P/1 – Egberto, você pode falar seu nome completo?
R – Posso (risos). Meu nome é Egberto Márcio Nogueira de Medeiros e Silva.
P/1 – Você nasceu onde e quando?
R – Nasci em Santos, 27 de abril de 1966.
P/1 – Seus pais são de Santos?
R – Não, meus pais não são de Santos. Meus pais são do interior de São Paulo.
P/1 – Seu pai e sua mãe.
R – Meu pai e minha mãe. Eles são daquela região de São José do Rio Preto. Na verdade, eles são daquela área de São José do Rio Preto e naquela época era meio desmembrado, tal, então meu pai, na verdade, é de Onda Verde, que é uma cidade pequenininha, até hoje é pequenininha, e minha mãe é de Nova Granada, que são cidades bem próximas de São José do Rio Preto.
P/1 – Como que é o nome da sua mãe?
R – O nome da minha mãe é Arminda Nogueira de Medeiros e Silva e do meu pai é José Dimas de Aguiar de Medeiros e Silva. Meu avô, pai do meu pai, Manuel Jorge de Medeiros, era político, ele foi prefeito de São José do Rio Preto, foi prefeito de Nova Granada, talvez daí que vem esse meu...
P/1 – O pai do seu pai?
R – O pai do meu pai. Talvez daí que venha esse meu interesse por política, que é uma coisa que sempre esteve presente na minha vida. Meu avô era fazendeiro. Acho importante falar dele porque eu sempre considero essa coisa da linhagem, de onde a gente vem. Tem gente que não sabe muito bem, mas é uma coisa que foi preservada na minha família, meu pai sempre faz questão de falar, contar. Então essa minha ascendência mais provável, aquela que é mais conhecida é exatamente essa que foi mais conversada, que é da linhagem do meu pai que é portuguesa.
P/1 – O seu bisavô era português ou era brasileiro também?
R – Meu bisavô, se não me engano, veio da Ilha da Madeira, era daqueles portugueses açorianos, parece. Eles vieram da Ilha da Madeira, estabeleceram-se no Brasil, tal e era do tempo ainda do gado, do vaqueiro, daquela coisa. Aquela região tem muita pecuária e meu avô tinha fazendas, ainda levava manadas de boi de São Paulo pra Mato Grosso, com cavalo. Então, meu pai foi meio que criado nesse ambiente de fazenda, de boi, de vaca, pecuária, agricultura. Uma criação bem conservadora até, nesse sentido ele preserva isso pra caramba, meu pai é um cara bem conservador, no sentido do estilo. Mas ele simplesmente ama toda essa história, ele valoriza, tal. Eu me lembro de ter dado um retrato que eu tinha conseguido do meu avô pra ele no Natal. Como eu trabalho com fotografia eu reproduzi esse retrato e tratei; ele estava todo machucado, todo acabado restaurei. Restaurei no Photoshop, digitalizei, fiz um print dessa foto do meu avô e dei de presente para ele no Natal, emoldurada assim. Até tenho uma foto disso. A hora que ele abriu aquilo, ele começou a chorar e tal, ficava olhando. Acabou o Natal, ninguém conseguia mais falar com ele, ficou ele e o quadro, assim, um transe, óóóó, olhando aquilo durante horas. Eu falo isso pelo que eu sei. Ele fala, as histórias do meu pai até hoje são as histórias do meu avô, ele conta: “Meu pai falava não sei o quê” “Como já diria seu avô”.
P/1 – O que ele fala? Quais máximas, você lembra alguma?
R – Tem várias histórias. Ele conta do tempo de prefeito, que meu avô era um cara durão, um cara firmeza, que não dava moleza. Ele foi se encontrar, se não me engano, com um interventor na época, acho que era o Adhemar de Barros, deve ser. Deve ser na ditadura de Getúlio, pela época, tal. Foi encontrar com o governador de São Paulo, que era o interventor, ele prefeito de São José do Rio Preto. Ele ficou na dele, todo mundo pedindo isso, prefeito de não sei o quê, o prefeito de Olímpia queria não sei o que lá, o prefeito de Araraquara queria não sei o que lá. E ele quieto, tal, chegou a vez dele, meio por último, que espertamente ele fez isso, ficar por último, até para ficar mais claro para o governador, ficar mais firme na memória porque tinha umas 50 pessoas pedindo recursos, 50 prefeitos. Ele falou: “A gente precisa de recursos para construir aqui, fazer um posto de saúde, que a gente está meio sem dinheiro, o nosso orçamento não está cobrindo”. E aí o governador falou: “Mas o seu orçamento não está cobrindo, mas você não tinha previsto?”. Aí ele foi meio grosseirão com o governador e falou: “Olha, é o seguinte, se eu não estivesse precisando eu não estaria aqui pedindo”, deu aquela mega dura. Outra coisa que ele conta também é que as pessoas reclamavam do imposto, ele falava: “Imposto já tem esse nome por isso mesmo, porque é imposto, entendeu? Então tem que pagar sem reclamar, por isso que chama imposto. Se não tivesse que pagar, não seria imposto”. Era assim, ele conta essas histórias, tal, e dá risada ho ho ho. Ele tem uma memória muito forte do pai. E da minha avó também.
P/1 – Isso que eu ia perguntar, e a esposa dele.
R – A minha avó por parte de pai, chamava Benedita. E era uma mulher dura também. Católica aos extremos. Eles moravam em uma mega casa lá em São José do Rio Preto, se não me engano, no bairro Alto da Boa Vista. E eu lembro que era muito estranho na casa dela, eu estranho, mas era legal ao mesmo tempo, no fundo da casa tinha um quintal grande, a casa quase que atravessava a rua assim, não sei se era porque eu era pequeno, quando você é pequeno tudo parece grande. Mas era uma coisa ampla. E tinha jabuticabeira, mangueira. Era uma festa, ela tinha umas tartarugas enormes. Ela era muito católica e no quarto dela tinha 300 santos, imagens de santos. Ela tinha uma mesa gigantesca assim, onde tinha todos os santos católicos possíveis e imagináveis, todas as Nossas Senhoras possíveis e imagináveis. E para uma criança aquilo era meio, de certa maneira assustador, porque sempre tinha uma vela, alguma coisa, então, você entrava no quarto dela ficava assim um uóóó’, ficava aquela coisa. Era uma casa, me parece que tinha partes de madeira, eu tenho essa lembrança. Então ir na casa da minha avó era uma experiência única.
P/1 – Onde que era mesmo?
R – São José do Rio Preto, já na cidade. Inclusive as terras que o meu avô tem, uma parte dessas terras ainda estão com um certo litígio e tal. A cidade foi crescendo, São José do Rio Preto foi crescendo, hoje é uma cidade enorme, uma das maiores do Estado. E as terras foram compradas para fazer um aeroporto, então, o aeroporto de São José do Rio Preto é nas terras do meu avô. Essa casa já é meio parte dessa grande fazenda que foi acabando com as heranças etc, mas era uma casa enorme, aquela coisa meio suntuosa. E a minha avó era uma pessoa mais seca, mais durona, mas de grande caráter. Uma figura mesmo, uma das coisas que eu me lembro era o feijão dela. O feijão dela era a coisa mais gostosa do mundo, acho que nunca comi feijão tão gostoso. Depois eu fui até descobrir os porquês, porque ela fazia ainda com banha, então fica bom, né? (risos) Aquela coisa de ter aquela gordura, aquela coisa deliciosa. E os almoços. Mas são duas famílias diferentes, a do meu pai e a da minha mãe são completamente diversas.
P/1 – E seus avós maternos?
R – Então, o meu avô materno eu não conheci. Segundo me consta ele morreu quando minha mãe tinha quatro anos de idade, acho que nem ela conheceu muito bem. E minha mãe vem de uma família mais simples, mais pobre. Não pobre, paupérrima, mas simples. E até hoje lá na entrada de Nova Granada tem a casinha onde a minha mãe nasceu, tal. Por parte da minha mãe são oito irmãos, talvez essa situação do pai morrer cedo trouxe a essa família uma união maior, então a família da minha mãe, digamos assim, esses irmãos e mais a minha avó, a minha avó era Iracema, era uma família mais coesa, uma família que se gostava mais, se amava mais, tinha mais intimidade entre eles; tanto é que as festas na casa do meu tio Wilson, que faleceu há uns quatro anos...
P/1 – Tio Wilson, irmão da sua mãe?
R – Irmão da minha mãe, era um dos irmãos mais velhos. Era uma família, os natais lá naquele fundo de quintal, meu tio Wilson fazia aqueles cupins, embrulhados, que levavam o dia inteiro assando. E churrascos e não sei o quê. Festivo mesmo. Lá que eu ouvia Benito de Paula (cantando): “E meu amigo”, todo mundo sabe, era um carnaval. Então a família da minha mãe era mais festiva, mais animada, mais coesa, se amavam; não digam se amavam, mas tinham mais, porque amor tem várias maneiras de se tê-lo, mas eles tinham essa proximidade maior. A família do meu pai já era um pouco mais fria, também a gente se encontrava, os irmãos, minha tia Maria. Da família do meu pai a mais próxima era a irmã Maria, basicamente era essa irmã que ele tinha mais proximidade. Aí tinha o meu tio Expedito, que morava no Rio, também faleceu; tem a minha tia Terezinha, que agora está nos Estados Unidos, essa é viva, que de certa maneira é meio ovelha negra na família do meu pai. Dizem até que eu e ela temos uma certa identidade (risos). Quando querem falar: “Pô, você é meio revoltado, porque você parece sua tia Terezinha” (risos). Sempre tem um na família que é um pouco mais desajustado, né?
P/1 – Mas sua mãe foi criada como? Porque o seu avô morreu...
R – O meu avô morreu, então, como é que foi? Quem assumiu quando meu avô por parte de mãe morreu foi o meu tio Valter, que era o mais velho, se ele fosse vivo agora teria 90 e poucos anos. Ele era o mais velho e virou o pai de todos, isso pra ele foi mais custoso, então, é gente de roça mesmo, ele trabalhava na roça. Minha mãe conta essa história, que ela levava marmita pra ele, acho que ele era roceiro, trabalhava em roça, na agricultura. Meu tio Wilson também. Essa família batalhou total. Aos poucos todo mundo foi se dando bem, trabalhando, conseguindo outras coisas. Esse meu tio Valter virou ferroviário; meu tio Wilson trabalhava com frigorífico, era vendedor, Frigorífico Swift, viajando pelas cidades; meu tio Vadinho virou bancário, mora em Brasília atualmente. Minha tia Vanda casou, foi dona de bar em Nova Granada. Inclusive é até engraçado, eu tenho uma coisa assim com trabalho, porque tem gente que não gosta de trabalhar, mas eu trabalhei a vida inteira. Então, as minhas primeiras experiências com trabalho foram no bar dessa minha tia (risos). Ela tinha um bar na rodoviária de Nova Granada, minha tia Vanda, casada com meu tio Osvaldo. Os dois são magníficos, gente finíssima.
P/1 – Mas você ia pra lá quando você passava férias?
R – Eu ia pra lá quando passava férias. Eu tinha, sei lá, oito anos de idade, as lembranças que eu consigo ter são essas dessa idade, sete, oito, nove anos de idade. E eu gostava de ir lá trabalhar. Eles abriam o bar às quatro horas da manhã, porque era um bar de rodoviária, rodoviária de cidade pequena, então, todo mundo descia do ônibus e ia lá tomar café, tomar um guaraná, comer um pedaço de bolo, tal. Coxinha, aquelas coxinhas magníficas que a minha tia Vanda faz até hoje, ela fez isso pra vender, ganhar dinheiro. Enfim, essa coisa do trabalho na família da minha mãe, todo mundo encarou. Acho que foi até por causa da morte do meu avô, uma morte precoce. E foi assim, eles trabalhavam muito. Mas eu ia para esse bar, ficava com eles lá, trabalhando. Ia às cinco da manhã pro bar, todo mundo ficava: “Pô, mas você quer vir aqui?” “Quero. Eu estou trabalhando”, abria um guaraná pra um, fazia não sei o quê, desde pequeno. E era uma festa, essa cidade de Nova Granada é onde concentra, de certa maneira, talvez pelo próprio carisma da tia Vanda e outras pessoas, porque a irmã da minha avó, tia Lenca, também está lá até hoje, está viva. Minha avó morreu, mas a família meio que transitava, Nova Granada é um lugar que a gente ia muito pra visitar, ficar, passar férias. E é uma cidade pequena, bem pequena, nessa época devia ter 40 mil habitantes. Mas era bacana, aquela cidade com pracinha, foi ali que, sei lá, eu fiz os meus primeiros namoros, eu ia pra praça, ficavam as minhas primeiras paixões.
P/1 – Deixa eu voltar um pouquinho, você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Sei, claro que eu sei. A história do meu pai e da minha mãe foi a seguinte. Meu pai estava meio se encontrando na vida. Apesar dele ser filho de fazendeiro, isso nunca se reverteu pra ele financeiramente, ele nunca teve grana, nunca. Fora ele não ter grana ele tem uma boa educação, isso é inegável, ele esteve em boas escolas, estudou em bons colégios particulares, tal, mas isso não é que a vida dele estava garantida. Então ele estava procurando meio o que fazer, tal. Ele cogitou até ir pra Legião Estrangeira, sabe aquela Legião Estrangeira? Ser militar da Legião Estrangeira. Foi quando meu tio Expedito falou: “Olha meu, não vai rolar. Não faça isso, é uma loucura aquilo lá”, demoveu ele da ideia. Aí ele prestou um concurso na Petrobras e ele conseguiu um emprego na Petrobras.
P/1 – Concurso para o quê?
R – A Petrobras sempre foi uma empresa estatal e você entra nela através de concurso. Eu acho que foi pra área de Segurança, não era nem a área dele, na realidade, não era nem a área que ele estudou, porque ele estudou Economia.
P/1 – Ele fez faculdade?
R – Fez faculdade, se formou em Economia.
P/1 – Onde que ele estudou?
R – Ele estudou em Santos.
P/1 – Ah, então ele já tinha mudado pra Santos? Isso é antes ou depois da sua mãe.
R – Isso já é depois da minha mãe.
P/1 – Então vamos voltar antes, como ele conheceu sua mãe?
R – Ele conheceu minha mãe em São José do Rio Preto. Ele tinha um amigo em São José do Rio Preto que era casado com uma tia minha, se não me engano o Venâncio que era casado com a tia Cidinha. A minha mãe estava na casa de outra tia minha que chama Vandira, outra batalhadora, sensacional, trabalhou a vida toda. Todo mundo nessa família é incrível, todos se deram bem, ralando. A minha mãe estava na casa da tia Vandira se arrumando, alguma coisa, estava lá. E ele foi com esse amigo dele, que era casado com uma irmã da minha mãe, casado com a Vandira, exatamente. Aí, chegou lá e viu. A minha mãe era uma menina. As fotos da minha mãe, todo mundo que vê fala: “Pô, como você era bonita”. Imagino que acho que ele se emocionou, não sei o que ele pensava na época, mas ele cresceu o olho. E chamou ela pra ir a um casamento. Falou: “Olha, vai ter um casamento, quer ir comigo?”, e foi assim que eles começaram a namorar.
P/1 – Mas ele estava fazendo o quê em São José do Rio Preto, naquela época?
R – Ali era a casa dele, a família da mãe dele, tal. Não sei se ele estava exatamente morando, ou se ele estava indo lá pra passar uns dias, porque eu acho que ele já estava meio passeando, talvez querendo fazer a vida no Rio de Janeiro, ele estava se encontrando, procurando se achar. Aí conheceu a minha mãe. Quando ele passou nesse concurso da Petrobras ambos foram pra Santos, né?
P/1 – Eles casaram...
R – Casaram. Acho que aí eles namoraram, tal, não conheço a história em detalhes.
P/1 – Mas o cargo dele era em Santos.
R – Era em Santos. Porque a Petrobras é em Cubatão, Refinaria Presidente Bernardes é em Cubatão, e eles foram morar em Santos. A princípio, minha mãe até fala, ela não sabia nem fazer nada direito, não sabia ser esposa, fazer aqueles cuidados de comida, por exemplo. Ela aprendeu muito com a vizinha, eles moravam em um apartamento em Santos e ela aprendeu com a vizinha, a dona Isaura.
P/1 – Que lugar de Santos?
R – Se não me engano era no Macuco. Era na Afonso Pena, não é bem Macuco. Não é na praia, é mais pra dentro, e eles tinham um apartamentozinho, pequeno, era começo de vida, meu pai tinha acabado de arrumar esse emprego e ele estudava ao mesmo tempo; na realidade ele estava estudando Economia junto com ela, não é que ele se formou e casou, acho que eles casaram meio sem garantia nenhuma, foram pra Santos por conta dessa possibilidade. Santos aconteceu na vida dos meus pais, eu não sei exatamente a cronologia, mas aconteceu por conta dessa situação de ter arrumado um bom emprego, porque todo mundo sabe, até hoje se batalha para entrar no Banco do Brasil, na Petrobras, porque o emprego estatal é garantia de estabilidade, uma segurança e tal. A hora que ele conseguiu esse emprego eles se estabeleceram lá. Aí ficaram amigos de um casal que era vizinho, o seu Guiné e a dona Isaura. E a dona Isaura, a minha mãe ama a dona Isaura, meu pai adorava seu Guiné. Seu Guiné era marinheiro, por isso que eles estavam lá em Santos; eles eram de Santa Catarina, eram daqueles catarinenses que falam com aquele sotaque, tal. E esse casal que deu um apoio pra minha mãe porque logo veio o meu irmão, mano Adalberto. Eles tinham acabado de casar, fizeram filho, tal, estavam nessa situação de ter o filho, tal, e esse casal deu muito apoio. Eu falo isso porque acabou se criando uma relação com Santa Catarina, que é outro lugar que a gente visitava muito enquanto criança, ia para Florianópolis, porque esse casal se mudou depois, retornou pras origens deles. E como ele era marinheiro, também era o lugar que ele poderia trabalhar, o seu Guiné. Um cara duro, seco, parecia um Popeye, de certa maneira. Tinha um estilo todo invocado. Engraçado ele. E a dona Isaura, mulher dele, então a gente frequentou muito a casa deles, também íamos pra Florianópolis, tal, meu pai se interessou em ter alguma coisa lá, comprou um terreno, posteriormente comprou uma casa. O meu irmão mora lá, o Adalberto mora em Florianópolis. Então, acabou que criou-se uma relação com aquela cidade.
P/1 – Sua mãe não trabalhava?
R – Então, aí começou a história da minha mãe. Porque a minha mãe começou a querer trabalhar, acho que por grana mesmo, eles queriam uma vida mais estável, mais estabilizada. Meu pai não devia ganhar muito porque era o começo da carreira dele dentro da Petrobras, ele trabalhou lá a vida inteira, ele trabalhou quase 40 anos na Petrobras. Ele até se aposentou cedo. Aí a minha mãe começou a trabalhar.
P/1 – Você já tinha nascido?
R – Antes de eu nascer, provavelmente. Mas eu me lembro desde de bebê que a minha mãe trabalha. Ela era esteticista. Primeiro ela começou a fazer turbante. Teve uma época (risos) que ela fazia uns turbantes, depois ela começou a vender coisas. Aí ela estudou Estética, foi fazer um curso no Senac, uma coisa desse tipo. Ela começou a fazer limpeza de pele, depilação. Isso eu me lembro bem porque eu era adolescente, então, ela fazia isso no meio da garagem de casa. Era uma maravilha aquele monte de mulher entrando pra se depilar (risos), era uma festa, né? Até que ela descobriu que eu ficava ali só... (risos) Não pode falar isso, que vai queimar o filme pra sempre, todas essas mulheres vão me processar (risos). Mas nossa, como eu vi mulher pelada naquele tempo, meu Deus do céu. Milhares. Novas, velhas, gordas, magras (risos), conheci todos os tipos de mulheres possíveis e imagináveis. Foi bom, (risos), mas foi mal. Era um universo maravilhoso. Mas ela trabalhava muito, minha mãe trabalhava muito, tal. Mas atendia, sei lá, dez mulheres em um dia.
P/1 – Quanto tempo você tem de diferença pro seu irmão?
R – São seis anos de diferença. Meu irmão deve ter 54 anos porque eu tenho 48. Mas eu me lembro da minha mãe, minha mãe rala! E outra coisa, ela trabalha até hoje. Ela está com quase 76 anos, 75, e ela vem pra São Paulo porque agora ela trabalha com roupa, isso já faz, sei lá, quase 20 anos que ela trabalha com roupa. Até hoje ela vende roupa, ela tem uma butique fechada, continua sendo nessa mesma garagem, inclusive. O que aconteceu?
P/1 – Que é a sua casa de infância.
R – Que é a minha casa de infância. Então eles envelheceram, essa casa é um sobrado, ficou muito difícil subir escada, problema no joelho, problema disso, problema daquilo, coisas de velho, que na velhice acontece com todo mundo. Aí eles alugaram uma casa do lado, mas é do lado mesmo, assim, pra não falar que é do lado é na esquina, na outra do outro lado da rua, na outra rua, mas na esquina. Essa minha casa de infância é quase na esquina. E minha mãe está lá até hoje, com esse butique fechada, onde vai lá mulher de jogador de futebol do Santos, ela tem um know-how, uma carteira de clientes até. É pena ela não ter uma filha, senão essa filha herdaria esse espólio (risos), ou trabalharia com ela, seria uma vida garantida, porque ela batalha muito, ela sempre ajudou em casa. Todo luxo que a gente teve, pode-se dizer assim, de ter estudado em boas escolas. A gente estudou em colégio particular, o melhor colégio de Santos, que era o Colégio Santista na época, colégio marista, que nem tem aqui o Arquidiocesano. Parece brincadeira, mas é importantíssimo essa coisa da formação, tal. E era graças a esse trabalho da minha mãe porque meu pai tinha um salário, não era ruim, mas pra gente ter uma vida de classe média, uma vida bacana, dependia muito desse trabalho dela, desse esforço dela e ela está aí até hoje mandando bala.
P/1 – Como era essa casa que vocês moravam?
R – Essa casa é um sobrado.
P/1 – Onde?
R – É no Embaré. Onde tem a Igreja Santo Antônio de Embaré. Tem um Santo Antônio assim, se você olhar de lado ele está com a mão assim, se você olhar de lado parece o pau do Santo Antonio (risos). É até legal isso aí, depois eu posso até tirar uma foto pra gente anexar nesse depoimento, que a gente sempre fala o pau do padre, tal. E era uma brincadeira de criança, essa entre outras, de ficar tirando uma onda. E é uma igreja gótica, linda, é uma igreja que tem na orla da praia, a única igreja com esse perfil. Tem uma outra, se não me engano Nossa Senhora do Carmo, mas é uma igreja mais moderna, década de 60, 70, que parece até um ginásio. E essa igreja não, é igreja, igreja mesmo. Toda gótica com torres e tal, pinturas. Pinturas até meio assustadoras. Porque a minha família é muito católica, teve toda essa herança do catolicismo, e a gente ia muito à igreja, todo domingo a gente ia à igreja, tal. Essa história é legal, inclusive eu levei uma surra porque foi o seguinte, eu estava na igreja, a gente foi pra igreja, e sei lá porque das quantas eu e meu irmão começamos a dar risada, naquelas horas mais, sei lá, eucaristia, o cara levantando, momento que está todo mundo, e eu (imita risada), aquela coisa de moleque, dois moleques rindo. Chegamos em casa, meu pai tirou a cinta: “O que é a igreja? É casa do senhor, então não pode!”. Ele pá! A gente tomou um couro mesmo. Sei lá, ele sentiu aquilo como uma coisa ofensiva. Mas eu lembrei disso porque eu também tenho uma outra lembrança. catolicismo tem muito a coisa do demônio, do bem e do mal, não tem muito cinza, não tem o caminho do meio, ou você é bom, ou você é ruim. O cristianismo em geral é assim. Nessa igreja tinha uns demônios pintados, tem lá no fundo, eu lembro até hoje. Cara, aquilo é um horror! Eu lembro de pequeno, é pra assustar mesmo (risos), é um demônio voando assim em cima, inclusive em cima da própria igreja, parece a igreja, ele está voando em cima dos fiéis. Eu olhava praquilo eu tinha medo, falava: “Cara, que coisa assustadora”, eu até evitava olhar. “Eu vou entrar na igreja, mas não vou olhar. Não vou olhar, não vou olhar”, olhava (risos). Então a gente teve uma presença muito grande com a igreja, que eu acho que é até importante falar disso por quê? Porque no final das contas foi na igreja católica que eu tive uma formação política e social que eu carrego até hoje. Porque meus pais faziam aquele negócio de Encontro de Casais com Cristo, aquela coisa. Enquanto eles iam pro Encontro de Casais com Cristo, eles tinham que levar os filhos. Meu irmão já era um pouco mais velho, tal, e eu estava naquela fase, estava com 12, 13 anos. Eles me levaram e falaram: “Tem um grupo de jovens aqui na igreja, Juventude Franciscana”. Só que aí essa época, nós estamos falando de quê? De 70, vamos fazer as contas, eu nasci 66, 76 eu tinha dez anos. Em 80 eu tinha 14, certo? Então mais ou menos nessa época a ala progressista da igreja tinha feito um encontro em Puebla que era totalmente, vamos dizer assim, voltada para os pobres, com a ala progressista da igreja, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Helder Câmara, Frei Betto, toda aquela galera, estava aquela opção preferencial pelos pobres. Então a igreja era extremamente politizada. E foi com essa idade, com 13, 14 anos, até um pouco antes eu acho, que eu caí nesse grupo de jovens. Só que era um bando de comunista (risos), o grupo de jovens da igreja católica em Santos, era uma esquerda aguerrida. A gente estava saindo da ditadura militar, a gente está falando de 78, 79, 80, 81, Santos era área de segurança nacional, não tinha eleição, era uma área de segurança. E já tinha todo um passado. Por que Santos era uma área de segurança? Porque já tinha todo um passado de militância de esquerda por causa do porto, dos estivadores, dos trabalhadores, muito forte, muito arraigado e no tempo da ditadura se tornou uma área de segurança com esse intuito de minar politicamente a cidade. Nós estamos falando de 78, 79, PT, greve dos metalúrgicos, criação do partido, e estamos falando da igreja, porque se você pensar bem, o PT tem toda a sua criação, toda a sua formação e a sua evolução através da igreja católica, até hoje é assim. Se você vai pra Amazônia, você encontra aquele padre militante que ajuda os castanheiros, que ajuda os seringueiros, sabe, que o padre é uma liderança. E nessa época então, porque depois foi sendo minado, depois nos papados que vieram aí, João Paulo II, ele foi derrubando essa ala progressista da igreja, mas eu estou falando de uma época que a igreja era extremamente progressista e era determinação de sê-lo. Eles fizeram um encontro em Puebla dos bispos, né?
P/1 – Mas você não tinha essa noção, quando você tinha 12 anos?
R – Eu estava aprendendo, mas foi assim, rapidinho. Porque aí você junta a questão do ser cristão, de você pensar no próximo, tal, que é a base do cristianismo, essa coisa de pensar no outro, amar ao próximo como a ti mesmo, e aquela coisa toda e tal, e se junta à política. A gente começou a fazer o quê? Comunidade Eclesial de Base, ir nas favelas, aquela coisa do militante. Aí atrapalhou, porque minha família extremamente conservadora.
P/1 – Eu queria até voltar um pouquinho nisso depois.
R – Família extremamente conservadora e eu um comunistinha (risos).
P/1 – Com 12 anos?
R – Treze anos, 14 anos. Eu era o pivete da turma, porque na minha turma tinha nego com 20, 21, 18, estou falando dos jovens da igreja, Juventude Franciscana. E também tem todo o apelo do franciscanismo. O franciscanismo dentro da igreja católica; São Francisco era um cara mais despojado, largou todas as riquezas, esqueceu de tudo, cuidava dos mais ferrados, desvalidos, lascados, doentes. Era quase um radical, um santo radical, então a gente era franciscano. Em raiz, dentro do catolicismo, tem várias ordens e tem a Ordem Franciscana, então a gente era da Ordem Franciscana, que eram os caras mais ligados com os menos favorecidos. Então juntou tudo, juntou a época, a própria postura da igreja na época e isso foi me formando, foi muito desse espírito, tudo o que eu trago até hoje. Obviamente as coisas vão dilapidando, evoluindo, ou involuindo, não quer dizer que sempre evolui, às vezes piora (risos), mas essa época isso era muito claro e a gente estava muito aberto. Quando você tem 14 anos, um adolescente praticamente, você fica aberto e aquilo me parecia uma verdade suprema, e de certa maneira foi legal, fundamental pra caramba na minha formação essa época.
P/1 – Deixa eu voltar um pouquinho antes. Quando você era moleque, como é que era Santos, esse pedaço onde você morava? Como é que era a cidade?
R – Era legal porque essa casa da minha mãe que existe até hoje, onde ela trabalha e tal, ela fica a mais ou menos quatro quadras da praia. E desde moleque uma das coisas que eu gostava de fazer é andar de bicicleta. E tinha também os mitos da época, na época tinha o filme Easy Rider, os dois caras de moto, aquela coisa de usar o mundo de moto e a minha moto era a minha magrela. Então tinha essa questão da independência, todo jovem, todo adolescente tem essa coisa, mas Santos é uma cidade espacial, é uma cidade plana, grande, quando você está na praia você vê muito céu. Eu me lembro de ter uma das primeiras experiências místicas, vamos dizer assim, foi na praia, olhando aquela espacialidade toda, falando: “Caramba, a gente é pequeno”, bem moleque mesmo, de se colocar no mundo mesmo e saber que o tamanho que a gente tem, que a gente é parte dele, essas coisas, como se fosse insight. Dizem que insight você não conta porque senão você dança, você perde o insight. Mas na realidade essa espacialidade em Santos sempre me chamou a atenção; eu adoro isso até hoje, eu gosto de olhar pro mar. Atrás, aquele monte de prédio torto (risos), mas na frente aquela imensidão.
P/1 – Mas naquela época já tinha os prédios?
R – Já. Era até uma atração. De certa maneira eles foram arrumando alguns prédios, cavando, endireitando, mas Santos era o lugar dos prédios tortos. Então tinha o Excelsior que era o mais torto de todos, que inclusive tem um bar embaixo que se chama Torto, que você entra, descendo uma escada porque o prédio desceu e você...
P/1 – Você estava contando dessa espacialidade de Santos.
R – Espacialidade. Então os prédios eram tortos e pra frente essa coisa, tem a Ilha Porchat. Santos é uma cidade muito bonita, até tenho vontade de voltar pra lá, ou até trabalhar um pouco na área de cultura, que é a área que eu trabalho, lá. Talvez, sei lá, montar uma coisa semelhante ao que eu tenho aqui lá, ou uma sucursal, isso se a coisa evoluir, obviamente. Mas eu gosto de Santos, acho legal.
P/1 – Quais eram suas brincadeiras de infância?
R – As brincadeiras eram taco, sabe taco na rua? De você botar a latinha e pááá, aquele nosso beisebol improvisado, essa era uma delas; papagaio, pipa na praia. Mas eu me lembro muito da bicicleta, eu gostava demais disso porque eu aprendi a andar de bicicleta muito cedo, aí pá, andava de bicicleta, bicicleta, bicicleta, e a bicicleta me dava oportunidade igual, sair fora. Tanto é que eu ia de bicicleta para Itanhaém, na estrada, sabe? Estava com o lance do Easy Rider, do seu Peter Fonda. Tinha um amigo meu, o Edgar, era meu amigo de infância, a gente pegava as duas bicicletas, éramos os próprios e saíamos pela estrada, ia para Bertioga, Itanhaém, é uma aventura porque esses lugares são lindos, tinha o posto das antas, Perequê, Praia de Pernambuco, atravessar a balsa. Quando você tem 12, 13 anos, esse negócio é maravilhoso. E como a gente não tinha som, era pré-walkman, então, eu levava um radião assim, na frente da bicicleta (risos) pra poder ouvir o Led Zeppelin III, rock n’roll. Porque essa coisa da música na minha vida sempre foi presente, sempre. Sempre, sempre, sempre. E assim, até acompanhando todas essas etapas. Quando eu estava falando de política, de igreja, formação na igreja, então lá tinha o Vandré, aquele: (cantando) “Fica mal com Deus”, sabe essas coisas? Aquela coisa que a igreja incorporou como se fossem hinos nessa época. Chico Buarque, tal. E tinha também o outro lado, que acho que toda juventude brasileira viveu um pouco esse conflito, talvez tenha sido até tardio para mim, porque uma das coisas que eu ficava chateado era porque eu não tinha tido tempo de ser guerrilheiro! Agora que eu ia me divertir, acabou a ditadura, que saco! Engraçado (risos).
P/1 – E na sua casa, quem exercia a autoridade? Seu pai, sua mãe? Como é que eles eram?
R – Ah, ambos. Meu pai tinha uma autoridade paterna muito clara, muito séria, que era aquela coisa. Ele passava o dia fora trabalhando, saía seis horas da manhã, um cara extremamente pontual, acordava, trabalhava, voltava no final do dia. E essa autoridade dentro de casa, das seis da manhã até às seis da tarde, a hora que meu pai chegava, seis e meia, sete horas, eu lembro muito bem disso, o ônibus da Petrobras deixava ele perto de casa, às vezes eu ia lá pegá-lo, buscá-lo, era exercida pela minha mãe. Então se a gente fizesse alguma merda ela falava: “Vou falar para o seu pai na hora que ele chegar”, a gente morria de medo da hora que meu pai ia chegar, “Pô, vou tomar porrada”. Uma vez acho que quebrei um desses globos de lâmpada... graças a Deus meu pai estava de bom humor, não ligou: “O que aconteceu? Que maravilha”. Mas tinha essa coisa de esperar. Durante o dia era minha mãe, minha mãe era muito, quer dizer, era não, é, muito durona mesmo, uma mãe, não diria autoritária, mas que impõe o que ela acha que é certo. Se ela acha que tem que ser assim, é assim, vai ser assim. E se você está na condição de filho, você tem que seguir o que ela pensa. Então, nela isso era natural, essa imposição do que ela pensava. E eu tinha um irmão, o Adalberto. O Adalberto era mais maleável, ele entendeu melhor isso e conseguia o que ele queria, tal, papapa, puxando o saco (risos), fazendo, porque tinha umas questões. Então estava falando da fase que eu tinha 12, 13 anos, eu estava com essas ideias políticas na cabeça, tal, então eu queria usar a roupa que eu queria usar, eu queria usar uma mega calça jeans, uma camiseta do Guevara, já estava começando a entrar música punk, eu já estava querendo ter um outro style, digamos assim, coisa de menino, e minha mãe já: “Não, pera aí”. Comprava aquelas calças sociais: “Você vai vestir essa roupa” “Mãe...”, quer dizer, sempre teve muito conflito entre eu e minha mãe nesse sentido da educação, é coisa que eu acho que tem em toda família, adolescentes e tal. Ela é uma pessoa maravilhosa, mas ela impõe o que ela pensa. Tanto é que eu saí de casa muito cedo, com 17 anos. Tinha acabado de fazer 17 anos e fui embora. Essas situações foram indo, foram indo e acabou que eu dei linha. Mas eu tenho uma relação ótima com eles, maravilhosa, porque também tem uma coisa, a gente evolui também nesse sentido, de jovem adolescente, uma hora a gente cresce. Aí depois que eu comecei a trabalhar, fazer minha vida, tal, eu retomei esse contato com ele, fiz questão de participar e valorizar isso, a família, talvez eu valorize até demais isso, então, a gente vive bem, muito bem.
P/1 – E que festas vocês comemoravam, quem se encontrava nesses momentos?
R – Como assim?
P/1 – Festas, Natal, Ano-Novo, aniversário.
R – Então, é aquilo que eu te contei, a gente tinha uma família festiva.
P/1 – Porque em Santos eram só vocês?
R – Santos éramos nós.
P/1 – Era o seu núcleo familiar.
R – Mas, às vezes, as festas eram em Santos, às vezes a família ia para Santos.
P/1 – Eles iam pra lá também?
R – Pra dar uma variada, tal.
P/1 – Ficavam hospedados na sua casa?
R – Ficavam hospedados na minha casa, teve vez da casa ficar lotada, nego na sala, na cozinha, na copa, na garagem.
P/1 – Você lembra de alguma festa específica?
R – Ah, eu lembro assim, mas as festas que eu mais lembro são os natais. Tem dois tipos de festa que eu lembro, a mais familiar é o Natal, que sempre foi muito cultivado. E esses natais na casa do meu tio Wilson era esse cara que fazia esses natais maravilhosos que a gente curtia pra caramba e as festas eram nababescas, muita comida, todo mundo levava alguma coisa, contribuía, então, fazia aquele mega rateio, porque era festa de 40, 50, 60 pessoas. Então tinha pernil, chester, peru, churrasco, picanha, cupim, era uma coisa nabábica, ficava aquela mesa gigante, assim, com todos. E muita gente, os primos, tal. E uma família bonita, eu nunca vi conflito, nunca vi uma briga. Tinha uma besteirinhas de quem bebeu demais, mas nunca saiu na porrada, de cultivar ódios, aquela coisa de: “Odeio você!”, aquela coisa péssima nunca aconteceu, era uma coisa bem coesa, tranquila. E acho que até por ser uma família mais simples mesmo. A família do meu pai não, é uma família mais, as festas já não eram tão legais (risos). Não, eram boas, tudo bem, mas assim, não eram tão animadas, tão bagunçadas, tão curtidas, porque eram pessoas mais intelectualizadas, talvez? Não, acho que de um nível social melhor, aí eram mais desanimadas, o que eu posso fazer um comparativo é isso, eram mais desanimadas (risos). Até o meu perfil é mais assim, eu sou um cara mais ligado mesmo numa boa bagunça (risos), eu não gosto muito dessa coisa elitista, que na verdade eu acho pouco divertido. Eu respeito, tenho um monte de gente do meu círculo de amizades, da minha família, que tem muita grana, tal e a gente frequenta. Mas é chato, não é tão legal, esse diferencial sempre existiu, na família do meu pai e da minha mãe. E as festas eram lindas, era isso. Você perguntou de festa, o que eu lembro era isso.
P/1 – E no colégio marista, você entrou com quantos anos?
R – Ah, eu entrei no colégio marista no pré-primário. Professora Margarete, eu lembro do nome de todas as professoras, do primeiro, do segundo (risos).
P/1 – Quais que eram?
R – Criança você sabe como é (risos).
P/1 – Qual te marcou mais?
R – Eu estou brincando. Eu entrei lá menino, eu lembro do primeiro dia de aula. Eu tinha seis anos, que era a idade normal de entrar na pré-escola. Aí veio o primeiro ano, o colégio marista nessa época era um colégio autoritário mesmo, a coisa bem do uniforme, hino nacional, educação moral e cívica, aquela coisa tensa. Tinha os irmãos maristas, Irmão tal, Irmão não sei o quê e tal, aquela coisa, fila pra entrar, sinal. Na época a educação que hoje em dia a gente questiona, até porque, de certa maneira é uma educação militar, se você pensar. Outro dia eu estava até vendo um documentário sobre isso, é uma educação que vem lá da Prússia, da guerra, os caras fazem isso pra sistematizar o esquema, lembro até do The Wall, aquelas crianças virando linguiça. Mas foi uma boa educação. A gente nunca sabe, a gente sempre fala: “Eu não sei pra quê eu vou usar isso”, aí você vai fazer uma regra de três, você lembra, você sabe o que é uma célula, o que é uma mitocôndria, como funciona. Eu até brincava com a professora de Biologia, quando eu tinha 13 anos estava na escola, 14 já era meio que bestinha, né? Aí eu ficava falando: “Tá vendo? As mitocôndrias aqui, produzindo energia pro núcleo ficar na boa” (risos) Tudo pra mim era referência social, até a aula de Biologia, Citologia, já tinha a ver com a política, tal.
P/1 – O que você mais gostava na escola?
R – Ah, tinha um negócio que depois eu nunca mais vi em lugar nenhum, tinha um mastro enorme assim, não que eu gostava do mastro, não é isso que eu estou querendo dizer (risos). Um mastro enorme que tinha uma bola dessas de dar soco no boxe, uma corda assim, vinha lá de cima a corda e o grande barato era dar uma porrada nessa bola, pooo e a bola vuuu vuuu, aí vinha outro, poooo, poooo; essa era uma brincadeira legal. E tinha muito futebol de salão. Eu nunca fui bom no futebol, nunca joguei bem, mas em geral menino que não joga bem vai pra onde? Vai pro gol, eu era goleiro. E era legal, eu gostava de ser goleiro, aquela coisa do reflexo, pááá, no salão aquela bola pequenininha, pesada, os moleques chutando na porrada mesmo, então paaa, paaa. Gostava de jogar bola, joguei vôlei também. Essa coisa do esporte era muito cultivada porque o Colégio Santista tinha um mega ginásio, então tinha quadra pra todo lado, tinha quadra em cima, quadra em baixo, tinha basquete, tal, e a gente jogava, brincava, quer dizer, a escola tinha mesmo uma cultura de esporte muito forte. O que mais eu gostava na escola?
P/1 – Que professora você lembra, algum episódio?
R – Essa professora de Biologia eu lembro. Acho legal até comentar isso que eu acho legal. Outro dia eu fui numa dermatologista, a gente vai ficando mais velho, uma hora tem que ir, até porque eu passei a vida inteira tomando sol, não estava nem aí se passei alguma coisa na cara, nunca passava nada, nunca passei nada. Nem agora eu passo, quando eu me vejo estou no sertão de Alagoas fotografando ao meio-dia com a cara no... chegava a ficar com aquela cara vermelha assim, aquela coisa. Eu falei: “Deixa eu ir lá dar uma olhada se não tem nenhuma mancha esquisita, alguma parada que possa acontecer”. Eu comentei isso com a minha dermatologista, que ela falou assim: “É, você está com umas entradinhas”, meu pai é careca, então, desde menino eu ficava cabreiro: “Porra, será que eu vou ficar careca?”, aquela coisa da vaidade, óbvio, ninguém quer ser careca, nem feio, vive num ambiente agradável pelo menos (risos), ninguém quer ser feio, vamos falar assim. Não que os carecas sejam feios, mas ninguém quer ser feio. Aí, o professor de Biologia me ensinou uma coisa assim, eu lembro dessa aula, o professor Adilson, ele olhava assim pro canto de cima da aula, ele não olhava na cara de ninguém. Estava toda classe aqui e ele olhava assim. “Olha, é o seguinte, imagino aqui que ninguém queira ser como eu”, ele era careca, “Ninguém quer ser careca. O pai de vocês é careca? Quem aqui tem o pai careca?”, tinha uma porrada de gente com o pai careca, e ninguém queria ser careca. Ele falava: “Vocês não querem ser carecas? Então vou ensinar uma coisa para vocês: quando vocês forem tomar banho, vocês massageiam o couro cabeludo, massageie, massageie, cu cu cu”. Cara, nunca mais, até hoje, eu massageio o couro cabeludo todo santo dia (risos), é um prazer massagear o couro cabeludo e eu tenho cabelo! Então esse foi um grande cara, o professor Adilson é o cara. Ele ensinou duas coisas, a outra coisa que ele falou: “Por que vocês têm que sair do banho e tirar água do corpo, passar uma toalha? Deixem a água um pouco, façam assim com a mão, sintam a água. Isso hidrata a pele de vocês”. Outra lição inesquecível. Esse cara era muito legal. E era um cara que destoava dos outros professores, porque em geral os outros professores tinham um perfil mais conservador. Tanto é que eu até brincava com a história da mitocôndria, da aula de Citologia fazer a guerrilha das mitocôndrias (risos), porque ele era um cara que dava essa abertura, a gente podia falar de coisas, ele estava ligado, um cara esperto. Dele eu me lembro com carinho, fiquei sabendo que ele já era também, já foi embora.
P/1 – E você estudou no colégio marista, você entrou no pré e ficou até?
R – Fiquei até o terceiro colegial.
P/1 – Fez direto?
R – Direto, do começo, da pré-escola até me formar.
P/1 – E amigos daquela época?
R – Ah, tenho alguns que eu tenho contato, tal. O que aconteceu? Como eu saí de Santos muito cedo, com 17 anos eu vim morar em São Paulo, vim trabalhar em São Paulo. Eu já trabalhava em Santos. O que acontecia? Como eu precisava de grana, de ter minha grana, porque era o seguinte, se eu não me adequasse eu não tinha dinheiro, ou seja, usar um determinado estilo de roupa, fazer um determinado tipo de programa, ouvir uma música e eu queria fazer minhas coisas, ter meus discos. Eu adorava, comprava todos os discos, porque tinha a Tremendão Discos, na Ana Costa, comprava todos os discos importados que apareciam, disco importado sempre foi peso de ouro, todo disco importado de blues.
P/1 – Com quantos anos você já fazia isso?
R – Ah, com 13, 14 anos eu já fazia isso.
P/1 – Nessa época você tinha uma coisa assim: “Quando crescer quero ser tal coisa?”.
R – Não, não tinha. Eu tinha uma coisa muito política, eu gostava muito de fazer política, mas não falava: “Eu quero ser político”, mas eu queria fazer alguma coisa relacionada à sociedade, queria melhorar a vida da sociedade, queria melhorar as coisas, queria ajudar as pessoas, fazer alguma coisa pelo coletivo, vamos falar assim, isso era uma coisa bem presente na minha vida. Que foi bom, foi bom. Outro dia eu estava com a Dorrit, mulher do Elio Gaspari, e ela falando de mim, tal, ela falou: “Olha Egberto, uma coisa que eu admiro em você é que você trata todas as pessoas como igual”. Ela notou isso ao longo da nossa vida trabalhando junto, né? “Você trata todas as pessoas como seu igual”, então, garçom, faxineira, não tenho aquele olhar assim. E ela falou: “Isso é raro”, quer dizer, tem gente que faz isso meio forçado, meio naquela de que é politicamente correto fazer, e mais gostoso é quando você faz isso naturalmente. Eu nunca tinha pensado nisso, eu ouvi da boca dela, mas ela notou isso. Aí eu pensei: “Pô mas será que é isso mesmo?”, aí de certa maneira é um certo orgulho, eu falei: “Pô, legal, né?” É bom ser assim, fazer as coisas, ter essa naturalidade e ter uma coisa bacana. Então eu acho que veio disso aí, vem dessa formação mesmo, dessa maneira de sê-lo. E apesar de eu ser uma cara de classe média, eu meio reneguei a classe, eu meio larguei, porque eu vim pra São Paulo e morava em kitinete, entendeu?
P/1 – Você veio com quantos anos?
R – Dezessete.
P/1 – Deixa eu voltar um pouquinho. Você entrou pra essa militância, pra essa formação política.
R – É, essa militância foi, comecei a militar. Em Santos uma das militâncias era o movimento ecológico, porque Cubatão era um inferno, e é um inferno até hoje. Estão acabando, a poluição era tanta que as crianças nasciam sem cérebro, tinha essa coisa de nascer sem cérebro. Então tinha Feira de Ciências na escola e meu projeto era contar a história das crianças que nasceram sem cérebro (risos). É engraçado isso, né? O meu pai foi chamado na escola: “Pô, o seu filho está vendendo aí, na porta da escola Tribuna da Base Operária” (risos), sabe aquelas coisas completamente desconexadas? Era engraçado isso, era engraçado mesmo. E não era que ele não gostava pelo fato de eu ser de esquerda, acho que ele tinha até uma certa preocupação. Tinha sumido tanta gente, morrido tanta gente, ele sabia dessas coisas, na época da ditadura. E a gente estava saindo da ditadura, 78 era ditadura ainda, então, estava dentro dela. Obviamente já tinha uma abertura, já tinha um relax, ela já tinha se destendido, a ditadura já estava mais relaxada, digamos assim, não estava reprimindo tanto, não estava matando as pessoas, mas ainda era perigoso, na cabeça dos meus pais era uma coisa perigosa. Então eles reprimiram muito isso em mim: “Não seja assim, não faça isso. Pelo amor de Deus!”. Eu lembro uma vez meu pai entrou no meu quarto assim, eu tinha pegado a camisa do Guevara e tirado um xerox, assim, e aí eu mandei fazer, sei lá, 30 xerox, e botei os 30 (risos) na parede, eu fiz um, sei lá, o primeiro lambe-lambe da história da minha vida, eu botei aqueles 30 Guevaras na parede. Aí em um acesso de raiva ele entrou no quarto. Eu lembro do meu pai assim, que nem um gato, arrancando tudo. Porque dava pra ver lá de fora, quem passava na rua olhava e via (risos), acho que era essa a preocupação, também de não se expor, de não passar por isso, uma coisa que pudesse me prejudicar, coisa de pai e mãe, né?
P/1 – E você tinha participação nesses grupos, nessa militância, e o que você fazia fora isso? Quer dizer, como você adolescente lá em Santos, quais eram os programas?
R – Ah, os programas de adolescente normais, arrumar namorada.
P/1 – Qual foi sua primeira namorada? Começou nessa idade ou antes?
R – Já era nessa idade, arrumei minha primeira namorada. Teve vários casinhos, beijinhos. Você não vai querer perguntar quando eu peguei a primeira, né? (risos) Vai, né, claro que vai (risos), isso não dá pra contar, tem gente envolvida aí. Mas as namoradas a gente arrumava na escola, primeiro. Eu lembro que eu tinha uma namorada que eu fui apaixonado, minha primeira paixão, mas era platônica. Ficava olhando ela jogando vôlei, tal. De vez em quando ela olhava, falava: “Pô, esse cara está me secando!”, mas eu não tinha nem coragem de falar com ela. Ficava olhando, olhando. Chamava Carla também, a minha mulher chama Carla. Chamava Carla. Depois eu arrumei uma namorada mesmo, de namorar literalmente.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Acho que tinha uns 13. Eu já tinha pego umas meninas que eram mais fáceis, que estavam ali meio (risos), dando mole, tal, vamos nessa. Já tinha acontecido algumas vezes esse tipo de relação, nas festinhas. Em Santos tem uma coisa, que tem muito predinho e tal, então tinha muita festinha na garagem do cara no predinho, que nada mais é do que um bailinho, apagava a luz da garagem, um guaranazinho, tal, ficava todo mundo. Então desde essa época eu tinha namorado várias assim, de dar uns beijinhos aqui dançando, mas namorada mesmo, que eu me lembre, a primeira foi a, ela tinha um nome, sei lá se ela era descendente de quê, húngara, sei lá, Sigrid. Foi uma grande paixão, a gente ficou junto algum tempo, tal, mas ela me abandonou. Ela tinha um namorado mais velho, como a gente odiava os caras mais velhos nessa época, né? Arrumou um cara mais velho, tal, sei lá, já tinha carro (risos). E eu dancei. Aí foi aquele sofrimento! Eu lembro de um Natal que esse meu tio Wilson, esse cara bacana que eu contei, tal, foi andar comigo na praia, eu estava todo derrubado, chateado, chorando. Mas é legal, é legal lembrar dessas coisas assim.
P/1 – Que música tocava nos bailinhos?
R – Ah, tocava música pop do momento, que era, sei lá, já tinha Michael, já tinha várias... isso era música dos bailinhos, mas eu já tinha uma coisa da pesquisa musical. Pesquisa musical, a gente fala essas coisas agora, mas na época eu gostava de blues, de rock, Led Zeppelin, Yes, Pink Floyd, que já era anterior, era uma coisa que eu já estava meio pesquisando mesmo no sentido que não tinha sido lançado no ano que eu comprei, é uma coisa que já tinha, já vinha da década de 70, mas eu só conheci isso através dos filmes, que nem eu estava falando do Easy Rider, então comecei a pesquisar: “Pô, mas quem é que toca no Easy Rider?” “É o Led Zeppelin” “Essa música, de quem é?” “Do Credence”. Eu comecei a comprar discos de rock, de blues, como eu estava falando, eu comprava tudo nessa loja que chamava Tremendão Discos que era a única loja que prestava, o resto dos lugares só tinha disco de moda, da novela. E aí pra comprar essas coisas, esses discos e tal, eu comecei a trabalhar. Aí eu trabalhei na feira, fui feirante.
P/1 – Com quantos anos? (risos)
R – Sei lá, 12.
P/1 – Lá em Santos.
R – Eu ia mesmo, o caminhão passava acho que às quatro da manhã na minha casa, eu subia no caminhão, pá.
P/1 – Como você arrumou esse trabalho?
R – Com o feirante da minha mãe lá (risos). Eu cheguei pro cara e falei: “Quero trabalhar”. E eu acho que os meus pais, pela história de vida deles, eles nunca desestimularam. Eu também sou assim, se minha filha chegar pra mim, eu não forço nada, mas se ela chegar, ela tem 16 anos e a outra tem 13. Se ela chegar: “Pai, quero trabalhar” “Vai”, é óbvio. A gente sabe que o trabalho faz parte da vida, que é fundamental a gente se preparar pra isso, que uma hora a ficha cai, você vai ter que trabalhar. Então se você trabalha antes, melhor, melhor pra você, que você vai se acostumando com a ideia (risos), que vai ter que ralar a vida inteira, pelo menos um bom tempo dela, marcar a vida toda mesmo.
P/1 – Aí você ia pra feira.
R – Aí eu fui pra feira, eu trabalhei na quitanda.
P/1 – Na feira era barraca do quê?
R – Barraca de frutas.
P/1 – O que você fazia?
R – Ah, olha a banana, olha não sei o quê, quanto vale a dúzia, bota lá num saquinho, pegava a grana e jogava no caixa. E ficava mesmo. Não falei pra você que eu trabalhava com sete anos no bar da minha tia? Sete, oito anos, tal. Eu não achava aquilo mal, eu achava uma aventura até, não era ruim: “Uh, hoje tem que trabalhar”. Hoje é mais assim: “Pô, vou ter que trabalhar”. Mas naquele tempo não, era: “Pô, vamos trabalhar! Vamos pra feira!”. Subia no caminhão do feirante, depois montava aquela coisa toda, montava aquele negócio, esticava, arrumava banana, fazia não sei o que lá, o dia nascendo. Sabe, era legal. Aí me entregavam em casa na hora de ir pra escola. Chegava 11 horas, tomava um banho, me arrumava e ia pra escola, muito legal. Achava aquilo o máximo! Chegava na escola tinha o que contar: “Acabei de chegar da feira, trabalhando”, isso aí era interessante, foi assim. Só sei que foi assim (risos).
P/1 – Depois da feira o que você chegou a fazer outra coisa lá em Santos?
R – Eu trabalhei também numa quitanda. O que mais eu fiz? Fiz pesquisa de mercado, até que eu arrumei um trabalho no Bradesco.
P/1 – Em Santos ainda.
R – Em Santos. Eu devia ter 16 anos. Naquele tempo admitiam você trabalhar mais cedo em instituições desse porte. Eu tinha sei lá, 15, 16 anos, já estava no Bradesco, já era escriturário. E no Bradesco, é ralo. Até hoje eu conheço a estrutura, conheço a instituição lá e eu sei que não tem almoço grátis pra ninguém, ninguém flauteia no Bradesco, porque a hierarquia, tudo pensado para se produzir. E era assim naquela época também, se não era pior até.
P/1 – Você era escriturário, o que você fazia?
R – Eu comecei como escriturário. Naquele tempo não tinha computador, era tudo ficha de compensação, ficha do cliente com assinatura do cliente, pra checar no caixa. Então eram uma quantidade de arquivo no fundo da agência, trocentos, A, B, C, D. Aí você ficava fazendo esse meio de campo pra compensação de cheque, por exemplo. Compensação de cheque você tinha que achar a ficha de todos os cheques que tinham entrado do cliente, então, vinha trabalhos assim, você pesquisando aquilo tudo. Já de terno e gravata, aquela gravata horrível de crochê, como é feia! Tenho uma até de lembrança, negócio pendurado, gravata de crochê é a pior coisa que já fizeram. Foi a pior moda, sei lá, se é que foi moda, eu usava porque não tinha recursos pra comprar uma melhor (risos), ou não tinha bom senso na época, eu sei que eu me arrependo muito ter usado gravata de crochê, terrível. Mas o trabalho no Bradesco era esse, exatamente esse, de ficar fazendo esse meio de campo. Tanto é que quando eu vim pra São Paulo, eu vim trabalhando no Bradesco. Quando eu saí de casa eu já tinha emprego, não é que eu estava: “Vou procurar o que eu faço”. Não, já estava empregado.
P/1 – Por que você decidiu sair?
R – Ah, por causa de conflitos com a minha mãe, com meu pai, tal. Teve várias situações que me levaram a sair. Mas assim, uma coisa que eu lembro, não sei se é legal falar, mas minha mãe quebrou todos os meus discos. Foi uma cisão. Isso aí já está perdoado, está tudo resolvido. Mas naquela época isso foi muito grave, foi muito pesado.
P/1 – Você punha o som alto?
R – Punha o som alto. Eu ouvia o som alto, estava trabalhando, quer dizer, também era tudo... Não é que eu era bonzinho e ela era sacana, não era. Era uma coisa de dois caras intransigentes mesmo (risos). Eu estava ouvindo som alto, ela queria que eu abaixasse, até que uma hora pum, ela usou a autoridade dela e bateu. E aí ferrou, né? Aí eu também já tinha minha independência, quer dizer, você está trabalhando, tem grana, tem emprego, fala: “Então valeu, tchau, fui”.
P/1 – E por que São Paulo?
R – Porque eu já tinha na cabeça que era legal vir pra São Paulo pra trabalhar, pra estudar, pra evoluir.
P/1 – Antes você vinha pra São Paulo? Você costumava vir pra São Paulo?
R – Já tinha vindo algumas vezes pra ver um show, pra ir, sei lá, conhecer o Masp, fazer umas coisas desse tipo, mas não tinha relação nenhuma com a cidade.
P/1 – Mas você lembra a primeira vez que você veio pra São Paulo?
R – Lembro. A primeira vez que eu vim pra São Paulo, na verdade quem me acolheu em São Paulo foi um casal chamado Paulo e Lourdes, que era um casal que trabalhava comigo lá naquele grupo de jovens que eu comentei. Os dois comunistas (risos), só que jovens assim, eles tinham acabado de casar. E eles moravam no Jabaquara. E ali eles me receberam, eles falaram: “Bem, você vai vir pra São Paulo, conseguiu a transferência do seu emprego?” “Consegui” “Então vem ficar na nossa casa, nós temos um quarto lá pra você, é um apartamento de dois quartos”. Hoje ele é Vice-Presidente da Associação Brasileira de Arquitetura, arquiteto conhecido, professor na USP. Ela super militante do movimento feminino, tal. São dois formadores de opinião de grande peso, são meus amigos até hoje, a gente até se reaproximou mais de uns anos pra cá. Eles são ótimos. E eles me receberam: “Vem pra casa, fica em casa”. E ali eu fiquei nos primeiros tempos.
P/1 – Mas qual foi a sua primeira impressão da primeira vez que você veio em São Paulo?
R – Uma coisa que me chamou a atenção foi o metrô. Eu achava aqui, uó! Eu trabalhava de transporte público, ia do Jabaquara pra trabalhar no centro, porque eu trabalhava na agência do Bradesco mais punk rock, que era a Agência Nova Central. Ela é gigantesca até hoje, é em frente ao Copan ali, tem uma agência do Bradesco, o prédio inteiro é do Bradesco. E era agência, eu era o caixa 89, aí eu já era caixa. Eu era o caixa 89. Tinha 150 caixas. Já pensou um lugar que tem 150 caixas? E caixa nessa época a gente autenticava as contas. Eu fazia 570 autenticações por dia. Era um trabalho, trabalho mesmo, por isso que eu sei que não tem almoço grátis, trabalhava-se pra caramba. É a coisa de chegar no horário, tal. Então, juntava essa sensação de pegar metrô, aquele metrô era legal, eu gostava, aquela arquitetura. E eu já tinha uma coisa de fotógrafo, que foi o que eu vim a fazer. Nesse período foi que eu fiz as minhas primeiras fotos.
P/1 – Mas sem pensar em nada.
R – Não, já tinha duas coisas, um espírito crítico em relação ao que estava acontecendo, então eu buscava fazer fotos com um olho crítico e tal. E tinha uma coisa também relacionada a espacialidade das coisas, a estética, então o metrô me chamava a atenção porque eu me lembro que eu olhava aquele buraco da Sé e ficava assim, uááá caracolis, que legal. As perspectivas. Porque a construção do metrô é muito linear, toda cheia de perspectivas, tal, e aquilo me chamava muito a atenção. E o movimento, as pessoas. Tanto é que quando eu tive a primeira oportunidade de fazer um trabalho autoral de peso, tal, convidado por essa turma bacana da fotografia, quem me convidou foi a Nair Benedicto, inclusive. Eu escolhi o tema transporte, porque eu sempre achei que o tema transporte, esse momento que você passa dentro do metrô, no ônibus, é um momento de reflexão, é quase uma meditação. As pessoas ficam dentro do trem ali, você nota que está todo mundo pensando na vida. Tem até um filme do Wim Wenders, que é aquele os anjos de não sei o que, Asas do Desejo, é isso? Que as pessoas ficam pensando e os anjos ficam do lado: “Não, calma aí”. Então você sente essa vibe. E eu era um desses, óbvio, nós fomos, todos. E eu notava, esse era um momento. E eu tinha bastante tempo porque pra ir trabalhar levava uma hora e tanto, pra voltar mais uma hora e tanto.
P/1 – Morando no Jabaquara.
R – Morando no Jabaquara. Então eu tinha essa relação com a cidade.
P/1 – Mas como você começou a fotografar? Quem te ensinou, qual foi a primeira câmera?
R – Ah meu, a primeira câmera foi uma do meu pai, uma Olympus Trip, uma câmera boa até, que é uma câmera portátil. Filme, pequenininha. E eu comecei a tirar foto. Tirava foto, sei lá, das coisas. Começava a tirar umas fotos da praia. Aqui em São Paulo eu tirava umas fotos, aliás foi minha primeira máquina aqui em São Paulo, inclusive, eu trouxe ela comigo. Tirava foto dessa coisa da cidade oprimida, foram minhas primeiras imagens, não que tenham sido as primeiras fotos, antes disso também tem uma fase na minha vida que eu não comentei aqui, não sei se dá pra fazer assim, ir e voltar.
P/1 – Claro, vamos lá.
R – Mas assim, que é uma fase que eu dei uma despirocada, então eu fui morar na praia, lá na Ilha do Cardoso, mendigo mesmo, abandonei tudo. Eu estava tendo esses conflitos, tal, acho que foi pouco antes, acho que foi tudo meio junto, um pouco antes de eu vir pra São Paulo, e antes um pouquinho de trabalhar no Bradesco. Isso, acho que foi com uns 15, 16 anos, eu fui morar na praia, na Ilha do Cardoso (risos). E não tinha, eu morava numa caixa d’água, sabe aquelas caixas d’água de barco, que é grande e tal? Morava ali.
P/1 – Por que você foi pra Ilha do Cardoso?
R – Ah, porque aquele papo que curtia a natureza, tal, era um outro lado também que estava se construindo, de querer ter esse contato puro com a natureza, de viver aquilo, de andar, de subir morro, de se despojar de tudo... de não precisar de nada mais do que o peixe, o arroz, um quilo de arroz e um peixe, sabe aquela coisa bem riponga mesmo, né? Teve essa fase e teve uma outra que eu tive em São Tomé das Letras, também morei em São Tomé das Letras uns três meses, tal, uma casa invadida que era atrás da Pedra da Bruxa (risos); tinha uma casa abandonada lá, a gente invadiu a casa, eu e um grupo de amigos e moramos lá acho que uns três meses. Aí um dia eu me peguei roubando um queijo, aí eu falei: “Acho que está na hora de ir embora, já estou fazendo merda”. Fui na mercearia, nunca tinha feito isso. Criação, tudo, índole, nunca tinha roubado. Roubei um queijo e falei: “Acho que chegou, deu pra bola”, porque já estava uma coisa, acho que tem esse componente um pouco, no banditismo (risos), a necessidade, eu estava com fome, não tinha grana, não tinha nada, não fazia nada, né? São Tomé tem duas coisas a serem feitas, ou você ia quebrar pedra nas pedreiras pra ganhar um salário mínimo ou sei lá, fazer nada, que era o que a gente fazia. Aí começou a cair as fichas, tal. Até que eu fui trabalhar, não dava pra viver assim, de brisa.
P/1 – Mas nessa época você tirava foto lá?
R – Já, a máquina sempre me acompanhou.
P/1 – Com aquela do seu pai?
R – É, a maquininha pequenininha, a Olympus Trip. Eu tirava umas fotos, São Tomé é lindo, eu ficava tirando foto, maravilhoso. Minas Gerais, cachoeira. Aí comecei a ter essa compreensão estética mesmo, de ver as coisas, de querer produzir fotos. Nas minhas fotos sempre tinha uma criancinha pobre, tinha não sei o que lá, sabe essas coisas? Que tem a ver com a questão política, mesmo bem jovem eu já fazia isso. Componente humano, não era o esteta: “Olha que linda praia”. Não, na minha praia sempre tinha uma criança, um barqueiro, isso lá em Marujá eu tenho umas fotos desse período muito legais que você vê, são bacanas as fotos, eu gosto muito, você vê duas crianças brincando, ali com um barquinho pequenininho que eles tinham, eu tinha um entendimento da situação, da realidade dessas crianças, da realidade local, de ser filho de pescador. Essa coisa da educação política mesmo, eu acho. Quando você tem uma educação desse naipe que eu tive assim, que isso foi uma coisa muito importante na minha vida mesmo, basicamente me baseio muito isso. Tanto é que eu fui estudar Sociologia. Fui estudar Sociologia aqui em São Paulo, Ciências Sociais. Eu tinha uma predileção pelo Jornalismo, mas fui estudar Ciências Sociais, eu fui querer entender de política, de Sociologia.
P/1 – Mas você entrou na faculdade nessa época que você veio?
R – Eu entrei na faculdade na época que eu estava no banco.
P/1 – Você prestou pra Sociologia.
R – É, na PUC.
P/1 – Que ano você entrou?
R – Eu entrei e, muita burrice, eu fui até o terceiro ano. Acho que foi 85. Fui até o terceiro ano e abandonei, nem tranquei (risos), não retomei. Por quê? Porque eu comecei a trabalhar como fotógrafo, comecei a trabalhar como fotojornalista, comecei a ganhar grana, larguei tudo, larguei faculdade e tal. Mas antes, fui à luta.
P/1 – Mas lá atrás, essas fotos que você fez no litoral, você sozinho, tinha alguém que te ensinou? Você via alguém da sua família?
R – Não, não teve. Foi uma coisa meio autodidata, de pegar e tirar, pegar e fazer. Até tem um amigo meu que hoje é músico, que fala muito dessa minha fase, ele fala que eu fiz um retrato dele, que ele põe assim até hoje, que ele parece o, como é que chama o quadro da Tarsila? Abaporu, né? Ele falou: “Pô, você fez um Abaporu meu”, na praia assim, sentado (risos). Quer dizer, parecia um talento, uma coisa um pouco nata. As minhas primeiras fotos são legais, tanto é que essa foto do barquinho que eu estou te contando, teve um festival de oceanografia, uma faculdade lá do Rio Grande do Sul, se não me engano lá do Cassino. Tinha um amigo meu que foi estudar Oceanografia lá e ele falou: “Meu, tá tendo festival de fotografia aqui, você não quer mandar foto?”. Pimba, ganhei o primeiro e o terceiro lugar. O cara falou: “Meu, você ganhou todos os prêmios, qual é a tua?”. Eu mandei duas fotos dessa época. Ele falou: “Você ganhou os prêmios todos aqui”, tenho até hoje esse troféu lá na galeria. Pois é, tinha um senso estético, eu acho que uma predileção pela imagem. Aquela coisa que eu falei de Santos, da espacialidade, quer dizer, sempre teve uma coisa... no metrô que eu te contei, eu vinha pra São Paulo e ficava olhando as formas, as dimensões, os volumes, a coisa de como aquilo funciona em perspectiva. Eu gostava de desenhar também, quando jovem. Eu tenho histórias em quadrinhos que eu desenhava, gostava muito de quadrinho, gosto até hoje, adoro quadrinhos. Leio todo santo dia no jornal. Acho que aquela comunicação através do cartun é perfeita, que o Angeli faz, e outros; o Laerte, Laerte é um gênio, eu compro os livros dele de quadrinhos, as coisas que ele inventa, as citações filosóficas. Não só ele, também tem os quadrinhos americanos, os heróis, conflitos que os heróis sofrem, tal. É quase como um romance pra mim, sei lá, talvez por preguiça de ler (risos), também tem isso, porque o Elio Gaspari, que é um grande companheiro de trabalho, foi durante toda minha vida, ele falava: “Quando você não dá pra coisa nenhuma na vida, você vira jornalista. Aí se você não souber escrever, fotógrafo. E se você não souber fotografar, aí você vira chefe” (risos), é uma máxima dele que eu achava ótima. Não que seja verdade, tem grandes jornalistas, grandes pessoas, mas parece um pouco isso mesmo, porque, às vezes, o cara tem um talento, quer ser médico, engenheiro, não sei o quê, e o talento pra comunicação. E eu acho que eu tinha, porque na escola eu fiz um jornal, chamava “O Fulminante”, e eu consegui lá, os caras se arrependeram amargamente, mas eu consegui com o Irmão o mimiógrafo lá, que girava aquela parada. Ele me deu tinta, álcool e, sei lá, 500 folhas de papel sulfite. Eu fazia o jornal frente e verso e rodava lá, digamos assim.
P/1 – Você que escrevia?
R – Eu que escrevia. Eu fazia as matérias, desenhava, fazia os cartuns. Uma vez eu fiz uma cagada, eu fiz um desenho assim que era um menino pobre assim. O menino era pobre, tinha bolsa, eu falei: “Olha aqui o Átila’, dei até o nome pro menino. “Olha o que o Átila tem que fazer pra pagar a escola”. Nossa, que coisa horrível, né? Então tinha uma coisa criticando a escola, que a escola era cara, só que de uma maneira horrível, péssima. Mas sempre teve essa questão de criticar, de ver que está errado, não sei o que lá. É uma escola de elite. A elite de Santos inteira estudou lá, era a única que prestava, bastante. E a gente, eu vinha de classe média, mas com esse viés, tentava construir político, tal. Engraçado, as pessoas são o que são nessa época. Eu tomo muito cuidado com as minhas filhas, em relação ao que a gente passa, transmite, porque a formação te acompanha a vida inteira, você vai ser muito o que você está sentindo e escolhendo pra você, porque são escolhas. Porque tem gente que escolhe mesmo: “Eu quero é que os outros se estrepem, eu quero ser de elite, quero ganhar grana”. E você vê essas pessoas são assim porque desde criança foram criadas pra serem assim. Eu já vi pai e mãe na minha frente falando pro filho: “Você tem que ganhar, porque meu, você tem que estar por cima, você tem que estar na boa. Você tem que mandar, você não pode ser mandado, você tem que mandar”, então já cria o conflito de quem manda, quem pode mais chora menos. E essa coisa é muito arraigada. Então essa formação foi importante pra mim pra caramba, eu carrego ela até hoje.
P/1 – Aí você ia pro Bradescão, caixa 89...
R – Caixa 89. Aí, o que aconteceu? Eu saí dessa casa do casal e fui morar em uma república de uns amigos meus de Santos, uma turma da pesada, digamos assim, era todo mundo heavy metal, gostava de AC/DC...
P/1 – Black Sabbath.
R – Black Sabbath, a casa fazia ooooohhh, tremia. Eu tinha um quarto, uma guitarra, eu gostava de tocar guitarra, e um amplificador.
P/1 – Você há tocava guitarra?
R – Tocava punk. Você tocar punk é fácil, três acordes, tãnãnã tãnãnã tãnãnã. Porque quando eu vim pra São Paulo eu absorvi muito essa cultura punk, gostava e gosto até hoje. Na verdade eu adoro punk rock, não que seja só isso, mas eu gosto de jazz, de blues, de tudo, mas eu gosto da energia do negócio, da dança, do lance dessa coisa uaaaa que o punk tem, o Ramones, o Sex Pistols e várias bandas maravilhosas que têm, eu estou citando as mais famosas. Mas assim, aí São Paulo já tinha esse movimento forte.
P/1 – Que lugares você ia?
R – Aqui em São Paulo ia ver Cólera, Inocentes, eu ia no Madame Satã curtir isso mesmo. Eu era caixa do banco e curtia a noite era paaaa. Aí um dia me pediram lá no banco: “Queria que você cortasse o cabelo, tal”. (risos) Cabelo é cabelo, né? Como eu estava morando com essa galera eu estava deixando o cabelo ficar um pouco mais comprido, tipo, chegar um pouquinho mais, não era como o cara do Sepultura, não era nada disso, era só um pouquinho mais. No banco tem essa norma de você cortar o cabelo, requinho, curtinho, é padrão, é normal isso, é estilo, é uma maneira de sê-lo. Eu cheguei lá pra trabalhar, o cara falou: “Você tem que cortar o cabelo, cara, senão você não vai poder entrar. Vai ali cortar”. Aí eu fui lá no cabeleireiro das grandes avenidas, sabe? Eu falei: “Você conhece o Sid Vicious?”, o cara: “Conheço” “Eu quero igual”. Eu cortei bem curtinho, bem curto mesmo, curto, só que era assim, espetado. Aí eu fui trabalhar assim. Pra quê, cara? Eu fiquei o caixa mais, porque era curto, de gravatinha tal e o cabelinho. Só que todos os boys da cidade: “Ó o cara, é o nosso caixa, malandro!”. Eu trabalhei três vezes mais, ficava uma fila de boy: “Cara, pode crer!”. Os caras chegavam com aquelas pilhas de trabalho assim, eu acho que eu fazia 500, eu comecei a fazer mil e 500. E aí foi.
P/1 – Onde era essa casa?
R – Era na Praça da Árvore. Eram dois irmãos, o Ricardo e o Alexandre, Garridos, são os Garridos. O pai era industrial, tal. Uma galera mais classe média bem alta que era lá de Santos e tal e eu era o único que trabalhava na casa, pode-se dizer. O único. E era uma cobertura duplex. Mas eu pagava, tal. Gastava quase 60% do que eu ganhava pra morar lá. Mas era legal pra caramba, era uma galera mesmo, tal. E era um contraponto maravilhoso, que eu saía daquele universo de bancário, pá, e caía ali. Uaaa. E a gente fazia muita festa, mas era próprio da idade. Estava com o quê? Dezenove, 20 anos, acho que nem isso. Às vezes eu perco a conta. Era 20, era 86, né?
P/1 – E você já tinha entrado na PUC.
R – Já tinha entrado na PUC. Eu comecei a fazer a PUC.
P/1 – Fazia à noite.
R – É. Fazia à noite. Comecei a fazer a PUC.
P/1 – Como que era a PUC?
R – A PUC era maravilhosa. Aí, o que aconteceu? A PUC politicamente era efervescente. O Centro Acadêmico de Ciências Sociais, você imagina. Anarquista. Centro Acadêmico Anarquista de Ciências Sociais. Era tudo o que eu queria, punk, anarquismo, Ciências Sociais. Fui estudar Sociologia, foi aquela loucura. Zona livre, polícia não entrava na PUC. Entra assim, sazonalmente. Então os caras faziam de tudo, fumavam de tudo, era uma loucura; é típico de uma faculdade. Mas foi muito bom porque eu tinha grandes amigos, inclusive um grande amigo meu, era de Santos, inclusive, a gente se conheceu na aula inaugural, não que ele fosse meu amigo desde menino, mas eu falei: “Olha, eu sou de Santos, tal”, o cara: “Pois eu também sou”, o Renato Borgomoni, que é de Santos. Um cara gente fina, meu brother, filho de um compositor comunista de samba de Santos, seu Renato, que é o pai dele, ele é o Júnior, a gente fala que é o Júnior por causa disso, que morreu agora com 90 e poucos anos, é um sambista santista de primeira linha, que tem sambas maravilhosos, tal, e a gente ficou muito amigo. E mais um grupo de pessoas, tinha o Mozart, que era o negão, uma, como é que chama a menina? A gente fez um grupo lá, um grupo de estudos, tal. Eu já tinha até saído dessa casa, dessa república e ido para um apartamento na Rua Avanhandava. Porque também deu pra bola aquela galera, daquela loucura toda, eu já estava entrando em um outro universo de estudo, de politização, de fazer coisas nesse âmbito. Até entendo tudo isso que acontece hoje em dia, sabe? Essas manifestações, essa coisa de quebrar. Eu não estou incentivando, não é isso que eu estou falando, que tem que fazer, mas a gente entende porque é isso que o jovem quer, ele quer participar, ele quer mudança e ele quer que a coisa aconteça o mais rápido possível, o mais breve possível, e ele não tem a dimensão da coisa porque ele é jovem, você não sabe tudo, ninguém sabe tudo, mas você sabe menos e está ainda naquele processo de formação, então, sabe, é uma faísca o bagulho explode. É muito confuso isso, está confuso o nosso momento. Mas essa galera é super politizada, tem muita gente politizada, muita gente da Sociologia, inclusive. Se você pegar o Movimento Passe Livre aí, todos são da Sociologia, todo vêm da Ciências Sociais, dessa área do conhecimento humano porque as pessoas estão querendo mudança. E comigo não é nada diferente, eu estava nesse âmbito, nesse desejo...
P/1 – Aí você tinha um grupo lá, e na Avanhandava você foi morar com quem?
R – Eu morava sozinho.
P/1 – Continuava no Bradescão.
R – Não, já tinha saído do Bradesco. Eu saí do Bradesco, não teve conflito nenhum, não teve problema nenhum, até pelo contrário, como funcionário os caras me adoravam: “Pô, você é um dos caras mais competentes”. No Bradesco tem uma coisa da carreira porque você começa assistente, escriturário, caixa, supervisor de caixa, aquela coisa de toda empresa e eles valorizam muito isso. E eles não entendiam porque um cara como eu, que produzia pra caramba, fazia sei lá quantas tal, eu pedi demissão. Eu falei: “Não quero mais”. E também já estava a fim de outras coisas, queria um outro universo de trabalho. Eu já estava querendo fotografia, já estava desejando isso. Porque eu comecei a usar fotografia como linguagem na faculdade. A faculdade é um ambiente de desenvolvimento, então eu fazia aqueles trabalhos de Sociologia que são super pesados, todos os meus trabalhos tinham foto. Eu ia fotografar, como ilustrar aquilo através da imagem. E foi aí que eu comecei a cair na fotografia, comecei a fazer esse trabalho. Aí eu fotografei o Lula, fotografei Erundina, comecei a fotografar os políticos.
P/1 – Mas para a faculdade?
R – Pra faculdade. Eles iam lá falar, eles iam não sei o quê, ou tinha greve não sei pra onde, eu comecei por conta própria.
P/1 – Mas você vivia como, com que dinheiro?
R – Eu trabalhava como Pesquisa de Mercado, que também é uma coisa que tem a ver com Sociologia, então, eles iam na faculdade oferecer. Instituto Gallup pra fazer pesquisa de política. Não que eu tenha feito só política, fiz pesquisa de sabão em pó, sabonete Lux Luxo, mas no final era instituto de pesquisa. E ia de porta em porta, eu tinha um bom trato com o ser humano, eu conseguia, que já vem dessa coisa anterior, que é fazer trabalho de base em favela, então sabia chegar: “Olá, tudo bem? Como vai? Queria falar com a senhora, só um minuto da sua atenção”, o vendedor, né? A pessoa vinha, aquela tiazinha, dona de casa ali de bobeira. “Só pra responder uma pergunta? Não, é rápido, não demora, papapa, é muito simples, por favor, tal. Eu vou deixar um sabonete aqui com a senhora, daqui uma semana eu pego, quero sua opinião com carinho tal, muita espuma, pouca espuma”, fazia o meu trabalho. E assim eu ganhava uma grana, porque eu não sei se é mérito, hoje em dia eu penso sobre isso, eu ralava muito. Ficava acordado, sei lá, oito horas da manhã e ia até oito da noite. Eu lembro disso claramente, que eu via o dia amanhecer e acabando, voltava pra casa de noite da faculdade, tal, e com grana no bolso, ganhava duas, três vezes mais do que quando eu trabalhava no Bradesco, grana. E aí para eu curtir, beber, me divertir, né?
P/1 – Egberto, a gente parou na parte que você saiu da sua casa e foi morar na Avanhandava, do apartamento onde você morava, casa, né?
R – Era um apartamento…
P/1 – Era um apartamento, também. Ai, você foi para a Avanhandava…
R – Não, era uma casa… não, sai de Santos…
P/1 – Foi para uma casa, uma republica daquele…
R – Uma república, tal…
P/1 – Exatamente. Ai, depois você foi para a Avanhandava.
R – É, teve uma história antes que talvez eu possa contar, né?
P/1 – Conta!
R – Na verdade, quando eu sai de casa, eu estava assim, mais ou menos com uns 17 anos, tal, eu tinha uma namorada, eu não sei se eu cheguei a falar da Regina.
P/1 – A namorada, não.
R – Não, né? Então, uma das coisas também que me fez assim, meio que romper com a família, digamos assim, sair fora, foi essa namorada, né? Eu tava namorando, uma menina, chamava Regina, ela era até uma menina superbacana, inteligentíssima, tal, bonita. Ela foi uma das minhas primeiras namoradas, assim, de paixões, que eu tava super a fim dela e tal… passava assim, dias com ela no quarto (risos), ouvindo aqueles discos de rock progressivo, Yes, aquela coisa toda, todo aquele pá, aquela… e eu tava namorando com ela e ela passou no… ela era mais inteligente do que eu, ela passou no concurso do Banespa, na época, concurso público, eu também prestei, né? Ela passou, tal e ai, foi locada aqui na agência Patriarca, aqui em São Paulo, no Viaduto do Chá, ali. E ai, ela tava vindo para São Paulo, voltando para Santos, nosso namoro continuava, tal, e ai, obviamente, eu já comecei a me interessar, digamos assim, em sair fora também. foi uma das coisas que me levou a isso, né? Mas você tava perguntando o quê, mesmo?
P/1 – Ai, você contou desse período que você morou com esse pessoal numa casa, um apartamento…
R – Isso, isso! Ai, ela tinha… ela morava numa casa na Praça da Árvore, na verdade, a historia foi essa, ela morava numa casa na Praça da Árvore, ali próximo da Ana Rosa, na Ana Rosa, na verdade. Uma puta de uma casa! E era de um… era uma casa assim, meio de cotas, era um sistema de cotas, casa de… era uma casa enorme, mas tinha um pessoal num quarto, num outro quarto, ela tinha o quarto dela, tinha um porão que morava uma turma de Santos também, né, que era a Ana Paula Guimarães e o Tonico, dois caras ligados à cinema, tal. Então, a primeira vez que eu fui visita-la ali naquela casa, eu ainda tava… eu fiquei assim: ‘puta que demais, caralho, pá, não sei o quê’, comecei a frequentar, né? Esse cara é até um líder sindical do PT, né, um cara super envolvido com o partido, tal e era um sistema de cotas. Só que o cara era um cara puta cara sério, aquele cara todo centradão e a gente era um bando de louco (risos). A gente invadiu a casa do cara, né? Invadimos a casa do cara. Eu tio contando essa história até para chegar nessa mudança, quando eu mudei para o apartamento da Avanhandava. A namorada do cara, puta, ela acabou namorando um amigo meu, né, o Edgar, que é um puta cara, acho que eu até falei dele, que a gente na juventude, tal, desde menino, a gente fazia altas loucuras em Santos, tal, foi um dos meus grandes amigos. Esse cara namorou a namorada dele e tal, puta, causou um puta conflito, né? Cisão ali na casa, virou um astral meio ruim com o cara e eu tive que sair da casa. ele meio que acabou com a menina, tal, pá, e a menina era… sei lá, era da América Latina, eu não lembro bem, não sei se colombiana, uma parada dessa e ele mandou a menina embora e essa menina morava no apartamento na Avanhandava e para se ver livre de mim e de alguns que moravam na casa (risos), ele pegou e falou: “Vocês não precisam ficar mais aqui, tem um apartamento dela, vão para o apartamento dela”. foi assim que eu cai no apartamento dela e fui morar lá, que era na Avanhandava, mas era na Avanhandava, naquela última quadra, bem próximo a Paim, que tem o Treme Treme, né? Que foi o Niemeyer que fez, um prédio lindo, mas assim, é um viveiro humano, né, é um cortição, aquela coisa enorme, cheia de… pombal. E ali, eu fiquei nos primeiros anos de vida aqui em São Paulo, né, morando e tal…
P/1 – Com quem você morava?
R – Eu morava só. Porque ai, nesse meio tempo, também, eu também me separei da Regina, né, que foi a minha primeira namorada, né? Ela começou a se envolver em movimento sindical, então arrumou um sindicalista lá, foi a primeira dor de corno que eu levei, fiquei puto pra caralho e tal, mas foi uma época muito louca e tal, a gente… putz, até de pensamento tanto dela, como eu, né, tinha umas certas… e assim foi, né? Ai, eu acabei que fiquei sozinho nesse apartamento.
P/1 – Ai, nesse período, você também sai do Bradesco e você falou que você começou a fazer pesquisa de mercado…
R – É, já estava trabalhando com pesquisa de mercado, estava estudando na PUC, né, eu tava fazendo Ciências Sociais na PUC, tava totalmente envolvido. Na faculdade, eu sempre fui um cara bem politico, até falei sobre isso, que eu sempre tive bastante interesse com politica e assim, eu sempre pensei a politica como… parece até uma coisa meio demagógica, mas não é, uma maneira, realmente, de fazer uns ajustes na sociedade, né, tem tudo a ver com essa minha… com esse meu passado, tal, de trabalhos até com a igreja, comunidades de base, com favelas, tá, tal, tal, quando eu fui para a faculdade, a faculdade, Ciências Sociais, na PUC, em 86 era um puta ambiente extremamente politico, né? Tinha o nosso centro acadêmico era anarquista, tava lá o Edu, Imperador, que a gente falava, né, o Edu passou uns 40 anos na faculdade (risos), ele era presidente do centro acadêmico lá na época e ai, na faculdade, eu comecei a tentar enfiar fotografia, eu já tinha umas… digamos assim, um lance estético com a cidade de São Paulo que me chamava muita atenção. Uma das coisas quando eu cheguei em São Paulo que me chamava atenção, eu andava muito de transporte público, metrô, ônibus, mas muito metrô, metrô, eu sempre morei próximo a metrô e trabalhava próximo ao metrô. No Bradesco, eu trabalhava na agência Nova Central, que eu falei, né, agência 39, cento e tantos caixas e o caramba, eu era o caixa 89, aquela loucura toda e era próximo a estação Republica. Então, eu pegava, nessa época, eu morava naquela comunidade de malucos que era aquele duplex que eu falei, né, e eu pegava o metrô todo santo dia, tal, aquela relação crua com a cidade, de andar até o metrô, pegar o metrô, andar, sei lá, 40 minutos de metrô, hora do rush, oito horas da manhã, tinha que chegar às nove, se eu não me engano no banco. Tinha que sair umas sete e meia, pá, voltava à noite, tal, mesmo horário de rush, tal e o metrô me chamava muita atenção, aquelas linhas do metrô, estação Sé, aquela coisa do ponto de vista estético mesmo, né, da… era uma época de compreensões estéticas também, né? Eu tava olhando para as coisas, ainda descobrindo, moleque. Ai, eu tava… essa coisa do metrô, das linhas do metrô, das linhas arquitetônicas do metrô, eu não fui arquiteto por pouco, eu sempre gostei disso, de espacialidade, construção, a própria galeria, né, toda reforma da galeria fui eu que fiz. Era uma casinha, tinha um vitrozinho, eu que abri a vitrine, tal, embuti mapoteca, criei linha de luz, assim, tudo no olho, nunca estudei nada, tal, mas assim, teve umas ideias, então, eu me ligava muito nisso, no metrô, nessas linhas, tal e comecei a fotografar com uma maquininha, uma Olympus Trip, era uma maquininha pequenininha mesmo de filme, mas era uma coisinha e com essa maquininha, comecei a tirar as minhas primeiras fotos, metrô em movimento, pessoa parada, metrô passando, as linhas do metrô, buraco da Sé e era uma coisa assim… e ali também, já comecei a fazer minhas primeiras criticas, o metrô lotado, o cara meio ali, acabado no metrô, sabe? Começou a me chamar a atenção um pouco essa situação humana, essa condição humana na cidade, esse homem inserido na cidade, tinha a ver também, com o que eu estava estudando. Eu sempre fui um cara de ler muito. Antes de entrar na faculdade, eu já tinha lido Sartre Camille, já me auto intitulava existencialista, né? Tinha todo um… era diferente, era uma coisa diferente, ser jovem tinha a ver com ser inteligente, filosofo, sacar as coisas, pá, ser contestador, ter uma discussão sobre a vida, sobre a sociedade e isso era proveitoso, muitas pessoas eram assim, não era uma condição única, muitas não eram também, mas o volume de pessoas que eram assim, que se preocupavam com isso era muito maior do que hoje. eu, pelo menos, tenho essa impressão, né?
P/1 – Mas ai, você tava no metrô…
PAUSA
R – E ai, comecei a fazer essas primeiras fotos e na faculdade, todos os trabalhos… na faculdade de Sociologia, é uma área de humanas, tinha esse componente, a gente tava falando do estado, tava falando das condições sociais, tava falando de agrupamentos sociais, tava falando de outras histórias, tava falando de comunicação e expressão verbal, que era uma das disciplinas que eu gostava bastante, inclusive, que na verdade, eu acho que eu até cai para o jornalismo, até por causa disso, né, apesar de ter estudado Sociologia e gostado de Sociologia, ter todo esse componente politico, sempre fui um cara de comunicação, sempre, como eu falei, eu tinha um jornal na escola, não sei o quê. Eu sempre tive essa vontade de falar, né, de questionar, tal, então, na faculdade, eu comecei a enfiar fotografia até um pouco por preguiça, né, porque a gente tinha que fazer textos enormes e redações enormes, então, tudo que eu podia, eu metia fotografia: “Eu posso usar a linguagem fotográfica?” (risos) O Elio Gaspari, né, o Elio Gaspari é um grande jornalista, trabalhei com ele muito, ele sempre fala assim, que quando o cara não dá para porra nenhuma na vida, não dá para nada, não virou engenheiro, médico, ou seja, coisas úteis, né, ele vira jornalista. Ai, se ele não sabe escrever, ele vira fotografo e ai, se ele não sabe nem fotografar, ai, ele vira chefe (risos). Então, é um pouco isso, tinha um pouco a ver, por preguiça mesmo, juro, eu me lembro claramente disso, eu cheguei e falei: “Caralho…”, ai eu conseguia vender a ideia de fazer um ensaio fotográfico, pronto. Então, já ia a rua, não que não desse trabalho, claro que dava trabalho, mas…
P/1 – Mas para quem você… como que você foi profissionalizando isso? Qual foi o primeiro trabalho que você fez?
R – Então, eu comecei a fotografar de uma maneira mais assim, tentando através de uma linguagem fotográfica, isso na faculdade mesmo, através da linguagem fotográfica, compor um tema, compor um assunto, como se fosse um ensaio, digamos assim – entre aspas – sem ter essa denominação, porque na época, eu não tinha essa cabeça: isso aqui é um ensaio fotográfico, tal, não, eu queria ilustrar os meus trabalhos, né, minhas teses, digamos assim, na faculdade, ou dos grupos que eu trabalhava, com fotografia, né? Então, foi meio virando: “O Egberto fotografa”, nessas, eu aprendi a revelar preto e branco, né, a gente tá falando de um tempo que era fibra e ativo, tal, tinha que entrar no laboratório, tinha que revelar o filme. Ai, eu… isso sempre com muito pouca grana, né, duro. Então, fui lá no museu Lasar Segall, que até hoje tem um departamento dedicado a fotografia, mas naquela época era muito maior, era um laboratório com, sei lá, dez ampliadores e você não gastava nada, você só tinha que levar o seu filme para revelar ou a sua caixa de papel para poder imprimir, fazer a impressão. E ali, eu aprendi a revelar preto e branco, que aliás, foi… se for pensar friamente, foi talvez, o único curso de fotografia que eu fiz na vida inteira, foi com a Vera Albuquerque, que também até hoje, tá com a gente lá na galeria, dá aula lá, é uma pessoa queridíssima, inteligentíssima, preparadíssima, ela criuo uma biblioteca de fotografia da América… a maior biblioteca de fotografia da América latina, então, ela tem uma cultura gigantesca, aliás, ela é uma pessoa interessante para vir aqui falar, contar, ela é do Maranhão, tal, então, ela tem uma vida dedicada ao ensino da fotografia, mas a fotografia no sentido da pedagógica também, como linguagem, expressão, e com ela, dentro desse escopo dela, que ela é uma pessoa inteligente, eu tive esses primeiros toques, né, de como revelar, como ampliar… então, eu usava muito essa estrutura do museu, depois, nesse apartamento da Avanhandava, no banheiro, eu tinha o laboratório vertical, né, que não tinha espaço, o banheiro tinha dois metros, era o box e a privada assim, mais nada e a pia mini. Ai, eu punha em cima da privada, eu colocava as bandejas, né, e confesso, a gente lavava a cópia na privada (risos), dando descarga, era a minha bacia de água, né? O ultimo banho era dentro da privada. E era assim, era um revelador, interruptor, fixador e a privada lavava a cópia, né, limpinha, claro, mas lavava. E então, eu comecei a virar fotógrafo dessa maneira: “O Egberto sabe fazer”, “O Egberto fotografa”, ai, eu consegui uma maquininha melhor, eu consegui descolar uma máquina, nem sei se era de boa procedência, eu comprei ali perto da minha casa (risos), era uma ME Super de rosca, uma Pentax ME Super de rosca, era uma máquina antiga mesmo, já tinha um levezinho ali de fotômetro, tal, mas era uma máquina muito antiga. E ai, comecei a usar essa máquina, fui melhorando, fui aprimorando e dentro dessas coisas d faculdade, comecei fotografar alguns políticos, algumas lideranças, já comecei a ir atrás do Lula, Erundina, na época.
P/1 – Mas você foi voluntariamente ou você já tava vinculado a algum trabalho?
R – Voluntariamente, voluntariamente, assim, para ver o personagem, para entender o mecanismo do jornalismo assim como… eu comecei a me interessar ou buscar, dentro desse universo da fotografia, uma possibilidade de ser fotógrafo, usando a fotografia para fazer questionamentos, tal, questão de grana, aliás, nunca foi o mote da minha vida assim, né? Eu nunca estudei nada, nunca fiz nada na minha vida assim: ‘vou fazer isso, porque vou ganhar uma puta grana fazendo isso’, entendeu? A grana veio, consequentemente, as coisas aconteceram, mas eu nunca tive esse foco, né? Porque hoje eu vejo muita gente assim, os jovens, tal e na minha época também… quer dizer, são duas maneiras de pensar, mas era meio natural, eu nunca falei: “Pô, vou estudar, vou ser fotografo, porque fotografo dá uma grana, tal, fotojornalismo dá uma grana”, não, era uma coisa… eu comecei a fazer, natural, sem ninguém pedir, comecei a ir fotografar…
P/1 – Como que você foi fotografar o Lula? Como que você chegou? Como foi?
R – O Lula era simples, né, o Lula tinha… tava sempre… ele já tinha uma atuação, o Lula já era o Lula, né, já tinha a campanha, já tinha… a gente não tá falando de 78, já estamos falando de 86. Então, ele já era um líder, né, já era um cara consolidado, né? Tanto é que foi nessa época que se ganhou a prefeitura aqui, né, com a Erundina, já tinha uma… então, ele tinha uma agenda pública, ele ia aqui, ia ali, ia no comício tal. Era uma outra formatação. Ainda era uma politica mais roots, mais raiz, né, das pessoas fazerem comício, reunião, assembleia, sabe essa coisa? Que hoje você não vê muito, essa representatividade e era uma coisa muito ligada ao trabalhador, tal e a Erundina é uma figuraça, ela fazia aqueles mutirões em periferias, saia na porrada, era um tempo de gente a guerrilha, não só no PT, mas ainda setores do PMDB, tal…
P/1 – Mas você ia na agenda, você via onde tinha a agenda, ia lá…
R – Ia, porque a gente já tinha uma… já começava a ter uma militância e um entendimento maior da politica por causa da faculdade. Então, a gente discutia tudo: “Você viu isso que aconteceu?” ”Olha que não sei o que…” “Olha esse movimento da Erundina, olha não sei o que…”, e nisso, eu comecei a fotografar, mas assim, fazer mesmo, tava aquele bololô de jornalismo de sempre, né, os fotógrafos, tal, e eu comecei a fazer um clique aqui e outro ali, eu ia mais para entender a situação politica mesmo e a fotografia não era: ‘vou lá para fotografar’, eu ia e usava a fotografia. Ai, morando nesse apartamento, na Avanhandava, que eu contei, tal, tinha um vizinho meu que ele tinha sido repórter fotográfico, morava na Caraú, né, que é a subidinha que vai dar na Avanhandava ali, também num apartamento menor que o meu, conseguiu ser menor que o meu (risos), uma figura, e era um puta louco, tal, ele teve uma vida difícil, Ricardo Alves, o nome dele. E ele foi fotografo na década de 70, né, fotografou os movimentos grevistas, tal, pá, pá, pá, mas era muito louco, ele é muito louco, tá vivo, tal, figura, meu amigo, mas era um puta doidão e nessa época, ele era alcoólatra pra caralho, tomava cachaça de tonel, né, ali do lado da Bela Vista, tinha um cara que tinha um barril gigante de madeira e o cara ia lá com uma garrafa de Coca-Cola de dois litros e comprava, custava sei lá, dois reais e ele metia uma daquelas por dia. Era um negocio de louco, né? E esse cara, o Ricardo Alves, ele era amigo do João Bittar, que era… ai que entra essa coisa do jornalismo, da fotografia. Esse cara era amigo do João Bittar e ele… e a Agência Angular onde o João Bittar atuava nessa época… o João Bittar era um grande jornalista, é um capitulo à parte, né, ele faleceu faz três anos, mas ele era… puta, um grande jornalista, foi um grande mestre pra mim e eu tive a sorte de ter começado a trabalhar ali, mas vou contar como é que eu cheguei lá. então, esse cara, o Ricardo Alves, ele chegou: “É, quer ser fotografo…”, assim, mesmo: “Você não sabe porra nenhuma, essas faculdades de merda, caralho, não sei que lá… e pá, fotografo, bosta o caralho, vou te levar para conhecer um pessoal que fotografa de verdade”, e a Agência Angular era na Major Diogo, também numa outra boca, ali, aquelas casas antigas da Bela Vista, você abre uma portinha, um portãozinho, vai se enfiando, uma alcova, né, um negocio… vai lá pro fundo, lá no fundo o laboratório, tal, ele me levou lá. Ai, eu cheguei lá, na época, era… gostava muito do movimento punk, eu falei essas paradas, né? Andava de coturno, cabelinho curto, essa parada toda. A hora que eu cheguei com o Ricardo, o Ricardo sempre me enche o saco quando ele chega, né, ele chegou, a galera já olhou assim: “Puta, lá vem o Ricardo, né?”, ele ia lá para pedir uma grana, tal, fazer esse… era gente fina, e o João era muito generoso. Ai, eu cheguei junto com ele, ai os caras olharam o Ricardo e um punk do lado, falaram: “Puta que pariu, quem é esse filha da mãe?” “Eu trouxe esse cara aqui, João, par você conhecer”, foi ai que eu conheci o Bittar, o João Bittar. Ele: “Ele é fotografo, tira umas fotos de merda, eu trouxe pra conhecer você, pá”, ai o João, um puta cara generoso, aliás, uma qualidade que ele tinha mesmo, sempre foi assim, ai sentou comigo, ficou lá vendo as minhas parcas fotos, né, que eu tinha, sei lá, umas 20 imagens ali, o Lula, a orelha do Lula, que eu tava de lado, eu não tinha aquela coisa, a Erundina com um puta microfone na boca, umas puta fotos de merda, mesmo. O João: “É…”, eu falei: “O que você achou?”, ele falou: “É, quando a gente…”, o quê que ele falou que eu achei engraçado? Ele falou: “Como você não tem muita coisa, o que você tem é muito”, né, então o que eu tinha (risos), mas ele falou o seguinte: “Pode vim”, porque era uma agência, e era uma agência de fotojornalismo independente, ele falou: ‘Pode vim. Amanhã você vem ai, aliás, amanhã tem uma greve de trem, São Paulo vai ter uma greve de trem e se você quiser, você pode ir com o Claudio Rossi…”, o Claudio Rossi ficou olhando um pouco assim, né, também meu amigo até hoje, falou: “Ele vai fazer cor, ele vai fazer cromo e que máquina você tem?” “Eu tenho essa aqui”, ele olhou: “Tudo bem, você faz um P&Bzinho, tá? Você vai e faz um P&B, tá aqui o filme”, sai de lá: ‘caralho, que legal, caralho, puta que…’, tive que acordar às quatro da manhã, né, e puta ir de metrô até Ermelino Matarazzo, aquele assim, zona leste, lembro que a ultima estação da zona leste, não era Ermelino Matarazzo, Penha, enfim…era depois de Itaquera, puta, lá no fim pra poder pegara a galera que pegava trem se amontoando no ônibus, a foto era essa, era que não ia ter trem, então ia todo mundo para o ônibus, então a foto era aquela… puta, nego saindo pelo ladrão, tal e tal. Essa foi a minha primeira pauta, digamos assim, né? E fui e fiz, né, o Claudio que era um cara mais experiente foi fazer cromo e cromo é mais difícil, né, porque cromo você tem que… é positivo, você tem que acertar ou acertar, né, porque ele já é ele, se o fotografo faz escuro ou claro, subexposto ou superexposto, você não tem como recuperar. Ai, o P&B não, o P&B tem uma certa latitude, né, porque é o negativo, você vai no laboratório, você segura aqui, queima ali, tal. Então, fui fazer preto e branco. E assim foi. Foi o meu primeiro dia, minha primeira Paula. Na volta, ainda passei na estação da Luz, né, consegui entrar na estação da Luz pra… pô, já com aquela moral, né, com uma cartinha lá da Angular: “Esse aqui é o nosso fotografo…”, par poder pegar a estação da Luz vazia, né, eu lembro até que eu fiz assim, umas pombinhas voando, cheguei lá, o cara: “Isso aqui é viadagem pura” (risos) “Puta viadagem rapaz, que merda é essa? Se for pra fazer essas bostas, eu não quero…”, o pessoal era foda, era punk, né, uma época de… “Que puta viadagem do caralho! Pode esquecer essa merda”, ai tinha a da pomba e sem a pomba: “É essa aqui, cara! Tá vendo? Essa merda aqui que você tem que fazer”, ai foi assim que eu comecei, né, nessa agência. Essa agência…
P/1 – Mas já era remunerado?
R – Então, era remunerado…
PAUSA
R – Ai, nessa agência… então, essa agência é uma agência de fotojornalismo independente, o quê que era essa agência? Essa Agência Angular era uma agência que ela vem… ela nasceu do desejo dos fotógrafos da época, João Bittar, Marisa Carrião, Cristina Vilares, Zé Bittar, que é o irmão do João, de meio que romper com a grande imprensa, né, assim como hoje, a gente, na época, assim como hoje, assim como sempre, a imprensa era uma coisa meio comprometida com alguns grupos, alguns setores, é o poder econômico mesmo, não tem muita conversa, quem tem grana manda, quem tem privilégio quer manter os seus privilégios, então, os caras da imprensa, eles defendem o grupo tal, o grupo politico tal, a maneira de pensar tal, o que é natural, porque eles são donos desses meios de comunicação. Hoje, graças a Deus, a coisa tá um pouco mais fluida, né, então você tem meios de comunicações independentes, né, ou ações independentes, essa aqui, inclusive, né? Essa coisa aqui do Museu. Quer dizer, você tem coisas acontecendo, mas talvez, naquele tempo, nem tanto, até porque o acesso era mais complicado, era mais caro, né, hoje se faz cinema, se faz filme com mais facilidade, porque você tem máquinas baratas que gravam. Antigamente, fazer cinema significava carregar umas puta máquinas, um puta equipamento caro, importado, fazer documentários era uma coisa que sempre foi mais complicado. Então, você vê garotos, todo mundo trabalhando, tal. Então, a Angular, ela vem de um grupo de fotógrafos já querendo romper com a grande imprensa, no sentido de romper, eu digo, é deixar de ser funcionários dos caras e começar a fazer o jornalismo independente, então, eles se juntaram, alugaram um casa e falaram: “Pô, agora vamos trabalhar por nossa conta e vamos vender para esses filhos da puta. Só que eles vão comprar as fotos que a gente quer. Eles não vão botar lá, a foto que eles querem”, isso era um pensamento legal da Angular. Como é que a coisa funcionava? A gente ia para luta, ia para rua cobrir o dia a dia, passava o dia no rádio escuta, ouvindo radinho, pá, Jovem Pan, na época, aquelas rádios que davam noticia: “Vai ter um encontro, não sei o quê… tá acontecendo não sei o quê… grave não sei aonde… metrô caiu, bloqueou não sei o quê…”, aquela parada da cidade, principalmente, né, porque a gente tava cobrindo São Paulo, que é um lugar de efervescência jornalística, até hoje, é, até hoje, você pode, com mais dificuldade, eu diria, ainda sobreviver desse tipo de mecanismo, de jornalismo independente, tal, fotojornalismo independente. Então, a Angular era isso, era uma pequena estrutura, uma casa, onde a gente tinha uma telefoto da UPI, onde a gente fazia transmissão de foto para o exterior, né, a agência Fast Press, Associate Press, revistas internacionais, isso através do telefone, que não tinha e-mail, não tinha essa parada, a gente fazia essa transmissão via telefone e atendia também, a imprensa nacional, porque o quê que muito acontecia? A imprensa nacional…
P/1 – Quando você fala imprensa nacional, o quê que é? Folha, Estado…?
R – “Folha”, “Estado”, “Veja”, “Visão”, na época, “Isto É”, é o que tinha, né? É o que tem, ainda, praticamente. E ai, esse pessoal pede as fotos, por quê? Porque eles têm uma estrutura assim: “Liga com o motorista” “Cadê o fotografo?” “Quem é o próximo da fila?”, então os caras, pô tava pegando fogo, explodindo, sei lá, acontecendo e eles estão ali, tentando sair da redação, ainda, porque é burocrático, né? É um negócio engessado e a gente não, a gente era um bando de jovem, pá, a fim de puta: “Explodiu”, boom, entrava no bumba, no ônibus, no metrô, ia a pé, de moto, né, a gente pegada às vezes, um cara que tinha moto e os dois de moto para chegar lá mais cedo. Então, a gente pegava muita coisa, a gente fazia foto, porque a gente chegava antes e às vezes, saía depois. Tinha esse problema, às vezes, o cara tinha que sair, porque ele tinha já que fazer a outra foto, a outra pauta, ai o cara saía, aparecia o Jânio Quadros lá na janela, aeee, entendeu? O cara saía, acontecia alguma coisa, o Magri e a Zélia, né, naquele tempo do Collor, aquela coisa, se encontravam e abriam a porta e faziam… então, nos primeiros dias de trabalho, eu já meti primeira página na “Folha”, entendeu, porque eu tinha a foto. Simples assim, não era porque eu era legal, era porque eu tinha, eu tinha chegado antes, tinha feito a imagem, então esse era o espirito da agência, do funcionamento da agência, de fazer e fazer a foto. Então, por exemplo, eu mandava uma foto para “Folha”, eu tenho essa foto, pá, não mandava 50 fotos, mandava uma por telefoto, inclusive, o cara: “Você não tem outra?”, por quê que ele perguntava: “Você não tem outra?”, porque a Zélia tava assim, olha, sabe? (risos) “Você não tem outra?”, falava: “Puta cara, é a única que eu consegui fazer, só tenho essa”, bem, era essa que saía )risos), então foda-se. Então, era isso, esse pensamento na agência, você edita, você escolhe, você manda no seu material, você manda na sua pauta, você manda na sua opinião, você tem o seu pensamento, você tem as suas ideias e você vai comandar o seu trabalho, você vai ser independente mesmo, você vai ter o seu trabalho, seu posicionamento politico, seu posicionamento fotográfico, seu entendimento, a sua foto vai resumir isso e você vai escolher. Então, isso era muito preservado. A gente mesmo, ouvia a noticia, sabia a noticia, a gente entendia o que tava acontecendo para poder fotografar, eu ia muito na FIESP, por exemplo, FIESP, FIESP, então, conhecia todos os empresários, Maria Amato, sabe? Lorenzetti, os caras do momento, né, da indústria brasileira. Ai, eu fotografava o cara, mesmo que ele não fosse a pauta do dia, eu fazia um puta… eu ficava de olho ali no cara, Mário Amato… eu lembro que eu fiz uma foto do Mário Amato passando… o Mário Amato era o presidente da FIESP, passando o lenço na cabeça, pá, eu acho que eu publiquei essa foto umas 150 vezes, entendeu? Toda vez que tinha uma greve, uma coisa, FIESP preocupada, tava lá o Mario Amato, pá! Eu acho que eu comprei umas três máquinas, lente, me alimentei, bebi muito com essa foto dai, entendeu, porque era uma foto que vendia e a gente revendia, toda vez que vendia, cobrava. Então, a gente tinha um comportamento de pensar a fotografia como uma coisa séria, né, que tem valor, que tem valor agregado. Então, a gente atendia, vendia a foto, se o cara quisesse publicar de novo, pagava de novo.
P/1 – E você foi se aperfeiçoando na prática?
R – é, eu trabalhei na Angular três anos e meio, só! Uma pena. Quando eu tava… isso em 91, mais ou menos, então a Angular é uma família mesmo, muito capitaneada por esse personagem que eu falei, o João Bittar. Esse cara foi, pode-se dizer, o meu mestre, né, na área da fotografia jornalística, no posicionamento jornalístico e até em outras coisas também, né? Eu tô falando isso, não posso desdenhar também do que ele me ensinou em termos de linguagem, né, o João usava muito grande angular, ele mandava a gente chegar perto, né, das coisas, a estar perto do fato. Então, tá rolando uma porrada, não é para fotografar de tele, sabe, de 500 metros, é para você estar quase batendo junto (risos), você tem que estar na parada ali, no movimento. Então, tá numa greve, tal, o cara gritando, não é para você fazer de longe, pode fazer de longe também para fazer os planos, tal, mas é para você estar junto com o pessoal, é para você estar ali na… cobrindo mesmo, dentro da noticia, não é lá, né, aquela coisa meio Rede Globo, assim de helicóptero, de longe, que nem foi agora nas manifestações, não, você tem que estar dentro da noticia, então assim, ele me ensinou essas coisas, me ensinou, me dava toques, brigava, tinham questões éticas muito sérias que a gente discutia ali, tal, diariamente, olhando o trabalho dos outros, olhando o que saía publicado, olhando a nossa própria produção, porque não era o único fotografo, tinha uns oito fotógrafos trabalhando na rua, era uma redação fotojornalística independente, então, eu ia cobrir uma coisa, o outro ia cobrir outra… ai, você fala: “E grana, como é que vocês ganhavam grana?”, às vezes, a gente ganhava, às vezes, não, era ponta de risco, a gente fala, a gente ia fazer a foto, ia cobrir com o nosso dinheiro, pegava o trem, o metrô, o ônibus ou o carro, o taxi, se fosse uma coisa que a gente sentisse que valesse a pena, ou ia de carona, o “Diário Popular” era do lado da Angular, próximo, né? E era… sempre foi o “Diário Popular” na época era uma fotografia mais pobre, mais roots, assim, a molecada ganhava muito pouco, tal, então, a gente ficava lá, falando com o Peixe, que era o diretor lá de… era o editor de fotografia: “Ai, Peixe, poso pegar uma carona com o seu carro? Tá saindo o carro para fazer isso?” “Tá. Se você tiver aqui, você vai junto”, ai a gente ia junto, às vezes, tinha que viajar, até, né? Chegava até a viajar nesse esquema, então a gente dava um jeito de fazer e ai, vendia essas imagens, quando vendia, ganhou. A gente ficava com 70%, a agência ficava com 30%. Vendia, muito bem; não vendia, perdeu, né, todo aquele investimento, o que você comeu, o transporte para produzir a foto, você perdia. Só que no final, a conta era redonda, era redonda, para você ter uma ideia, quando eu fui chamado pela “Veja” para trabalhar, fui chamado pela “Veja” para trabalhar em 91, eu entrei na vaga do Antônio Ribeiro, que era fotografo e agora, escreve aquela coluna maravilhosa na “Veja”, mas enfim, eu entrei na vaga dele, ele foi trabalhar na Gamma, uma agência francesa e eu já tava fazendo freelas ali para…tava fazendo freelas para as revistas da Abril, como freelancer, porque eles ligaram lá na agência um dia, pediram: “Você tem um fotografo bacana, tal, tal, tal?”, ai eles falaram: “Tem o Egberto aqui”, ai eu fui fazer, fiz uma, gostaram, fiz duas, gostaram, fiz três, gostaram, porque eu tenho uma coisa como fotógrafo que além de ser jornalista, de cobrir a matéria, eu também sou um pouco construtor da matéria, entendeu, então, eu vou fazer um retrato, eu organizo o retrato, eu pego a pessoa, eu levo ela num lugar, eu poso, eu ilumino, entendeu? Eu crio uma imagem que ilustre aquela matéria, não é… agora nem tanto, agora isso já foi absorvido, mas na época, a maior parte dos fotógrafos não faziam isso. Então, fala para fotografar a Rosana lá do Museu da Pessoa, então, chegava aqui com flashzão, pá, né, “Valeu, tchau”, vai embora. Eu já tinha uma preocupação: “Pera ai, você faz o quê? Você é entrevistadora?” Então vamos filmar você assim mesmo, perninha cruzada, legal, bacana, né, ilumina aqui, tal, a câmera tem que estar, tem que ter o cara junto, para quando o cara vir essa imagem, entender que essa imagem é representativa do que você faz da sua profissão, né? O João até falava: “O homem e o seu trabalho”, que era uma coisa que quase todas as imagens, se você prestar atenção no jornal, na revista, é o homem e o seu trabalho. Então, é o cara que é engenheiro, não sei o quê… é o cara que não sei o quê que é padeiro não sei o que lá… é outro, pá… você folhear a revista, é o homem e o seu trabalho ou o homem e aquilo que ele tá fazendo, pensando, que é trabalho também, sei lá, um professor, então ele tá lá num laboratório, é o homem e o seu trabalho. A gente já tinha sacado isso, então, esse atendimento a revistas começou a chamar a atenção, porque eu comecei a fazer… eu fazia muitas Vejas interiores, na época, tinha um produto, como tem a “Veja SP”, tinha a “Veja Interior”, que era a “Veja” que cobria Araraquara, São José do Rio Preto, Campinas, teve até “veja Litoral”, se eu não me engano. Então, tinha essas Vejas que eram produtos… só que o quê que acontecia? Eles tentavam trabalhar com o fotógrafo lá de São José de Rio Preto, ou com o fotógrafo de Araraquara, ou com o fotógrafo de Araras, eu lembro que uma das primeiras matérias que eu fiz para “Veja Interior” foi ser mandado para araras, era um especial sobre Araras. Ai, eu falei: “Pô, vamos lá”, peguei um carro de madrugada, tal, era um japonês o motorista, inclusive, e fomos. Só que eu cheguei nessa coisa da Abril Cultural, no corpo da Abril com o espirito da Angular. Então, o quê que eu fiz? Antes de ir para Araras, eu pesquisei Araras, descobri que lá tinha o teatro, que Niemeyer fez o teatro. Descobri que tinha um puta mega parque bonito aquático, não sei o quê no meio da cidade, descobri que foi o primeiro lugar a ter um prédio com não sei quantos andares, descobri que a namorada do Veloso, que era o goleiro do Palmeiras, que o Veloso era de lá e tal, consequentemente de lá, bem, vamos ver o quê que rola. Descobri que o sogro e a sogra do Quércia, que era o governador, eram de lá. ai, então, tinha a minha pauta que era para tirar foto do restaurante tal, não sei o que e tal, só que eu, por minha conta própria, fora a pauta que me foi passada, eu fui fotografar o teatro, eu fui, bati na porta do sogro e da sogra do Quércia, chegou um velhinho lá e falou: “Quem é?” ‘Sou da revista ‘Veja’ e tal, queria fazer… falar com os senhores, tal”, tava ele e a velhinha com dois puta pastores alemão, com uma puta varanda, fiz a foto, organizei a foto, descobri que a namorada do veloso… fui lá, fotografei ela segurando a rede no gol, assim, né, que era a namorada dele, que já tinha uma linguagem de revista, né? Então, essa foto com a namorada do Veloso foi para aquela parte sessão Gente, né, que era uma coisa pousadinha, babaca, mas enfim, quando começou a chegar esse material na redação, os caras falaram: “Pô, esse cara é muito louco, muito legal, ele fez o que a gente mandou e ainda me trouxe uma porrada de coisa que eu não pedi, mas coisa do caralho”, então, às vezes, virava o abre da matéria, né, uma foto dessas, por exemplo que eu tio falando. E foi assim, uma porrada de vezes, né? Cobrindo coisas que me mandavam fazer e a coisa se transformava porque as coisas estão em profunda transformação o tempo todo e isso é certo, então no jornalismo não existe aquilo: “Vai fazer a coisa desse jeito”, você chega lá, a coisa é de outro jeito, mudou, né, as coisas estão mudando o tempo todo e às vezes, você pesquisando, estando no lugar, a pessoa que foi enviada ao lugar, ele foi lá e descobre algumas coisas que não estavam previstas. Então, essa coisa do inusitado chamou atenção isso lá dentro da Abril. Eu tava trabalhando essa época com a Denise Lima, que era uma figuraça, né, uma grande jornalista, o diretor dessa divisão era o Laurentino Gomes, que escreveu esse livro: “1800…” e não sei das quantas, que fez um puta… virou escritor best seller e o caralho, também um bom jornalista, né, um cara muito… ai, de repente, acabou esse corpo de revistas da Abril acabou, acabou porque o quê que tava acontecendo? Eles não tinham controle sobre o comercial desse lugar, então o cara ia lá, vendia matéria: “Você me dá uma grana da sua pizzaria, eu boto a sua pizzaria na revista”, sabe essas merdas? Começou a virar um trafico de influencia fodido, só nas entrelinhas, digamos assim, mas eu sei que isso foi o maior problema que eles tiveram, eles não tinham como controlar o comercial. Começou a virar um: vender, vender, vender, vender como se fosse um jabá, né, que é uma prática que não pode ser admitida e ai, resolveram fechar, talvez também por uma questão econômica ali, que não tava dando o lucro que eles estavam pretendendo que desse. Quando fechou as revistas, foi que surgiu essa vaga na “Veja”, então, o Ribeiro foi mandado embora. O Laurentino foi convocado, saiu desse grupo de revistas que ele tomava conta e foi absorvido pela “Veja”. Quando ele chegou na “Veja”, ouviu essa historia de que estava faltando fotógrafo ali, ele falou: “Pô, tem um cara lá que é um louco lá, o cara é doidão, mas o cara segura a onda, faz um jornalismo, o cara… traz matéria, a gente não precisa mandar, ele faz”, vendeu esse peixe para o Mario Sergio Conti, esse ai do Felipão (risos), que acho uma besteira, viu, o cara cometeu um erro, mas é um puta jornalista. Mas enfim, não vamos falar nem bem e nem mal, isso ai é um outro papo. Ai, o Mario Sergio mandou me chamar, falou: “Chama esse cara ai”. a Nellie Solitrenick era editora na época e a “Veja” já tinha aquela empáfia, né, já tinha Antonio Milena, o Ribeiro, que era um cara todo… pá, então, os fotógrafos da ‘Veja” eram muito… tudo: “Sou fotógrafo da ‘Veja’”, uau, aquela coisa. O comportamento, não era uma equipe roots, era uma equipe legal, todos eles são meus amigos, Antônio Milena, Marcos Rosa, a Nellie, mas a Nellie não gostou de chegarem e falarem: “Vou chamar o Egberto”, falou: “Puta que pariu”, queria botar não sei quem, ela não queria que alguém impusesse para ela o fotógrafo. Então, tinha esse primeiro problema, dai eu cheguei para o João na Angular e falei: “João, fui chamado pela ‘Veja’, cara, mas não quero ir”, ele falou: “Não, você vai”, falei: “Mas ai, eles me ofereceram menos do isso aqui, cara”, ele falou: “Não, você vai, você vai porque é uma puta experiência do caralho, vai ser bom para você. Vai!”, falei: “Puta que pariu” e tava lá no fundo do laboratório preto e branco, né, a gente ia para lá no final do dia fazer o happy hour. E tava lá nessa conversa, ele falou: “Você vai, você vai, você vai”, eu fui, né? Ai, ele falou: ‘Mas já que você tá assim, com problema de grana, pede mais dinheiro”, putz, os caras ficaram malucos, cheguei lá pra eles e falei: “Seguinte, com essa grana que vocês estão me oferecendo, eu não venho”, ai o comentário… ela que me contou isso, né, porque isso são bastidores, ela entrou na sala do Mario Sergio falou: “Esse moleque, este fedelho filho da puta ainda tá pedindo mais dinheiro” (risos), ai o Mario bancou. O Mario deu mais grana, sei lá, uns 20, 30% a mais de dinheiro e eu topei. Ai, eu entrei na “Veja”, foi essa a minha historia coma revista “Veja”. Estando na “Veja”, sendo fotógrafo da “Veja”, eu comecei a… não é que eu comecei, eu era daquele jeito, né, a gente muda o tempo todo, mas naquela época, eu tinha esse comportamento de me sentir responsável pelo o que acontecia na cidade, então, eu cobria. Era domingo, o Jânio Quadros foi para o hospital, pro Einstein, eu ia para o Einstein, eu tinha um tesão muito louco pela matéria, não é que eu queria mostrar serviço, pá, ser o fodido, era natural, porque eu tinha sido criado dessa maneira na Angular, então, eu fazia as coisas dessa maneira. Então, as coisas aconteciam e eu ia lá fazer: ‘vou lá fazer essa porra’, que eu tava acostumado a fazer assim, que eu ganhava dinheiro na Angular desse jeito, era o meu ganha-pão, era a minha maneira de me comportar jornalisticamente era me sentir… se acontecesse alguma coisa em São Paulo e eu não tivesse feito, fotografado, eu ficava deprimido, falava: “Pô, caralho, perdia foto, puta que pariu, como é que pode?”, sabe, eu ficava… porque eu era assim, eu era cobrado dessa maneira na Angular, né, e era um trabalho independente. Então, eu levei isso para a “Veja”, levei isso até anteriormente, como eu falei, para as revistas que eu trabalhei, que me levaram a “Veja”. Então, isso, de certa maneira, fez sucesso lá, com alguns jornalistas, o melhor jornalista, alguns jornalistas sacaram isso, alguns bons jornalistas, né? E eu fiz bons amigos, também, não é só… tinha e ainda tem na “Veja” e na Editora Abril pessoas interessantes e ai, porra, e a fim mesmo de trabalhar, fazer jornalismo, porque jornalismo, nada mais é do que uma prestação de serviços, se você for pensar friamente, é isso que é, essa coisa do glamour existe, beleza, como tudo existe, o bom jornalismo vai ser glamourizado, mas puta, é o que menos importa, né, o que importa é você fazer essa prestação de serviço, informar, deixar as pessoas a par do que está acontecendo e fazer isso da melhor maneira é você se dedicar a isso. Bem, aconteceu e ai, o Elio Gaspari começou a me chamar para trabalhar, falou: “O Egberto, esse cara é bom, pá, pá, pá…”, o Milton Abrucio, a Monica Bergamo, o André Petri, o Antenor Nascimento, em várias áreas diferentes, em áreas de saúde, área politica, área econômica, e os caras começaram a falar: “Pô, chama o Egberto”, porque eu tinha ideia. Eu lembro uma vez que eu fui… maior besteira, mas eu fui ilustrar uma matéria de “A classe C esta melhorando”, parece matéria de hoje, né? (risos) Parece que eu tô fazendo hoje essa matéria, mas não é, era uma matéria da época e como ilustrar isso? Ai, tinha lá na pauta: vamos fotografar as antenas parabólicas, aquelas casinhas de periferia, falei: “Legal, beleza”, ai eu fui na reunião, os caras me chamaram para reunião, não ia normalmente fotógrafos nessas reuniões de pauta da área de Economia, mas eu ia. Eu gostava muito de Economia, porque Economia… gostava, não, gosto! Então, eu sempre curti fotografar em porto, fotografar fábrica, granja, sei lá, sabe, mineração, trabalho, né, aquela coisa da produção, né? Ai, eu tava na reunião, falei: “Por quê que vocês não fazem o seguinte…”, eu sou de família, como eu contei, meu pai, minha mãe, todo mundo do interior, tal, e eu me lembro que quando as pessoas casavam, elas colocavam todos os presentes em cima da cama de casal, colocava tudo lá. ai eu falei: “Olha, pelo o que eu sei, pobre, quando casa, ele enche a cama de presente, bota lá o faqueiro, as panelas, sabe, a travessa de cristal, tudo que ele ganha, ele mete em cima da cama, até para o pessoal ver. Então, por quê que a gente não faz o seguinte, vamos lá na igreja Nossa Senhora não sei das quantas, lá na periferia, vamos ver se a gente arruma um casamento lá e ai, a gente vai na casa da noiva e com certeza…”, ficou todo mundo olhando pra mim, assim… “Puta, vai! Vai fazer, se você conseguir, Egberto, beleza”, ele falava meio manso assim, né, tal, na época ainda… ai, eu fui, fui eu mesmo que fui. Fui atrás da igreja, cheguei lá: “Vai ter m casamento quando?” “Tem essa, essa e essa noiva”, tá, ai eu fui na casa da noiva, fui no dia do casamento, cheguei lá, tava exatamente como eu falei, né? Tava lá a noiva, de noiva, o noivo, ai eu fiz uma puta foto com o noivo e a noiva na cama de cima, peguei uma escada, né, vou pegar aquela cama cheia de presentes, dei uma organizada, até o que não tava lá, eu botei a geladeira aqui, o fogão ali (risos), né, tudo o que ela ganhou, falei: “Vamos botar tudo o que você ganhou aqui na porra desse quarto”, isso que eu tava falando, a construção, né, então eu dava aquela arrumada, tal, botei os dois assim na cama, assim, fui lá de cima, pá, fiz a foto. Puta abre a matéria de quatro colunas, né, aquela coisa enorme e os caras: ‘Porra, isso ai…”, então, esse tipo de trabalho, esse tipo de comportamento me ajudou muito, né? Eu sou muito grato a ter sido criado, né, digamos assim, dessa maneira na Angular, porque não é que eu queria isso ou queria aquilo, a verdade era só o jeito de fazer, né, essa maneira de fazer me ajudou e ajuda até hoje, aliás, eu faço isso até hoje. ainda faço jornalismo, tal e toda vez que eu sou pautado por uma revista e eu sei como o meu cliente pensa, eu sei o quê que ele espera, eu busco dentro daquele universo que eu tô atendendo fazer o melhor possível, né, trazer coisas e surpreender mesmo, né? Trazer a informação, trazer a realidade para o leitor, né, que eu acho que é isso que é o papel do fotógrafo. Esse período na “Veja” foi muito frutífero, né, então começou em 91 e foi, digamos assim, teve o seu ápice em… até 96, 97, ai pra mim, começou a entrar numa certa decadência. Nada de mais, eu trabalho para “Veja” até hoje, aliás, eu fotografei p[ara “Veja” ontem, né, como não vai ao ar agora, isso aqui, fui fazer uma matéria sobre aquele remédio da maconha, da Canabbis, viajei de carro, agora, tô filmando para os caras também. Mas quando começaram atentar engessar esse meu comportamento dentro da revista, tal, não por nada, não é maldade, era uma questão empresarial mesmo dos caras. Então, eu não podia mais ligar para pegar o carro e fazer uma foto. Eu. Eu não tinha mais essa autonomia, eu não tinha mais autonomia para gastar filme.
P/1 – As coisas foram mudando, lá?
R – As coisas foram mudando, então, me mandaram uma vez para fazer uma greve de policiais em Recife, avião, carro, hotel e me deram um filme. Ai, eu dei aquela revoltadinha, né: “Pô, como assim, caralho, vocês vão gastar cinco paus e eu não posso gastar 50 a mais?”, ai aquela coisa burra, eu vou falar a palavra mesmo, essa coisa burra e entrei em conflito, eu comecei a conflitar com isso: “Vocês vão desculpar…”, ai comecei conflito, conflito, conflito. Eu era muito bem quisto, mas quase ninguém não gostava de mim, né, porque não tem porque também, né, nunca fui filho da puta, nunca sacaneei ninguém, essa qualidade u tenho, graças a Deus, mas assim, esses caras responsáveis por gerenciar, né, começaram a me encher o saco e começaram a me espezinhar, me fritar. Levaram três anos para me fritar, né, assim, do ponto de vista fritura, porque eu nunca fiz nada de errado, nunca deixei de fazer uma foto, nunca fiz uma foto ruim, foi assim, só por causa dessa coisa politica, e todo mundo sabe que eu sou um cara de esquerda, né, sabe até hoje, né, eu nunca fui, como é que fala? Dissimulado, não! eu não tenho esse comportamento, eu sou o que eu sou e acho que não tem problema nenhum você ser o que você é, pensar politicamente o que você é, hoje em dia, parece que as pessoas estão com vergonha, até, em falar de politica, né? E a politica é a base do nosso dia a dia. Ou quando falam, falam de uma maneira maniqueísta, né, como isso é o bem e isso é o mal, lado a lado e não existe nem o bem e nem o mal, existe uma coisa meio fluida, ai, existe interesse, né, a coisa não é tão banal assim, né? Mas essa foi uma época de banalização. Ai já tinha saído, já tinha saído da “Veja” o Elio, já tinha saído a Dorrit, já tinha saído o próprio Mario Sergio Conti, então uma época de mudança, essas mudanças dão uma embrutecida no negócio, quando deu essa embrutecida, né, apesar de eu até gostar do diretor de redação que substituiu o Mario, que era o Tales Alvarenga, ele era um cara legal, um cara que até tinha um certo caráter, mas assim, ele era um cara mais linha dura, e ai botou uns capachos lá, uns caras que puta, realmente, como jornalistas, não valiam merda nenhuma, para executar esse papel, né, de sei lá, de capachão, de como é que chama aquele cara da fazenda? O capatazão, né, cuidar dessa questão, mas foi só isso. Passou, tal, ai tudo mudou, a revista mudou, as coisas mudam, graças a Deus, às vezes, para melhor, às vezes, para pior, mas elas estão sempre mudando. Isso é uma coisa que eu sempre penso, quando você tiver na merda, você pode pensar: ‘puta, pode melhorar, as coisas vão melhorar’, você tá na merda, e quando você tiver bem para caralho, você também pode pensar: ‘pode piorar’ (risos), então as coisas estão sempre mudando, então…
P/1 – Mas você acabou saindo?
R – Ai, eu sai, fui saído, consegui me mandarem embora…
P/1 – Em 96?
R – Não, eu sai no final de 99.
P/1 – Ficou bastante.
R – É, mas ai, toda… e ai, não tinha só a “Veja”, né? E eu também não briguei com ninguém. Eu tô falando tudo isso aqui, é um depoimento que eu tio falando o que eu penso, mas isso nunca foi nem dito. Nunca processei ninguém, nunca fiz nada, nunca fui atrás dessas coisas… eu não fiquei com rancor, mágoa, porra nenhuma, todo mundo no mercado sabia. Quando eu sai da “Veja”, me ofereceram trabalho em todos os lugares, me ofereceram trabalho na “Folha”, no “Estadão”, me ofereceram trabalho na “Isto É”, todo mundo queria: “O Egberto, porra, como mandaram o Egberto embora?”, ai o que eu falei? “Vou tentar ser independente”, foi nessa hora que eu comecei a resolver que eu ia tentar isso, porque dentro da própria Abril, eu fotografava para “Cláudia”, “Quatro Rodas”, “Boa Forma”, puta, eu fazia um monte de revistas, “Exame”, então não teve… porque aquele preconceito era questão de dois, três caras ali da revista, o resto era puta, todo mundo gostava de trabalhar comigo. Eu assinei matéria na “Quatro Rodas”, eu fui fazer, os caras me mandaram, Marcos Emilio me mandou cobrir: “Egberto, nós temos a seguinte matéria: pega esse carro, esse Gol, você vai testar o Gol”, falei: “Pô, eu nunca fiz isso, como é que é esse papo?” “Você vai sair com esse Gol por ai, testando, tirando umas fotos”, falei: “Pô, legal o trabalho” “Só que eu vou te mandar para área Pontal de Paranapanema” (risos), um filha da puta, né, ele sabia que não ia dar outra, né, o que tem no Pontal de Paranapanema? Porra, um monte de acampamento sem terra, do Zé Rainha, o quê que eu fia? Cheguei no Pontal de Paranapanema, fui direto, né, peguei o Gol da Abril, o Gol, testando o Gol, entrei com ele dentro do acampamento (risos), botei a plaquinha “Quatro Rodas”, fui me enturmando, já conhecia o Zé Rainha, tinha fotografado pela “Veja”, tal… ele: “Pô, Egberto…”, o cara fez um puta retrato do Zé Rainha, inclusive, né? Essa historia é legal. Fui fazer um perfil para “Veja” do Zé Rainha, ai, aquela entrevista longa, foi a Mônica Bergamo que fez, a Mônica é foda, né, puta jornalista! Entrevistou o cara o dia inteiro e ele ficava olhando para mim e eu não fazia a foto, né, eu já conhecia o modelo da revista, não era para fazer aquela foto do cara falando. Essa foto não ia valer merda nenhuma. Fiz uma ou outra dessa, mas, fiquei lá esperando, ‘pô, esse cara não faz nada, o cara no faz porra nenhuma’, eu via isso na cara dele, né,’ esse cara não fotografa?’, porque foi quase um dia inteiro de entrevista, que a Mônica era um inferno. Bem, eram quatro horas da tarde, a Monica resolveu acabar, né? ai, ele olhou pra mim assim, eu falei: “Então, vamos fazer uma foto?”, ele: “Pô, tava até preocupado, você não fez nenhuma foto até agora, pensei: ‘será que vai ter foto?’”, ai eu falei: “Eu quero só uma foto”, ele: “Qual é?”, eu falei: “Tá vendo aquela cerca ali?”, ele olhou assim, eu falei: “Eu quero fazer você pulando” (risos), ai ele foi lá, pulou três vezes a cerca, né, então tenho o Rainha assim. Essa foto, puta, circulou pra caralho, o Zé Rainha dando salto assim, numa cerca, Movimento dos Sem Terra, essa questão da invasão, então tava tudo ali, era um perfil, sabe aquela matéria de perfil? Sobre ele, a historia dele, quem é ele, como ele atua, pá, pá, pá, então, esse é o tipo de imagem que resume o personagem, né, pelo menos naquele momento. Então, essa foto circulou para caralho. Como eu fui pela “Quatro Rodas” testar o Gol, eu fui lá visitar o Rainha, né, pô, você tá no Pontal de Paranapanema, o Pontal de Paranapanema, o Rainha é quase o… ele é mais importante que o prefeito, né, muito mais importante. Então, ali, tudo gira em volta do INCRA, a historia do Sem Terra, dos assentamentos, da própria logica dos Sem Terra, né, que eles têm uma lógica própria de trabalho, de cooperativa, de… e eu fui lá visitar, conhecer, tal e falei: “Tô pela ‘Quatro Rodas’ ai” “Pô, o que você tá fazendo pela ‘Quatro Rodas’?”, ai, todo mundo viu ele falando: “Esse cara aqui, tá liberado”, puta, ai eu fui ficando, fiquei um dia, fiquei dois, descobri os canaviais, os usineiros que vendiam álcool clandestino, fotografei, abasteci o carro, botava a plaquinha, o cara abastecia lá, o clandestino, comecei a fazer matérias relacionadas a carro, fiz uma… comecei a fotografar o carro dos Sem Terra, que é aquelas puta Brasília modificada e o caralho, Corcel não sei o que, que eles usavam para puxar tora, levando não sei o que… comecei a fazer matérias de carro, mas com esse viés politico. Até que um dia, eu falei: “Bem, eu vou embora, né, tá bom, eu já fiz as minhas matérias”, os caras: “Se eu fosse você, eu não ia embora, não”, ai eu já me liguei, né? Eu: “Quanto tempo eu tenho que ficar?” “Não, mais um dia ou dois”, tal, ai eu fiquei. No dia seguinte, os caras fizeram uma mega invasão, mega invasão, então três horas da manhã, aquele monte de carro de Sem Terra, tudo na estrada, pá… e eu documentando tudo, quatro e meia da manhã, o dia nascendo, eu meti o Gol assim na porta, botei a placa da “Quatro Rodas”, ai foi um monte de Sem Terra e derrubou a cerca (risos), foto de abre desse tamanho, entendeu? Do jeito que a “Quatro Rodas” faz, mas com todo esse componente politico envolvido. Então, essas coisas eram legais, assim, né, de você ter e conseguir e fazer e obter o espaço, que na verdade, a gente contou uma puta historia em cima do modelo de historia que a “Quatro Rodas” faz sobre carro, sobre testar um carro, sobre falar de carro e contou toda a historia do… ai, eu tive que escrever a matéria, né? Escrevi a matéria também, porque fui eu que fiz, tal, demorei muito mais para escrever a matéria, obviamente, como eu já expliquei, do que para fotografar, porque escrever é uma coisa mais difícil mesmo pra mim, né, que nunca… já escrevi algumas vezes, mas é complicado, é mais complicado. Acaba que você vai pegando uma manhã, você já sabe um pouco, mas é complicado. Assim como é complicado para o jornalista fotografar, enfim, assim que é. Então assim, eu fui trabalhando com essas revistas e tal, acabei circulando, ai eu… até o João, na época, era editor na “Folha”, o João Bittar, publicitário, ele era editor de fotografia da “Folha”, ele ficou puto comigo: “Você não vai trabalhar aqui comigo Caralho! Finalmente” “João, eu vou, mas você não consegue ai que a gente… que eu seja um freelancer, um especial, um fotógrafo que você possa contar?”, ele conseguiu, ele me deu ali um papel, uma grana por mês, ele me dava quase cinco, seis pautas por mês e eu fazia, mas eu não queria mais ser contratado, né, nesse momento da minha vida, não, acho que até hoje eu carrego isso comigo, eu não queria mais ser fotógrafo contratado, porque ia ser… fiquei com uma certa… essa coisa da burocracia, desse comportamento das empresas jornalística, né, me deixou um pouco… porque existe esse comportamento também quando você é freelancer, mas você não vive ele, né, você vai, faz a foto, entrega, você nem vai mais na redação, você não vê mais a redação, então não precisa mais ter isso. Então, eu fiquei com essa vontade. Nessa historia toda, paralelamente a essa coisa de jornalista, as revistas, tal, eu comecei também a me apresentar num outro mercado, que é um mercado de fotografia autoral, fazendo ensaios, né, algumas pessoas pontuais, eu vou até citar as quais, claro que merecem reconhecimento, tipo Marcos Santilli, que era diretor do Museu de Imagem e do Som, a Nair Benedicto, né, o Rubens Fernandes são pessoas mais ligadas às artes, também ao jornalismo, lá atrás, anteriormente, mas que atualmente atuam como produtores culturais, tal, começaram a me pegar para fazer trabalhos, Júlio Cristiano Mascaro, Romulo Fialdini, Arnaldo Pappalardo, então, um grupo de fotógrafos, fiz um livro com aquele puta seleto grupo de fotógrafos, era até o Pedro Martinelli, tal, todo mundo ali, eu no meio, né, isso já em 90 e… antes de sair da “Veja”, 97, 98 que eu comecei a frequentar esse métier um pouco, né, com um trabalho jornalístico. O meu trabalho é jornalístico, meu trabalho é realmente jornalístico, sempre foi, mas ele tem um viés documental, né, ele tem uma linguagem. Eu comecei a trabalhar com outras máquinas fotográficas, comecei a trabalhar com a X Pan que é panorâmica, da Hasselblad, comecei a trabalhar com Hasselblad, SWC, lente… uma puta lente, uma grande angular, você nem foca, é tudo no anel, comecei a experimentar mais. E esse espaço eu não tinha na “Veja”, como eu tava falando, nessa época que eu considero a época decadente, não deles, mas a época que pra mim, na minha carreira, a coisa começou a baixar assim, no sentido que eu não conseguia mais fazer porra nenhuma lá, que eu queria, do jeito que eu fazia, com independência, que é o meu estilo. Ai, eu comecei a fazer por minha conta, entendeu? Em casa (risos), eu comecei a comprar filmes, comecei a comprar máquinas, comecei a fazer por minha conta, eu ia para rua fazer qualquer coisa, até para dar um certo desanuvio daquela situação da revista, que eu tava sofrendo na revista, de não conseguir produzir o que eu gostaria de produzir e com limitações absurdas, tipo, um filme por matéria, entendeu? Eu quero fotografar, ai eu ia lá, pegava metade do meu salário e comprava pacotes de filme, eu lembro que a minha geladeira tinha pacotes de provia, aquelas… 50 filmes, caixas de filme dentro da geladeira, que preserva melhor e tocando bala. Ai, comecei a experimentar, tal e isso começou a chamar algumas atenções, né? Ai, eu comecei a transitar nesse mercado. Eu falo isso, porque eu sai em 99 da Editora Abril como funcionário, comecei a trabalhar como fotógrafo independente, fotojornalismo independente e atendendo todas as revistas, menos a “Veja” nessa época, né, porque você sai, o cara não vai chamar depois freelancer, né, então passei ali alguns anos sem trabalhar para eles, agora, retomei. Faz uns cinco, seis anos, eu retomei de volta, porque mudou, né, aqueles caras que estavam lá não são mais os mesmos, esses caras, tal. Então, são outros que estão mais preocupados com outras coisas e eu abri a Imã Foto Galeria.
P/1 – Como… foi nesse… foi em…?
R – Eu abri em 2001, no dia quatro de julho de 2001.
P/1 – Como que nasceu esse projeto de abrir a Imã?
R – Então, eu dei esse hiato, esse parênteses, né, de falar que eu comecei a transitar nesse mercado das artes, tal, pá, pá, pá, para chegar na Imã, né, obviamente, porque a Imã, ela nasceu de um seguinte projeto, assim, eu pensava muito em ter espaço, eu tava com uma necessidade de espaço, né, eu tava meio frustrado, aquela coisa da gente ter, querer produzir, querer fazer e não ter onde fazer, publicar, né? Então, eu ainda venho do jornalismo, o fotojornalista, foto boa é foto publicada. Fazer uma foto, olha que linda essa foto, e não tinha facebook na época (risos) para mostrar, fazer e meter na gaveta era uma coisa frustrante e gente fazia grandes coisas, não só eu, não é uma questão minha, essa questão atingia a classe toda, todo mundo tinha esse problema, então, era frustrante não ter espaço, então a galeria nasceu da ideia de criar espaço, de você ter um espaço para fotografia em São Paulo, coisa que na época, não tinha. Você tem isso, agora, você tem uma diversidade de galerias e de espaço. Então, você tem a Dock, você tem a Porão, tem a galeria 2.8, são galerias relativamente novas, a Porão abriu ontem, a Dock tem um ano, a 2.8 tem dois, entendeu? A Imã, nesse momento agora, que eu tio falando, ela tá com 13 anos, né, tá indo para o 14º ano, né, mas eu tava contando que nessa época que eu abri a galeria não havia espaço, havia o MIS, havia um museu, havia a Coleção Pirelli, inclusive eu faço parte dessa coleção, tá ai, se eu não me engano, eu entrei na Pirelli em 99 ou 2000, quer dizer, então, nesse momento que eu tio saindo da “Veja”, eu tio saindo da revista, tô querendo espaço, tô querendo produzir, tio querendo fazer e tio querendo não só para mim, ai entra aquele papo (risos) esquerdopata, de querer fazer mesmo para sociedade, pá. Então, montei uma galeria, não é minha galeria, não é que eu fico mostrando minhas fotos, aliás, nunca fiz uma exposição minha. Montei a galeria com o intuito da gente criar espaço para fotografia, para a fotografia jornalística, fotografia documental, coisa que, principalmente, para esse nível de fotografia, porque as fotografias outras já têm outros espaços, já é absorvida por outro mercado e assim foi. E abri. Quando eu abri foi um puta… como era uma coisa nova, não havia na cidade, não acontecia nada, nenhuma ação relacionada a isso, todo mundo queria participar, a gente não sabia o que fazer, era uma casa, ali, tá lá até hoje, é a mesma casa, tem limite, espacial inclusive, tal e aquilo…
P/1 – Mas você foi alugar o espaço…
R – Fui procurar o espaço, eu abri a galeria com um fotógrafo chamado Kiko Ferrite, um cara super gente fina, ele durou seis meses como meu sócio, que ele… a coisa que ele reclamou inclusive, foi essa, ela falou: “Egberto, eu não suporto… depois que eu virei dono de galeria aqui com você, eu não tenho mais vida particular, eu fico atendendo um, atendendo outro, pensando na fotografia do cara e eu tenho uma carreira ai, eu tenho as minhas coisas para fazer, não tô conseguindo”, e é realmente um problema isso, né? É um problema você se dedicar a trabalhar à fotografia ali, né, não só a sua. Então, ele teve esse drama, porque ele era mais novo, eu já tava mais safo. Quando eu abri a galeria, eu já tava meio… não tava mais preocupado em engrandecer a carreira, já tinha…
P/1 – Mas o plano da galeria era expor e poder vender a fotografia?
R – O plano da galeria era ter exposições e vender. Agora, eu não conheci mercado, eu achei que eu ia abrir a galeria, ia bombar e vender. Vendeu, vendeu, vende até hoje, mas não vende que nem pão quente, né? E vou te falar mais…
P/1 – Qual é a diferença com uma galeria de obra de arte e artes plásticas?
R – É que a fotografia, não adianta, ela é uma arte reprodutiva, ela é reprodutiva nos sentido em que você pega um negativo e faz 200 milhões de copias. Então, por isso que existe esse conceito de tiragem, tal, as pessoas querem limitar para valorizar, tem até a arte… a fotografia única, tem até o cara maluco que vai lá e corta o negativo, faz uma foto, faz um quadro e destrói o negativo, porque dessa maneira, ele quer agregar valor ao trabalho, você tá entendendo? Trazer mais próximo disso que você acabou de falar, das artes plásticas, tal, onde você tem a individualidade, a obra única, né, a coisa única. Tanto é que alguns fotógrafos foram buscar esse conceito, também. Então, por exemplo, você pega um Eustáquio Neves, que é m dos grandes fotógrafos, um grande caráter, uma grande pessoa, negro, mora lá em Diamantina, montou o ateliê próprio, ele faz isso, ele é m cara alquimista, ele trabalha no laboratório, então, ele faz uma obra única, então ele pega o negativo e põe, depois põe de novo, bota um outro negocio, escreve em cima na copia, pá, pá, pum, sai uma e vende com valor agregado a todo esse processo que ele colocou ali, né, então, é assim, essa é uma das maneiras. Esse mercado tá acontecendo agora, agora, sim, mas ai, a coisa… pra manter esse… eu sou só um simples fotógrafo, né, não tenho família rica, tal…
P/1 – Naquele momento, como que você adquiriu o acervo, quais eram os fotógrafos que colocaram o trabalho lá?
R – O acervo foi simples, primeiro que eu tenho um grupo enorme de amigos fotógrafos, né, gente da melhor estirpe, grandes fotógrafos, grandes pessoas, você pode botar ai uma lista gigantesca de pessoas que eu poderia passar aqui uma hora citando elas, né? Graças a Deus, eu tenho bons amigos, fora…
P/1 – Mas qual foi o modelo que você…?
R – O modelo era, num primeiro momento, absorver toda essa produção contemporânea brasileira, da fotografia brasileira, boa produção, então, fui absorvendo, fui trazendo para a galeria. Então, você tinha na galeria, Nair Benedicto, Rosa Gauditano, Walter Firmo, Eustáquio Neves, você tinha gente do Ceará, Tiago Santana, Celso oliveira, do Rio de Janeiro, Zeca Araújo, aqui de São Paulo, Cristiano Mascaro, Bob Wolfenson, o Duran foi lá: “Olha, queria deixar uma foto aqui na sua galeria”, entendeu, não é por nada, é porque não tinha, não é porque a gente era bonito, eu sempre fui isso aqui, um cara simples, pá, não era um cara de repente, que você quer ser amigo por algum motivo, né, sabe aquela coisa que existe, né? As pessoas queriam por causa do espaço, da criação de espaço, de gerar espaço, daquilo ser uma oportunidade para mostrar o trabalho, então tinha um monte de gente da área de publicidade, né, procurar, esse pessoal eu não conhecia, o cara: “Quero deixar minhas fotos aqui, quero mostrar, como é que funciona?”, todo mundo meio que… a pergunta era sempre essa: ‘Como é que funciona?”, que era uma coisa nova, só que ai, o Kiko saiu depois de seis meses, tal e eu tinha que manter esse negócio. Ai, começou a mudar, como tudo muda e isso é verdade, como eu acabei de falar e ai, comecei a criar outras possibilidades dentro da galeria. Uma delas, a gente começou a montar, fazer quadros lá dentro, a fazer a montagem por dois motivos, um para economizar, porque você mandar montar fora é uma coisa e montar lá dentro, é outra. Então, a gente começou a atender a própria galeria, fazendo um ateliê de montagem próprio, como uma Fast Frame, uma Moldura Minuto, a gente tem todo esse aparato, de vidro, madeira, serra, prego, a gente monta um quadro em uma hora, duas, na galeria, você chegar… tá feito. Só que a gente não… a principio, eu não pensei nisso como um negocio, mas acabou virando, hoje em dia, é, hoje em dia, a gente atende, tem uma exposição para entregar segunda-feira de 40 quadros em Santos, montei uma exposição no Centro Cultural Banco do Brasil, agora da Nair Benedicto em Brasília, né, Walter Firmo, a gente já fez itinerância com ele, montamos exposições dele em vários lugares, inclusive, ele me ligou antes, eu tava vindo para cá, ele me ligou pedindo duas cópias, é outra coisa que a gente tá fazendo também, a gente tá fazendo a impressão. Então o quê que é isso? Você fala: “Mas por quê que ele tá falando isso?” porque me remete a uma coisa, a gente é dono dos meios de produção, né, a gente tá ali, fazendo, então a gente tem a máquina, uma puta impressora, a gente faz a montagem, isso barateia o custo e a gente tem como oferecer para o cliente, que é a nossa ponta final, um produto bom, de qualidade, com esse controle de qualidade, a um bom preço. Então, eu acredito que esse negócio ainda vai crescer mais e mais e mais, até porque nós estamos num momento de mercado em que tá todo mundo olhando as galerias, todo mundo vendo, estão abrindo novas galerias, o que é muito bom, né, cada uma com o seu estilo, com o seu escopo, então, tem uma galeria que é mais dedicada aos amadores, hobistas, tal, a outra como a Dock, que tá tentando absorver um pouco dessa cultura do fotojornalismo, a nossa que é uma fotogaleria que transita entre os grandes fotógrafos e os fotógrafos mais jovens e faz um pouco a ponte entre esses caras, bem focada na fotografia documental, de certa maneira, na fotografia social e também, como produtora, geradora de serviços, pô, a gente tá fazendo coisas maravilhosas, criando backlights, caixas de luz, tô falando da galeria como um negócio, agora, isso tudo, todo esse movimento deu vida a ela, né? Tanto é que nós estamos lá há 13 anos e isso… e a galeria também não é só… então, tudo o que…
P/1 – Mas vocês começaram a promover exposição, quando que começou? Já começou com espaço expositivo?
R – Já começou com exposição. A primeira exposição era um abuso, não tinha nem lugar para colocar fotografia, tinha que colocar fotografia no teto.
P/1 – Foi uma coletiva, como foi?
R – Uma coletiva, tinha… foram quase 100 fotógrafos, foram 80 fotógrafos.
P/1 – A primeira exposição?
R – É, puta, você pode pegar o convite, se você quiser, eu mostro, é até bom mostrar, você vai ver os nomes, você não vai acreditar, né? Então, ai são os mesmos, gente nova, que na época estava nova, agora, já tá consolidada, gente já consolidada, que já até morreu, enfim, mas era um maravilhoso grupo inicial de trabalho. Então, a galeria nasceu dessa ideia de criar espaço, de trazer espaço para a fotografia também tem a ver com essa minha questão pessoal na época, eu também tava buscando isso, aliás, eu busco até hoje, tanto é que eu já migrei, hoje eu faço filmes, eu uso essa linguagem do vídeo na galeria, entendeu, foi ali que eu comecei a fazer o meu laboratório de vídeos, de documentação e vídeo, de comunicação e vídeo, né? Eu sempre falo assim, que eu seria um ótimo dono de galeria em Cuba, porque eu tô fazendo isso por grana, né, o meu negocio não é: “Vou fazer isso, vai custar isso para ganhar aquilo”, pô, o que eu já fiz de exposição que eu paguei, exposição de outras pessoas, do meu bolso, totalmente, quando eu digo: “Pagar”, paguei tudo, o financeiramente, paguei com energia, me dedicando, produzindo, criando uma comunicação, entendeu, faço muito as coisas nessa área com um certo espirito ideológico mesmo, ideológico, não é uma coisa… honestamente, se eu tivesse dedicado a minha vida inteira a só ser fotógrafo, é óbvio que eu ia ser outra pessoa. Se eu tivesse esquecido essa parte, eu teria uma outra vida, seria uma outra pessoa, talvez fosse barrigudo, careca, feio (risos), porque ser bom é bom, né, ser uma pessoa que pensa nos outros é legal, tal, te traz uma certa beleza interior e exterior, também (risos), tô brincando (risos), só para quebrar o gelo.
P/1 – E quando você começou a historia dos cursos?
PAUSA
R – Bem, essa historia dos cursos, ela veio naturalmente por dois motivos, aconteceu… quando os fotógrafos se dedicam a algum projeto, por exemplo, um cara como o Cristiano Mascaro, todo mundo sabe dele, que a vida dele é dedicada a fotografia de arquitetura, a documentação urbana, ele é arquiteto formado, dá aula, então existe uma ligação muito grande entre o autor e aquilo que ele propõe falar, mostrar. Então, não só curso, mas a galeria começou a ter palestras, começou a ter movimentos de dar voz a esses caras e isso é o que eu penso mesmo, a fotografia não é… ter uma galeria não é pendurar um monte de quadros na parede, não. esse é o mais fácil de fazer, isso ai, você pode abrir 200 galerias, sabe, você pode abrir um espaço, pendura os quadros, abre uma galeria. Pronto, fácil! Mas o que a Imã e eu, como mentor dessa coisa proponho é que você, quando vê uma exposição, você entenda aquela exposição, quê que o autor quer falar, o quê que o autor conta, o quê que ele traz de novo, o que ele questiona, e assim, eu tenho feito. Então, as produções na galeria Imã são feitas assim, a gente faz uma exposição, a gente cria uma comunicação e às vezes, a gente faz grupos de trabalho com fotógrafos, propõe grupos de trabalho, que são workshops, cursos, né, às vezes, fotógrafos que nunca participaram desse mercado. Quer ver um exemplo claro disso? É um cara magnifico, né, a gente vai envelhecendo e a gente vai perdendo amigos, né, porque eles morrem, acontece e assim, o Ritter é um grande amigo, espero que ele viva bastante, esse não morreu, não, eu tio falando isso porque sobram poucos no final, né, não tem m cardápio gigantesco de pessoas maravilhosas, pessoas que você confia, o caramba são poucas e o Ripper, por exemplo, é um cara que ele é um Sebastião Salgado, se não for melhor, ele é bom pra caralho, só que é bom pra caralho, e ele caga e anda para esse mercado das artes, sabe, da vernissage, do copinho de vinho branco, do “Wow, wow, wow!”, ele é um cara diferenciado, ele é dedicado ao que ele faz, ele trabalha só com o quê? Trabalho escravo, Organização Internacional do Trabalho, Unicef, doenças negligenciadas, o cara dedicou a vida inteira dele para fotografar essas coisas e bem, e bem. Então, eu sempre tive profunda admiração por esse fotógrafo e esse mercado inteiro cagou e andou para ele a vida inteira, como se ele não existisse, por quê? Porque o cara é simples, entendeu? O cara na fala, o cara não se impõe, não faz aquele marketing pessoal, que aliás, é uma coisa que eu abomino isso, eu até luto para ter essa galeria para ela ter espaço para caras como o Ripper, por exemplo. Então, o Ripper, ele tava sem grana, tava fodido, trabalha que nem um filha da puta, é um dos melhores fotógrafos do país e duro. Eu falo: “Isso não tá justo”, ai eu falei para o Ripper: “Ripper, é o seguinte, cara, vamos fazer um trabalho com você na Imã, vamos? Vão bora lá fazer”, ai começou, o quê que é o trabalho com o Ripper na Imã? A gente fez cinco filmes com ele, documentais, criou uma coleção de fotos, imprimiu essas fotos na Imã, que nós temos lá, um laboratório preto e branco, negativo, mesmo, temos birô digital de toque, então, botei toda essa maquina, digamos assim (risos), a serviço dele e produzimos, construímos, criamos o conceito, agregamos as pessoas, que também não sou o herói solitário, não, tem um monte de gente que pensa do mesmo jeito, que trabalha assim, então, tem o Carlos Carvalho, sabe, no Rio Grande do Sul, Heraldo Peres em Brasília, a Nair, tem muita gente, o Tiago Santana, que pensa assim, o Miguel Chikaoka em Belém. Tô falando de uma rede de pessoas que se agregaram a esse projeto e ajudamos o Ripper, construímos, pagamos as contas dele, todas, ele devia mais de 150 pau, caralho, não sei o quê, pá, e construímos o produto. Não é que construímos um produto, o Ripper é muito melhor do que essa construção, mas nesse mercado, ele nunca teve inserção nenhuma. Ai, ele teve inserção, foi combatido por todos os… sabe, porque a vida é uma luta de classes, quando você se posiciona, você fala “A”, vai ter o cara falando “B”.
P/1 – Mas o quê? Vocês venderam a obra dele?
R – Vendemos a obra dele, vendemos o nome dele, então, o Ripper, por exemplo, ele fez… eu falei tudo isso, porque você falou o negocio do curso, como que começou o negocio dos cursos, tal, então, nesse pacote de ações, uma delas era ter um curso, um workshop de fotografia humanista, né, que um dos melhores cursos que a gente já ofereceu. Ele é ótimo, ele criou, inclusive, a escola de fotografia na favela da Maré, no Rio de Janeiro, que aliás, é o melhor lugar para estudar, se a minha filha quiser estudar fotografia, ela vai estudar, eu mando ela para a favela da Maré, no Rio de Janeiro, ela não vai para a porra do Senac, porque lá, estão os melhores fotógrafos, os melhores pensamentos, as melhores ideias, parece brincadeira, né? Eu tava no taxi no Rio de Janeiro, a mulher, ela me viu com aquele monte de equipamento fotográfico, falou: “Você é fotógrafo?”, falei: “Sou” “Pô, adoro fotografia…”, taxista, mulher, que é legal, né, raro e é legal (risos), adoro pegar uma taxista. Ai, eu tô lá no carro assim, com ela, olhando, “Você é fotógrafo?”, falei: “Sou”, ai começou aquele papo, tal, ai ela falou: “Eu quero estudar fotografia”, eu falei: “Olha, tem uma escola de fotografia lá na Urca, tal, ai eu olhei bem pra ela assim, é uma pessoa simples, tal, falei: “Mas você quer saber a verdade? Não vai estudar na Urca, não, vai pra Maré”, ela: “Na Maré? Na comunidade da Maré?”, eu falei: “É, na Maré”, aqui eu não sei, porque se você pegar o programa, são anos, é uma faculdade mesmo, os melhores professores, a cátedra do pensamento fotográfico carioca, obviamente, dentro dessas condições, né, eu não tô falando do acadêmico bundão, eu tio falando do acadêmico que se envolve com a sociedade, que vai trabalhar, tá lá dando aula, tipo, Dante Gastaldoni, o próprio Ripper e ali, eles formam gerações e gerações de fotógrafos, existe a Imagens do Povo, que é uma agência de fotógrafos populares, quer dizer, são ações assim que soa ai, se alguém tiver ouvindo, se alguém for ouvir isso, parece coisa de revolucionário, tal, não é, simplesmente, é um negocio bem feito, bom, que atende a população e atende qualquer um, logico, é isso que eu tô falando, graças a Deus, a gente não tá vivendo nessa condição de miséria, tal, ou nessa condição de favela, de comunidade, mas honestamente, se fosse para alguém estudar, minha filha, por exemplo, se quiser estudar fotografia, ela vai estudar na Maré. Então, na Imã, a gente trouxe um pouco desse Ripper, que é professor, para ensinar, faz parte do apresentar um fotógrafo, fazer uma exposição, fazer um trabalho com um fotógrafo, você levar o que ele tem a dizer, então, o fotógrafo, o Ripper, ele tem muita fala nessa área de humanidade, digamos assim, no sentido da fotografia documental humanista, o nome do workshop dele é Workshop Bem Querer, parece coisa de viado, né, mas não é (risos), Bem Querer, né, porque ele fala do amor, é um cara muito doce, um cara muito bacana, a voz dele é mansa: “Paz na beleza, na pobreza, tal…”, eu até brinco que o Ripper narrando um jogo de futebol: “Lá vai Neymar, com a sua bola, Robinho, chutou, é gol” (risos), a gente tira uma puta onda dele, né, é uma figura, é uma pessoa doce, querida, ele é o que ele fala, isso que é o mais importante para mim, e ele tem o discurso e ele vive o discurso dele, não é aquele cara: “Sou de esquerda, pi, pi, pi, que o povo, a luta…”, depois, o cara adora, sabe, balançar um copo de whisky, usar roupinha que não sei o quê…
P/1 – Tem um momento que na Imã, os lançamentos, eles acabam sendo como se fosse um acontecimento cultural, que momento que vem a musica e as projeções?
R – Olha, eu sempre gostei de musica, muito, a minha vida foi pautada pela música, eu contei no começo dessa historia toda, sempre teve uma musica na minha vida, então, eu contei da minha mãe ter quebrado os meus discos, isso foi uma coisa…então, a musica sempre teve uma relação fundamental, eu acho que não é só na minha vida, é na vida de várias pessoas e assim, foram fases, eu posso contar a minha historia inteira com musica, né, então teve o blues, teve o country, teve jazz, teve o bebop, teve o cool, teve não sei o que, o cool jazz (risos), teve todo… o frevo, né, conheci minha mulher em Pernambuco ouvindo frevo, fui a Pernambuco para ouvir frevo, eu fui para lá, não fui para Bahia, porque eu odiava aquela musica baiana, né, eu não tô falando da musica baiana como um todo, aquela musica de trio elétrico, o axé, né, que é um pé no saco e ai, eu falei: “Quero passar o carnaval, para onde eu vou? Vou para Pernambuco. Pô, eu gosto de jazz, lá tem bandas de jazz tocando na rua”, porque era jazz, o frevo é um puta jazz, 30, 40 caras, vai lá, pá, rá, rá, tocando aquela parada no meio da rua, sem abadá, sem porra nenhuma, à vontade, então queria conhecer isso, né? Foi ai que eu até conheci minha mulher tal, em 93, isso.
P/1 – Você foi passar o carnaval lá?
R – Eu fui passar o carnaval lá, eu contei essa historia de como eu conheci a minha mulher?
P/1 – Não.
R – Não, né?
P/1 – Pode pegar o gancho, se você quiser, depois, a gente volta para galeria.
R – É melhor, mesmo (risos). é bom falar de mulher, mesmo, bem melhor, um pouco, né?
PAUSA
R – Então, em 93, eu ainda morava ali na Avanhandava, né, eu tinha mudado daquele apartamento pequenininho… você vê como são as coisas, né, a gente, talvez por ser taurino, taurino né um cara conservador, mas o quê que aconteceu? Eu já tinha melhorado de vida, obviamente, eu j tava bem, já tinha uma grana, já tinha emprego, trabalhava na “Veja”, mas eu peguei e mudei desse apartamento de um quarto para um apartamento que tinha na esquina da Paim, Avanhandava com a Paim, em frente ao Treme Treme tinha um puta prédio que tinham dois por andar, era um puta apartamento, daqueles antigão, janelão, tal e eu fui morar nesse apartamento, trabalhando, já trabalhava na “Veja”, tal e tinha um certa segurança, digamos assim, estabilidade financeira, um bom salario, ou razoável, se dizer, e fui morar nesse apartamento. Eu acho que eu já tinha contado aqui a historia, eu tinha uma namorada na época, que chamava Sandra. Eu gostava muito dela, eu vivi com ela sete anos, né, ela me acompanhou um pouco nesse período todo que eu contei aqui, do meu inicio, tal, como fotógrafo. Eu sempre fui um cara de poucas mulheres assim, se for ver a verdade, eu tive três mulheres, né, que eu fui quase que casado, eu tio no meu terceiro… seria, se fosse… na verdade, eu casei, casando mesmo um vez só, mas eu tive três mulheres, né, de viver com elas, de compartilhar a vida, o dia a dia, de ser companheiro, foram três e a terceira que tá comigo agora é a Carla. E em 93, a minha relação com a Sandra já não tava bem, já tava meio… tava bem ruim, para falar a verdade, a gente já tava meio que se separando, tal, ela tava… não tava mais legal. Eu acho que eu cheguei a comentar dela aqui, anteriormente, né? No depoimento da outra vez que eu vim aqui. A gente não tava se relacionando muito bem mais, é uma questão de estilo, mesmo, né, de pensamento, de ideologia, a gente não tava… não tinha nada a ver com nada, não foi outra mulher, não foi outro homem no caso dela, ninguém teve uma paixão, era questão de estilo mesmo, né? A Sandra é uma mulher maravilhosa, trabalhadeira, bacana, bom caráter, falo mulher trabalhadeira, porque mulher que trabalha é uma coisa deliciosa, né, dá um tesão louco (risos), uma coisa que eu nunca tive na minha vida foi tesão por mulher que não trabalha, sabe aquela princesinha, patricinha, nossa senhora! Pode ser a mais linda do mundo, não me dá tesão, uma das coisas que me dá tesão é ver uma mulher ativa, produzindo, obstruindo, mas enfim, ela era assim, a Sandra era assim, uma mulher que trabalhava, pá, pá, mas nossa relação não tava bem. Ai, surgiu a oportunidade de eu sair de ferias e ela tava trabalhando, tal, pá, a gente vivia junto, mas já não tava bom. Eu sai de férias, eu falei: “Bem, vou tirar as minhas férias, né?”, as minhas férias começavam assim, depois do carnaval, tipo, na quarta-feira de cinzas começava as férias, então eu tinha o carnaval e as férias. Ai, eu resolvi… falei: “Olha, vou fazer o seguinte, eu vou viajar, tá, vou viajar, tal…”, na época, eu tinha um trompete, eu era tarado por Miles Davis, queria aprender trompete, tal, eu sempre tive essa coisa da musica que eu falei para você, a minha vida inteira teve música e eu tava na fase Miles Davis, tal, jazz clássico, aquele jazz, todas as fases do Miles Davis, passando pelo bebop, cool jazz, hardbop, elétrica, até chegar no hip-hop que foi os últimos discos que ele fez, inclusive, é o que eu tava ouvindo na época, eu lembro até hoje era o disco Doo-Bop, que eu acho que é o ultimo disco do Miles Davis, que ele gravou com os caras da rua, mesmo hip-hop, pá, uma coisa absurdamente diferenciada. Ai, eu pensando: ‘onde é que eu vou passar o meu carnaval, né’, eu decidi ir para Recife, decidi, inclusive por conta dessa paixão pelo metal, né, pelo jazz metal, pela coisa do frevo, a coisa que mais parece com jazz aqui no Brasil é o frevo. O frevo é uma musica linda, eu sou apaixonado por frevo, talvez até mais do que por jazz, comecei a conhecer mais e mais e mais e mais, eu acabei criando uma paixão muito grande pelo frevo e tinha essa coisa da minha pretensa vontade de tocar trompete, né, na verdade, eu tive dois trompetes, nunca toquei, hoje eles decoram a minha casa, tal, mas não toquei até por disciplina, a vida da gente é muito louca. Hoje, eu tenho uma bateria, tenho uma batera, eu toco um pouquinho, tal, brinco, vai uns amigos lá, a gente faz um blues, faz uma historinha, mas obviamente, eu não toco bem e eu não toco, porque puta, você tudo na vida tem, que se dedicar, né, a gente precisa… um pianista não vira um puta pianista se não tocar piano todo dia, tal, não se dedicar ao piano, não se dedicar ao estudo do piano. Mas eu tinha esse trompete, tal e ai eu falei: “Quero ir para Recife”, e já tinha lá em Recife, uma turma de fotógrafos que me conhecia pela “Veja”, né, Heudes Régis, Dorival Elze, Sergio Dutti, me conheciam, mas nem me conheciam pessoalmente, conhecia de crédito, tal, porque a “Veja” tinha uma sucursal em recife. Ai, eu resolvi: “Vou para Recife”, ia também para Recife nessa mesma época, o Milton Abrucio, a Monca Bergamo, e outros amigos meus que iam passar o carnaval lá também, eu falei: “Vou para lá”. eu fui para lá, eu lembro que eu cheguei quatro horas da manhã lá no aeroporto e botei minhas coisas naquele malex do aeroporto, aquelas coisas de guardar, e fui direto, na época, ainda tinha carnaval em Boa Viagem, ainda existia o carnaval em boa Viagem, fui direto para Boa Viagem, cheguei lá, estava aquela puta banda de rua tocando, aquele puta frevo maravilhoso, o dia nascendo, uma cena bonita mesmo de ver e eu ali, pá, olhando os caras tocando, até um trompetista olhou pra mim e pensou: ‘esse cara deve ser viado, né, não tira o olho de mim’ (risos), mas eu tava assim, com essa coisa de ficar olhando e aprender, eu queria aprender mais sobre aquela cultura, tal. E foi assim que eu fui bater em Recife. E tinha a coisa do frevo, o frevo é energético, ele é pulsante, ele é uau, uau… a gente fala que é frevo de ataque, né, que é aquela coisa, tum, tum, tá, tum, tá… sincopada desconcertada, dissonante, é muito bonito, muito legal, tanto a música quanto a dança e ai, tô lá no carnaval, o pessoal de lá, até o Heudes e o Dorival Elze, depois até fotografaram o meu casamento, tal, ficavam: “Pô, esse paulista é muito louco”, que eles achavam que eu era velho, eles falavam que pelo tipo de fotografia que eu praticava, tal, na revista, a hora que eles me viram pessoalmente, eles falaram: “Pô, tu é o maior moleque, pensei que tu era um puta coroa, careca, barrigudo, velhinho, tal, tinha outra imagem tua. Na época, não tinha ainda internet, aquela coisa que você bota o nome da pessoa, aparece as imagens, já sabe quem é, a vida dela e o cacete, não tinha nada disso, então os caras me imaginavam outro cara. Ai, puta, a gente logo de cara criou uma puta empatia e ai, vamos para Olinda, né, vamos cair em Olinda, fiquei na casa do Heudes, ele me recebeu muito bem, puta menino simples, tal, um apartamento lá em Bairro Novo, que é do lado ali de Olinda, ai eu fiquei no apartamento dele, aqueles apartamentos gradeados, né, aqueles tijolos vazados que é meio típico de Recife, tem até um nome desse tijolo, que eu esqueci.
P/2 – Mombojó.
R – Mombojó, que é bem típico de lá, que refresca, né, uma coisa arejada, as casas lá são assim. E tão bonito, né, tudo aquilo pra mim, chamava atenção, eu muito ligado a cultura popular, eu queria conhecer Maracatu, queria conhecer Caboclinho, queria conhecer todo aquele universo de danças, de cultura, de musicalidades, tal, que também eu tava praticando isso nessa época, era o que eu gostava de fazer era isso. Eu gostava, por exemplo, na área de cinema, eu gostava de cinema novo, Glauber Rocha, então, Glauber Rocha fez toda aquela pesquisa iconográfica com o cangaço, Lampião, aquelas coisas de Deus e o diabo, Dragão da Maldade, toda essa musicalidade que o filme do Glauber trazia, até o próprio Martin Scorsese fala isso, que a coisa mais perfeita em termos de musica e de filme que ele viu na vida foi o filme “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, que a narrativa musical mostrou o filme inteiro, tal. Então, a minha cabeça na época era isso, frevo, musica, narrativa musical, imagem, que é mais ou menos, até hoje, é um pouco assim, mudou, obviamente, tudo muda, mas eu tô contando como que era na época, então eu cheguei, eu fiquei pinto no lixo: “Oh, que do caralho…”, chapando o coco, dando festa, curtindo pra caralho, dançando, me divertindo, não ligando para porra nenhuma, com grana no bolso (risos)…
P/1 – De férias…
R – De férias, né? Ai, um dia, eu tô lá no… subi num bloco, um bloco que coincidentemente, chama Segura o Cu, né, o bloco chama Segura o Cu, achei o máximo o bloco. O quê que era o bloco? Vocês devem conhecer o Klebão, o Klebão da feira da Pompeia, o Klebão da feira da Pompeia, que eu conheci lá, não aqui, na feira da Pompeia, depois que eu vim saber isso, ele é um cara grandão, enorme e tal, ele pega uma vara de pescar dessas bem fortes, coloca um fio de nylon comprido e amarra na ponta, uma piroca feita de areia, um pinto mesmo feita de pano com areia, com as bolas, tudo e duas asas e ele fica girando essa piroca assim, né, e tocando frevo e ai, vem a parte do Segura o Cu: “Abaixa o cu”, e todo mundo vai abaixando, “Abaixa o cu, abaixa o cu”, ai depois, todo mundo levanta: “Abaixa o cu, senão você se fode”, bobagem, né, de Olinda, uma coisa de diversão mesmo. Lá, eles usam um apalavra que é brincar o carnaval, que aliás, eu acho bonita, eu acho o que combina com a cultura, porque lá, muitas pessoas brincam o carnaval, né, carnaval não é os cabelaço, pegar mulher, é também, claro, mas é a coisa da brincadeira, todo mundo brinca, todo mundo se fantasia, é familiar, então você vê criança, velhinho, tio, tia, baile da saudade, brincadeira de roda, é um negocio democrático, né, você vê a elite, o pobre, a classe média, todo mundo lá, né? e eu tava nesse bloco Segura o Cu e eu tava achando aquilo muito engraçado, mas muito engraçado mesmo, eu ria, eu brincava, eu pulava e não sei o que e tal… ai, eu tava passando pelo Mercado da Ribeira, que é no alto assim, né, ai eu olho assim, eu vi a Carla, que é minha atual mulher. Eu olhei aquela menina, ela olhou pra mim, aquele papo de sempre, né, olha aqui, olha ali, olha aqui, olha ali, e eu tava assim, eu tava bem, né, eu tava com aquela bochechinha vermelha, aquela carinha meio bêbado, meio… rindo, feliz, contente, eu digo isso porque a Carla é uma menina linda, né, é ainda, mas puta, novinha então, com seus 21 anos, era uma coisa uau, né? Eu até olhei, falei: “Caralho, que menina linda”, puf, né, fui pra cima. Sai do bloco, sai do Segura o Cu e cai pra dentro do mercado e fui falar com ela, né? E eu sempre fui um cara muito chegada, né, eu sou um mega xavequeiro de mulher, né, o meu pão foi tipo: ‘Oi, tudo bem?” (risos), aquela conversa completamente furada, mas ela também tava interessada, então, ela deu uma abertura: “Tiudo bem?” “Tuudo bem?” ‘Que legal, tá ótimo, aqui é muito gostoso, tudo no carnaval é ótimo”, ela: “É, eu vi você, você era um dos caras mais felizes”, foi uma das primeiras coisas que ela falou pra mim: “Você era um dos caras mais felizes do bloco, isso que me chamou a atenção, tal, você tava pulando, rindo, sorrindo, dando nó na cabeça”, falei: “Que legal, tal, pá, não sei o que”, e puta, ai já bateu, né, uma liga assim, ela tava com uma garrafinha e eu com outra, eu tava tomando aquele pau do índio, né, ai eu até ofereci pra ela, ela falou… eu falei: “Você quer?”, ela falou: “O quê que é isso?”, eu falei: “Pau do índio” (risos), ela: “Não, obrigado. Você quer?”, eu falei: “O quê que é?” “Gim”, ai eu falei: “Caralho, essa é das minhas, né, tá tomando gim”, é uma bebida de gente grande, né?
P/2 – Profissional…
R – É, profissionalíssima! Ai, papo vem, papo vai, “Vamos pegar uma troça?” “Vamos”, ai, quando eu comecei a ver, ela dançava pra caralho! Ela dançava, ela arrebentava, os passos, tesoura, pá, subia, descia, eu falei: “Caralho, a menina dança pra caralho!”, e eu era punk, né? Eu falei: “Vou ter que dançar para caralho, também”, ai eu comecei a prestar atenção no frevo, falei: ‘não é muito diferente do punk”, né, que o punk tem aqueles “tchul, tchul”, que a gente se joga, se atira, ai eu comecei a dançar punk (risos), meus passos punk da época e ela começou a olhar e falou: “Pô, você dança bem pra caralho!” “Gostou?”, então, uau, girava assim, fazia aqueles passarinhos do Discovery Channel, manja, quando quer conquistar a fêmea? Ele gira, ele sobe, desce, se atira. Ai, eu mandei ver, né, meu! E ela era uma menina… a Carla era aquela pernambucana típica, durona, invocada, mas ai a gente começou a querer chegar junto um do outro, tal, ela falou… ai, eu fui descobrir, ela era do Ballet Popular do Recife, uma das bailarinas do Ballet Popular do Recife, ela tinha um grupo chamado Ballet Forte do Brum, Forte do Brum é um forte que tem lá, ligado ao exercito, tal, que ela comandava. Ela tinha uma companhia de dança, que eles estavam participando de festivais de dança pelo nordeste, tal, então era uma pessoa dedicada a dança, dedicada a esse lance. E ela tava fazendo uma pesquisa de materiais, ela tava no carnaval, inclusive, por causa disso, que ela tava pesquisando roupas, tal, para fazer um trabalho de coreografia com a cultura pernambucana e ela precisava pesquisar a roupa do Maracatu, a roupa disso, a roupa daquilo, porque… ai, ela me chamou: “Vamos até Recife, que vai ter um encontro…”, era domingo, né, “Vai ter um encontro de maracatus agora à noite”, eu falei: “Vamos”, eu falei: “Vamos de taxi”, ela: “Não vou entrar no taxi com você, e o caralho” (risos) “Vamos de ônibus”, eu falei: ‘Vamos de ônibus”, e na época, eu tinha úlcera, eu não sei porque, se era nervoso, se era cigarro, bebida, a porra toda, eu tinha úlcera, eu vivia… sabe, eu tomava, na época, um remédio que chamava ____01:53:31___, que era um de primeira geração para quem tinha úlcera, hoje, tem outros. Eu sei que eu desci daquele ônibus vomitando (risos), tem que me amar muito, tem que ser paixão para encarar, ela falou: “Pô, você tá passando mal?” “Não, eu tenho úlcera”, tal, não sei o que, lava a boca (risos), louco para dar um beijo, fazer alguma porra, primeira coisa que eu fiz foi isso. Ai, eu fiquei, tal, fomos indo, fomos indo, até que a gente sentou num banco em recife, ali, em Olinda, tinha uma revista “Veja”, uma Vejinha de lá, né, uma “Veja Pernambuco”, uma coisa dessa. Ai, ela falou: ‘Olha que coincidência”, ela tava na revista, tinha uma foto dela, com o grupo dela em frente o Forte do Brum, “Olha, essa foto é minha, olha eu aqui”, falei: “Olha, que legal”, ai eu vi o crédito, Heudes Régis, que era onde eu tava, na casa do cara, fotógrafo da “Veja”, eu falei: ”Engraçado, eu tô na casa desse fotógrafo”, até então, não tinha… como é que eu digo? Usado, xavecado, usado aquele papo: “Sou fotógrafo da ‘Veja’” e tal, né, tava na minha, tava…
P/1 – Na brincadeira.
R – Na brincadeira, né, eu acho um horror esse negócio de você ficar se vendendo pelo o que você faz, né? Pelo glamour do que você faz. Ai, eu falei: “Tô na casa desse fotógrafo. Eu também sou fotógrafo” “Ah, você é fotógrafo?”, falei: “Também, trabalho na revista”, papo vai, papo vem. Bem, chegamos… eu fui levar ela às seis da manhã em casa (risos), a gente namorou, ficou junto, ela morava com os pais ainda, tinha todo um negocio, ela falou: “Sei lá, viu, acho legal você me levar em casa”, falei: “Vamos”, fui levar, não teve jeito e eu também já tava a fim, eu gostei muito, fiquei muito a fim, foi uma paixão, mesmo, talvez em termos de amor, de paixão, de interesse por uma mulher, tenha sido a coisa mais forte que me aconteceu, tanto que eu casei. Ai, chegamos na casa dela, e lá, eles chamam “mainha”, “painho”, não sei o que, tal, eu vi ela: “Mainha…”, não sei o que, a mãe preocupada, “A gente tava com o Egberto, que tava com o Heudes…”, era tudo mentira, “A gente foi num luau na praia”, não sei o que, pá, ai eu ainda cometi a besteira: “Sabe, mainha…”, ela: “Mainha o caralho…” (risos) “Mainha porra nenhuma”, porque a mãe da Carla, tá viva ainda, gente fina, é uma figura de uma personalidade impar, assim, né, ela é personagem de filme, fuma cachimbo, faz aquelas caras assim, sabe? Parece o sertão vai virar mar, uma figura seca, né, maravilhosa, só que ela é uma pessoa de personalidade mesmo, dura, critica e também de bom caráter, se ela não gosta, ela não gosta; se ela gosta, também, ela gosta bastante. Então, eu me dei muito bem com a mãe dela, também, né, então ai, começou essa relação. Só que dia seguinte, de novo, carnaval, o carnaval começou a virar o frevo, a dança parte da nossa relação e além do que, é até hoje, né? A gente, todo ano, há exatos… eu conheci ela em 93, então 21 anos que a gente tá junto, digamos assim, a gente vai todo ano ao Rio, ao carnaval, só não fomos quando nasceu a nossa segunda filha, a Camila, na primeira, nós fomos, levamos bebê, ela tinha nascido, a Carolina nasceu em dezembro, então, consequentemente, em fevereiro, ela tinha três meses, então, ela foi. Mas a Camila não, a Camila nasceu em abril, então, consequentemente, ela tava meio estourando na barriga da mãe, fevereiro, não é isso? É, mais ou menos, depende de quando ela foi gerada, também, essa conta assim, né, mas enfim, em fevereiro, acho que a Carla tava de sete, oito meses, foi meio desaconselhado a viajar, a gente se arrependeu tanto de não ter ido, enfim, porque é legal, acho que o casamento, assim como na adolescência, por isso que eu acho que ter toda essa ponta é um rito de passagem, né, na adolescência, você tem o seu, e na vida adulta também, você tem os seus. E é legal isso, o nosso rito de passagem, digamos assim, ter sido linkado ao carnaval, porque fazia parte da cultura dela, de certa maneira, fazia da minha, pelo meu interesse pela musica, tal, não sei o que, a dança, então tudo isso virou um bolo, né, virou um bolo, que a gente preserva até hoje, a gente vai lá e celebra…
P/1 – Mas ai, vocês começaram a namorar, passou as férias lá…
R – A gente começou a namorar, bem, ai, teve todo esse primeiro dia, teve um segundo dia, teve um terceiro dia, até que o carnaval acabou. Ai, começaram as minhas férias, né? Ai, eu resolvi, essa historia é engraçada, eu resolvi comprar um carro, porque eu levei uma grana, porque eu sabia que o carro lá era mais barato, uns 20% mais barato, hoje, menos um pouco, mas na época, era uns 20% mais barato do que aqui. Um carro usado, ia comprar o meu primeiro carro, até então, nunca tinha tido carro. Mal sabia dirigir. Eu falei: “Vou comprar esse carro e volto de carro para São Paulo, dirigindo”, ai comprei o carro. Eu fui com ela, ela foi comigo, eu comprei um carro, um Golzinho, daqueles quadradinhos, vermelho e nós apelidamos eu e ela de pitomba, por causa do bloco das Pitombeiras, tal, ai eu botei… puta, é muito louco, botei umas artes de… umas artes primitivistas que vendia lá no mercado do Varadouro, de um artista chamado… puta, esqueci o nome do cara, o cara é muito bom, Evandro. Ai, botei assim, no vidro, assim (risos), ficou bonito o carro, sei lá, era a minha vibe na época e aquilo era… um puta som, fiz questão, meti um puta som no carro, ai eu cheguei pra ela: “E ai, meu, vamos viajar?”, foi basicamente isso. Ai, ela teve que inventar uma puta mentira em casa, ai ela inventou lá pra mãe, pra família, meio mancomunada com uma amiga lá, que ela ia participar de um festival de dança em João Pessoa, não sei o que, pá, pá, pá, e que ia viajar com o grupo, de ônibus que ia sair não sei quando… tudo casaca, né, ela entrou no meu carro e pegamos a estrada, né? Som na caixa, amor, mulher, tudo em cima, praia, duna, alegria, né? Eu lembro de pensar assim: ‘isso não deve estar acontecendo’ (risos), né, ‘não pode, tá tudo muito bom’, né, tava tudo do caralho, né, era banho de mar, comida, sexo, alegria, tudo de melhor, tudo acontecendo da melhor maneira, chegava até a… tinha uma troca entre eu e ela muito grande, né, eu apresentando Miles Davis e ela: “Ouve o Luiz Gonzaga, ouve não sei o que…”, e pá, aquela puta relação maravilhosa. A gente passou, bem, um mês viajando, nessa viagem, eu bati o carro três vezes (risos), a mais absurda delas, que eu não sabia dirigir, a verdade é essa, eu dando um puta cata nela, e dirigindo lá, pow, meti o carro no poste, começou… sabe quando você bate a 60, 70 por hora num poste, sem brecar? Ai, eu: “Vou morrer”, aquela merda soltando faísca, os caras tudo em volta: ‘Sai do carro, sai do carro”, pô, você acredita? Dando um cata e dirigindo ao mesmo tempo, coisa de louco, né, coisa de louco. E pegamos esse carro, foi rebocado por um senhor lá, levamos para Natal, a gente tava em Búzios, indo para Pipa, e ai, ficamos sem carro, tal, mas continuamos a viagem, fomos pra Pipa de ônibus, tal, ficamos lá enquanto o caro arrumava. Graças a Deus, tinha botado o carro no seguro (risos), os caras do seguro não acreditavam, acabou de voltar do segura, há uma semana, essa deu quase perda total, essa do poste, ia levar, sei lá, 20… levou quase o tempo todo, nós ficamos viajando por conta, sem carro, até que o carro ficou pronto, pegamos e entremos… pegamos o carro e continuamos a viagem, já voltando, que ai, já não tinha mais como subir mais, a minha ideia, na época, era ir até Jericoacoara, tal, mas como teve o acidente. Bem, nessas, eu deixei ela em Feira de Santana na volta, deixei ela lá, porque ela foi comigo até um lugar razoável, digamos assim, para ela voltar e eu continuei a viagem…
P/1 – Mas você não tinha que voltar?
R – Eu tava voltando, Feira de Santana já era a volta, né?
P/1 – Para São Paulo?
R – Para São Paulo. Eu tava voltando, minhas férias estavam acabando, eu já tava no limite, tipo era quinta-feira, eu tinha que trabalhar segunda e eu tava em Feira de Santana, ainda. Eu fui protelando, né, fui deixando até o ultimo… até calcular que se dirigisse 48 horas direto, eu chegava em São Paulo e vou trabalhar, né, que a gente tava, realmente, nessa paixão, nessa loucura toda assim, nesse momento das nossas vidas, né? Ai, eu deixei ela em Feira de Santana, aquela puta despedida, pá, pá, pá, e continuei viajando na estrada, ouvindo uns forró, pá, tava totalmente nordestino, aliás, muita gente acha que eu sou de lá, né? Muita gente fala: “Mas você não é pernambucano? Pô, tu não é de Pernambuco?”, eu falo: “Não, cara, eu sou de Santos” “Porra, mas tu, porra, eu tinha certeza que era pernambucano”, falam até porque eu absorvi, mesmo, a cultura, o estado, a família, alguns costumes, né, então a gente tem que tomar café da manhã aqueles com macaxeira, ovo, café, sabe essas coisas? Cuscuz, sabe essa parada que tem lá? Tem em casa essas coisas, né, a gente tem uns traços culturais fortes, né, às vezes, até na fala, até no jeito de falar, eu adquiri certo sotaque. Mas tô voltando com o carro pela estrada, e conheci um cara num posto de gasolina: “Pô, eu tô indo para São Paulo”, o cara era de Alagoas “Eu também tô indo”, falei: “Beleza, vamos tocando ai, vamos tocando”, cara, graças a Deus que eu conheci esse cara, que eu não sabia dirigir, a verdade é essa, eu bati o carro duas vezes nessa viagem, ai, tô lá numa curva, na Curva do Capitão, chama Curva do Capitão, perto de Itabuna, uma cidade chamada Ibirapitanga, cara, é foda esse negocio de auto escola, eu fico puto com isso até hoje, quem já fez auto escola e faz até hoje, ninguém nunca ensinou a reduzir na curva, eu acho isso o fim do mundo, porque eu nunca aprendi, no tempo não tinha internet, hoje em dia… então, o quê que aconteceu? Eu também não tive tempo, eu não sou aquele cara que rouba o carro do pai, o caralho, ficava andando com 16, 17, não, como eu contei aqui as historias, eu era da mobilidade urbana, do metrozão, só fui ter carro, esse carro que eu tô contando a historia em 93, né, era o meu primeiro e eu já tinha, se eu nasci em 66, já tinha quantos anos? Vinte e seis, 27?
P/1 – Vinte e sete.
R – Vinte e sete anos, você vê que não era um jovenzinho. Ai, puta, eu tô na curva, o carro começa a rabiar, né, perder o controle na curva, aquela coisa da curva, o quê que eu fiz? Pá, meti o pé no freio, a hora que eu meti o pé no freio, o carro, pum, pá, pum, pá, eu capotei três vezes, vi um caminhão vindo assim, quando eu capotava, o carro virando, eu vi o caminhão vindo, cai num barranco, nessas de capotar, minha sorte é que eu tava de cinto, senão, eu não tava aqui contando essa história. E amassou o teto, a única coisa é que fodeu minha testa aqui, amassei tudo aqui, porque o teto bateu aqui em cima, deu uma apagada assim. Ai, esse cara que eu tinha conhecido no posto, que a gente combinou de ir dirigindo junto, tal, por um pedaço, viu também. ele chegou até a ir embora, acho que ele ficou preocupado, né, ai o cara voltou. O cara voltou, o carro caiu em pé, né, não caiu de cabeça para baixo, caiu em pé e eu no barranco assim, eu falei: “Caralho…”, tava começando a me recompor, de repente, começa a vim uma cabecinha aqui, uma cabecinha ali, começa a aparecer, brotar do nada, não sei como, pessoas e eu preocupado com o equipamento, cara, eu tinha levado o equipamento da “Veja” (risos) na viagem, material fotográfico. Eu era fotógrafo, eu falei: “Meu Des do céu…”, porque nessas capotadas, voa pra cá, voa pra lá, olha que idiota, a primeira coisa que eu falei para o cara: “Cara, oferece 50 paus e recupera as minhas coisas ai dessa molecada que tá chegando ai”, dai eu comprei quase tudo, perdi uma lente, né, os caras pegaram tudo, entrei numa… ai chegou a ambulância, né, me levou para o hospital em Ibirapitanga, que é essa cidade, um hospitalzinho, Ibirapitanga se você procurar no mapa, você não acha, pequeniníssima, tinha um hospital, ai eu cheguei, o cara olhou assim, na ambulância, dia de sol, a ambulância com aquele vidro branco jateado, aquela luz entrando, eu falei: “Eu tô fodido”, eu fiquei pensando sobre a vida, sobre as coisas, a gente não pode ser feliz mesmo que as merdas acontecem (risos), tava tão bem, né, é aquilo que no budismo, a gente fala que é o sofrimento da mudança, as coisas mudam e você não contava com essa mudança e ela acontece, vai acontecer mesmo. Mas foi isso, ai eu cheguei no hospital, né, e ainda falei com o médico, eu falei: “Porra cara, o seguinte, eu não sei o que aconteceu, o que tá ai, tal, mas olha, faz o melhor possível, depois eu te dou até uma gorjeta” (risos), mas era hospital publico, né, eu falei: “Meu, capricha, por favor”, o cara falou: ‘Não, tem que fechar”, o cara foi caprichoso, tanto que eu nem fiz plástica, dá para ver aqui, dá para ver que não tá lisinho, botox, mas o cara fez um trampo lá deu, sei lá, 100 pontos. E eu passei ai, uns dois, três meses com pomada de colágeno, assim, tal, acho que funcionou bem, mas tudo isso aconteceu, ai eu liguei pra Carla em Feira de Santana e falei: “Olha, sofri um acidente assim, assim, assim”, só que ele anão tava, né, falei com o caseiro da casa que ela tava, ela ficou num fazenda lá que era de uns amigos dela. ai, o cara entendeu mais ou menos, acho que ele entendeu Ubatuba, não sei o que, ela falou: “Ubatuba é no litoral”, foi olhar no mapa, aquela coisa toda, até que ela começou a ligar para Policia Federal, né, ligou para Policia Federal: “Aconteceu algum acidente? Um cara assim, assim, assado, o carro assim, assim, assado?”, até que ela acabou ligando para policia Rodoviária, ela conseguiu descobrir onde eu tava, daqui a pouco, ela tava lá, cara, ai, ela foi pra lá cuidando de mim, parecia o homem de lata assim, né, tinha uma faixa na cabeça que ia subindo assim, fazia um cone, né, um negocio louco. E ela passou ali uns três dias comigo, na época, eu tava lendo a autobiografia do Miles Davis, ela ficava lendo para mim, tal. Obviamente, ligamos para “Veja”, tal, para avisar que eu tinha me fodido (risos), fiquei mais três dias ali com ela, tal. Ai, fui para Ilhéus, peguei o avião e vim para São Paulo, né?
P/1 – E o carro?
R – O carro, perda total. Perda total…
P/1 – Ainda bem que tava no seguro (risos)
R – Fodeu o carro todo (risos), esse carro ficou lá mesmo, não chegou em São Paulo, acabou-se tudo, eu tenho foto, eu fui lá até para tirar fotos, tal, por causa do seguro, mas foi uma loucura esse começo. Bem, isso foi fevereiro, março, né? A verdade é que dia 28 de abril… ai, a gente… eu e ela ficávamos no telefone o dia inteiro, aquela paixão, eu tava até meio adolescente, né, para minha idade, mas foi talvez a minha primeira mesmo, eu não tinha sentido coisa do tipo. Ai, eu ficava com ela no telefone, a gente passava, escrevia cartas enormes, eu tenho essas cartas até hoje, ela mandava pra mim, eu mandava para ela, telefone o dia inteiro, caralho, à noite, o cacete. Ela nem tinha telefone na casa dela, tinha que ir lá na casa da tia, para atender o meu telefonema. Ai, não deu outra, né, ela veio pra cá, ai eu comecei a organizar a vida dela, né? Como ela tinha esse estofo de bailarina clássica, bailarina popular, ai eu comecei a batalhar os esquemas e consegui no Sergio Cardoso, tinha uma companhia alemã, tal, que queria aprender danças populares brasileiras. Ai, eu batalhei lá, consegui, comecei a pesquisar, né, consegui, falei: ‘Tem uma bailarina do Ballet Popular de Recife…”, ai consegui trazer ela, “Vem pra cá que tem isso pra ela”, ela teve que justificar para a família,. Porque ela não tava a fim de casar, a gente se conheceu, vamos casar amanhã, né, a gente queria continuar junto, mas na nossa, cada um, para ver o quê que ia dar, né? E assim foi. A gente passou esses três primeiros anos, então isso foi em 93, até 96 que foi quando a gente casou. Vivendo junto, só que quando ela veio para São Paulo, eu não tinha mais casa, né, como eu falei anteriormente, eu tava… eu dividia o meu apartamento com a minha ex-mulher, que não tinha mais relação, mas a gente tava no mesmo espaço. Cara, era muito engraçado, porque eu passava uma noite em cada motel, hotel, eu só tinha a roupa do corpo e o equipamento, né? E ela veio para São Paulo para uma casa de família, de uma prima dela, tal, que ficava lá em Santana. Só que ela não passou uma noite lá, né, ela ficava todo dia comigo e o pessoal da “Veja”, a Gilda que ainda é a editora de fotografia ligava todo dia: “Egberto, qual o motel que o carro te pega amanhã?” (risos), que era isso, a minha vida era um muquifo, eu falo “muquifo”, porque pô, cada dia eu pegava um motel e obviamente, não dava para pegar o melhor motel todo dia, então, eu pegava motel de cem, de 80, um dia na Bela Vista, na Treze de Maio, no outro dia, não sei onde, outro dia, não sei onde, e assim, até conseguir um apartamento, né? Ai, a gente conseguiu um apartamento que a Ana Paula Guimarães… foi aqui na Ourânia, aqui atrás, na rua Ourânia, um predinho de três andares, que morava, inclusive, um cara que era meu amigo, da antiga e ele tinha AIDS, era amigo dela também, ela morava com ele, ai ela casou com uma amiga minha que é a Maria Liberg, que fui eu que apresentei as duas, inclusive, né, fui tudo ao mesmo tempo, ela foi morar com a Maria, não sei o que e sobrou a vaga dela no apartamento e eu fui dividir o apartamento com esse cara e a Carla, né? Ai, eu finalmente, consegui um espaço para viver, mas era muito louco, né, muito intenso. Tô falando essa loucura toda do motel, tal, porque eu não tinha nem casa, e nem fazia questão, tava, puta, num desprendimento total, né, amor… amor e trabalho, tinha que trabalhar, para ter dinheiro, mas era isso., né, eu tava pouco me lixando e ela também, né, o legal da Carla é que ela também não via nisso um problema, né? Não era aquela mulher que chegava: “Não, nós precisamos dar um jeito nas nossa vida, precisamos casa. como é que vamos viver desse jeito? Quero uma casa para mim…”, não, muito pelo contrário, a Carla sempre foi uma grande companheira, né, e partilha comigo o meu dia a dia ai na galeria, trabalha pra caralho, né, e assim, é uma grande parceira. E assim, esses três primeiros anos, a gente, simplesmente, namorava, né? A gente namora até hoje, mas assim, era intenso pra caralho, ai eu resolvi que eu queria ter filhos, né, eu tava fazendo 30 anos, tal, quero ter filho, pá… ai, obviamente, para a cultura dela, não era nem ela, ela também tava numa boa, a gente tava morando junto, vivendo junto, transando junto, fodendo feliz junto, tava tudo certo, não precisava casar, mas ai, começou: “Vamos casar por causa dos seus pais”, até por causa dos meus pais, né, eles pensavam também que era interessante casar, ter essa tradição contemplada. Ai, eu tive a ideia, eu falei: ‘Olha, eu quero casar, mas vamos fazer o seguinte…”, a gente ainda tava na efervescência da coisa cultural do carnaval e tal, não sei o quê, eu falei: “Olha, vamos casar no carnaval, só caso se for assim, topa?”, ela: “Topo”, ai começamos a batalhar. Carnaval, festa pagã, a igreja não vê com bons olhos, o Bispo lá de Recife, Olinda tinha sido trocado que era Dom Helder Câmara, que todo mundo sabe muito bem quem é o Dom Helder, entrou um cara super tradicionalista, que queria rezar missa em latim e o caralho, não sei o quê… e então, a gente teve muita dificuldade para achar um padre, né, conseguir um padre. Eu me lembro que eu tava na Antártida trabalhando pela “Veja”, fazendo uma matéria na Antártida, uma pesquisa relaciológica, o caralho, e eu falando com a Carla pelo rádio, isso em janeiro, pra gente conseguir um padre para casar no carnaval. Eu lembro até de falar por rádio: “Porra, tá foda”, entrou o cara pelo rádio da Marinha: “Não pode falar palavrão pelo rádio”, que eu pensei que eu tava no telefone, né, mas na verdade era por rádio, era um telefone, mas era rádio. Bem, conseguimos organizar a porra do casamento, ai fizemos nos nossos moldes, contratamos uma mega banda de frevo, maracafrevo, uma banda legal de Serginho de Olinda, fizemos um estandarte, construímos o estandarte, que o Wagnão que é um puta amigo meu, inclusive, faleceu agora, produziu, que ele era artista plástico, produziu, chamando “Casamos, e dai?”, tinha uma interrogação, assim, né, porque as pessoas ficavam perguntando: “Por que vocês vão casar no carnaval, hein?”, eu falava: “Pô, vou casar no carnaval, e dai?”, era a resposta em geral (risos), qual o problema? Minha família também, né, as pessoas que foram: “Pô, tem que ir no carnaval em recife para…”, porque a gente conseguiu enfim, depois de ir a 200 padres, o caralho, conseguimos uma igreja dentro do sitio histórico de Olinda, no meio do carnaval, na segunda-feira de carnaval, dia 19 de fevereiro. Ai, nós conseguimos e casamos. Ai, o que aconteceu? Uma semana antes, como eu era fotógrafo, amigo do Heudes Regis, que nessa época, já tava no “Diário de Pernambuco”, ele falou: ‘Egberto, eu quero fazer uma foto sua”, ele era editor, falou: “Posso mandar o fotógrafo para fazer uma foto de vocês dois ai, passar por ai? Legal essa historia de vocês, vão casar, tal…”, uma semana antes, mais ou menos, né, da gente casar. Ai, eu falei: “Pode”, ai mandou uma menina que chamava Maria Tereza Maia, uma coisa assim, e ela foi e falou: ‘Quero fazer uma foto de vocês”, eu falei: “Legal”, ai eu pensei: ‘pô, vamos fazer assim, né, a Carla fica assim embaixo, eu vou dar um salto com as pernas abertas por cima, tal, punk, aquela coisa e você fotografa, fim do dia, puta, fica uma foto do caralho’, eu no ar, assim, e a Carla assim embaixo, sombrinha de frevo, igreja, final do dia, puta, o quê que o “Diário de Pernambuco” me faz? Ele mete na primeira página, desse tamanho, a capa do jornal: “Noivos vão casar no carnaval, dia tal…”, pautou a imprensa inteira, cara, no dia que a gente casou, tava a “Globo”, “SBT”, “Bandeirantes”, tinham oito fotógrafos, um do “O Globo”, um da “Folha”, “Diário de Pernambuco”, “Jornal do Comércio”, meu, tava… virou um bagulho de louco, tanto é que isso foi parar até no “Jornal Nacional”! As pessoas falavam: “Vocês fizeram um golpe de marketing”, as pessoas são muito loucas, com os resultados, a gente não pensou porra nenhuma, a gente fez um puta casamento maluco, tanto é que a festa foi um puta churrascão em frente a igreja, no anexo da Câmara dos Vereadores, não teve frescura, a banda foi pra lá, a gente fez um puta de um churrasco, daqueles de… sabe, com toneis, tinha umas 300 pessoas, né, com a família dela, minha, amigos, a festa girava assim, né, depois, a gente saiu da festa, foi para as avenidas lá de Olinda, para as ruas, ladeiras, subimos, descendo, tal, todo mundo celebrando. Ai, eu nem vi o dia que saiu no :Jornal Nacional”, porque eu tava na festa. Ai, no dia seguinte, me contaram, a gente tava andando em Olinda, no dia seguinte, os caras: “Olha o casal, olha o casal!”, falava: “Porra, que loucura. O que tá acontecendo?”, ai falaram: “Vocês saíram no ‘Jornal Nacional’, cara, rede nacional”, aqui em São Paulo, os caras não acreditaram também. foi legal, porque a minha família viu, né, meus tios do interior que não têm condição de viajar, o caralho, velhinho, porra, foi uma coisa bacana, assim, né? Eu lembro que tinha o Roberto Pompeu de Toledo mandou até um telegrama… Roberto Pompeu de Toledo é da “Veja”, escrevendo assim: “Olha, Egberto, eu não pude ir, mas o Brasil inteiro é testemunha do seu casamento” (risos). Então, foi um negócio legal e isso acabou… tudo isso, assim, eu tô falando, não é que seja importante, né, importante não é sair na TV, mas acabou tornando o carnaval, uma coisa nossa, né, uma coisa que a gente celebra junto, cultiva junto, a gente conhece as musicas, conhece os discos de frevo, disco mesmo, aquele bolachão, pesadão, de 78 rotações, da Rozenblit, que é a gravadora que pegou fogo, tal, a gente tem todo um aparato cultural, assim, que embasa um pouco a nossa relação, né, pode-se dizer assim, né? Tá bom?
P/1 – Tá bom.
R – Quer continuar num outro dia?
P/1 – Não, vamos…
R – Vamos finalizar hoje.
P/1 – Não, você pode voltar, se a gente…
R – Você que sabe.
P/1 – Porque a gente chegou na Imã, a gente tava na Imã, não sei se você quer explorar mais a galeria.
R – Ah, tem… também, fora isso, tem os filhos, tem um monte de outras coisas, né? Mas eu não sei se não tá… já tinha acabado?
P/1 – Não, é porque tem outra pessoa.
R – Tem outra pessoa na fila?
P/1 – É.
R – Então, fecha. A gente continua.
P/1 – Tá.
FINAL DA ENTREVISTA
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