IDENTIFICAÇÃO Nome, data e local de nascimento Meu nome é Frederico Jorge de Souza Boabaid. Eu nasci em 31 de maio de 1944, em São Luís, Maranhão.
FAMÍLIA Pais Minha mãe era do Piauí, de Parnaíba. E meu pai de Tubarão, Santa Catarina; meu pai era comerciante e a minha mãe era dona de casa
LOCALIDADE / INFÂNCIA São Luís / Lembranças da infância Eu nasci em São Luís, na Praça Deodoro, mas fui para o Rio de Janeiro com 9 anos de idade - mas eu me lembro bastante de São Luís. Ela era chamada de a “Ouro Preto do Norte”, porque é uma cidade com muita arquitetura colonial. Quando eu cheguei aqui no sul, as pessoas falavam dos azulejos de São Luís, que eram uma beleza. Aquilo, pra mim, era uma coisa comum. Eu não via tanta coisa assim. E era uma cidade fácil de se andar, de se orientar, na época. Eu me lembro que lá em São Luís, na época, pra você ir à praia - que era a Olho dÁgua, a praia mais popular - meu pai alugava uma caminhonete e a estrada era de terra – e tinha dunas imensas. Eu lembro também que as ruas, pra mim, eram ruas largas; tinha um monumento, lá na Praça Nossa Senhora dos Remédios, que era uma coluna com a estátua de Gonçalves Dias em cima - uma estátua enorme. Eu tive a oportunidade de voltar lá, cerca de 20 anos depois de ter vindo de São Luís, e as ruas não eram tão largas, a coluna com a estátua do Gonçalves Dias era bem baixinha; quer dizer, a criança memoriza as coisas proporcionalmente ao seu tamanho, né? E a praia do Olho dÁgua hoje é um bairro; as dunas viraram ruas asfaltadas - então não existem mais as dunas. Essa é a memória que eu tenho. Eu me lembro das histórias de São Luís que a minha mãe falava pra gente não entrar na água, porque São Luís era o segundo porto, era um porto negreiro, vamos dizer assim. O primeiro era Salvador, o segundo era São Luís - o entreposto do mercado negreiro, mercado de escravos. E os negros...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Nome, data e local de nascimento Meu nome é Frederico Jorge de Souza Boabaid. Eu nasci em 31 de maio de 1944, em São Luís, Maranhão.
FAMÍLIA Pais Minha mãe era do Piauí, de Parnaíba. E meu pai de Tubarão, Santa Catarina; meu pai era comerciante e a minha mãe era dona de casa
LOCALIDADE / INFÂNCIA São Luís / Lembranças da infância Eu nasci em São Luís, na Praça Deodoro, mas fui para o Rio de Janeiro com 9 anos de idade - mas eu me lembro bastante de São Luís. Ela era chamada de a “Ouro Preto do Norte”, porque é uma cidade com muita arquitetura colonial. Quando eu cheguei aqui no sul, as pessoas falavam dos azulejos de São Luís, que eram uma beleza. Aquilo, pra mim, era uma coisa comum. Eu não via tanta coisa assim. E era uma cidade fácil de se andar, de se orientar, na época. Eu me lembro que lá em São Luís, na época, pra você ir à praia - que era a Olho dÁgua, a praia mais popular - meu pai alugava uma caminhonete e a estrada era de terra – e tinha dunas imensas. Eu lembro também que as ruas, pra mim, eram ruas largas; tinha um monumento, lá na Praça Nossa Senhora dos Remédios, que era uma coluna com a estátua de Gonçalves Dias em cima - uma estátua enorme. Eu tive a oportunidade de voltar lá, cerca de 20 anos depois de ter vindo de São Luís, e as ruas não eram tão largas, a coluna com a estátua do Gonçalves Dias era bem baixinha; quer dizer, a criança memoriza as coisas proporcionalmente ao seu tamanho, né? E a praia do Olho dÁgua hoje é um bairro; as dunas viraram ruas asfaltadas - então não existem mais as dunas. Essa é a memória que eu tenho. Eu me lembro das histórias de São Luís que a minha mãe falava pra gente não entrar na água, porque São Luís era o segundo porto, era um porto negreiro, vamos dizer assim. O primeiro era Salvador, o segundo era São Luís - o entreposto do mercado negreiro, mercado de escravos. E os negros que chegavam doentes ou que chegavam mortos eram jogados ao mar. E os tubarões corriam ali, porque tinha comida fácil - até há pouco tempo, as praias de São Luís eram infestadas de tubarões, muitos tubarões. Então a minha mãe contava histórias que ela assistiu quando era jovem, de pessoas que foram atacadas por tubarão na beira da água. Então essas são as coisas que eu lembro.
LOCALIDADE Rio de Janeiro Depois viemos pro Rio em 1953. E no Rio eu me lembro que nós fomos morar inicialmente no subúrbio, também com rua de terra; hoje você passa lá é uma metrópole, tudo asfaltado. Chama-se Olaria esse bairro no subúrbio.
EDUCAÇÃO Estudos / Colégio Militar Eu estudei numa escola pública; fiz o último ano do primário na escola pública e depois prestei concurso pro Colégio Militar. Era um concurso que nem eu sei como passei. Eram 3 mil candidatos para 90 vagas - vagas que eram prioritariamente destinadas aos órfãos de militares; depois aos filhos de militares cujos pais tinham mais de 5 filhos; depois filhos de militares e só depois filhos de civis, nessa seqüência. Meu pai era civil, não tinha nenhum militar na minha família. E havia um curso preparatório para fazer esse exame, mas meu pai não tinha dinheiro pra pagar um curso desse. Mas eu encontrei um anjo da guarda, minha professora do último ano - professora primária da antiga, né? - que levava a mim e os colegas que ela sentia que queriam alguma coisa pra casa dela e nos dava aula, sem cobrar um tostão. Nos dava o papel, o lápis, dava tudo; e ela me preparou pra esse concurso, assim como a outros colegas meus. E eu passei como filho de civil mesmo, fui classificado no Colégio Militar, onde fiquei por 7 anos.
EDUCAÇÃO AMAN – Academia Militar das Agulhas Negras Do colégio eu me formei, naquela época, no Científico E tinha matrícula na AMAN, porque eu queria mesmo era ser engenheiro. Mas naquele tempo não havia curso de engenharia noturno, meu pai não tinha dinheiro pra me bancar numa faculdade - e eu também não queria mais ficar dependendo dele. E nessa época, no Exército, você podia fazer o curso de Engenheiro - como pode até hoje, no Instituto Militar de Engenharia – IME -, que ainda é uma das mais afamadas escolas de engenharia do Brasil. Então eu resolvi ser militar pra ser engenheiro. Eu comecei a estudar muito cedo: eu acabei o Científico com 17 anos. E fui pra AMAN, morar em Rezende, na Academia Militar, com 17 anos. Eu me lembro que a gente estava lá pra tirar o título de eleitor, 330 caras da minha turma. Aí, eles disseram: "Quem não tem 18 anos, por favor, queira se levantar, se retirar da sala." Aí eu fiquei esperando, ninguém se levantava. Até que passou por mim um cara andando e eu fui atrás - então eu era o mais novo da minha turma. E militar soleniza tudo, então como eu era o mais novo da turma, eu era o que eles chamam claviculare da turma - o cara que abre o portão de entrada aos novos cadetes. É um portão que só abre uma vez por ano, pra entrarem os novos alunos - assim como tem um outro que só abre uma vez por ano, pra sair os novos formandos. E eu fui um claviculare, o cara da chave, o cara que abria esse portão.
EDUCAÇÃO AMAN – Academia Militar das Agulhas Negras / IME Então eu resolvi fazer o curso da AMAN. No Colégio Militar eu tinha sido da cavalaria, gostava de hipismo e tal. Mas, em termos práticos, eu resolvi ir pra Arma de Engenharia, porque naquele tempo você passava três anos na tropa, como Tenente, e depois você seria chamado pra concluir o IME, o Instituto Militar de Engenharia. Eu fui lá, como disse, pra ser engenheiro, mas como eu não sei viver sem paixão, sem gostar das coisas, acabei gostando daquilo ali. O Exército é uma instituição que até hoje eu respeito muito, acho que é uma instituição muito séria, muito correta e que me deu uma formação - basicamente, quase toda a minha formação foi no Exército, desde os 10 anos de idade, quando eu entrei no Colégio Militar. Aí eu optei pela Arma de Engenharia, porque 3 anos depois eu seria chamado pro IME. As chamadas Armas Técnicas eram: Engenharia, Comunicações e Material Bélico. Então, o primeiro ano da AMAN era o chamado curso básico, igual pra todo mundo. Quem conseguisse classificação - classificação por ordem de média mesmo, das provas lá - teria direito a essa matrícula no IME. E eu fui lá, meti a cara no livro e consegui. Entrei pra Arma de Engenharia. Só que nesse meio tempo o Exército descobriu que, se fosse chamar os Tenentes com 3 anos de tropa, ia chegar um período em que não haveria Tenentes na tropa, porque todos estariam no IME, já que o curso do IME era de 3 anos - a gente era 5 anos, mas entrava no terceiro ano e complementava os três anos. Pra que a gente entrasse no terceiro ano do IME, o currículo da Arma de Engenharia - das Armas Engenharia, Comunicações e Material Bélico - era diferenciado das demais, da Infantaria, Cavalaria e Artilharia. A gente tinha toda a matéria da formação militar e mais a formação acadêmica, vamos dizer assim, que correspondia ao primeiro e segundo ano de Engenharia. Aí eu tive que esperar, porque o Exército prorrogou essa chamada pra ir pro IME - tive que esperar mais 2 anos. Quando era ocasião de eu ser chamado, eu estava na Brigada Pára-Quedista - eu servia na Brigada Pára-Quedista - e estava cursando Administração de Empresas na UEG – Universidade do Estado da Guanabara, que hoje é UERJ.
TRABALHO Trajetória Profissional Eu me formei na AMAN com 20 anos - me formei novinho. Eu me lembro que quando saí Aspirante Oficial, que é como se chama - no jargão é Tenente - eu fui pra Porto Alegre, a primeira unidade onde eu fui servir. Naquele tempo, boate era proibida pra menor de 21 anos. E eu ia com os amigos lá, pra boate, mas todos eram mais velhos que eu. E na hora da entrada, além de ter 20 anos, eu tinha cara de guri mesmo - e normalmente eu era barrado. Aí, o cara falava: "O senhor, não. Qual a sua idade? Tem documento, alguma coisa assim." Eu falava: "Olha, eu não tenho 21 anos..." - isso era 65, logo depois do 31 de março de 64. Pra não dar uma carteirada, eu dizia assim: "Mas eu sou emancipado." Aí, mostrava a carteira de Tenente do Exército. O cara: "Ah, pois não, Tenente." Em vez de dizer eu sou uma autoridade, eu dizia: " Eu sou emancipado." Eu com 20 anos comandava 45 homens, sendo que tinha três sargentos bem mais velhos que eu e dois cabos também. E uma porção de caras quase da minha idade, 18, 19 anos - os soldados. Isso foi bom pra mim, porque me ajudou a identificar a minha origem humilde, vamos dizer assim, a minha infância pobre. Os meus colegas de infância eram os caras que iam servir o Exército; então um negócio interessante é que eu sabia como funcionava a cabeça deles. Eu via os comentários que eles faziam sobre os Tenentes, os militares que conviviam com eles. Então, pra mim, foi muito fácil conduzir esse pessoal, me identificar com os soldados, fazer com que os soldados se identificassem comigo. Eles me chamavam de carioca - embora eu fosse maranhense, o meu sotaque era de carioca. E naquele tempo – é até engraçado, irônico – você, na Escola Militar, tinha que raspar a cabeça zero. Assim que eu me tornei oficial, liberou e eu deixei encher o cabelo. Naquele tempo, os caras me chamavam de carioca cabeludo
EDUCAÇÃO Faculdade Mas aí eu entrei pra universidade, em final de 66, início de 67 - entrei com 22 pra 23 anos. Fiz vestibular e entrei pra UEG, na Faculdade de Administração. Eu e outros colegas militares fomos falar com a secretária da faculdade e apresentamos nosso currículo, pra que entrássemos no terceiro ano - porque as matérias do primeiro e segundo ano nós já tínhamos tido praticamente todas. Ela não aceitou os créditos que a gente apresentou e ainda deu uma bronca na gente, botou a gente pra fora da sala. Eu fiz 4 anos à noite, pra me formar em Administração. E o chato é que quando eu cheguei no terceiro ano, encontrei vários militares que tinham feito vestibular também, mas que, com os créditos, entraram no terceiro ano. Quer dizer, eu fiquei 2 anos lá de graça. Mas a minha turma é muito antiga - acho que a minha turma foi a terceira ou a quarta turma de Administração, que era uma profissão que estava iniciando em termos acadêmicos, apesar de que existiam os administradores práticos. Aí, quando eu passei pro quarto ano da faculdade, o IME me chamou pra me matricular no terceiro ano de Engenharia. E eu pedi adiamento ao Exército de 1 ano, pra poder concluir a faculdade de Engenharia - e também era mais um ano que eu ficava no Rio, porque sendo da Arma de Engenharia eu sabia que, concluindo o IME, eu tinha uma grande probabilidade de ir pro Nordeste, pro interior, pra Amazônia, um lugar assim. Mas enquanto eu estava na Faculdade de Administração, eu fiz alguns cursos no Exército: o curso de pára-quedista, o curso de mestre de salto, o curso de comandos, o curso da Escola de Educação Física do Exército - sou professor de Educação Física. E fiz depois o Instituto Militar de Engenharia - 3 anos.
TRABALHO Trajetória Profissional Fui designado, depois desses 3 anos, pra trabalhar num Batalhão de Engenharia de Construção, em Santarém, no Pará. Cheguei - me lembro bem - uma semana antes do Carnaval. A gente pegava um avião pra Belém, aí tinha que dormir lá; no dia seguinte, pegava um vôo, às 11 horas, de Belém pra Santarém. E lá chove muito nessa época, é época de chuvas; quando eu olhei pela janela, eu vi... Santarém era a terceira cidade da Amazônia, depois de Belém e Manaus, na época - hoje eu não sei se Porto Velho está maior. Mas quando eu olhei pela janela do avião, eu vi umas três ou quatro ruas calçadas - o resto daquelas ruas, de barro, muita casa de madeira, casa de palha. E eu, como dizia um amigo meu, com 10 anos de lenocínio em Copacabana, solteiro, pensei: "O que é que eu vim fazer aqui?" Mas aí fui trabalhar nesse batalhão, fui destacado pra comandar, tanto no aspecto militar quanto no aspecto técnico, a implantação da Rodovia BR-63 - a Cuiabá-Santarém. A Cuiabá-Santarém tinha cerca de 1600 e tantos quilômetros - vamos dizer, 1700 quilômetros - e tinha o 8º Batalhão de Engenharia, que era o meu, fazendo a estrada de Santarém pra Cuiabá. E o 9º Batalhão de Engenharia de Construção vindo de Cuiabá pra Santarém - então havia um ponto de encontro. Nós tínhamos um trecho, se não me engano, de 600 e poucos quilômetros, e eles tinham um de 1100. Por quê? Porque o terreno deles era muito mais fácil. Nós pegávamos selva desde o início e eles pegavam, em Mato Grosso, um trecho de terreno que não era tão agressivo assim.
TRABALHO / FAMÍLIA Trajetória Profissional / Esposa / Filhas Quando eu fui pra lá eu era solteiro ainda, mas já tinha deixado uma namorada - eu tinha 29 anos. Então, com 29 anos, eu concluí o meu quarto curso superior: eu era engenheiro, administrador, professor de Educação Física e oficial do Exército. E o legal nisso aí é que eu exerci essas quatro profissões. Eu fui milico, dei aula de Educação Física – a mãe das minhas filhas, minha ex-mulher, era minha aluna na ginástica - e trabalhei como administrador, que é o que eu faço até hoje. Mas no Exército você exerce também Administração, de uma certa maneira. Então eu consegui o diploma, mas também desempenhei essas profissões todas. Eu estive em Porto Alegre, depois voltei pro Rio, fui pro Pará, pra Amazônia.
TRABALHO Trajetória Profissional Mas voltando à estrada, eu fui designado pra implantar um trecho da Cuiabá-Santarém, que a estrada já estava avançando - eu fui substituir o Correa, um amigão meu que estava lá, um outro Capitão que estava à frente de serviço. Aí fui pra lá, nunca tinha construído estrada - apesar de ser da minha Arma, eu não tinha tido essa oportunidade operacional antes, tinha trabalhado na tropa mesmo, não em batalhões de construção. Trabalhei numa parte de projeto de estrada no Rio Grande do Sul logo que eu me formei, mas não era nada com a execução da construção da estrada. E a estrada em selva é uma tecnologia toda diferenciada. Mas quando eu cheguei lá, eu me lembro que a gente ficava num acampamento. O acampamento-base era nas margens do Tapajós, um rio maravilhoso, lindo à beça. O gerador que iluminava o acampamento acabava à meia-noite, então tem um sábado que eu não me esqueço - um sábado de fevereiro ou março de 1975. Eu sentado na varanda do que era a casa de hóspedes, uma casa de madeira, e apagou a luz do gerador à meia-noite. E eu acordado ali, não tinha ninguém pra conversar, porque os Tenentes que serviriam comigo ainda não tinham chegado. Nessa época, época das chuvas, todo o pessoal é recolhido da selva pra sede do batalhão, pra se fazer a manutenção dos equipamentos e ministrar cursos de formação pro pessoal que vai trabalhar no ano seguinte. Quando a chuva pára, aí o trabalho recomeça, porque varia esse período de chuva e sol lá na Amazônia de acordo com a latitude. A chuva começa, mais ou menos, no final de novembro, início de dezembro, e vai até o final de maio. Então você tem de junho a novembro - esticando muito - pra trabalhar, para poder fazer trabalho de terraplenagem e tal. Por isso que o pessoal está malhando esse negócio de tapa buraco do governo agora, porque não é época apropriada pra se fazer esse tipo de trabalho naquela região lá, onde eles estão trabalhando. Bom, aí, eu cheguei lá, os Tenentes tinham voltado todos, e eu fiquei sozinho. Tinha lá uma meia dúzia de militares e o grosso era de civis; um batalhão de construção desses, na verdade, é uma empresa de engenharia civil de porte médio, vamos dizer assim - uma construtora de porte médio. E eu estava lá com quase 200 pessoas, mas era um efetivo mínimo, só o pessoal que a gente não podia perder - os feitores, as pessoas mais técnicas. E fazia-se trabalho de pintar as casas da vila, melhorar as instalações sanitárias de onde o pessoal morava, manutenção de alguns poucos veículos que tinham ficado lá. E aí nesse sábado, estava lá sentado na varanda, quando apagou a luz do gerador; ficou tudo escuro, eu falei: "Pô, que é que eu estou fazendo aqui, caramba? Daqui a pouco vai começar o trabalho, em maio, junho, construção de estrada, e eu não sei nada disso aí Como é que eu vou fazer esse negócio?" Mas aí eu fiz um pacto comigo mesmo; meu pai tinha morrido há pouco tempo e eu me lembro que eu invoquei a proteção dele. Falei: "Olha, agora também tem o seguinte: se eu me sair bem dessa, eu vou fazer qualquer coisa na vida." E me lembro que isso foi no sábado à noite. Eu falei: "Vou fazer qualquer coisa na vida." No dia seguinte de manhã, eu acordei com novo ânimo, dizendo: "Eu vou fazer esse negócio aqui dar certo e vou arrebentar." Então, comecei. Eu sempre gostei muito de lidar com gente, e sempre que você lida com gente, você tem que raciocinar com a cabeça das pessoas com quem você está lidando, não com a sua: como é que elas gostariam de ouvir você? O que é que elas gostariam? Quais seriam as carências delas? Quais seriam as suas carências se estivesse no lugar delas? - isso é que se chama de empatia. E eu sempre exercitei muito isso. Então, nessa época, fui pra trabalhar nesse negócio lá - chamava-se Destacamento de Militituba, que era encarregado de implantar a estrada. Quem viu Papillon, é uma espécie daquilo: o lugar pra onde iam os condenados. O cara tomou um porre na cidade de Santarém, quebrou um boteco - manda ele pro mato; o cara fez não sei o quê, uma barbeirada, quebrou um carro do batalhão - manda ele pro mato. Então a escória toda era mandada pra lá. E eu reuni os caras, no dia seguinte de manhã. O destacamento chamava-se Destacamento de Militituba porque Militituba era o nome do local lá, nas margens do Tapajós, no lado oposto ao de Itaituba - só que o rio lá tem três quilômetros de largura. Eu me lembro bem quando eu reuni o pessoal no dia seguinte, me apresentei a eles. E eu falei que nós estávamos ali com a missão de construir uma estrada, essa era a missão do batalhão. Mas se essa era missão do batalhão, ali estavam as melhores pessoas, os melhores profissionais que o batalhão dispunha - e aquela galera toda me olhando assim, uns caras mal ajambrados pra caramba. Aí eu falei: "Então, pra mim, vocês são as melhores pessoas que o batalhão tem; as melhores pessoas do batalhão estão aqui." Aí eu notei que eles estavam meio displicentes. Pensei: "Eu tenho que dar uma de maluco aqui pra convencê-los." Aí eu falei assim: "A começar por mim, que sou o melhor capitão desta porra." Aí os caras levaram um susto, se aprumaram, se ajeitaram. “Então vamos começar. Vamos parar com esse negócio aqui de Destacamento de Militituba, que Militituba hoje é aqui. A acampamento acompanha a estrada; amanhã a gente está em outra estrada, vira outro nome. Nós temos que ter um nome permanente. Então o nosso destacamento vai se chamar Destacamento Pico-de-Jaca." Aí eles ficaram olhando. Mas por que Pico-de-Jaca? Vocês já ouviram falar na surucucu? Ela é o pavor de quem anda na selva; a surucucu pico-de-jaca tem esse nome porque ela tem a pele muito áspera - uma cobra bonita, enorme, preta e amarela; a maior serpente venenosa do Brasil e a segunda maior do mundo Tanto que acho que é a única cobra no Brasil que pica acima do joelho, porque ela é grande, o bote tem mais ou menos um terço do comprimento - e ela alcança acima do joelho, em alguns casos. Normalmente, picada de cobra é em tornozelo, na canela, mas essa, às vezes, alcança acima do joelho. E eu falei: "O nosso nome vai ser Surucucu Pico-de-Jaca. Por quê? Vocês não sabem, mas eu vou falar pra vocês sobre essa cobra. Primeiro, todas as outras cobras firmam o rabo e enroscam a cabeça em volta do rabo pra dar o bote, elas andam pra trás. A surucucu é a única que firma a cabeça e puxa o rabo em volta da cabeça; ela não anda pra trás - como nós não vamos andar. Nós vamos tocar essa estrada em frente, até chegar no Mato Grosso. E a surucucu, quando você faz um acampamento e acende uma fogueira pra evitar a aproximação de bichos, é uma cobra tão tinhosa que aquilo a enraivece e ela se joga no fogo. Então ela se mata, se joga no fogo - e nós somos assim também: nós somos nervosos, somos inquietos. Então, nosso nome é Surucucu Pico-de-Jaca a partir de agora. E nós vamos ter um grito de guerra. Toda vez que eu falar fora de forma e tal, vocês vão gritar: ‘Selva’" - eu tinha pego três caras antes, tinha os ensaiado no dia anterior à noite. Aí, botei lá e fizemos o tal do “Selva”. Depois eu fui saber que o “Selva” era o grito de guerra do Exército da Amazônia inteira. Eu não sabia, por coincidência eu adotei. Adotei porque era um grito breve, com uma boa sonoridade. Aí implantei esse negócio e fiz um concurso pra definir o símbolo do Destacamento Pico-de-Jaca. Queria um desenho que simbolizasse isso - eu estou contando essa parte inicial porque é uma experiência legal, uma experiência de vida e administrativa que me ajudou muito depois, na vida profissional. E foi um início meio bravo, porque eu não sabia como fazer, o que fazer. Aí depois foram chegando os Tenentes - chegou um, chegou outro. Fiquei eu e mais dois Tenentes - e fui levando o pessoal nesse negócio. E o concurso de desenho, tinha um cara lá que era desenhista de projeto, que apresentou um - eu tenho até hoje isso na minha casa: é um trapézio, com o símbolo do Batalhão, que era um oito estilizado, um cruzamento de estradas formando um oito, em azul; embaixo, tinha um D amarelo - D de destacamento, amarelo porque lá é uma região de garimpo, uma região de ouro; o fundo verde, por causa da selva; e uma surucucu enroscada, do lado. Aí, eu falei: Aí escolhi o símbolo, mandei fazer no Rio uns escudinhos, brasõezinhos. E todo mundo tinha que usar aquilo no boné - que a gente chamava de bico-de-pato. Como eu tinha do lado esquerdo o símbolo dos comandos, do curso de comandos - que o regulamento do Exército mandava usar no boné, do lado esquerdo - eu falei que a gente usaria a cobra do lado direito, o símbolo do lado direito. Eu nem lembro agora, pode ser o vice-versa. Mandei usar aqui do lado direito. Aí, dois dias depois, veio um cara me procurar. Falou: "Capitão, o senhor não disse que a surucucu é uma cobra que sempre anda pra frente e por isso é que nosso nome vai ser Pico-de-Jaca?" Falei: "É isso mesmo." Ele falou: "Mas o senhor reparou que se a gente botar aqui do lado direito, a cobra fica com a cabeça pra trás?" Eu falei: "Então, vamos trocar." No dia seguinte, mandei uma ordem: "Passa pro lado esquerdo." Aí tinha um Sargento enquadrado pra caramba lá, um Sargento “caxias”, que falou: "Capitão, mas e o seu símbolo dos comandos?" Falei: "Eu vou passar pro outro lado." "Mas o regulamento não manda usar do lado esquerdo?" "Que regulamento, rapaz Aqui no meio da selva? Não vamos perder esses caras aí Se os caras vieram falar isso é porque eles compraram a idéia. Então eu não perder essa, não. Dane-se o regulamento” Então os caras começaram a se empolgar com isso. Fiz um torneio de futebol de salão - eu jogava num dos times. Tinha chegado já um Tenente, o Maurício; ele gostava de futebol, mas se não gostasse eu ia obrigar ele a jogar também. A gente tinha uma quadra de cimento, com luz e tudo - aí, um diferencial. Mandei comprar umas tacinhas, lá em Itaituba; tinha um cara meio maluco lá, um operador de rádio, que me falou que sabia narrar jogo e se ele podia narrar os jogos ao vivo. Aí, tinha a vila do Incra perto, os caras vinham. Então a gente jogava futebol de salão - eu jogava também - e o cara narrava ao vivo, o locutor. Isso que é fazer a graça do negócio. Depois, eu disse: "Pô, tem que arrumar um jeito de ocupar esses caras aí." Tinha um terreno vazio no meio do acampamento. Falei: "Vamos fazer um clube aqui." Aí peguei um papel milimetrado, desenhei um negócio, uma casa hexagonal feita com madeira roliça - até bonitinha, uma choupana bonita, com telhado de sapê. Ainda mandei botar uma mesa de pingue-pongue lá. Então, pra você ter uma idéia, dia de sábado, eu cheguei a fazer festa com música; tinha uns caras do Incra que tocavam violão, então eu os convidava pra virem tocar violão. E assim você vai criando um espírito de corpo. Os caras já: "O Destacamento Pico-de-Jaca e tal". Aí, quando chegou em meados de maio, junho, começou a chegar gente, começou a vir o batalhão - contratava e mandava de caminhão. Só que o o pessoal passava direto lá, já pra ir pra frente de serviço, que a gente chamava, onde estava a estrada. Pouco tempo depois, eu tive que mudar esse acampamento pra acompanhar a estrada, mas quando eu dei por mim, já tinham entrado 800 e tantos homens lá pros acampamentos, que ficavam espalhados ao longo de vários acampamentos - porque a estrada é uma linha de montagem: à frente, vai a desmatação; depois vem a topografia, que vai confirmando o traçado da estrada; depois vêm as obras de arte - que a gente chama; obras darte corrente, que são os bueiros tubulares de metal, aquelas pontes de madeira que a gente fazia lá; depois vem a terraplenagem e depois vem o revestimento primário. Tudo isso, mas tudo isso com muita tecnologia, com laboratório de solos. Nós tínhamos um laboratório de solos na sede do batalhão - tinha um em cada acampamento. E tinha os especialistas de solo, que acompanhavam as equipes de trabalho. Então a estrada foi crescendo - e eu fui aprendendo. Enquanto ia ensinando a eles, eu fui aprendendo. Tem muitas passagens interessantes de coisas que eu sabia, então eu só falava sobre aquilo. E os caras imaginavam: "Pô, esse cara sabe isso... Imagina o que ele não sabe do resto." Eu não sabia nada. Enquanto isso, eu ia perguntando, aprendendo. E a estrada é uma coisa impressionante; depois que ela ficava pronta, uma estrada de terra, você botava 120, 130, tranqüilamente. Era um asfalto. É uma pena que aqui na Amazônia, o solo não ser de boa qualidade pra construção de estradas - por isso a gente tinha um laboratório. O clima é uma coisa terrível, a chuva é muito forte. As chuvas amazônicas, se ela pega de jeito, o pingo dói. Chove muito e fica muito cara a manutenção. Hoje alguém me falou que estão mexendo nessa estrada, estão pensando em pavimentá-la - porque não se pavimenta logo quando se constrói; há uma política aí, vamos dizer assim, tecnológica, que você só pode pavimentar uma estrada depois que o volume de tráfego justifica o custo dessa pavimentação. E lá, não havia volume de tráfego pra isso. Mas agora, parece que estão começando a mexer nesse negócio. E a estrada ficava um negócio fantástico. E a gente fazia aquilo com o maior capricho, porque nós tínhamos um trecho em comum com a Transamazônica. Então, a gente saía de Santarém, chegava na Transamazônica, percorria 130 quilômetros de Transamazônica, e depois continuava pro sul - a gente chamava de entroncamento norte, entroncamento sul. Quer dizer, o trecho norte com a Transamazônica e o trecho sul com a Transamazônica. E esse trecho da Transamazônica nós refizemos, o batalhão refez - depois que eu saí de lá, inclusive. Isso porque sendo o Exército que está construindo a estrada, você não pode se arriscar a depois ter que vir alguém pra refazer. Então nós éramos muito exigentes com os critérios técnicos da estrada. A estrada ficava uma beleza. E, além do mais, a gente não visa lucro. Tudo o que seria lucro, revertia-se em qualidade pra estrada. Em cima dos cortes, por exemplo: você, como usuário, não vê, mas em cada corte daquele tem uma valeta. Se houver uma fiscalização hoje DNER, o cara não faz aquela valeta, porque ele vai gastar horas de trator, vai gastar horas de equipamento; mas a gente fazia aquilo - e a estrada ficava uma beleza. Era um negócio que dava muito orgulho.
TRABALHO / FAMÍLIA Trajetória Profissional / Noivado Eu fiquei lá durante o ano de 75 todo. Aí, no final do ano, eu vim ao Rio. E aí fui surpreendido: a minha namorada quis ficar noiva. Eu falei: "Olha, ficar noivo..." Eu nunca gostei desse negócio de noivado; eu acho que é um estado pastoso, é que nem manteiga - não é sólido, nem líquido; não é casado, nem solteiro. Mas ela insistiu naquela época - 30 anos atrás - insistiu pra caramba. Eu falei: "Está bom. Se a gente marcar a data do casamento, eu fico noivo." Aí marcamos pra abril do ano seguinte. Então eu voltei lá pra Amazônia, depois de ter ficado noivo; fiquei lá até abril. E nesse período, em abril, eu me lembro que a gente fazia um negócio chamado reconhecimento técnico - quando você perdia uma ponte ou um bueiro, era um prejuízo muito grande, e a gente era muito consciente, muito responsável, pelo fato de estar lidando com dinheiro do país; então a gente não podia perder um bueiro, não podia perder uma ponte. Perder por quê? Porque se o comprimento da ponte não for bem definido, a estrada acaba virando uma barragem à água. E quando água chega a um determinado nível, ela leva a estrada e a ponte. Por isso é que às vezes a ponte parece ser muito comprida pra quantidade de água que está ali, mas é porque ela é projetada não pra aquela água que está ali, mas pra cheia máxima daquele rio. E nós perdemos uns bueiros durante o ano de 75, 74. Então, logo no início, logo que eu cheguei lá, antes de começar o trabalho efetivamente na estrada, o chefe da seção técnica determinou que um grupo fosse a pé, descesse de avião num campinho de pouso muito improvisado que se fazia lá no final do trecho do ano anterior. Descesse lá de avião e viesse a pé, vendo como é que estava a cheia, pra ver se era o caso de redimensionar alguns bueiros, algumas pontes. Como é que essas pontes e bueiros eram determinados, o tamanho, diâmetro deles? Com base em fotografia aérea. Existe uma fórmula bem válida, aliás, bem precisa, que dá pra você definir qual é o diâmetro do bueiro e qual é o tamanho da ponte, dependendo da bacia de acumulação daquela área. Mas aí, como a gente tinha perdido esse bueiro e essa ponte: "Não, nós não podemos perder nenhuma". Então, eu falei pra ele: "Eu vou também". O cara falou: "Não, você não precisa ir". Eu falei: "Como não precisa? Não vai o Tenente da terraplenagem, o cara da topografia, o cara da desmatação? Por que é que eu não vou?" Ele falou: "Não, você é o Comandante." Falei: "Por isso é que eu tenho que ir. Eu vou sim." Mas, eu queria ir pelo seguinte: o trajeto era 100 quilômetros, a pé, no caminho de serviço - que é uma estrada improvisada que se faz, pra depois fazer a estrada definitiva. Então, no ano anterior, tinha ficado pronto o caminho de serviço, mas a estrada não. Aí eu fui com o pessoal, nós descemos no teco-teco, no monomotor, lá nesse campo de apoio na ponta da estrada; e voltamos a pé, pela estrada. Deu 100 quilômetros. E aprendi muito sobre esse negócio de cheia na Amazônia, de rio. No ano seguinte não perdemos nenhum bueiro, nenhuma ponte. Mas também foi muito importante pra mim. E o que eu queria fazer era o seguinte: logo que eu cheguei lá, os caras, pra me impressionar, contavam histórias: "Eu andei 20 quilômetros na picada." "Eu andei 15 quilômetros na picada pra buscar socorro pra não sei o quê." "O carro enguiçou, eu tive que andar 18 quilômetros e tal." Aí, quando surgiu esse negócio, eu falei: "Olha, eu vou logo, que eu vejo essa parte técnica, vou junto com os caras e quando alguém vier falar isso pra mim, eu andei 100, né?" Então, essas coisas não preciso nem falar, eles espalham - eu sei como que é. Então eu era o Capitão que andou 100 quilômetros; eu era o capitão que conhecia cobra. Por quê? Como eu tinha feito o curso de Comandos, na Brigada Pára-quedista, eu já tinha feito um estágio de guerra na selva. E era muito comum eles fazerem gozação, o cara que chegava ali cheio de dedos pra entrar no mato. Eu entrava logo direto, me orientava bem no mato, porque eu já tinha feito um curso desse negócio. Então isso me deu muita vantagem na ascendência sobre as pessoas e pra criar esse clima no Destacamento Pico-de-Jaca. Aí fiz o caminho. No ano seguinte, quando teve que fazer esse reconhecimento, não deu tempo de fazer o tal campo de pouso na frente, porque as chuvas chegaram antes - aí a gente perderia as máquinas todas, então nesse ano foi ida e volta. Deu 203 quilômetros a pé. E eu fiz isso uma semana antes de me casar, foi um horror. Eu tenho até slides, fotos da minha chegada – barbudo e tal. Nós éramos em seis pessoas; só eu fui e voltei com o sapato original, que era o meu o boot do Exército. Os outros, um saiu de boot, voltou de sandália; outro foi de tênis, voltou com o tênis cortado a faca atrás , machucado. Mas mesmo assim, foi um negócio muito duro. Nós levamos 5 dias e meio pra fazer isso, porque a gente tinha que levar o suprimento todo nas costas, comida, tudo. A gente vê essas fotografias da Selva Amazônica, por cima, e parece que aquilo tudo plano, é um tapete - aquilo ali tem morro, tem serra ali É um sobe e desce danado. O que acontece é que, normalmente, a vegetação nas partes mais baixas, que é onde tem maior umidade, cresce mais e dá um certo nivelamento. Mas é muito ondulado o terreno lá; era um sobe e desce danado.
TRABALHO / FAMÍLIA Trajetória Profissional / Esposa Eu fiquei lá o ano de 74 todo. Em 75 eu voltei e casei em abril - aí minha mulher foi comigo pra lá. E aí, começou um período novo. Quando você é solteiro, o período lá é o seguinte: você fica na selva 50 a 55 dias e fica 3 dias de folga, em Santarém. Então, ficava 50, 55 dias, porque o trabalho é 24 horas, turmas se revezando, sem sábado, sem domingo, sem nada. Aí, quando chega depois de 50, 50 e poucos dias, pára o trabalho, vem todo mundo pra Santarém. Mas os oficiais casados tinham um regime diferente: ficavam duas semanas na selva e vinham pra Santarém no sábado - ficavam a metade do sábado, domingo e a segunda-feira. E voltavam terça de manhã. Por que ficava segunda-feira? Pra ter um dia de expediente, pra poder ir a banco, resolver problemas que dependiam de expediente. Então, eu casei e levei a minha mulher pra lá, ela era novinha. A vila do batalhão, a vila residencial, ficava numa clareira a 14 quilômetros de Santarém. E aí, ficou um inferno, porque a casa era muito segura, muito boa, mas tinha barulho de sapo, aqueles barulhos de selva em volta. Pra uma moça de cidade é difícil, ela não dormia de noite; quando eu voltava os três dias, passava dois dias e meio chorando - e eu tentando confortar e tal. Pra vocês terem uma idéia, eu voltei lá, 15 anos depois, com as minhas filhas; enquanto eu estava lá - eu fiquei três ou quatro dias - encontraram uma jibóia enorme nessa vila militar, na clareira. Então, se 15 anos depois ainda era assim, imagina na época E era muito barulho de macaco, barulho de sapo.
TRABALHO Trajetória Profissional Aí surgiu a oportunidade de eu vir para a Brigada Pára-Quedista, como Comandante da Companhia de Engenharia, que era minha tropa. E eu aceitei o convite do General-Comandante da Brigada. Aí quando foi setembro, outubro, eu voltei pro Rio. Eu voltei como Comandante da Brigada Pára-quedista; servi na brigada 1 ano e meio, 2 anos, depois dessa experiência que tive na Amazônia - mas depois dessa experiência lá, foi muito fácil. Eu vim comandar cerca de 160, 170 homens, dentro de um quartelzinho, uma unidade de combate onde eu já tinha sido Tenente durante 3 anos. Quer dizer, eu conhecia os Sargentos, conhecia todo mundo - aí foi uma sopa no mel também. Foi muito legal esse período. Mas aí o Exército me colocou diante de uma encruzilhada. Eles estabeleceram que quem tinha o curso do IME tinha que se definir, se queria continuar no ramo bélico - vamos dizer assim, se queria ser guerreiro - ou se queria ser engenheiro. E eu, como disse, desde o início a minha opção era por engenharia. Eu fiz esse negócio de pára-quedista, guerra na selva, comandos e tal, porque eu me empolgo mesmo com as coisas, não sei ser pela metade - já que eu sou milico, então vou ser de verdade. Mas aí eu optei pela área técnica e fui ser engenheiro - fui trabalhar na Comissão de Obras. Depois que eu estava na Comissão de Obras uns 3 anos, eu fui designado pra ser o engenheiro da Prefeitura Militar de Rezende, da Academia Militar, que é uma cidade praticamente. Eu seria o engenheiro da prefeitura, uma espécie de secretário de obras. E quando eu estava pra sair, eu estava concluindo um projeto de um hospital pra vila militar. Então ficou acertado que eu acabaria esse projeto pra depois ir pra AMAN.
FAMÍLIA Problemas de saúde Nesse meio tempo, eu comecei a sentir umas dores na coluna, que eu achei que era uma coisa boba - aí eu já tinha uns 34, 35 anos. Eu sempre gostei muito de esportes, sempre fiz muito esporte. Quando eu comecei a sentir aquela dorzinha, fui ao hospital do Exército; examina daqui, examina dali... Vou resumir pra vocês uma coisa que durou um ano e cacetada: diagnosticaram que eu tinha uma série de tumores na coluna. O Exército queria me operar, marcaram uma operação no dia seguinte. O cara fez exames clínicos - porque eu fiz uma tal de mielografia, que é um exame que injeta contraste na coluna; eles põem você numa mesa, inclinam a mesa e o líquido corre no canal da sua coluna. Se ele parar, tem um entupimento - pode ser uma hérnia de disco, um tumor. E no meu tinha uma porção de bolinhas. E o cara disse que aquilo era tumor, que tinha que me abrir quatro vértebras. Aí eu fiquei lá no hospital, pasmo - esse exame agride muito, você fica um dia internado. Fiz o exame de manhã, o médico entrou de tarde no meu apartamento e falou: "Como é? Está pronto pra operar?" Falei: "Operar por quê?" Ele disse: "Cara, você está com uns três ou quatro tumores aí na coluna." Aí, eu olhei pra janela, me lembro que estava chovendo; eu já tinha duas filhas - as minhas duas filhas mais velhas - uma tinha 3 anos, a outra tinha 2 anos. Eu disse: "Pô, queria ver elas moças..." - porque eu perdi meu pai com câncer, minha mãe já tinha tido um câncer também, mas não morreu disso. Eu era professor da Faculdade de Engenharia de Análise das Estruturas, que as outras escolas chamavam de Resistência de Materiais II. Aí, eu falei: "Eu estou em época de prova na faculdade. Dá pro senhor esperar eu concluir as provas lá? Daí eu venho." Aí, ele falou: "Dá sim." Dali a um pouco voltou e falou: "Não dá não. O seu caso é muito sério, já vi gente paralítica por muito menos que isso" Aí eu liguei pro meu cunhado, que é médico cardiologista, e meu cunhado não deixou. Falou: "Não, não deixa operar não. Vou te conseguir uma consulta com um neurocirurgião aqui fora e tal." Conseguiu com o Pedro Sampaio, uma sumidade realmente. Aí fui lá, ele me examinou, fez todos os exames que os caras tinham feito, viu os exames da mielografia. Depois, ele falou assim: "Olha, isso aí não é tumor. Não deve ser, não pode ser." Falei: "Por quê?" Ele falou que eu não tinha um sintoma clínico de tumor - o que me salvou foi isso - eu estava com sensibilidade nas pernas, com os reflexos todos em dia. Bom, aí falei: "Está bom." "Olha, e se abrir a sua coluna, vai ser muito lesivo pra ela, porque não vai regenerar bem. Você não deixa mexer nisso, não. Fica com essa dorzinha, mas não deixa." Aí eu voltei pro Exército, mandaram repetir o exame. Eu repeti, deu a mesma coisa - aí ficou aquela queda de braço. O Exército queria me operar e eu dizia que não deixava. Então eles não sabiam o que fazer; me deram licença pra tratamento de saúde. E eu com dores horríveis, sentia muita dor. E a teoria desse médico era que isso era uma hérnia de disco, tão pequena que só causava dor, mas não causava outras afecções, outros problemas. Se ele tivesse errado, vamos supor, se fosse errado tumor, não era maligno, porque senão eu já tinha ido, já que isso tudo que eu falei durou quase um ano. O médico disse: "Eu rasgo meu diploma se for um tumor maligno.Se for benigno, pode ser que não cresça e aí você vai ficar sentindo essa dorzinha." Falei: "Caramba." "Mas é melhor do que mexer na sua coluna. E se o tumor crescer, você vai sentir outras coisas; aí nós vamos fazer uma operação de emergência." Eu falei: "Está bom." "Mas eu acho que isso aí são bolsas de ar da membrana aracnóide, que dão imagens semelhantes a tumor. Isso chama-se um achado radiológico. Você vai procurar uma coisa e acha outra." Mas os médicos do Exército não aceitaram esse diagnóstico, continuaram insistindo em operar. E começaram a me dar licença pra tratamento de saúde. E foi passando aquela fase aguda, a dor foi melhorando e tal. Até que eu cheguei lá uma hora, o cara perguntou quantos dias mais eu queria de licença; eu disse que eu ia pedir demissão do Exército, que eu já não estava conseguindo fazer os meus trabalhos como eu fazia, em casa de noite, de cálculo estrutural, e preparar as minhas aulas. Aí: "Não, você está se punindo." Então eles resolveram me reformar, me aposentar com um tipo de aposentadoria que o Exército tem que é proporcional ao seu tempo de serviço - chama-se “reforma podendo prover a subsistência”, quer dizer, eu era incapaz fisicamente de ser militar, mas eu era capaz pra manter o meu sustento. E era isso o que eu queria. "Então eu quero."
FAMÍLIA / TRABALHO Esposa / Trajetória Profissional Nessa época eu já tinha combinado com a minha mulher que nós íamos nos separar. E eu estava vendo que eu já estava classificado lá na AMAN, como eu disse a vocês - e o pessoal da AMAN cobrando a minha presença lá. E eu, a cada licença pra tratamento de saúde que me davam, recebia uma cobrança do porque eu não ter ido pra AMAN. Eu sabia muito bem que isso é, vamos dizer assim, um traço de ver a pessoa como embromadora. E isso me deixou mais irritado ainda: "Pô, eu sempre fui um militar operacional, tenho malária nas costas, nunca me escondi de nada. Agora também estou sendo visto como embromador." - isso me irritou muito. Aí, eu tomei essa decisão de pedir demissão. Mas o médico achou que seria injusto para comigo e me propôs esse reforma podendo prover minha subsistência. Eu aceitei. Ele queria que eu fizesse conta. Falei: "Não quero fazer conta doutor, eu sou engenheiro, eu sou administrador, eu dou um jeito, vou me virar." E aí, eu saí do Exército, fui reformado.
TRABALHO Trajetória Profissional Então eu fui trabalhar na Embratel, com um colega meu do Exército que já tinha pedido demissão antes, de Comunicações. Trabalhei na Embratel 9 meses. Uma tremenda empresa também, muito legal. Mas eu recebi um convite de um colega da faculdade de Administração pra ser diretor de uma empresa de gêneros alimentícios, que tinha dois donos, sendo que um deles, que era o cara que tocava mesmo o negócio, já estava cansado. E eles queriam sangue jovem pra tocar essa empresa, pra depois virar acionista dela. Isso já foi em 1980. Aí, eu, que sempre fui milico, tinha um salário certinho, via essa oportunidade de dar um mergulho na água barrenta sem saber o que tinha em baixo, correr o risco. Aí eu fui falar com o dono dessa empresa e ele fez o seguinte trato comigo: "Você vai ficar aqui 6 meses e eu vou te observar. Se, ao final de 6 meses, eu chegar à conclusão que você pode ser um diretor nosso, você vai ser nomeado diretor. Se ao final de 6 meses, a gente chegar à conclusão que você não é a pessoa que a gente precisa, eu te indenizo como se fosse CLT." - porque tudo isso era sem assinar nada, só de boca. E o salário que ele me pagava era o mesmo salário que eu recebia líquido na Embratel, dinheiro na mão, sem vínculo, sem nada. Falei: "Pô, então está bom." Depois de 6 ou 7 meses, eu fui nomeado diretor dessa empresa, que era a Geneal, Gêneros Alimentícios. É engraçado, porque os dois caras eram ex-oficiais de Marinha, que tinham saído da Marinha e fundaram essa empresa. Era uma empresa que vendia cachorro-quente na beira da praia, tinha umas carrocinhas bonitinhas. E até hoje, cachorro-quente no Rio, o pessoal chama de geneal. No Maracanã, por exemplo, não se pede o cachorro quente; se diz: "Me dá um geneal." O forte dessa empresa era o cachorro-quente, que era muito gostoso, quer dizer, a face da empresa que aparecia era essa. Mas o negócio forte dela mesmo eram as lanchonetes confinadas, lanchonetes em quartéis, em empresas, em cemitérios - lanchonetes de todo o tipo. A gente chegou a ter acho que mais de 60 lanchonetes, além dessas carrocinhas que eram visíveis na beira da praia. Tinha uma história que dizia que como os caras eram da Marinha e a empresa foi criada um pouco antes do regime militar, em 63, diziam: "Eles conseguiram licença pra se instalar na beira da praia porque o nome da empresa é Geneal, porque é de um General e de um Almirante." - e não era nada disso. Era Gêneros Alimentícios S.A. - Geneal, né? E eu fiquei nessa empresa lá, trabalhei um ano e 8 meses. Nessa época, eu me lembro que esse meu amigo, que tinha estudado na faculdade de Administração comigo, ficou a parte comercial, de marketing da Geneal - o Bernardo - e era professor Propaganda da PUC. O vice-presidente, que era esse cara que estava cansado, que queria sair, ficou com a parte de pessoal, com o RH e com a parte de dinheiro, contabilidade - toda a parte de grana. E eu fazia o resto - fazia toda a parte operacional, fabricação, distribuição, manutenção, operação, tudo. E o presidente não fazia nada. O presidente só ia lá pra inventar um novo produto. Então, depois de um ano e 8 meses, quase 2 anos lá, a gente tinha multiplicado o faturamento da empresa por oito. O faturamento cresceu muito.
PROCESSOS INTERNOS DA EMPRESA / TRABALHO Incorporação / Ingresso na Companhia Cervejaria Brahma Aí a Brahma, por uma decisão estratégica, precisava ter os refrigerantes dela na orla marítima do Rio. E, nessa época, ela tinha feito um contrato com o cara que era nosso concorrente, que até hoje anda por aí na orla - o João Barreto - que tinha uma empresa chamada Jomns; ele fez um contrato com a Brahma e depois deu, como a gente diz, com a calça arriada na Brahma, porque pegou dinheiro da Coca-Cola pra indenizar a Brahma e voltou pra Coca-Cola. Como nós da Geneal já trabalhávamos com Coca-Cola por opção, a Brahma ficou sem oportunidade de colocar os refrigerantes dela na orla do Rio. E aí a decisão da Brahma foi comprar a Geneal pra isso - e junto comprou o meu passe, eu fui junto. Fiquei na Geneal ainda 4 anos e meio, já como funcionário da Brahma, mas no cargo de Coordenador Industrial - continuei fazendo as coisas que eu fazia, mas como funcionário da Brahma.
TRABALHO / PROGRAMAS DE QUALIDADE Trajetória Profissional / Projeto Campeões Depois disso, a Pepsi trouxe um projeto pro Brasil, chamado Projeto Campeões - Projeto Champions - voltado pra vendas. E eu fui indicado pra trabalhar nesse projeto. Era um cara da Pepsi que veio do Chile - o Carlos Celedon - eu e dois consultores que tinham sido da Johnson & Johnsons - os caras tinham uma empresa de consultoria e treinamento, pra definir como o vendedor deveria agir e tal. E eu fui lá trabalhar nesse negócio, mas não tinha a menor idéia de como um vendedor da Brahma trabalhava. - eu era consumidor só, de cerveja e de refrigerante. Pra mim, o caminhão passava, vendia, pegava o dinheiro, ia embora, entregava - eu não sabia que tinha um vendedor que passava antes e depois vinha um caminhão pra entregar. Tinha toda um ciência de logística e tal. Mas aí eu trabalhei nesse projeto e aprendi bastante sobre essa parte operacional.
TRABALHO Trajetória Profissional Depois de trabalhar nesse projeto durante uns 8, 9 meses, pra surpresa minha eu fui chamado pra ser o Gerente Comercial do Rio de Janeiro - o Gerente Comercial, naquela época, era um cara que mandava pra caramba no mercado: mandava prender, mandava soltar, tinha a parte toda. Um Gerente Comercial naquela época mandava mais do que um Diretor Regional nosso hoje. Tinha mais autoridade porque ele pegava toda a parte comercial, a parte de comunicação, de marketing da região - e mais a parte de logística, de distribuição. O Gerente Comercial é que definia a quantidade de produto que cada distribuidor pegava na fábrica , coisa que hoje já não é da esfera do Diretor Regional. Também nós tínhamos muita gente, na época, na diretoria, numa gerência comercial dessa - eu cheguei a ter 209 funcionários. Porque se a revenda não fazia o que a Brahma queria que ela fizesse, a Brahma colocava um funcionário pra fazer. Então eu tinha pesquisador, eu muitos promotores, muitos repositores de supermercado. Todos eram funcionários da Companhia. E eu fiquei lá 3 anos e meio. Naquele tempo, o nosso principal concorrente era a Antarctica. No Rio de Janeiro, eu dei um tombo muito legal na Antarctica, nessa época. E também - aí vem um negócio interessante, que é uma ligação com o meu passado - quando eu fui nomeado Gerente Comercial da Brahma lá no Rio, em um ano, um ano e pouco, eu fui o quarto Gerente Comercial - porque aquilo era uma máquina de moer carne, era muito perto da antiga diretoria. Então tudo que acontecia de ruim no mercado, a diretoria via e o pobre do Gerente Comercial tinha que se explicar. E o meu antecessor foi esse colega meu que era da Geneal, o Bernardo. Ele saiu porque se desentendeu lá com a Diretoria da Companhia, se desentendeu tecnicamente. A diretoria tinha determinado que ele adotasse uma determinada organização pro departamento comercial e ele não concordou; ele acabou tendo que definir entre fazer o que a diretoria queria ou assumir a convicção de que aquilo não era o correto. Ele assumiu a convicção e saiu. Aí eu fui chamado pro lugar dele, assim, de repente - esse era o terceiro; eu fui o quarto. Isso foi em fevereiro de 87. Aí eu cheguei lá de repente, pra ser Gerente Comercial. Nunca tinha trabalhado numa área comercial da Brahma, nunca tinha trabalhado com venda mesmo, de bebida. Tinha feito esse trabalho técnico só na Pepsi. Mas, aí eu me lembrei daquela noite lá, na beira do rio. Falei: "Eu não conheço nada disso aqui, mas eu construí uma estrada na Amazônia, minha estrada foi elogiada pra caramba. E o meu batalhão virou o que eles chamam de batalhão-escola da Amazônia." - os outros batalhões mandavam os oficiais visitar a nossa estrada pra ver como é que devia ser feito, a qualidade da estrada, a operação logística, porque uma operação desta envolve logística de combustível, logística de comida. Você alimentar 900 homens na selva era um negócio complexo e tal. Então, quanto conhecimento você acumula disso aí, né? Fora a experiência de vida que você adquire. Então eu adquiri também a experiência, vamos dizer assim, dessa, de segurança. Eu digo: "Poxa, eu fiz aquilo lá Não vou fazer isso aqui? Claro que eu vou vender essa cerveja, pô" Aí, a mesma coisa: não sabia nada daquilo, mas fui descobrindo quem é que sabia. Eu sabia algumas coisas do operacional e falava sobre aquilo que eu sabia; os caras pensavam que eu sabia muito mais e, enquanto isso, eu ia aprendendo. E inventei algumas coisas lá pra mobilizar o pessoal, pra despertar o espírito de equipe, o espírito de corpo. Nós estávamos bastante atrás da Antarctica e ficamos bastante na frente deles em um ano, um ano e pouco. Depois eles construíram uma fábrica nova no Rio e equilibraram o jogo com a gente. Mas nós passamos novamente eles.
TRABALHO / CULTURA DA EMPRESA Trajetória Profissional / Cultura Brahma E aí eu saí de lá; fui designado pela Companhia pra ir pra Diretoria de Marketing. Nesse meio tempo, enquanto eu estava do Departamento Comercial, foi a chegada do pessoal do Banco Garantia, do Grupo Garantia - o Marcel, o Jorge Paulo, o Beto Sicupira. E o Marcel foi designado pra ir pra lá. Então chegou lá o Marcel, o Magim - e ninguém sabia o que ia ser. Só o Magim falava com todo mundo, conversava com todo mundo. Também chegou o Brito, que hoje está lá na Inbev, o Luís Cláudio - o Pantera; o apelido dele é Pantera até hoje. Ele foi Diretor de Suprimentos aqui da Companhia e saiu. Então, chegaram eles quatro lá e foi uma mudança muito grande na postura das pessoas, uma mudança cultural grande na Companhia. Pra mim, que tinha vindo da selva, foi muito tranqüilo. Primeiro, porque eu sempre trabalhei muito. E eu trabalhava muito na rua, ia muito à revenda, ia muito ao mercado e deixava pra despachar a parte burocrática na parte da noite, no final da tarde - então, sempre saía tarde. E chegava muito cedo, porque eu tinha que levar minha filha às 7 horas no colégio - os caras achavam que eu chegava cedo porque eu era Caxias, mas não era isso; é que tinha que primeiro levar a garota e depois ir pra lá. Então, sempre trabalhei muito. Aí chegou esse pessoal do Grupo Garantia, com uma nova filosofia de cobrança, de simplicidade. Eu vi fenômenos fantásticos - que é interessante relatar aqui porque isso acontece em toda organização: eu via pessoas que trabalhavam de terno, de repente, aparecerem de jeans - mas não um jeans normal; era um jeans daqueles incrementados, com bolso do lado, com aplique metálico e tal. Pessoas que eram muito formais, de repente, começaram a sentar no chão. Então o Marcel foi a uma reunião lá e sentou em cima de uma mesa e cruzou as pernas, naquela posição tipo de Buda; cruzou as pernas, ficou ouvindo. O que você via depois era aquela quantidade de gente querendo imitar isso, sentando em cima da mesa, cruzando as pernas. Tinha uns caras que não tinham nem idade pra isso - o pessoal ficava fazendo aposta de quanto tempo ele ia levar pra descruzar as pernas depois que acabasse a reunião. Isso faz o quê? Faz 15 anos, 16 anos, que aconteceu isso - foi em 89. Eu não mudei absolutamente nada na minha maneira de proceder. Nem na maneira de vestir - eu já trabalhava de calça jeans, já trabalhava com uma roupa mais simples, nunca usei gravata. Na Embratel eu comecei usando, mas aí, aos pouquinhos, eu fui tentando tirar a gravata - porque eu ia de gravata pra faculdade e os alunos me sacaneavam; então eu tirava a gravata, os caras continuavam me sacaneando, dizendo que eu tinha deixado a gravata no carro. Então dia de aula eu não ia mais de gravata; ninguém reclamou, aí eu fui mais um dia sem gravata. No terceiro dia, eu já aboli gravata. Depois, uma porção de gente foi tirando a gravata, só ficou o chefe do departamento de gravata - isso na Embratel. E na Brahma também, as pessoas da administração trabalhavam de gravata e tal. Mas eu nunca usei gravata, nunca fiz nada diferente do que eu sempre fiz. Foi essa a filosofia, de austeridade, de simplicidade, que foi trazida por esse pessoal do Garantia, pelo Marcel principalmente, que era o principal inspirador disso - e caiu como uma luva pra mim. Eu me senti muito à vontade.
TRABALHO / PROGRAMAS DE QUALIDADE Trajetória Profissional / Programa de Excelência Aí eu saí do Departamento Comercial, fui trabalhar na Diretoria de Marketing - virei Gerente de Operações Nacionais. E minha área de atuação era aqui em São Paulo, que era a principal área comercial nossa. E esse Gerente de Operações Nacionais era uma espécie de amortecedor entre o Diretor Regional e o Gerente Comercial e a Diretoria de Marketing - que naquela época era, na verdade, uma diretoria de Marketing e Operações, porque ela tinha uma parte que cuidava do marketing propriamente dito e outra que cuidava das vendas. Então era Diretoria de Vendas e Marketing, na época. E eu era mais ligado a essa parte de operações, a essa parte de vendas realmente. O meu cargo era Gerente de Operações Nacionais. Nós tínhamos cinco diretorias regionais; eram cinco gerentes de operações nacionais. E eu a minha área era aqui em São Paulo. Aí, nesse meio tempo, o Adílson Miguel foi convidado pra criar a Diretoria de Revendas, que era uma diretoria que não existia. E o Adílson me convidou pra ir trabalhar com ele na Diretoria de Revendas. Eu, antes de ir pra Diretoria de Revendas, ainda na Diretoria de Marketing, tinha dado a partida, quando eu estava aqui em São Paulo, numa série de procedimentos de avaliação e de premiação dos revendedores aqui em São Paulo, baseado numas coisas que tinha na AMAN. Eu tinha chamado de Revendas ao Mérito. Por quê? Porque eu, quando me formei oficial, ganhei como prêmio pelas notas que eu obtive lá na AMAN, uma espada de presente do Exército. E na espada - é primeira vez que eu estou falando isso - estava escrito: “AMAN ao Mérito. Ao aspirante Frederico Boabaid pelos resultados, não sei o quê...” Eu falei: "Aqui vai ser Revendas ao Mérito." - eu tenho isso guardado até hoje. Era um negócio, umas coisas mimeografadas, que consistia no seguinte: você dizia o que é que o revendedor tinha que fazer, verificava como ele estava fazendo e tinha uma escala de pontos. Em função dos pontos, ele recebia algum prêmio honorífico. Já existia uma escala de classificação - quem a inventou foi o Cerqueira, que era o Diretor de Marketing da Brahma. Então eu peguei esse negócio que o Cerqueira tinha definido e criei critérios pra enquadrar o cara como Líder Absoluto, Competidor Forte, Líder Precário ou Competidor Fraco. Eu desenvolvi os critérios aqui em São Paulo, com o pessoal daqui. E nós fizemos o tal do Revenda ao Mérito. Aos caras que eram “Líder Absoluto”, o prêmio deles era o seguinte: quando o Marcel e o Magim visitavam São Paulo - eventualmente eles vinham aqui a São Paulo - esses revendedores eram convidados pra jantar com eles. E me causou surpresa como os caras davam valor a isso; às vezes, o jantar, não era nem em um restaurante muito sofisticado - como eu já disse, a gente era uma empresa simples - mas os caras queriam estar ali porque era um destaque pra eles. Então eu aprendi isso e depois vim a confirmar: o ser humano é carente de elogio, é carente de, vamos dizer assim, aparecer em destaque. Depois um psiquiatra, um analista, me falou - eu até hoje brinco com o pessoal - o seguinte: “O ser humano tem duas fontes de prazer: uma é o prazer sexual; a outra é o prazer de ser reconhecido entre os seus iguais, de ser enaltecido entre os seus iguais.” E aí, eu fiz esse negócio aqui. Aí o Adílson criou a Diretoria de Revendas e teve uma reunião aqui - eu ainda era de São Paulo - pra discutir com os revendedores sobre como seria esse programa que a gente queria, que era o programa de São Paulo e que foi melhorado e foi ampliado, pra aplicar no Brasil todo. Só que, junto com esse programa de São Paulo, tinha algumas coisas que o Adílson trouxe, que era o Desafio da Excelência. O Adílson esteve nos Estados Unidos e trouxe da Anheuser-Busch um livro - coisa de americano, né? Um livro de couro, nós temos ele guardado aí, dessa altura, desse tamanho, em papel linho, todo bonito. E eu aprendi, nesse curso, durante o desenvolvimento daquele projeto com o pessoal da Pepsi, com aqueles consultores que também receberam um manual americano, que você não deve chegar e pegar um manual estrangeiro e traduzir. Você tem que ver quais são as idéias que ele tem ali, os tópicos que ele aborda e desenvolver aqueles tópicos de acordo com a sua realidade. E foi isso que eu fiz. Nós pegamos isso aí - o Adílson me deu essa tarefa - de desenvolver o que seria o Programa de Excelência da Companhia. Mas por que é que eu fui designado pra isso? Porque nós tivemos uma reunião aqui em São Paulo pra discutir o aprimoramento desse programa aqui de São Paulo. E os revendedores começaram a questionar - era uma comissão de revendedores, designados lá pela federação deles. Eles falavam algumas coisas e ninguém respondia. E eu respondia; falava: "Olha, isso aí é por causa disso, disso, disso, disso, disso." Continuava. Dali a pouco: "Ah, por que...?" Aí eu ficava esperando; ninguém falava, eu dizia: "É por causa disso, disso, disso, disso." Estavam lá o Marcel, o Magim, o Adílson, o Bitar, que era o Diretor Regional, estava o Gerente Comercial. Na terceira ou quarta pergunta, os caras falavam alguma coisa lá, contestavam, aí eu ficava esperando; não sei se o Marcel lembra disso, mas ele olhava pra mim e levemente fazia um sinal com a cabeça, como quem diz: “Manda brasa e responde”. Aí eu ia respondendo, porque eu conhecia, já nessa época, muito do operacional das revendas. Eu tinha sido Gerente Comercial e eu andava muito nas revendas, andava muito na rua - naquela época, ninguém fazia rotas. Hoje isso que existe na Companhia, de fazer rota, mas então não havia. Isso começou quando a gente fez esse programa com a Pepsi. O Flavio Adversi, que hoje é Diretor Regional em Minas, era o gerente da revenda que pertencia à Brahma, lá em Contagem. E ele começou a trabalhar nesse projeto de fazer roteirização com vendedor. E aí é que as pessoas começaram a fazer rota. Eu fazia a rota; meu Gerente de Vendas, quando eu era do Rio de Janeiro - hoje seriam os GVM, Gerente de Vendas e Marketing, mas naquela época era Supervisor de Vendas - faziam rota, tinham que fazer rota com os vendedores. Então essa foi a primeira vez que a Companhia ia botar alguém pra fazer rota com o vendedor mesmo. Porque nós priorizávamos muito a visita direta, da Companhia ao cliente. Nossos supervisores visitavam cliente, mas não viam tecnicamente como é que revendedor trabalhava. Os supervisores de revenda também - existia normalmente um supervisor por número de vendedores que fosse. Se a revenda tivesse 30 vendedores, era um supervisor; se tivesse 10 vendedores, era um supervisor; se tivesse 40, era um supervisor - porque era o que o contrato nosso de distribuição exigia, pelo menos um supervisor. Então todo mundo tinha um supervisor. Aí, nessa passagem aí, da Diretoria de Marketing pra Diretoria de Revendas, quando o Adílson me convidou pra trabalhar com ele, ele também me deu a tarefa de desenvolver o que seria o Programa de Excelência da Brahma, baseado no que nós tínhamos em São Paulo, mas também no que ele tinha trazido dos Estados Unidos, que era da Anheuser-Busch. E eu peguei aquele tijolão da Anheuser Busch com o que nós tínhamos aqui em São Paulo e fizemos um manual tupiniquim. O nosso manual tem aí no nosso acervo - parece que tem 26 ou 28 páginas. E era um manual compridinho, tipo um folder. Mas ali tinha tudo o que a gente precisava pra aquele momento. E começamos então a trabalhar as nossas convenções de revendedores; a gente fazia premiação dos revendedores que se destacavam nesse Programa de Excelência. No início foi muito duro, porque nós vendemos isso de uma maneira muito ruim pros nossos gerentes comerciais. O negócio saiu meio que no peito, sem a gente ter dado conhecimento anterior a eles. E isso implicava numa mudança muito grande na Companhia - e como toda mudança, gera reações muito grandes. E a principal reação que nós encontramos foi do pessoal da Companhia, porque eles também teriam que trabalhar mais. Eu me lembro que uma das coisas que suscitou mais polêmica e mais reação das pessoas, tanto de revendedores, quanto das pessoas da Companhia, foi a tal da reunião matinal, que nós criamos com esse programa. Era obrigado a fazer a reunião matinal. Por quê? Porque antes os vendedores iam direto de casa pra rota, pra vender. Então, a gente não tinha controle. O Cerqueira já tinha feito uma experiência lá em Curitiba, uma determinada revenda lá, se não me engano eram nove vendedores; mais ou menos umas nove e meia da manhã, ele botou todos os supervisores da área comercial lá de Curitiba rastreando os vendedores. Dos nove, parece que encontrou quatro ou cinco na rota. Teve um que o supervisor conseguiu o telefone da casa dele, ligou, a mãe dele atendeu, ele estava dormindo - quer dizer, aquele friozinho de Curitiba, né? E a gente acreditando. Era um “me engana que eu gosto”, acreditando que os caras estavam na rota. Então nós definimos essa obrigatoriedade no Programa de Excelência, de ter uma reunião matinal.
TRABALHO / PROCESSOS INTERNOS DA EMPRESA Trajetória Profissional / Processos de gestão E isso é uma história interessante, de como surgiu esse negócio da reunião aqui na Companhia – isso foi no primeiro semestre de 91. Era o seguinte: os vendedores não iriam mais de casa pra rota; eles teriam que ir primeiro na revenda, ter uma reunião, como é até hoje, pra depois ir pra rota. Mas isso era uma mudança fantástica - e afetava todo mundo. Então, eu, novamente exercitando a tal da empatia, disse: "Pô, se eu fosse vendedor, supervisor, gerente comercial, eu ia criar caso com essa tal reunião matinal. Isso vai me dar problema." Então eu tinha um gerente de vendas que era subordinado a mim, porque nessa época, na Diretoria de Revendas, eu recebi essa incumbência de desenvolver o Programa de Excelência, mas eu também era o Gerente Nacional de Revendas. Eu era responsável pela área comercial de todas as revendas que pertenciam à Brahma, na época - que são as precursoras desses Forrós que existem hoje. A Diretoria de Revendas cuidava delas; éramos eu, que era o Gerente Comercial, e o Ernani, que era o Gerente Administrativo-Financeiro e Operacional. Cada revenda dessas tinha duas pessoas também, um Gerente de Vendas e um Gerente Administrativo-Financeiro e Operacional. E lá no Irajá a gente tinha uma revenda, - naquele tempo era o CRA-Irajá, Cerveja, Refrigerantes e Águas - que era o Celso Peçanha, que tinha sido jogador de futebol. E era um cara que tinha uma liderança muito boa sobre a equipe. Então eu falei: "Vou usar o Celso pra implantar esse negócio pra mim." E eu falei com ele. Falei: "Celso, você já jogou futebol, né?" Ele: "Já." "Então, me explica aqui um negócio: por que é que o time de futebol treina a semana toda, quer dizer, tem contato a semana toda, jogador com jogador, técnico com jogador, depois tem concentração, continuam confinados ali, na hora de sair da concentração pro estádio? Ps caras têm uma preleção, né? Têm uma preleção no hotel. Depois, eles chegam no estádio, no vestiário, o cara tem uma preleção antes de entrar em campo. Pelo amor de Deus, pô. Não é muita preleção? Por que é que os caras não chegam do ônibus, botam o uniforme e vão direto pro campo?" Aí, ele falou: "Ah, está se vendo que nunca jogou bola mesmo, rapaz. Pô, aquela hora ali, no vestiário, é aquela hora em que o cara dá o sangue mesmo na equipe." Eu falei: "Aquela é a hora em que ele tira as últimas dúvidas, que ele dá os últimos esclarecimentos, que ele dá a última injeção de ânimo no pessoal, dá aquele grito de guerra e entra em campo. Não é isso?" Ele falou: "É." "E por que a gente não faz isso com os vendedores? Os caras saem de casa se espreguiçando pra ir pra rota. Por que é que a gente não faz uma reunião com eles, tira as dúvidas deles da rota do dia anterior, lança desafios pra eles na rota do dia, tira as dúvidas que eles tiverem sobre a rota do dia? E, no final, a gente dá um gás e eles entram em campo. Vão pro mercado." Ele falou: "Pô... É, isso aí é legal." "Então, vamos fazer o seguinte, Celso. Eu estou prevendo, do Programa de Excelência, que vai ser obrigatório fazer uma reunião dessa. E vai ser uma chiadeira danada; quando o pessoal chiar, eu preciso ter alguém já fazendo isso. Se você acha que isso é legal, eu queria que você implantasse aqui na tua revenda." - porque eu tinha mais duas revendas subordinadas a mim no Rio, que era a CRA-Tijuca e o CRA-Sul, que ficava na Gávea. Curiosidade: no CRA-Tijuca, o cara de vendas era o Luís Fernando, que era recém trainee - tinha deixado deixado de ser trainee e era o Gerente Administrativo Financeiro lá. E o perceiro dele lá era o Tinoco, cara muito experiente, o Gerente de Vendas. Aí, eu falei: "Aí, o Tinoco vai ter que se enquadrar e o cara lá do CRA-Sul também vai se enquadrar, pô. Aí, quando o nego reclamar, eu vou dizer: ‘No Rio agora tem três revendas que fazem reunião matinal. Como é que vocês não vão fazer?’” Aí o Celso topou. Então, eu falei: "Eu te dou uma semana pra você implantar isso." Falou: "Não, implanto amanhã." Isso é que a curiosidade. Essa história que eu conto de vez em quando, em palestras aí, é legal de ficar registrada. Aí, ele falou: "Implanto amanhã." Eu falei: "Poxa, amanhã?" Ele falou: "Pode deixar." Aí, no dia seguinte, eu liguei lá umas 8 horas da manhã, curioso: "E aí, Celso, fez a reunião?" "Fiz, correu tudo bem." Então, eu falei: "E aí, como é que foi?" Ele falou: "Ó, Fred, a gente pode até perder algumas pessoas aí, mas não por causa dessa reunião, não. Porque aqui o último cara chegou antes das 7 e 10 e veio cheio de desculpa, se desculpando e tal." E eu: "Como é que você fez?" Aí, ele falou: "Psicologia, cara - usei psicologia. Reuni o pessoal e falei: Gente, amanhã, vocês vão vir pra cá pra revenda em vez de sair de casa. Então hoje ninguém tira ficha de rota. Amanhã eu quero todo mundo aqui às 7 da manhã; nós vamos fazer uma reunião e depois é que vocês vão pra rota. E vai ser assim agora, todo dia. Porque eu recebi ordem do Fred pra fazer isso, eu acredito que isso vai ser legal, então, nós vamos ter essa reunião." Aí os caras: "Que é isso, Celso? Eu moro não sei onde, dependo de três conduções." Tinha um cara que morava em Maricá - me lembro bem, trabalhava lá no subúrbio do Rio, em Vaz Lobo; da Ilha de Maricá pra vaz Lobo é uma viagem. "Não, eu não tenho como ir, não sei o que." Ele falou assim: "Olha, gente, eu sei que vai ser difícil pra todo mundo, mas vamos fazer o seguinte: vamos fazer o que nós sempre fizemos aqui - vocês me ajudam, eu ajudo vocês. Vocês vão me ajudar vindo pra essa reunião porque o Fred, como eu disse, mandou fazer. Eu acho que ela é legal e eu queria fazer. E eu vou ajudar vocês, porque eu vou fazer essa reunião só durante 15 dias." Aí, os caras: "Não, espera aí, espera aí." "Ô Celso, 10 dias está bom." "Chefia, uma semana está bom, então." Ele falou: "Não, eu vou fazer durante 15 dias porque é o tempo que eu preciso pra substituir vocês. Eu vou ajudar vocês dando chance de vocês procurarem emprego numa empresa que aceite preguiçosos e filhos da mãe iguais a vocês E amanhã eu estou seis e meia aqui, esperando vocês" Aí, virou as costas e foi embora. Ele falou pra mim então: "Como você vê, Fred, psicologia pura." - na verdade, o que ele chamou de psicologia é liderança pura. E no dia seguinte foi todo mundo lá. E aí, o Celso: "Poxa, Fred, é do cacete. A reunião funciona. O pessoal até já está achando legal e tal." Aí, eu avisei aos dois outros, a Tijuca e ao CRA-Sul. Tinha três revendas fazendo isso. Não deu outra, quando nós fizemos a reunião com os gerentes comerciais da Companhia, do Brasil todo, pra apresentar o Programa de Excelência, um cara falou: "Fred, só tem um problema aí: essa reunião dá certo em cidade pequena, cara. Cidade grande, como Belo Horizonte, Rio, São Paulo, tem problema de condução, tem problema de tráfego. Isso não vai adiantar. Isso não vai dar certo." Aí, eu falei: "Olha, aqui no Rio têm três revendas que já estão fazendo, estão adorando e não querem voltar atrás. Por que você não dá um pulinho lá e vê como que os caras fizeram? Pergunta a eles se não funciona. Talvez até não funcione com as pessoas que você tem lá agora. Mas é importante para a organização que funcione - é só trocar as pessoas se for o caso." Aí o cara ficou meio sem jeito, um outro cara surgiu lá em meu apoio e falou: "Que é isso, vocês estão malucos? Legal esse negócio dessa reunião. Eu achei uma boa." E instalou-se ali a dicotomia no grupo. E assim foi implantada a reunião matinal, que hoje é uma parte, vamos dizer assim, importantíssima - um aspecto importantíssimo dessa cultura de vendas nossa. Tempos depois, uns 3 anos depois, eu estou aqui em São Paulo já, a Brahma já tinha vindo pra cá. Aí, vem um gerente de operações, que é o antigo GVM aqui de São Paulo, e diz: "Ô, Fred, você sabe de uma coisa? Lá na revenda onde eu estou, nós estamos fazendo uma experiência que está dando certo. Nós não fazemos reunião matinal; estamos fazendo a reunião de tarde. Então, de tarde a gente faz a reunião, explica tudo pro cara, o cara vai pra casa. No dia seguinte ele vai pra rota e tem funcionado bem." Eu falei: "Vem cá, você está querendo enganar ao revendedor, enganar a mim ou enganar a você mesmo? Você dá mil recomendações pro cara às cinco e meia da tarde, seis horas. Ele chega em casa, a mulher está com dor de cabeça, o filho está com caganeira, o cachorro está com sarna, o papagaio caiu, o cachorro mordeu o vizinho - ele vai lembrar do que ele ouviu na véspera, no dia anterior? Pára com isso, cara. Isso é o princípio do futebol: o cara tem que fazer preleção no vestiário porque ali é que as coisas se definem" Aí, o cara: "Não, tudo bem." Saiu meio sem jeito. Mas, de vez em quando, aparecia um caso como esse. Mas, hoje em dia, esse negócio da reunião matinal é uma realidade na nossa cultura. E começou dessa maneira.
PROGRAMAS DE QUALIDADE Programa de Excelência Então, o Programa de Excelência, aos poucos foi se aperfeiçoando - e ficou tão grande que eu acabei ficando só com o Programa de Excelência. Eu deixei a Gerência Nacional das Revendas e fiquei com o Programa de Excelência.
PROCESSOS INTERNOS DA EMPRESA / PROGRAMAS DE QUALIDADE Convenções / Programa de Excelência E, nesse meio tempo, já tinham surgido outras coisas que eu fui começando a fazer aqui na Companhia. Por exemplo, em 92, nós fizemos a segunda Convenção de Revendedores, na Bahia, em Salvador. E foi quando nós fizemos a primeira premiação do Programa de Excelência. Então eu fui lá pra preparar essa premiação. Mas só tinha um detalhe: eu não só nunca tinha participado, como também nunca tinha assistido uma convenção - não tinha a menor idéia do que era uma convenção. E aí, quem fazia, já nessa época, era o Banco de Eventos, do Vítor Oliva. Nós fomos lá alguns dias antes pra preparar isso. E, na hora que estava se discutindo se ia fazer assim, se ia fazer assado, o Caio Ortiz, que era da agência de publicidade, falou: "Espera aí: e o Programa de Excelência? Como é que nós fazemos isso?" "Ah, vamos fazer assim, vamos fazer assado...”. Aí, eu estava ali: "O que é que eu vou dizer aqui? Eu nunca vi uma convenção, nunca vi nada disso” - mas como eu disse, o milico soleniza tudo, então eu tinha uma certa experiência de solenidades. Aí, eu falei: "Olha, eu acho que a gente podia fazer o seguinte: a convenção vai seguindo, acaba a palestra e a gente entraria com o Programa de Excelência da seguinte maneira - fica tudo escuro e aí, na tela, sobem aquelas letrinhas" - que depois eu fui saber que o pessoal chamava de lettering - "Sobem aquelas letrinhas com o texto do Marcel que está na primeira página do Programa de Excelência." Aí o Vítor Oliva parou, falou assim: "Gostei disso. Vamos fazer assim." E assim nós fizemos por 6 ou 7 anos: na abertura da convenção era tudo escuro e o texto que o Marcel tinha escrito para aquele ano - porque a cada ano ele era renovado. E esse texto passava na tela pro pessoal ler, com uma locução em off. Aí nós montamos lá a premiação como achávamos que devia ser. Naquela época, trabalhava comigo a Silvia Mendes; éramos nós dois lá, montando a premiação, os troféus e tal. A primeira premiação que nós fizemos foi um caos - foi o Fera em Transporte: subiram 27 pessoas no palco, foi uma confusão danada. Aí, assim que as cortinas fecharam, o Adilson apareceu nos bastidores: "Fred, isso está uma merda." Eu falei: "Eu sei Adílson, também achei. Mas pra próxima premiação nós vamos mudar." - porque tinha palestras entre as premiações. Mas eu falei que nós íamos mudar, só que eu não sabia o que é que ia mudar Naquele tempo era com slides que se faziam as apresentações; então, eu falei: "Nós vamos dividir o grupo aqui: em vez de fazer todo mundo junto, que é o Fera em Vendas, nós vamos fazer em grupos menores, porque o palco vai ficar menos cheio de gente, vai ficar mais enxuto." Mas quando eu falei: “Então, vamos mudar”, o cara falou: “Mas tem que mudar o roteiro do mestre de cerimônias, tem que mudar a ordem dos slides que vai entrar, tem que mudar o roteiro do pessoal da técnica toda...” Eu falei: "Não, mas vamos mudar." Aí, nós mudamos - tinha que tirar os slides dos projetores, mudar de posição e tal. Bom, dividimos em grupos menores e aí começou a funcionar. Aí, na época, disseram assim: “Está na hora dos prêmios que têm troféu. Como nós vamos fazer com os troféus?” Aí eu vi que, nos bastidores do teatro, tinha um carrinho de chá; e tinham colocado lá pra trabalhar com a gente um japonesinho, que é um tremendo cenógrafo. Aí, eu falei: "Escuta, esse carrinho de chá aí - você não consegue dar uma disfarçada nele?" O cara falou: "Tudo bem." Pegou um pano preto, enrolou no carrinho de chá com aquelas rodinhas. Aí, quando tocava a música, acendia a luz, entrava uma mocinha - uma recepcionista - empurrando aquele carrinho, aquele bloco preto, com os troféus em cima. O pessoal aplaudiu. Eu falei: "Poxa, encontrei a minha praia aqui." E aí nós montamos essa premiação. No final, eram os dois revendedores que venceram - um do Espírito Santo e outro de São Paulo. Nós fizemos uma operação arriscadíssima: nós levamos a família dele do interior do Espírito Santo, de Linhares, e do outro, aqui de São Paulo, pra lá, sem ninguém saber. Lá tinha um telão avançado em relação ao palco, como se fosse uma marquise com o telão em cima, de maneira que quem estava no palco não via o telão, mas a platéia via, porque ficava lá na frente. Aí, na hora, o mestre de cerimônia fazia uma entrevista com os vencedores. Primeiro com o do Espírito Santo e depois com o Carlão, que era aqui de São Paulo. E nessa entrevista ele simulava que estávamos em contato com a família deles por satélite. Então ele falou: "Você já ouviu falar na Embratel?" O cara: "Ah, já." "Então, uma maravilha o que a Embratel faz. Olha para aquele telão ali." Aí, aparecia a imagem do pai dos rapazes do Espírito Santo e ele começou a conversar com o pai; e na tela eles puseram o efeito de chuvisco - mas o pai estava no camarim, atrás do palco. E ele falando: “Papai” O pai falava: "Não chora não, rapaz." "Não, papai, não sei o quê...” Aí, depois, entrou a mãe do Carlão, que estava lá atrás também, no camarim - ela e dois filhos do Carlão. E o Carlão: "Oi, mãe" - querendo chorar e tal. E ela: "Ai, meu filho, você é o número um” E o moleque fez alguma coisa, a avó deu um cascudo no cabeça dele. E o pessoal todo vendo, porque eles lá no camarim não sabiam o que estava aparecendo no palco, exatamente para que eles não se traíssem - e falando o tempo todo como se estivessem em São Paulo e estivessem no Espírito Santo. Aí tinha um código, que eu tinha combinado com o mestre de cerimônias, que era o seguinte: quando ele dissesse: “Traz pra mim um microfone”, as famílias entravam no palco. Então estavam os dois, lá no palco falando, e o telão começou a mostrar o trajeto dos familiares vindo do camarim pro palco. E o pessoal começou a aplaudir - e eles, os premiados, não estavam vendo, porque isso estava no telão lá na frente; eles agradeciam como se os aplausos fossem pra eles. E o pessoal começou a aplaudir e começou a chorar. E aí, quando entrou a família - eram quase 2 mil pessoas no auditório - eu nunca vi uma choradeira tão grande. Eram 2 mil pessoas chorando. Pra você ter uma idéia, a empresa que estava fazendo isso pra gente era a Mix Som, empresa de produção de vídeo. Aí, vem a equipe lá de filmagem, a mãe do Carlão vindo dos bastidores e um cara com a câmera, outro com microfone, o outro com a luz - naquele tempo não tinha essas câmeras digitais - e os três chorando Aí, o cara puxando o fio, olhou pra mim e falou: "Eu sou um babaca... Não sei porque eu estou chorando Eu não tenho nada a ver com isso, pô" . Mas foi uma emoção muito grande, um negócio muito bacana. E nós conseguimos fazer isso. O pai dos rapaz tinha medo de avião, então veio quase que seqüestrado no avião da Companhia - era um Xinguzinho. A mãe do Carlão e os filhos vieram de São Paulo. Quando chegou, teve um motorista baiano - nós tínhamos reconhecido o itinerário na véspera, onde ele tinha que ir - e nós mandamos um rapaz que era trainee - que trabalhava comigo, o Renato - buscá-los no aeroporto; no meio do caminho, quando o Renato olhou pra trás, o motorista baiano tinha, sumido porque conhecia um caminho mais fácil. Na véspera, ele foi ver qual era o caminho que ele tinha que fazer para que os outros revendedores não vissem, porque tinha gente circulando ali por fora. E nesse negócio, na hora de abrir a porta pra mãe do Carlão, bateram com a porta no dedo dela - ela com o dedo enrolado num guardanapo, mas agüentou firme. Depois que acabou o negócio é que a gente foi tratar do dedo dela, o dedo machucado. Então foi muito legal. Essa convenção foi fantástica e aí eu vi que não era tão complicado. Então, a parte de premiação do Programa de Excelência é que sempre era o ponto alto das convenções - e eu que organizava.
TRABALHO / PROCESSOS INTERNOS DA EMPRESA Trajetória Profissional / Convenções Até que chegou em 95, mais ou menos, e o Magim falou: "Ô Adílson, eu queria que você e o Fred cuidassem dessas convenções." Aí eu fiquei responsável por essas convenções a partir de 95, pelo todo - com a parte de hotelaria, de alimentação, de festa, de tudo o que acontecia fora do plenário. Até hoje eu sou responsável pelas convenções da Companhia. E as nossas convenções se tornaram modelo no mercado. No Banco de Eventos, que é uma das empresas mais famosas de organização de eventos, eles testam as loucuras com a gente; depois que dá certo, eles levam para os outros clientes. Então, por exemplo, esse negócio de levar família escondido, eles fizeram, se não me engano, com a Esso, que é um outro cliente deles. E tudo que eles apresentam - que a gente acha arriscado, mas que vai ficar bonito - a gente tenta. E tem dado certo. Então, essas convenções se tornaram um fator de motivação muito grande pro revendedor, a ponto de ser um empurrão que o revendedor leva na hora em que elas acontecem. E quando vai chegando perto da próxima, que aquele empurrão da última já está perdendo a força, a próxima começa a puxá-los.
PROGRAMAS DE QUALIDADE / PROCESSOS INTERNOS DA EMPRESA Programa de Excelência / Convenções Para comparecer a essa convenção anual, que é uma convenção de festa, o revendedor tem que fazer um determinado número de pontos no Programa de Excelência. São duas convenções: a primeira é uma convenção de trabalho, a convenção nacional. Pra essa, todos revendedores são convidados, não tem problema. Mas, pra segunda, que é a convenção de festa – e que nós já fizemos uma série delas fora do Brasil - o revendedor tem que fazer um determinado número de pontos. Então ele é puxado, naturalmente, pela vontade de ir à convenção e de subir no palco, de receber a homenagem. Daí, eu volto àquela frase que eu tinha falado a vocês: quando eu apresento esse Programa de Excelência, eu sempre sobre aqueles dois prazeres que o ser humano tem - o prazer sexual e o prazer de ser reconhecido. Eu digo assim: “Até a edição deste ano, nós estamos atendendo a essa segunda parte. Quem sabe a gente ainda transforma isso aqui num manual erótico dos revendedores da AmBev e tal...” Hoje nós voltamos a fazer uma convenção somente. O Luís Fernando determinou que agora nós vamos ter só uma convenção, que vai ser de trabalho, de festa, de tudo; e vamos ter uma comemoração, que será uma viagem - que pode ser um cruzeiro marítimo ou uma festa. Como esse ano é ano de Copa do Mundo, essa premiação, essa viagem, será pra Copa do Mundo. Então, alguns revendedores que se destacam, de acordo com regras pré-estabelecidas, serão convidados pra ir à Copa do Mundo assistir dois jogos do Brasil. Nós estamos inclusive planejando isso aí. Mas nessa trajetória de convenções e preparação de convenções, nós tivemos um aprendizado muito grande. Um negócio que a gente arriscou muito, quebramos a cara uma ou duas vezes, deu umas falhazinhas - mas o grosso é um sucesso; as pessoas gostam da nossa convenção.
PROCESSOS INTERNOS DA EMPRESA / PESSOAS Convenções / Fernanda Montenegro E essas convenções têm uma característica que naturalmente foi surgindo - e que depois passou a ser uma exigência: nós não temos programação. Claro que nos bastidores nós temos, mas o convencional não sabe qual é a programação. E ele não quer saber, ele quer é surpresa. A gente vai apresentando, as coisas vão acontecendo e aquilo gera um impacto a mais. Por exemplo, nós fizemos uma convenção em Punta del Leste, em que havia um audiovisual muito bonito, aparecendo imagens do Brasil – o tema era “O Brasil no Mundo”. E nós pegamos pessoas que representam o Brasil no mundo, como o Ivo Pitanguy, a Fernada Montenegro - que estava com o filme Central do Brasil naquela época -, o Versolato - que na época estava fazendo sucesso em Paris e tal. Enfim, brasileiros de uma certa expressão internacional - e eles personificavam o Brasil no mundo então. Aí o Fernanda Montenegro estava lá na convenção, e o audiovisual era narrado por ela; e as pessoas: "Não, o audiovisual vai passando e a Fernanda vai narrando." E eu falei: "Não. Vamos fazer assim, gente..." - sempre raciocinando com a cabeça da platéia - "Vamos fazer o seguinte: ela vai narrar sim, mas em off; ela vai ficar atrás. Nesse momento, alguns mais espertos vão identificar a voz e vão dizer: Pô, esses caras contrataram a Fernanda Montenegro pra fazer essa narração. No meio do audiovisual, quase no final - num determinado ponto que tem uma pausa grande pra música - ela entra com microfone no palco, narrando ao vivo. E a gente vai fazer uma surpresa danada pros caras." Esse audiovisual era projetado num telão de 18 metros de comprimento por quase 5 metros de largura, um telão panorâmico enorme. E a gente usava ele e duas telas laterais, então podiam ter três imagens diferentes - duas iguais nas laterais e uma diferente no centro - ou uma imagem só. E aí, assim que foi feito: a Fernanda Montenegro estava narrando, e de repente, quando ela entrou no palco, o pessoal levou um susto; foi um aplauso em pé pra ela. Ela teve que interromper, a gente teve que dar um jeitinho na música pra não perder o compasso com o audiovisual e tal. Pôxa, agora se a gente tivesse anunciado, não teria esse impacto, né?
PROCESSOS INTERNOS DA EMPRESA / PESSOAS Convenções / Fernando Henrique Cardoso E a última vez que a gente fez isso, que eu me lembro, foi também fantástico: foi com o Fernando Henrique, o ex-presidente. Ele tinha saído da Presidência, ia ser a primeira palestra que ele ia fazer aqui no Brasil; nós o contratamos pro Guarujá. E lá a gente precisava impactar as pessoas, porque a convenção seria na Europa - ia ser em Barcelona - mas aí, foi quando o dólar começou a decolar e chegou a quase 4 reais. E a diretoria da Companhia concluiu que, não pelo dinheiro, mas que seria um recado muito errado, seria um recado na contramão da austeridade que nós pregamos - o dólar a quase 4 reais e a gente lotar um avião ou dois de revendedores e levar pra Europa. Então nós fizemos uma carta pros revendedores explicando isso, dizendo que em outra oportunidade a gente voltaria à Europa, mas que nesse ano nós faríamos no Brasil. Então, saímos de Barcelona pro Guarujá - porque todo final de convenção a gente fazia uma votação pra escolher qual seria a cidade da próxima. Então eles sabiam que seria na Europa, mas nós não íamos dizer qual era a cidade. Aí fizemos no Guarujá - e fizemos uma festa bem brasileira. Como era no Brasil, a comida era feijoada, churrasco; teve aquele conjunto Fundo de Quintal, Jorge Aragão, a Ivete Sangalo. E o Fernando Henrique seria o palestrante surpresa. Então, quando ele chegou lá, com os seguranças e tal, eu falei: "Presidente, as pessoas não sabem que é o senhor que vai falar." Aí, ele falou: "Você está brincando?" Falei: "Eu não estou, não. Eles não sabem que é o senhor que vai falar. O senhor vai entrar e vai ver que é uma surpresa." Aí ele cunhou uma expressão que eu achei engraçada - ele falou: "Então, a palestra é guerrilheira." Eu falei: "É, se o senhor quer chamar assim, tudo bem." Olha, foi um negócio fantástico. O Magim, logicamente, iria apresentar o palestrante, por ser quem era - mas isso era comum; de vez em quando, o Presidente da Companhia apresentava o palestrante convidado. Aí fez a abertura da convenção e o Magim falou: "Agora, eu queria deixar vocês com o nosso palestrante convidado, que certamente tem muita coisa pra nos ensinar, pra nos falar. Eu queria chamar o Presidente..." - aí os caras imaginaram que ia vir o presidente da Gerdau, o presidente da Nestlé, né? - "...o Presidente Fernando Henrique Cardoso." Pô, quando ele entrou no palco, parecia que tinha uma mola nas cadeiras As pessoas deram pulo e aplaudiram, mas aplaudiram tanto que, quando parou as palmas, ele falou assim: "Olha, eu vim aqui pra trazer entusiasmo pra vocês, mas está acontecendo o contrário: eu é que vou sair entusiasmado" - aí, novamente palmas. Depois nós fomos saber que ele estava preocupado, porque seria a primeira vez que ele ia falar diante de um público relativamente numeroso, tendo o partido dele sido derrotado nas eleições relativamente pouco tempo. E ele ficou satisfeito com o resultado desse negócio.
PROCESSOS INTERNOS DA EMPRESA Convenções Nós já fizemos uma convenção, por exemplo, em que as pessoas embarcaram num avião e não sabiam pra onde iam, que era nas Bahamas. Depois de uma hora voando, apareceu na televisãozinha do avião o Diretor de Revendas, o Adílson, dizendo: "Oi, pessoal Nós estamos indo para Paradise Island" - quer dizer, continuou sem dizer nada, porque ninguém sabia onde era o Paradise Island. E era verdade, Paradise Island é o nome da ilhazinha, que fica ao lado da capital das Bahamas, que é Nassau. E aí, quando nós chegamos lá, eles viram que era Bahamas. Mas, até o piloto, quando começou a vir aqueles avisos: "Senhores convencionais, é um prazer estar com os senhores. Nós estamos iniciando o nosso fretado, não sei o que, em direção a..." Aí, ficou todo mundo esperando. Ele falou: "Shangrilá"
CAUSOS “Refrigenanc” Então essa experiência de convenções é um negócio legal. Mas nesse meio tempo, com o Programa de Excelência, tem algumas coisinhas que eu vou assumir a paternidade aqui - que eu inventei e que ficaram na Companhia. Por exemplo, o Juan Vergara, que era o Diretor de Refrigerantes, me pediu pra criar um prêmio no Programa de Excelência que seria um símbolo, como é o Leão - os diferentes tipos de prêmio são Fera, Fera em Operações, Fera em Vendas. Falou: "Fred, eu queria criar um Fera em Refrigerantes." Eu falei: "Está bom." Aí, Fera em Refrigerantes - mas os não alcoólicos, não carbonatados, que a gente chama de NANC, também entravam, eram computados pra performance do revendedor pra ele concorrer a esse título. Aí, eu perguntei pra ele: "Juan, os NANC entram na performance do revendedor?" Ele falou: "Entra." - era o isotônico que a gente tinha, o Marathon, o Lipton Ice Tea. Falei: "E como é que nós vamos fazer, então? Não é Fera de Refrigerantes; é Fera de Refrigerantes e NANC.” Aí eu estava indo pra casa, no volante, falei: “Refrigerantes e NANC... Refrigeranc”. Falei: "Juan, e se a gente chamasse de Fera em Refrigeranc? A gente mantém a sílaba an, né?" Aí, ele falou: "Puta merda Era o que o que estava precisando, Fred. Vai ser refrigeranc, Fera em Refrigeranc." Hoje, na Companhia, a diretoria é Diretoria de Refrigeranc. E eu, logo depois, fui reavaliar uma revenda em Ribeirão Preto. O revendedor falou: "Nós tivemos agora uma reunião dos revendedores de Skol lá Barra Bonita." Aí, eu falei: "Ah é?" Ele falou assim: "O Juan chegou lá e falou ‘refrigeranc’, sabia?" Eu falei: "Sabia, quer dizer, tinha uma idéia.” Então, isso é um negócio que você deixa, né? Deixa um Programa de Excelência consolidado, deixa a criação dessas coisas.
PROGRAMAS DE QUALIDADE Programa de Excelência Esse Programa de Excelência, agora, há um ou dois anos atrás, eu fui fazer a filmagem das revendas que a gente mostra nas convenções; fui aqui em Campinas, na Revenda Unibebe. E tinha um vendedor lá, caricaturista. Os caras: "Faz uma caricatura do Fred." Aí, o cara fez aquelas caricaturas - o cara exagera na careca, exagera no nariz, faz de você um monstro, mas tudo bem, isso é o normal. Mas o interessante é que ele fez um bonequinho com as perninhas pequeninhas, com aquele cabeção, e um livro embaixo do braço. E no livro, na parte que aparecia, estava escrito: Programa de Excelência - como está no livro mesmo, no Programa de Excelência. E na caricatura eu estou dizendo assim: “O Programa de Excelência colocou a AmBev no mundo” – foi no período que esta tinha saído esse negócio da AmBev-Interbrew, da InBev. Quer dizer, é legal, porque essa é a visão do vendedor, do cara cujo trabalho é orientado por aquilo. Porque esse programa, na verdade, é um manual operacional. Então a idéia do vendedor é isso: que foi o Programa de Excelência que colocou a AmBev no mundo - é claro que não é só isso, mas é gratificante você ver esse negócio. E os vendedores gostam; eles começam a reclamar do Programa, mas quando você vende pra eles como é que isso os transforma em profissionais, muda. Seja o que for que eles forem vender, eles viram profissionais de vendas se eles seguirem aquilo que está ali. E eu, quando falo pra eles, dou exemplos de como usar isso; por exemplo, pra quem vende remédio, pra quem vende outras coisas que não são necessariamente bebidas. E eles me chamavam de pai do Programa de Excelência. Eu falei: "Gente, eu não sou pai de nada. Eu sou parteiro. Eu peguei algumas coisas, juntei fiz esse programa vir à luz. Então, na verdade, eu sou o parteiro. E eu não quero que me chame de pai, porque até hoje, todas as vezes que eu fui chamado de pai, eu paguei 10% de pensão Então, não quero” Aí, ainda bem que eles pararam com esse negócio. Porque outro dia, quando eu falei assim: "Eu não sou o pai de Programa de Excelência.", o cara gritou lá de trás: "É o avô."
PROCESSOS INTERNOS DA EMPRESA Fusão Sempre se pergunta: "O que é que você estava fazendo quando estourou a bomba de Hiroshima? O que é que você estava fazendo quando as Torres Gêmeas caíram?" Eu, no dia que foi anunciada a fusão da Brahma com a Antarctica, estava de férias no Rio. o Adílson não podia me falar, porque era um segredo estratégico e ele era uma das três ou quatro pessoas que sabiam disso. Ele falou: "Você vai entrar de férias?" Falei: "Vou." Ele falou assim: "Ih Quando voltar tem novidade." - ele falou isso pra mim, mas eu achei que era o negócio da Colômbia, porque a Brahma estava negociando pra ir pra Colômbia. E, inclusive, quem ia era o Adílson. Aí, eu estou de férias, liga um amigo meu, depois do Jornal Hoje. Falou: "Fred, deu na televisão agora que a Brahma se juntou com a Antarctica" Eu disse: "Você está maluco, rapaz? Você está bebendo no almoço?" Falou: "Não, é verdade O cara falou" Aí eu liguei pra AC e todo mundo já sabia, estava uma barulheira danada. De noite eu fui a um bar que eu sempre vou lá no Rio, que fica na rua onde eu moro - que é o Bracarense, um bar famoso. Fui tomar um chopp lá e apareceu uma equipe da Globo News pra fazer reportagem; aí os caras do balcão me entregaram: "Fala com aquele cara, que ele é da Brahma." - estava eu e um compadre meu. Os caras vieram querer que eu desse entrevista. Eu falei: "Gente, vai ficar calhorda isso. Entrevista o meu compadre aí..." Aí, no final, a moça começou a conversar comigo: "Mas e o chopp - vai mudar?" - a preocupação deles é se os produtos iam mudar. Eu falei: "Não, não pode mudar porque o chopp da Brahma é instituição no Rio, pô O chopp da Brahma faz parte da conversa do carioca. Se ele encontra um amigo, ele diz: Quando é que a gente toma um chopp? Se ele quer cantar uma mulher, ele diz: Quando é que a gente toma um choppinho?’ Pra amigo é chopp, pra mulher é choppinho." Aí, a mulher falou: "Pô, isso é legal, você pode repetir?" Aí, eu falei: “Dá.” Aí eu repeti, vendo que ela está filmando. Aí, ela falou: "E será que funciona?" Falei: "Se o chopp for da Brahma, funciona." "Ah, não valeu, não valeu." Falei: "Ainda bem, né?" Mas mesmo assim, teve gente que falou: "Fred, você estava no Bracarense, eu vi Eu vi você no fundo" - como sempre, tem gente que te vê. Mas, aí, quando houve essa fusão, eu fui chamado e interrompi minhas férias, pra vir pra cá. Foi criado um grupo de trabalho pra pegar as melhores coisas que a Brahma tinha, as melhores coisas que a Antarctica tinha e potencializar isso - e uma coisa óbvia era o Programa de Excelência. A Antarctica tinha um Programa de Excelência muito incipiente. Um parêntese aí: a concorrência, tanto a Antarctica como as concorrentes atuais, tentaram copiar nosso programa de todo o jeito; tinha gente que saía, levava o programa e o passava para os outros. A gente tem lá na capa um negócio de confidencialidade, que é proibido reproduzir, mas sabe que aquilo não vai bloquear - é só pra inibir, pra dizer que aquilo é propriedade intelectual nossa. Então eles tinham acesso - mas o problema é que escrever aquilo ali é o menos difícil, embora dê muito trabalho. O difícil é fazer as pessoas executarem o que está ali; aí é que é preciso ter persistência, ter aplicação, disciplina. Isso é que é difícil.
EMPRESA / PROGRAMAS DE QUALIDADE Companhia Antarctica Paulista / Programa de Excelência Então a Antarctica tinha um programa, mas era um negócio muito incipiente. Aí eu fui e organizei a primeira convenção da Antarctica, com base nesse programa antigo deles. E nós fizemos, rapidinho, um programa transitório, porque como não tinha sido oficializada ainda a fusão, não podia haver oficialmente o nome AmBev. Então era o programa da Antarctica inspirado no nosso, mas mais atenuado, mais fraquinho, porque eles não estavam no estágio operacional que a gente estava. Então os revendedores Antarctica, no início, reagiram um pouco também - mas eles tinham uma coisa que os revendedores Brahma não tinham: na verdade, quando a gente começou esse programa, a gente não sabia onde ia chegar, onde podia chegar. Os revendedores da Antarctica sabiam, porque eles viam a diferença operacional entre os nossos revendedores e os deles. Então, pra eles, foi um negócio que eles já receberam com relativa boa vontade e assimilaram muito rápido o programa. O nosso programa começou, como eu disse, com 27 páginas; foi evoluindo e chegou a ter 300 páginas. Aí nós dissemos que tudo o que se queria que funcionasse no revendedor, nos nossos centros de distribuição, que se pusesse nos Programas de Excelência. Aí, eu falei: "Olha, primeiro: isso vai ficar um negócio tão pesado que vai ficar desagradável manusear. E segundo: a gente vai ficar muito exposto. Quem pegar isso aqui, tem a nossa vida toda." Então nós começamos a ter outros manuais: Manual do Processo de Vendas, Manual do Domínio do Ponto de Venda - pontos estes que o nosso Programa de Excelência fazia referência a esses manuais. E nós sacamos aquelas páginas dali. Então nós ficamos com duzentas e poucas páginas, que é o que tem até hoje. Mas isso foi um crescendo gradativamente - mas era pra ficar com mais, porque no Programa, a página é branca com o miolo amarelinho claro, e é ali que a gente escreve; a parte escrita fica naquele miolinho bege. Eu, um ano, comia meio centímetro pra cima, meio centímetro pro lado, aumentava as margens - mas ninguém percebia e diminuía o número de páginas.
PROGRAMAS DE QUALIDADE Projeto Cultura Aí, depois de um certo tempo, a Diretoria da Companhia chegou à conclusão de que a gente estava se desviando daquele jeito austero nosso, daquela maneira de proceder, que era o que seria a nossa cultura. Então eu fui convocado pra desenvolver o que foi chamado Projeto Cultura, pra restaurar os valores da nossa cultura, e comecei a trabalhar nisso. Houve uma reunião da diretoria em que eu apresentei o que eu pensava e que não era para aquele público. Era um negócio que eu tinha preparado - eu, o Diretor de Gente e Gestão, que era o Maurício, o Marcel e o Magim. Era pra ser apresentado no bate papo. Mas aí o Marcel tinha que fazer uma viagem, acho que pra Argentina, e convocou a reunião às pressas - e foi tão às pressas que as telas que eu apresentei lá eram em Word, nem deu pra passar pro Power Point. E era uma reunião de diretoria. E eu apresentei o que eu falei, dizendo que a gente precisava humanizar a AmBev; que a AmBev era uma empresa, em termos de sistemas e processos, fantástica. Mas que os empregados se ressentiam um pouco com relação a essa humanização na Companhia. E apresentava várias sugestões, vários passos que achava que a gente devia dar nesse sentido - inclusive criando uma convenção fabril pras fábricas que ficavam completamente afastadas, uma convenção de vendas e outras coisa. Sugeri que, se fosse o caso, fosse feito um centro cultural, lá onde era a sede da Brahma, na Marquês de Sapucaí - que foi onde nós começamos - inspirado no Centro Cultural Banco do Brasil. Falei pra eles que eu tinha matéria de jornal dizendo que o Banco do Brasil, para cada real que ele investe lá, retornam quatro reais em mídia espontânea. Então apresentei esse negócio, falei tudo o que eu achava que devia falar, com algumas críticas. E o mundo caiu na minha cabeça: os caras não aceitaram; era muita mudança de uma vez só. Falei também que a gente devia criar o Dia Nacional AmBev, que a gente devia ter a preocupação de que as pessoas sintam que a Companhia se preocupava com a vida pessoal deles. E eu ainda falei: "Olha, isso tudo que eu estou falando pra vocês não é fruto de pesquisa. Pode ser pesquisa, se chamar de pesquisa as minhas conversas com as pessoas, quando eu viajo - porque eu viajo muito de carro, vou de carona com as pessoas e vou conversando. Escuto muito, as pessoas falam muita coisa pra mim. Então, hoje as pessoas acham que são tratadas na AmBev como peças de máquina. E não pode ser; elas têm que ser tratadas como seres humanos e tal. Então, nós, em sistemas e processos, temos tudo a ensinar; mas em termos de humanização, nós temos tudo aprender. E se nós aprendermos e incorporarmos isso a nossa cultura, nós seremos imbatíveis.” Aí falei que o Magim tinha feito um esforço fantástico pra disseminar a cultura AmBev. A gente disse assim: "Se nós fizermos uma enquete aí, vocês vão ver que ninguém guardou praticamente nada. Por quê? Porque a cultura precisa ser replicada até o último funcionário, por alguém que tenha ascendência sobre esse funcionário. Mas não ascendência hierárquica; tem que ter ascendência moral. Tem que ser líder - e aqui na Companhia nós temos muito gerente e pouco líder. Nós temos muito poder formal e pouco poder real, poder verdadeiro, poder da autoridade. Então a gente tem que trabalhar muito esse tema liderança aqui, pra que essa cultura nossa possa chegar com credibilidade ao último dos nossos vendedores, ao último dos nossos operários." Então, o mundo desabou. Mas uma outra coisa que, quando eu sair daqui, eu vou levar com muita alegria é que de tudo o que eu falei lá, só está faltando o negócio do centro cultural - que se bobear vai sair esse ano ou no outro. Hoje eu vejo tudo isso implantado. E dois anos depois desse negócio, o Claudão, que hoje está na Bélgica - o Claudio Garcia - me levou pra fazer a palestra pro pessoal dele sobre cultura da Companhia, lá na CSC, em Jaguariúna. Aí, quando ele foi me apresentar, disse assim: "Esse aqui é o Fred; há dois anos atrás ele apresentou esse tema “cultura” numa reunião de diretoria e eu me lembro que o mundo desabou em cima dele. Hoje em dia, a gente está fazendo tudo o que ele falou, né, Fred?" Eu falei: "Pois é." Mas, isso é legal, você sentir que você deixa um legado, que você contribuiu para o aperfeiçoamento de uma instituição fantástica como é AmBev.
TRABALHO Trajetória Profissional Aí, atrelado a esse negócio de cultura, que eu desenvolvi esse trabalho todo, foi me dado o encargo também de desenvolver um trabalho sobre liderança - manuais de liderança personalizados, da Companhia e tal. E nisso, eu contei com a supervisão do Brito. O Brito foi muito atuante nesse negócio. Então nós criamos os três fundamentos da liderança AmBev: é bater metas, conduzindo a equipe e fazendo certo. Agora, quando o Brito foi nomeado o CEO mundial da Inbev, eu me preocupei em mandar um e-mail pra ele, de parabéns, mas que não parecesse bajulação de jeito nenhum. Então, o que me ocorreu e eu mandei foi o seguinte: “Brito: bater metas, conduzindo a equipe e fazendo certo, agora em escala mundial ou escala global. Isso é que é Feliz 2006, sucesso, parabéns e tal.” Ele respondeu no mesmo dia: “Obrigado pela lembrança e pela dica de liderança.” E agora eu sou o Gerente de Comunicação Interna da Companhia. A gente tem um canal de TV coorporativa, a gente tem uma revista, a gente tem convenções - é uma convenção fabril, uma convenção de vendas, uma convenção de revendedores. Eu sou responsável por essa parte de eventos internos e comunicação interna. E eu acho que não existe um trabalho que seja insignificante; existem pessoas que consideram seu trabalho insignificante. Então, a minha meta, vamos dizer assim, o meu desejo, é fazer com a comunicação interna o que a gente fez com o livrinho de 27 páginas, que ninguém acreditava e que hoje todos se referem a ele como sendo a bíblia operacional da AmBev. Então esse negócio do legado e de você deixar alguma coisa atrás é muito bacana - e as coisas que você viveu.
ÁREAS DA EMPRESA Diretoria de Revendas Eu me lembro, por exemplo, quando eu fui pra Diretoria de Revendas, com o Adílson, e eu estava meio por baixo - sabe que toda a empresa, toda a organização, tem as suas futricas internas, e quando o Marcel e o Magim chegaram foi a hora de explodirem – que é o que deve estar acontecendo no Iraque; os americanos chegaram lá e aquelas futricas internas, aquelas lutas internas, começaram a surgir. E, numa dessas aí, eu fui parar no ostracismo. Eu fiquei lá por baixo. Foi quando o Adílson me pegou pra ir pra Diretoria de Revendas. E era eu, um trainee que tinha um jeito meio esquisitinho e o Ernani. E o Adílson era muito brincalhão, falava assim: "Essa diretoria aqui vai dar certo." - porque ele mesmo se considerava assim - "Essa diretoria é composta de renegados e veados." Eu falei: "Eu sou dos renegados, então. Me põe na lista dos renegados aí." Então, de uma diretoria que era renegada, o negócio se tornou uma coisa importante na Companhia, no relacionamento com os revendedores; conduziu um processo fantástico de enxugamento da nossa rede de distribuição. Pra você ter uma idéia, nessa primeira convenção da Bahia, nós tínhamos quase 900 distribuidores; reduzimos alguma coisa e tínhamos cerca de 400 e pouco, quando vieram mais 600 da Antarctica. Hoje em dia, nós temos menos de 300. Mas isso foi conduzido com muita negociação, com muito cuidado. E nós ficamos realmente com os distribuidores que estavam querendo tocar o negócio, viver daquele negócio de distribuição dos nossos produtos e que eram operacionalmente muito bons. Então, a gente não só diminuiu o grupo, como ficou com o melhor que havia nele. Hoje nós temos uma distribuição fabulosa. E com o Programa de Excelência, ele pode até não ter colocado a AmBev no mundo, mas ele mudou a distribuição de bebidas no Brasil. Vocês talvez não tenham idade pra isso, mas naquela época, a distribuição era com caminhões abertos, o pessoal sem camisa, com aquele short de calça jeans, um chapéu de saco de cimento na cabeça. Entravam no ponto de venda, levavam as caixas, cuspiam no chão - e se não tivesse cuidado, os caras roubavam as coisas, roubavam bebida mesmo ou outros produtos do bar. Hoje em dia, você vê um sistema profissionalizado, que é padrão no Brasil e fora dele. E depois você começa a prestar atenção. Eu ia pros Estados Unidos, no início, eu via aqueles caminhões da Pepsi, da Coca Cola; achava aqueles caminhões maravilhosos, limpos e tal. Agora, as últimas vezes que eu tenho ido - porque eu não olhava com olho crítico como olho agora - e vejo pessoal desuniformizado, uns caras com aqueles agasalhos de qualquer cor, caminhão batido, caminhão com pára-lama amassado, com pára-choque quebrado, enfim, um estado até pior, às vezes, do que nós temos aqui. Então eu acho que essa é uma contribuição que a gente deixa pra uma instituição como essa, como eu tive a sorte de fazer isso.
EMPRESA / CULTURA DA EMPRESA AmBev / InBev / Cultura AmBev Agora com a InBev veio lá da Bélgica, de uma maneira reciclada e em inglês – puseram um chantilly e um moranguinho - o que seria a cultura Inbev, que é exatamente a cultura AmBev; ela inteiramente preservada e mais algumas coisinhas que a gente já fazia, que já eram importantes pra nós, mas não estavam escritas na nossa cultura. Como, por exemplo, o cuidado em relação ao consumidor; claro que a gente se importava com o consumidor. Eu tenho um manual lá, o Manual de Integração do Novo Empregado, acho que é 1995 a 96, que diz lá: “O consumidor é o nosso patrão”. E agora a gente está falando: “Nossos consumidores em primeiro lugar”. Quer dizer, é uma coisa que a gente já falava, mas tinha saído do texto da nossa cultura - e agora voltou. Então eu digo que a cultura atual da AmBev ou da Inbev, porque é no mundo todo, é uniforme; a nossa cultura foi aperfeiçoada. Nós não temos uma nova cultura; ela foi aperfeiçoada, foi melhorada – coisas com as quais a gente não estava tão comprometido porque não estava escrito - mas agora nós estamos. E fizemos uma nova rodada de divulgação dessa cultura pra toda AmBev, pra todo funcionário nosso - ele recebe o livreto com a cultura. Então a Inbev está fazendo isso no mundo todo. Nós fazemos de uma maneira particular e diferente: nós pegamos cada frasezinha da nossa cultura e dissecamos essa frase, detalhamos o porque da gente estar dizendo aquilo ali - porque isso é importantíssimo pra fazer as pessoas acreditarem naquilo. Em inglês tem uma expressão que eles gostam de usar pra caramba, o tal do reasons to believe: você tem que oferecer razões pro cara acreditar que aquilo realmente é uma coisa boa e funciona. E é um valor no qual se deve acreditar, não simplesmente alguma coisa escrita no papel. Então nós fizemos isso de maneira diferenciada aqui no Brasil - e na Inbev eles estão fazendo isso, cada país à sua maneira. E essa cultura da AmBev, essa experiência que nós temos de ter a cultura AmBev já na América Latina, funcionando muito bem, tem um segredinho: é que nós nunca deixamos a nossa cultura entrar em conflito com a cultura local. Então a cultura AmBev é uniforme em todos os países onde nós estamos, no sentido de que você entra numa sala de vendas, numa fábrica nossa, em qualquer país, e você diz: "Pô, isso aqui é uma fábrica da AmBev." Você identifica: “Isso aqui é uma sala de venda da AmBev.” - mas nós respeitamos a cultura local: aqui teve um negócio de motivação dos vendedores, um ou dois dias na semana bate um sambinha e tal; lá no Peru, o cara bate um bumbo, bate um tambor; num outro país qualquer, o cara pode tocar castanhola, pode fazer alguma coisa de acordo com a cultura do país. Então, quando eu viajo e vejo esse negócio funcionando em países diferentes, você diz: "Pô, tem um dedinho meu ali, né? Tem uma pontinha do meu trabalho aí." Isso eu acho muito bacana.
PROJETO MEMÓRIA VIVA AmBev Importância da História / Organização dos acervos Eu acho que o Projeto Memória Viva é um negócio fantástico que a AmBev tem na mão e não usa adequadamente - ou poderia usar mais e melhor. Porque se tem uma coisa que as pessoas gostam de ouvir é história. Eu sei disso porque, como eu disse, o militar valoriza tudo, ele zela muito a sua história, tudo é solenizado. Quando eu falo sobre a história da Brahma, por exemplo - que eu conhece melhor que a da Antarctica - não é a história que em 1888, O Villiger fez não sei o quê; em 1918 foi lançada a Tônica não sei das quantas; em 1942 foi adquirida a cervejaria - não, não é essa a história. E a história que você mostra as dificuldades que foram superadas, o quanto de sonhos impossíveis já havia naquela época, em que se resolveu, no século XIX, fazer uma cervejaria no Brasil. Eu digo pra eles: “Pô, naquele tempo, pra fazer cerveja, o gelo vinha no fundo dos navios que vinham do Canadá - e chegavam aqui em perfeitas condições. Aí, um cara resolve fazer uma cervejaria. Isso é sonhar grande e impossível - que é um negócio da cultura da AmBev de hoje.” E as dificuldades também - acho que foi a epidemia de febre amarela no Rio, onde morreu o cervejeiro, o chefe da Brahma. Como fazia pra contratar um cervejeiro em 1902, né? Imagina Então essas pequenas dificuldades - pequenas não, grandes dificuldades. No tempo da guerra, Brahma e Antarctica, empresas cheias de alemães. O Brasil em guerra com a Alemanha, o povo ficava na porta da fábrica querendo pegar os alemães na hora de sair - os caras ficavam escondidos nas adegas pelos colegas brasileiros, porque o povão não diferenciava nazista de alemão, tudo era inimigo. Então essas dificuldades que a Companhia teve que enfrentar pra que cada um, hoje, esteja presente, é que é preciso que o empregado tenha conhecimento e que valorize. Porque nós somos uma Companhia jovem -a idade média do funcionário da AmBev é 30 anos. O jovem sempre acha que as coisas começaram com ele. Todo mundo que vinha antes era cego, idiota, babaca. E eu, uma vez, fiz uma palestra no Marketing pra mostrar como isso não é verdadeiro. Fui lá no Acervo, que era no Rio, ainda, peguei lá o folheto de lançamento da Malzbier, de 1914. Dizia assim: “Malzbier da Brahma, a cerveja do aleitamento.” - acho que isso foi em 98. Eu falei: “Gente, se vocês falarem com qualquer mulher grávida hoje, pergunta a ela o que é que ela sabe sobre Malzbier. Ela vai dizer que é a cerveja que dá leite. Sabe como é que vocês chamam hoje isso? Posicionamento. Isso é um posicionamento que tem 84 anos” - agora tem mais, porque até hoje ainda se fala isso, né? Então tinha anúncios, anúncios antigos que eu peguei lá no acervo e hoje pareceriam ridículos - dizia assim: “Bebam os produtos da Brahma porque são os melhores” - uma coisa simplória, né? E parece uma coisa absurda, mas foi isso aí que resultou nisso aqui hoje. Aí, botei uma música pra eles lá: “Mesmo com toda fama, com toda Brahma, com toda chama...” Disse assim: “Olha, não demos nenhum tostão pro Chico Buarque cantar esse negócio; ele usa Brahma como sinônimo de cerveja.” Ou então: “Põe meia dúzia de Brahma pra gelar que eu estou voltando...” E disse: “Agora, será que vocês, com toda a ciência que existe hoje, conseguem fazer isso?” Então esse aspecto da história é que você tem que contar, pra que as pessoas valorizem a história. E isso aí é um link de quando eu fiz essa apresentação sobre cultura para a Diretoria; eu critiquei muito, mas apresentei as soluções. E disse que pra gente fazer da AmBev uma empresa de desempenho máximo, peguei de um livro um negócio, que eram três trajetórias a seguir: existem cinco possíveis; das cinco, nós adotaríamos três. A primeira é a mais comum - e é a que nós sabemos fazer bem - a de Avaliação e Processo. O tal negócio, você tem metas, um sistema gerencial, que é o que nós fazemos muito bem. Mas, uma trajetória só pode não ser suficiente. A segunda trajetória que nós utilizaríamos seria da Comemoração e Celebração. Quer dizer, enfatizar as celebrações, comemorações, porque isso é fácil pra nós, porque o nosso produto é um produto pra celebração e comemoração, que é outra trajetória que as empresas usam muito. Porque ela diz o seguinte: quando a empresa começa a patrocinar celebrações e comemorações de sucesso, os empregados, naturalmente, começam a fazer isso por conta própria; isso gera um clima muito bom na empresa. E a terceira é onde entra a importância do Memória Viva - a importância de uma história e de um acervo, que é o chamado Missão, Valores e Orgulho. É a empresa apoiar toda a sua trajetória, sua mensagem aos empregados em cima da sua missão, dos seus valores e do seu orgulho. Aí, falei: “Pra vocês não pensarem que isso é uma coisa anacrônica, tem uma empresa nos Estados Unidos envolvida com alta tecnologia cuja única trajetória é essa: Missão, Valores e Orgulho. Quem se arrisca a me dizer?” O cara: “Microsoft?” “Não.” “HP?” “Não.” “Texas?” “Não.” “Boeing?” - sabe qual é? É a NASA. Por isso é que a NASA pinta um foguete que nunca mais vai voltar, que vai ficar no espaço, com a bandeira americana; o braço do astronauta tem a bandeira americana. Os caras chegam na lua, vão lá e cravam a bandeira americana. Isso porque eles cultivam essa Missão, Valores e Orgulho. Essa Missão, Valores e Orgulho é também uma das trajetórias principais da Disney; quando se diz: “Qual é a missão da Disney?” “A missão da Disney é encantar as crianças, é criar um mundo de sonhos.” - não é nada disso. A missão da Disney é celebrar os valores americanos. Por isso é que lá tudo remete à cultura americana. Onde der sopa, eles põem o azul, vermelho e branco, põem a imagem do Tio Sam - tudo lá é americano. Então eu vejo o Memória Viva, a história, o acervo, como um papel muito importante, se a AmBev adotasse como trajetória auxiliar, de suporte, à trajetória principal, que é Avaliação e Processo. Porque nós temos uma história muito bonita. Eu fiz em Ribeirão Preto, quando nós inauguramos uma revenda nossa lá, um saguão, que era um antigo depósito de tratores: “Pô, o que nós vamos fazer com esse saguão?” Aí eu arranjei uma maquete da fábrica de Agudos, que ficava lá na fábrica, uma maquete enorme. Eu botei no saguão, ficou um negocinho pequenininho. Falei: “E agora?” Fui lá no acervo do Rio, tirei sob cautela uns negativos. Aí mandei fazer pôsteres - um deles é do Getúlio com uma garrafa de Brahma em cima da mesa, em Mato Grosso. Desenhei uns pedestais de madeira, e nós pusemos uns 20 pedestais no saguão - parecia uma exposição de arte, com aqueles pôsteres, frente e verso; ainda tinha uma legendas que eu colocava no que eu conseguia identificar. Quando eu não conseguia identificar, eu colocava uma legenda engraçada. Por exemplo, tinha uma foto lá com umas garrafonas enormes, assim. Aí, eu falei: “Pô, o que que eu vou escrever aqui?” Aí a legenda, com aquela fita plástica, dizia assim: “Overdose de Brahma”. Então esse negócio de história, de valor, você entra lá no nosso concorrente, lá na Coca-Cola, em Atlanta, o que é que tem lá no saguão? Aquelas fotografias com aqueles bigodudos, aquelas carroças, aqueles negócios. Você vai visitar a Miller, nos Estados Unidos, a primeira coisas que os caras passam pra você é um filme, contando a história da Miller. E eles até inventaram uma lenda, um negócio - meteram até a lua no meio: um cara olhou pra lua, se inspirou e o cervejeiro criou a Miller. Quer dizer, isso eu acho que é fundamental - e a Companhia tinha que explorar mais isso junto aos empregados: essa parte de acervo, de memória, de história, para que as pessoas se orgulhem desse passado, se orgulhem dessa história. E os empregados gostam de ouvir isso. E principalmente que eles entendam que, pra eles estarem hoje aqui, tem, muita gente ralou, suou a camisa; isso gera neles uma responsabilidade com a perenidade da Companhia. Aí vem o espírito de dono, a importância que você dá ao formar o seu sucessor, para que a Companhia se perenize, para que a Companhia continue - assim como nós recebemos de outros, que fizeram antes de nós. Eu acho que a importância fundamental é essa: a conscientização do empregado. Obter o comprometimento dele com a perenidade da Companhia, uma vez que ele recebeu essa Companhia de outras pessoas, que deram muito de si pra que ele tenha esse emprego hoje, pra que ele esteja ocupando esse lugar hoje. E não um negócio que eu caí de pára-quedas e “Vou mudar tudo aqui, vou dar um jeito em tudo” - não é bem assim.
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