P/1 – Boa tarde Eduardo, eu queria começar a entrevista pedindo para você falar o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Eduardo Vinícius Fernandes de Sousa, nasci no Rio, em 28 de maio de 1960.
P/1 – Eu queria que você falasse o nome de seus avós e a atividade profissional, se você lembrar.
R - Meus avós por parte de pai trabalhavam nos Correios e Telégrafos, meus avós por parte de mãe... Minha avó era só dona de casa e meu avô trabalhava no ramo de armazém, essas coisas.
P – E eu queria que você falasse o nome de seu pai, sua mãe.
R – Meu pai é Vinícius Nelson Garcia de Sousa, é médico, diácono, trabalha como diácono da igreja católica também e minha mãe também é dona de casa.
P – E você foi criado em que bairro da cidade?
R – Nasci e sempre morei na Tijuca.
P – E Eduardo, qual a primeira lembrança que você tem da sua casa?
R – Primeira lembrança que eu tenho da minha casa?
P – Lembrança de infância que você tem.
R – Olha, a lembrança que eu tenho de muito pequeno é eu dentro do meu quarto, com meus irmãos, acho que só com o segundo e a gente queria sair do quarto e meus pais estavam dormindo e a gente resolveu abrir um buraco na parede para sair pelo buraco da parede porque a porta estava trancada. O que eu me lembro de pequenininho é disso.
P – Você tem quanto irmãos?
R – Tenho dois irmãos.
P – Mais velhos?
R – Não, mais novos.
P – E você então passou a sua infância na Tijuca?
R – Sempre.
P – E do que você brincava?
R – Eu sempre fui muito caseiro, nunca gostei de sair muito de casa, até hoje, para sair de casa é para jogo do Flamengo ou para ir ao Flamengo, ou para arrumar alguma coisa para o Flamengo. Eu sempre fui muito caseiro, então brincava muito dentro de casa mesmo, sempre tinha quintal, sempre tinha lugar para jogar futebol também, que...
Continuar leituraP/1 – Boa tarde Eduardo, eu queria começar a entrevista pedindo para você falar o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Eduardo Vinícius Fernandes de Sousa, nasci no Rio, em 28 de maio de 1960.
P/1 – Eu queria que você falasse o nome de seus avós e a atividade profissional, se você lembrar.
R - Meus avós por parte de pai trabalhavam nos Correios e Telégrafos, meus avós por parte de mãe... Minha avó era só dona de casa e meu avô trabalhava no ramo de armazém, essas coisas.
P – E eu queria que você falasse o nome de seu pai, sua mãe.
R – Meu pai é Vinícius Nelson Garcia de Sousa, é médico, diácono, trabalha como diácono da igreja católica também e minha mãe também é dona de casa.
P – E você foi criado em que bairro da cidade?
R – Nasci e sempre morei na Tijuca.
P – E Eduardo, qual a primeira lembrança que você tem da sua casa?
R – Primeira lembrança que eu tenho da minha casa?
P – Lembrança de infância que você tem.
R – Olha, a lembrança que eu tenho de muito pequeno é eu dentro do meu quarto, com meus irmãos, acho que só com o segundo e a gente queria sair do quarto e meus pais estavam dormindo e a gente resolveu abrir um buraco na parede para sair pelo buraco da parede porque a porta estava trancada. O que eu me lembro de pequenininho é disso.
P – Você tem quanto irmãos?
R – Tenho dois irmãos.
P – Mais velhos?
R – Não, mais novos.
P – E você então passou a sua infância na Tijuca?
R – Sempre.
P – E do que você brincava?
R – Eu sempre fui muito caseiro, nunca gostei de sair muito de casa, até hoje, para sair de casa é para jogo do Flamengo ou para ir ao Flamengo, ou para arrumar alguma coisa para o Flamengo. Eu sempre fui muito caseiro, então brincava muito dentro de casa mesmo, sempre tinha quintal, sempre tinha lugar para jogar futebol também, que eu sempre gostei muito também. Quando pequeno jogava em casa mesmo. Botão, eu gostava muito de jogar botão.
P – Qual era o seu time de botão?
R – O meu time de botão? Como assim?
P – Era que time?
R – Era Flamengo. Você diz escalação?
P – Não, era esses times da Estrela, tampa de relógio?
R – Não, eu peguei botão de galalite já, peguei alguns de botão mesmo, mas mais de galalite, não sei como é hoje. Ainda jogo com o meu time até hoje.
P – E como era a Tijuca, no início dos anos sessenta, na sua infância?
R – Era muito tranquilo ali, muito tranquilo. Por exemplo, a rua que eu nasci, meus pais moram até hoje, quase não passava carro, hoje em dia é um inferno, a rua é um inferno. Rua José Higino, e eu hoje moro em uma rua que sai na José Higino que é a Clemente Falcão, que é bem mais tranquila. Eu acredito que era bem mais tranquila, mas hoje em dia ainda é muito boa, não tenho do que reclamar não.
P – E você começou a estudar em que colégio?
R – Eu comecei a estudar no Colégio Nossa Senhora da Misericórdia, que era ali pertinho também. Fiz ali só dois anos e fui estudar no Colégio São José que foi onde eu fiz todo o meu curso até ir para a faculdade.
P – E você fez faculdade de quê?
R – Fiz Engenharia Civil, jamais exerci, só fiz o curso, acabei, me diplomei e não serviu para nada. É porque eu tenho uma dificuldade muito grande em gostar, eu só penso em Flamengo, desde pequeno é jogar bola, era camisa do Flamengo. Jogava botão com Flamengo, o meu negócio sempre foi Flamengo. Então o que aconteceu? Eu era muito bom aluno de matemática. Então falava: “Ah, quem dá para matemática, dá para engenharia.” Ficava aquela coisa meio restrita, quem gosta de ciências é médico e isso não tem nada a ver uma coisa com a outra. É uma coisa completamente absurda, mas eu segui esse raciocínio, por influências erradas. Fiz engenharia e vi que não tinha nada a ver comigo. Eu gosto até de obras, eu gosto de acompanhar obra, eu gosto até de fazer, mas eu digo, podia ser pedreiro e não engenheiro. Eu gosto de fazer, gosto de mexer a massa, entendeu? Então já foi errado. Depois que eu me formei, aí estava sem saída, como eu vou fazer? Eu sou engenheiro, mas não gosto disso. Fui trabalhar nos correios porque arrumaram para mim uma coisa administrativa. Fiz o concurso lá, passei, mas não tinha nada a ver também. Aí comecei a querer fazer, por fora, eu estava pensando: eu tenho as súmulas do Flamengo. Desde 1974 eu anoto tudo, escalação, gols, minutos, pênaltis perdidos, expulsão, todos esses detalhes das súmulas eu tenho. E aí eu queria... Eu senti que com isso eu precisava ter uma pesquisa. Saber quanto gols o Zico fez no Botafogo, de cabeça, entre os quinze e os trinta minutos do segundo tempo. Isso daí é você só na mão, pegar e tal ou com recurso de informática que eu não conhecia nada na época. Meu irmão que mexe muito com isso, disse: “Ah, você tem de fazer assim, assado e tal.” Eu não entendi nada do que ele falou. “Desculpe, eu estou te amolando, vou fazer um curso disso.” Fui fazer um curso de informática para entender o que eu queria fazer no Flamengo. Resultado: aí pelo menos eu tinha alguma formação e eu fui trabalhar com informática. Só que enchi também, porque ficar fazendo programas, sistemas, enche o saco de qualquer um, e o que eu fiz? Ao longo desses anos, eu fui tentando diversificar um pouquinho e aí o que acontece? Eu tenho os meus discos do Flamengo: “Ah, vou passar para CD.” Aí aprendia como é que passava para CD. Aí trabalho um pouco com cada coisa que eu vou aprendendo, entendeu? Aí edição de imagens. Tem fotos do Flamengo velhas, estragadas, precisa retocar. Aprendi a escanear a editar a foto. Eu vou trabalhando naquilo que o Flamengo me exige e aí eu vou trabalhando nisso.
P – Tá, agora vamos voltar lá para trás. Como você se torna Flamengo?
R – Nasci Flamengo! Nasci Flamengo. Eu não me tornei, ninguém se torna Flamengo. Para mim não! Eu nasci, nasci de fórceps, naquela época era na marra, quando não tinha surgido cesariana. No dia que eu nasci não tinha jogo do Flamengo, queriam me tirar: “Eu vou sair daqui para quê? Eu vou ficar aqui dentro, pô!” Aí me tiraram na marra, aí tudo bem, nasci. Mas já nasci Flamengo, já nasci... Não chorei, já fiz: “Fla! Fla! Fla!” Já nasci assim.
P – E a sua família é Rubro Negra?
R – Ah, é. E a mulher era Vasco, com um ano de namoro mudou porque eu não ia na casa dela se o Flamengo perdesse. Então ela começou a torcer para o Flamengo para não me ver aborrecido, me ver coisa... Hoje o time que ela mais odeia é o Vasco, não quer nem ouvir falar. Minhas filhas também são Flamengo.
P – Quem tem influenciou ser Flamengo?
R – O meu pai é Flamengo e não suporta futebol. Minha mãe é Vasco, filha de portugueses. Eu tenho uma avó, a mãe do meu pai, ela é Flamengo, ela gostava, brincava, pagava, eu ia a jogo e ela me dava o valor do ingresso, pagava o meu ingresso. Mas não tem incentivo não, estou te dizendo, isso é coisa que a gente vê, gosta.
P – Coisa sua?
R – É, coisa minha.
P – E Eduardo, qual foi a primeira vez que você teve, embora tendo nascido e tal, qual foi a primeira vez que você teve contato com alguma coisa relacionada com o Flamengo, na sua infância?
R – Eu me lembro de sempre ter vontade de ir a jogo e o meu pai nunca me levava porque não gostava e eu tentava arrumar alguém para me levar. E um tio meu me levou a primeira vez. Ele vascaíno, me levou para assistir um jogo do Flamengo, fiquei na torcida do Fluminense, porque a gente chegou atrasado e para variar já estava... E infelizmente foi o dia daquele gol do Hilton com a mão. Com a mão não, ele desvia do goleiro com a mão e faz... Foi o meu primeiro jogo do Flamengo, eu tinha oito anos já. Minha filha mais velha foi ao primeiro jogo com oito meses.
P – Então quer dizer que você começou vendo uma derrota?
R – Vendo uma derrota, infelizmente. E tenho a relação dos jogos todinhos que eu fui desde a primeira vez.
P – E aí, como foi começando essa coisa de você virar um colecionador de assuntos ligados ao Flamengo?
R – Não sei, colecionador eu sou, sempre tive mania, gostava de fazer coleção de figurinha, eu tenho essa coisa de colecionador. Acho que começou a aliar o amor ao Flamengo ao hábito de colecionar.
P – E a sua coleção começa com quê?
R – Minha coleção começa... Eu acho que com chaveiro e com uns plasticozinhos que eu comecei a ver: “Ih, ganhei um chaveiro, já tenho um chaveiro, ganhei plástico.” Aí já colocava em um cantinho, eu sou muito organizado, gosto de ter um lugar certinho só para ter aquilo, para não misturar as coisas. E aí foi.
P – Isso foi em que ano?
R – Eu me lembro, que marca bem para mim, foi a época que eu comecei a anotar a relação de jogos do Flamengo. Foi 73. 74 já tem a súmula completa. 73 eu comecei a colocar só o jogo, quem fez os gols, com o resultado. Coisa bem simplesinha.
P - Você tinha quantos anos?
R – Tinha treze anos. Menos de treze. A gente ouvia muito na imprensa: “Fulano tem tantos gols.” E a outra rádio dizia que tinha outro número. E eu dizia que era impossível, como os caras não anotam direito. E eu dizia: “Eu vou anotar para ver se eles estão certos.” Foi mais na base da crítica do que achar que eu devia fazer. Dá um trabalho desgraçado, dá um trabalho legal, tem dia que você tem de ficar com o radinho de pilha ouvindo um jogo que está passando lá no fim do mundo. Anotar os cartões amarelos, quem jogou, quem entrou, que camisa que o cara entrou. É uma coisa terrível.
P – Vamos tentar contar um pouco a história da evolução da sua coleção, começa com os chaveiros, plásticos...
R – É, aí eu comecei a anotar e aí o que foi que eu fiz? Eu aproveitei que o meu pai fez uma obra lá em casa, botou forro no teto e as madeiras que sobraram eu já juntei, meti uns pregos e fiz um armariozinho baixinho, com uma prateleira só, duas prateleirazinhas só, para botar o caderninho. Aí já botava o chaveiro assim. Aí já ganhei uma caneca, me deram uma caneca, aí botei a caneca e tal e achava aquilo... E aí comecei com o negócio dos gols. Os gols, na época, não tinha aquele negócio de cassete. Então eu pegava o radinho de pilha – também não tinha o três em um – pegava o radinho de pilha, me trancava no quarto com o gravador e microfone. E lá ia e todo o mundo tinha de calar a boca porque eu tinha de gravar o gol. Aí entrava alguém, às vezes invadiam o quarto na hora que eu estava gravando o gol e para tudo e aí esperava outra rádio para repetir o gol. Eu tenho alguns gols lá gravados em cassete. E no dia seguinte eu comprava o jornal, o Jornal dos Esportes principalmente, tinha a sequência do gol, o cruzamento, a cabeçada e aí eu colava aquilo em um caderno deitado, que eu tenho até hoje. E depois eu ficava imaginando assim e dava a impressão de que vinha o gol e eu ia ouvindo com a fita cassete ao mesmo tempo. Depois foi melhorando, depois teve videocassete, aí eu passei a gravar os gols em fita de videocassete e tal.
P – E daí você já começa em fita de vídeo?
R – Fita de vídeo foi só em 82, de lá para cá eu tenho a grande maioria dos gols do Flamengo. Isso a parte de gol, áudio e vídeo, mas enquanto isso eu fui colecionando, eu fui colecionando tudo. Eu coleciono qualquer coisa do Flamengo. Eu chego numa feira de colecionadores e o cara tem uma banquinha de disco: “Ah, você se interessa por disco do Flamengo?’ “Não, por qualquer coisa do Flamengo, um chaveiro, um plástico, uma caneca, uma medalha.” E assim eu fui fazendo as amizades e um ou outro vai me arrumando, arrumando.
P – E como a sua família encarou isso, ela te incentivava ou não?
R – É, no tempo em que eu era garoto o meu pai incentivava porque era aquela coisa né, o rapaz, o garoto vai pelo menos crescer em uma coisa saudável, boa, não vai arrumar má companhia e tal, vamos incentivar. Depois ele achou que eu era maluco, não achou, descobriu. E aí ele dizia: “Não, isso aí está demais.” “Está demais não, você incentivou para fazer bem feito.” E aí eu fui fazendo. E aí ele começou dizendo: “Nossa, mas essa tua paranóia vai acabar, esse negócio de assistir a tudo quanto é jogo, esse negócio de colecionar que nem maluco, porque no dia em que você se casar, você vai ver que isso acaba. Quando você tiver os seus filhos e tal.” Então está bom, o tempo é que vai dizer, não é? Não disse até hoje para ele, me disse a mesma coisa que eu achava. Minhas filhas são Flamengo também, até porque eu brinco lá em casa dizendo que lá é uma democracia. Cada um torce para o time que quer, só que a casa é minha e só mora quem eu quero.
P – E você tem um cômodo especial lá na tua casa para abrigar isso?
R – É, é, depois desse armariozinho de quando eu era garoto e etc., um belo dia peguei, já estava crescendo, tinha mais espaço, tirei minhas roupas todas e invadi meu armário de roupa. A minha mãe ficou louca: “Onde você vai botar as suas roupas?” Foi lá para cima, tinha um outro andar lá em casa e eu enviei lá para cima e acabou tendo que desocupar um armário dela para eu botar as minhas roupas. “Você vai ter de tomar banho e subir para trocar de roupa!” Eu prefiro do que minhas coisas do Flamengo longe.” Aí assim foi. Quando eu casei, nos fundos da minha casa tem um apartamentozinho daqueles pequenos, uma sala, um quarto, uma cozinha e um banheiro. Aí eu botei lá. Tinha um armário embutido bom, botei tudo lá, deu tudo tranquilo. Naquela época, hoje em dia, já tive que invadir as salas, já expulsei a Claudia, minha mulher, com tudo o que tinha lá, com máquina de costura, tudo o que tinha dela que ela teve que tirar. E há pouco tempo atrás uma amiga bisbilhotando assim puxou uma porta sanfonada que eu coloquei para fechar a cozinha, que era um depósito: “Ah, porque você não aproveita isso aqui?” E falei: “Boa ideia.” Aí invadi a cozinha, derrubei pia e tudo, eu mesmo que fiz. Dei uma de pedreiro mesmo, não dei de engenheiro não. Derrubei tudo, cimentei, pintei, arrumei. Então na verdade, agora são três cômodos, pequenos, mas são. Os meus itens estão todos lá.
P - E vamos falar um pouco de curiosidades dessa coleção. O que você acha que são as grandes raridades delas?
R – Raridades é difícil, eu tenho muitas fotos, muito legais, fotos originais, muito boas, tenho jornais antigos, muitos jornais, muito interessantes, tem faixas de campeão, medalhas históricas, medalhas do tri de 79, do Campeonato Brasileiro de 1980, Campeonato do Mundo de 81, tem muita coisa.
P – Que medalhas são essas?
R – São medalhas que o Flamengo cunhou para oferecer aos jogadores e talvez a certos dirigentes. Mas colocavam à venda para os sócios. E eu comprei, eu me lembro que eu compre a do Tri, que é junto com a do Brasileiro de oitenta, ou seja, eles só lançaram depois de julho de oitenta. E a de Campeão do Mundo, que é muito bonita também.
P – E que item muito difícil de ser conseguido, que você tem uma história de busca?
R – Um item muito difícil. Ah, é engraçado, hoje em dia nem é muito difícil, é até muito repetido. Um livro que era muito difícil é um livro do Edilberto Coutinho, um livro que ele lançou em noventa, se não me engano, que não foi vendido, era só para colecionadores “Nação Rubro Negra”.
P – Continua difícil.
R – Continua difícil, é, mas eu tenho mais de um, já consegui mais. Mas era esse e a medalha do centenário, que eu queria muito conseguir. Nunca tinha visto, um amigo que falou que tinha e eu consegui a medalha mais tarde. Mas na verdade é uma plaquetinha, de péssima qualidade até, o Flamengo devia ter feito uma coisa muito mais bonita, mas tem um valor histórico.
P - E você tem uma coleção de camisas?
R – Camisas oficiais.
P – Como são essas camisas?
R – É, antigamente não se vendia camisa oficial, né? 76, 77, até aí não se vendia camisa oficial. A camisa era aquela que você comprava na loja, pregava o número, não tinha nenhum padrão de ser oficial. Não tinha registro e nem nada disso. Então nessa época eu não tinha nada. Aí o que aconteceu? Entrou a Adidas, começou a ter as camisas e tal. Aí eu fui começando uma certa evolução, mas não ligava para acompanhar a camisa. O negócio da camisa até que foi bem mais recente, deve ter uns cinco anos, quatro anos. Tem isso tudo. E aí eu comecei a ter um determinado número. “Engraçado como está mudando a camisa do Flamengo. Como está mudando!” Aí é que eu fui buscar as camisas atrás. E é uma loucura. Fico no Maracanã sentado e fico assim: “Aquele cara tem aquela camisa e eu não tenho.” Aí sento do lado do cara: “Essa camisa tua é de estimação? O primeiro, por exemplo, foi assim. “Então você não quer vender?”, “E aí eu fico sem camisa?” “Não, eu tenho uma aqui, quer?” E tum, já tinha a camisa de malha, já dei para ele, ele me deu a camisa, me vendeu a camisa. Agora tem gente que não vende por nada do mundo, não tem jeito.
P – Você já tem quarenta camisas?
R – Eu devo ter mais ou menos umas quarenta.
P – Ela começa com a Adidas?
R – É, do que eu me lembro. Por exemplo, tem uma de 76 que eu não sei se é da Adidas já, acredito que seja, mas já tinha, na época não se usava marca de fabricante. Essa daí era do time juvenil do Flamengo, que era a categoria de juniores. Depois, do Flamengo, dessa época é basicamente Adidas e Umbro, só. Agora Umbro é um inferno, a Umbro troca a camisa a toda hora, toda hora.
P – Dos uniformes, qual te encanta mais?
R – Eu gosto mais dos antigos, você diz isso? Eu gosto muito mais dos antigos. Listra mais estreita, visual menos poluído, porque a publicidade na camisa polui demais, não é? As antigas são muito mais bonitas.
P – E Eduardo, essa compra de camisa no Maracanã? Tem outras estratégias aí que você tem para conseguir material?
R - Não é estratégia. Por exemplo, eu adoro a Boca Maldita, aqueles senhores lá são pessoas super delicadas, são pessoas super gentis. Sabem como eu gosto, como eu guardo isso com carinho, com dedicação. Então de vez em quando: “Aqui, achei uma foto para você. Achei isso, achei aquilo.” Seu Alberto Quadros, aquele sócio que tem 101 anos, ele me deu uns cartões postais de 1920. E assim vai, um vai dando, outro vai dando outra coisa. Outro me deu, lá na parede - eu chamo de “apartamengo” - tem um quadro de colaboradores. Todas as pessoas que me dão alguma coisa, eu, periodicamente, emito aquilo de novo, imprimo aquilo de novo e boto no quadro. E levo no bolso uma listinha. A pessoa me deu alguma coisa e eu já boto o nome no quadro e fica aqui. Boto no computador e de três em três meses, de seis em seis meses boto no quadro de novo.
P – Para quem não conhece, explica aí o que é a Boca Maldita que você começou a participar?
R – A Boca Maldita é… Eu sei a historinha mais ou menos, que era um grupo de pessoas, mais ou menos de idade mais avançada e que ficava sentado perto da arquibancada, mais ali em baixo e que ficava por lá falando disso e daquilo e em geral, quando você reúne assim é porque você está malhando alguém. Então eles começavam a falar assim: “Esse jogador não fala nada. O técnico é isso, é aquilo.” E um dia alguém passou, não me lembro quem foi e falou: “Puxa vida, vocês só falam mal dos outros. Parece até a Boca Maldita. E eles adotaram o nome e fizeram até Carta de Princípio e tudo. Eles fizeram tudo direitinho. Hoje em dia mudou, está lá para aquela alameda perto da piscina. Mas a origem foi perto da arquibancada. São pessoas que eu adoro, sabe? Me divirto, tem uns ali que são folclóricos, divertidos. Mas são pessoas super legais, super legais.
P – Quantas pessoas tem a “Boca”?
R – Eu não sei nem te dizer ao certo, porque aquilo ali, como são pessoas de mais idade, um morre, o outro morre, mas está na lista. Mas aí você vê os aniversariantes do mês. Está ali, o cara já morreu, mas está ali na lista, vai ficando. Eu sou um dos mais novos lá, o cara me convidou para ajudar ele lá e eu ajudo com prazer. Então eu ajudo mais para suprir a necessidade de alguém um pouco mais novo. Eu furo a parede, eu penduro quadro, eu faço a parte que eles não tem mais condição de fazer.
P – E eles se encontram em que dia da semana?
R – Sábado é o dia mesmo, sábado de manhã que é o dia da coisa. Domingo de manhã a “Boca” abre, mas a frequência é pequena. E quinta de tardinha tem o chá da “Boca” que sempre vai alguém, diretor sempre aparece do clube, às vezes aparece algum jogador, mas é mais ali dentro da salinha. O sábado é mais de movimento maior do lado de fora, tem os eventos, tem dia das mães, tem tudo que eles comemoram, e é muito legal.
P – E a “Boca” agora tem uma força política dentro do clube?
R – Tem, tem porque muita gente da antiga vai pra lá, então se reúnem e tal. Eu não sei se elas têm força ou se as pessoas preferem evitar problemas com a “Boca.” Podendo evitar, a gente evita, porque senão vão cair em cima mesmo, então é melhor você se dar bem com eles do que se dar mal.
P – E qual é a preocupação da Boca Maldita com a memória do Flamengo? Existe alguma ação organizada?
R – Não, que eu saiba não, estou lá há pouco tempo, há um ano e pouco e pelo que eu saiba é para isso, e aquilo lá é para isso mesmo, é mais para congraçamento. Agora tem até algumas revistas lá, tem até alguma coisinha guardada, mas não tem nem lugar certo, está numa gaveta e tal. É mais ou menos o espírito de como era o Flamengo, até vocês entrarem e iniciarem todo o processo, o que tinha de memória do Flamengo? Não tinha nada. Infelizmente não tinha nada.
P – E objetos, troféus?
R – Troféus, vamos lá, troféus, mas sem muito registro do que cada um significa, o que representa cada conquista. Sem ter isso tudo, é como você disse, vira um monte de objeto, não chega a ser uma memória, não é? Que é o que vocês vão fazer agora.
P – E tem outros colecionadores que tem coisas do Flamengo?
R – Eu conheço, eu conheço. Mas amigos meus que tem uma coisinha ou outra. Ontem um amigo meu que me convidou para ir à casa dele, tem uns pôsters, umas revistas e etc. e tal. Estão começando ainda, tem pouca coisa.
P – O que é o perfil de um colecionador?
R – O perfil básico eu acho que é ser maluco. Porque você fica enfiado mexendo em um monte de coisa, tira daqui, bota ali. Para quê? Para você ver? Não é, né? Eu, por exemplo, gosto quando as pessoas vão lá em casa, olham. Eu divido isso, divido o amor pelo Flamengo com as pessoas. Se aquilo ficar só para mim, acho que é mais grave ainda.
P – E como são essas visitas?
R – Lá no “apartamengo”? As pessoas que sabem, dizem: “Ah, ouvi falar que você tem um monte de coisa lá, quero conhecer.” Vai lá conhecer, a pessoa me liga e tal e vai lá conhecer. Em geral as pessoas chegam lá e dizem: “Ah, não sabia que era tudo assim, tudo arrumadinho, pensei que era um monte de caixa com coisa e não sei o quê.” Para mim é assim e isso é a coisa mais normal do mundo. Mas eu já vi de muita gente e geralmente é uma caixa de revista enfiada, fita aqui, aproveita uma estante. E o meu lá não, é só Flamengo. E na minha casa, na casa mesmo, que é aqui embaixo, não tem nada do Flamengo que não seja repetido.
P – Não entendi, na sua casa...
R – Porque, é como eu te disse, o “apartamengo” é aquela escadinha, tem uma escadinha e é mais por cima da garagem. Na minha casa mesmo não tem quase nada do Flamengo, porque se eu compro alguma coisa vai logo lá para cima, porque se eu tiver alguma coisa repetida, minha mulher por exemplo: “Ah, aquele enfeite do Flamengo é bonito!” Compra dois, um é para lá e um para cá, relógio do Flamengo, tem repetido, o de lá de cima é o de lá de cima. Então lá é só do Flamengo, não tem mais nada.
P – E falando um pouco do seu time, dos jogos do Flamengo, você podia contar aí uns dois, três jogos marcantes?
R – Marcantes para mim? A final de 78 com o gol do Rondinelli, histórica.
P – Eu queria que você contasse, para quem não soubesse disso, não viu esse jogo, o que foi a final de 78?
R – A final de 78, o Flamengo tinha ganho o primeiro turno do campeonato, estava disputando o segundo e o Vasco tinha a vantagem de empatar o jogo, o último jogo da rodada, da última rodada, o Vasco tinha a vantagem de empatar para ganhar o turno. Agora até você me confundiu, porque eu não sei se o empate... É, o empate dava o turno ao Vasco, mas a vantagem era do Flamengo.
P – Se o Flamengo empatasse...
R – O Vasco ganhava o segundo turno.
P – E aí teria de fazer uma série de três jogos?
R – Isso. Mas tinha o problema de que o empate era uma certa igualdade. A vitória do Vasco dava vantagem a ele e o Flamengo ganhando, ele ultrapassava o Vasco, ele fechava o segundo turno e ele fechava o campeonato. O Leão, naquele dia o Willy fazendo uma das maiores partidas que um goleiro já fez. Ele fechou o gol, o Flamengo atacava de tudo quanto era jeito e o Leão fechando o gol. Se não me engano, acho que era 41 minutos do segundo tempo. Muita gente diz 44, mas eu tenho quase certeza de que era 41, o Marco Antônio assustado com toda aquela pressão, mandou a bola para córner e o Zico que estava ali por perto, correu para bater o córner. Coisa que anos depois ele fez muito, mas naquela época ele não batia córner, o Zico ficava na área como atacante, mas ele foi para bater. Ainda me lembro que na hora eu falei assim: “É o gol!”. Sabe quando vem do fundo, falei: “É o gol.” Eu me lembro até hoje, estava sentado bem atrás do gol, me lembro daquela bola vindo e me lembro do Rondinelli vindo, um bólido, subiu e fuzilou o Leão. Foi sensacional, foi sensacional. Aquele jogo foi sensacional.
P – O Maracanã...
R – Veio abaixo, veio abaixo e em cima do Vasco é bom demais.
P – Conta de outra partida.
R – A final de oitenta, Campeonato Brasileiro. Eu me lembro de quando eu fui para o jogo, fui com um amigo nosso que era gaúcho e a gente lá com aquela animação, chegando no Maracanã, e a torcida enchendo: “E é hoje que a gente vai ser campeão, vamos ser Campeonato Brasileiro.” E o cara: “Já sou tri” E eu: “Pô, precisa desanimar os outros?” Ele era Internacional, já tinha ganho três e eu digo: “Um dia eu chego lá.” Chegamos, né? Mas naquele dia: “Vamos lá, vamos ganhar o primeiro.”
P – Vamos falar o contexto. Que partida é essa?
R – Flamengo e Atlético Mineiro. A gente tinha perdido um jogo, a gente só tinha perdido um jogo no campeonato inteiro, foi contra o Botafogo da Paraíba, no Maracanã. Quando chegou na final, Flamengo e Atlético primeiro lá e depois aqui. O que era a ideia, a vantagem do empate era nossa, empate que eu digo em saldo de gols.
P – Placares iguais.
R – Placares simétricos, porque não fala igual. Depois implica com o Vasco, achando que se ele perder duas de três, são placares iguais e ele é campeão (risos). Isso para português é perigoso. Então o que aconteceu? A gente perdeu de um a zero lá, era só ganhar aqui, o Flamengo tinha um bom time e tal, mas o Rondinelli naquele jogo lá no Mineirão se machucou, fraturou a mandíbula se não me engano. Já é um desfalque, o Rondinelli, como que vai ser? Aqui no Maracanã a zaga era Manguito e Marinho. O Marinho, do time que depois veio a ser campeão do mundo, era o mais fraco daquele time. O Manguito era muito pior que o Marinho! Mas muito pior. O cara era pavoroso! Bom, vamos lá, o Atlético bobeou numa saída de bola, o Zico enfiou, o Nunes meteu e aí é coisa de brasileiro e o Flamengo simboliza muito o que é o brasileiro: “Ah, é campeão!” Aquele oba oba e não levou nem um minuto e o Atlético empatou o jogo. Alegria foi para o espaço. O Flamengo em cima, em cima, meteu dois a um, no final do primeiro tempo. Segundo tempo o Reinaldo, excelente centroavante, mancando, empatou o jogo. Aí foi aquele negócio: “E agora, como vai ser?” O tempo acabando, acabando, expulsão do Atlético, aquela confusão. Aí vem o lance do Nunes, que o Nunes recebe aquela bola pela esquerda e eu ainda me lembro que ele veio e de cara ainda tentou cruzar, acho que só tinha um jogador do Flamengo na área, porque na verdade quem tinha de estar era ele. Mas ele cruzou, a bola pega no Silvestre e volta. Quando volta, eu me lembro que quando ele foi chutar eu ainda gritei: “Não! Vai fazer besteira de novo!” Aí dá o corte no Silvestre e ele faz o terceiro gol. Aí nova festa, agora é só segurar o resultado. Eis que o Manguito, terrível zagueiro, me atrasa uma bola, cinquenta minutos marcava o placar, cinquenta minutos do segundo tempo. Ele atrasa a bola, dá o passe errado para o Raul, bola errada. A bola cai no pé do Pedrinho. Esse lance levou de quatro a cinco minutos que era o Pedrinho indo em direção ao gol e eu falei: “Acabou. Meu sonho acabou, que era o sonho de todo mundo, porque vai acabar o jogo.” E o Raul, no dia seguinte dizendo que quando ele viu o placar, cinquenta minutos e aquele cara vindo para cima dele sozinho ele falou: “Isso é um pesadelo, isso não está acontecendo!” Mas ele sai do gol desesperado, ele se joga, dá um carrinho, enfia a sola no cara, abafa, sei lá o que, o cara perde o gol. E a bola ainda sobra para o Manguito, será que vai querer ele fazer o gol? Aí ele dá uma cacetada para a lateral. O Zico no dia seguinte diz, no jornal também não tinha problema, que o time estava obstinado e que se tivesse de sair gol que eles estavam saindo para fazer de novo, mas a gente sabe que eles não iam fazer, não ia dar tempo. Graças a Deus não foi. Então você vê como é a história, quem sabe se a gente perdesse aquele título, teria todo aquele período de sucesso, porque o limite entre o sucesso e o fracasso, às vezes, é muito tênue. Às vezes você é bem sucedido tudo bem, você não é, ninguém mais presta, joga todo mundo fora, vende todo mundo. Como é o caso atual, a gente esteve muito perto de perder o título, a vantagem do Vasco, Flamengo ganhou o bicampeonato. Aí todo mundo é bom, então não vende ninguém, não precisa de reforço, ou seja, o time é bom? É horroroso, o time do Flamengo é horroroso, ganhou na raça, ganhou na torcida!
P – E Eduardo, conta aqui para a gente, se é que é possível contar, o que significa ser Flamengo?
R – Ser Flamengo, para mim, é como eu te disse, eu acordo pensando nisso, passo o dia, durmo e sonho com isso. O meu trabalho, já perdi emprego por causa do Flamengo, já perdi sócio por causa do Flamengo. Ser Flamengo, para mim, é a minha vida! Não tem como resumir melhor do que isso para mim.
P – E como você se sente contando a sua história para o Museu do Flamengo?
R – Para mim é um privilégio, como eu coleciono muita coisa, tenho contato com o que cada pessoa significou ao longo da história do Flamengo e aí eu vejo o nomezinho de cada um na revista, no jornal, na história, é como se eu tivesse o privilégio de entrar num pedacinho disso, para mim é um privilégio. Então é um privilégio.
P – Então eu te agradeço nosso primeiro tempo de entrevista.
R – De nada, de nada.
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