dar voz ao país inteiro, viabilizar a participação de todas as lideranças, trazer mais as pessoas para votar. Acho que esse modelo de voto por federação, aonde elas vêm sem trazer pelo menos as lideranças das cooperativas, as 380 cooperativas, acho que o ______ está tentando fazer na Aliança.
P1 – A Unimed está comemorando 40 anos. O que o senhor acha de comemorar esse evento com um projeto de memória?
R – Achei essa ideia fantástica. Dizem que o brasileiro não tem memória, né? A gente valoriza muito pouco a história. E eu acho que é importante. As vezes as pessoas encaram essa visão como culto a personalidade, essas coisas. Mas a história é feita por gente e não tem como você não ouvir e não levar em consideração as pessoas que participaram do processo de uma forma ou de outra. Ter a visão deles nesse processo. Acho que está de parabéns, é uma iniciativa muito importante. Espero que não esqueçam ninguém dos que participaram.
Uma outra coisa que se eu tivesse sido consultado, não sei nem se vão fazer isso, é que não ouvisse só os dirigentes. Nós tivemos muitas pessoas, funcionários, muitas pessoas que contribuíram, participaram. É uma coisa que chama muito a atenção dentro da empresa cooperativa, o envolvimento. Eu chego a dizer que o envolvimento do quadro funcional das cooperativas chega a ser maior que o envolvimento dos próprios médicos com a organização. Hoje nós estamos fazendo uma homenagem no nosso informativo – desde o ano passado, em cada número que sai, a gente pede para entrevistar os colaboradores mais antigos do sistema. E está sendo muito interessante. Às vezes a gente se assusta com o tanto que a pessoa dá valor àquilo, quanto ela se sente prestigiada e até uma demonstração de que parece que elas não esperavam que alguém fosse querer ouvir o que elas tinham... acho que é uma iniciativa brilhante. Acho que é muito importante para a história do cooperativismo. Acho que para a turma mais jovem, que está começando, isso é bom para eles ouvirem, verem o que foi feito, os argumentos.
Às vezes as pessoas acabam tirando conclusões equivocadas do processo histórico. É o momento de se reparar alguns erros que possam ter sido cometidos, algumas injustiças com algumas pessoas. Acho que a ideia foi muito boa. Tenho certeza que vai ser um documento histórico muito importante, que vai ter muita utilidade. Nesse movimento que nós estamos vendo de reintegração, voltar a se discutir, abrir espaço para as pessoas que pensam diferente, que tem propostas diferentes sentem junto. Nesse evento lá eu coloquei o processo de integração levando em consideração a unidade dentro da diversidade. Hoje nós vivemos num mundo de diversidade e nós precisamos aprender a conviver com as diferenças, com os desiguais.
Esse e um momento de reflexão, onde todos estão sendo entrevistados. Eu mesmo quero ver essa fita, ouvir, repensar coisas. E talvez procurar pessoas que tenham pensamentos diferentes do meu, para poder repensar o que estou fazendo. Porque hoje o mundo é esse. Não dá para achar que vai ser a mesma coisa, padronizar tudo, tudo ser igual, marketing, plano, preço. Nós estamos numa pressão muito grande para isso. As lideranças são diferentes, momentos diferentes, estágios diferentes de desenvolvimento. Você tem cooperativas que já estão fazendo pós-graduação em Harvard e tem dirigentes que mal pularam o Paranaíba. A gente brinca muito que a maior felicidade minha é que eu pulei o Paranaíba de Goiás e vim aqui em São Paulo. Muda a vida da gente essas coisas. Parabéns. Não vi todo o trabalho ainda, mas logicamente que vai ser coroado de êxito e é uma contribuição que a Unimed do Brasil e vocês estão dando para todo o sistema.
P1 – Você gostou de participar da entrevista?
R –Gostei, gostei. Porque a gente as vezes não tem.... Eu acho que está faltando dentro do sistema essa oportunidade das pessoas falarem mais. Tem que abrir esses fóruns de debates. Eu nunca tive medo do debate, medo da discussão, medo de me expor e a gente precisa perder esse medo. A gente perde eleição, mas não perde a oportunidade de expor os seus pontos de vista e ouvir os pontos de vistas dos outros. Ganhar ou deixar de ter o poder não pode ficar condicionado a você abrir ou não abrir o espaço para as pessoas se manifestarem, para outras lideranças aparecerem. Eu acho que não. O sistema é tão grande que tem espaço para todo mundo. Tanta coisa para ser feita. É que as pessoas querem fazer aquilo que já está sendo feito. Ocupar o mesmo espaço. E a física já diz que dois corpos não ocupam o mesmo espaço ao mesmo tempo. Infelizmente ainda não é possível isso. Mas tem formas de se fazer. Esse projeto além de trazer a perspectiva histórica é um bom momento até de “catagem” do pessoal, de colocar, de fazer e vai ser um documento que vai servir para todo mundo que participou ou não participou dele de estar avaliando as ideias, de estar avaliando o que foi feito e o que deixou de ser feito. E projetando o futuro. Para mim, sempre para melhor.
P1 – Está ótimo. Em nome da Unimed e do Museu da Pessoa a gente agradece.
R – Obrigado a vocês.Recolher