P/1 – Paulo, fala pra mim o seu nome completo, local e data de nascimento, para registrar.
R – Meu nome é Paulo Celso Theophilo, nascido em São Paulo, capital.
P/1 – Que dia que foi?
R – Dia 26 de dezembro de 1955.
P/1 – Você nasceu em hospital ou nasceu em…?
R – Hospital. Maternidade.
P/1 – Onde foi?
R – Uma maternidade do Paraíso, chamava Nossa Senhora do Carmo, não tem… acho que ela… tem o prédio lá que hoje deve ser da Amil, se eu não me engano, mas não é mais Nossa Senhora do Carmo. A não ser que eles mantiveram lá o nome e eu não tô sabendo.
P/1 – E qual que é o nome do seu pai?
R – Batista Theophilo. Da minha mãe, Rosa Sampieri Theophilo.
P/1 – Seu pai nasceu onde e que dia?
R – Também no Brás, cinco de maio de 1925 e a minha mãe nasceu em Avaí, uma cidade perto de Bauru, no interior de São Paulo, dia 30 de agosto de 1928, se eu não tiver errado. Acho que são três anos após o meu pai.
P/1 – E o seu pai, ele… a gente entrevistou ele, mas eu queria que você falasse um pouco dele. A família dele veio de onde?
R – Tudo da Itália, mais precisamente de Polignano, Polignano a Mare, cidade de Bari, vieram meus avós para cá, eles vieram de navio à procura de uma vida melhor. Chegando aqui, eles viajaram, no mesmo navio, mas eles vieram a se conhecer aqui no Brasil.
P/1 – Seu avô e sua avó?
R – Isso, meus avós, por parte do meu pai e a minha avó por parte… meus avós por parte da minha mãe, o meu avô veio da Sicília, nasceu na Sicília e a minha avó nasceu aqui, ela nasceu no interior de São Paulo. Eu não sei se era Marilia ou Bauru, agora não posso precisar certo. Ela é descendente de napolitano.
P/1 – Agora os avós por parte de pai, eles faziam o que em Polignano? Você sabe?
R – Eram pescadores. Minha vó não, minha vó era dona de casa e o meu avô e os irmãos eram todos pescadores.
P/1 – Qual que é o nome da sua avó e do seu avô?
R – Meu avô, João Theophilo e da minha avó Maria Torres.
P/1 – Vamos ficar com essa parte da família, por enquanto. Eles saíram da Itália por quê? Você falou que eles buscavam uma vida melhor…
R – Melhor… naquela época, estava muita coisa do fascismo, esse negócio todo aí, e então, eles resolveram sair de lá, porque muita gente estava vindo para o Brasil, muita gente estava vindo da Itália para o Brasil e eles vieram pra cá de navio, fico imaginando o que eles passaram no navio naquela época, né?
P/1 – Eles falaram alguma coisa?
R – O meu avô quando ele morreu, eu tinha por volta dos cinco, seis anos de idade. Eu lembro dele, eu lembro muito do meu avô, mas assim, de eu conversar com ele, de eu lembrar de alguma coisa que ele me contou, não. A minha avó já falou um pouco mais, tá, ela tinha os irmãos dela, também que vieram pra cá pra trabalhar, ele trabalhou em fábrica, se não me engano, a fábrica de tamancos, tá? Minha avó. E o meu avô, pelo o que me contaram, né, porque eu não tive tanta oportunidade de conversar com ele, ele trabalhava como marceneiro, muito bom marceneiro, muito bom. Ele fazia carroceria de caminhão naquela época e ele fazia uma coisa que deixava todo mundo bravo com ele, que ele fazia os carrinhos de rolimã para o meu pai que era o melhor que tinha, todos os outros meninos ficavam bravos, não conseguiam ganhar do meu pai nos carrinhos de rolimã (risos). E depois, ele morreu, já muito tempo depois, teve os filhos, tudo mais, foram morar no Pari, numa casa em que moravam os filhos juntos, moravam todos os filhos juntos, tanto que alguns filhos que casaram permaneceram morando lá, meu pai não. Meu pai, quando casou com a minha mãe foi morar na rua Monsenhor Anacleto, uma travessa da rua do Gasômetro lá no Brás, tudo lá no Brás, e lá que nasceu eu, meus irmãos, nascemos e nos criamos lá, nós ficamos morando lá acho que… eu 23 anos, né, porque os meus irmãos saíram… eu e a minha irmã ficamos lá morando 23 anos. Ela menos, né, porque ela é mais nova do que eu. Meus outros irmãos já estavam casados, então, não ficaram lá. Aí, nós viemos aqui para a Santa Cecilia, onde nós estamos hoje.
P/1 – E a sua mãe, qual que é a história da família dela, mais ou menos? Eles também são da Itália…
R – Eles são da Itália, o que eu me lembro é de Marilia, da cidade de Marilia e de alguns parentes em Bauru, também. Meu avô teve, acho que 11 filhos. E a minha mãe acho que foi a sexta, se eu não me engano. O meu avô era barbeiro em Marilia e minha avó era do lar, eles não se davam os dois e eles tiveram 11 filhos, por aí você imagina, se eles se dessem, a família iria ser muito maior, né? Então, depois eles montaram uma selaria lá que chamava Família Sampieri, era Casa Sampieri, vendia sela, couro, tudo derivado de couro. Depois com o tempo, fecharam, meus tios saíram de lá, os filhos, os netos não quiseram saber de nada. E a minha mãe, na realidade, ela se criou aqui em São Paulo, porque os tios dela, o tio Rafael e a tia Carolina que eram por parte da minha avó Rosa, não tinham filhos, então queria criar um dos filhos dele e acabou pegando a minha mãe.
P/1 – E cresceu em São Paulo?
R – Acabou vindo para São Paulo.
P/1 – Brás também?
R – Também no Brás, ali na Monsenhor Anacleto, onde a gente morava, ali era a casa deles. Inclusive quando o meu pai casou, foi morar lá, na casa que era do tio Rafael e da tia Carolina.
P/1 – Então, seus pais se conheceram no Brás, então?
R – Se conheceram, tudo lá no Brás, tudo naquela região, ali, porque o meu pai morava… ele se criou, na realidade, naquela região, rua Américo Brasiliense, Alvares de Azevedo, rua Santa Rosa, Benjamim de Oliveira e ele nasceu ali naquela região. Nasceu na Américo Brasiliense, depois ele mudou para a Benjamim e nesse interim, tinha lá na rua do Gasômetro tinham as paqueras, isso daí, tal, foi ali que eles se conheceram, segundo eu sei. Vai saber se eles esconderam da gente, atualmente escondem, não sei se naquele tempo escondiam. Mas foi uma coisa muito legal, foi uma benção, porque você vê como é que são as coisas, né, casaram, continuaram ali, minha mãe sempre do lar, sempre dona de casa, cuidou dos filhos, cuida dos netos e gosta de cuidar dos bisnetos, também. Meu pai já era mais tranquilo nesse ponto, meu pai trabalhou muito, muito, muito mesmo, ele após casar… sempre ali na região, tá, após ele casar, ele se dedicou exclusivamente para a família, não tinha mais futebol, não tinha os amigos… tinha os amigos, assim, mas nada de sair para o divertimento deles, que balada é atual… nós nos criamos lá e eu tô lá até hoje também, trabalhando lá, aprendi lá, sempre gostei de trabalhar com alimentos.
P/1 – Tá, me fala um pouco do seu pai. Ele começou a trabalhar como?
R – Olha, o meu pai, segundo eu sei, ele trabalhava numa empresa chamada Scagliusi e foi ali que ele começou como ajudante, tudo isso daí e depois que ele se formou, tudo mais, ele se formou contador, na época era contador mesmo, então, ele de lá, se eu não tiver errado, ele saiu e foi para uma empresa chamada cerealista Santa Filomena, que era na rua Alvares de Azevedo, que hoje chama-se Polignano A'Mare e bem em frente a Igreja de São Vito, que São Vito é o padroeiro dos bareses, napolitanos e tal, é mais dos barrenses, né? Ele trabalhou acho que 25 ou 26 anos lá nessa empresa, com a família Fasanella, que não tem mais nenhum vivo, só se tiver alguma irmã deles. Agora dos irmãos que ele trabalhou, o Toninho, Claudio e o Romeu, eles já morreram.
P/1 – E essa Santa Filomena era empresa de quê?
R – Eles trabalhavam com secos e molhados, tá, mas mais atacado, o pessoal vinha muito de fora de São Paulo para comprar lá na Zona Cerealista, tinham outras empresas lá também que era… mas a Santa Filomena era uma das mais fortes, pelo o que eu conheço a mais forte era a Santa Filomena onde ele trabalhava e tinha uma outra na esquina que eram os Irmãos Brasiliano, tá? Tudo ali no meio, também. E ele ficou lá esse tempo todo, aí eu fui aprendendo. Nesse ínterim, ele também montou uma mercearia do lado da casa da gente, tá, foi ali que eu tive os primeiros contatos com alimentos, com produtos de limpeza, esse negócio todo.
P/1 – Comércio?
R – É, comércio, grãos, isso aí eu tinha por volta de dez, 11 anos de idade. E eu fiquei lá trabalhando um tempo e tudo, aí eles resolveram passar pra frente e depois, eu trabalhei numa madeireira ali na rua do Gasômetro, que ali a região é mais madeireira, né? E depois que eu fui pra… quando eu vi que aquilo não era para mim, madeireira, aquilo não era comigo, eu gostava de ver aquele negócio de alimentos e futebol, eu gostava disso daí. E aí, o quê que aconteceu? Eu fui trabalhar numa empresa que um cara me chamou, eu tava lá trabalhando, não tava gostando muito de lá, não…
P/1 – Na madeireira?
R – Não, já numa empresa na rua Alvares de Azevedo, mesmo, tá, que chamava Cerealista Cajuru, da família Neruzzi (? 00:11:23) e aí, passou o pessoal lá que era muito amigo da nossa família também, gostava muito do meu pai, falou: ”Você não é filho do Batista?”, falei: “Sou. Tô com 13 pra 14 ano de idade, muita gente não quer pegar agora porque acha que tem negócio de Exercito, tudo” “Vai lá fazer um teste”, quem fez isso aí? Foi seu Ítalo Tucci da Rio Bom e foi ali que eu tive contato com a pessoa que mais me ajudou, duas pessoas que mais me ajudaram, além do Ítalo, que foi o seu José Tucci e o José Luiz Paixão. Foram dois grandes professores para mim, todos amigos do meu pai. Então você vê a importância que o meu pai teve no segmento de trabalho meu e assim, eu fui indo e fui tendo contato cada vez mais e o contato que mais me chamou atenção foi com bacalhau e eu trabalho até hoje com bacalhau.
P/1 – A gente vai chegar lá, mas eu queria voltar um pouco. Você nasceu lá na maternidade e foi morar no Brás, então?
R – Já fui morar na rua Monsenhor Anacleto.
P/1 – Quais são as primeiras lembranças que você tem, assim, da sua infância de lá?
R – Bom, ali… primeiro, a rua. A rua Monsenhor Anacleto e a rua Maria Domitila, que uma cruza a outra, tá? Na Monsenhor Anacleto, eu tinha os meus amigos e todos gostavam de jogar futebol e eu ligado em futebol, sempre, desde pequeno, eu sempre torci para o Santos, por causa do Pelé, claro, não tenha dúvida. Mas o Pelé parou, eu continuei torcendo para o Santos. Dos meus amigos, tinha de tudo ali, tinha palmeirense, tinha corintiano, tinha são-paulino, mas todos nós nos dávamos muito bem, ali na Monsenhor Anacleto e eu tinha algum contato, também, com o pessoal já do outro lado da rua do Gasômetro, que era o pessoal mais napolitanos do que barrenses. E o nosso lado tinha de tudo, no nosso lado tinha espanhol, tinha italiano, tinha cigano, tinha grego, tinha tudo ali, ali tinha tudo!
P/1 – Como é que o bairro se divide? Você acha que tem uma divisão, assim, das ruas? Tinha, quer dizer?
R – Não é que tinha, era mais localizado o negócio, tinham uns que tinham um pouco mais de dinheiro e ficava para um lado, outros deram mais certo, que tinha esse dinheiro ficava para um lado, outros ficavam para outro, nós ficamos no meio, assim, vamos dizer Caetano Pinto, a Carneiro Leão, isso daí, era um pessoal mais baixo, nós estávamos no meio, não sei até hoje porque nós estávamos no meio e o lado de lá era o pessoal que tinha um pouco mais de dinheiro, mas nada assim… ninguém pisava um na cabeça do outro, entendeu, mas tinha rixa, a molecada por causa do futebol, que a turma de lá era maior que a turma de cá. A turma da Caetano Pinto já era um pouco mais pesada também, entendeu, naquele tempo foi a primeira vez que eu vi droga na vida com gente que jogava futebol comigo, moleque. Bom, o que eu mais gostava da rua era exatamente essa união das meninas, também, tudo e o que era mais importante, os nossos pais se gostavam. Dificilmente, alguém chegava lá e fazia crítica para destruir, mas fazia crítica porque tinha encrenca, tinha futebol, a gente ia brincar até de esconde-esconde, tinha confusão, entendeu? Qualquer coisa que você fazia, saía confusão, mas só que a minha mãe foi muito sábia com relação a isso, porque ela falou: “Se nós começarmos a discutir por causa deles, nós vamos ficar sem olhar um na cara do outro e daqui a pouco, eles estão tudo jogando futebol e nós estamos com cara de tacho aqui.
P/1 – Os pais?
R – É, os pais. Minha mãe falou isso aí para eles e eu escutei isso daí. Quando eu escutei, eu pensei: “Minha mãe falou uma coisa certa”. E eu dificilmente tive mais brigas ou… tinha aquelas discussões de futebol que é normal, queria ganhar de qualquer jeito. O que me marca mais na minha vida mesmo foi o meu amigo Eduardinho, foi o Serginho, foi o Zé Barriga, esses caras marcaram bastante a minha vida porque estavam sempre juntos com a gente…
P/1 – Esses três?
R – Esses três estavam sempre juntos com agente. Tinham outros também, mas os que estavam mais eram esses daí por causa do futebol. É um pessoal muito legal. E já do outro lado da rua do Gasômetro, já entrando para a Zona Cerealista, ali, eu tinha amizade com todo mundo por causa do São Vito, do futebol, que nós fizemos dente de leite, eu fui pegando amizade com todos eles, nós fomos pegando amizade com todos eles, eu tenho amizade com muita gente lá que inclusive, você deve ter entrevistado já.
P/1 – Agora fala um pouquinho desses três amigos, quem que são cada um deles?
R – Olha,. o Zé Barriga tá morando no interior, eu acho que já se aposentou, ele trabalhava numa empresa lá que eu não lembro o nome agora e depois, ele resolveu ser autônomo, tudo e depois, ele deu uma desaparecida e quando eu fiquei sabendo que ele apareceu lá algumas vezes pra gente conversar, ele tava trabalhando no interior, ele tava trabalhando com fretes.
P/1 – Mas você conheceu ele onde no bairro?
R – Lá na Monsenhor Anacleto, que eles moravam na Maria Domitila, que é a que cruza. O Serginho e o Eduardinho já não, eles moravam no prédio em cima da minha casa. Minha casa é aqui, tinha um prédio aqui assim, eles moravam naquele prédio.
P/1 – Os res são italianos? São descendentes?
R – São. O Serginho é armênio, árabe, isso daí. Eu nunca sei dizer, é igual chinês, eu nunca sei… chinês, japonês, eu nunca sei distinguir. O Eduardinho tem descendência italiana e o Zé Barriga também. O Eduardinho é engenheiro, a irmã dele é advogada, o Serginho, ele se formou em alguma coisa que eu não tô lembrado agora o quê que é, tá? Agora, eu tô forçando a memória aqui, mas não tô lembrado. Eu tive com ele outro dia, ele apareceu lá. Quem mais aparece lá é o Eduardinho, que ele vai lá, bate papo com a gente, ele mora na Monsenhor Anacleto, ainda. Só se ele mudou há pouco tempo e eu não tô sabendo, mas ele mora lá ainda. Ele aparece lá na loja para conversar ou para comprar o bacalhau da gente, tal, mas o Zé Barriga sumiu. O irmão dele, de vez em quando, encontro com o Vito, irmão dele, eu pergunto, mas ele fala: “Lá tá no interior”, ele não fala muita coisa. Eu não alongo, porque às vezes, não quer falar, né, então…
P/1 – E por que Zé Barriga?
R – Porque ele era gordo, ele tinha a barriga… porque tinham outros Zés e ele como tinha uma barriga saliente, então ficou o Zé da Barriga, então ficou Zé Barriga. Igual eu que era Paulinho, Pauluccio, Paulinho, Pauluccio, ficou aquele negócio, no futebol… na rua, tanto no Tiete quanto no clube, que eu batia muito forte na bola no futebol de salão, então ficou o Paulo que dava paulada, ficou apelido de Paulada até hoje, mas eu não batia nos outros, não, tá? Mentira, se alguém falar…
P/1 – E por quê que você se lembrou desses três em especial?
R – Por causa do negócio do futebol, que a gente estava sempre junto. A gente… nós não estudamos juntos, cada um… que eu me lembre, cada um estudou em outros colégios, foi separado, mas quando a gente saía do colégio, a gente acabava se encontrando na rua, na Monsenhor Anacleto ou na Maria Domitila e não dava duas, a gente fazia trave de gol, fazia com mochila ou caderno, fazia esse tipo de coisa, às vezes, não tinha, o que fazia? Jogava descalço, tirava o sapato, punha lá, porque a gente jogava futebol na rua de sapato, a sola do sapato abria, parecia um jacaré, né? Mas a gente parece que ficava se esperando para se encontrar, que muitos deles estudavam ali perto, eu já estudava no Colégio Agostiniano São José, que é no Belém, então a gente pegava o ônibus de volta e normalmente, a gente saía às cinco horas, naquela época não tinha o trânsito que tem hoje, então era cinco e quinze, cinco e vinte, já estava chegando ali na rua Rangel Pestana, quase esquina com a Monsenhor Anacleto, então a gente entrava e vinha lá, só que não era asfalto, não, era tudo de paralelepípedo. E ainda a minha casa era antiga, foi antes ainda da gente fazer a reforma, entendeu?
P/1 – No fim da tarde, vocês estavam jogando bola?
R – A gente estava sempre jogando bola e eu lembro deles por causa que à noite, a gente se encontrava, a gente brincava de esconde-esconde, brincava de pega-pega, mãe da rua, a gente fazia de tudo, mas aí tinha mais gente junto, mas eu tava sempre unido com eles, mais com eles. Com o Zé Barriga foi o que eu mais me peguei, com o que eu mais discuti, mais briguei foi ele, com o Serginho e com o Eduardinho, não, a gente mais conversava do que qualquer outro tipo de coisa, tanto que quando nós nos separamos, cada um mudou para um lado, isso aí, tal, nós ficamos praticamente uns dez anos sem se ver, até mais. Eu não tinha noticia deles, não encontrava com mais ninguém, até que um belo de um dia, eu encontrei com o Eduardinho…
P/1 – Na rua?
R – Na Monsenhor Anacleto, falei: “Você tá morando aqui ainda?”, eu sabia que ele tinha casado com uma moça que morava ali na Maria Domitila, também, e aí, o quê que aconteceu? Ele falou: “Serginho vai casar, tá querendo falar com você”, pegou e ligou, não tinha celular naquela época. Eu cheguei aqui em casa, acordei e liguei para ele no sábado: “Ele deixou o telefone comigo” “Vou casar” “Legal” “Gostaria que fosse” “Tá bom. Quando que é?” “Hoje” “Quê?” “É hoje o casamento”, eu fui. Eu fui, não me fiz de rogado, não, de que podia ter me procurado, nada disso, peguei, fui, na Igreja de Santo Amaro, era longe… fui no casamento dele tranquilo., Quando o Eduardinho casou, eu não pude ir, ele me telefonou, eu falei: “Infelizmente, eu tô com viagem marcada”, e não tinha como eu cancelar aquela viagem, ele me convidou 30 dias antes, só que eu já tava com aquela viagem marcada, porque eu trabalhava na Bolsa de Cereais de São Paulo, então, tinham algumas reuniões fora de São Paulo, às vezes, eu tinha que passar final de semana para fazer lobby, esse negócio todo e eu tinha interesse naquele leilão, eu pedi mil desculpas para ele, eu falei: “Olha, infelizmente…”, eu tinha sido designado para representar a Bolsa naquela época, quem fez isso foi o seu ____00:22:33____, eu fui junto com o primo dele que também era corretor que era o Claudio Borrego, que é um dos melhores amigos, foi um dos meus melhores amigos, que infelizmente, o Claudio morreu.
P/1 – Vocês ouviam muito rádio em casa nessa época?
R – Ouvia. Ouvia Jovem Pan, “Vão bora, vão bora, tá na hora…”, desde aquela época lá, quando começava a falar o rádio, puta, ficava… tem que comprar pilha, e às vezes, a gente não tinha dinheiro para comprar pilha, não tinha. Mas a gente escutava muito futebol, sempre escutava Jovem Pan, à noite, era música, eu punha o radinho… para não atrapalhar ninguém eu punha o radinho embaixo do travesseiro e ficava escutando e pegava no sono. Ficava escutando música, na realidade, eu sempre gostei de samba, mas tinha algum rock, naquela época, você tinha rock, não era essa gritaria que você tem hoje, né? MPB, tava começando aflorar Elis Regina, esse pessoal todo aí, Jorge Ben, Jorge Ben era terrível, as músicas… eu gostava muito do Cauby, que infelizmente, morreu, por causa da voz dele, tanto que eu fui no show do Cauby aqui perto de casa, no Viva Maria muitos anos atrás, cabia 300 pessoas lá dentro, tinha mais de mil, todo mundo apertado um no outro. Tom Jobim. Eu gostava do Chico Buarque, hoje não dá mais para gostar, por causa do segmento político, não dá mais para gostar, não é possível, mas dentro da democracia, cada um tem a sua opinião. E acompanhava muita coisa da Ditadura. Eu não definia Ditadura… naquela época, não sabia grande coisa, mas eu acompanhava, eu escutava…
P/1 – Na rádio?
R – É, eu escutei na rádio que marcou pra mim, mesmo, além dos gols do Santos foi o Eder Jofre lutando. Naquele tempo, era na rádio, a gente escutando o Eder batendo no Arada que era o japonês, aquele negócio todo, ele ganhou a luta, não ganhou, o radinho falhava… e eu louco da vida que não conseguia saber o que tinha acontecido por causa que chiava muito, aquilo chiava pra caramba, então tinha hora que o pessoal falava alguma coisa que você não conseguia… mas era muito legal, porque você ficava com aquele ponto de interrogação na cabeça. E outra coisa que marcou foi a televisão, né, que o meu pai… tinha uma televisão em branco e preto, nós vimos a luta do Cassius Clay em preto e branco. Você ligava a televisão até esquentar as válvulas, tudo mais, quando ia ver, já tinha ido dois rounds da luta. Eu, principalmente, gostava muito de boxe, meu irmão também por causa do meu tio, o meu tio foi lutador de boxe e o irmão do meu pai foi juiz de boxe muitos anos. E eu tive o primeiro contato com ele quando eles passavam lá no Brás, mesmo, pra levar a gente no CMTC para assistir a luta. Também me lembra a Zona Cerealista, porque o meu tio Modesto pegava a gente pra levar a gente pra assistir lá…
P/1 – O boxe?
R – O boxe no CMTC. Quando ele saía da minha casa, a gente costumava passar na rua Santa Rosa, que o final dela pegava a avenida do Estado e já ia sair na Cruzeiro do Sul. Saindo da Cruzeiro do Sul, tinha a linha do trem, Maria Fumaça, a gente ia beirando a Maria Fumaça até chegar no CMTC pra assistir o boxe. Então, a gente tinha que passar por ali. Quando eu tava na casa da minha avó no Pari já não, a gente ia por lá que era mais perto. é isso daí.
P/1 – E qual que foi a luta mais marcante que você achou, que você viu? Essas do Eder Jofre, não?
R – Ah! O Eder Jofre! Não tenha dúvidas. Era um brasileiro, batia muito, ele tinha um carinho muito grande com o nosso querido Ayrton Senna, entendeu? E hoje, se você vir o Eder Jofre, ele tá doente, tudo mais, acho que de tanta pancada que tomou, também… e por causa do pai dele também, que o pai dele ficava no corner, né? Chamava ele de salame e às vezes, o cara no rádio falava: “Chamou ele de salame, então não sei o que…”, eu dava risada, tanto que eu brinco com o meu pai que eu chamo ele de salame, ninguém mais chama ele de salame. E foi contra o Arada, foi contra o japonês.
P/1 – Ele ganhou?
R – Ele meteu a mão no Eder. O Eder ganhou a luta, e deram para o japonês, entendeu? Como aconteceu aqui também, que o Maguila perdeu para o Quebra Ossos também aqui, deram a vitória para o Maguila, o Maguila levou uma bela surra e… mas lá também roubam, e daí meu? Se lá roubam, deixa roubar, aqui… quer dizer, tá tudo errado, né? Tudo errado, então… essas são as coisas e do rádio, a que eu mais me lembro também foi de uma jornalista que ela é… eu não sei se ela é politica aí no Rio de Janeiro, a Cidinha Campos, eu adorava escutar ela, porque ela falava umas verdades, eu tinha simpatia pelos militares por que pelo menos eles colocavam ordem no país naquela época, a gente na rua andando tranquilo, eles pegavam quem? Justamente esses que hoje estão aqui fazendo tudo isso que estão fazendo, entendeu? Aí, nós não tínhamos esse problema de andar na rua, porque eles pediam o documento, você dava um documento, mostrava, tal, não sei o que, beleza, não tem problema, e quem não tinha documento, eles encaminhavam. O cara tá armado, tudo mais, aí espera aí, a situação era outra e a Cidinha batia muito nisso daí, ela batia muito nisso, mas eu gostava de escutar ela, eu não contestava ela, eu só achava ela politicamente democrata, então era uma das coisas que eu mais gostava de escutar lá na Monsenhor Anacleto, eu comentava com os meus amigos: “Eu também escutei”, eu falava: “Pô, tá vendo? tem mais gente que se interessa pelo país, aquilo lá que a gente tava escutando era pelo país, não era… entendeu? Era por isso, tanto que eu sempre gostei do Maluf, qual problema? Para São Paulo, ele foi muito bom, se ele roubou ou deixou de roubar, não sei o que, problema dele, eles que têm que julgar lá, mas para São Paulo, tanto para cidade quanto para o Estado de São Paulo, ele sempre foi muito bom. Inclusive em segurança pública, ele sempre foi muito bom.
P/1 – Isso na infância, ainda?
R – Não, eu fui acompanhando tudo isso daí. Eu vim acompanhando tudo isso daí. Aí, quando eu comecei… ele montou a mercearia, eu com dez, 11, 12 anos que eu comecei a ter contato, você vai começando a entender outras coisas, o que teve de gente que eu vi lá dentro roubando coisa, aí você começa a lembrar da segurança, lembrar o que era falado na rádio, você vai começando a ter o seu… a formar as suas opiniões, né? Eu vi um Brasil muito legal em 70, na Copa do Mundo, pô, você tá de brincadeira! A união que teve no Brasil! não importava o que você era, meu amigo, não importava o que você era. Antes de começar a Copa do Mundo, todo mundo: “Porque a seleção é uma droga, porque o Pelé tá míope, o outro tá não sei o que…”, aquele negócio todo. Começou, meu Deus do céu, o Brasil começou ganhar, com todo mundo unido, saía uma confusão porque tinha sempre o tonto que queria aparecer mais do que os outros, entendeu, e acabava prejudicando aquele negócio todo. E o pessoal do outro lado da rua do Gasômetro que já dentro da Zona Cerealista eram os italianos mais fortes e o Brasil ganhou em cima da Itália, vai pra lá, encontra, brinca e eles não ficam bravos, eu tenho amigos lá, se eles ficarem bravos, eles não vão mais ter amigos, vão se afastar. E você vê que tudo isso vai girando, vai girando e chega na Zona Cerealista, na região toda do Brás, o Brás, na realidade, é metade do Brasil, né? Se você colocar o il na frente fica Brasil, então eu costumo brincar com isso daí, a Zona Cerealista faz parte de tudo isso daí, não adianta, eu me criei ali. Eu peguei a enchente de 66, eu tinha 11 anos de idade? não, eu tinha dez, né, porque foi em março, se eu não me engano e eu tava indo para 11 anos de idade. Meu pai ficou preso lá na Santa Filomena, deu cinco metros de água!
P/1 – Você tava onde?
R – Eu tava em casa. Mas a gente saía, tinha que sair, em casa nunca tinha entrado água e entrou água… tinham uns quatro ou cinco degraus, pegou até o terceiro degrau ou seja, para o meu tamanho, era até a cintura. Na minha casa. Não chegou a entrar dentro da minha casa porque tinham esses degraus, depois da reforma que ele fez. Se fosse antes, tinha um porão embaixo, ia dar… ia ser horrível o negócio.
P/1 – Então, você viu essa enchente então?
R – Vi. Eu me lembro de eu tentar chegar para ver como é que ele tava, eu fui, meus irmãos… eu fui.
P/1 – E ele tava ilhado lá?
R – Tava lá, mas eu não consegui chegar muito lá, porque era água… a água chegou aqui em mim, você via boiando tudo ali. Fui eu e um outro cara que ele era nordestino, entendeu, mas era um cara muito legal, o nome dele era Ramos. E ele… nem vi mais, eu acho que ele foi embora aqui do… ele era alagoano, se eu não me engano, era um negócio assim e ele falou pra mim: “Vamos voltar, senão nós vamos morrer”, orra, aquela palavra “vamos morrer” e eu olhando aquele negócio, falei: “ma dona mia”, vamos embora, vamos voltar, aí voltamos. Quando baixou a água, tudo, tal, meu tio ficou preso, perdeu um carro novinho, quando ele percebeu, o carro já tava cheio de água, eu fui até a Zona Cerealista par ver o que tinha acontecido porque me chamou a atenção justamente que aqueles caras têm arroz, feijão, farelo, tem tudo ali, entendeu? cebola, batata, a distribuição era ali, pensei: “Vamos ver como eles…”, uma desgraça…
P/1 – Perde tudo, né?
R – Tudo! Tudo. Tudo jogado no meio da rua, porque a prefeitura mandou jogar tudo no meio da rua, não me lembro quem era o prefeito naquela época, não era o Faria Lima, agora deu branco. Aí, o quê que aconteceu? Você olhava aquilo lá e tinha gente ainda, tinha mendigo, senhoras de favelas, não era comunidade, era favela, mesmo, hoje que inventaram a tal da comunidades, né? Mas o samba fala em favela, né? É gozado, é um contraste, né? E eles iam lá para tentar ver se achavam alguma coisa porque tava todo mundo com fome, entendeu? A padaria não era elétrico, não, era tudo lenha, a lenha verde, molhada, como é que você vai… mas faziam, porque o pessoal tinha que comer. Então, foi uma das maiores tristezas que eu vi na Zona Cerealista foi a enchente de 66.
P/1 – E com o seu pai, como é que foi?
R – Ele tava tranquilo, eles estavam presos lá dentro do armazém deles, lá, mas tinham umas compotas que seguravam tudo e tal e eles comiam o que tinha lá dentro. lá tinha pêssego em calda, então, não tinha como abrir, os caras abriam com pedaço de pau, faziam alguma coisa. Na fome, você come qualquer coisa.
P/1 – Eles ficaram muito tempo, lá?
R – Eu acho que foram umas 48 horas que eles ficaram lá presos.
P/1 – Nossa!
R – Acho que foi mais ou menos isso, foram dois dias, mas dois dias de terror, né, que você não sabe o que acontece pra lá e pra cá,. né? Você não sabe o que tá l, o que tá aqui, não funcionava telefone, nem a luz, vela, pô, vela ascendia e pum, apagava, ascende outra vez, ficava com o toco na mão, qualquer coisa, põe essa aí, já eram duas, porque se você põe só aquele toco e a outra, queimava aqui embaixo e… então, você punha para tentar iluminar alguma coisa. Eu lembro disso, são minhas lembranças, pode ser que outras pessoas tenham mais lembranças disso daí, essa lembrança é minha e foi assim que eu te digo que eu fui cada vez mais adquirindo a coragem de falar: “O dia que eu for trabalhar, eu preciso trabalhar para a minha família’, por mim, claro, e para minha família. As minhas roupas era o meu pai que comprava, mas eu falei: “Preciso eu começar a fazer isso dai”. Eu estudei no colégio Trinta de Outubro, que foi onde eu me formei como contador, porque naquela época era colégio técnico, mas você se formava como contador, você não precisava fazer faculdade. Eu só não tirei o CRC porque eu me formei lá já trabalhando na Zona Cerealista, eu trabalhava no Rio Bom, com a família Tucci que depois mudou para Irtucci junto com o Ítalo, seu José Tucci, o Júlio no tava lá naquela época, ainda, e o Zé Luiz Paixão. Esse, os três foram professores para mim, mas foi muito bom! Tanto que quando eu sai de lá, eu falei para eles que eu ia tentar ser autônomo, porque eu tava com vontade de ser autônomo, eu me via como vendedor ou como representante, eu me via, mas tinha que ser naquele segmento. Eles falaram: “Boa sorte, o sol nasceu para todos”, eu falei: “Nós vamos fazer negócio junto”, e fizemos até antes deles pararem, nós fizemos negócios juntos.
P/1 – Tá, mas você se formou como contador, então, na escola?
R – Formei, formei no Colégio Trinta de Outubro, na rua Oiapoque. Essa rua saía da rua do Gasômetro e ia até a Rangel Pestana, era um quarteirão só.
P/1 – Mas a primeira escola que você foi não foi… foi no Belém, né?
R – A primeira escola que eu fui foi aqui na Avenida Angélica, chamava Jardim Escola Angélica. Eu era pequeno. Depois de lá, daí, pra onde eu fui?
P/1 – Não foi no Belém, que você falou?
R – Não… então, eu acho que eu já fui de lá, não teve outra escola no Brás, meus irmãos estudaram ali no Brás ainda, não, estudei na Rainha Margarida, lá na rua do Gasômetro, é, eu vim aqui primeiro e fui para Rainha Margarida ou vice-versa, agora não tô lembrando. Depois, eu sai, já ia ser primeiro ano, segundo ano, terceiro ano, aquela época, né, tinha admissão, depois você partia para o ginásio, já foi o Colégio Agostino São José. Eu me formei lá, eu fiz primeiro ano, segundo ano, terceiro ano, quarto ano e quinto ano ali. E aí, teve a admissão que aí, eu já fui para o… na rua da Mooca, era o Firmino de Proença. No Firmino de Proença não me dei bem lá, não, que aquilo lá tava mais para uma boate do que outro tipo de coisa, tem até hoje lá o Firmino, mas ali era meio pesado o negócio, ali tem um pessoalzinho pesado ali e era um pessoal que vivia na rua Wandenkolk, Carneiro Leão, mas na rua Wandenkolk mesmo tinha um amigo que chamava Valdir e eu me dava muito bem com ele porque ele não usava drogas, ele dificilmente faltava, a gente passava na casa dele, ele ia na minha casa e tinha um japonesinho também lá que eu não me lembro o nome dele agora, era Kazu, acho que era Kazu, o nome dele, se eu não me engano, também era muito legal. Mas depois, quando não tava dando certo lá, minha mãe viu, me tirou e eu estudar no Ginásio paulista, era no Pari, na rua Monsenhor de Andrade, já para o lado de lá da porteira. Mas é gozado, que eu tava tudo perto da Zona Cerealista, entendeu, para voltar eu tinha que passar, esperar o trem passar, abrir a porteira, muitas vezes, eu não esperava, pulava a porteira de farra, entendeu?
P/1 – Você tinha que passar para a porteira? Acho que não existe mais, né?
R – Não, não tem. Era no final da rua Mendes caldeira, já entrando na Monsenhor Andrade, que a Monsenhor de Andrade cruza para o outro lado, ela vai até a João Teodoro, depois continua a Valtier e era ali, é entre a João Teodoro e a Elisa Whitaker que tinha o Colégio… o Ginásio paulista, que eu joguei muito futebol lá dentro também, a gente jogava com tampinha, a gente no intervalo, não podia, era muito aluno, então, no tinha como jogar, não podia pegar a quadra, que era quadra de futebol de salão, vai fazer quantos times para jogar em meia hora de intervalo? Então, a gente jogava com tampinha, jogava de assim, de assim, tinha time para tudo quanto era lado jogando e tinha hora que você começava a chutar tampinha dos outros, você nem sabia de quem que era, mas era muito legal aquilo lá. Não tinha briga, tinha uma confusão ou outra, mas era coisa normal. Mas sempre ali do lado da Zona Cerealista, que se você andasse dois quarteirões, você passava a porteira, você já tava na Mendes Caldeira, Américo Brasiliense, Benjamim Oliveira, tudo no final e já no moinho Matarazzo ali, que se chamava da Mariângela, tanto que eu brinco com os outros até hoje, alguém dos mais velhos, eu falou: “Vamos embora, vocês estão esperando o quê? A Mariângela apitar? Ela não apita mais, vamos embora”, os caras: “Porra, você lembra disso ainda?” Eu morava na Monsenhor Anacleto, mas eu escutava o apito do Matarazzo…
P/1 – Tocava que horas?
R – Às cinco horas, cinco horas, cinco e meia da manhã e depois, tocava às cinco e meia da tarde já avisando para o pessoal e aí, às seis horas, aí que vinha aquele barulho ensurdeceste e eu escutava de longe. Mas era tudo muito legal, porque às vezes, à noite, tinha festa junina, tinham os balões que naquela época se soltava balão e dificilmente pegava fogo em algum lugar, não são esses balões de hoje, não, aquele balão normal, não é essa ignorância que os caras fazem hoje, aí. E caía lá para dentro do Matarazzo, a gente passava… tinham os guardas lá, tinha tudo: “É só para pegar o balão” “não, não sei o que”, enquanto você conversava com o guarda e ele não deixava entrar, outro já passava por trás, ia lá, quando ia ver, o cara já tava saindo com o balão. A gente distraia a atenção dele. E a minha juventude, também falando nisso, eu esqueci uma passagem, foi ali no parque Dom Pedro, que tinha o Colégio São Paulo, tinha não, tem o Colégio São Paulo lá até hoje, que a gente saía da monsenhor Anacleto, entrava na Maria Domitila, no final dela em sentido já da rua da Figueira, e saía em frente ao colégio, o Parque Dom Pedro e o colégio. Eu joguei muito futebol ali também. E eu não estudei lá, mas eu joguei muito futebol lá dentro. Às vezes, a gente… nas férias, ia jogar futebol lá com os caras lá de dentro, pessoal ali da Pires Ramos que tem ali.
P/1 – E como é que era esse São Vito? Tinha um time lá? Já me falaram.
R – O São Vito tinha um time…
P/1 – Mas era associação São Vito?
R – Não, não era uma associação, era só o time, tinha só uma casinha lá que tinha o time.
P/1 – Mas o campo era onde?
R – O campo era no Serra Morena, era atrás do campo da Portuguesa hoje. Tinha Estrela do Pari, e do lado, Serra Morena. Tem até hoje lá, tem até hoje lá. Eu via aquele campo com grama, moleque, tudo, eu vi aquele campo com grama, depois ficou sem grama, ficou careca, ficou só com um cabelinho em volta e hoje, tá com grama sintética, que também um conhecido meu que cuida de lá. Aí, o quê que aconteceu? O São Vito, eu joguei no dente de leite dele do São Vito, eu fui fazer peneira, esse negócio, tudo lá, porque tinha a Rede Tupi de televisão tinha o Roberto Petri e o Eli Coimbra que fizeram o dente de leite, eles fizeram o campeonato, então, tinham vários times e o São Vito chegou lá humilhado por que era são Vito, jogava na várzea ali e tinha o Ipiranga, cada puta timão. Bom, eu sei que no final… o Juventus, o Juventus tinha um timão de dente de leite, uma molecada boa, os neguinho liso, dava gosto de ver eles jogarem e aí, eu sei que no final desse torneio inicio, pra começar o campeonato dente de leite, nós ficamos em segundo lugar, nós fomos eliminando todo mundo e aquilo, os caras passando lá óleo elétrico nas pernas, aquele negócio todo e nós ali, né, aí um amigo meu fez assim, o Johnny que infelizmente já morreu também, falou: “Pô, os caras estão passando óleo elétrico?”, eu falei: “É, vão pedir pra ele?” “Você vai passar óleo elétrico?” “Não, vou tomar isso daí. Vamos ver se faz bem” “Você é louco?” “Nós vamos chegar longe nisso ai”, e não deu duas, quando acabou, ele falou: “Pô, você falou que a gente ia longe…”. O estádio do Nacional ficou vazio, só com um pouco de torcida do Ipiranga que não tinha muito e nós, que tinha acho que uns quatro ou cinco gatos pingados. Eu me lembro do Bartolo, o Bartolomeu, um gordo, amigo nosso que o pai dele era técnico do time também, ele tava ele lá, o Bartolo também infelizmente já morreu. E ele tava ele lá e mais dois ou três gatos pingados lá, se a gente fosse campeão, a gente tinha que voltar a pé até o Brás, daqui da Comendador Souza, aqui… ali já é Barra Funda, é ali perto do CT do São Paulo. E depois, nós continuamos jogando, mas eu não dei muita continuidade, não, no São Vito. Eu fiquei acho que dois anos. Após o dente de leite, eu fiquei mais um tempinho, depois eu voltei a jogar de novo, fiquei mais um ano e meio, não fiquei mais do que isso, não, porque eu jogava pelo Tietê, o clube, Clube Regatas Tietê e o meu melhor amigo de toda a minha vida é do Clube Regatas Tietê, que é o Edu, eu chamo ele de Jou, porque a gente saía para dançar, ia para a boate, ele ficava meio bêbado, ficava dançando e parecia um passarinho que dançava na televisão que fazia propaganda da UNICEF que era o Jou-Jou, falei: “Você parece o Jou-Jou”, acabou ficando o Jou, ele fala que não é Jou, é Joe, mas não é , é Jou, é J, o, u, inclusive, eu falei com ele nesse final de semana. E com ele foi que eu… o Edu é um auditor top de linha, tanto que hoje ele é presidente da associação dos auditores, tudo, ele é uma pessoa muito inteligente.
P/1 – Você conheceu ele lá?
R – Eu conheci ele no Tietê. Foi ali. Eu conheci outros também, mas que se tornou meu amigo, amigo mesmo para qualquer momento, que teve outros lá também, mas na hora ruim, fugiram e o Edu ficou comigo, ele falou: “Eu não posso te ajudar, mas eu posso estar junto com você, pra gente conversar, trocar ideia, se quiser, eu pago uns whiskies, não tem problema, mas não tenho como”, porque ele também tem a vida dele e eu não queria atrapalhar de jeito nenhum. E ele ficou junto comigo e lá na Zona Cerealista, quando eu tive os meus problemas, se o Claudio Borrego tivesse vivo, o Claudio eu sei que poderia me ajudar não financeiramente, mas ele ia conseguir o patrocínio de alguma coisa, que o Claudio foi presidente também da Associação do Clube Chevrolet e ele mexia… o Claudio sempre mexeu com farelo de ração animal, farelo de peixe, de osso, tanto que o cunhado dele e a irmã dele até hoje trabalham com isso, eles assimilaram esse lado…
P/1 – Mas você jogava no Tietê, é isso?
R – Isso. Jogava no Tietê, futebol.
P/1 – Com quantos anos mais ou menos?
R – Ah meu amigo, eu joguei acho que uns 33, 34 anos pelo Tietê e parei de jogar porque eu rompi os ligamentos do joelho, senão, estaria jogando até hoje não lá no Tietê, porque acabou, infelizmente, só que nós nos encontramos a cada quatro meses na casa de um amigo nosso, ali no Jardim São Paulo.
P/1 – Mas não reabriu o clube agora?
R – Não, tá lá… escrito como Tietê, mas é uma praça de esporte, lá, seria. Praça Parque Tietê, se eu não me engano, tá lá.
P/1 – É no mesmo lugar ou não?
R – É no mesmo lugar, mesmo terreno, tudo, só que o Haddad cometeu um erro brutal com o Tietê. Foi uma burrice que ele cometeu, porque tinham duas piscinas olímpicas lá dentro, uma mais de criança e uma de recreação. Uma piscina olímpica e a outra olímpica com os trampolins que muita gente saltou ali boa. Quebrou todas as piscinas, ele quebrou tudo, pra quê que fez aquilo? Aquilo podia ser um clube escola para o pessoal carente ali da região. Agora, as quadras mantiveram, derrubaram os vestiários que eu me troquei lá anos a fio, que o meu pai levava a gente lá, eu lembro que o número da nossa caixa era 511, eu lembro até hoje. Do meu tio Modesto, do irmão dele era 507, era um pouco mais para o lado. E do outro lado da Marginal tinha um terreno que parecia um triangulo, parecia não, ele era um triângulo, ele vinha ao contrário da Marginal e ali tinha o campo do Tietê oficial. Campo de futebol oficial do Tietê. Ali nós fizemos partidas homéricas com o Mackenzie, Pinheiros, Macabi, Monte Líbano, futebol, partidas homéricas. Nós jogamos uma partida contra o Mackenzie ali, embaixo, Mackenzie não, Pinheiros embaixo de um temporal, não inundava o campo, a… como é que é? Deu branco agora, a drenagem, era fantástica aquilo lá, fantástica, feito pelo Presidente Marioto, tá, eu tenho amizade com as filhas dele até hoje e pô, fizemos um jogasso, foi um a um, um jogasso, nunca mais esqueci daquilo lá. E eu tinha… naquele sábado em que nós jogamos, eu tinha trabalhado ainda na Zona Cerealista lá junto com o meu pai, que o meu pai era praticamente sozinho na loja. Quem ficou com ele lá fui eu o tempo inteiro e eu trabalhei com ele lá, sai de lá, fui jogar, olha o pique que se tinha, olha, isso tudo eu tô te falando dos anos 70 até quando eu me machuquei em 90. Foram 20 anos, só que eu já tinha jogado antes, já jogava antes, futebol de salão a mesma coisa, jogamos pelo Tietê. O que me dava saudades lá do Serra Morena do São Vito era ir lá e encontrar também com os amigos, entendeu? Mas o Tietê foi o Tietê, lá do Tietê, tinham mais dois que eram da Zona Cerealista também, tinha o Luiz que é do Reluma, o Luizinho, que estudou no colégio Tietê, na escolinha Tietê, que é o Guglielmi, o Luiz Guglielmi que vocês devem ter entrevistado ele e o Pascoal que era do Perene, que mexia com arroz.
P/1 – Os dois jogavam bola também lá?
R – Não, o Luiz não, o Pascoal sim. Jogou. Ah, o meu primo também, o Rubens, também trabalhava na Zona Cerealista, ele também mexia com arroz, mas ele mora em Campo Grande.
P/1 – Mas como é que foi esse jogo contra o Pinheiros, que você falou que choveu? Foi um a um, mas…
R – Ah, foi um jogo fantástico meu amigo, não parava, então o pessoal do lado de fora assistindo ficou preso lá, meu amigo, você não queria saber se namorava, se não namorava, se tinha encontro, se não tinham o pessoal ficou lá. Eu acho que aquele dia, tanto a torcida do Pinheiros… que não tinha arquibancada, ficava ali no alambrado, tudo mais e tinha um bar ali meia boca, também. Aquele bar eu falei, se ali do outro lado da marginal, que tinham duas pistas na marginal, por isso que ela fazia assim, né, e era um triangulo, que era a favela dos gatos era de um lá e do outro, o campo do Tietê era do outro, mas dava para se ver um do lado do outro, tanta bola que foi parara dentro do rio e foi embora, a gente não sabe onde tá até hoje e eu falava que aquele bar era um perigo porque os caminhões vinham ali, se o caminhão perdesse a… matava todo mundo ali, que um amigo meu até brincou: “Se tiver bêbado, eu morro feliz”, mas era muito gozado. O pessoal ali, tanto a torcida do Pinheiros quanto Tietê tava tudo ali, aquela puta chuva, uns se escondiam, os outros já estavam molhados mesmo, já ficava ali. Foi o maior consumo que teve naquele dia de cerveja, whisky, tudo, assistindo o jogo, foi um jogasso! A chuteira pesava 200 quilos, molhada, com barro, tudo, acabou o jogo, todos se cumprimentaram, sabe aquele jogo que… você tem ali o que reclamar com o juiz, tudo e tal, o juiz que apitou aquele jogo foi um cara que era profissional, tô forcando a memória aqui pra lembrar o nome dele, mas não lembro não, agora.
P/1 – Mas foi um a um, né?
R – Foi um a um. Foi um jogasso! Foi muito bom! Pelo Tietê também um grande jogo que eu me lembro foi contra o Ipiranga, mas aí já foi no campo do Ipiranga. Foi três a três, à noite. Eu tive o prazer de fazer dois gols de cabeça no Ipiranga. O goleiro falava: “Por que você não cabeceia reto?” “Porque pra baixo, você não chega”, mas naquele dia deu encrenca por causa de um cara, mas depois da encrenca, tudo, nós fomos para uma pizzaria que tinha do lado, ali, para comer um negócio, a diretoria do Ipiranga pagou as pizzas pra gente, foi um negócio muito legal por causa que foi só um cara que arrumou encrenca, foi por parte deles, que o cara xingava todo mundo, falava que conhecia a me de um, o pai de outro, que a mãe era careca, o pai era cabeludo, aqueles negócios todo. Chegou uma hora, eu perdi a paciência, eu dei um pontapé exatamente onde você tá pensando mesmo, e ele… pô, você cansou meu irmão, chega uma hora que cansa. Mas depois no final, deu… foi tudo em ordem, graças a Deus, tudo isso pelo Tietê, tá? Agora, bailes no Tietê, ih, nós aprontamos muito lá dentro, aprontamos muito lá dentro e o Tietê também tinha um clube de campo que tem lá o terreno até hoje que diz que é do Tietê, isso aí eu não sei se é realidade, que é na Guarapiranga, tá? Lindo, era lindo o negócio, a diretoria roubou, tudo mais, então acabou ficando preso lá, ninguém vai mais lá, roubaram os azulejos da piscina, tudo, mas foi ali que eu aprendi a esquiar na minha vida, com o meu tio Modesto, com o pai dele, porque ele tinha barco, ele já esquiava, tudo e uma vez, ele falou: “Quer esquiar?”, eu tinha 11 anos de idade, mais ou menos, 11, 12 anos de idade, o barco para você tirar da água não era tratorzinho, nada, tinha uma manivela presa na arvore, tinha o cabo de aço, e olha… para tirar, enquanto tava na água, o barco vinha e na hora que ele saía da água pra subir o morro? Aí, tinha nego que ia empurrando, cabo de aço envergava, não é que envergava, ele encolhia, aí pá, quebrava, era… o Tietê, pra mim, foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida depois da minha família e lá que eu vim a conhecer a minha companheira que eu tô com ela hoje há 16 ou 17 anos juntos, entendeu? Não casamos. Ela casou, eu casei, separamos, depois viemos a se reencontrar depois de quase 18 anos que a gente não se via.
P/1 – Você conheceu ela com quantos anos, mais ou menos?
R – Ela tinha 15 anos e eu tinha 27, 12 anos de diferença. Não ia dar certo. Eu já baladeiro, do samba, tudo mais e ela menina, estudando ainda, namorava com um cara de lá de perto da casa dela, que depois veio a ser o marido dela, que infelizmente, veio a falecer e deixou um menino, o Rodrigo, o macarrão, meu pai é o salame e o Rodrigo é o macarrão, eu sempre ponho apelido de comida em alguém. Mas eu vi que não ia dar certo aquilo lá, eu gosto de samba, futebol, isso daí… eu já tinha namorado com algumas moças que também: “Você não aparece”, não sei o que, não tinha celular naquela época, você nunca sabia onde estava, aí você saía do futebol, você ia para a balada, eu gostava disso, era trabalhar, futebol, balada, estudei, me dediquei o máximo possível que deu para estudar, mas eu quando entrei no Mackenzie, tive um problema politico dentro do Mackenzie, foi aí que eu resolvi não vou falar aqui para não dar moral para aquele terrorista vagabundo, que apanhou de mim, lá dentro, não vou nem dar o nome dele, tá, mas graças a Deus, ele tá preso. Então, o quê que acontece? Eu resolvi parar, porque eu sabia que tinha dentro da Bolsa de Cereais de São Paulo, tinha um curso de classificação de grãos e eu falei: “Eu gosto tanto disso daí, eu vou até lá”, e tinha um corretor lá dentro que era muito amigo do meu pai, chamado Guido Consentino e ele falou: “Eu vou ver pra você, quando tiver eu te aviso”, ele me avisou, eu fui lá e me inscrevi e fiz o curso todo, arroz, feijão, soja, milho e amendoim, me formei em tudo isso aí, tirei o diploma reconhecido pelo Ministério da Agricultura, Brasília. Eu tenho a carteira até hoje, depois se você quiser, eu posso mostrar para você.
P/1 – E como é que era esse curso?
R – Era classificação de grãos, alguns deles, eu não tinha tido contato ainda, como a soja, eu não tinha tido contato.
PAUSA
P/1 – Vamos falar do Santos, agora, então. Quando você começou…
R – Do?
P/1 – Santos.
R – Ah do time?
P/1 – É. Quando você começou a torcer?
R – Eu lembro do Santos por causa do Pelé, eu tava… a gente morava lá no Brás e a gente via gol do Pelé e eu no radinho, ficava escutando e tinha aquela rixa do Corinthians, que não ganhava do Santos ha muitos anos, o único time que realmente fazia frente para o santos naquela época era o Palmeiras.
PAUSA
R – Aí, o quê que aconteceu? Como tinha muito palmeirense lá e eles eram corintianos, eu falei: “Vou torcer para o Santos por causa do Pelé”, esse tal de Pelé aí… eu era molequinho, eu tinha o quê? Tinha seis, sete, oito anos de idade mais ou menos e comecei a torcer pelo Santos, comecei a acompanhar. E a gente fica esperando, às vezes, que os jogos naquela época fossem na Vila Belmiro, fosse no Pacaembu, o Morumbi estava sendo construído naquela época aqui em São Paulo. Quando tinham os jogos, tinha que gravar, depois ia para as centrais, aí eles passavam videoteipe, era preto e branco. Naquela época, quem fazia isso, que eu lembro era a Bandeirantes, Gigliotti que radiava, depois na televisão, tinha um cara lá, esqueci no nome dele, que ele foi um dos caras que fez o gol, o grande momento do futebol, que eles passavam só os que o Milton Neves fez o favor de assassinar atualmente porque não passa gol, é só merchand, entendeu? O Milton Neves pode ser bom para outras coisas, mas se não pagar… entendeu? Então, não adianta nada, ele acaba com o programa. A gente ficava… naquele tempo, os jogos eram sete e meia da noite, oito horas, então, dez horas acabava o jogo, então, dez e meia, onze horas você ficava esperando para assistir, então, às vezes, eu dormia na sala e não via o jogo. Agora, quando era jogo bom, você podia ficar ali meio caindo, você ficava com um olho, mas ficava assistindo o jogo. Eu ficava e os meus irmãos ficavam junto também. O problema era quando jogava Santos e Corinthians, porque o meu irmão Carlos era santista também , ele, meu irmão mais velho, a minha vó, a mãe dele, o pai dele, tudo corintiano, todo mundo corintiano. Tinha um ou outro palmeirense na nossa família, mas o resto era tudo corintiano e santista, depois foi entrando são-paulino, isso daí e tal. De fora de São Paulo, ninguém torcia. Aí podia torcer até para MAC, que era o Marilia, mas naquela época, o Marília só tomava naba. O Noroeste era bom, o Noroeste de Bauru era bom, o Botafogo de Ribeirão Preto, Comercial de Ribeirão Preto, tanto que lá tinha o come fogo, né, que era Comercial e Botafogo. E tinha um primo da minha mãe que jogou no Noroeste e ele sofreu com o Pelé, mas ele jogava na zaga, o Otacílio sofreu com o Pelé, sofreu com ele. E antes dele morrer, alguns anos antes dele morrer que eu conversei com ele, falei: “E o Pelé?”, ele disse: “Não me fala esse nome que me dá arrepio, pelo amor de Deus, cada vez que eu jogava contra ele, era uma desgraça o que aquele crioulo fazia com a gente”, e assim a gente ia indo e aí, eu comecei a acompanhar um pouco mais o Santos assim, eu vinha no Pacaembu assistir, que eu já era um pouco maior, vinha eu, o Carlos e o Reinaldo, meu primo que é filho da irmã do meu pai. Ele também é santista, então, a gente vinha assistir aqui, no Pacaembu, fomos algumas vezes no Morumbi assistir, aí eu já comecei a ir com mais dois caras do Tietê, que também eram santistas, a gente ia pra Vila Belmiro assistir jogo, porque um tinha carro, o outro não tinha, a gente descia a serra, assistia o jogo e voltava, às vezes, ficava lá, ia no Boa Vista, alguma coisa, comer um peixe, tal e voltava. Os carros estavam tudo na porta do Tietê, a gente ia lá buscar no estacionamento do Tietê. E uma vez, um amigo nosso deixou também, santista, o Maneco, que infelizmente também já morreu, esse foi um dos grandes amigos meus lá do Tietê, ele deixou um carro lá na porta do Tietê, quando voltou, chegamos lá, não tinha roda, não tinha… deixaram só o carro, as rodas que eram bonitas, roubaram tudo. Mas aí quando começou o negócio do televisionamento, televisivo, tudo mais e tal, começamos a parar de… o último grande jogo do Santos que eu fui foi no Rio de Janeiro, foi Santos e Flamengo em 83.
P/1 – Como é que foi?
R – Ah, foi três a zero para o Flamengo, só que aqui em São Paulo, nós terminamos com dois a um, nós, que eu digo, o Santos (risos), eu não… eu joguei, pô, porque o que nós sofremos dentro do campo não foi brincadeira! E fomos com um amigo nosso são-paulino que é o Cesar, que hoje ele mora no Rio de Janeiro. E aí, o Santos ganhou de dois a um aqui, gol do Serginho, do Pita e do Serginho Chulapa e quando foi no Rio de Janeiro, logo de cara, o Flamengo fez um a zero, dentro do Maracanã, foi o Leandro, lateral direita que fez. Em seguida, o Arnaldo Cesar Coelho deixou de dar um pênalti glamoroso para o Santos, a torcida do Flamengo murchou, a torcida não para de cantar lá dentro do Flamengo, eles não param de cantar, é lindo, aquele mar vermelho e preto é lindo, aquilo é lindo! E o zagueiro do Flamengo fez um pênalti no Pita, mas horroroso, ele derrubou ele e o… não deu. Quando não deu, a própria torcida do Flamengo ficou constrangida, ficou todo mundo parado, olhando e nós estávamos ali num bloco de torcedores do santos, que tinha a separação, nós estávamos no meio da torcida jovem, mas nós não fomos junto com eles, nós fomos lá, ficamos na casa de um amigo que trabalhava numa empresa, tinha um apartamento lá, ele também era santista e o pessoal olhou pra gente, assim, aí um dos caras fez assim, o próprio torcedor do Flamengo e ele diz até hoje que é mentira, mentira o escambau, tá gravado, não tem como! Não tem como, amigo, você tá na gravação, você tá lá, não adianta, tá ali! Em seguida, o Flamengo fez dois a zero. Se não tivesse… se ele tivesse dado aquele pênalti, no tinha saído o segundo gol do Flamengo, mudava o jogo, mudava completamente o jogo. E aí no final, saiu uma puta de uma briga porque o Flamengo fez o terceiro gol e os repórteres já invadiram o campo, sabe aquele negócio todo, e o Santos queria continuar jogando que ainda tinha 15 minutos de jogo. Em 15 minutos, tudo pode acontecer. Eu tô perdendo de seis a zero num jogo, falta um minuto, eu quero perder de seis a um, seis a dois, entendeu? É menos humilhante do que o seis a zero. E a gente pensava isso no futebol, você imagina os caras lá dentro, entendeu? E outra, vou te falar, aquele dia tinha por volta de umas 140, 150 mil torcedores dentro do Maracanã para mais, para mais. Foi lindo, aquilo foi lindo, aquilo me emocionou…
P/1 – Mesmo tendo perdido?
R – Nunca tinha ido no Maracanã.
P/1 – Mesmo perdendo, foi lindo?
R – Ah! Foi lindo! Por causa da festa e tudo mais! Triste pelo Santos ter perdido, que a gente acreditava que pudesse ser, mais triste por ter tido garfado aquele pênalti, o Flamengo podia ter ganho de dez a um, mas não daquele jeito, com um pênalti daquele. O Santos não jogou mal, o Santos jogou bem, mas o Flamengo tem um puta de um time e não era o Zico, o Zico já jogava, mas para mim, o Zico sempre foi um jogador que jogou com grandes craques do lado dele, grandes craques, depois ele saiu do Flamengo, foi jogar no Japão, só que antes, ele tinha passado pela Itália, teve que sair da Itália por causa de sonegação de impostos e lá, ele nunca foi ídolo, depois foi jogar no Japão, né, no Japão, até eu naquela época era ídolo, do jeito que nós jogávamos futebol, se eu fosse pro Japão jogar naquela época, meu amigo, essa hora eu tava um boneco, eu também tava boneco. Agora, ele foi um grande jogador? Foi, não tenha dúvidas, mas para mim, o Flamengo teve jogadores muito melhores do que ele, que eu vi jogar, que jogou não só no Flamengo, jogou no Vasco, jogou no Flamengo, tudo, um tal de Romário. Não jogou nada o Romário, Romário não jogou nada, só foi campeão do mundo inteiro, ele foi. Onde ele passava, ele era campeão. Foi no Barcelona, em todos os lugares que ele passou e levou o Brasil em 94 a ser campeão sem treinar, sem concentrar, cheio de mulher dentro dos hotéis, ele nunca treinou, ele nunca concentrou, o Romário e levou o Brasil a ser campeão, entendeu? Foi pentacampeão naquela época, não, tetracampeão.
P/1 – Mas você jogava em que posição?
R – Eu gostava de jogar no campo, jogar na zaga. Às vezes, centroavante, às vezes, fiz alguns gols, tudo, mas eu gostava de jogar na zaga, eu era um jogador mais de distribuição de jogada e do adversário de vez em quando. E no futebol de salão, eu gostava de jogar tanto na ala, vindo de trás para bater forte, que aí que eu batia forte na bola e no gol. Futebol de salão no gol eu sempre adorei jogar. Eu joguei algumas vezes no futebol de campo também, fui até bem, mas não… o que eu gostava era no futebol de salão jogar no gol.
P/1 – E zagueiro, você tinha alguma referência, um ídolo que você…?
R – Não. De time profissional, não, eu tive de ver jogar na zaga na várzea. Na rua Maria Domitila moravam uns espanhóis lá e tinha o Alemão e o Zinho, os irmãs, o Zinho jogava muito na zaga, nossa, e a gente ia assistir ele jogar e eu gostava de ver, eu me espelhei muito no Zinho, entendeu, jogando na zaga, todo mundo achava que ele jogava mais pra… eu sempre vi o Zinho jogando na zaga, porque ele tomava conta da área. Teve um primo meu também que jogava na zaga, que foi o Rubens, também, o filho da irmã dele, que era irmão do Reinado que eu comentei com você. Eu gostava de ver o Rubens jogar também, apesar de eu achar o Reinaldo mais jogador do que o Rubens no futebol de campo, no salão, eu já gostava mais do Rubens. Agora, alguém que me chamou a atenção na realidade de jogar na zaga foi o Roberto Dias que jogava pelo São Paulo, ele jogava muito, era um dos melhores… o próprio Pelé falava que foi o melhor marcador que ele teve, ele não batia no Pelé. O pior jogador que eu vi tentando bater no Pelé e não conseguia, só se ferrava chamava-se Luiz Carlos, ele jogava no Corinthians. O Pelé deitou e rolou em cima dele, o Luiz Carlos tinha, inclusive, um restaurante ou uma lanchonete aqui na… não sei se era em Pinheiros, eu não lembro direito onde que era, que tem as fotografias lá, todas as fotografias que ele tá com o Pelé, o Pelé tava no chão. O Pelé não tava em pé, ele tava em todas no chão, porque ele não derrubava o Pelé, não tinha condições. Uma vez, ele tomou um chapéu do Pelé dentro da área, tem gravado isso aí até hoje, não dá pra acreditar como é que um zagueiro entra de bobeira naquela bola, entendeu? O crioulo matou a bola no peito, você entra que nem um louco na frente dele? Você vai tomar um… ele tomou um chapéu federal! O Pelé fez um golaço aquele dia. Então, o Luiz Carlos era aquele em quem eu não me espelhava em fazer aquilo que ele fazia, agora o Roberto Dias, sim. Teve o Ramos Delgado também que jogou no Santos, no Santos também jogou o chamado Joel, um crioulo forte, também bom. No palmeiras, eu não… Flamengo, naquela época, a gente acompanhava pouco porque não tinha muita televisão, né? A gente só tinha notícias. Eu me espelhava mais nesses daí, na zaga era o Zinho e tinha um cara do Tietê também que era o Budá, que eu gostava de ver ele jogar também na zaga. Ele já era um pouco mais velho do que eu. Tinha o Furlan também quem ele jogava, diz que ele jogou no São Paulo também, eu tive muito contato com o Furlan, ele deve ter morrido, mas na várzea, não é o Furlan lateral direita que jogou no São Paulo, não, que é pai do Furlan que é atual, do Uruguai.
P/1 – Agora, nessa época, quando você era criança, você ia para o Mercadão também?
R – Ia. Ia, eu gostava de ir lá no Mercadão. Eu gostava de ir também atrás do Mercadão, que tinha a feira da fruta, chamava o centro da banana, né, então gostava de ir lá e ver as frutas, tudo mais, era um negócio legal. Eu tive contato com frutas também na Maria Domitila, porque tinha um depósito da Cutrale. Inclusive, quem é casado com o pessoal da Cutrale é o cunhado do Paolo do Metapunto, tá? E eu tinha contato, a gente jogava futebol lá, chegavam aqueles caminhões de laranja, a gente pedia, os caras davam laranja pra gente chupar lá, mas não tinha faca, a gente tinha que… na mão. E assim, eu ia, que atrás do Mercadão também tinham os caras da fruta, então eu ia lá ver e passava por dentro do Mercadão para ver os peixes, para ver já o bar do Mané dentro do Mercadão, que fazia o lanche de mortadela, era pequenininho, não é o que é hoje, era menos da metade daquilo lá. Era um balcão…
P/1 – Mas você acha que começou aí esse sanduíche de mortadela? Começou no Mané? Você acha?
R – Que eu me lembre, sim. Se tinha em outro lugar, eu não me lembro. O lanche de mortadela eu conheci no bar do Mané. Eu conheci lá, não me lembro de outro lugar. Contato com peixaria, isso daí também foi lá dentro, que passava, sentia o cheiro do peixe, eu ia lá dentro, porque eu gostava de peixe, sempre me identifiquei muito com peixe, tanto que hoje eu trabalho com bacalhau. Nós nos especializamos em bacalhau, eu e o meu sobrinho, meu sobrinho tá junto comigo, filho da minha irmã, o segundo, o Leandro, ele tá comigo, é o meu braço direito lá dentro e se Deus quiser, ele vai herdar lá o segmento de alimentos que eu tenho.
P/1 – Mas como que era o Mercado? Era cheio? Era vazio?
R – Hoje em dia é cheio de turista, naquele tempo era outra coisa, naquele tempo era atacado de frutas, mamão, atacado de mamão era maravilhoso, de banana, de laranja da Cutrale, eles tinham quatro ou cinco boxes lá dentro, até mais. Limão, limão era brincadeira meu amigo, o que tinha de limão, você olhava, você sentia aquele cheiro de longe do limão. Eram mais negócios, não tinham esses bares assim que nem tem hoje, não tinha mezanino, não tinha nada disso daí, não tinha nada, nada disso daí. Era só… cada camarão, o camarão era enorme, lá, esse camarão não era de viveiro que nem tem hoje, a maioria é tudo de viveiro, pra chegar um camarão daquele custava caríssimo, mas os restaurantes não compravam…ali no Mercadão da Cerealista, maravilhoso, aquilo lá era uma coisa que o pessoal chegava e falava: “não acredito numa coisa dessa”. O Ceasa tinha a parte do peixe lá também. Lá no Mercadão era a mesma coisa, chegava aqueles peixes daquele tamanho que nem chega no Ceasa, aí você via os caras tirando a cabeça do peixe, aquelas facas… os leitões que chegavam lá, também a mesma coisa, os caras… eles chegavam mortos, já inteiro, aí eles tinham o cepo lá que eles pum, pá… você tinha gosto de comprar aquilo lá, era outro tipo de alimentação. Cabrito era uma coisa difícil pra chuchu de encontrar, você tinha que às vezes, encomendar. Uma copa lombo, você sabe o que é uma copa lombo? Uma copa lombo é uma coisa maravilhosa! Maravilhosa e era difícil de ter naquela época, porque era difícil até de vir, vinha, mas os caras guardavam porque era top de linha, era caríssimo. Então era encomenda, tinha que encomendar para daqui 60 dias, 90 dias, ficava 90 dias com água na boca de uma copa lombo, quando eu lembro esse tipo de coisa… já tinha também, além disso daí, tinha o secos e molhados, tá? Ali dentro tinha o Ramon, já tinha o pai do Marcelo lá, do Rei do Bacalhau, o Marcelo era pequeno, eu acho, eu nem me lembro do Marcelo lá dentro. De bares, tinha o bar do Mané, tinha acho que mais um bar já perto do pessoal da fruta, ali, acho que não tinha mais, tinha o pessoal do fumo que era perto do bar do Mané, fumo de rolo, né, tinha também um outro bar ali, perto de uma outra porta, não osso precisar se era a rua A, B, C, acho que é na D ou na E, pequenininho ali, mas o famoso era o bar do Mané, entendeu?
PAUSA
P/1 – Estava falando do Mercadão, né?
R – Isso. Esses são os três bares que eu conheço lá dentro, tá? Nesses bares… tinha um bar lá que você podia comprar a carne na hora lá, contrafilé, o que fosse, levava, o cara fazia na chapa pra você e fazia o lanche, só cobrava lá o negócio e fazia na hora. Era uma coisa muito legal. Ali dentro, de amigos lá dentro, só a família Saporito, tá, que amigos, amigos, mesmo, que é o Alfredo e o Paulinho. Eles sempre tiveram uma palavra de carinho comigo, sempre conversaram, tal. Os outros ali dentro foi só mais interesse de negócios, tá? O Alfredo, não, o Alfredo, o Dino, irmão dele e o Paulinho, filho do Alfredo sempre conversaram comigo, tivemos negócios, mas a gente conversou muito. E o Alfredo é uma pessoa que se caso vocês não entrevistaram ele ainda, vocês têm que entrevistar porque ele é uma pessoa que tem muito conhecimento dentro do Mercado Municipal, ele tem muito conhecimento, muito, muito mesmo. Ele é primo do seu Hugo Saporito.
P/1 – Você conheceu ele?
R – Muitos anos que eu conheço todos eles, eu conheço há muitos anos. O primeiro contato que eu tive foi com o irmão, na realidade, do Alfredo que foi o Chico. O Chico trabalhava na Américo Brasiliense, na Importadora Saporito, junto com o primo dele, com o Hugo e o… que depois criou o que é atualmente __01:20:25___, mas depois o tempo foi passando, passando… ele mexia com canjica, mexia com alho, ele sempre gostou de canjicar milho, hoje ele tá em Tatuí, que ele tem uma máquina lá de canjicar milho, que ele vende para alguns empacotamentos aí.
P/1 – Mas qual que é a relação do Mercadão com a Zona Cerealista?
R – Ah, tem tudo! Porque é grudado um no outro ali e é tudo alimentos, muita gente vinha do Mercadão, que ia no Mercadão fazer compras lá, depois vinha para a Zona Cerealista e vice-versa, muita gente comprava frutas e tal, entrava no Mercadão comprava carnes, tudo para levar para comercializar e comprava na Zona Cerealista os grãos, mercadorias importadas, tinha muita especiaria lá também, canela em casca quebrada, canela em pau, cravo, nós moscada, cominho, coentro, coentro em grão, não é o coentro que usa hoje fresco, pimenta Jamaica que é a pimenta síria, tinha saco ou meio-saco, que eu lembro que era muito caro, então não tinha necessidade de levar um saco inteiro. Um saco de nós moscada pesava 85 quilos, para carregar aquilo lá, mais a sacaria que era dupla, tinha que ser grossa, então tinha que fracionar, porque era muito caro, muito, muito caro. Tinha um alemão do lado de onde eu trabalhava, foi ali que eu tive o primeiro contato com especiarias, do lado da Rio Bom, na rua Alvares de Azevedo, na rua da igreja, ele trazia tudo isso daí. Tinha dia que eles descarregavam lá os caminhões, orra, aquele cheiro de canela, de cravo e eu fiz muito negócio com ele também quando eu sai do Tucci passei a vendedor. E eu vendi muito, eu vendia para Kitano, eu vendia para Hikari. A Hikari, quando começou, eu conheci o Nelson, que ele aparecia lá no Irtucci pra comprar e quando eu sai, eu tinha contato com ele e a irmã dele que era a compradora, a Elza e uma vez, eu fui visitar ele: “Pô, você nunca mais vem visitar a gente, só pelo telefone” “Como é que faz para chegar aí?”, porque era na Vila Ré, na rua Nhatumani…
PAUSA
R – Eu fui até o Hikari. Quando eu cheguei no Hikari, eu tive uma surpresa agradável, não é porque eu vendi, não. Os primos dele que também trabalhavam lá, o Mauro e o Marino, que era Maru o nome dele, mas a gente chamava ele de Mauro, estudaram comigo no Trinta de Outubro e eu não sabia, não fazia a menor ideia: “Não é possível!” “Ele que é o Paulada” “Como?” “Nós estudamos lá” “São meus primos”, eu falei: “O quê?”, e aí, eu conversei com… quem dava a palavra final lá era o pai deles e eles viram com bons olhos que a gente estudava junto e tudo mais. Deus foi muito bom comigo quando me fez ir até lá, me convidaram, eu falei: “Vou pegar o carro e vou até lá”, porque era difícil naquela época você ir lá, avenida São Miguel, para aqueles lados ali era uma coisa… era terrível, você ficava com medo, porque naquela época, ali a periferia que falavam que era assalto, e não era nada disso, mas tinha o estigma disso daí. Eu ia no máximo até o Tatuapé, que tinha alguns importadores, não sei se já te falaram do Valter da Camel.
P/1 – Não.
R – O Valter Lopes?
P/1 – Ainda não.
R – Então, o que aconteceu? Essas especiarias que eram vendidas na Zona Cerealista interessava para o pessoal que ia no Mercadão e vice-versa, como eu te falei, que iam comprar lá dentro e tinham algumas pessoas que compravam na Zona Cerealista e atravessavam o rio para levar para dentro do Mercadão para vender no varejo nas bancas lá dentro, porque não se tinha muito varejo lá. O varejo que se tinha na rua Santa Rosa era mais laticínios, a maioria era tudo atacado. Aí começaram a colocar uma banquinha de alho ali para vender alho para o pessoal que morava ali perto, por quilo, e começou a aumentar.
P/1 – Mas quando você começou era mais atacado, mesmo?
R – Era mais atacado, tanto que eram caminhões e caminhões ali, para parar para descarregar, ficavam esperando. parava na porta do outro, o outro pedia para tirar, dizia que ia cortar o caminhão dele e todo mundo se acomodava ali desse jeito. E com o tempo foi entrando um certo varejo lá e foi aí que eu comecei a prestar atenção, que eu falei: “Um dia eu vou ter uma loja aqui para vender no varejo”, porque eu comecei a ver dentre os laticínios que tinham lá, que eles tinham o varejo de azeite, de azeitona, mas não era grande coisa, porque a maioria dos produtos bons iam para envasamentos ou para dentro do Mercadão e dentro do Mercadão era muito mais caro, então e se viesse para a rua Santa Rosa? Trazer o pessoal da rua Santa Rosa. Mas isso foi um pensamento que eu tive, porque aí eu falei: “Aí, eu deixo de vender para o pessoal do Mercadão, então eu perco o atacado”, foi a hora que eu vi que não era nada disso. Porque dentro do Mercadão, eu tinha quatro ou cinco clientes, só que a concorrência lá tinham uns dez vendedores lá dentro, que vendiam… porque ninguém tinha fidelidade com ninguém, a não ser que fosse funcionário de alguma importadora que tava lá dentro, aí era diferente, então eu falei: “O meu forte era o alho, era alpiste, era bacalhau”, mas eu tinha um que pelo bacalhau que era uma coisa gozada, perecia… eu sempre gostei do mar, eu sempre gostei de água, represa, eu ia pescar, eu não gostava de pescar com ele, gostava de ver o quê que vinha na hora, que você não sabia o que tava vindo, aquela briga, e foi indo… na azeitona, que é um complemento do bacalhau, que eu também trabalhei muito, eu consegui aprender com um espanhol lá da rua Maria Domitila como é que recuperava uma azeitona, com vinho. E eu aprendi com ele, parecia que um dia eu ia trabalhar com azeitona e aí, o que aconteceu? Eu recuperei para uma pessoa a azeitona, foi para um restaurante, que venderam para eles, não sei se eles não olharam direito, ou deram um cambau neles, né, eles tinham comprado de um cara do Rio de Janeiro e ele passou lá e falou: “Não sei o que da azeitona”, eu falei: “Faz o seguinte, você não vai vender essas azeitonas para ninguém”, na realidade, não foi ele, foi ela. É um restaurante bom aí. E ela pegou e falou p[ara o marido, falou: “Ele disse que consegue recuperar a azeitona, pra gente não vender para ninguém essa azeitona”, mas não era que ela tava estragada, ela tava um pouco sem sabor. Aí, eu falei: “Vocês vão fazer o seguinte, vocês me compram cinco garrafões de vinho seco, não é importado, é vinho normal. Aí, eu fiz toda a parafernália pra eles, mostrei como é que era, não sei o que, pá, e falei: “Deixa fechado isso aí de 15 a 20 dias aí. A hora que for abrir, se você quiser, você me chama que eu dou um pulo até aqui para ver”. Os clientes começaram a elogiar a azeitona que eles não sabiam como é que tinha um sabor tão bom aquela azeitona porque naquela época, eles já trabalhavam na Vila Maria com self-service, então a azeitona ficava ali, o cara pegava quantas azeitonas ele queria. Era quilo com preço fixo. “Como é que você fez isso daí?”, eu falei: “Ué, você já viu como é que eu fiz”, só que é o seguinte, azeitona preta desse jeito, azeitona verde não dá para fazer, porque azeitona verde escurece, ela não volta, ela pode estar com o sabor bom, mas o cara vê ela manchada, escurecida, o cara não pega. A outra azeitona dá para fazer isso daí, mas essa azeitona, exclusivo essa. As outras, se fizer, tem que ser carga rápida, tem que ser consumo rápido, porque não dá para segurar mais. E ele falou pra mim: “Que mais você vende?”, eu falei: “Eu tenho um negócio de bacalhau no atacado” “Interessa pra gente”. Hoje, eu não forneço eles, porque eu não tenho como concorrer com outras pessoas, mas eu indiquei: “Vai ali que eles te dão preço melhor, mas pede essa mercadoria desse exportador”, eles compram dele. Eu poderia até corretar o negócio, fazer a venda e ganhar a comissão, mas eu não faço isso porque deixo eles lá porque eles vão aumentar o preço e como eles são muito meus amigos, infelizmente, o marido dela veio a falecer num acidente de carro, eu de vez em quando, quando eu vou lá no restaurante deles, eu sento lá para tomar um vinho, ela traz lá uns negócios pra beliscar, ela senta comigo, bate um papo comigo também e quanto é a conta? Às vezes, cobra, às vezes… quando cobra, é pela metade, entendeu? Então, não tem necessidade de levar vantagem nisso daí. Parece que foi uma empatia, né, quando ela apareceu ;lá e perguntou: “Como é que você consegue fazer isso daí?”, isso já se vão 20 e poucos anos que aconteceu isso. Gozado, né? A Zona Cerealista é a Zona Cerealista, para mim, né? Como outros falam: “Engenharia é Engenharia”, ou “Arquitetura é Arquitetura”, para mim, Zona Cerealista é a Zona Cerealista (risos), é onde eu trabalho, é onde eu conheço. Que mais? manda aí.
P/1 – Queria voltar um pouco e queria que você me falasse rapidinho como é que foi essa trajetória sua de novo, que você começou na mercearia do seu pai…
R – Isso, na mercearia, eu passei, fui para aquele negócio de madeira lá, madeireira, não deu certo e fui para a Cerealista Cajuru que era na rua Alvares de Azevedo, hoje, Poliana Mare. lá também eu não tava gostando de ficar, quando o Ítalo Tucci passou lá, me viu e falou: “Você não…”, eu fui lá, ele só queria saber se eu sabia datilografar e eu datilografei e ele me falou: “Vem pra cá”, mas eu comecei como office-boy porque as notas fiscais naquela época não eram na mão, já eram datilografadas e eu comecei como office-boy, trabalhei durante cinco anos e… não chegou a seis anos, cinco anos e meio, mais ou menos por aí, comecei como office-boy e sai como gerente de vendas. Quando eu sai de lá e fui ser corretor autônomo.
P/1 – E você começou com quantos anos lá?
R – Comecei como vendedor autônomo, corretor é na Bolsa de São Paulo. Foi entre 18 e 20 anos, 19 anos, mais ou menos de idade.
P/1 – Você entrou lá?
R – Onde?
P/1 – Na Tucci?
R – Não, no Rio Bom, que depois veio a ser Irtucci. Não, eu entrei eu tinha acho que mais ou menos uns 13 anos de idade.
P/1 – Era novo, então?
R – Era! Sai com 18, fiquei cinco anos, nem seis anos, foi mais ou menos isso aí que eu sai de lá.
P/1 – E o Rio Bom vendia o que na época?
R – Vendia isso aí que eu te falei, vendia alho, vendia alpiste, vendia ervilha partida ou inteira , lentilha, feijão branco, alguma coisa de feijão cores, preto também é em cores e bacalhau. Foi onde eu tive o primeiro contato forte com bacalhau foi lá.
P/1 – Já era uma coisa comum na época?
R – O bacalhau que vinha naquela época era um bacalhau mais fraco, né? Não era top de linha, não, tanto que era comida de pobre, né, que eles falavam.
P/1 – Ah é?
R – É. Mas era uma coisa que me chamava a atenção. O formato do peixe, o jeito, o cheiro, me chamava a atenção.
P/1 – Não se comia muito no Brasil na época, ou se comia?
R – Bacalhau?
P/1 – É.
R – Comia, mas era… os restaurantes que serviam o bacalhau era um ou outro, não tinha assim, um… olha, tinha aqui nas bocas, o Parreirinha, que lidava com polvo, com esse negócio todo, rã, nossa, as rãs ficavam penduradas, pareciam os caras que fazem musculação hoje, sabe, ficavam penduradas, ficavam tudo assim, era gozado, a gente via os caras: “Parece as rãs do Parreirinha”, a gente dava risada. Qual é outro que tinha? Tinha o Bacalhau e Vinho aqui na Barra Funda, tinha o 2424 que é o presidente, ali na Mooca, que é na Visconde de Parnaíba…
P/1 – Então, não era muito consumido, então?
R – Não, mas era um prato. Tinha que se saber fazer também, mas se fazia mais em casa. Agora o top de linha do bacalhau que é… porque bacalhau é um processo, não é um peixe, é a secagem dele, é a cura, a salga dele, a cura. Ele chama bacalhau do Porto, porque ele é salgado no Porto da Noruega, a cidade do porto em Portugal nem tradição do bacalhau tem, ela tem a tradição do chouriço, linguiça, tanto que eu falo que tem muito palmeirense lá, porque pra fazer isso dai tem que ter porco, né? Mas são outras cidades, Aveiro, são outras cidades que têm a tradição do bacalhau lá. E eles sabem fazer um bom bacalhau, mas eles têm que comprar na Noruega, quem faz as pescas são os noruegueses. Dizem que os portugueses têm barcos, lá, tudo mais, mas eu acredito que eles possam até ter, não vou negar isso daí, se eu falar que sim ou que não, é mentira minha, que eu não sei, mas se eles tiverem, eles têm que ter a tutela de alguém lá, senão, vai acabar os cardumes. Os russos, na realidade, foram os que descobriram os cardumes de gadus morhua, que eles pescavam, limpavam, espalmavam e deixavam nos barcos nas viagens deles para ficar duro, tanto que dava uma porrada com aquilo lá, desmaiava. Chegavam pendurado, então, eles puxavam um pedaço do peixe e comiam e davam para os caras que remavam lá, que eles chamam de ___01:36:22____. Então, era o gadus morhua porque você puxava, ele lascava tudinho. E hoje, que ele é seco, salgado, 7/8 de cura tudo mais, tal, é o único pó seco e salgado que se transforma em bacalhau e o melhor dele é aquele que vem na linha, tá, o que vem no arrastão também é bom, mas o da linha, ele chega vivo, não morre tenso dentro da rede, tem todos esses negócios, eu aprendi tudo isso daí, nunca fui para Noruega, conversei muito com dois noruegueses, que inclusive, um deles me fez um desafio que ele queria que eu falasse inglês. Eu falei: “Então, você fala português. Por quê que eu tenho que falar inglês? Norueguês eu não vou conseguir falar nunca”, e ele fez um desafio que em seis meses ele voltava para o Brasil falando português e queria ver se eu fazia ele entender o meu inglês. Depois… ele voltou depois de nove meses. Olha, você entendia muito bem o que o norueguês falava de português e eu nada de inglês. Aí, ele falou: “Você tem que me pagar um jantar, então”, aí eu paguei o jantar para ele, tudo, fomos no OK, aqui, churrascaria que tinha aberto há pouco tempo, era o top da… que tinha bacalhau, mas eu não queria comer bacalhau, queria comer carne e tomar caipirinha. Puta, o que ele tomou de caipirinha, saiu de lá, parecia um salmão de tão vermelho que ele tava. E ele falou pra mim: “Por quê que você não aprendeu inglês?”, eu falei: “Olha, eu para fazer um curso de inglês em seis meses ou nove meses, como demorou, eu ia gastar no mínimo, uns cinco mil reais e não ia falar tão bem inglês e o jantar aqui não vai sair mais do que 700 reais, ou seja, você tá falando português, nós estamos nos entendendo e eu só gastei 700 reais”, e aí, ele soltou um palavrão desse tamanho pra mim, eu falei: “Isso você aprendeu rápido também no português”. E eu tive contato com ele até mais ou menos uns sete, oito anos atrás, depois, eles viraram não exportador de bacalhau, não, dez anos atrás. Eles não eram mais exportador de bacalhau, eles eram só preparadores, então, eles preparavam para os outros exportarem, ficou mais interessante para eles, questão de custos, algo parecido que deve ter tido lá na Noruega, não acredito que tenha sido isso, mas alguma… de repente, os exportadores devem ter feito alguma oferta que ficou mais interessante para ele, então eu já não tive mais contato com ele, porque eu não mexo com esse negócio de internet, facebook, eu detesto isso aí. Eu vejo minhas mensagens, isso aí, tal, acabei brigando com o IG por causa de todo aquele problema que teve, que eu te comentei, então, eu poderia até ter tido mais contato com ele, mas eu prefiro, na realidade, ter o contato assim como nós estamos tendo agora, eu prefiro conversar com a pessoa, olhar nos olhos da pessoa, eu não negócio com turco, judeu, árabe se eles tiverem de óculos escuros, eu não negócio. Você não consegue ver os olhos deles, se ele pegar uma fraqueza tua, você perdeu o negócio (risos). Eles são vivos pra caramba. Eu aprendi com o pessoal que eu conheci na Monsenhor Anacleto, na Maria Domitila, que a gente era tudo moleque, eram árabes, isso daí e tal.
P/1 – Como é que é isso aí?
R – Tem uma passagem muito engraçada, um dos meus amigos lá, nós se alistamos tudo junto, né, e eu peguei excesso de contingente, mas ele entrou. E um belo de um dia, eu tava (risos)… ele tava no quartel e a mãe dele… eu tinha comprado um fusca, eu tava no fusca e vi ela carregando uma sacola, falei: “Tá carregando essa sacola, onde a senhora vai?” “Vou lá no quartel levar comida para ele” “Entra aí, que eu levo a senhora”, uma sacola grande, porra, o quê que ela tá levando? Aí, falei: “O quê que é isso daí?”, ela abriu assim, e levantou a tampa, tinha acho que mais ou menos, sem brincadeira, uns 300 charutos (risos) de folha de uva, de repolho, falei: “Não acredito que a senhora tá levando tudo isso pra ele” “Não, a gente já leva também para o pessoal lá do quartel para tratar bem” (risos) “Não acredito que a senhora tá fazendo isso”. Chegamos lá, quando chegamos lá, ele tava de plantão lá dentro desse negócio, lá. “Minha mãe tá me fazendo passar vergonha. Que vergonha, mãe, você tá louca?”, aí chegamos lá: “A mãe dele chegou. O que a senhora trouxe hoje?”, como assim, trouxe hoje? Levava sempre lá, diz que a outra vez, ela levou quase uns 80 quibes, falei: “não acredito que ela tava fazendo”. Mas é um negócio… eu até me emocionei na hora que eu lembrei dela, entendeu? Foi uma coisa muito legal. E esse pessoal desapareceu também, porque tiveram que sair de lá, daquela região e a região começou a ficar meio perigosa para morar, o trafico de drogas, não tenho nada com quem usa droga ou deixa de usar, se o traficante quer vender… se o traficante quer vender é porque tem alguém que compra, já não é problema meu, isso é problema da autoridade que tem que fazer isso daí, entendeu? Eu enterrei vários amigos meus por causa de droga, com AIDS, lá do Brás, do Tietê, gente que estudou comigo.
P/1 – Conta o que aconteceu isso aí…
R – Eu falava: “Sai dessa vida. Ficar usando isso aí? A gente sai pra balada para outro tipo de coisa, meu. Você quer tomar whisky, fumar um cigarro?”, mas fumou, cheirou, leva nos canos… tinha um que jogava muito futebol que inclusive, o meu pai jogou futebol junto com o pai dele também, e era do lado da nossa loja, lá na rua Santa Rosa, eles mexiam com fubá, farinha. O Pascoalzinho, coitado, morreu… deu um fulminante nele, ele já tava cego, já não andava mais direito e a mulher dele tá se segurando até hoje por causa que ela tem muito dinheiro. Então, é AZT, esses negócios que você toma lá, você olha ela, você vê que ela tá… ela parece um travesti cheio de… de… não é botox, é… como é?
P/1 – Silicone.
R – Silicone, parece, mas não é, tudo inchaço. é tudo inchaço!
P/1 – Muita gente na sua geração teve muitos desses problemas, né?
R – Teve. Ali teve muito, muito, muito. Muita coisa ali, nós vimos também, alguns importadores ali tudo também usavam drogas, era muita facilidade e tem uns caras que se aproveitam da situação. Os caras têm grana: “Dá aqui que eu vou buscar pra você”, ia lá, buscava, tudo mais, já aproveitava, já ficava com um pouquinho pra cheirar também, ou fumar, ou algo que o valia. Eu fui vendo toda… vamos dizer, esse lado de degradação de lá. Eu não sei o quê que as autoridades vão fazer com o negócio das drogas, seja na Zona Cerealista, seja onde for, eu não sei e com a entrada do PT no poder, aumentou muito, eles abriram as fronteiras… fugindo da politica, a gente viu a degradação desse lado do pessoal drogado, gente que trabalhava lá também, alguns carregadores, que chamam de estivadores, a gente chama de carregador. Tinha nego ali, carregador, para economizar dinheiro para levar pra casa, o cara pegava um pedaço de rapadura e uma caneca de água, ele comia um pedaço de rapadura e tomava aquela caneca de água e descarregava dois, três caminhões só com aquilo, porque aquilo é glicose, amigo, rapadura é doce pra caramba e é feito de cana, você toma água, aquilo mistura, vai para o sangue, pô, o cara… mas e daí? Chega uma hora que o organismo quer outro tipo de coisa, não tem uma carne, não tem um frango, não tem… os caras faziam isso aí pra poder levar comida pera casa e a gente viu depois, chegar esse pessoal aí e tomar conta desse jeito, na mão grande. não é legal isso daí, mas eu vou fazer o quê? Eu não posso, também, ficar dando porrada em todo mundo e eu segui trabalhando, eu tenho uma coisa dentro de mim, chama-se Santa Rita de Cassia. Os santos que vocês estão vendo aí, claro, são superiores, não tenha dúvida, Jesus Cristo, nossa querida mãe, nosso Deus, mas Santa Rita de Cassia sempre esteve junto comigo e eu sempre escutei uma voz assim, inclusive, quando eu tava doente aqui, com uma hepatite desgraçada, fiquei nesse quarto aqui, fiquei sete meses, meu amigo, por causa de uma falha medica. Siga lutando. Não tenha medo. Iluminou até o meu quarto e eu trabalhando pelo telefone, vendendo alho, vendendo isso, aquilo, com o alicerce dele. Você não tenha dúvida disso, eu discuto com ele, eu brigo com ele, tudo mais e tal, mas só nos separamos se eu morrer ou se ele morrer, a gente nunca sabe, né? Eu já vi mãe de amigo meu enterrar vários amigos, com drogas ou não. Eu vi. Que você enterrar seus pais é um andar normal da carruagem, agora, os pais enterrarem os filhos é uma desgraça. Eu vi cada uma!
P/1 – Mas fala um pouquinho mais dos Tucci, como é que foi?
R – Dos Tucci, o seu José foi o maior professor, foi o seu José e o Ítalo e o Zé Luiz, como eu te falei.
P/1 – Mas como é que eles ensinavam pra você? Como é que se dava isso?
R – Ah, você via o jeito como que eles faziam as coisas. Como é que eles negociavam, porque não tinha separação ali, tinha um escritório aqui dentro da loja lá ou do armazém, mas você via a conversa deles, entendeu? E eu procurava prestar atenção e eu quando não sabia alguma coisa, eu perguntava para eles. Na escola, eu nunca perguntei para o meu amigo do lado o quê que ela tava falando, eu perguntava para o professor. Eu nunca sentei no fundo da classe. Então, isso que eu fazia na escola, eu levei lá para a Zona Cerealista, se eu tenho dúvida de alguma coisa, eu vou perguntar para quem pode ser que me informe. Se não souber informar, vai falar: “Eu não sei, mas aquele sabe”, você vai ter um segmento. Então, eu perguntava para o seu José, eu perguntava para o Ítalo, o Zé Luiz era mais escritório, mas ele sabia algumas coisas às vezes lá de baixo, mas lá embaixo, quem dominava eram os dois. O seu José foi uma sumidade, seu José foi diretor da Bolsa de Cereais de São Paulo, entendeu, e eu fui… uma vez, eu era office-boy e levei lá na Bolsa de Cereais de São Paulo um negócio para ele assinar e eu vi aquela reunião, vi um outro importador que tinha lá que era o seu Antônio Marchetti, que eu tive muita amizade com o filho dele, inclusive, o Clovis, que infelizmente também já morreu e o quê que aconteceu?
PAUSA
P/1 – Um negócio que eu queria saber até para muita gente que não sabe, como é que é esse processo do bacalhau, que você começou a falar, como é que é do começo ao fim?
R – Olha, eu vou te falar do que eu vi, do que eu sei. Uma vez, teve na ABRAS do Rio de Janeiro, acho que nem tem a ABRAS mais, tinham uns exportadores de bacalhau lá que eles tinham umas filmagens lá, então dava para você ver. Hoje em dia, capaz de você entrar no bacalhaudanoruega.com.br, você tem alguma coisa lá, é que eu não tenho… eu gosto que os outros tenham interesse, porque eu já conheço, então eu gosto de passar para os outros fazerem isso daí. O processo do bacalhau é o seguinte, tem a pesca dele em água super geladas, né, ali não é água gelada, ela é gelada pra caramba, tem os peixes tipo bacalhau que é Saithe, Zarbo, Ling e pra mim, também é peixe tipo bacalhau o microcéfalos que é o mais próximo do Gadus Morhua e esses vêm mais na rede e o Morhua vem na rede também, mas eu prefiro trabalhar com o de linha, que ele é um peixe melhor, tá, o final dele é melhor. Após isso, tem a salga de navio e tem a salga no porto. A salga do porto, nota-se que é uma salga mais limpa. Antigamente, eles ficavam expostos em mesas de arame para secagem, demorava muito tempo, hoje já é mais industrializado, vamos dizer assim, né? Os noruegueses, atualmente, não abrem mais com a faca, abrem com uma máquina, então, algumas vezes, pegam artérias, esparrama um pouco mais de sangue, isso aí então vai para a carne, a carne fica um pouquinho mais vermelhinha, tal, não fica cor de rosa, fica um pouco mais vermelha, que se ficar cor de rosa, ele tá estragado, tá? Se tiver boto, como o boto cor-de-rosa não… com a coloração dele, joga fora. Teve uma mulher que uma vez falou pra mim que comeu “Fez, tava delicioso, não aconteceu nada”, que organismo, hein! O seu organismo é pior do que o do peixe que tá estragado! E aí, eles fazem a salga, fazem uma cura, não vou dizer que é a cura corrente, a cura corrente é uma cura diferente de todas elas, vinha antigamente com cura corrente, que antigamente, eles vinham em barrica, eles vinham enrolados ou senão, num saco de estopa, dois, três sacos de estopa com os arcos de plástico, né? E agora, eles vêm em caixa de madeira, as caixas de madeira são muito bonitas, inclusive, que eu tô achando que em breve, não vai mais vim em caixa de madeira, onde vão arrumar tanta madeira para fazer aquilo lá? Mas não sei qual é a produção de madeira deles, se eles importam a madeira, não sei, aí eu já não posso te falar. Quais as plantações que eles têm lá. Não sei falar. E vai vim em caixa de papelão, tá? Mas a caixa de papelão deixa ele muito úmido e na caixa de papelão, vem o Ling, Saithe, Zarbo, vem Morhua também menores, tá, que é a caixa de 25 quilos, não é de 50, mas eu acho que quando chega aqui e dá aquele choque térmico de diferença climática, ele dá uma… ele fica um pouco mais úmido, entendeu, então, as pessoas acham que a gente molha o bacalhau para pesar mais. Eu não faço isso, eu sei de alguns lá que fazem isso daí, mas não vou ficar falando quem é, claro. Mas eu prefiro o de caixa de madeira, eu só trabalho com porto, mesmo, que o porto são os grandes, eu não trabalho com peixe pequeno, a não ser que não tenha, tá chegando, a gente põe lá para a pessoa poder levar isso daí. Na rua Santa Rosa, o único que faz a lasca de bacalhau desfiado, desfia lascas de bacalhau sou eu e o meu sobrinho, mais o meu sobrinho do que eu. Ele realmente trabalha muito bem e é tudo Morhua, quem leva, é mais caro que os outros, tem gente que fala: “Tem bacalhau lá que é 30 reais e o nosso é 58, 60, é o dobro, você não acha que tem uma diferença esquisita nisso aí?” “Nós já percebemos isso aí, vamos fazer o seguinte, compra um quilo daquilo lá e leva 200 gramas do nosso e faz, você vai ver o que vai acontecer! Quer aceitar o desafio? Compra lá e volta aqui”, quando voltou, eu falei: “Tá aqui, tem 300 gramas, mas não precisa pagar, leva de presente, vai lá e faz”, eu consegui muitos clientes assim e esses clientes trouxeram outros clientes. O quê que acontece? Eu faço a mesma coisa que eu tô fazendo aqui com você, eu falo pra eles: “O bacalhau, o processo dele, tal…”, procuro mostrar aquilo que eu sei, de repente, tem outras técnicas ou algo parecido, www.bacalhaudanoruega.com.br, ou entra em contato, a central é no Rio de Janeiro, o vice-Cônsul da Noruega fica lá, entendeu como é que é? Que é o escritório deles, é em Botafogo, qualquer coisa, liga lá e fala com eles. Se você quiser um outro tipo de informação, entendeu? O que eu passo, procuro passar é isso daí. Por que essa paixão pelo peixe? Eu falo, até santista eu sou, né, até a torcer pelo Santos, eu torço, porque foi uma coisa que me… é um alimento que tem em abundancia, o Brasil sempre foi o celeiro do mundo, hoje não é mais, os governos acabaram com isso daí. Só que a Noruega não pensa desse jeito. Se você for na Noruega comer bacalhau, você não vai achar, você vai achar o codfish, porque lá é fresco, entendeu? Eles têm outros pratos feitos com todos os tipos de peixe que vêm para cá como bacalhau.
P/1 – Você acha que se viesse o bacalhau sem a salga, porque agora não precisa mais, porque dizem que era salgado por causa do tempo que demorava para vim para cá, né?
R – Não, não, digo a curagem dele. Agora, eles têm alguma técnica lá, qual é a técnica, na realidade, eu não sei, eu acho que a técnica deles lá, os representantes que já tiveram lá, já viram, tal, é muito diferente do que passar um filme, você in loco ali é diferente o negócio, deve ser a mesma coisa da Coca-Cola, você tem a formula da Coca-Cola fiel? Tem um cara lá que outro dia falou pra mim: “Não dá para você fazer esse bacalhau…”, o cara queria 60% de desconto, eu falei: “Tá, me traz a formula fiel da Coca-Cola que eu te dou os 60% de desconto”, o cara saiu dando risada da loja, meu, tenha santa paciência, como é que eu posso dar 60% de desconto? No atacado, a gente dá cinco, 6% de desconto, o cara quer 60% pra levar três, quatro quilos de bacalhau? Você tá maluco, você é judeu? Até brinquei com ele: “Você é judeu?”, nem judeu faz isso, entendeu? Agora, qual é a técnica, na realidade, atual que eles estão fazendo, eu não sei, mas só que a mercadoria… tem algumas mercadorias que chegam um pouco mais fracas, tem umas mercadorias que chegam top de linha, que são as que eu trabalho, não é porque… eu quero que as pessoas vão lá comprar, eu quero vender o meu peixe, literalmente, só que eu prefiro trabalhar com top. Eu acho a caixa, olho, se não tiver bom… devolvo: “Não é isso que eu quero” “Só tenho esse” ‘Você só tem esse? Não devia ter mandado, porque você sabe que eu não trabalho com isso ai". Gastou tempo à toa, tirou nota à toa”, hoje em dia, é nota eletrônica, para cancelar uma nota eletrônica, você tem que explicar porquê que cancelou, porquê que não sei o que… é tudo… eles querem imposto, isso eles querem… não querem saber o que você tá fazendo, eles querem grana. Então, o meu sobrinho, o Leandro que trabalha comigo, ele se especializou em bacalhau, o Leandro conseguiu trabalhar com azeitona, ele conhece azeitona, hoje em dia, ele detesta azeitona, ele não come de jeito nenhum azeitona, mas ele de olhar a azeitona, pegar azeitona para pôr na mão, fazer isso aí, ele sabe, ele conhece a qualidade toda, fala: “Pô, experimenta ai”, ele detesta azeitona. Agora bacalhau, não, bacalhau, pô, ele faz umas coisas com bacalhau lá que ensina os caras como é que faz na frigideira, o quê que faz, o quê que põe, como é que empana, tudo mais, os caras ficaram louco, os caras falaram: “Porra meu, ficou bom pra caramba, minha mãe gostou, minha família gostou”, uma coisa gozada, por isso que eu te digo, o Leandro parece que nasceu para ficar junto comigo também, gosta de peixe, gosta de trabalhar com peixe, a única coisa que ele não tem de peixe é que é corintiano, eu santista que é peixe.
P/1 – Mas agora lá com os Tucci, como é que era nessa época? Eu queria saber primeiro como é que eram os volumes, por exemplo.
R – Ah, era grande! Era muito grande. Feijão branco, lentilha, isso aí às vezes, chegava cinco, seis contêineres, entendeu? Eles tinham uma clientela muito boa, como outros também tinham, porque tinha concorrência lá também, eles não eram sozinhos, tinha concorrência, teve alguns concorrentes que tentaram me tirar de lá para trabalhar com eles, eu não fui, eu não fui e o que eles mais vendiam lá era alho, às vezes, chegava lá, 50, 60 mil caixas de alho, os Tucci, os outros também tinham, mas as quantidades que chegavam, olha, ali perto deles, eu acho que só o pessoal ali do São Tarcísio que depois veio a chamar Santá, que era o seu Antônio Salermo, fora de lá, eu não sei, maior assim, que chegassem perto deles, ali, tinha o Toquil…
P/1 – Em alho?
R – É. O Dadá vinha crescendo naquela época, porque o Dadá sempre trabalhou com alho. Mas perto dos Tucci era muito difícil, depois foi cindo, né, é comércio, vieram outros, outros, aí já tinha a Arisco que era em Goiás, era muito forte, vieram para São Paulo. Outra coisa que eles traziam muito era alpiste, alpiste tem um consumo muito grande por causa da criação de passarinho, muito grande, tinha canário, meu amigo, que parecia que ia estourar o gogó dele de tanto cantar, então, você tinha que dar um alpiste bom para ele, qual era o melhor alpiste que tinha? Era o da Argentina e do Canadá, só que no Canadá, pagava imposto de importação e da Argentina, não. Painço eles também vendiam, painço era para periquito, também vendia, porque tinha muita criação de periquito, muitas. Periquito que eles chamam aí, como é que é? Não é holandês, é o australiano, o periquitinho australiano, aquele colorido que tem aquelas… tipo de um colar, que tem aquelas pintinhas, tem um colar bonito. Ali, no Tucci, eu aprendi a trabalhar com alho ali, também. Ali, eu vi a classificação do alho, como era feita e deixava de ser. Em questão… quando eu sai do Tucci, eu trabalhei free para quatro empresas, para a Importadora São Francisco, que era a do meu pai, para o André, que é da família De Luca, para o J Michel, quem era o outro? Deu branco! Ah, era do La Patina, que é o mesmo da São Francisco, eram três, três empresas, por causa que houve uma época que o alho, você tinha que comprar do nacional, então para cada quilo que você comprasse de alho nacional, você tinha direito a importar acho que cinco quilos de alho de outros países. Então, eles tinham que comprar alho. Então, onde era a grande produção de alho? Era santa Catarina e Goiás. O que aconteceu? Eu conheci uns caras de Goiânia que tinha uma fazenda produtora de alho, assim, de bobeira eu conheci, do nada. Batendo papo, tal, não sei o que, numa paquera foi, a menina falou que era de Goiás, tudo mais, falou: “Meu pai tem fazenda na região, vende na Europa…”, e foi assim e ela me pôs em contato com o irmão dela e eu falei para eles: “Não tem esse negócio? Faz o seguinte, me dá uma comissão, eu vou para lá para ver o alho para vocês”, mas na realidade, era só para o Michel e para o São Francisco, porque o Michel tinha parentes em Goiás, eu não sabia, lá em Goiânia, que os caras tinham uma rede de hotéis, então ele falou: “Vai para lá e você fica num hotel hospedado”, porque eu não podia ir para lá num dia e voltar no mesmo dia, não dava para andar ali pela região. E aí, com esse pessoal, eu fiz o seguinte, quando eu cheguei lá, conversei com eles, falaram: “Deixa, que a gente vai pegar você no hotel aí em Goiânia”, porque Nerópolis era 80 ou 90 quilômetros de lá, só que tinha Inhumas que já era mais longe, era acho que uns 140, 160, tinha Nova Veneza que era um pouco mais ali dói lado, também, já tinha caminho pra ir para Anápolis, que também tinha alguma coisa em Anápolis ali, só que Anápolis era bem mais longe, Anápolis era chegando… já perto de Brasília. Aí, eu liguei aqui para São Paulo, falei: “O negócio e o seguinte, eu vou ter que ficar pelo menos uma semana aqui” “Fica aí, tudo mais, vê o que você consegue”. E aí, eu consegui vários negócios para eles lá. Carreguei mercadoria, principalmente para a São Francisco, para o Michel, pro André não deu certo, porque o Zequinha foi junto comigo e não deu certo, o Zequinha acabou comprando, não comprou nada, mas para o André aí já não deu mais negócio. E outros me pediram, eu falei: “Não dá, porque não tá dando tempo nem de fazer isso daí, se vocês quiserem, manda alguém junto, tal”, eu não tinha isso aí de querer o dinheiro só para mim, eu podia falar: “Vou pegar dez aqui, vou fazer a América”, não! Nada disso. Eu vou fazer de que jeito? Eu não tinha como fazer, então eu trabalhei para esses dois ou três, só e mais nada.
P/1 – Ficou quanto tempo?
R – Foi um ano, um ano e pouco, mais ou menos. Tinha vezes que eu ia pra lá, eu ficava lá às vezes, 15, 20 dias, o mais longo que eu fiquei acho que foi 16, não chegou a 20, não.
P/1 – Mas trabalhando de freelancer?
R – Freelancer, mas comprando alho lá para eles, ia visitar as fazendas, ia junto com o irmão e com o primo dela que trabalhava nessa fazenda que eu conheci a moça lá. Eu não tive mais contato com ela, depois que eu falei com o irmão dela, não tive mais contato. Foi uma paquera só para isso, eu não dei um beijo, abraço, coisa nenhuma, eu não fiz nada na moça, entendeu? E o pai deles é um fazendeiro muito rígido. Mas ele gostava de mim. Ele mandava me pegar lá em Goiás, levar para lá, eles vinham com a caminhonete, vinha motorista, tudo, pegava, até que um belo dia, ele falou: “Você não quer ficar aqui na fazenda?” “Posso ficar, não tem problema” “Tem um quarto aí pra você, que é uma suíte, tudo mais, você fica lá, não sei o que, tem jantar, tem tudo aqui”, falei: ‘Fico, não tem problema”, o filho dele falou: “Fica, que nós também estamos ficando aqui, porque o meu pai deixa a gente aqui, porque de vez em quando, ele vai pra Goiânia e volta”. O homem tinha um dinheiro, meu amigo, que não era mole.
PAUSA
R – Aí, eu fiquei lá com eles e lá, a casa bonita, tudo bonito, tal, forno à lenha. Você sabe o que é comer um arroz com feijão de forno à lenha? Um bife na chapa com lenha? Meu, eu falei: “Porra! Tô boneco aqui”, e foi fazendo negócio com eles, ganhei dinheiro, tudo. Aí, o que aconteceu foi que um dos caminhões que eu mandei pra cá foi roubado e naquele caminhão, eu tinha comprado um alho em dente que eles tinham lá, você sabe que escapa da cabeça, tudo, comprei tudo em alho em dente, que eu tinha um pessoal que fazia alho em massa aqui em São Paulo e falaram: “Traz, que nós compramos de você”, e eu investi o meu dinheiro lá, e o caminhão foi roubado, putz, eu queria morrer! Paciência, eu tenho fotografia do motorista, tudo, porque eu tirava: “Vamos tirar fotografia aqui junto do caminhão”, pá. Para saber quem era o cara. Aquele cara ninguém achou, nem policia, nem policia rodoviária, não acharam o caminhão, a placa era quente, não se sabe até hoje o quê que aconteceu com aquilo lá.
P/1 – E depois?
R – Eles ganharam muito dinheiro comigo, porque eu mandava mercadoria boa para eles negociarem e tinha o negócio da importação, que todo mundo queria, entendeu? Tanto que o Saporito, o Hugo Saporito tinha lá um armazém lá em Nerópolis, eles tinham um armazém lá, ficava um primo dele lá. E esse… gozado, esse cara que roubou passou lá para ver se tinha carga com eles, falaram: “Não tenho, mas tem um cara que tá precisando de carga”, e quando chegou lá: “Sou eu que quero”, e aí, aconteceu todo esse problema aí, entendeu? Bom, depois disso daí, eu viajei com o Vicente La Pastina, eu viajei com ele para Santa Catarina para a cidade de Curitibanos, que lá também tem uma plantação grande de alho, então ali, a gente teve o contato com o alho de Santa Catarina, mas nunca deu certo de fazer negócios com eles, lá, entendeu? O primeiro contato que eu tive, assim, de plantação nacional mesmo foi em Andradas, mas aí foi todo mundo, foi o Louro, o pai do Renato, eu fiquei no quarto com ele, inclusive. Foi o Toninho Santhar, foi o Romeu Pazanella. o Vicente Tiraque que era representante, nós ficamos tudo em Poças de Caldas, porque de Poços era fácil de chegar. Um frio, meu amigo, fazia um frio desgraçado. Na época, quem era o ministro da agricultura era o Delfim Neto e o Louro, o pai do Renato, que é ali na Professor Eurípedes deu um banho de aula no Delfim Neto, eu tive contato com gente boa, meu amigo, no setor de alho. O Delfim Neto, até hoje, deve lembrar disso daí, porque ele é uma pessoa… tem uma memória muito boa e cresceu muito a produção de alho nacional cresceu muito e onde era a grande distribuição? Era na Zona Cerealista. Depois, começou a espalhar, Minas e tal, muita produção de Minas ficava em Minas, porque tinha um grande exportador lá que era um grande comerciante lá chamado Salomão, gente muito boa, cara riquíssimo, gente boa pra chuchu. Não sei nem se o Salomão tá vivo, ainda. Agora, o grande contato de alho que eu tive mesmo assim, de fazer negócios com alho foi com o Dadá, eu tive com o pessoal do Tucci com quem eu trabalhei, mas um tive muito contato com o Dadá, fiz muito negócio com o Dadá. O Dadá sempre foi uma pessoa muito boa pra mim, o Dadá sempre me escutou, sempre conversou, eu tinha amizade com as filhas do Dadá, entendeu? Com a esposa dele. Sempre respeitei muito todos eles e o Dadá sempre oi uma pessoa que sempre teve uma palavra de carinho comigo, sempre procurou me orientar porque ele tinha muito mais conhecimento do que eu.
P/1 – E como é que ele se situou no mercado? Virou importador?
R – O Dadá?
P/1 – É.
R – O Dadá sempre foi importador de alho e comprava também nacional nesse período todo que eu te contei, aí, entendeu? E ele tinha plantação de alho também no interior de São Paulo, na cidade de… perto de… caminho ali para Avaré, tem Avaré, tem Paranapanema, aquela região ali, esqueci o nome agora da cidade, é Bonito, não sei o que Bonito, é… agora deu branco. Eles tinham ali também, tinham os irmãos que mexiam também com alho, eles iam para… um dos irmãos dele ficava na fronteira cruzando mercadoria, verificando se a mercadoria tava boa e tal, que era o Dartagnan, gente pra mim, se alguém tiver alguma restrição a ele, eu defendo com unhas e dentes, que eles não são o que a pessoa vai falar, a não ser que teve um problema muito sério, aí é outra situação, aí eu não me meto. Eu tive problemas seríssimos com outras pessoas lá e eu não fico malhando, agora, se pisar no meu calo, a situação é outra, entendeu?
P/1 – Mas o Dadá, ele era um grande…?
R – Um grande importador, também, foi um dos maiores importadores. O Dadá importou muito coco ralado na época. Isso aí há mais ou menos de cinco a dez anos atrás. Quando teve as cotas, teve que comprar cotas nos leilões na Bolsa de Cereais do Brasil, o Dadá comprava comigo na Bolsa de Cereais de São Paulo, eu era o corretor dele. Dadá como presidente do sindicato, eu acredito que ele tenha sido o melhor. Ele, o doutor Euclides Cali, é tudo Zona Cerealista ali, ali não tem como, eu sou apaixonado por aquela região, eu falo que quem tomou água do Tamanduateí não sai dali, não adiante e eu tomei água de lá, tanto na enchente, como eu te contei (risos), porque queira ou não queira, veio pelo rio, veio de volta tudo pelo rio, né?
P/1 – Mas como é que é a Bolsa de Cereais?
R – A Bolsa de Cereais de São Paulo, ela é exclusivamente sem fins lucrativos, tá? Ela só trabalha com leilões. O leilão pode ser de particular ou pode ser também… o maior deles é do estoque regulador do governo federal, milho, arroz, feijão, soja, amendoim, tem esse negócio também de transporte, o governo troca transporte, tem também as cotas, era para ter aparecido as cotas de alho também, mas acredito que por enquanto não, não deve dar certo, a OMC não deve aprovar, acho que nem vai aprovar, se aprovar, melhor, se não… agora, a de coco tava dando certo, alguma coisa aconteceu que pararam, ficaram dois anos, praticamente, fazendo. Tava certo, o mercado tava regulado, o preço tava bom, tal, mas incomodou alguém e eu sei quem é, não vou falar que é questão de ética, não é nem de ética, é de… você tem como provar? Ter, tem, mas não sou louco de falar o nome da pessoa, entendeu? Não é daqui, não é de São Paulo. Então, o quê que acontece? A Bolsa teve um problema sério, ela ficou um bom tempo fora do ar, até ela ficou fechada, você não podia participar dos leiloes, porque algum dos presidentes ou gestores de presidente não pagaram alguns impostos. Então, se você trabalha com governo, você tem que pagar imposto, certo? Só que quando ficou fechada foi por causa de fundo de garantia e INSS dos corretores, mas que corretor? Corretor é autônomo. Inclusive, ele pagava uma trimestralidade que hoje tá em 200 reais, se eu não me engano, mas antes era mais barato para poder… e tinha que ser corretor oficial da Bolsa de Cereais de São Paulo, mas ele era autônomo. Eu não sei qual foi o erro que cometeram lá, tá na justiça, acho que ganhamos uma, perdemos outra, tá um rolo assim, o negócio lá, que essa parte jurídica, eu participo porque eu sou diretor da Bolsa, só que a coisa tá rolando, então eu não sei como que tá rolando. Então, a Bolsa ficou um tempo parada, sem poder mexer com nada. Só que com a… veio caindo os negócios da Bolsa nas Bolsas vieram caindo por causa dos governos que vinham atuando e o governo do PT foi a pior coisa que aconteceu para as Bolsas, algumas dizem que não, se essas falarem que não, eu posso te falar piamente que tá no rolo, tá? A Bolsa de Cereais de São Paulo, não. Só que tem uma coisa na Bolsa de Cereais de São Paulo, que deixaram um legado, falam tanto de legado, legado… quem fundou a Bolsa até hoje deixaram um legado, diretores, seja quem for, qual é o legado? Nós temos um patrimônio, o prédio, térreo, primeiro, segundo e terceiro andares é da Bolsa de Cereais de São Paulo, é um prédio que vale muito hoje. Mostrem qual é outra Bolsa no Brasil que tem esse patrimônio? Se começar a cair todos os negócios e não tiver mais nada na Bolsa, nós temos um patrimônio, as outras Bolsas acabam. Seria bom isso para a Bolsa de Cereais de São Paulo? Não acredito, não. A concorrência é sadia para todo mundo, tá? Só que tá parada desse jeito a Bolsa, atualmente tá parado. A Bolsa abrigou lá dentro o sindicato, o Sagasp. O Dadá foi presidente… teve outros presidentes, mas o mais recente, né, que você conhece é o Dadá, eles eram lá dentro, eles pagavam aluguel para a Bolsa, depois que eles compraram sede próprio, tudo mais que hoje eles têm.
P/1 – E como é que é o seu envolvimento com o Sagasp?
R – Eu sou associado atrasado do Sagasp, tá, faz tempo que eu não pago a mensalidade, por questão que tem hora que não tem grana, tem hora que tem, tem hora que não tem, tal, mas eu tenho muita amizade lá dentro, foi por causa de tudo isso daí, de todos os negócios que eu tinha e tudo mais, tal. Mas a minha amizade, o que eu mais me envolvi com a Sagasp, na realidade, foi… a grande amizade que eu tive com o Clovis Marchetti, que o pai dele foi presidente, o seu Antônio Marchetti foi presidente da Sagasp, com o seu Euclides Cali, o Doutor Euclides Cali, né? E com o Dadá e família. Eu tive… o Dadá sempre foi uma pessoa que conversava comigo, ele me via, ele me cumprimentava, tudo mais e tal. Tem uns bobos aí que nem olha na cara da gente, o cara não tem nada perto do que era o Dadá. Eu não tava nem aí, eu falava: “Acho que é por causa dos meus olhos verdes, né, que ele não tem, vai fazer o quê? Eu tenho”, e aí, o Dadá sempre me cumprimentou, sempre me procurou, sempre me procurou: “Olha, eu tenho alho, tá chegando o meu alho”, não tinha necessidade de fazer nada disso comigo. E no casamento do filho de um dos importadores foi que eu conheci a Katia, filha dele. Nós sentamos na mesma mesa, tava o meu pai, tava o meu irmão Carlos, tava o Dadá, tava a esposa dele e tava a Katia. Naquele dia eu conheci a Katia. Nós tivemos uma grande amizade, fiquei batendo papo com ela, ela não conhecia ninguém lá, não conhecia ninguém tava na mesa, fiquei batendo papo com ela, nunca tive envolvimento nenhum com ela, amoroso, isso daí, não tive em momento nenhum. Depois, vim conhecer a Iara, que é a irmã dela e aí, conheci, elas casaram… não, a Iara já era casada, eu conheci os dois filhos dela, depois a Katia casou, também conheço as duas meninas dela e temos amizade até hoje e isso daí foi me levando a cada vez mais, conhecer outras pessoas lá por causa da Sagasp. Mas o momento grande da Sagasp comigo foi quando eles estavam na Bolsa de Cereais de São Paulo, porque era todo dia, era todo sia, o prédio da Bolsa era da Bolsa e um canto da Sagasp e tinha também o setor de classificação, tá, reconhecido pelo ministério da agricultura, que foi lá que eu fiz o curso de classificação e fui conhecendo cada vez mais os… fui conhecendo mais as pessoas, tudo e hoje, eu tenho, lá dentro, como os dois melhores presidentes que eu vi dentro da Bolsa, além do Nico Favano, que o Nico foi muito bom comigo também, na época, me ajudou bastante, foi o Oswaldo Russomano e agora, o Reinaldo Rosanova. Os outros também foram bons? Foram, mas eu não tinha tanta simpatia, tinham umas coisas que eu ia lá, eu batia na lata, eles não gostavam de mim por causa disso, que eu metila o Jabaquara em campo, entendeu? Eu falava o que tinha que ser falado e o Chedid, o Chedid foi muito meu amigo, me ajudou bastante, também, que também foi presidente da Bolsa, mas não deveria ter sido nunca. Fui diretor junto com ele, fui pra Brasília, falamos com o ministro da agricultura na época do Color, ele teve em São Paulo, foi um evento muito bonito, o Chedid ali fez tudo certo, só que ele cometeu um erro que eu prefiro não falar, é melhor não falar, é uma questão de ética, realmente, isso daí. É um erro de comércio, um erro de fusão, que quando eu vi que eles iam fazer aquilo lá, eu achei que não ia dar certo. O Claudio também, o Borrego achou que não ia dar certo, mas as nossas vozes não faziam eco lá, entendeu como é que era? Então, não dava certo o negócio.
P/1 – Agora, você acha que a Sagasp foi importante para você no comércio seu de alho ou de bacalhau?
R – Foi por causa que tive muito conhecimento lá dentro, eu conheci representantes, eu conversei com pessoas que sabiam muito mais do que eu e u procurei saber não mais do que eles, eu procurei saber o que eles sabiam. Hoje em dia, se eu tivesse que apontar lá dentro, além do Dadá com o negócio do alho, tudo, eu apontaria o Clovis Marchetti, que infelizmente também já morreu, em questão de frutas secas, usa passa, ameixa, damasco. Tive inimigos lá dentro, um dos piores dos piores é o pessoal do ___02:23:40_____, esse pessoal não presta, não sei se vocês vão fazer… eu acho que nem deveria aparecer no negócio da Zona Cerealista, eles são pessoas que não merecem nada, merecem cadeia e morrer na cadeia e acabou, prejudicaram muita gente. E não é prejudicou aqui no Brasil, eles prejudicaram no mundo. Eles causaram desemprego em muitas empresas com o prejuízo que eles causaram.
P/1 – Como é que foi isso aí?
R – Isso daí, meu amigo, eu prefiro não falar muito. Se um dia… você já entrevistou eles?
P/1 – Não, no sei nem quem…
R – Se um dia falarem pra você entrevistar, você fala assim: “Tem que ir, mesmo?”, só fala isso, ai você vai ver que a pessoa vai falar: “É melhor não”, aí você vai tirar uma ideia do que… quem são essa raça desgraçada, isso aí mesmo, eles nasceram pro mal, a família nasceu pro mal, o pai e o filho nasceram pro mal. E são as pessoas que denegriram muito a imagem da Zona Cerealista e do próprio Sagasp. Eles eram associados da Sagasp, nem sei se eles são, ainda, entendeu? Pessoas que não merecem, a estirpe não… se você fala que eles são uma merda é uma ofensa pra merda, entendeu, né? Por aí, você tira uma ideia de como que é o negócio.
P/1 – O Dadá contou sobre um caso que ele teve que ir para a Noruega rever a questão do bacalhau, porque tinha sido embargado, você lembra disso que aconteceu?
R – Isso daí foi uma coisa bem fechada, porque não era… era uma coisa que sei lá, poderia dar um problema sério para o Brasil. E por que só a Sagasp foi? Por que só o presidente da Sagasp foi? Outros foram? Eu desconheço. Mas eu também não perguntei para o Dadá, porque eu queria saber o quê que o Dadá poderia fazer? Não. Eu só queria saber o que ele fez, e a capacidade dele… esse homem tem uma capacidade de negociação, esse homem conhece políticos famosos, Dadá não se envolve com os políticos famosos, ele procura tirar o proveito para a Zona Cerealista desses políticos, não fica lá comprando os caras, não, fica vendo quais são as ideias dos caras para trazer para a Zona Cerealista, só que o Dadá também tá ficando velho, Dadá também vai chegar uma hora que ele vai falar: “Chega, não tô mais a fim”. E não foi só no bacalhau, Dadá também foi pra China ver o como é que era? O negócio da China com o alho e o negócio lá era complexo. Um dos caras que eu gosto muito lá embaixo … não é que ele foi para ele mesmo, é que ele não quis te levar e você tava bronqueado com isso, só que você não mexe com alho, você não mexe com isso, você não mexe com aquilo, mas o seu segmento é fechar cambio desses caras e você pegar as suas comissões nos fechamentos de cambio, só que você tem que pagar, amigo, pra ver, você não pode chegar lá, venha nós ano nosso reino e espera um pouco, não são assim as coisas. Isso é histórico. Você tem que dar a contrapartida para a pessoa sentir que você tá querendo trabalhar, não é que você tá querendo ganhar dinheiro as custas… não, você quer trabalhar, você tá trabalhando. Você fez uma venda? Fiz, o teu cliente não pagou? Vai lá receber do cara. fala: “O corretor não tem nada…”, como o corretor não tem nada…? A empresa avalizou e autorizou a vender para o cara, mas você foi quem levou o negócio, caramba! Tem gente que quer receber uma comissão mesmo sem o cara pagar, não tenho nada que ver com isso, vocês autorizaram. O que é bom pra você? O que é bom para todo mundo. Isso que é o comércio. Agora, é bom para dois ou três, sempre vai criar inimizades. O cara fala: “Ele pegou hoje, eu vou pegar ele amanhã”, tá errado isso daí. Já imaginou na politica isso daí? O Dadá quando foi pra lá o que aconteceu, na realidade, eu procurei não me envolver. Porque eu sou uma pessoa muito crítica comigo mesmo, inclusive, às vezes, eu deito na cama, tenho 60 anos de idade, eu deito aqui, fico pensando o que eu fiz lá atrás, que eu não deveria ter feito há 30 anos atrás nos negócios. Nos negócios. Mas por que você não deveria ter feito? Aí, eu começo a me criticar que eu deveria ter feito… eu jogo comigo mesmo e assim eu vou ganhando experiência de cada vez mais falar: “Tá vendo? Eu não tava tão errado lá atrás, podia tá errado, mas não tão errado. O que você fez, você fez na hora certa.”, quando eu errei, eu cheguei e falei: “Errei, vou tentar corrigir, se não der para corrigir, é simples, eu assumo”. O Claudio Borrego era assim também. Por isso que eu me dava bem com ele e teve na Bolsa de Cereais uma vez, eu paguei o negócio que o cara não pagou, tem dia que pagava a Bolsa, a Bolsa tinha muita grana, então tinha um lado do corretor que eles poderiam cobrir, mas eu paguei, por quê? Porque eu não queria que ficasse aquela: “Nós te pagamos aquela vez, agora você tem que fazer isso”, eu não queria isso daí, porque aquilo que tava lá era um fundo, justamente, para isso. Então, eu não queria isso daí, porque iam jogar na minha cara e eu ia fazer o que eu sempre falei, ia meter o Jabaquara em campo, então não ia dar certo, era só na canela, canela e não dá.
P/1 – E como é que você acha que foi o supermercado surgindo?
R – Um segmento lógico de mercado, isso aí é no mundo, né, supermercado é o mundo, supermercado veio para atrapalhar o comércio, porque eles vieram aqui não foi para comercializar mercadoria, eles vieram para ganhar dinheiro, o Brasil é muito grande, eles montam dez lojas na Argentina, na Argentina não entra mais ninguém, é desse tamanho perto do Brasil. O Chile é a mesma coisa, o Chile é uma linguiça. O Brasil cabem quantos Chiles e Argentinas dentro do Brasil? E ainda coloca de leve umas dez Bolívias, não vamos nem falar do Paraguai, o Paraguai é nosso e ninguém percebeu até hoje. Então, era por causa do consumo, ou você acha que o Abílio Diniz é bonzinho? Não é não. O Carrefour veio de lá da Franca pra cá, o Wal-Mart dos Estados Unidos pra cá, como é que fica isso daí? Antigamente, a gente tinha o supermercado localizado, agora não, são mega, hiper…
PAUSA
R – O supermercado é um mal necessário para o mundo.
P/1 – Você acha?
R – Eu acho, porque uma coisa de boa eles têm, eles geram emprego e isso daí é muito importante, é a geração de empregos e você tem uma central para distribuir a sua mercadoria. Todo mundo quer vender para supermercado, que eles pagam, mas eles te fazem de escravos. Eles alugam prateleiras: “Você tem que pagar um aluguel aí para prateleira” “Você tem que colocar gente para colocar o seu produto na prateleira”, eles fazem tudo isso daí. Você vende para ele com 30, 40 dias de prazo, quando tá chegando perto do prazo, não vendeu tudo, eles já avisam: “Só vendi isso”, e vai pagar só aquilo que foi vendido. No segmento de alimentação, beleza, para a Zona Cerealista também foi bom, por quê? É mais um local para você vender mercadoria. Só que eu, Paulo Celso Theophilo, o Paulada nunca vendi para supermercado, eu não gosto, você fica lá, tem que ficar lambendo as botas do cara, tudo mais, o cara, às vezes, te humilha. Eu vi pessoas contando humilhações impares dentro de supermercado, principalmente, na época do Eldorado, da família Verissimo. Então, eu falei: “Ah meu irmão, eu prefiro continuar com o pequeno”, toca daqui, toca de lá, ou vender para os caras que fornecem para o supermercado, empacotamento de alho, o empacotamento, que nem o Hikari, o Kitano, eu aprendi muitas coisas como seu Celso Kitano, que é avô do cara que foi morto pela… que é da Yoki, o que a mulher matou ele, lá, então. O seu Celso… eu não conhecia ele, eu conheci o seu Celso, o avô dele e eu preferia vender para esse pessoal.
P/1 – Pra você não mudou muito, não, o mercado?
R – O mercado? Não, pra mim não teve nada de excepcional, não. A minha paixão, na realidade, era um dia ter uma loja na rua Santa Rosa e hoje eu tenho, graças ao meu pai, ao meu pai e à família Silvio Silvestre que são os proprietários lá, as filhas dele, que infelizmente, também uma já morreu, entendeu, que acreditaram numa utopia… a minha própria família diz que era utopia, nós estamos lá até hoje, se daqui pra frente for utopia acontecer, é a situação periclitante que tá o nosso país, mas mesmo assim, é aquilo lá que eu te falei, aquela voz continua pra mim: “Não tenha medo, siga lutando, trabalha”, não adiante você rezar, rezar e rezar e depois ficar esperando só Deus te dar as coisas, você tem que ir para cima, entendeu? Você tem que ir para cima, porque senão, você não vai ter ajuda, não tem como.
P/1 – Agora, para muitos atacadistas, parece que o supermercado mudou bastante o jogo deles, né? Muitas pessoas sumiram por causa disso, não foi?
R – Olha, o problema foi o que um cara falou pra mim uma vez: “Pra você ganhar dinheiro, você tem que ter redes na mão”, as redes são os supermercados, né? Eu falei: “Rede pra mim é pra pescar”, agora, eu vi muitas pessoas se ferrarem, eu vi por questão de… lá da Zona Cerealista mesmo, é chato falar isso daí, é muito chato.
P/1 – Mas aconteceu, né?
R – Aconteceu, mas tem gente que fala assim: “Eu avisei ele”, avisou coisa nenhuma, tudo mentira. O cara que conseguiu se manter: “Eu avisei, avisei”, avisou nada, você queria que ele se ferrasse mesmo, porque é um a menos para concorrer com você. Esse é um dos pensamentos do Vicente La Pastina e era mesmo, era mesmo, entendeu? Por isso que uns dez, 15 anos antes dele morrer, eu não me dava mais com ele, que eu vi ele fazer isso daí, eu vi que ele tentou fazer comigo e com o meu pai, falei: “Agora, desculpa, você tá lidando com profissional aqui”, entendeu? Então, é triste, porque são pessoas que cresceram lá junto com você e lá na rua Santa Rosa mesmo, não tem. Tem os supermercados que investem lá, na realidade são três, mas é tudo a mesma família, que investe lá na rua Santa Rosa, entendeu? Se essa é a lavagem de dinheiro, eu não posso falar, porque eu não tô lá para ver, dizem que é, eu falo para os caras: “Então, faz o seguinte, já que você tá com essa inveja toda, vai lá e fala para ele”, e eu sigo trabalhando, eu me dou bem com eles, para mim não tem problema nenhum, não.
P/1 – Mas o pessoal que quebrou, você acha que quebrou por causa de quê?
R – Ué, por causa que os supermercados enfiam a faca até o cabo, né, te arrancam o couro e teve gente que acabou trazendo mercadorias justamente para vender no segmento que já não tinha mais, foi diminuindo, ficou só o supermercado, foi vender para o supermercado, não conseguia vender, por quê? Porque o outro fazia. Como é que o outro conseguia fazer e ele não? Simples. É só você pegar uma empresa e essa empresa abrir dez empresas em nome de laranjas…
PAUSA
R – O quê que acontece? É só você abrir dez empresas em nome de laranjas, aí você vai conseguir ver, porque você não paga imposto, você não paga exportador, fornecedor, mas aí você consegue vender para o supermercado, aí você pega os caras do supermercado, leva eles para passear, entendeu como que é? Fala: “Vamos passar o final de semana na Bahia, lá não ei em que resort?” “Vamos não sei onde… vou lavar vocês lá para o exterior”, não é só pessoal dos supermercados, tem outros, né, que levam também, aí é fácil, porque vão dar tombo, vão… isso daí tem em todos os segmentos. Como dizia um cara que eu detesto ele, detestava, que ele já morreu, tá, ele falou uma coisa certa: “Tudo isso é uma questão de cultura que o tempo há de corrigir”, chamou todo mundo de burro na classe, você entendeu como é que é? Ele falou isso dentro de uma reunião. Eu falei: “Espero que isso não seja pra mim, porque se for, você vai sair na porrada agora” “Você é um dos poucos que se salvam” “Você tá falando isso, por quê? Porque eu tô falando isso?” “Não, porque você fala na cara”, ele acertou na mosca. Então, isso também é uma questão de cultura que o tempo há de corrigir, mas quem vai corrigir isso? Quem? O cara que acabou de colocar lá o ministro lá, o Jucá, vai ter que tirar. Então não tem, tá todo mundo… o Brasil tá numa lameira só, você não consegue limpar. A hora que for limpar, vai aparecer muito supermercado, vai aparecer muito importadores. Se eu conheço eles ou não? não conheço, porque o segmento dos pais, quem deu o segmento só fez coisa errada e viu que dava para ganhar dinheiro fácil desse jeito, então estão ricos, estão milionários, tudo ganhado dinheiro fácil, só que tem uma coisa amigo, vai pagar. Uma hora vai pagar, porque uma hora, a vida cobra, o dinheiro não aceita desaforo. Uma hora, a vida cobra, morrer todos nós já sabemos que vai acontecer, é uma outra cobrança, é uma outra coisa, você entendeu? Então, para mim, o supermercado não fez muito… porque eu não fiz a opção de vender para o supermercado e isso que eu tô te contando são as histórias verídicas que eu escutei, inclusive de um cara que trabalhou dentro de um supermercado. E ele falou: “Uma vez eu escutei você falar um negócio pra um cara, negócio de supermercado, eu achei que você tava com inveja do cara que ele tinha três ou quatro redes na mão. Eu trabalhei lá dentro e hoje, você tinha razão. Desculpa ter te chamado de invejoso.”, se o cara não fala isso pra mim, nunca que eu ia saber que ele tinha pensado isso ou falado para alguém, eu ia continuar conversando com ele, normal, “Tá bom, te agradeço, muito obrigado”. Assim, eu tô tocando a minha vida dentro da Zona Cerealista, dentro da alimentação.
P/1 – Agora, queria que você comentasse um pouco como é que é a relação do pessoal da Santa Rosa com o pessoal que tá do outro lado do rio, que é da Paula Souza, como é que era isso aí? é uma coisa pouco dita ainda.
R – Da Paula Souza, ali, não tinha… o problema da Zona Cerealista é com o Mercadão, é isso que você tá querendo falar? Ou o pessoal da… porque a maioria dos importadores ali, todos eles se encontravam na Bolsa de Cereais para almoçar, porque tinha um restaurante muito bom lá naquela época, muitos não eram nem sócios da Bolsa, nada, mas eles eram do sindicato, então, se encontravam no sindicato e conversavam muito, tal. Agora, se cumpria o que estavam falando ali depois quando saiam? A gente sabe que não, muitos dele, não. Muitos deles iam lá, falavam, tal, dali a pouco, o primeiro a furar eram eles. Então, tinha… lá do outro lado tinha o Michel, sem ser aqui do lado de cá, tinha o Michel, tinha os ___02:42:22_____, tinha o Carvoeiro, tinha o F Monteiro, tinha a família lá também, esqueci o nome dele, aquele em frente o Mercadão, os turcos lá…
P/1 – O próprio Verissimo era de lá, também, não era?
R – O Verissimo também era de lá, eles tinham uma… o deles era na Antônio Paes, a planta, né, a gente costumava chamar de planta, a planta deles porque era prédio, era na esquina da rua Mauá, Antônio Paes com rua Mauá. A relação era normal, apunhalada pelas costas, isso ai tem em tudo quanto é segmento, mas não tinha tanta coisa assim, não. O pior eu já te falei quem era, não devia nunca ter ido lá, não devia nem ter nascido esses dois, entendeu?
P/1 – Era dali?
R – Era da rua Cantareira, eles estavam na rua Cantareira. Eu tive o desprazer de conhecer esses caras. Foi uma das coisas que na minha vida… e olha que eu tive muita gente contra mim, e eu contra outras pessoas, tudo, mas era uma coisa mais sadia, vamos dizer assim, tinha esse respeito. Como diz no Gladiador, não, no filme “Tróia”, os inimigos podem se respeitar, ali você não tem respeito nenhum com ninguém. É questão de cultura que o tempo pode corrigir? Não, é questão da vida corrigir. Se for embora hoje, não vão fazer falta nenhuma para o mundo, eu tô falando para o mundo, entendeu? Mas do outro pessoal que tá ali do outro lado, eu não tenho assim, negócio de rixa, isso daí, tinha inclusive muitas informações, eu tinha muita informação ali. Ali, tinha um pessoal que trabalhava com pimenta, que eu vendia muito pimenta em grãos de Belém do Pará pra cá, ali na rua Alvares de Azevedo, já era a Polignano A'Mare naquela época, tava na transformação, tinha o seu Sergio, que ele comprava cerveja, alho, então ele mandava pra lá e os caminhões dele eram caminhões próprios, quando voltava, trazia pimenta em grãos e eu vendi muita pimenta deles, seu Sergio era uma pessoa muito bondosa, tanto que um dos funcionários dele, o Teixeira que estudou junto comigo no Colégio Trinta de Outubro, nós temos amizade até hoje, ele tá lá até hoje. Os filhos dele também estão com loja lá, no começo da avenida Mercúrio, quase esquina com a rua Santa Rosa. E o seu Sergio tinha um pessoal do outro lado do rio que mexia também com pimenta e uma vez, eu fui lá falar com ele: “por quê que você não vende a pimenta do seu Sergio pra gente?”, falei: “Vocês querem comprar? Então, vou falar lá”, porque eles achavam que o seu Sergio tinha bronca deles. E não tinha nada disso, eu peguei o seu Sergio e nós fomos até lá conversar com ele, conversamos e eu vendi toda a pimenta pro homem, levantei uma nota legal, meu amigo, de comissão, que era tudo a vista o negócio. Sentaram, almoçaram com a gente ali, bateram um papo, tudo mais, então, eu não me lembro desse tipo de coisa, podia ter esse negócio de rixa, tudo mais, não me recordo, a não ser desses dois idiotas aí que eu te falei, porque aí já parte para bandidagem isso daí. Mas do resto, eu desconheço, se tiver alguém, eu desconheço.
P/1 – Agora, você se lembra do edifício Treme-Treme?
R – Orra se eu lembro!
P/1 – Como é que era?
R – Eu lembro, quando o meu pai tinha mercearia, que a gente vendia, que o pessoal ia comprar lá, eu ia fazer entrega lá, ia levar no lombo. Do lombo até lá, da rua Monsenhor Anacleto, eu chegava ali… ali era o começo… o final da Monsenhor Anacleto. Eu entrava na rua do Gasômetro, chegava, ali não tinha o viaduto, ainda, ali em cima tinha só a Assembleia, que depois era o DOI-CODI, né, passava ali, já tava no Treme-Treme e do lado, tinha o edifício Mercúrio que era mais baixo. A gente entregava ali mercadoria. Ali morava sabe o quê? Ali, morava puta, travesti, comerciantes, quem tinha comércio ali embaixo, cebola, batata, morava ali, tinha o pessoal que jogava futebol comigo também, que tinha bares ali, morava ali. Ali tinha de tudo, ali era tipo o Edifício Copam, do que Copam tem as ondas, né? E lá não, ele era reto. Inclusive, ele foi derrubado e eles tiveram que bater o pica-pau em todos os andares, porque não podia implodir, primeiro por causa da calha do rio, quando falaram que iam implodir aquilo lá, eu falei: “Vai dar problema na calha do rio, é capaz de afundar mais, ramificar, vai estourar tudo isso aqui”, inclusive a Zona Cerealista ia pegar. Todo o sistema de esgoto ia acabar com tudo aquilo lá, porque a água dói rio ia voltar tudo, ela não ia seguir a calha normal, ela ia entrar por baixo e também os vitrais do Mercadão, se explode aquilo lá, explode aqueles vitrais, como é que fica? Podia pôr a proteção que fosse, não ia dar certo. Uma implosão, quando cai, além da fumaça, voa pedra pra todo lado, pode colocar aquelas telas, como que é? Aquelas redes, o que for, voa. Então, eles resolveram num bom senso, resolveram fazer aquilo lá, só que tudo aquilo lá que fizeram, tirar, tal, que antigamente seria na picareta, né, e não no… tudo projeto de quem? Seu Paulo Maluf. E tem o projeto de abrir, cair toda aquela frente que tá em frente ao Senac ali, ali é Senai, né?
P/1 – Sesc.
R – Ali também é Sesc, né? Isso, do outro lado, não tem aquela ilha ali, que é da Zona Cerealista? Então, aquilo lá tem um projeto para cair tudo aquilo lá. Onde eu tô vai ficar de frente para a avenida que eles vão abrir ali, porque ali também represa a água, por isso que dá enchente ali também e as galerias estão arreadas, da Professor Eurípides de Paula, com a Assunção por causa dos caminhões, as galerias estão arreadas, então, tem que abrir tudo aquilo lá e trocar todas aquelas galerias, entendeu? Já tinha esse projeto do Maluf, mas também encamparam que era a época do Pita ia fazer.
P/1 – Então, vai demolir aquela parte da Santa Rosa?
R – Eu acredito que sim, o projeto tem, eu acredito que por causa de trânsito, tudo mais, e quer queira, quer não queira, tá atrapalhando aquilo lá. Aquilo tá atrapalhando, eu acredito que aquilo vem tudo para o chão, não sei se demora, cinco, dez, quinze anos. O Treme-Treme: “Não, não vai cair nunca, já falaram 20 vezes que vai cair”, caiu.
P/1 – Então, aquela calcada que tem a Casa Flora?
R – Casa Flora, Camanducaia, o Louro lá na frente, aquilo vai cair tudo, onde tá o Renato, pessoal do alho, ali, Benavides que é na esquina, aquilo, pra mim, vai cair tudo. Pode ser que eu não veja, mas você vai ver, tá?
P/1 – Mas como que você acha que vai ser o futuro da Zona Cerealista? O quê que você acha que vai acontecer?
R – Olha, já tentaram tirar a Zona Cerealista de lá várias vezes e não conseguiram. Eu acho que agora, com a feira da verdura lá, vocês foram visitar lá dentro, não foram?
P/1 – Sim.
R – Lá no Largo do Coco, ali? Que é o Larguinho do Pari, que eles chamam, tem ali os galpões, ali. Aquilo é uma distribuição excelente, aquilo lá. Aquela parte toda que tá caindo a ilha, eu acho que ali o comércio vai ficar muito forte, então vai ser difícil de tirar. Podem tirar? Podem, quem que pode tirar de lá? Os chineses? Podem. As fabricas do Matarazzo já estão nas mãos dos chineses, ali atrás, tá tudo vendido para chineses ali. Eles fazerem um projeto mais conhecido ali como um chinatown, fazer um bairro chinês? Podem. Eles têm dinheiro para fazer isso aí, eles foram embora do Brasil, 70% foi embora do Brasil por causa desse problema todo que deu aí, desses infelizes aí, 14 anos que acabaram com o país. Então, eles podem voltar agora. Eu acredito que eles voltem, eu acredito que os chineses comecem a voltar, vai demorar cinco anos? Eu acredito que até menos, acredito que entre três, quatro anos, eles estão de volta fortes aqui. E podem acontecer deles comprarem aquela parte onde eu tô, ali, e toda aquela parte de trás até lá embaixo no Matarazzo, pode. Eles derrubam tudo aquilo lá, fazem um bairro chinês, fazem o comércio que eles querem ali, não vão precisar ficar alugando mais nada, faz um centro de distribuição ali, por que não? São os únicos que podem modernizar o Brasil… a Zona Cerealista ali, que eu vejo, agora, só eles. Ha muitos anos atrás, teve um egípcio que tentou fazer isso aí…
P/1 – Sim.
R – Você escutou falar também disso daí?
P/1 – Uma torre…
R – Isso. Mas de repente ele começou a ver que quem tava junto com ele não ia dar certo. Eram bandidos que queriam o dinheiro dele e não a modernização e não eram políticos, eram comerciantes. Não me peça nomes que eu não dou de jeito nenhum, nem se me colocar no pau-de-arara eu falo (risos), uma que eles não estão mais aqui e outra que os filhos não vão acreditar, vão tentar me processar. Mas que é verdade, é! É que nem o cara falou: “Eu vi o pato botar um ovo” “Acho que você não viu, não” “Vi, sim” “Você pode ter visto a pata, agora, o pato, não”. Então, não fica falando aquilo que você não sabe.
P/1 – Mesmo com o Sesc ou outro projeto, você acha que não vai… talvez, os chineses tomem mesmo?
R – Não. É uma posição minha. Eu posso estar errado? Claro! Você não tenha dúvida que eu posso estar errado. Mas eu tô vendo uma posição minha. Outra coisa, você tá falando do Sesc lá, o Sesc lá fez o que até agora? Colocou uns brinquedinhos, colocou uns negócios, faz um evento no final de semana. O Sesc já deveria ter levado, começado a levantar um prédio lá. Mas não um prédio de dez, 15 andares, um negócio como tem em tudo quanto é bairro, entendeu? Mas por enquanto, eles estão investindo misso daí, porque nem eles estão acreditando por enquanto, nem o Sesc tá acreditando. Tem cada unidade do Sesc aí, maravilhosa! Senac é maravilhoso! Por quê que eles não estão investindo? O que aconteceu com uma área daquelas deixar daquele jeito? Iam fazer uma ponte passando para cai dentro do Mercadão, uma passarela. Tudo bem, agora, passarela que eu conheço famosa, só Marques de Sapucaí e o Anhembi, aqui, só isso. Agora, eu vou acreditar na hora que for feito. O dia que eu falei: “O Treme-treme vai cair em cinco anos, seis anos”, deram risada, eu falei: “Aguardem”, três e meio começaram… como é que você sabe disso, Paulada? Eu não sei, eu tenho informações e eu não conto quem é (risos). Igual o jornalista que não dá o nome do informante de jeito nenhum! O jornalista vai à morte, mas não informa, né? E tá certo ele, é ética. Questão de ética, mas eu não tô chutando, eu sabia por causa que eu tenho informações, se eu quisesse, eu tava milionário, o meu negócio não é ser milionário, o meu negócio é trabalhar, tomar meus vinhos, tudo mais, ter quem eu tenho do meu lado, que eu procurei muitos anos ter uma pessoa do meu lado forte, firme, só que eu não imaginei que era uma baixinha, bonitinha, português com espanhol, brava pra caramba (risos), mas tá junto comigo! Nem a minha ex-esposa que eu acreditei, de repente, quando eu vi, eu falei: “Puta que merda que eu fiz”, mas deixa pra lá, tudo se corrige. Questão de tempo… questão de cultura que o tempo há de corrigir, se corrige, então vamos corrigir, para não dar mais segmentos, porque quanto mais você da, mais merda sai, então… o quê que aconteceu? Meu negócio é esse, se amanhã ou depois, eu tiver que ficar milionário, loteria, negócios, ou eu aqui de casa, eu posso dizer que eu sou, dos irmãos, eu sou o único que tenho patrimônio, não que eles vão deixar, patrimônio que eu consegui, que é um terreno pequeno que eu tenho em Paranapanema e o prédio da Bolsa de Cereais de São Paulo que nós somos os donos, aquilo lá são dois milhões cada um, para cada corretor. Hoje não pega mais do que 500 ou 600 mil, por causa do momento que tá, então, não se vende, não faz nada, se alguém quiser dar um milhão e meio, já se pensa, agora, 500, 600 mil tá cheio de nego querendo dar aí, entendeu? Eu falei: “A minha parte eu não vendo”. Agora, eu tenho esse patrimônio, mas eu não posso tirar um tijolo de lá, vender o tijolo e pagar as minhas dividas, não dá, só que com tudo que aconteceu comigo, eu não perdi o meu terreno, eu não perdi minha vaga na Bolsa de Cereais de São Paulo, a única coisa que eu fiz foi que eu tinha dois carros, eu vendi e enfiei lá dentro, falei: “Daqui seis, sete meses, eu compro outro carro”, e eu tô indo para 14 anos sem carro, 14? Dois mil e três, final de 2003… treze anos, tô indo para 13 anos. Investi lá, porque eu comecei a ver que eu podia ir a pé daqui pra casa, pra lá e já ia fazendo exercício, como eu fazia academia naquela época também lá no Brás, eu saía de madrugada daqui correndo, chegava lá, fazia a minha academia, depois eu ia trabalhar, entendeu? Eu procurei me adaptar na situação e comecei a ver que se eu tivesse do jeito que aconteceram as coisas comigo, se eu tivesse no meio do trânsito, já tinha matado alguém ou alguém me matado, de tanta briga que a gente vê no meio do trânsito. Então, pra mim, até isso, Santa Rita, meu pai, minha mãe, meu irmão fizeram pra mim, tiraram o carro de mim no momento certo, para eu não aprontar no meio da rua alguma coisa, porque você não quer saber se acontece do seu lado, você quer devolver em quem tá te enchendo o saco ali perto, não adianta, isso é próprio do ser humano, isso aí.
P/1 – Mas você tem algum sonho para o seu futuro? Você tem algum plano para o seu futuro? O que você tá pensando agora?
R – Pensando agora em continuar do jeito que tá, o meu maior plano é ver o meu sobrinho bem. A minha companheira tem o lado dela, a família dela, os negócios dela e eu não me preocupo financeiramente com ela lá, entendeu, tanto que se tiver que fazer reunião de família lá para negócio de herança, alguma coisa, eu passo longe, nós não temos assim, essa convivência para esse tipo de coisa. Mas eu aceito a opinião dela para o meu, mas eu não me dou o direito de dar opinião no dela. Nesse ponto, ela sabe mais do que eu, então eu posso escutar ela, porque a crítica não é destrutiva, é construtiva. E quando eu falei que eu ia levar o Leandro para trabalhar comigo, ela falou: “Não é melhor você pensar bem?”, eu falei: “Não preciso pensar. Nesse ponto, eu te garanto que eu tô levando lá um pé de boi” “Então, vamos ver”, e hoje ela fala: “Eu nunca vi você acertar tanto numa pessoa como você acertou com…”, essas são as criticas construtivas, que a pessoa precisa quando ela tá caindo. Você tá vendo a mão dela, as unhas cheias de terra, porque ela tá descendo, ela tá tentando se segurar no morro que ela vem descendo, não passa vaselina no morro, tenta pegar, jogar uma corda, fazer alguma coisa, mesmo que a corda quebre, tenta ajudar. Se não pode ajudar, então não atrapalha, você entendeu? É esse o segmento. E o meu sobrinho fez isso comigo. Eu falei: “Você tá a fim?” “Tô” “Então, vem cá”, ele já tava comigo lá um tempo quando teve o problema, ele se afastou, tudo mais, até que eu peguei ele, até 2005, eu falei pra ele… ele tava desde 2002 lá comigo e ele se afastou porque ele quis, só que ele não pediu para dar baixa na carteira dele, nada. Não pediu nada. Ele teve um problema, se afastou, tá bom, não tem problema. Quando eu fiquei… que eu vi que… eu falei: “Espera ai”, mais uma vez, graças a Deus e a todos eles, falei: “Espera ai”, procurei, quero falar com ele, falei pra minha irmã: “Cadê ele?” “O quê que…?” “Eu quero falar com ele, não é com você, você comigo agora, é só na porrada”, eu falei para os outros meus dois irmãos: “Vocês comigo, agora, é só na porrada. Família não é isso que vocês estão fazendo”, aí consegui falar com ele, falei: “A situação é essa, pá, pá, pá… tem um processo na justiça que tá ganho pela gente, só que vai demorar mais um tempo”, que nós estamos batendo de frente com bancos, ganhamos, pegamos o dinheiro, eu falei pra ele: “Não te falei? Olha ai”, ele tem a filha dele, a mulher dele, não são casados, são aquela união estável, tudo mais, a menina é a cara dele, inclusive, tá ali atrás dele, a menina. Tá lá, é a loirinha, ali. Ele tá lá comigo e ele tem conversado comigo umas coisas que me chamam muito a atenção, de ver que ele tá pegando e a minha sobrinha Carolina até falou pra mim: “Você e o Leandro estão escritos em tudo, modo, jeito de fazer, como é que faz… estão fazendo tudo escritos”. Então, o meu futuro, eu penso no Leandro, porque eu vou continuar trabalhando, eu aposentando, ganhando dez salários mínimos ou um salário mínimo, eu vou continuar trabalhando, eu vou até onde as minhas pernas der, que nem aconteceu com ele, entendeu? Eu vou até onde minhas pernas der. Amanhã ou depois, eu tiver uma casinha no campo, eu vou para a minha casinha no campo, tem que ser minha, não pode ser alugada, nada disso. Já pensei em ter alguma coisa na praia? Já pensei, mas não quero. Eu acho que na praia, você fica no hotel ou você fica num apartamento por uns dias, só, entendeu? Mas fica num hotelzinho, você não vai ser na época de balada, tudo mais, eu também ficava em hotel na praia, eu me diverti muito em Santos, em balada. E vou falar pra você, você quer ir lá? Tem que ser um hotel que aceite a minha filha, que nem todos aceitam cachorros, né? Se não aceita, então, nós não vamos, que a cachorra, onde a gente vai, agora, vai junto. Agora não adianta que a Lilica vai que vai, tanto que eu já falei pra ela: “Se mexerem com você, eu não falo nada, se mexerem com a cachorra, eu mato”. A gente gosta muito de ir para hotel fazenda, sabe, esse negócio? Que ali, eles aceitam, nem todos, mas a maioria aceita animais e a gente chega lá, tem outros cachorros, brincam, tudo mais, tal. Então, eu não preciso pensar na Solange. Eu penso nela, claro, não tenha dúvida, mas nesse segmento, não. Eu penso no Leandro com relação ao futuro do Leandro. Agora, pra mim, pra mim agora é aquilo lá, vamos dizer, é a descendência, até descer definitivamente, jogarem cimento na sua cara e acabou (risos), é por aí o negócio.
P/1 – E o que você acha de ir atrás da história da Zona Cerealista? O quê que você acha desse trabalho?
R – Do trabalho de vocês?
P/1 – Não do nosso, de todo mundo que tá no projeto.
R – Que tá no meio? Acho excelente porque tem que ficar para alguém. Alguém tem que ver esse trabalho, quem sabe, tome gosto e não deixe a Zona Cerealista morrer, que não fique lá, que vá para algum outro lugar, mas que tenha esse segmento, porque uma coisa é certa, arroz e feijão, quem que vai parar de comer? Alho que vai no arroz e no feijão, cebola que vai no arroz e no feijão, que vai na carne, que traz o arroz e o feijão, tem que ter alguma distribuição. Vai ser direto do produtor, do agricultor? Eles não têm alicerce para isso, então tem sempre que ter uma distribuição. Eu acredito que a Zona Cerealista vai continuar, mas tem que começar a ter um pessoal mais jovem lá, eu já coloquei um pessoal jovem lá, já coloquei um jovem lá, o Leandro tá com 33 anos, mas ele tá comigo lá há 12, 13, então, ele já tem uma puta experiência e ele quer ficar lá. Mas eu acho que ele só fica lá se a gente conseguir comprar a propriedade, entendeu como é que é? Pra ficar pagando aluguel lá, uma hora, os proprietários mesmos vão querer vender, porque aquilo eram dos bisavós, passaram para os avós, pai, tá na mão delas agora, uma já morreu, não sei se sabe qual é o segmento da outra que pegou essa parte, mais ou menos, fica imaginando isso daí e a propriedade é deles, se eles falarem: “Você tem que sair”, eu saio, pra mim não tem problema, eu saio, só que eu gostaria que o Leandro ficasse lá. Agora se falar: “Nós vamos vender”, eles tem que pelo menos mandar uma carta para mim e eu tenho o dinheiro pra comprar, falo: “Pronto, Leandro, agora você tá mais tranquilo”, mas mais pelo Leandro, por mim, não, por mim, eu já tô naquela de ir com calma. Mas é o seguinte, se aparecer alguma coisa boa, eu vou para cima, eu não vou me furtar aquela palavra: “Continua trabalhando, não tenha medo, segue em frente”, eu digo assim, ali, além do Leandro, tem um outro ali que também tem vontade de seguir ali, mas tem que seguir, não piode só seguir para dizer: “Vou encher o rabo de dinheiro e acabou”, não é assim o negócio, o negócio não é assim, você tem que trabalhar, o dinheiro vem. De repente, você faz tudo de uma vez só, de repente, você fala: “Agora quero que se dane”, o se dane é você mesmo, eu já vi acontecer isso lá, há pouco tempo aconteceu, o pai dos meninos falou: “O dia que eu morrer, eles fecham isso dai”, o homem morreu, fechou. Tinha outro do mesmo segmento que pegou a clientela dele, que é varejo, que é a Cerealista Santa Filomena, não sei se vocês já viram lá, que tem gente pra caramba lá dentro, todo dia. Você chega lá oito da manhã, a fila vira do pessoal para entrar lá. Então, é isso. Eles pegaram o nicho da Cerealista Helena, que eram os fortes lá, mas os filhos não tiveram cabeça, um deles mora até lá, hoje, um cara que teve uma puta de uma casa, tinha barco, uns carrão, viajava, tal. Passou outro dia num carrinho, o outro irmão dele, outro dia também passou lá com um jalequinho, tudo mais, trabalhando sabe-se lá o que e o outro irmão mais novo dele, diz que virou pastor. Falei: “Com o tombo que ele deu, deve ter sido cachorro, né, pastor alemão”, mas não pode falar isso, porque é uma ofensa para o cachorro (risos). É isso aí. Espero que eu tenha conseguido mostrar mais ou menos para você. Você quer perguntar mais alguma coisa?
P/1 – Não.
R – Que é isso daí. Espero que eu tenha enriquecido, vamos dizer, o trabalho de vocês aí.
P/1 – Com certeza.
R – Eu só falei aquilo que eu sei, aquilo que eu não sei, inclusive, a crítica que eu fiz para um só, pai e filho, a crítica que eu fiz é verdadeira. Aquilo lá tem que ser… se jogar no lixo, o lixo sai correndo de lá de dentro pra não ficar junto com eles, entendeu? É verdade, é um lixo total aqueles dois, lá.
P/1 – Tá certo. Obrigado Paulo.
R – Nada, imagina, obrigado vocês pela oportunidade, aí.
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