P/1 – Gostaria que o senhor dissesse o seu nome completo.
R – José Nunes de Azevedo.
P//1 – O senhor nasceu quando, onde e em qual cidade?
R/ - Eu nasci na cidade de Lençóis, Bahia. Em quinze de abril de 1933.
P/1 – Nome dos pais?
R – José Florêncio de Azevedo e Avelina Nunes de ...Continuar leitura
P/1 – Gostaria que o senhor dissesse o seu nome completo.
R – José Nunes de Azevedo.
P//1 – O senhor nasceu quando, onde e em qual cidade?
R/ - Eu nasci na cidade de Lençóis, Bahia. Em quinze de abril de 1933.
P/1 – Nome dos pais?
R – José Florêncio de Azevedo e Avelina Nunes de Azevedo.
P/1 – O senhor disse que nasceu na Bahia e que faz tempo que está aqui, conta um pouco como foi a sua infância, as brincadeiras, como era o relacionamento e como era a sua época de menino?
R – Ah, criança, você sabe, criança brinca muito. Mas eu não tive muita brincadeira porque ia para o colégio, logo comecei a trabalhar... Com a idade de sete, oito anos eu já fui trabalhar no garimpo “mais” meu pai. Então, não tive muita infância.
P/1 – Teve que trabalhar bem cedo...
P/2 – Trabalhava onde?
R – Garimpo, garimpo de diamante, na lavra Diamantina.
P/1 – Olha, interessante isso... E como era o trabalho do garimpo?
R – Olha, o garimpo, você tira o cascalho, né? Naquele tempo... Hoje está mais fácil, que lava com peneira, mas naquele tempo era com bateia, aquelas coisas grandes pra você lavar pra poder tirar o cascalho, lavava, pra poder pegar o diamante.
P/1 – O senhor trabalhava menino de tudo no meio dos adultos...
R – Trabalhava, trabalhava... É, trabalhei sempre junto com meu pai, meu pai e meus irmãos.
P/1 – Todos eram garimpeiros?
R – Tudo era, tudo era.
P/1 – E dava pra tirar o sustento?
R – Claro, nós vivíamos sempre do diamante, porque o diamante sempre quando pegava dava, quando não pegava a gente plantava uma mandioca, um feijão... Sempre tinham as coisas da roça.
P/1 – A cidade vivia mais do garimpo, Lençóis?
R – É, mais do garimpo.
P/1 – O senhor trabalhou no garimpo até quando?
R – Trabalhei até 1954 quando eu vim parar aqui. Trabalhei no garimpo e fui sapateiro. Também aprendi, comecei a trabalhar de sapateiro e trabalhava no garimpo.
P/1 – O senhor aprendeu a profissão de sapateiro com quem?
R – Olha, eu aprendi com um compadre do meu pai. Ele chamava... Tratava-o por Honório, agora eu não sei o nome dele todo. Ele era sapateiro em Lençóis também.
P/1 – E o senhor chegou a trabalhar com ele?
R – Trabalhei com ele muito tempo, aprendi com ele.
P/1 – Como foi essa saída de Lençóis? Como o senhor decidiu vir pra cá...
R – Ah, eu naquele tempo... Eu via todo o mundo vir pra cá, e eu então resolvi vir dar um passeio. Ainda falei pra minha mãe e pro meu pai: “Ó, se eu não me der bem, eu volto.” Mas, graças a Deus eu cheguei aqui e me dei bem e fiquei aqui até hoje. Fui lá duas vezes, fui em 58 e 59, e não fui mais.
P/1- O senhor disse que todo o mundo estava vindo pra cá. Da cidade, da região, muitos conhecidos?
R – É, muitos conhecidos, parentes, tudo.
Eu vim até com uns parentes meus, uns tios, que vinham para cá.
P/1 – Todos vindo em busca de uma vida melhor?
R – É, uma vida melhor. Porque o problema de lá era o seguinte: a vida é muito boa, mas o difícil lá era o dinheiro, o cara não tinha como ganhar.
P/1 – E por essa época o garimpo ainda estava bem?
R – Estava bem, ainda estava bem. Quem tinha a sua frente de serviço ainda estava bem. Agora, quem não tinha, às vezes tinha que trabalhar pros outros.
P/1 – Certo, certo... E o senhor veio direto pra Santos?
R - Vim, vim. Passei em São Paulo na casa de uns parentes meus, fiquei uns dias lá, e depois foi em um domingo que eu cheguei aqui, no dia quinze de agosto de 1954. Vim à procura de um tio meu que tinha aqui que trabalhava na Tribuna, encontrei com ele e no fim encontrei com outra tia, e fiquei lá na minha tia. Gostei mais da minha tia, porque o meu tio era irmão do meu pai e minha tia era irmã da minha mãe. Então eu fiquei mais com a minha tia. Depois o meu tio morreu e eu fiquei com a minha tia. Então minha tia também morreu e mandei buscar minha mãe para cá, ela ficou aqui comigo. Depois eu mandei buscar o meu pai também, mas ele não gostou daqui porque tinha o costume de trabalhar no garimpo, aí ele foi pro Mato Grosso, eu já tinha dois irmãos trabalhando aqui que eu tinha arrumado trabalho pra eles, estavam trabalhando comigo aqui. Não quiseram ficar, esquentaram a cabeça por causa de meu pai que ia pro Mato Grosso, foram pro Mato Grosso. Aí, meu pai adoeceu lá e eu fiquei aqui com a minha mãe e minhas três irmãs. Aí meu pai adoeceu lá e eu peguei uma das minhas irmãs pra passar uns dias com ele, ela ficou lá um mês, ele melhorou e ela voltou de novo. E eu fiquei aqui. Depois minha mãe adoeceu... Aí minha mãe morreu e eles não me deram mais notícias. Depois tive notícia que meu pai tinha morrido, mandaram um telegrama que meu pai tinha morrido, mas daí pra cá nunca mais tive notícias dos meus irmãos... Não sei se é vivo ou se é morto. Eu fiquei com as minhas irmãs, e aí minhas irmãs casaram, eu fiquei sozinho. Depois ficamos eu e minha companheira, fui viver com ela. Então, minhas irmãs, eu tenho uma ainda viva que mora aqui no Itapema, uma morreu naquela barca, aquela barca grande da... Daquela que atravessa lá pro Itapema. Ela vinha de lá pra cá, ela vinha para o médico, veio com pressa. Foi pular, bateu com a cabeça e morreu. E a outra morreu vai fazer agora um ano no Dia das Mães. Vai fazer um ano.
P/1 – Agora vamos só tentar especificar um pouco cada um desses momentos. A começar da viagem de Lençóis pra cá. O senhor se lembra de como é que foi? Teve alguma emoção especial? O senhor sentiu que podia nunca mais voltar, ou...
R - Não, não senti não. Até eu chegar aqui, eu vinha com aquela saudade, pensando no costume de viver lá. Depois que eu cheguei aqui passei uns dois ou três meses encabulado, pensando em ir embora. Voltar de novo. Depois foi que eu me acostumei, aí decidi ficar.
P/1 – Aí o senhor disse também que tanto a mãe quanto o pai do senhor vieram pra cá. Isso foi quando?
R – Meu pai e minha mãe vieram para cá em 63. E meu pai ficou aqui pouco tempo, dois, três meses. E depois foi pro Mato Grosso. E minha mãe faleceu em... Sessenta e nove.
P/1 – Certo. E aí o seu pai vai pro Mato Grosso, com os irmãos, e não tem mais notícias... Ele foi pra lá trabalhar com garimpo.
R – Com garimpo, é.
P/1 – E o senhor continuou aqui...
R – É, eu tive lá... eu fui em Mato Grosso mais do que eu fui pra Bahia. Fui lá seis vezes, fui lá para rever ele. Sempre ia lá. E ainda trabalhei em garimpo, ainda peguei um diamante lá que deu pra minha passagem de lá pra cá, sabe? Naquela época.
P2 – Qual a satisfação de pegar um diamante?
R – Claro! É bom, claro que quem é acostumado a viver na... Assim mesmo, eu ainda... Tem hora que eu ainda penso em ir à Bahia ver se eu ainda acho (risos). Mas, pra ir hoje é mais difícil.
P/1 – Mas então, o senhor vem pra cá, se fixa em Santos e começa a trabalhar. O que o senhor faz aqui em Santos?
R – Eu fui trabalhar de sapateiro, mas não me lembro no nome da firma. Era ali na Rodrigues Alves, né? Quando eu estava trabalhando lá foi quando deu a notícia que Getúlio Vargas tinha morrido. Até nós não trabalhamos depois do almoço.
P/1 – Certo... Qual foi a sensação?
R – Ah, foi muito grande, a gente não esperava... Porque ele era um homem que, se hoje a gente tem alguma coisa a gente agradece ele. Porque os outros, vou te contar, não estão com nada.
P/1 – O senhor era menino, ainda...
R – É, eu ainda estava com... Vinte e um anos.
P/1 – E foi uma coisa marcante.
R – Foi, foi, foi.
P/1 – O senhor trabalhou por muito tempo de sapateiro?
R – Uns três, quatro meses, depois eu vim para aqui. Pro Santos.
P/1 – Veio de contratado direto pelo Santos, ou...
R – Não, vim por uma... Uma empreiteira, né? Eu estava precisando aí de... De auxiliar, aí vim trabalhar aqui, trabalhei um ano e pouco, né, eu trabalhei de 54 a 55.
P/2 – Nesse momento eles estão concluindo a construção do...
R – Eles estavam fazendo nessa época... Eles estavam acabando aquela boate ali de frente ao elevador. E terminando, hoje onde é o salão de mármore, eles estavam fazendo um cinema. Ali só tinha o esqueleto, naquela época.
P/1 – O estádio, em si, já estava pronto?
R – O estádio, sim.
P/1 – As arquibancadas...
R – Aquela parte de lá já estava toda pronta, a parte ali da Princesa Isabel, daquele lado. Agora, esse lado aqui da José de Alencar, D. Pedro aqui tudo era baixinha, né? Igual aquela da Portuguesa, baixinha, né, aqui embaixo tinha os carneiros, porque os carneiros é quem comiam a grama naquela época.
P/1 – Como é que é?
R – Os carneiros é quem comiam a grama, né? Quem cortava a grama, não tinha máquina pra cortar.
P/1 – Conta essa história.
R – Na hora do treino a gente os prendia, eles ficavam dentro do campo. Quando ia ter treino a gente prendia eles e eles ficavam lá debaixo da arquibancada. Que é aqui nessa parte onde nós estamos. Aqui era tudo baixinho, tudo baixinho, igual daquela da Portuguesa, era baixinha, é.
P/1 – E os carneiros comiam... Mas e o cocô que eles faziam?
R - Aquilo lá era esterco, pra grama.
P/1 – Olha só! E quando não tinha treino, nenhuma atividade no gramado, eles ficavam soltos...
R – É, eles ficavam lá dentro. Soltos, é. Quando ia ter treino então a gente ia lá, recolhia eles e “ponhava” eles por debaixo, tinha o chiqueiro deles aí debaixo.
P/1 – Esses carneiros aí eram do Clube mesmo?
R - Eram do Clube.
P/1 – Eram muitos?
R – Naquela época, parece que tinham uns dez carneiros.
P/1 – Eles tinham nomes?
R – Assim, não me lembro. Que também foi naquela época eu cheguei assim, não guardava... Mas acho que não tinham nomes não, eles não chamavam... A gente “ponhava” eles pra dentro aí...
P/2 – Era quase um time de futebol né? Dez...
P/1 – E o senhor disse também que nessa época, no estádio, o Santos estava construindo a boate e o cinema. Como era isso? Um estádio de futebol ter uma boate?
R - Pois é, tem que fazer pra associado.
P/1 – Ah, era uma atividade do Clube.
R – Do Clube, é... Do Clube, é.
P/1 – E com o cinema também?
R – Também, eu trabalhei muito tempo no cinema. Eu trabalhei de porteiro, de lanterninha... Trabalhava de dia no Santos e de noite no cinema do Santos.
P/1 – E o senhor se lembra de ter visto algum filme nesse cinema?
R – Ah, me lembro de muito filme bom! Mas assim, eu não vou guardar o nome porque... Vi muito filme bom. Naquele tempo passava muito filme bom.
P/1 – Era filme brasileiro?
R – Era filme brasileiro, internacional, tudo. Filme... Tinha filme bom naquela época.
P/1 – Algum ator que o senhor tenha...
R – Assim, não vou... Não guardei mesmo. Recordo-me de muita coisa, mas muitas esqueci, me passa assim pela lembrança, sabe...
P/1 – E o pessoal que frequentava esse cinema? Era só pra associado ou era aberto também?
R – Não, pra associado e para o público.
P/1 – E era uma frequência muito grande?
R - Era muito grande. Naquele tempo, que tinha o Ouro Verde, tinha o Avenida, tinha... Tinha o Marapé, naquela época...
P/2 – Era um cinema a mais na cidade?
R – É, é.
P/1 – Também por essa época, fins dos anos 40, começo dos anos 50, como era a sua relação com o time do Santos? O senhor já conhecia o Santos, já torcia por ele?
R – Não, eu... Eu nunca tinha ouvido falar no Santos quando eu vim da Bahia, não falava. Time que eu gostava na Bahia era o Bahia mesmo, né? Depois quando eu vim pra Santos, depois até o Bahia foi campeão daquele torneio lá e eu torci muito pro Bahia aqui. Porque o finado Lula ficou com muita bronca de mim, porque eu torci muito pro meu time lá da Bahia. Naquela época torci mesmo! (risos)
P/2- Contra o Santos?
R – É, contra o Santos. (risos) Torci pro meu time lá da minha cidade. (risos) Depois aí, foi que eu fui acostumando e hoje eu gosto muito do Santos, sabe? Naquele tempo que o Santos era Santos, como eu vi o Santos. Hoje, às vezes, eu fico assim pensando. Quem, ainda falei hoje num médico que eu fui, eu falei: “Olha, Dr. quem viu o Santos viu, quem não viu, não vê mais nunca. Não vê mesmo”.
P/1 – Então conta um pouquinho pra gente desse time do Santos.
R – Pô, naquele tempo, o Vasconcelos, muito jogador daquela época, o finado Roque Marciano, que morreu na Espanha, e tudo... E todo o jogador de hoje, que nem o Pelé quando veio parar aí, aqui eu conheci o Pelé, a turma toda. Eles podem me encontrar onde for que eles falam comigo, não é que nem esses de hoje. Às vezes eles passam por mim aí, não me dão nem bom dia. Eu também faço de conta que não os conheço. Mas esses de antigamente, eles podem me encontrar onde for, eles me abraçam, me cumprimentam. Agora esses de hoje, não tem condições.
P/1 – Com relação aos jogos dos Santos, você disse: “quem viu, viu, quem não viu nunca mais”... Como era assistir um jogo do Santos?
R - Dava gosto você ver o time. Teve uma vez aí que o Santos ganhou de onze a zero aqui do Botafogo, aqui na Vila, e eu andei muito com o Santos. Fui pra Ribeirão Preto, eu acompanhava sempre o Santos quando eles iam jogar lá, eu sempre ia na torcida, ia com eles.
P/2 – A torcida costumava acompanhar o time?
R – É, no tempo de Pelé sempre a torcida ia.
P/1 – E como eram essas viagens?
R – Eram viagens muito boas! Eu ia sempre no ônibus da torcida e eu fiquei com eles muito tempo. Uma vez quando o... Era no Torneio Início, fui eu que fui para o campo do Corinthians, fui eu que fui de roupeiro, né? Porque o roupeiro tinha viajado para o estrangeiro, ia fazer um jogo lá, e eu fiquei aí. Tinha o Torneio Início, então, com os outros que ficaram aqui, eu fui fazer o Torneio Início no campo do Corinthians.
P/1 – Em que ano isso?
R – Agora não me recordo, viu... Deve ser 57, 58 por aí.
P/2 – E como foi isso de trabalhar de roupeiro?
R – Trabalhei de roupeiro muito tempo, com o... É que eu não quis ficar de roupeiro. Sabe por quê? Eu sou muito nervoso, sabe? E pra tolerar aquela molecada você tem que ter muita paciência, sabe? E eu não tinha paciência. E eu fiquei com o China muito tempo. Sempre andava com ele, viajava com o Juvenil, com o Infantil, mas depois eu quis sair porque pra mim não dava. Não aguentava aquela molecada. Fiquei sem paciência. Não dava.
P/1 – Então, pelo que eu estou vendo, o senhor fez um pouco de tudo aqui no Santos.
R – Fiz. Quase. Fui ascensorista... Não me lembro do tempo, mas fui ascensorista, trabalhei de... Fui porteiro, trabalhei na portaria, fui encarregado do pessoal da limpeza, fui telefonista... É... E hoje eu sou encanador. Trabalhei de eletricista também, mas levei um choque aí tomei medo... E aí larguei.
P/2 – Um choque bravo? Foi aqui no Santos mesmo?
R – Lá na cabine de força. Aí eu tomei medo e nunca mais quis mexer com isso. Eu mexo, assim, mas... Não tem mais aquele...
P/1 – Faz tempo isso?
R – Faz, foi logo no... Faz muito tempo, foi logo no início, quando eu vim para aqui que eu comecei a aprender, né? Então faz muito tempo... Depois, aí, eu fui aprender a ser encanador, aprendi e fiquei.
P/2 – Ainda com relação ao futebol, você disse que acompanhava o time, mas... E jogar futebol?
R – (risos) Já joguei muito, mas me aconteceu que eu quebrei a perna ali no Campo do 15, ali, 15 de Novembro que tinha ali... Perto do Santista, tinha o Campo do 15 ali, e eu quebrei a perna naquele campo. Daí pra cá nunca mais eu joguei. Às vezes eu brincava, eu brinquei muitas vezes com o Coutinho, quando ele veio para aqui, nós fazíamos sempre uma pelada ao meio dia, na hora do almoço, a gente vinha pro campo e pegávamos os trabalhadores aí, junto com o Coutinho, sempre a gente fazia uma pelada aí.
P/1 – Aqui, no gramado.
R – No gramado. Hoje você pode procurar até o Coutinho que ele te fala. Que nós treinamos muito aí, na hora do almoço. Acabava de almoçar e... Dentro do gramado.
P/2 – Que posição que o senhor jogava?
R – Eu sempre joguei de... Naquela época a gente chamava de center half. Hoje é half esquerdo, half direito.
P/1 – Certo, no meio-campo, assim...
P/2 – E o senhor distribuía as bolas? Era o senhor que fazia o papel do Mengálvio, do Coutinho?
R – (risos) Mais ou menos. Naquele tempo joguei muito aí, mas... Depois... Depois, também tinha a Manhã Esportiva. Eu peguei um time aí, fui treinar a molecada, e ainda fui campeão na Manhã Esportiva. Foi no tempo... O presidente era José Vasco Faé, que ele me deu o diploma, né, de campeão. O nome do time era o nome do jogador. Cada jogador tinha um time. O meu time, que eu tomava conta, era Vicente. E o Vicente foi campeão. Eu tenho o diploma de campeão, da Manhã Esportiva.
P/1 – O time do senhor se chamava Vicente?
R – É, era pelo nome do jogador.
P/1 – Certo. Do jogador... Como assim?
R – Do jogador que tinha no Santos. No time principal, naquela época, do Santos.
P/1 – Esse Vicente jogava no time principal?
R – Acho que jogava na defesa. Eu não me lembro a posição dele, mas jogava na defesa.
P/2 – Aí também você disse que vinha bater bola com o Coutinho, quando o Coutinho chegou no Santos... Quando foi isso?
R – Logo que ele chegou aí. Agora o tempo eu não me lembro. Mas, logo que ele chegou aí, todo o dia, na hora do almoço, a gente ia...
P/1 – E ele ficava aqui, na Vila?
R – É, ele morava aí na Vila, né.
P/1 – Aí, na hora do almoço...
R – Já tava tudo certo pra ir pra pelada.
P/1 – E além do Coutinho mais alguém?
R – Não, só o Coutinho mesmo.
P/1 – Certo. No mais, como é que o coração do senhor foi se tornando alvinegro, quando é que o senhor percebeu que o senhor tinha virado um santista? Na comemoração de que título?
R – Logo em 55, quando o Santos foi campeão paulista.
P/1 – Por quê?
R – Porque, claro, porque fiquei animado! Ver o time ser campeão, né, tava com vinte anos que o Santos não era campeão, que você quer?
P/1 – Muita comemoração.
R – Claro.
P2- Que aconteceu? Fecharam o estádio...
R – Abriram o estádio e acenderam as luzes todinhas aí, pra recepcionar a torcida.
P/2 – Como é que foi essa comemoração do Campeonato de 55.
R – Foi uma comemoração muito bonita, porque tava com vinte anos que o Santos não era campeão, então todo o mundo esperando aquilo... Então foi muito bonito! E foi daí pra cá que eu comecei a gostar do Santos, eu sou um santista doente, hoje. (risos)
P/2 – Santista doente? O Santos é uma religião?
R – É. Porque eu posso dizer que eu vi o Santos, né? Eu vi o Santos, eu vi... Naquela época foi o campeão, ele foi, naquela época...
P/2 – Isso que eu ia perguntar, se em 1955 o senhor se tornou um santista, como é que foi nos anos 60? Se chegou de campeão paulista, chegou a ser campeão mundial?
R – Pois é. Aí é que...
P/1 – Qual é a emoção? Afinal de contas o senhor que trabalhava, que trabalha até hoje, de repente, o senhor se sente como parte dessa...
R – Me sinto, né, porque vou te contar, naquele tempo eu ainda bebia um pouco, né... Hoje eu não bebo, que eu parei. Mas eu bebia demais naquela época. (risos) Bebia demais... Bebia, fumava, ia pra gandaia, pra
aquela farra, com camisa do Santos, (risos) quando ganhava tava sempre na cidade, lá no meio da mulherada com a camisa do Santos, e depois foi que eu parei um pouco,
depois que eu arrumei uma companheira. Aí eu parei mais de...
P/1 – Como o senhor vê essa trajetória do Santos, de um time, o senhor chegou aqui, como o senhor falou, quando o time está se tornando um grande vencedor... E depois passou por uma fase meio baixa. Como o senhor vê todos esses períodos de altos e baixos?
R – Isso aí, eu vou te contar, é porque o futebol tem dessas coisas, né? Você pode ver que em todos times acontece isso. Às vezes estão lá em cima, depois cai, né. Tem aquela passagem, o futebol tem disso. Porque o futebol não tem lógica. Você vê que às vezes um time pequeno, você vê, como o Jabaquara aqui que bateu no Santos aqui, com o Pelé e tudo. Então o futebol tem dessas coisas.
P/2 – Quando você saiu pra agência, como é que foi isso?
R – Não me lembro o ano, mas o Jabaquara ganhou do Santos aqui com o Pelé, parece que foi quatro a dois, ganhou do Santos.
P/2 – Era o campeonato Paulista?
R – Campeonato Paulista.
P/2 – E isso teve alguma consequência? O Santos estava disputando o título, e perdeu por causa disso, ou era um jogo normal?
R – Era um jogo normal, mas perdeu, naquele tempo ainda jogava... Jogava o Pelé, jogava o Mangálvio, jogava esse time todinho, completo. E o Jabaquara goleou.
P/2 – Aliás, tem muitos desses tropeços entre Santos e Jabaquara.
R – Tem, tem. Isso aí sempre acontece. Às vezes o time fraco ganha do mais forte, né? Tropeço.
P/2 – O Jabaquara era uma pedrinha no sapato do Santos?
R – É, então... E nós jogávamos com o
Belão, nessa no Jabaquara, eu me lembro do Belão ainda. Era um jogador que jogava no Jabaquara, mas assim não me recordo muito dele.
P/2- E a Portuguesa Santista também aprontava das suas?
R – Não... A Portuguesa já era mais fácil. O Santos sempre ganhou da Portuguesa. Tanto lá como aqui.
P/2 – Saindo dos times de Santos, as rivalidades, assim, entre os times de São Paulo, por exemplo...
R – Acho que o pior deles, com mais rivalidade é o Corinthians. Porque com os outros todos, vai tudo bem... Mas quando chega Corinthians, já viu, o bicho pega.
P/1 – Como que é para um funcionário do Clube que, de certa maneira zela por isso aqui, ver o comportamento das torcidas?
R – Às vezes eu fico pensando, porque naquele tempo que o Santos era o Santos, Palmeiras, Palmeiras... Que nem Santos, São Paulo, Palmeiras, eram times todos bons. Não tinha essa torcida que tem hoje. Porque essa torcida não é torcida. Isso aí é uma cambada de baderneiro, porque eles só fazem baderna. Naquele tempo o Santos tinha torcida, mas a torcida só ficava ali quietinha, só torcia. Não tinha briga, não tinha esse problema, hoje até morte no campo você vê, então... Eu me sinto muito insatisfeito com isso, viu? Porque, quem viu aquela época e vê hoje dá uma tristeza, viu?
P/2 – Talvez fosse interessante se o senhor fizesse uma comparaçãozinha rápida entre o time daquela época, o senhor já falou muito disso, mas gostaria que falasse um pouco mais, e como era a relação pessoal mesmo do senhor com os jogadores daquela época, com os jogadores de hoje...
R – Não, naquele tempo a relação era muito melhor de que hoje, porque naquele tempo a gente convivia, né? Porque, às vezes, eles estavam na concentração, às vezes a gente estava sempre com eles ali, e esses de hoje não. Os de hoje parece que tem o rei na barriga, não dão muita confiança pra gente. Eu não ligo não, sabe? Eu sou muito...
P/2 – Eram mais humildes.
R – Eram mais humildes, é. E eles tinham mais amor, jogavam mais por amor à camisa. Hoje não... Eles jogam mais pelo amor ao dinheiro.
P/2 – Os jogadores chegavam a comentar isso com o senhor, naquela época? Eu digo, como o senhor é um grande santista, eles também, eles diziam isso?
R – Ah, tinha muito que... É, diziam que tinham amor pelo Santos.
P/2 – Vamos virar a fita aqui.
P/1 – Eu queria que... Nem sei se o senhor teve relação com os jogadores, eu acredito até que os jogadores talvez sejam mais próximos que os dirigentes, mas, e os dirigentes? Os grandes dirigentes, o Athiê... Como ele era?
R – Pra mim ele foi um homem muito bom. Foi muito bom pra mim, não posso falar dele. Os de hoje que são assim, não dão muita confiança, não dão nem bom dia pra gente... Mas os de antigamente, eles conversavam com a gente, o Faé, Athiê, aquele pessoal de antigamente era muito diferente dos de hoje.
P/1 – Desde os jogadores?
R – Desde os jogadores até a presidência. Todos eles eram... Sempre conversavam com a gente, Nilo Teixeira, tudo, sempre cumprimentaram a gente, não tem orgulho... Mas tem muitos aí que não dão nem bom dia pra gente. Não vou citar nome porque não...
P/2 – Sim, sim, tudo bem. E... Nem sei, deixe-me ver aqui como que eu posso fazer uma pergunta. Alguma passagem, alguma coisa curiosa, alguma coisa que mereça, não só quanto à relação, mas alguma história anedótica, que o senhor conheça... Algum episódio curioso, de algum antigo dirigente, do Athiê, ou... Porque o Athiê foi o eterno presidente dos Santos, ficou 26 anos. O senhor chegou, ele já estava na presidência, só foi sair em 71, todo aquele período áureo dos Santos... Tem alguma historinha do Athiê?
R – Não, não... Não tem mesmo porque ele foi um homem muito bom pra todos nós, que éramos empregados naquela época, não teve... Ele era muito bom, sempre atencioso com a gente, mesmo quando a minha mãe morreu ele foi muito bom pra mim, sabe? Então, não tenho o que falar de uma pessoa dessas. Só tenho que agradecer muito a ele, porque o que ele fez por mim... Isso aí eu devo.
P/2 - Mas ele ajudou o senhor de que maneira?
R – Porque naquela época, quando a minha mãe morreu, eu... Ela não estava muito boa e eu tinha a campa da minha irmã, depois, quando eu fui mandar abrir a campa da minha irmã, não... A campa da minha prima. E ele mandou abrir uma campa pra mim, mas eu já tinha mandado abrir a campa da minha prima. Eu agradeci a ele pela boa vontade que ele teve, mas se eu não tivesse mandado abrir a da minha prima ele tinha me dado uma. Então eu tenho que agradecer muito, porque o homem a gente tem que ver a pessoa é na doença, não é na saúde não... Na saúde...
P/1 – Na saúde, está tudo jóia...
R – Agora na doença que eu quero ver o amigo.
P/1 - E essa atitude atenciosa do Athiê era comum?
R – Comum com todos os funcionários... Todos os funcionários.
P/1 – Pelas entrevistas que temos feito, todo mundo menciona uma relação como se fosse uma grande família no Santos Futebol Clube, desde os jogadores, funcionários de administração... Isso é verdade?
R – É, é... É verdade. Naquela época, vou te contar, era uma família. Hoje não, hoje já está mais... Meio bagunçado, mas naquela época era uma família, ninguém tinha orgulho de ninguém. Hoje, não. Hoje tem muito... Tem muito nego aí que tem muito orgulho.
P/2 – Bom... E acabando essa fase áurea do Santos, o senhor se recorda aqui de alguma partida ou jogo que tenha um gol, ou vários, que tenham ficado na memória? A gente já viu que o senhor é bom de data, bom de lembrança.
R – É, mas às vezes a gente passa assim pela cabeça, tem hora que dá um branco que a gente não lembra. (risos)
P/1 – O senhor falou do Coutinho, que batia bola com o senhor aí ao meio dia? Tem alguma passagem do Coutinho que...
R – Tem, pô. Naquela época dava gosto você ver Coutinho e Pelé jogar, cara, parecia uma máquina de fazer gol. Então, tem muito gol daquela época que até hoje a gente tem saudade. Que hoje a gente não vê... Às vezes o time entrava no campo perdendo, depois ganhava o jogo. Hoje a gente não vê isso.
P/1 – E como é que foi uma vivência tão próxima e tão forte como essa? Dos anos 60, como foi ver o momento da despedida do Pelé?
R – Ah, muita tristeza, né? Porque a gente estava ali tudo acostumado com ele,
aí depois... Depois, de uma hora pra outra ele despedir... A gente ficou muito triste, mas o que é... Isso é da vida, então tem que se conformar. Mesmo assim a gente está sempre vendo ele aí, sempre ele está aí. Não tem orgulho com a gente, sempre conversa com a gente, mas tem muitos que não deixa lembrança, viu. (risos).
P/2 – E sai o Pelé... O senhor assistiu ao último jogo do Pelé?
R – Assisti.
P/2 – O senhor foi ao estádio ou assistiu pela televisão?
R – Assisti pela televisão, em casa. Estava com a patroa.
P/2 - O senhor chegou a chorar? Ficou emocionado?
R – Não, não. Quando ele se despediu aqui do Santos, aqui no Santos, eu estava aqui. Nessa despedida eu estava aqui. Agora, quando ele despediu lá fora, na Seleção, eu estava em casa.
P/2 – Aqui foi contra a Ponte Preta.
R – Foi. Esse jogo eu vi ele se despedir.
P/2 – Como é que foi?
Ele teve algum gesto? O que ele fez?
R – Ele se ajoelhou no meio do campo e despediu, né? De todo mundo aí.
P/2 – E a reação da torcida?
R – Ah, foi muito grande... O estádio ia abaixo.
P/2 – As reações, as mais diferentes...
R – Mais diferentes, é claro... Essa despedida eu vi, agora do Brasil eu vi pela TV.
P/2 – Aí o Pelé sai em 1974, tinha ganhado em 73, né? Como é que é até 78 sem título? Como que é essa nova fase do Santos sem o Pelé?
R – Eu vou te contar. Depois, de 84 pra cá, vou te contar, o Santos tem passado um apuro. Não consegue tirar um título, cada direção que vem é diferente, e com isso o time está aí e não consegue ser campeão. E não vai ser agora que ele vai ser campeão, vai demorar muito ainda.
P/2 – O senhor acha? Por quê?
R – Acho. Porque sim. Porque todo o mundo arruma o time. E o Santos não arruma.
P/2 – O senhor acha que o Santos não arruma por quê?
R – Devido à falta de dinheiro. O Santos tem que abrir uma empresa, que nem o... Pra ver se consegue alguma coisa. Porque se ficar aí, você vê o Palmeiras. O Palmeiras tem lá quantos jogadores bons? Porque é empresa.
P/2 – E essa falta de títulos, esse período difícil do Santos se reflete de alguma maneira no trabalho dos funcionários? Tem uma cobrança maior?
R – Não, graças a Deus vai tudo bem. Não tem cobrança nenhuma. E também, graças a Deus eles estão pagando a gente direitinho, não tem atraso, não tem nada, e gente tem que ficar conformado com isso. Porque nesse ponto a gente tem que agradecer muito a eles, porque mesmo com a situação do futebol, que está meio decadente, mas a
gente está... Está dando pra gente ir levando devagar.
P/2 – Bom, a gente gostaria de perguntar ao senhor agora uma questão que fazemos sempre, pra todo mundo. A gente já explicou o porquê da entrevista, pro Museu do Santos, e
qual a
sensação que o senhor
experimentou com essa entrevista e de poder estar dando uma colaboração pra memória, pra história dessa clube?
R – Ah, isso aí é um prazer muito grande! Porque amanhã, ou depois, alguém
pode lembrar de mim também. Isso é uma lembrança, uma recordação, um presente do Santos. Amanhã ou depois.
P/2 – Então está ok. Obrigado, a gente agradece demais...
R – Eu que digo! Desculpem-me alguma coisa, é que às vezes a gente não está preparado, a gente tem que levar conforme pode...
P/2 – Não tem o que desculpar. Ao contrário, a gente agradece...
R – Eu que agradeço a vocês, por ter perdido esse tempo aí...
P/1 – Foi ótimo, foi ótimo... Obrigado.
R – Obrigado vocês.Recolher