P/1 - Projeto Museu Histórico do Clube de Regatas do Flamengo, entrevista, senhor Alberto Quadros. Entrevistado por José Santos e Mauro Chaves. Gravação, equipe TV Estácio: Ângelo Cerqueira, Everaldo Xavier, Carla Rocha, Jorge Carvalho. Rio de Janeiro, 07 de Agosto de 1999. Bom dia, senhor Quadros.
R - Bom dia.
P/1 - Queria começar a entrevista pedindo para o senhor dizer o seu nome completo e a data de nascimento.
R - O meu nome completo, Alberto Quadros, nasci no dia 25 de Março de 1899, há 100 anos passados já.
P/1 - E o senhor nasceu em que cidade?
R - Nasci na cidade do Rio de Janeiro, no bairro das Laranjeiras, aqui. E vivi toda a minha vida desde 1908, assim, em Copacabana.
P/1 - Seu Alberto, o senhor podia falar o nome dos seus pais?
R - Ah, meus pais eram Samuel Quadros, meu pai, e minha mãe Agostinha Quadros, também.
P/1 - E qual era a função, em que o pai do senhor trabalhava?
R - Meu pai trabalhava em chefe de escritório, em vários lugares e foi... ele foi do Lloyd Brasileiro. Quando ele foi do Lloyd Brasileiro, ele organizou a agência do Lloyd em Montevidéu, porque era uma linha que o Brasil tinha, do Rio até Ladário e Cuiabá. Os tempos, naquele tempo aí do Rio de Janeiro, não tinha estrada de ferro, não tinha rodada, não tinha nada, você ia daqui para Montevidéu, entrava no Rio Paraná, depois pegava o Paraguai, ia até Ladário e Cuiabá. Depois ele trabalhou aqui no Rio com os Guinles, na Companhia Brasileira de Energia Elétrica, que tinha a eletricidade de Niterói e de Petrópolis, e 60 anos depois eu também fui diretor dessa Companhia, não tinha nada a ver com essa, porque já era uma outra Companhia, de um grupo americano que tinha aqui, que tinham Companhias de eletricidade, de transporte, telefone, ônibus... de Natal, no Rio Grande do Norte até Pelotas, no Rio Grande do Sul.
P/1 - Seu Alberto, o senhor se lembra dos seus avós?
R - Dos meus avós? Lembro!
P/1 - Eles eram brasileiros...
Continuar leituraP/1 - Projeto Museu Histórico do Clube de Regatas do Flamengo, entrevista, senhor Alberto Quadros. Entrevistado por José Santos e Mauro Chaves. Gravação, equipe TV Estácio: Ângelo Cerqueira, Everaldo Xavier, Carla Rocha, Jorge Carvalho. Rio de Janeiro, 07 de Agosto de 1999. Bom dia, senhor Quadros.
R - Bom dia.
P/1 - Queria começar a entrevista pedindo para o senhor dizer o seu nome completo e a data de nascimento.
R - O meu nome completo, Alberto Quadros, nasci no dia 25 de Março de 1899, há 100 anos passados já.
P/1 - E o senhor nasceu em que cidade?
R - Nasci na cidade do Rio de Janeiro, no bairro das Laranjeiras, aqui. E vivi toda a minha vida desde 1908, assim, em Copacabana.
P/1 - Seu Alberto, o senhor podia falar o nome dos seus pais?
R - Ah, meus pais eram Samuel Quadros, meu pai, e minha mãe Agostinha Quadros, também.
P/1 - E qual era a função, em que o pai do senhor trabalhava?
R - Meu pai trabalhava em chefe de escritório, em vários lugares e foi... ele foi do Lloyd Brasileiro. Quando ele foi do Lloyd Brasileiro, ele organizou a agência do Lloyd em Montevidéu, porque era uma linha que o Brasil tinha, do Rio até Ladário e Cuiabá. Os tempos, naquele tempo aí do Rio de Janeiro, não tinha estrada de ferro, não tinha rodada, não tinha nada, você ia daqui para Montevidéu, entrava no Rio Paraná, depois pegava o Paraguai, ia até Ladário e Cuiabá. Depois ele trabalhou aqui no Rio com os Guinles, na Companhia Brasileira de Energia Elétrica, que tinha a eletricidade de Niterói e de Petrópolis, e 60 anos depois eu também fui diretor dessa Companhia, não tinha nada a ver com essa, porque já era uma outra Companhia, de um grupo americano que tinha aqui, que tinham Companhias de eletricidade, de transporte, telefone, ônibus... de Natal, no Rio Grande do Norte até Pelotas, no Rio Grande do Sul.
P/1 - Seu Alberto, o senhor se lembra dos seus avós?
R - Dos meus avós? Lembro!
P/1 - Eles eram brasileiros ou eram imigrantes?
R - Eram brasileiros, era tudo brasileiro. Do lado paterno, eles vieram lá do Maranhão e do lado materno aqui do estado do Rio, de umas fazendas que eles tinham aqui no tempo da escravidão e tudo.
P/1 - Seu Alberto, o senhor se recorda de como era a casa do senhor lá nas Laranjeiras, durante a sua infância?
R - Olha, nós moramos numa casa que era ao lado do que veio a ser a sede do Fluminense Futebol Clube. Naquele tempo, quando nós entramos pra lá, não havia Fluminense, onde é o campo, tinha um capinzal grande que ia até o Palácio de Isabel. Depois é que veio o Fluminense e tudo, o Fluminense acabou comprando aquelas casas todas e aumentou muito. Depois eu fui para Copacabana. A primeira vez, fomos a Rua Hilário Gouveia aqui, era muito primitivo tudo, já tinha água encanada, mas no fundo do quintal tinha uma bomba que você pegava água lá.
P/2 - Em que época o senhor mudou para Copacabana?
R - 1908, mais ou menos... oito, nove... 1908.
P/1 - Então o senhor tinha oito anos de idade?
R - A Praça chamava-se Praça Suzano. Era bem rebaixado... Já tinha uma pelada naquela ocasião ali. (risos) E tinha uma igreja... aquela igreja bonita que tem hoje lá era uma igreja pequenina, onde eu fiz primeira comunhão lá nessa igreja. Depois a igreja arranjou com o comércio aí, fizeram uma igreja lá e deixaram construir apartamentos embaixo. Aí melhoraram essa igreja, conheci a igreja já grande.
P/1 - E como era Copacabana na época em que o senhor se mudou para lá então, com nove anos de idade?
R - Copacabana não era nada, não havia Avenida Atlântica! Olha... Depois nós mudamos para a Rua Gustavo Sampaio, no Leme. Tinha rua... só tinha bonde. O bonde ia até o fim... aonde tinha lá um bar e música todo domingo e tudo. Mas a frente das casas todas davam pra linha do bonde, pra rua. O fundo dava pra praia, para ali, onde tinha cozinha... o que dava para o mar era a cozinha. (risos)
P/2 - A rua principal já era Nossa Senhora de Copacabana?
R - A Rua Nossa Senhora de Copacabana. Só tinha calçamento e os trilhos do bonde, o resto era terra ou areia. Bom, Copacabana era outra coisa antigamente, não havia nada em Copacabana.
P/1 - E o senhor se recorda, assim, as brincadeiras que o senhor fazia pelo bairro? O senhor jogava bola?
R - Eu jogava bola... bom, depois, em 1911 até o fim de 1914, eu estive internado aqui no Ginásio Anglo Brasileiro, onde é o Vidigal, a Chácara do Vidigal. Naquele tempo não havia... só havia o edifício do Colégio, mais nada. E embaixo, aonde é esse hotel...
P/2 - Sheraton.
R - Este hotel... Tinha aquela praia que era do Colégio também. E não havia Avenida Niemeyer. Você, pra ir para o Colégio, você ia numa estrada que era em frente àquela Praça do Jockey Club, você ia por cima, você ia dar no Colégio. Mas já havia uns cortes que era para a Estrada Niemeyer. Esses cortes foram feitos porque no fim do século passado eles projetaram uma estrada de ferro do Rio direto à Santos e depois desistiram, mas os cortes ficaram lá e aproveitaram e fizeram a Estrada Niemeyer por ali. Mas a Estrada Niemeyer é bem lá pra coisa de 1915 ou 1917... uma coisa assim.
P/1 - Seu Alberto, o senhor era interno nesse colégio?
R - Interno, colégio Interno, colégio inglês. Tinha quase todos os professores ingleses, tinha os franceses... Professor brasileiro... tinha um de matemática também... dois de matemática. Tinha naturalmente professor de português e mais uns outros. O resto eram professores ingleses e franceses. Hoje em dia... No colégio se fazia ginástica, era um colégio internato, você saía, inverno ou verão, levantava às seis horas da manhã, ia para um chuveiro circular, ali tomar banho ali, tudo.
P/1 - Frio?
R - É, banho frio. Depois aí ia para o café, depois para a ginástica. A ginástica era um antigo sargento inglês, tudo o que ele dava era em inglês: "Right turn! Left turn!" (risos) Era bom aquele tempo! Mas hoje em dia não é possível ter um colégio só de professores ingleses e tudo.
P/1 - E a ginástica eram os exercícios físicos ou tinha prática de esportes?
R - Ginástica era um ex-sargento, como eu falei aí, que dava a ginástica toda em inglês também. E tinha um que instruía... era um bedel dele lá também, um inspetor do colégio e que ensinava futebol também, que esse camarada do colégio que ensinou futebol, ele tinha sido um bom jogador do time de Liverpool. E o diretor do clube era sócio do Fluminense também, e arranjou pra esse camarada, o sargento nosso aí, para ser professor de ginástica no Fluminense. Ele toda vez ia ensinar ginástica lá e um dia disse: "Olha aqui, lá no clube nós temos um rapaz que foi bom jogador do Liverpool, ele nunca mais jogou. Mas parece que ele já está bom, o senhor quer experimentar?" Experimentar, olha, jogou no Fluminense muitos anos e foi um ótimo jogador.
P/1 - Seu Quadros, falando ainda um pouquinho da sua escola, no internado, o senhor podia contar como eram as aulas, como era o ensino no internato?
R - Ah, era bom. Era muito bom! Aula lá... Você treina das nove... tinha hora do almoço... Era comida de inglês, tinha sempre um assado no meio, mas feijão e arroz tinha uma vez ou outra. Assado... E era bom. Você comia e em silêncio, não podia recusar comida nenhuma, tinha que comer tudo, o que tivesse no prato tinha que comer, coisa de inglês mesmo (risos). Mas era muito bom mesmo, tinha sessão cinematográfica... Os alunos que passavam dentro do colégio tinham uma máquina cinematográfica, ginástica... e pra quem quisesse podia... era lavoura também, você podia ter uma plantação no colégio lá, o aluno podia plantar cenoura, alface... O que quisesse! Dava para o colégio e no fim do ano recebia de tudo que ele tinha dado para o colégio (risos).
P/1 - E, seu Alberto, o senhor já jogava futebol no colégio?
R - Jogava futebol no colégio. Foi daí que quando eu completei o curso do colégio, eu saí, aí eu entrei no Flamengo e fui jogando logo no Flamengo. E tinham uns dois ou três que saíram do colégio também e jogaram no Fluminense e deram bons jogadores aí do Fluminense, eram alunos do colégio também, do time do colégio.
P/1 - E, seu Alberto, por que o senhor escolheu o Flamengo?
R - Eu escolhi o Flamengo porque eu tinha dois tios que foram do Flamengo no tempo que o Flamengo era canoa, aquele negócio todo. E o tempo que eu remei também não era essa regata de hoje não, esses barcos de hoje não. Era iole, eram uns barcos largos, não tinha braçadeira. A braçadeira, eu corri com barco de braçadeira somente em 1924, depois... e era tudo em Botafogo. Eu não remei nenhuma vez aqui na Lagoa, era tudo em Botafogo.
P/2 - Na Enseada de Botafogo.
R - Regata em Botafogo aqui era uma festa, porque futebol, às vezes, não tinha muito torcida não, nos clubes. E Regata eram três vezes por semana, era Junho, Agosto e Outubro, três regatas, na praia do Botafogo. Era dia de festa, porque vários clubes levavam uma barca lá para os sócios deles e era uma festa com banda de música e tudo lá.
P/2 - Quais eram os clubes principais na época? Quais eram os clubes que remavam, que disputavam na época?
R - Os clubes, olha, para o lado de cá, que tem agora é Botafogo, que é ali aonde tem lá, ainda, é o Clube de Regata Guanabara. Tinha o Flamengo... Em Santa Luzia tinham três, era Vasco, Internacional Natação e Boqueirão do Passeio.
P/2 - Santa Luzia já aqui perto do que é hoje o Museu de Arte Moderna?
R - É, muito pra cá, porque o mar batia quase no cais da Santa Casa, ali. Tinha ali uma grande fábrica de gelo, que naquele tempo não havia refrigerador, não havia essas geladeiras elétricas, não havia nada disso. Então era uma grande fábrica e eles saíam com as carroças grandes vendendo gelo para os bairros todos. E tinha uma casa de banho também, no tempo que você tomava banho pendurado em corda (risos). Banho de mar... É, tinham as cordas, aquilo tudo, porque não tinha... a praia tinha um estrado ali, você tomava banho ali.
P/2 - Como se fosse um deck, né? Era uma plataforma?
R - Era, tem umas pontes, assim. E você mudava a roupa lá em cima, descia e tomava banho em cima daqueles estrados todos.
P/2 - Mas o senhor disse que já tinha torcida naquela época para o remo?
R - Torcida não tinha, era uma festa. Todo mundo ia pra Botafogo porque tinha muita banda de música pra lá... era domingo, sempre de domingo.
P/1 - E o senhor começou a remar quando?
R - Em 1917, e fui até 1924.
P/1 - Sete anos?
R - Sete anos de remo. Eu tenho muita medalha ainda hoje, tenho muita medalha de ouro, prata e bronze, aquilo tudo.
P/1 - E em quais modalidades o senhor remava?
R - Eu remava sempre em iole de dois, em iole de quatro e iole de oito. Campeonato antigamente era num barco de oito, já. Eu remei muito em barco de dois, era. Esse era um... no barco de oito era o campeonato e esse é que era campeonato, uma prova clássica do Jardim Botânico, que era dessa Companhia... Companhia de Bonde era que dava medalhas e tudo. Aí sim, aí eram 2 mil metros de quatro e o campeonato de oito. A saída era muito pra lá ainda, da Urca como é hoje, é quase na entrada Barra, ali. O morro daquela foto ali é o São João, vinha até o Pavilhão de Regatas, que os senhores não conheceram, né? O Pavilhão de Regatas era bom. Tinha o Pavilhão de Regatas... Outro Pavilhão que tinha ali, onde tem aquele grande edifício que fizeram lá, todo envidraçado, ali tinha o Pavilhão Mourisco, era muito bonito. Era mais ou menos assim como é o Fundação Osvaldo Cruz, lá no... estilo mourisco, mesmo, também derrubaram.
P/2 - Que era a sede do Botafogo?
R - Não, não! O Botafogo era ali pertinho, Botafogo e Guanabara, era um barracão grande, de um lado era Guanabara e do outro lado era Boqueirão. Mas no remo não havia essa rivalidade que tem no futebol hoje, não. Não havia.
P/1 - Seu Alberto, como eram os barcos da época?
R - Os barcos eram barcos pesados, barcos grandes. Era um iole french. Hoje os barcos são... todos eles são muito bonitos, os barcos.
P/2 - Quantos remadores em cada barco desse?
R - Tinha de dois, de quatro e de oito. Tinha barco de dois, de quatro e de oito. E o que chamava timoneiro, que era o patrão. O que ia atrás, hoje vai na frente. Vai na frente, os barcos de hoje.
P/2 - O senhor remava mais no barco de dois ou de quatro...
R - Eu remei sempre de todos. Eu remei de dois e... Eu tenho medalha em todos eles: de dois, de quatro e de oito. Mas era uma festa mesmo!
P/1 - E o senhor se lembra de alguma competição assim, difícil, que o senhor venceu?
R - Ah, me lembro tudo! Me lembro de todas elas! Olha, eu tenho uma que foi América do Sul, era iole de quatro, mil metros. Depois tinha a prova... qual era o nome do prefeito mesmo? Faz tanto tempo que eu não me lembro. Era de dois também, ouro. Depois eu tive a Jardim Botânico, era de quatro, dois mil metros. Essa aí foi o último ano que eu corri, em 1924, no barco que tinha a braçadeira, porque antigamente não tinha braçadeira, não. E tinha até canoa, que não tinha banco, não. Era banco fixo, era canoa. Tinha iole ou canoa.
P/2 - E como era a plateia? Como se vestia? Como se vestiam as pessoas?
R - Era só no Pavilhão de Regatas, o resto era tudo em volta, na beira do cais na praia de Botafogo, eles ficavam ali. E o Pavilhão de Regatas era muito bonito também, era grande e sempre tinha banda de música lá dentro. E tinha também... tinham dois clubes de Niterói que corriam regata aqui, era o Gravatá e os Icaraí, que eram dois clubes de regata também. E tinha o de São Cristóvão, era o Clube de Regatas São Cristóvão, era muito bom.
P/2 - São Cristóvão de Futebol e Regatas?
R - Não, não. Naquele tempo o campo de futebol era um clube de futebol, e o de regatas era só de regatas... que tinha gente antiga, Abraão e aqueles todos grandes de antigamente.
P/1 - E seu Alberto, já que o senhor está citando alguns nomes, quem eram os seus companheiros de remo?
R - Olha, tinha Arnaldo, Castello Branco, Leite Pinto, tinha o Geisel, tinha o Juarez Távora, tinham muitos... Mas naquele tempo não havia rivalidade. O Guanabara tinha um remador que foi campeão brasileiro de remos, o barco simples, ele foi durante uns seis ou oito anos campeão de tudo. Ele era do Guanabara, mas como ele morava ali na Praia do Flamengo, ao lado do Flamengo, o Flamengo então deixou... ele botou o barco do Guanabara na sede, ele treinava ali no Flamengo e no dia da regata ia pra lá, botava a camisa azul marinho do Guanabara e corria pelo Guanabara, e era sócio do Flamengo também. E não havia essa rivalidade. Acho que hoje no remo também não há muita rivalidade no remo, não. Porque hoje no remo não tem nada, tem Flamengo e Vasco, né?
P/2 - O senhor falou de oito a dez clubes, na sua época. Hoje, praticamente só o Flamengo, o Vasco e o Botafogo.
R - O Flamengo e o Vasco, um compra o remador do outro e pronto. (risos) Aí acabou! O que comprou o remador é campeão. O sujeito, ele vende e o campeão foi o que comprou. É diferente, remo. É como o futebol. O esporte antigamente era um esportivo social, depois mudou tudo. Futebol hoje... hoje não tem esporte amador de jeito nenhum. Porque antigamente não havia... o clube não dava comida, não dava nada. Hoje não, hoje futebol é uma profissão como outra qualquer.
P/1 - E, seu Alberto, o uniforme do senhor como remador era diferente de hoje?
R - Não, o rematório era esse, como é até hoje, preto e vermelho e um escudo aqui. O escudo, cada um que trazia o seu, comprava... Eu, por exemplo, comprava a minha camisa preta e vermelha em uma loja da Rua do Ouvidor, uma boa camisa preta importada, levava pra cá e a minha irmã bordava aquele CRF, era ela que bordava (risos). Mas era interessante!
P/1 - E o calção preto?
P/2 - Era calção ou malha?
R - Era calção. Calção e uma chulipa. Chulipa era um sapato velho que você botava lá pra... (risos) Mas era bom.
P/1 - Seu Alberto, o senhor me permite, eu vou mudar um pouquinho do remo para o futebol.
R - Pode mudar.
P/1 - O senhor contou que em 1915 o senhor entra de sócio...
R - 1916 e 1917. Eu joguei, mas no segundo time, não foi no primeiro, foi no segundo time. Não era campeonato, era um torneio de segundo time. E o Flamengo ganhou esse torneio de 1916, 1917 e 1918. Era segundo time, era a mesma coisa de hoje, esses que ficam o banco, né?
P/2 - Aspirante?
R - É, aspirante.
P/1 - E, seu Alberto, o senhor jogava em que posição?
R - De back esquerdo, traseiro, back esquerdo.
P/1 - Quer dizer, naquela época a disposição tática dos jogadores era diferente, né?
R - Ah, era, era outra coisa. Se fosse possível pegar um time antigo e por acaso jogar hoje, o de hoje dava uma surra daquelas! Porque antigamente o sujeito não treinava não. Um jogador hoje em dia chega a perder dois quilos de peso... num jogo forte você perde até dois quilos. Antigamente ninguém ia pensar nisso, perder quilo pra jogar futebol! (risos) Era um divertimento, mesmo, como uma festa esportiva, havia uma corrida de 100 metros, salto em altura, depois também tinha corrida de três pernas (risos). Corrida em saco, tudo isso! Isso é esportivo, imagina! O campeão de salto em altura no campeonato não chegava a pular, eu acho que, dois metros.
P/1 - Seu Alberto, o senhor assistia as partidas também do primeiro time do Flamengo?
R - Eu joguei algumas vezes no primeiro time do Flamengo. Antigamente tinha uns clubes que não existe mais, tinha o Vila Isabel, tinha o Carioca e tinha o Andaraí também. Hoje não existem mais esses times. Vila Isabel é onde tem o Jardim Zoológico, lá mesmo em Vila Isabel. O Carioca era atrás do Jardim Botânico, tinha um campo grande lá também.
P/1 - E o senhor disputou essas partidas pelo primeiro time, foi no campeonato de 1915?
R - Não, não, não foi campeonato, não.
P/1 - Foram amistosos?
R - Não, eu joguei em time de campeonato, mesmo, que faltavam... Eu joguei contra o Andaraí uma vez, joguei contra o São Cristóvão e outra vez joguei com outra clube, Vila Isabel, uma coisa assim. Não eram jogos bons, não.
P/1 - E o senhor lembra o ano disso?
R - Que eu joguei no primeiro time? Eu joguei futebol de 1915... do final de 1915 aos primeiros meses de 1918. Aí eu acabei com o futebol, porque não se treinava antigamente, você trabalhava, tudo, ou estudava e no dia aparecia lá para jogar futebol sem treinar mesmo. Eu torci o joelho e aí também nunca mais. Aí fiquei só no remo.
P/1 - Seu Alberto, o senhor lembra o nome dos jogadores da época?
R - Ah, me lembro o time do Flamengo inteiro. Era Baiano, Píndaro, Amarante e Galo. Arnaldo, Gumercindo, Borghert, Rimel e Raul. Eram gente boa. Era tudo... o time do Flamengo era tudo ou estudante de medicina ou médico. (risos) E tinha o Baiana que era advogado, que era o gol keeper.
P/1 - Foi um grande goleiro, né?
R - É, foi grande. Mas era bom.
P/1 - O Flamengo foi campeão carioca em 1914 e 1915. O senhor assistiu algum jogo de 1915?
R - Ah, eu posso ter jogado num jogo ou outro, mas não fazia parte disso. O meu futebol não era bom.
P/1 - O senhor na torcida, o senhor assistia os jogos também?
R - Ah, assistia, assistia! Eu era sócio do clube, era uma reunião - como eu mostrei a fotografia - boa! Todo mundo ali, amigo. Por exemplo, eu jogava no Flamengo, eu conhecia muitas pessoas da família de um jogador do Fluminense, que era ali perto.
P/2 - Onde o Flamengo jogava, onde era o estádio?
R - O Flamengo só teve campo eu acho que no fim de 1916. Os jogos do Flamengo eram no campo do Botafogo, jogava no campo do Botafogo. Muitas vezes treinava na Glória, no morro da Glória, ali na Glória. (risos) Saía correndo ali da garagem do Flamengo ali e ia treinar ali na Praia do Russo.
P/2 - Mas o primeiro estádio do Flamengo, onde foi?
R - O primeiro estádio?
P/2 - Foi na Rua Paissandu?
R - Foi na Rua Paissandu, esquina na Rua Pinheiro Machado. Ia de lá até o morro onde fizeram o corte ali na Rua Farani, ali é o Flamengo.
P/2 - A história do Flamengo e do Fluminense é muito ligada, sempre, desde o começo.
R - Ou era Flamengo, ou era Fluminense. Que o outro era Botafogo, mas mais era Flamengo e Fluminense.
P/2 - Como é que foi... consta que alguns sócios do Flamengo, remadores do Flamengo, fundaram o time de futebol do Fluminense?
R - Não, isso foi o Fluminense... eram jogadores do Fluminense que também eram sócios do Flamengo de Regatas. Eles tiveram uma questão lá, saíram do Fluminense e formaram o futebol do Clube de Regata do Flamengo. E o engraçado que no primeiro jogo do Flamengo e Fluminense , os que saíram do Fluminense, apanharam do Fluminense, os que saíram. Apanharam do Fluminense.
P/1 - Seu Alberto, nessa época não existia uma rivalidade muito grande?
R - Ah não, não! Não havia. Bom, mas a rivalidade hoje em dia é da torcida, né? Agora a torcida de hoje é um espetáculo! Você tem fogos, tem banda de música, tem tudo... e muito palavrão também, não? (risos) É a arquibancada de hoje. Mas é bonito! No Flamengo, até, lá embaixo, tem uma fotografia da arquibancada que é uma beleza, é um espetáculo mesmo. Está lá embaixo, aí dentro do clube.
P/2 - Seu Alberto, deixa eu te fazer uma pergunta. Não tá gravando não. Algumas pessoas falam... porque a gente sabe que alguns jogadores de futebol do Fluminense e que eram sócios do Flamengo saíram do Fluminense e fundaram um time de futebol do Flamengo.
R - Foi.
P/2 - Mas algumas pessoas dizem que os remadores do Flamengo, lá em 1903, 1904, é que saíram do Flamengo para fundar, junto com outros rapazes das Laranjeiras, o time do Fluminense. Isso é verdade?
R - No Flamengo tinha funcionário público, estudante...
R - O Fluminense era o pó de arroz, as boas famílias e tudo. E o Flamengo era estudante, funcionário público e funcionário do comércio.
P/2 - De onde surgiu esse apelido - pó de arroz - para o Fluminense?
R - Não, é porque eles eram todos chiques, as festas de lá eram uma beleza. Os jogadores de futebol.... tinha o Marcos, que segurava o calção com uma fita roxa, todos diziam que era o Fita Roxa. (risos) Marcos Mendonça, eu o conheci. Era gente muito boa também, essa família do Marco Mendonça.
P/1 - O senhor o conheceu?
R - Conheci. O Fluminense também tinha um bom time, eles tiveram... era o Marco, depois tinha Vidal e Chico Neto, eram os dois backs, tinha o Osvaldo Gomes... uma porção deles. Gente boa!
P/2 - O senhor disse que não tinha rivalidade nessa época, mas como é que surgiu essa grande torcida, como é que começou essa torcida do Flamengo de hoje?
R - Bom, isso foi com o tempo, né? Apareceram... Naquele tempo o Vasco da Gama não jogava futebol. Depois ele entrou para a terceira divisão. Veio para a segunda e depois, muitos anos depois é que o Vasco veio a ser um grande time também, mas era divertido.
P/1 - Seu Quadros, o senhor podia contar então, o uniforme da época era muito diferente, né?
R - O uniforme, esse aí é o cobra coral. Era vermelho e preto com risca branca no centro. Isso foi até 1920 e tantos só, até 1920 e tantos. Depois é que passou para o vermelho e preto. Agora hoje eles querem mudar a camisa... bom, hoje é comércio o futebol, também, tem que fazer novidade. O Flamengo um dia aparece com uma camisa azul, vermelha numa semana, aquele negócio todo assim, todo mundo espantando: "Ah, mas é Flamengo também e tudo." E os vendedores se aproveitam para vender essas coisas todas também. (risos) Futebol hoje é comércio. Não viu esse agora... esse suíço que quer dar uma fortuna para o Flamengo? Que vai ser... ainda não tá bem resolvido isso, que o Flamengo vai ser uma Sociedade Anônima, mas tem que ser Sociedade Anônima. Vai ter diretor com ordenado marcado e tudo isso, porque hoje em dia não tem nada disso, em muitos lugares tem muitos camaradas que ganham dinheiro por fora com os contratos dos jogadores e não têm... Futuramente se for regulado pelas leis de Sociedade Anônima e tudo, para ... sócio proprietário se passar para _______ vai ter um certo número de ações. É o que eu acho.
P/1 - Seu Quadros, só voltando um pouco aos uniformes ainda, as chuteiras daquela época... o senhor falou da camisa. Chuteiras e meias também eram diferentes?
R - Era, era só... A chuteira do Flamengo era preta, só toda preta ou preta com a marca vermelha em cima e tudo, não tinha uniforme não. Só depois é que... hoje tem até... as meias têm até escudo. (risos)
P/1 - E os jogadores é que traziam uniforme de casa?
R - Não, alguns, alguma coisa. O Flamengo dava camisa e calção. Meias, chuteira, cada um que arranjasse a tua. É que era diferente, completamente. E o sujeito ficava satisfeito de comprar sua chuteira e tudo só porque estava jogando no Flamengo. (risos)
P/1 - E onde se comprava chuteiras no Rio, naquela época?
R - Olha, eu tinha uma chuteira que foi do Sidnei. Quando ele foi à Guerra, na Primeira Guerra Mundial, ele foi para a Inglaterra e eu fiquei com a chuteira dele. Mas as outras eram um sapato qualquer que você botava lá umas travas lá e pronto. Material esportivo não tinha como tem hoje, hoje aumentou tudo. Não é só no esporte, aumentou tudo, né?
P/1 - É verdade.
R - Mas mesmo as finanças, os clubes esportivos hoje devem uma fortuna, todos eles, né? Ninguém paga INSS, ninguém paga fundo de garantia, nada. Antigamente não havia disso, é diferente.
P/1 - Seu Quadros, como é que era o Flamengo como clube, então, na época que o senhor entrou, em 1915? Assim, a construção, em que rua ficava?
R - Ali, quando eu entrei o Flamengo era só na praia do Flamengo. Tinha uma rampa lá... O senhor não conheceu uma ponte que é a ponte do Palácio do Catete? Tinha uma ponte que entrava pelo mar, que era para atracar os barcos, as lanchas... mas nunca acontecia isto, mas era uma bruta de uma ponte. Destruíram, depois acabaram com ela, o Flamengo tinha uma rampa lá. Você saía pra treinar, carregava o barco, a guarnição, pegava o barco e botava a rampa pra treinar. Hoje era impossível. Antigamente você... passava um automóvel, agora... mesmo na Avenida Beira Mar, passava outro e tudo. Hoje não é possível você passar carregando um barco, atravessar a avenida. (risos)
P/2 - É o que o Vasco faz hoje aqui na Lagoa, né?
R - É, na Lagoa é outra. A Lagoa aqui é um lugar bonito. Essa Lagoa é uma beleza pra regata e tudo, mas é que não tem muito entusiasmo para a regata hoje em dia, né? Aqui eles não acabam essa arquibancada que tem aí, ainda não acabaram até hoje, né?
P/1 - Seu Quadros, na época então que o senhor era adolescente - 15, 16, 17 anos - qual era a diversão que tinha aqui o Rio pra juventude?
R - Diversão mesmo é outra coisa, que era diversão do povo. Era carnaval, batalhas de confete, que era quase que o ano todo, você tinha bloco de sujo, aquela coisa toda, porque o carnaval antigamente era uma festa do povo, né? O povo é que se divertia nas avenidas, batalha de confete... que hoje não tem mais. Hoje em dia não é mais isso, hoje em dia é uma organização que faz a festa para o povo, você vai para a arquibancada... Ele está assistindo, não está se divertindo, não tá vendo o desfile lá no Maracanã, lá no Sambódromo? Antigamente tinha o desfile pela avenida, era os clubes democráticos, e tenentes. O resto era batalha de confetes entre a rapaziada e as moças, tudo ali. E baile, lotava a avenida, e na calçada do Jockey Club antigo, que hoje não é mais lá.
P/1 - O senhor podia contar pra quem não conhece o que é uma batalha de confete?
R - Batalha de confete era..., confete e serpentina, era moça jogando serpentina no rapaz e o rapaz na moça e tudo. E cantava-se. Tem sempre umas modinhas muito boas aí, que o povo todo cantava. E desfile... Agora, o que acabou o carnaval... o carnaval era o cortejo, né? O automóvel fechado é que acabou com isso. Antigamente o automóvel era aberto, você sentava na capota, três, quatro no fundo e dois... e ia atirando confete de um carro para o outro. Aquilo ia da Praça Mauá até a Praia de Botafogo. Todos os automóveis iam lá. Não era só automóvel, o sujeito alugava um caminhão, enfeitava aquilo e botava 15, 20 pessoas lá dentro, ali. Eles alugavam, faziam... e era confete.
P/1 - E o senhor brincava os carnavais?
R - Ah, brincava! Todo mundo brincava o carnaval.
P/1 - A sua família toda?
R - Não, a família brincava lá com a família e tudo, era separado, eu ia para o grupo da rua, da turma toda, do Flamengo e tudo. Mas depois... a vida particular nossa, depois a minha mulher e eu nos divertíamos era viajando. Nós viajamos muito por esse mundo todo, nós conhecemos o mundo todo. Os cinco continentes!
P/2 - E por falar no seu casamento, quando o senhor conheceu a sua mulher?
R - Eu conheci na casa de uns amigos.
P/1 - Em que ano, mais ou menos?
R - Foi 195... fim de 1950, começo de 1951. Foi bom! Também, durante muitos anos eu tive uma correspondência com o mundo todo, eu tinha correspondente em 72 países. Durante muitos anos, sábado e domingo nós ficávamos em casa trabalhando... eu tive uma coleção de rótulo de cerveja de todo o mundo. Eu cheguei a ter 50 mil rótulos!
P/1 - 50 mil?!
R - 50 mil rótulos de cerveja. 32 mil eram ______, e o restante era duplicata, porque eu tinha correspondente lá na Índia, no Japão, na França, na Inglaterra, na Austrália... Eu, quando recebia um rótulo de uma cerveja de um outro colecionador dos Estados Unidos, que era correspondente, eu não tinha aquele, via como era aquele negócio. Eu via a cervejaria e que país era. Então eu pegava, escrevia uma carta para o cervejeiro chefe da cervejaria: "Eu sou colecionador, eu recebi um rótulo assim, não tenho. Gostaria que o senhor me mandasse também, se pudesse mandar, vários rótulos da sua cervejaria para eu poder trocar com os outros." E mandava e dizia: "Se o senhor talvez tem um filho aí... e toda criança gosta de ter uma coleçãozinha de selos..." Então, eu pegava uma porção de selos do Brasil, daqui, tudo, mandava pra lá e na certa vinha lá uma porção de rótulos da cerveja. E era uma correspondência.
P/2 - E essa coleção? Onde está essa coleção hoje?
R - Essa coleção, me desfiz dela. Tem hoje um grande colecionador..., porque não tinha... nós tínhamos um armário com três gavetas muito grandes, cheias de rótulos, tudo catalogado, direitinho, com índex, tudo. Minha mulher dizia assim depois de uns dez anos, que já tínhamos desistido: "Mas tira essa porcaria e joga fora, eu preciso dessas gavetas grandes aqui." (risos) Então eu me desfiz. Tinha um amigo meu que conhecia um colecionador lá e eu me desfiz daquele negócio todo. Eu colecionava de cerveja e ela colecionava de rótulos de hotéis, de hotéis que costumavam botar na mala o título e tal.
P/1 - Ah, que beleza!
R - E quando viajava, em todo lugar, chegava numa cidade qualquer dentro da França, chegava e: "Olha, eu sou colecionador, você quer me dar algum?" Eles me davam logo cinco ou seis e pegava e depois trocava com outros no mundo todo. Eu tenho uma coleção de selos... bom, não é coleção. Agora é interessante porque é uma coleção de selos, é colado ainda no envelope, e todo envelope tem: "Alberto Quadros, Caixa Postal 833, Rio de Janeiro, Brasil." São 600 e tantos envelopes. Era muito mais, eu guardei tudo. É bonito! Tem de 60 países. Essa ainda tenho.
P/1 - Essa o senhor ainda tem?
R - É. Mas isso não interessa a ninguém, ninguém... coleção de selo é uma coisa... Eu tenho coleção de envelope e de selo com endereço aqui, e tenho também alguns envelopes endereçados a mim, no exterior, porque quando nós saíamos: "Olha, do dia dez de tal nós devemos estar em Cingapura, você então manda carta postal, manda um aéreo..." E chegava em Cingapura, ia no correio geral, numa posta restante, bumba! Estava lá a carta. Eu colecionei isso.
P/1 - Seu Quadros, eu queria voltar um pouquinho ao Flamengo. O senhor então se torna diretor de regatas, que foi um dos seus primeiros cargos aqui no Flamengo.
R - Fui diretor de regatas, depois fui do Conselho Fiscal muitos anos, fui diretor das finanças também.
P/1 - Vamos pegar o primeiro. O senhor foi convidado a ser diretor de regatas por quê?
R - Ah, sim, a turma... nas reuniões na Assembléia Geral, uns faziam propostas lá e o outro pegava, né? Mesma coisa pra tudo. Naquele tempo já havia uma politicazinha dentro do grupo desse, o grupo daquele. Eu não era de grupo nenhum, mas sempre tinha predileção por... Eu sou do tempo do Fadel Fadel, do grande... ora, a cabeça tá... Olha, 100 anos não é brinquedo! (risos) Esse que foi o...
P/1 - O Gilberto Cardoso?
R - Não, o Gilberto veio muito depois. É um antes desse, o que fez a... o que era muito amigo do Presidente...
P/1 - Ah, o Nilton Santos?
R - O Nilton Santos, é. O Nilton santos foi um bom... foi ele quem fez aquele palácio ali do Morro da Viúva. Do Morro da Viúva!
P/1 - Então, olha, fazendo uma evolução do patrimonial do Flamengo. Então primeiro o Flamengo era lá na praia?
R - Era na praia.
P/1 - Depois... qual foi a primeira mudança?
R - Da praia ele veio para o Morro da Viúva e do Morro da Viúva ele veio para aqui.
P/1 - Como é que era no Morro da Viúva? O senhor frequentou?
R - Ah, o Morro da Viúva era uma sede muito bonita, salões enormes... e aqueles apartamentos todos, era tudo aquilo tudo do clube, era o que dava a renda para o clube também, naquela época.
P/1 - E depois, quando veio para a Gávea...
R - Veio pra Gávea... ainda tem lá o primeiro andar lá, o salão lá, é do Flamengo mas não se usa mais ali, acho que tem arquivo lá e tudo, não tem mais.
P/1 - E quais eram os presidentes que o senhor teve mais relação?
R - Ah, todos eles. O primeiro acho que o Serpa, depois teve... aí não me lembro. Só o Wanderlei, ali. Daquela lista ali tem uma lista enorme! Um presidente que foi amigo meu, foi o que fez o Flamengo popular, foi o Padilha. Esse aí me via na garagem... Eu quando remava, eu morava no Flamengo, o Arnaldo e eu. Tinha no primeiro andar... no primeiro andar tinha um salão que o Flamengo nos alugava, acho que era 40 mil réis por mês um quarto lá, um bom quarto, era Arnaldo e eu. Depois o Arnaldo saiu, não remou mais, veio o Padilha. Eu fiquei morando ali mesmo, na sede do Flamengo, uns anos. E tinham vários sócios também, tinham vários quartos que eram vendidos... alugados para os outros. E tinha uma salão grande que era a turma que acordava cedo pra treinar, não tinha quarto, então ia pra vala comum, (risos) que era um quarto que tinha uma porção de camas e tudo. Quem não tinha quarto, ia para remar de manhã cedo, porque você levantava às cinco e meia, seis horas da manhã para carregar um barco, botar na água, ensaiar e voltar depois, pra ir para o trabalho e aquelas coisas todas.
P/2 - O que fez o Flamengo popular nessa época do presidente Padilha?
R - Foi quando houve aquela questão do... quando o futebol virou profissionalismo, aí veio propaganda e tudo. E antigamente fazia uma propaganda medonha, era o Padilha, que ele foi presidente, fazia propaganda e começou a virar popular. E hoje o Flamengo, ninguém sabe o que é que é: "Eu sou Flamengo." Ninguém sabe o que é e todo mundo é Flamengo. (risos) E é mesmo, não só aqui mas em qualquer Estado por aí todo mundo é Flamengo. Vocês não viram na televisão agora? Tem umas novelas aí que tem uns sujeitos com uns retratos, com um escudo do Flamengo na televisão, lá dentro. (risos)
P/1 - A gente tá tentando seguir uma ordem cronológica, né? Então o senhor estava falando que o senhor trabalhava, remava... Em que o senhor trabalhava?
R - Eu trabalhava nessa Companhia de Eletricidade. Era uma companhia americana que era acionista de todas essas companhias aí. E eu fui diretor de cinco dessas companhias. E sempre quando fazia auditoria eu sempre viajava de uma para outra delas, andava em todas elas. Depois, em 1964, o governo encampou todas as companhias e eu já tinha 40 anos de trabalho, eu digo: "Não, eu vou..." E me aposentei. Aí eu fiquei aposentado e nunca mais trabalhei.
P/1 - E o senhor trabalhou... ao todo, na companhia de eletricidade, foram quantos anos?
R - Foram vários, durante 38 anos.
P/1 - E o senhor terminou como diretor?
R - Fui diretor de cinco companhias e fiz duas viagens para a sede lá em Nova Iorque... de trabalho também, fui duas vezes a Nova Iorque no trabalho.
P/1 - E mesmo assim o senhor teve tempo de ser diretor do Flamengo também, né? O senhor foi diretor administrativo?
R - Bom, como diretor do Flamengo, eu organizei toda a parte de contabilidade, de informação e de finanças. E durante uns seis meses nós saímos do trabalho... eu e mais dois. Era o Grenier e o... um outro lá, não me lembro agora o nome dele. Era do Flamengo, trabalhávamos e íamos para o Flamengo... depois do trabalho íamos para o Flamengo, ficávamos lá às vezes até meia-noite organizando tudo.
P/2 - O senhor foi vice presidente de finanças, né?
R - Fui, durante quatro anos.
P/1 - Que foi na gestão de qual presidente?
R - O primeiro foi o Orsino Coriolano, depois eu fiz... eu tenho essas carteiras assinadas, os nomes deles todos, tenho muitos deles, eles estão todos ali. Tem o Padilha...
P/2 - O senhor também fez parte do conselho consultivo, do conselho deliberativo também, em que época?
R - E hoje eu sou Presidente de Honra do Conselho Deliberativo, qualquer coisa aqui. Há pouco tempo eu recebi até uma placa, tá lá em casa.
P/2 - E o senhor faz parte do Conselho dos grandes beneméritos hoje, né?
R - Faço, do grande benemérito. É aqui, a reunião é aqui nessa sala aí. Mas eu não venho muito, não
P/2 - Sala Moreira Leite.
R - É, mas eu não venho muito, não.
P/1 - Seu Quadros, o senhor acompanhava muito os times de futebol no campo?
R - Não, eu fiquei magoado com o futebol em 1950. Eu era... nessa ocasião eu era Vice Presidente das Finanças da Federação Metropolitana de Futebol, quando estavam construindo o Maracanã. Eu fiquei lá depois até 1954. Modificou muito, o Maracanã modificou completamente o futebol aqui no Rio, porque tinha muita arquibancada... e naquele tempo já havia Fla-Flu, essas coisas todas e precisava ter um campo grande.
P/2 - O senhor ficou magoado em 1950 por quê?
R - Por aquela derrota com o Uruguai. Nós entramos no campo, campeões, já, porque bastava o empate e era campeão. Nós fizemos um gol, um a zero, e o Uruguai fez: "Bum, bum." Logo dois gols em cima da gente. (risos) Já naquele tempo... não bota isso pra botar não, mas naquele tempo o dinheiro influía... os jogadores nossos estavam todos... eles queriam saber qual seria o bicho. Era o campeonato do mundo, não é? Eles só pensavam no bicho, acabamos perdendo. Aí o futebol é uma... Eu não vou a um campo de futebol... há muitos anos que eu não assisto um jogo, eu assisto em casa na televisão. Às vezes nem... assisto mais tarde os gols da rodada.
P/2 - Qual foi a última vez que o senhor foi a um campo de futebol?
R - Ah, faz muitos anos! Faz mais de 20 anos.
P/2 - Mas o senhor lembra qual foi o jogo, se era um jogo decisivo?
R - Não me lembro o nome, eu não me lembro se foi no campo do Vasco ou se foi no Maracanã. Eu acho que foi no Maracanã mesmo. No Maracanã eu...
P/1 - Foi Vasco e Flamengo?
R - Não me lembro se foi Vasco e Flamengo, pode ter sido.
P/1 - Seu Quadros, antes do Maracanã o Flamengo já tinha sido tri-campeão nos anos 1940, né? 1942, 1943, 1944. O senhor acompanhou esses jogos do primeiro tri?
R - Acompanhei também, mas não muito, porque depois... eu estava vendo futebol amador. Depois, quando passou para o futebol profissional eu não ligava muito aquilo não, porque antigamente quando um jogador era de um clube... que era raríssimo mudar para outro, era logo chamado de "vira-casaca". Perdia todo o respeito aquele sujeito que era... o sujeito era Flamengo, mudava para o América, do América mudava para o São Cristóvão, era "vira-casaca". Por isso é que hoje em dia... muda-se quantas vezes você... muda um... Porque é isso mesmo. É o empresário lá que arranjou uma proposta mais... sem consultar, às vezes, o jogador, transfere um para o outro.
P/1 - Seu Quadros, como era acompanhar os jogos do Flamengo? O senhor era um jogador assim, fanático ou um torcedor mais racional?
R - Não, não era não. Eu era torcedor, era torcedor. Eu sou torcedor até hoje, mas eu não gosto de assistir um jogo, porque assistir um jogo às vezes você sofre um bocado. Vê uma burrada que um jogador faz, ou que um outro jogador mete um gol no seu time e tudo. Se você não vê o jogo... se o Flamengo ganhou muito bem, agora se o Flamengo perdeu... Perdeu? O que é que pode se fazer? Eu não posso fazer nada. Mas você não sofre durante o jogo. A torcida é que é ruim, assistir o jogo. Mas é bom.
P/1 - Eu queria que o senhor comentasse pra gente quem foram grandes jogadores do Flamengo que o senhor admirava, que o senhor viu jogar...
R - Bom, tiveram vários. No tempo antigo, no tempo de amador mesmo era o time do Flamengo todo. Era Pinda, era o Néri, era Cisson, Cuntis ... era do Flamengo. E depois vieram os muito conhecidos, todos eles. Tinha o... como é? O Pérola Negra, como era o nome dele mesmo? Leonel, não?
P/2 - Leônidas?
R - Leônidas! Esse também foi um bom jogador. Tinha o Carregal, tinha o Moderato... mas isso é do tempo antigo. O Moderato também era um bom jogador.
P/1 - E o senhor conheceu o Yustrich quando foi jogador?
R - Yustrich? Não. Eu conheci o Friedenreich. (risos) Esse que era bom. Ele era... o Friedenreich era filho de um alemão e uma mulata, uma preta. Foi um bom jogador. Ele era um rapaz moreno de olho verde, tudo. Foi um grande jogador. Jogou até aqui no Flamengo uma ocasião. Quando ele estava já no fim ele veio aqui, jogou até um pouco no Flamengo.
P/1 - Ele fez algumas partidas no fim de carreira, né?
R - É, era um bom jogador! Tinham muitos!
P/1 - E dos tempos atuais, quem o senhor gosta?
R - Eu não conheço jogador nenhum. Conheço... eu vejo, às vezes, os gols da rodada e pronto. Não admiro nenhum em particular nem outro.
P/1 - E na época do amadorismo, voltando lá pra trás, do Flamengo antigo, quem fez o primeiro gol do Flamengo da história foi o Gustavinho, né?
R - Gustavinho.
P/1 - O senhor conheceu ele?
R - Gustavo de Carvalho, tá ali. Eu tenho... o meu título de sócio proprietário tá assinado por Gustavo de Carvalho, o primeiro título de sócio benemérito é assinado por Fadel Fadel. Agora, eu tenho um título de sócio benemérito... sócio benemérito não. De benemérito, não era sócio, da Federação Metropolitana de Futebol. Hoje é Federação Carioca, antigamente era Metropolitana. Eu gosto disso porque eu fui quatro anos diretor dessa Federação. E fui benemérito lá 27 anos depois de eu ter sido, quer dizer, eles ainda tinham memória de o camarada que trabalhou lá pra eles.
P/1 - Então, continuando...
R - Nas festas, né? Nas festas, antigamente as festas do clube eram realizadas no rinque, no campo lá da Rua Paissandu. Não era todo mês, não. De dois em dois meses, vinha uma orquestrinha do maestro Sotto, que era uma boa orquestra, boa. Só entrava quem estivesse quite com o clube, senão não entrava. (risos) Mas eram boas festas. E nós tivemos até, de festa também... ora, como é o nome dele? O da Aquarela do Brasil, como é o nome dele?
P/1 - Ari Barroso?
R - Ari Barroso, foi do Flamengo o Ari Barroso. O Ari Barroso foi Presidente dessa sociedade dos atores e cantores... e o Flamengo pagava... quando tinha orquestra tinha que pagar e tinha pagar a Associação também desses artistas todos. O Flamengo deixou de pagar e o Ari cortou, o Flamengo levou dois meses sem dar festa porque não pagou lá eles. (risos) Mas é bom.
P/1 - E o senhor gostava de dançar?
R - Não, eu gostava de ver aquilo. Dançar não, não era dançarino. Naquele tempo se dançava tango, aquela coisa toda.
P/1 - E como é que era a vida aqui no clube? Porque o senhor viu muitas mudanças, né? O Flamengo antes, do passado, era um clube pequenininho que foi crescendo com o passar do tempo.
R - É, depois as festas... as boas festas eram lá na sede lá do Morro da Viúva. Ali eram festas boas, boas festas! Já naquela ocasião eu que levantava a bandeira, que já era sócio mais antigo do clube naquela ocasião. (risos) Isso foi lá pra 1930 e pouco até 1960, quase.
P/1 - O senhor é o sócio mais antigo desde 1960?
R - Eu sou o mais antigo, eu tenho 84 anos de clube. Assinei em 1915, para 1999, 84.
P/1 - É uma vida no Flamengo, né?
R - Ah, é uma vida mesmo, inteirinha! E essa turma toda aqui do Boca Maldita, ali embaixo, que se reúne... tem uma turma antiga. A média de idade... eu estive já, por duas vezes, ali aonde tinha uns 30 mais ou menos... a média de idade dessa turma de velhos que se reúne lá, a média de idade é 85 anos. Média de idade! E de clube... 58 anos de clube daquela turma que se reúne lá embaixo.
P/1 - O senhor foi um fundador da Boca Maldita?
R - Não, não. Tem a Boca Maldita aqui há três anos só.
P/1 - Ah, tá.
R - Eu entrei na Boca Maldita porque eu encontrei uma porção de fotos antigas e tudo, bom, então... No centenário do Flamengo em 1985 eu estive aqui, eu vi aquela turma toda, já havia Boca Maldita, bom, então eu acabei entrando. Mas conheço essa gente toda.
P/1 - E o senhor vem ao Flamengo quando? Aos sábados?
R - Eu venho aos sábados lá pra conversar e coisa... Ouvir algumas brigas: "Você acha que fulano é assim, é assado. Perdeu aquela bola por isso..." Isso eu não tô ligando, não. (risos)
P/1 - Seu Quadros, que grandes alegrias o Flamengo deu ao senhor?
R - Sempre alegria! Alegria com as amizades que eu tenho no clube, que eu sempre tive bons amigos no clube. Isso é que era uma coisa principal, principal que eu gozei mais do clube, dessas amizades do que de grandes vitórias que o clube teve,também, eu sempre gostava mais da reunião da turma. Assim como os que torcem, gostam da torcida, não estão ligando o resto do Flamengo. (risos) Mas é bom.
P/1 - Seu Quadros, a gente está no fim da entrevista, eu queria perguntar ao senhor como o senhor se sente entrando aqui para a história do Flamengo, dando o seu depoimento para o Museu Histórico.
R - Bom, história é como tudo aquilo. Só quem sabe da história do... uma história é o que trabalha no Museu da História. (risos) Porque o sujeito não está ligando, não quer saber... o tempo já passou, não está ligando, é a mesma coisa aqui no país, mesma coisa. O sujeito não está ligando os grandes homens que nós tivemos... o sujeito só lembra dos porcarias. (risos e interrupção) O quê?
P/2 - Dona Ivete, fale, Dona Ivete!
R - Pode dar um palpite seu. (risos)
P/1 - Bem, então eu queria agradecer ao senhor a entrevista.
R - Ah, muito bem! Muito boa. Bom é ter servido ao clube e aos meus interlocutores todos.
P/1 - Mas o senhor não vai ficar livre, não. A gente ainda vai no futuro fazer mais uma rodada aí de bate-papo aí com o senhor.
R - Está bem, vamos ver.
P/1 - Muito obrigado.
[Fim da Entrevista]
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