P/1 –Rubens, só pra gente começar, pra registrar fala o seu nome completo, local e data de nascimento pra mim.
R – Meu nome é Rubens Romano Ramos. A data de nascimento é 25 de janeiro de 1961 e eu nasci em São Paulo.
P/1 – Você nasceu em hospital ou em casa?
R – Hospital do Parque Dom Pedro.
P/1 – Aqui no Brás.
R – Aqui no Brás, no Parque Dom Pedro aqui atrás.
P/1 – E o seu pai, qual o nome dele?
R – Meu pai chama Rubens Rodrigues Ramos. Ele é neto de português, mas nasceu aqui no Brasil.
P/1 – Ele nasceu em que ano, você sabe?
R – Eu sei que o aniversário dele é 24 de junho, dia de São João, agora não lembro direito o ano.
P/1 – Tá, não tem problema. Você falou que a família dele é portuguesa.
R – É. Meu avô era português. Ele não, nasceu aqui no Brasil.
P/1 – E você sabe por que seu avô veio de Portugal pra cá?
R – Eles vieram quando teve aquela imigração. O meu bisavô também veio, veio a família. E eles se estabeleceram, fizeram as casas na Vila Guilherme, que antigamente lá não existia o Center Norte, existia chácaras e lá eles fizeram, meu bisavô fez ali e a família foi ali.
P/1 – Entendi. Então o seu avô cresceu na Vila Guilherme.
R – Meu avô e meu pai. Meu pai nasceu aqui, em São Paulo. O meu avô veio de Portugal pra cá, foi quando eles começaram a fazer as coisas aqui.
P/1 – E o seu avô, qual o nome dele?
R – Diamantino Moreira Ramos.
P/1 – E o que o seu avô fazia?
R – Meu avô veio pra cá e começou... antigamente era carroça que existia, não existia nada dessa avenida do Estado, existia só lá em cima onde é a Tiradentes. E a única rua que descia para o comércio da rua aqui debaixo era a Paula Souza. Então eles vinham com a carroça, carregavam a carroça aqui e levavam pros restaurantes que têm na São João, na avenida Ipiranga e assim foi. E o meu pai desde pequeno também socorreu com eles lá. Meu pai vinha, ajudava também, entendeu? Meu avô começou, aí veio meu pai, ajudava e tal. Depois de tardezinha ia embora. Tinha o lugar onde os cavalos ficavam e tinha que cortar grama pra dar o capim pros cavalos, isso tudo. É como se fosse um sítio, vamos dizer, mesma coisa.
P/1 – Então seu pai pegava a carroça lá na Vila Guilherme.
R – Na Vila Guilherme. Não é bem Vila Guilherme, é Carandiru, ali tem Vila Guilherme e Carandiru. E vinham pra cá. Eles ficavam aqui normal, aqui era o ponto deles, o Brás. E antigamente onde tem o Largo do Coco tinha um cocho de cavalo ali, que era onde o cavalo bebia água. E do outro lado, onde vai ser o SESC, tinha outro cocho de cavalo. Então tinha dois pontos dos cavalos. E assim foi indo a geração. Meu pai também trabalhou, depois eles começaram a comprar, foi quando meu avô comprou o primeiro caminhão a manivela e foi trabalhando. Meu pai já tinha idade suficiente pra dirigir. Eles iam pro Porto de Santos e traziam mercadoria de Santos pra cá. Só que eles iam pela Estrada Velha de Santos, entendeu? Isso contado pelo meu pai, eles iam com o carro lá, carregavam um pouco de mercadoria e subiam por lá, porque não existia nem Anchieta, nem nada, existia só a antiga Estrada da Serra de Santos (risos).
P/1 – Mas o seu avô...
R – Ele sempre mexeu com transporte.
P/1 – Sempre mexeu.
R – Sempre mexeu. Então chegou uma época que meu avô não dirigia mais porque como tinha meus tios os outros irmãos do meu pai, cada um ficava com um caminhão. Então meu pai ficava com um, meu outro tio ficava com outro, meu outro tio ficava com outro. E o meu avô só administrava em quê? O meu avô pegava dos armazéns, que o cara queria que levasse, e o meu pai e os meus tios transportavam com o caminhão e ele só ficava tomando conta, entendeu?
P/1 – E o seu avô contou pra você ou pro seu pai como era a zona cerealista na época? Você falou um pouco como é que era, né?
R – Quando começou na carroça. E assim, pelo que eu sei que eles contaram, que o único lugar que tinha, é o que eu falei, subia pra Paula Souza pra fazer os restaurantes, que existiam os restaurantes lá no centro da cidade. E tinha alguma coisa. E assim foi progredindo. A Santa Rosa foi crescendo, eles também foram, aí foi essa evolução de vir com o caminhão e vai o caminhão. E a gente tinha na Barra Funda, onde é o Memorial da América Latina hoje, lá tinha os vagões que vinham com arroz do Sul e vinham através do trem. E a gente ia lá com o caminhão carregar pra trazer pra cá pros comerciantes revenderem, pra feirante, pra mercado, que naquela época nem tinha mercado, era mais empório que a gente falava. E normal, foi assim, foi indo, foi indo. E eu peguei essa parte um pouco lá da Barra Funda, de carregar. A gente trabalhava com lampião, abria o vagão porque tinha que carregar mil sacos, então o caminhão tinha que puxar tudo isso aí porque tinha que liberar o vagão. Cada caminhão tinha um vagão determinado pra puxar, entendeu? E dali ele ligava o lampião, abria a porta, carregava no carro, fechava, que começava cinco horas da manhã no escuro, então era muito. E a gente ia até nove, dez horas da noite. Depois eu peguei um pedaço disso aí também. De manhã era a parte de fazer essas coisas aí, à tarde e à noite já era mais pra quê? Pra você levar na casa do feirante, pra você entregar no feirante. Então a gente ia levar aos feirantes em Utinga, Santo André, São Bernardo, São Miguel, esses lugares, porque variava. Penha. Então tinha muito lugar. E o comerciante vendia, a gente carregava aqui de tarde e de tarde ia levar pros feirantes. Era assim. E a vida deles foi tudo assim. E eu comecei praticamente aqui de trabalhar mesmo com caminhão foi em 81, quando eu comprei o caminhão. De 76 até 81 eu trabalhei em escritório desses armazéns aqui, daí pra frente foi quando eu comprei o caminhão, porque aí nasceu meu filho, tal e eu tinha que me virar, não podia ficar. Foi a vida assim. Meu pai trabalhou até, faz cinco anos que ele faleceu e ele tinha um caminhão Ford 59 a gasolina, que é o último que ele tirou, em 59 ele tirou esse caminhão da Ford e ele terminou com esse caminhão. O meu avô já tinha vendido os carros, ele já tinha falecido até, aí ficamos nós. O meu avô, o meu pai, vamos dizer, quatro gerações, o meu bisavô que veio com as carroças, montado por eles, então eu sou praticamente a quarta geração da família trabalhando com transporte aqui na zona cerealista. E assim a gente está vivendo, é a vida da gente.
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho só pra você me falar da Barra Funda. Ela tinha trem lá, mas não tem mais, o que aconteceu?
R – Não existe mais, agora virou o Memorial da América Latina, né? E onde está a parte do Memorial mesmo, ali é que nem aqui, que você viu aqui. Não sei se você chegou a ver aqui no Largo do Pari, do lado de cá, ali onde tem os barracões agora? Ali era tudo Armazéns Gerais do Governo. Então o trem vinha ali e lá na Barra Funda era a mesma coisa, só que não existia armazém lá na Barra Funda, existia uns galpões que nem esses daqui, então não dava pra armazenar tudo porque não comportava tudo. Então ali era um pátio que os vagões vinham e de lá que a gente trazia a mercadoria, o arroz, as outras mercadorias que vinham de fora porque não tinha estrada, não vinha muito caminhão, era pouco naquela época.
P/1 – E depois que fechou esses...
R – Aí fechou. Isso aí foi acabando, os armazéns foram desfazendo, o governo foi tirando, então não vinha mais de trem, começou a vir só de caminhão, então começou a vir do Sul, da Bahia, do Rio, tinha de Santa Catarina, a região toda, de tudo quanto é lugar tem a safra de cada mercadoria, então vinha a safra de lá. A safra da cebola que vem do Sul, tem a safra de cebola daqui de São Paulo, tem o feijão da Bahia, tem o arroz do Sul, então tinha vários tipos de coisa, vinha muita mercadoria. Aí começou a vir e centralizar tudo aqui, mas já vinha de caminhão, não existia mais o trem, não tinha mais nada disso aí. E muita mercadoria que vinha de fora, de outros países que nem teve uma época que veio uma mercadoria do Paquistão, da China, um arroz da China, isso deve ser 90 e pouco, 91, 92 nessa época, que veio uma firma grande e importou muito arroz aqui de fora pro Brasil e a gente ia buscar. Tinha esses armazéns mas era fora, entendeu? Vinha pelo navio, pelo porto e de lá os caminhões subiam e armazenavam nos Armazéns Gerais do Governo que tinha na Presidente Wilson, depois lá em Capuava, então em vários lugares armazenavam. E aqui tinha o pessoal que vendia, o corretor que vendia o arroz pros atacadistas. E a gente transportava pra cá. Isso que eu estou te falando é de 91, por aí.
P/1 – Quando foi que passou de carroça pra caminhão? Na sua família foi um período, mas você acompanhou essa história?
R – Não, eu não cheguei a pegar. Eu não sei o trâmite de quando ficou a carroça e quando começou já o caminhão, eu não tenho de cabeça. Eu sei assim, da parte da manivela, de modo a dizer, quando teve os primeiros caminhões a manivela e depois que acabou a manivela e começaram a vir os motores já mais potentes eu lembro que foi 59. Foi quando meu pai pegou um caminhão a gasolina 59. Era o caminhão que carregava peso, seis mil quilos, eles foram os primeiros caminhões. Meu avô depois comprou mais dois pros outros filhos e assim foi, entendeu?
P/1 – Como é esse a manivela, como é que funciona?
R – Era na frente do caminhão, é uma coisa antiga que você dava partida no caminhão assim, a manivela, isso é contado pelo meu pai, eu não cheguei a pegar também porque isso aí, eu nasci em 61 então meu pai já estava com o caminhão Ford a gasolina, já não tinha mais a manivela. A manivela foi uma parte, acredito eu que deve ter sido até 58, um pouquinho menos, entendeu?
P/1 – Mas a manivela é só pra dar partida.
R – Só, só pra poder... o resto era tudo lá. E o limpador você tinha que mexer assim (risos). Não existia limpador automático, era com a mão (risos). Eles contando, meu pai mesmo contando quando ele subia de Santos pra cá eles tinham que desatarrachar a tampa de cima do radiador porque como era o peso a compressão do motor soltava muito e aí tinha que subir a dez por hora, não conseguia andar mais do que isso com o carro. Então tinha que tirar a tampa e um cara na frente colocando água pra poder subir porque senão esquentava muito. E quando chovia tinha que ficar com a mão dirigindo aqui e colocando aqui e mexendo (risos).
P/1 – E subindo naquela estrada lá.
R – Subindo a Estrada Velha de Santos. Que o único caminho que tinha era esse aí, não tinha outro caminho para eles fazerem. Não existia a Anchieta, depois que veio a existir a Anchieta. Mas isso o caminhão já era a gasolina, já era tudo. Não é como hoje, hoje a maioria dos caminhões é a diesel, poucos que existem a gasolina, os que tem são os antigos, as relíquias, quem tem, quem é colecionador, alguma coisa assim, que tem mas não é pra fazer esse tipo de coisa, não existe pra fazer frete, poucos. Hoje aqui, na zona cerealista, não tem caminhão a gasolina porque não consegue, o custo é muito alto, fica difícil de você manter, tem que ser um motor grande, um motor V-8, senão você não consegue arrastar o tanto de mercadoria, seis toneladas, entendeu? E foi modificando, daí veio o caminhão Mercedes a diesel e tal e assim a gente foi. Eu fui indo e hoje eu sou o último da família aqui. Que os meus filhos não querem isso aqui, cada um está no seu setor e eu sou o único que ficou aqui. Meus primos também não querem, dos meus tios, uns já morreram.
P/1 – Você é o último?
R – Da família.
P/1 – Desse ofício.
R – Desse ofício eu sou, da família Ramos eu sou o último, porque não tem mais ninguém, meus tios já foram, os irmãos do meu pai, meu pai, meus primos também tem alguns que foram, outros não seguiram esse caminho, seguiram pra outra coisa, entendeu? Foi estudar pra outra finalidade.
P/1 – É uma história bonita essa, né?
R – É assim, é uma coisa da família que veio grande, quer dizer, bisavô, meu avô, meu pai e eu, estamos fazendo o final de uma família que começou aqui no Brás, na Santa Rosa, na época da carroça que a gente fala, né? Que não existia que nem, aquele trem que eles falam, que é o Trem das Onze, que saía, que ia pro Jaçanã. Então pra você vir de lá onde eu morava tinha que pegar esse trem pra poder vir pra cidade aqui, não existia, os bondes que eram o que eram antigamente no centro, não tinha carro. Ou era isso ou era carroça. Então tem que levar iam duas carroças, os cavalos levando. A família falava: “Ah, vai ter que ir na casa de Fulano de tal, do parente lá não sei onde”. Ia na carroça. Meu pai falava que todo mundo ia em cima da carroça, sentado, lá. Ou um ia pilotando, meu avô pilotava um e um dos filhos, que meu pai era o mais velho da família ficava com a outra parte da outra carroça e lavava os irmãos.
P/1 – Seu pai falava como é que foi crescer com cavalo, com carroça?
R – Tudo. Porque lá onde eu falei pra você lá atrás que é onde eles moravam na Vila Guilherme, que era tipo de uma chácara, lá eles tinham tudo, plantava pra eles comerem, tinha verdura, eles tinham cavalo, vaca, cabrito, galinha, porco, tinham tudo. Então tudo o que eles comiam era de lá. E foi até os irmãos, quando começaram a vender o terreno. Hoje lá, você vai ver lá onde era o terreno deles lá é uma empresa do correio que está lá montada, fizeram um prédio e o correio que toma conta lá na Vila Guilherme, onde era mesmo a chácara.
P/1 – Mas os cavalos andavam lá, comiam capim?
R – Sim. Porque lá embaixo, onde hoje é o Center Norte não existia, lá, muito tempo atrás, tinha um lixão. Ali onde era o Center Norte era um lixão. Então tudo ia praquele lixão. E na parte que eles moravam pro lado de cá, de cima, tinha onde era a chácara que tinha o capim, então eles iam cortar capim, iam fazer um monte de coisa. Tudo ali onde hoje tem a casa de detenção. A casa de detenção não existe mais, a penitenciária, tudo ali era brejão, era lixão. E a gente pequeno, eu morei sempre na Vila Guilherme, até meus 21 anos, então praticamente tudo ali a gente andava. Hoje onde é a penitenciária feminina, que não existe mais a dos homens e nem a casa de detenção, a gente andava ali. Ali a gente pegava bambu, pegava papel pra fazer quadrado, balão, porque a gente não tinha poder pra ganhar isso aí, o que ganhava era pouco, então a gente ia pra lá, a gente tinha os pés de jabuticaba em volta da penitenciária, a gente pegava e arrumava o saquinho de papelão, colocava aqui amarrado e enchia de jabuticaba. A infância, daí vim pra cá e comecei com meu pai. Eu estudava, fazia o colégio, aí nas minhas férias eu pegava e vinha com meu pai trabalhar com ele aqui, por isso que alguma coisa a gente saber porque eu vim já, acompanhei com ele essa parte do meu avô, do meu pai, o que fazia.
P/1 – Você se lembra de algumas histórias que seu avô contava ou que o seu pai contava dele no caminhão, na carroça, como é que era?
R – Ah sim! Antigamente pra você ir pro Rio, ele fazia a viagem daqui, então levava uma mercadoria pro Rio, ia ele e minha mãe no caminhão. Eles iam pro Rio, a Dutra não era o que é hoje. Ele ia com a mercadoria, descarregava no Rio. No Rio ele carregava aquela revista Manchete que tinha antigamente e trazia do Rio pra São Paulo, que era feita lá no Rio e distribuída aqui em São Paulo. Aí ele ia fazer isso aí. Ele fazia duas a três viagens na semana, eles puxavam fazendo isso aí com o caminhão a gasolina. Ele e minha mãe. Então eu devo ter nascido na boleia do caminhão (risos), no mínimo, porque eles estavam sempre juntos. Meu avô não ia mais, meus tios também iam porque sempre tinha um ou dois caminhões que levavam mercadoria pro Rio. Porque não tinha outro tipo de locomoção pro Rio, ou era lá ou era em cima do trem, que teve uma época que você carregava o caminhão aqui e aqui onde é o Largo do Pari tinha os vagões abertos e o caminhão subia em cima e ia pro Rio. Pagava uma taxa lá, não sei quanto que era o valor e eles iam pro Rio, não precisava andar dirigindo, entendeu? Quando era mais fácil eles iam pro Rio e de lá ele já voltava. Aí tinha vez que ele ou voltava no vagão de volta, ou ele voltava rodando. Na maioria das vezes meu pai voltava rodando porque a Manchete tinha hora, então carregava lá e tinha que estar tal hora aqui, no trem demorava mais, então, ele vinha no pau, ele vinha com a minha mãe andando. Ele contou pra gente, tudo, contou pra mim, pra minha irmã que ele não parava. Minha mãe fazia um sanduíche ali, ele comia, tomava uma água. Quando dava pra almoçar, no caminhão tinha uma caixeta assim que tudo tinha lá: o fogãozinho, uns negócios pra fazer a comida, arroz, assim. Ou quando eles estavam esperando pra carregar o caminhão eles ficavam lá, faziam o almoço, comiam, o meu pai descansava um pouco, tal, até carregar o caminhão pra poder vir embora do Rio. E sempre foi assim, eles fizeram muitos anos isso daí. Essa Manchete eles tinham já um esquema montado de levar mercadoria pro Rio e trazer a Manchete pra cá.
P/1 – E sua mãe sempre do lado dele.
R – Minha mãe sempre do lado, minha mãe sempre foi viajar com meu pai, sempre. Meu pai falava: “Estou passando aí pra te pegar que nós vamos pro Rio”. Aí minha irmã era mais velha que eu, como a gente morava lá no Carandiru do lado da casa da minha avó, aí minha irmã ficava com a minha avó e a minha mãe ia com meu pai.
P/1 – Você ia também?
R – Eu fui, eu cheguei a ir com meu pai, mas poucas vezes. Quando eu comecei a trabalhar com caminhão meu pai ficou com medo porque você não tem experiência ainda desse lugar. Aí meu pai foi duas viagens comigo, ele foi pra Santos, depois fez duas viagens pra Campinas, duas viagens que a gente fez muito também foi Limeira, Americana, interior, Bauru, esses lugares. Meu pai sempre foi uma, duas vezes comigo: “Tá vendo? É assim que faz, cuidado, vai por aqui, é assim. Presta atenção, nunca deixa”. E eu aprendi muito com ele. Até hoje, hoje eu não tenho mais o caminhão, hoje eu tenho uma van, parei com o caminhão porque hoje a situação do país não tem como você andar em São Paulo, muitos lugares que você faz entrega não tem como entrar com caminhão, então tem que entrar com um carro menor, de pequeno porte. Então eu optei por comprar uma van por que? Porque não tinha mais condições de entrar com o caminhão, ficava inviável de você ficar aqui e ficar parado, então foi com a van que eu estou continuando o que ficou. Mas aprendi muito com meu pai, aprendi bastante com ele.
P/1 – O que ele falava pra você?
R – Ah, sempre ele falou: “Muito Cuidado”. E mesmo quando nós descíamos com seis mil quilos pra Santos porque nós tínhamos uma firma que trabalhava aqui que fazia entrega no supermercado Eldorado, que tinha em Santos. Eldorado era de uns portugueses e a gente levava essa mercadoria, o óleo pra lá enlatado. E ele falava: “Ó, tem que descer em primeira, sempre devagarinho, na manha. A estrada é assim, tem a Curva da Onça lá embaixo que é perigosíssima, se você não estiver engrenado, se você usar muito o freio você pode descer lá pra baixo, então, evite, sempre na primeirinha, deixa o caminhão humhum humhum passava duas horas, duas horas pouco mas está ali, está tranquilo”. Nunca, graças a Deus, eu nunca provoquei nenhum acidente de nada, nunca tive um acidente desse tempo todo que estou com o caminhão, desde 81 nunca provoquei nenhum acidente, nada, nada. Nem na estrada, nem aqui em São Paulo, nada. Graças a Deus eu sempre fui cuidadoso, desde quando ele explicou eu fui no caminho dele, senão... Que nem louco não, sempre ali. Cuidado, só falava sempre: “Cuidado. Tá vendo como é que eu estou descendo? Presta atenção. Fica olhando pra mim pra você ver como é que faz. É assim que tem que ser”. Aí um dia ele falou, nas duas viagens que ele foi ele falou: “Tá aqui, agora você vai. Eu não vou. Eu não vou com você, vai você e o ajudante”. Ele pegou e falou que não ia, só que o que ele fez? Ele pegou o carro de passeio e foi atrás de mim pra ver se eu estava fazendo certo. Aí quando eu cheguei lá embaixo, lá em Santos onde a gente descarregava, dali uns cinco minutos ele chegou. “Ué, o que você está fazendo aqui, pai?” “Eu vim ver se você estava descendo certo, se você estava fazendo o que eu te falei”. Eu acho legal você guardar uma recordação dele, né?
P/1 – E ele ficou até que ano?
R – Ele ficou aqui, mesmo depois que ele teve que operar, que ele operou o coração, fez duas safenas e duas mamárias, ele ainda ficou aqui uns 15 anos. Ele não fazia mais assim, transportar, que ele não podia mais fazer força, nem nada, então ele ficou só aqui. Ele ficou olhando pra mim, ou ele ia nos clientes, falava: “Ah não, deixa que eu vou, eu vou mandar o menino vir aqui, daqui a pouco ele está por aí”. E naquela época não existia celular, não existia nada, você tinha que esperar. Ele sabia que eu estava indo entregar em tal lugar, aí no contato com a firma, ele pedia pra firma pra ver se eu já tinha descarregado ou não. Ou me chamar lá pra falar comigo: “Volta aqui que tem Fulano de tal pra você carregar”. Ele ficou assim, mais agenciando pra mim. Ficou tomando conta, o que meu avô fazia, entendeu? Aí tinha os amigos dele que tinham caminhão, meu pai acabava sempre: “Vai carregar lá. Você está parado? Então vai lá, carrega lá”. Então ele arrumava carga até pros amigos dele, pessoal. Porque ele já tinha muito contato aqui, os contatos dele eram muito fortes. Muitos que hoje já fechou, faliu, tudo o mais, mas o que ele tinha muito contato, tudo o que ficou eu fiquei, os clientes que tinham, outros não mexem mais, não estão mais aqui, pararam, estão em outro setor, outras coisas. Mas os que ficaram dos antigos tem poucos hoje. Ficou aqui o Boa Luz, as meninas que ficaram, que são as mais velhas aqui. Quem mais que eu posso dizer que são mais velhos. O Luís, que o pai dele também tinha firma e o Luís ficou mexendo lá, o da Reluma, que a gente trabalhava pra eles também. Agora são poucas, se tiver no máximo dez, se tiver dos antigos mesmo. O resto agora é tudo gente nova, outras firmas. O Toninho Calcagniti, também, lá em cima na JVC também que é antigo que a gente trabalhou. Então são poucos assim, se contar vai dar uns dez mais ou menos, no máximo, hoje que é antigo. Que são da época do meu pai, tá? Da época do meu avô. Esse mesmo do Toninho Calcagniti é da época do meu avô, ele mexia com feijão e hoje mexe com importados, então você vê que ele mudou o leque de uma coisa de arroz e feijão e foi pra outra coisa de importado. Foi importar grão de bico, lentilha, ervilha, damasco, essas coisas todas, tudo mercadoria de fora.
P/1 – Mas vamos voltar um pouco só. Você estava falando muito do seu pai, mas vamos falar da sua mãe agora. Qual é o nome dela?
R – A minha mãe é Odete Romano Ramos.
P/1 – Ela nasceu em São Paulo também?
R – Nasceu em São Paulo também. Ela também é filha de português.
P/1 – Filha de português também.
R – O meu avô da parte da minha mãe tinha uma mercearia lá no Carandiru, então minha mãe trabalhou muito nesse negócio de mercearia, também ajudava meu avô. E lá onde eles tinham a casa, o terreno onde eu morei, em uma das casas deles, eles tinham um campo de bocha, que tinha bocha, tinha malha, coisas antigas. E eles tinham campeonato, o meu avô fazia e minha avó ajudava a fazer as comidas que eles iam comer no dia do campeonato, entendeu? Então era assim. Minha mãe também conviveu muito na parte do comércio que nem meu pai. E minha mãe mesmo, hoje, ela viva com 80 anos, ela é vendedora de roupa até hoje, você entendeu? Ela continua, tem as freguesinhas dela, as clientes dela e ela vende roupa até hoje, com 80 anos. Não para.
P/1 – Não para?
R – Não. Não para, não para. Ela sempre trabalhou. Quando ela saiu, que meu avô desfez da venda, que parou de mexer na venda, ela foi trabalhar numa firma que vendia tecido, que era lá na José Paulino, Bom Retiro, e ela vendia tecido pra lojas, para um monte de gente. E através disso ela foi, de tecido, tecido. Aí fez, começou depois, trabalhou pra Avon, com perfume, aí voltou pra roupa de novo. Então ela sempre está no ramo dela do comércio, ela é que nem a gente.
P/1 – Agora você sabe como eles se conheceram, o seu pai e a sua mãe? Eles contaram essa história pra você?
R – Não sei. De detalhe assim precisaria perguntar pra minha mãe. Mas eu acredito, como era perto, eles eram muito perto e na região tinha muitos portugueses, eu acredito que seja em um desses negócios, porque antigamente tinha muita festa, eles faziam muita coisa entre as colônias, italiana, portuguesa, então eu acredito que seja em um desses assim que eles se conheceram.
P/1 – Você nasceu em São Paulo, mas você falou que tem uma irmã mais velha, né?
R – Tenho. Uma irmã mais velha.
P/1 – Quantos anos ela é mais velha que você?
R – Ela é de 55.
P/1 – Seis anos.
R – Seis anos.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Sônia Regina Romano... Sônia Regina Sudai. Ela é casada com japonês.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – E ela é a sua única irmã?
R – Minha única irmã.
P/1 – Vocês cresceram tudo lá?
R – Sim, tudo no quintal ali do meu avô. Eu, minha irmã, minhas primas, os filhos dos meus outros tios da parte da minha mãe. O quintal era grande, a casa pegava duas ruas e nesse meio desses terrenos tinha, quer ver? Uma, duas, três, quatro, cinco casas nesse terreno que moravam os filhos, os irmãos da minha mãe. Então conforme ia ficava um pouco um, aí ficava... a minha mãe foi a única que ficou até o final, quando meu avô faleceu, aí foi quando venderam, quiseram vender a parte do imóvel e ela ficou lá. Nós fomos quase os últimos a sair de lá do terreno. E quando eu casei eu acabei morando do lado da minha mãe, que dividia só muro, era casa geminada. E o meu pai com o meu filho mais velho, não tinha, era só ele e o moleque. Ele chegava com o caminhão, o meu filho já ia: “Vovô” e queria ir lá. E ficava com ele até dormir. Só vinha pra casa quando ele dormia. Então meu pai sempre ficou com ele. Meus sobrinhos também, mas como minha irmã morava longe, minha irmã morava em São Bernardo, quando ela casou ela foi morar em São Bernardo, então ficava mais difícil de ver o vô, né? Aí quando ela veio pra cá os meninos já eram grandes, o mais velho já estava com uns sete, oito anos, mais ou menos, aí que ela veio morar pra cá.
P/1 – Mas me conta mais um pouco como é que foi crescer lá nessa rua. Você brincava, do que, foi bom?
R - Você está falando onde a gente morava lá onde eu nasci e morei?
P/1 – É.
R – Lá a gente teve muita... é o que eu te falei, lá eu ia com a molecada onde é o Center Norte hoje, tinha lá o lugar pra gente pegar papel, fazer quadrado. Tinha o clube. E meu pai, quando era época da festa, que como dia de São João é aniversário dele, ele direto, antigamente tinha caixa de alho de madeira, não existia de papelão, era só madeira. E ele pegava essas caixas de alho, os caras queriam jogar fora, ele pegava, levava pra lá e lá a gente fazia fogueira. E ele todo sábado, meu pai sempre foi um cara que ele gostava de tomar seus vinhos, suas coisas. A gente tinha lá no terreno um fogão a lenha, que lá ele cozinhava feijão, fazia arroz, galinhada, os porcos, patos, ele fazia tudo ali, churrasco a gente fazia tudo ali, tudo era feito nesse fogão. Todo sábado era sagrado ele fazer as coisas dele, as comidas dele. Sábado e domingo ele só ficava dentro da casa. Então ele levava muita lenha. E a gente tinha criação de porco, galinha, pato.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Era quase rural assim.
R – Era rural. Porque antigamente, lá o asfalto foi chegar em 70 e pouco, 76, 75, vieram asfaltar a rua que a gente morava, só tinha asfalto na principal, na avenida Ataliba Leonel, mas na travessa era tudo de terrão. E a gente fazia fogueiras e fogueiras e brincava de jogar bola no meio das coisas. Não era andar de tênis de marca, nada, nada. Chutão, o pezão sujo. Chutava, arrancava pedaço do dedo e assim... a gente brincava muito porque justamente nessa rua onde eu morava tinha muita coisa de fruta. E lá não existia muro, eram grades com arame farpado. A gente passava por baixo pra pegar goiaba, jabuticaba, laranja. Então na rua a gente fazia isso aí. E meu pai sempre gostou de fazer esses negócios de fogueira. Então os anos que nós ficamos lá na Ataliba Leonel eu vivi com muita gente, tinha muita gente lá. E eu estudava na rua de trás. E conforme foi indo, indo, indo, a gente vai crescendo mais, isso eu estou falando em 77, em 77 eu e um amigo meu montamos uma equipe a gente dava baile no final de semana, sábado e domingo. As casas, bailinho de casa de antigamente tinha isso aí, não tinha salão, tinha o bailinho na casa. E a gente dava baile. A gente montou a equipe, fizemos um jogo de luzes, um monte de coisas, fizemos tudo. E assim na vila todo mundo me conhecia: “É o Rubinho do som, Rubinho do som”.
P/1 – Você era responsável pelo som.
R – Porque a gente levava, fazia o baile, eu e esse amigo meu. Nós ficamos até 81, quando eu casei. Em 81 eu casei e parei. Ele também ia casar e ele falou: “Não dá mais”.
P/1 – E como é que eram esses bailes? O que tocava nessa época?
R – As músicas que tocavam eram as músicas da época, Led Zeppelin, Black Sabbath, Queen, Elton John, os Bee Gees. E aqueles LPs que você comprava das novelas que tocavam muito, das novelas da Globo, que o que mais tinha era novela da Globo (risos), então saíam os LPs e a gente comprava os LPs. Tinha umas músicas que o pessoal gostava. Eu fiquei fazendo baile uns seis anos, sete anos mais ou menos.
P/1 – E vocês ganhavam em dinheiro?
R – A gente ganhava alguma coisinha pra gente poder comprar. Porque senão como é que você vai ter recurso de comprar um disco, um jogo de luz? Então a gente, não é que explorava, a pessoa falava: “Ah, vou fazer aniversário. Dá pra você fazer um bailinho lá na minha casa? Você ia?”, eu falava: “Vê aí o que você pode ajudar a gente”. Também ninguém tinha um recurso bom, não tinha nada, era coisa de, você nem vai imaginar que...
P/1 – É mais pra diversão.
R – Mais pra diversão. Você conseguia juntar quatro, cinco colégios num lugar. Porque cada um ia divulgando: “Ó, vai ter baile na casa de Fulano de tal não sei onde no sábado e domingo”, então todo mundo divulgava.
P/1 – Fazia dentro da casa e no quintal?
R – No quintal. Onde eu morava tinha uma garagem. Quando não tinha nesses lugares eu fazia em casa. Eu pegava a lona do caminhão que cobria, esticava ela depois da garagem, que tinha uma garagem pequena, eu esticava ela, jogava as luzes tudo lá e ali ficava o pessoal, no quintal de casa. Eu tirava o caminhão do meu pai que na época eu não tinha caminhão e fazia lá. A gente armava, amarrava e ficava lá. É, a gente colocava a aparelhagem que a gente tinha, o toca discos, o amplificador e as caixas, colocava na cozinha da minha mãe, em cima da mesa da cozinha da minha mãe. Aí tinha um fio, eu usava o fio e caía na garagem da cozinha. Eu jogava o fio lá, jogava as caixas de som e ficava. Muitas vezes, nós fizemos muito. Em casa eu fiz bastante. Meu pai e minha mãe gostavam. E eles sempre apoiaram a gente em qualquer coisa.
P/1 – Sério?
R – Sempre. Meu pai: “Não tem lá? Então faz aí”. Eu chegava e fazia lá em casa ou na casa desse amigo meu que era meu sócio.
P/1 – E foi essa época que vocês começaram namoro também, essas coisas?
R – Sim, sim. Você vai conhecendo um monte de gente. Fica hoje com uma, amanhã fica com outra e depois fica com outra. E assim vai. Eu vim conhecer minha mulher em outro lugar, totalmente.
P/1 – Ah, não foi nesse.
R – Não. Minha esposa eu vim conhecer, eu estava dando baile em um sábado. Eu já tinha comprado um Fusca, fuscão 1500, eu dei baile na casa de uma menina aí, eu fui pegar a aparelhagem e trazer no carro pra vir embora pra casa. Isso era uma meia-noite. Aí um amigo meu falou assim: “Ô, vamos no SESC de Interlagos amanhã?”, eu falei: “Não vou, não. Que eu ainda vou dar uma volta” porque o ponto de encontro da gente era em Santana. Então lá tinha uns barzinhos e uns lugarzinhos. Eu falei: “Não, eu vou pra Santana ainda, eu vou tomar um negócio com o pessoal lá, eu não vou, eu vou chegar aqui tipo três, quatro horas da manhã e eu não vou” “Não, vamos! Você vai, você vai” “Não vou, cara, não vou”. Beleza. Fui lá pra Santana, fiquei lá até umas três e pouco, quatro horas. Vim embora, seis horas da manhã bate na minha porta. E a gente morava era um quarto só, quarta, sala, cozinha e banheiro, não tinha muita coisa assim, não tinha dois dormitórios. E eu dormia na sala, eu e minha irmã. Eles vieram, bateram e minha mãe atendeu. Aí minha mãe veio: “Ó, Rubinho, seus amigos estão aí te esperando” “Eu não vou, mãe, fala pra eles que eu não vou” “Não, agora fica chato, agora já vieram aqui e você não vai fazer” “Mãe, mas eu falei que eu estou cansado, eu não falei que eu cheguei, a senhora não viu a hora que eu cheguei?” “Filho, mas se você mandou eles virem aqui”. Eu falei: “Eu não mandei! Eu falei que eu não queria ir” “Não, você vai” “Tá bom”. Aí peguei, fui lá, me lavei, tal. E eu tinha lavado o carro, todo sábado eu lavava meu carro. Meu carro era rebaixado, roda de magnésio, som. Aí fui eu e mais três amigos. Esses caras trabalhavam comigo e eu trabalhava no Iate Clube de Santos, aqui em São Paulo. E nessa época de 79, 80 eu trabalhava lá, eu saí daqui do Brás pra trabalhar nesse Iate Clube de Santos. E através disso aí, “vamos lá, vamos lá no SESC” acabamos indo, aí eu fui. E foi nesse SESC que eu conheci minha esposa. Chegamos lá, fizemos exame médico, fomos pra piscina. Na piscina a gente conversando, conversando, aí eu vi a minha esposa. Loirinha: “Nossa, bonita hein?”. E os caras: “É! Bonita, bonita”. Eu fiquei esperto, fiquei sentado mais pra cá e quieto. Aí eu comecei a falar: “Não sei o quê, olha que bonito”. Aí ela pegou, se tocou: “Tá falando de mim?” “É, você tem cara de palmeirense”. Ela: “Eu sou palmeirense” “Ah, então estragou, não vai ser legal, porque eu sou corintiano, não sou palmeirense” “Eu não gosto de corintiano”, ela falava. Ela pegou e falou: “Dá licença que eu vou na água” “Beleza”. No que ela foi pra água, a toalha dela estava deitada assim na coisa da piscina. Lá estava a carteirinha. Eu fui lá, levantei a toalha, peguei, olhei, vi o nome dela, pá, pus lá de volta. Quando ela voltou da piscina eu falei: “Ah, você que é a Cristina?” “Como você sabe?” “Ah, porque eu já vi sua foto, já vi sua carteirinha ali” “Você mexeu nas minhas coisas?!”, eu falei: “Mexi, eu só queria saber seu nome”. Aí ficamos conversando, tal, ficamos nadando o dia todo lá, ficamos lá no SESC, quando foi umas quatro e pouco, cinco horas a gente veio embora. O vestiário dos homens lotado, o das mulheres é mais rápido. Eu saí correndo na frente e falei pro cara: “Mano, tá me dando uma desinteria, deixa eu entrar na sua frente que não vai dar, se eu fizer aqui vai sair tudo aqui!” O cara falou: “Mas...” “Quebra o galho, quebra o galho”. Aí eu entrei e meus amigos ficaram lá atrás pra tomar banho. Eu tomei banho primeiro que todo mundo, me troquei e fiquei esperando ela do lado de fora. Aí fiquei conversando com ela um tempo até eles tomarem banho, tal. Eu falei: “Onde você mora?”, ela falou: “Eu moro aqui perto. Não precisa me levar não que eu vou a pé” “Não, te levo, deixo na porta lá, não tem problema”. Peguei o carro, nós entramos e fomos lá. A rua dela era uma rua de terra, de barro e eles tinham começado a jogar o cascalho de pedra e eu entrei com o carro, o carro estava rebaixado grrrr, aquilo fazia assim e eu olhava: “Deus do céu, onde eu fui parar”. Ela falou: “Não, pode deixar eu aqui mesmo” “Não, não, eu levo até o portão”, porque eu queria saber onde ela morava. A gente ficou conversando, trocamos telefone e tal. Ela trabalhava no Pueri Domus, um colégio de gente poderosa, ela era interna, datilografia. E eu comecei. Aí fui, fui e começamos a namorar. Namoramos um ano, depois de um ano a gente veio casar. E hoje está fazendo 34 anos de casamento.
P/1 – Dois de maio.
R – Dia dois de maio. Trinta e quatro anos. É bonito. E aí eu tenho dois filhos. O meu filho mais velho tem 33, trabalha aqui em São Paulo e o meu mais novo está morando na Nova Zelândia, 15 horas de diferença daqui. Está morando e trabalhando lá. Ele foi pra lá pra estudar e acabou ficando lá.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho só, eu já volto na sua família mas, você começou a estudar onde?
R – Eu estudava no Carandiru. Em um colégio no Carandiru, que chama hoje Escola Estadual Cônego Luiz Biasi. Era outro nome, aí passou a ser o nome de um padre do Carandiru, uma escola do estado.
P/1 – Você se lembra como era lá, tem alguma lembrança de professor?
R – É assim, lá eram dois andares, tinha a parte de, tinha as salas embaixo, a parte de baixo, era meio barrancão aqui e aqui tinha um estacionamento de carros, lá no fundo era a quadra e aqui pro alto era um barranco que terminava numa rua sem saída. Então por isso que a parte das classes, daqui de baixo era mais pra baixo. E tinha dois andares pra cima que tinha mais salas. Eu estudei nos três (risos). Mas era muito bom, o Carandiru ali onde a gente morou. Depois do Carandiru eu estudei em um outro, chama-se Santa Leocádia, que é Colégio Estadual Gevim, na rua Santa Leocádia. Eu estudei até o colegial, quando eu parei no primeiro ano do colegial, que eu travei.
P/1 – E tinha alguma matéria que você gostava mais na escola? Ou nunca te chamou muito a atenção?
R – Ah, o que eu mais gostava era da Educação Física (risos). Eu gostava muito porque tinha bola, tinha jogos, handebol. Tinha muito futebol e eu gostava muito disso aí.
P/1 – Como é que você era na escola? Estudioso, bagunçava?
R – Ah, mais ou menos. Não era estudioso, não (risos), era mais relaxado mesmo. Eu só saía no dia lá, arrumava um jeito de fazer as provas daquele jeito, né? Porque antigamente podia colar.
P/1 – E o pessoal te conhecia, né, porque você fazia as festas.
R – Sim. Todo mundo no colégio, em todos os dois colégios, conhecia. Porque depois tinha um pessoal que ficou na parte que eu conheci do Cônego Luis Biasi, quando eu comecei o trabalho eu levei os papéis: “Ó meu, estou começando a dar baile e tal. Você vai saber, alguém vai ter contar aí. Ou se você tiver alguém que queira que trabalhe você vai na minha casa, você sabe onde eu moro”. Eu sempre falava. E todo mundo me conhecia. Na rua onde eu morava, na Ataliba Leonel com a Pietá, todo mundo conhecia. É o Rubinho, o Rubinho, o Rubinho e ficou, pegou Rubinho. Ninguém me chama por Rubens, só por Rubinho. Rubinho, Rubola, Rubão, então ficava assim. E lá, antigamente onde eu morava não existia a avenida nova que hoje existe uma avenida nova que ela se dividie, a Ataliba Leonel sai pra...
PAUSA
P/1 – Estava falando na Ataliba Leonel.
R – Então, lá onde eu morava enchia muito de água, que era um vale assim, então vinha água daqui, água daqui, água daqui, ela descia, então enchia. E lá embaixo, um pouquinho pra baixo onde tem essa avenida nova que hoje existe, que é paralela à rua Ataliba Leonel, tinha uma fábrica. Essa fábrica não existe mais que desativaram, ali virou prédio, tem um SESC ali, o SESC Santana, é na Dumont Villares ali, justamente onde está o SESC era essa fábrica de tinta, de cola, essas coisas. E quando enchia o rio lá, as colas, as tintas saíam tudo pra fora e a gente ia lá pra pegar as colas pra poder fazer quadrado, balão, fazer as coisas porque ninguém tinha dinheiro, porque dinheiro era pouco. E tinha um clube que a gente usava, o clube da prefeitura que era do Jardim São Paulo. Qual o lazer que você tinha? O clube. Então você ia pro clube na época de calor, pras piscinas. Quando acabava você ia pras quadras, pra jogar bola, então a gente vivia disso aí. Era a diversão da gente, não tinha outra coisa. E lá onde você perguntou do Silvio Santos, Silvio Santos quando ele começou a montar o SBT ele montou na Ataliba Leonel, lá que foi montado o SBT. Quando começou o SBT, que ele montou, antes era o antigo Canal 4 e agora é SBT. O que a gente tinha era isso aí. E esse lugar onde ele montou era um cinema e a gente ia no domingopra assistir filme. E ali a gente também paquerava, namorava, fazia tudo.
P/1 – Aí ele comprou lá.
R – Aí ele comprou esse cinema e montou lá. Ele ficou lá até 2005, 2006, foi quando ele montou esse outro lugar lá na Anhanguera.
P/1 – E você sempre foi corintiano?
R – Sempre. Sempre. Porque os tios eram corintianos, então como a gente morava tudo num terreno virou, porque os primos eram, todo mundo ficou assim. Eu sempre fui. E os dois filhos meus são.
P/1 – Você sempre foi ligado ao futebol? Você jogava.
R – Sempre. Sempre gostei. Na rua que a gente morava quando veio o asfalto a gente começou a jogar mais bola, tal. Tinha uma mulher lá, uma vizinha, que não gostava. Mas era batata, parece que a bola tinha um imã pra cair na casa dela. Caía na casa dela, ela pegava a faca e grrr, cortava a bola. Aí eu ia pra casa, falava pra minha mãe e minha mãe comprava uma outra bola e eu ia jogar de novo. Nós tínhamos o que lá? Meu pai criava muito pato, galinha, essas coisas. Ela rasgou umas quatro bolas minhas. Eu falei: “Deixa dar, agora tá bom. Você rasgou? Então tá bom”. Fui lá em casa, eu sabia onde estavam os ovos chocados, que já não serviam. Choco, choco, choco. Fedia mais do que... fui lá, catei quatro ovos e bler, joguei na casa da mulher. Nossa senhora!!! Naquela época o que era, a polícia era aquela viatura alaranjada e preta, que era o Fusquinha. E a gente tinha o quê? Como esse terreno tinha ligação pra duas ruas o que eu fazia? Eu corria um pouco pra frente da casa da mulher, tinha um terreno que saía na rua de trás também. Joguei e fui pra lá. A mulher chamou a polícia, a molecada toda saiu, todo mundo, vap vap vap, cada um foi prum canto. E eu ó, dei a volta e do muro da casa do me pai onde nós morávamos dava pra ver a casa da mulher. A viatura lá parada e eu aqui do muro escondidinho e olhando. Aí daqui a pouco a viatura veio. Eu subi e atravessei, fui na casa da minha avó no fundo e saí por lá e fui dar a volta de novo. Dei a volta por cima de novo na outra casa pra voltar. Aí a polícia falou com a minha mãe, tal, e a minha mãe falou: “Pode deixar que eu vou pegar ele. Eu não sei onde ele está agora, mas pode deixar que não vai acontecer mais, não”. Quando eu cheguei em casa, lá foi a surra, né, que eu aprontei. “Eu não falei pra você?” “Mas ela rasgou quatro vezes. Joguei mesmo”. Aí a gente só jogava a bola na casa dela, sempre, era fatal, parecia que a bola, viiii, tuf na casa dela. E a turma toda. Aprontamos muito ali, eu aprontei muito. Zoei muito, brinquei muito. Mas assim, não de aprontar ou quebrar alguma coisa. A única coisa que eu fiz foi essa do ovo, porque eu lembrei do ovo que meu pai tinha falado e eu guardava, eu sabia que estava. Eu falei: “Pode deixar que eu vou fazer isso daí”.
P/1 – E você ia muito pra estádio ou assistia pela TV?
R – Não, não.
P/1 – Pelo rádio.
R – Pra falar a verdade, eu entrei em estádio duas vezes. Uma foi agora depois de velho que eu fui assistir a um jogo do Brasil. E uma que eu assisti o jogo do Corinthians no Pacaembu, foram as únicas duas vezes que eu entrei em estádio. Eu não gosto de estádio, não gosto. Eu gosto de assistir pela TV, mas ir lá, ou colocar a camisa, não. Eu converso, brinco, falo com todo mundo, meu sogro é palmeirense e eu zoo com meu sogro, brinco com ele, mas sadia, coisa de você falar só, mas não de colocar uniforme ou ir pro estádio. Não, não gosto disso.
P/1 – Mas você tem ido no Corinthians?
R – Não, não fui nesse aí, nem conheço lá. Eu passo por lá com carro, que eu passo por lá pra fazer entrega em Itaquera, praqueles lado, mas não entrar lá dentro.
P/1 – Mas, eu digo, desde os anos 60 você é corintiano. Você tem algum ídolo no futebol?
R – Não. Ídolo, ídolo. Você tem os que jogam, que foi, já passaram. Eu gostava muito do doutor, do Sócrates. Eu achava que ele tinha uns dribles muito desconcertantes nos caras, ele sabia matar, ele sabia jogar, é um cara que... pena que, é que nem muitos caras foram embora através da bebida ou droga ou alguma coisa. E naquela época não tinha tanto, mas o dinheiro fala mais, né? Você vê que muitos o dinheiro fala mais e acaba entrando, caindo nas drogas, fazendo besteira.
P/1 – E como é que vocês se vestiam nessa época dos anos 70? Como é que era?
R – Ah, era short. Era um short pequeno. Você saía porque era uma camisa, essas Hering brancas, não tinha nada de camiseta de estampa, com nome de alguma coisa, não. Era uma coisa normal, short, tinha calça, não tinha nada de agasalho, agasalho ia aparecer tipo em 70, 70 e pouco.
P/1 – Nas festas também assim?
R – Não, nas festas sim
P/1 – Nos bailes.
R – Baile não, baile a gente ia de calça. Você tinha aquela calça pra você ir, que eram as calças jeans, as Lee, aquela famosa Lee, aquela grossa. Minha mãe comprava e eu falava: “Mãe, pode lavar” “Mas é a nova” “Não”. Eu não aguentava colocar porque a goma dela, eu tinha alergia. Eu não posso com tergal, se eu colocar roupa de tergal eu fico empipocado inteiro, eu tenho alergia e não consigo. Até na época que eu fui me alistar, nós fomos em oito pessoas da turma que morava ali, só dois pegaram. Um pegou PE aqui em São Paulo e o outro pegou pra trabalhar em Brasília com aqueles da cavalaria lá do palácio. Só que esse que pegou lá, esse se ferrou.
P/1 – Ah, é? Por quê? (risos).
R – Ele só ficava preso.
P/1 – No quartel?
R – É. Não, ele fugia. Quando dava o dia da folga dele, ele pegava o ônibus e ia embora pra São Paulo. Aí quando ele voltava ficava preso lá. Ele saiu na última baixa. O outro que ficou, que pegou PE, esse pegou moleza, ficava do lado dos caras, dirigia, ele sabia dirigir, tinha carta de motorista.
P/1 – O que é? Polícia Especial isso aí?
R – É, a PE é Polícia do Exército. Essa Polícia do Exército, eu não sei como é hoje, mas o cara que entrava pra trabalhar, ele não podia ficar depois das dez horas na rua, se ficasse e essa Polícia do Exército pegasse era cana. Então todo mundo tinha medo do PE, falava: “A PE, a PE, a PE!”, nego se chua. Podia estar em bailinho, podia estar em qualquer lugar, pegava era cana.
P/1 – Sério?
R – Sério. Antigamente era isso assim. A Polícia do Exército era para isso aí, pra pegar, o que falava, os gambés. Gambé é o que entra no Exército mas não é nada lá dentro, entendeu? É um soldadinho, ele tem o regulamento de dez horas estar em casa. E quantas vezes os caras pegavam nego no baile, no bailinho. Teve a época também das discotecas, Dancin’ Days, Papagaio Disco Clube que era na Faria Lima, era tudo lá e a gente ia muito nisso aí também. Depois aí já veio a outra geração, você tinha os bailes mas tinha essas discotecas, que foi 90 e pouco pra frente. Você ia assim, mas de vez em quando.
P/1 – Você estava casado também, né?
R – Já estava casado mas eu ia com a minha esposa.
P/1 – Legal.
R – A gente ia, dançava junto.
P/1 – E me fala como é que foi o seu casamento, o dia do casamento? Vocês fizeram alguma coisa, alguma festa?
R – Fizemos. Meu pai fez um negócio que até hoje todo mundo da turma fala. Eu casei no dia dois de maio e no dia, onde tem naquelas fotos que eu te mostrei, uma dessas fotos aqui eu não sei se você vai conseguir pegar por essa aqui. Essa aqui, ó. Essa parte aqui era uma oficina e o meu avô tinha desativado essa oficina. E nessa oficina eu fiz a festa do casamento. Meu pai comprou 200 litros de chope na época. O casamento foi no sábado, no domingo de manhã eu fui viajar pra Poços de Caldas, na lua de mel, eu e minha esposa e meu pai ficou lá. Meu pai ficou até terça-feira pra acabar o resto dos barris de chope que tinha, que ele comprou 200 litros de chope. Foi uma festa enorme. Meu pai comprou, acho que foi nove pernis, fizeram tudo, carne de pernil, fizeram um bolo enorme. Acho que tem uma foto lá em casa, caso depois você precisar eu mostro a foto do casamento. E assim, o meu casamento foi bom. Todo mundo fala. Eu passo lá onde eu morava antigamente, se eu encontro algum pessoal: “Pô meu, que casamento, demorou três dias! Nunca vi um casamento demorar tantos dias”. Meu pai distribuía, ele falava: “Traz a jarra pra pôr o chope, não tem mais onde pôr”. Deu pra todo mundo, na vizinhança, o pessoal que vinha na rua ele falava: “Arruma um negócio pra pôr”. Ele deu. E foi muito bom. Fartura. Meu pai e a minha mãe, eu não posso falar que eles não fizeram, fizeram uma coisa muito grande, muito legal, meu casamento foi muito bom.
P/1 – E você se casou em 82?
R – 81.
P/1 – E você já tinha mudado já, foi tudo na mesma época.
R – Foi assim, eu estava aqui...
P/1 – Estava trabalhando no Brás já.
R – Não, não estava no Brás, eu estava no Iate Clube como eu te falei. Aí do Iate Clube eles quiseram fechar aqui, que tinha um escritório aqui que é onde você cobrava os caras, Roberto Carlos, Silvio Santos tinham os iates lá em Santos. Então eles enchiam os tanques dos barcos, fazia a fatura, vinha a nota e a gente ia cobrar deles no final do mês, ia lá e cobrava o que eles gastaram no Iate Clube. E eles quiseram, pra economizar custo, tiraram o escritório daqui e passaram pra Santos, pra ficar no prédio só de Santos e não pagar aqui. Então nós trabalhávamos aqui em seis cobradores, dois caras no escritório, duas moças, uma secretária, uma outra moça que fazia parte do caixa, um gerente e mais uma moça que era secretária de um dos diretores, que tinha uma sala só pra ele. Era um andar com três salas, então tinha uma sala que era do diretor que vinha e ficava. O cara chegava onze horas, meio-dia e quem tomava conta mais era a secretária do que ele, ele não vinha. Aí na sexta-feira ele já não vinha, vinha até quarta, quarta ele descia pra Santos e ficava em Santos. Quando eu vim pra cá, que eu casei, eu fiquei desempregado. Aí meu pai falou assim: “Vamos fazer o seguinte: nós vamos comprar um caminhão pra você vir trabalhar comigo aqui”. Eu falei: “Então tá”. Aí nós fomos na Vila Guilherme, que tinha muita agência de caminhão lá e nesse lugar lá o que a gente fez? Nós fomos lá, começamos a procurar preço, tal, era 700 cruzeiros, que era o valor do caminhão. Nós falamos com o cara e ele falou assim: “Precisa dar uma entrada e o restante eu financio”. Só que é a palavra do famoso bigode. Ele falou: “Eu financio, a gente faz nota promissória”. Eu falei: “Tá bom, legal”. Aí meu pai tinha cem e eu financiei 600. Ele fez as notas promissórias de 24 meses: “Olha, vai dar tanto assim, em cruzeiro”. Sei que era muito zero (risos). E eu comecei. Aí meu pai ficou comigo uma semana, 15 dias no máximo, para eu aprender aqui, ver como eu dirigia e depois ele falou: “Agora você se vira, quando for na estrada eu vou com você”.
P/1 – Aí foi aquela história que falou.
R – Aí foi a história que eu te falei, descer Santos, fazer Bauru, fazer as entregas.
P/1 – E você tinha dirigido caminhão antes?
R – Tinha, eu dirigi o dele, né? Mas só ali perto de casa, não de pegar ele carregado e tirar, entendeu?
P/1 – Você cresceu com caminhão em casa, né?
R – É. Porque quando eu estava nas minhas férias escolares eu fazia o quê? Eu vinha com ele, então eu ficava com ele o dia inteiro aqui, eu via como ele fazia, então eu aprendi. Só que aquele caminhão, foi o que ele falava pra mim: “Esse caminhão não é igual ao que você tem, o seu é outra coisa, é um Mercedes diferente. Esse aqui é um freio mais duro...”, então explicou. Através daquele lá é que eu fui. E tudo aqui que eu fiz eu sempre fazia junto com ele. Quando a carga saía, saíam duas cargas, os dois juntos, você entendeu? Então ele sempre ou vinha na frente ou ia atrás, a gente sempre estava ali, tudo um perto do outro. Até quando ele falou: “Agora você se vira e eu vou fazendo aqui”. Eu pegava o que eu ganhava, ou eu pagava pra ele, o cara lá, a nota promissória, e o restante para eu poder comer, pagar o aluguel pra minha avó, que eu morava numa casa dela. E foi indo. Eu fiquei dois anos, quando eu estava quase terminando de pagar o caminhão a minha avó falou: “O vô quer vender aqui, então você começa a procurar alguma coisa pra morar”. Eu comecei a procurar pra alugar. Rodei Vila Guilherme, Vila Maria. Aí quando arrumava alguma coisa não conseguia outra, que eu tinha que arrumar um lugar pra guardar o caminhão. Na Vila Maria eu fui num cara lá, até um português, tinha um quintal e ele tinha uma casa na frente pra alugar e ele morava no fundo. Ele vendia doce, aqueles carros de doce. Ele falou: “Eu tenho um caminhão assim” “Não tem problema, você me paga aqui, paga aqui, não tem problema. Só que é o seguinte: você tem que estar aqui às quatro horas da tarde pra você colocar seu caminhão lá no fundo, depois eu chego e você sai...” “Mas eu saio cinco horas da manhã” “Então, você vai esperar eu sair para você sair”. Eu falei: “Não, não posso esperar, eu tenho meus compromissos, eu não posso ficar aqui, se o senhor sai seis horas, sete horas eu vou ter que ficar aqui, tenho que chegar primeiro que o senhor? Não, não tem jeito. Não quero isso aí”. Aí eu resolvi partir para um apartamento, é onde eu estou hoje, há 32 anos.
P/1 – Que é lá na Zona Norte também.
R – Que é lá na Belchior Barreiros, é lá. E como eu fiz pra comprar esse apartamento? Eu não tinha dinheiro, era 200 mil a entrada. Eu não tinha nada porque eu estava pagando as prestações, não tinha dinheiro guardado nenhum. Eu falei: “E agora?”. Aí fui de novo, cheguei no seu Amadeo, mesmo cara que vendeu o carro: “Seu Amadeo, o senhor tá vendo que está acabando aqui, tal, mas eu preciso de um financiamento, preciso de 300 mil” “Não tem problema, nós fazemos nota promissória de novo. Eu não tenho aqui agora pra lhe dar, amanhã o senhor pode vir aqui, eu já vou preencher as notas promissórias e eu refinancio pro senhor”. Aí eu refinanciei meu caminhão por mais dois anos lá com ele, dei entrada no meu apartamento e peguei um pouco da grana pra poder mobilizar. Eu tinha meus armários, meu guarda-roupa, o que deu pra levar eu levei. Fiz só um gabinete da pia da cozinha e mais nada, o resto eu tinha onde guardava louça, o guarda-roupa dos meninos, com minha cama, todos os antigos, eu não peguei nada novo, não comprei assim tudo. E guardei o dinheirinho porque eu tinha que pagar umas intermediárias. Aí eu segurei o dinheiro pra pagar essas intermediárias porque eu sabia que não ia dar para eu juntar tudo, pagar prestação, prestação do caminhão, condomínio e mais essas intermediárias. Eu não ia ter o dinheiro. Eu guardei o dinheiro e fiz isso aí, pra não ter que pedir dinheiro de novo o que eu precisava. E assim foi, eu fui pagando, fui fazendo isso aí até.... que seja, foram 15 anos de financiamento.
P/1 – O apartamento.
R – Apartamento.
P/1 – E o caminhão foi?
R – O caminhão eu fiz em 48 meses porque foi 24 e depois mais 24. Aí o que eu fiz com o caminhão? Como onde eu moro é uma rua sem saída não dava para eu deixar o caminhão lá. E esse amigo meu, ele tinha esse campo society lá em cima, no Jaçanã. Não é bem Jaçanã, ali é Vila Mazzei, lá na Vila Mazzei esse campo. Aí eu falei com ele, a gente jogava bola junto na quadra lá, jogava society. Eu falei: “Meu, eu preciso guardar um caminhão tal, tal, tal”. Ele falou: “Arruma um canto aí, coloca aí”. O terreno era enorme, muito grande, cabia uns 50 carros lá dentro, tinha três quadras e cabiam 54 carros lá dentro. Aí eu comecei a guardar o caminhão. Guarde, guardei, guardei, guardei. Fiquei com ele um tempão. Quando foi em 2012, 2013 mais ou menos ele vendeu o campo, foi embora e falou: “Rubinho, eu não vou mais mexer com isso aqui, não aguento mais. Você não tem sábado, domingo, não tem nada. Eu vou parar com isso daqui”. E ele foi trabalhar com um outro amigo dele com um negócio de entregar medicamento. Eu fiquei mais uns dois meses ali no campo e o cara falou: “Eu quero 200 reais”, o que seria hoje. Eu falei: “Mas 200 contos pra deixar no descoberto assim, tal?”. Eu falei: “Olha, você vai me desculpar mas não vai dar, não”. Aí o que eu fiz? Como na parte do meu pai o meu avô faleceu e a minha avó também, eles tinham um terreno com casa no Carandiru, que moravam minhas tias. E lá quando meu avô começou foi lá que ficavam os caminhões, guardava tudo. Meu pai também não tinha onde guardar e guardava lá embaixo. Eu fui lá embaixo e falei com a minha tia: “Olha, eu tenho que guardar o caminhão aqui” “Não, mas!” “Eu vou guardar”. Ela falou: “Não vai guardar, não”. Eu falei: “Então tá bom”. Peguei, fui lá no meu pai e falei: “Pai, está acontecendo isso, isso e isso e a tia não quer deixar eu guardar” “Não quer, não, ela vai deixar guardar”, porque o meu pai era o mais velho. Ele foi lá e falou assim: “Pode ir com o caminhão que você vai entrar agora lá ou eu tranco todo esse portão e ninguém entra mais aqui. Vocês não estão pagando nada, ninguém está fazendo nada, quem está pagando o IPTU da casa sou eu”, porque o meu avô deixou no inventário pra ele uma parte da casa para ele e para um outro tio que já tinha falecido também, antes do meu pai. Aí eu comecei a deixar lá e fiquei com o caminhão, guardava todo dia lá. Só que eu tinha que pegar o carro, sair de onde eu morava, lá de cima da Vila Aurora ali, que ali é bairro Água Fria, eu pegava meu carro, ia até lá, deixava meu carro, pegava o caminhão e vinha trabalhar. Até a hora que quando começou a não poder entrar mais no centro, não poder mais pegar a 23 de maio, não poder fazer mais nada com o caminhão eu falei: “Bom, está na hora de parar o caminhão”. Vendi o caminhão, comprei uma Kombi e fiquei trabalhando com uma Kombi. Minto. Antes disso eu vendi meu carro de passeio e comprei uma Kombi, porque eu comecei a fazer o quê? Não estava conseguindo entrar com caminhão, então eu comprei uma Kombi, vendi meu carro de passeio pra poder. Eu comprei uma Kombi já dessas que tinha banco, tirei os bancos, deixei guardado e fiquei trabalhando com a Kombi e eu passeava com ela, até eu fazer uma grana ou vender o caminhão pra comprar. E foi assim que fiquei esses anos. Fiquei seis anos com a Kombi e depois vendi. Em 2009 comprei uma Kombi nova, fiquei até 2014, em 2014 eu vendi e comprei essa Master.
P/1 – Uma van.
R – Uma van. E assim, sempre foi desse jeito, pagando, pagando, pagando. E trabalhando aqui, que é um lugar que eu sei.
P/1 – Vamos falar do Brás agora.
R – Vamos lá.
P/1 – Como é que era quando você chegou aqui? Os primeiros dias que você chegou aqui e viu como é que era. Você se lembra como é que era esse bairro? Mudou bastante.
R – A Benjamim continua com o mesmo nome, mas a da igreja, Polignano a Mare, era outro nome.
P/1 – Álvares de Azevedo, né?
R – Álvares de Azevedo. A Professor Eurípedes Simão de Paula também era outra. Só a Mendes Caldeira ficou com nome. E tinha o quê? Lá no final da rua, da Monsenhor de Andrade, onde tem um prédio do Matarazzo, ali era uma porteira, uma cancela e você conseguia passar pro lado de lá, passava de caminhão. Depois eles fecharam, não podia mais fazer e você tinha que... e daquele lado de lá tinha um entreposto, um depósito do Governo que a maioria dos cerealistas que não cabem isso aqui, pilha ia até lá em cima no teto. Então como o volume era muito alto eles começaram a armazenar nesses prédios. Então a gente tinha que pegar o caminhão, ir lá carregar e vir aqui descarregar, conforme eles precisavam ou vendessem para algum mercado. Que nem, eu trabalhei com um que foi meu patrão de 76 até 80, na Benjamim de Oliveira eu trabalhei com esse cara. Aí quando comprei o caminhão fiquei fazendo entrega pra ele, entendeu? Ele vendia pro Benjamim, pro Atacadão, pro Makro, vendia pro Supermercados Sé, vendia pro Superbom que era do grupo Matarazzo. Então eu sempre estive ali com ele. E ele me deu até uma força muito grande para eu pagar o caminhão e tudo mais, ou seja, através dele que eu consegui fazer tudo. Aí ele me indicou mais um amigo dele, que mexia com óleo, que entregava óleo aqui em São Paulo, peguei também essa firma pra fazer entrega, que a gente fazia Santos, Campinas, Bauru, Poços de Caldas. Tinha vez que eu rodava o interior inteiro, saindo, fazendo picando. Eu saía de manhã, tipo três horas da manhã, ia pra Poços de Caldas, começava de Poços de Caldas pra cá, voltando. Ou ia em Bauru e voltava de Bauru pra cá descarregando em várias cidades, vários lugares. Eu fiquei bastante tempo com esse seu Renato, ele tinha um escritório, a firma era no Paraná, mas o escritório deles era aqui, na nua Estados Unidos. Então eles emitiam nota e eles vinham com a carreta com o óleo bruto na carreta, ele envazava numa firma lá no Jaguaré, chama-se Adran, enlatava esse óleo lá e a gente entregava tudo aqui. E o Brás tem muita coisa. Que nem, do lado de lá, aqui ontem esse prédio aqui de pastilhinha que você já viu aqui, esse de pastilha também era do Matarazzo. Então ali era doce e aqui era outra coisa, uma outra indústria deles. Todos os comerciantes, todos aqui, se baseavam no Matarazzo. Hora de entrar, hora de sair, hora do almoço. Então tocava uma coisa uuu, tocava sete horas, todo mundo já entrava. Onze e meia, pru, almoçar. Uma hora, vai voltar. Seis horas, sair. Então todos os comerciantes daqui da época, de muitos anos, se baseavam no Matarazzo, eles tocavam, todo mundo fechava as portas, iam comer, todo mundo ia junto: os donos, os ajudantes. Uma hora, levantava as portas de novo e seis horas fechava de novo. Então todo mundo se baseava por eles aqui, Matarazzo sempre foi muito forte aqui. E como era muito antigo e muitos italianos aqui trabalhavam no Matarazzo, tem muitas coisas aqui.
P/1 – E era mais movimentado, como é que era?
R – Xiii, isso aqui, você falou pra mim que você gastou... a gente pra dar uma volta, sair daqui e ir até a rua da balança pra pesar os caminhões, duas horas gastavam. Isso aqui você brigava: “Pelo amor de Deus, deixa eu encostar meu caminhão pra poder descarregar, você já descarregou dois, deixa eu descarregar um”. Porque as portas são muito coladas uma com a outra. E vinha um monte de carro. Isso aqui que hoje você vê é tudo carro de passeio, antes você só via caminhões e caminhões. A firma que eu trabalhava, de segunda-feira chegava do Sul quando terminou de fazer o arroz, que vinha de caminhão, vinham sete caminhões só de arroz, toda segunda-feira. Você imagina o cara colocar sete caminhões, ele ter que descarregar, empacotar, carregar pra entregar. Então o movimento era... os caras te laçavam. Se você chegasse com o caminhão o cara estava numa esquina já te catando: “Não, não, carrega pra mim! Carrega pra mim!”, que todo mundo queria entregar, o volume era muito grande. Esse cara mesmo que estou te falando, do Cacá, da firma que eu trabalhei, ele vendia só pro Supermercados Sé oito mil sacos. São oito mil sacos de mercadoria entre fubá, farinha de mandioca, farinha grossa, ervilha, lentilha, feijão, oito mil sacos. Então era muita coisa, o volume era muito grande. E eles fechavam pra você entregar em várias lojas deles, era picado. Então tinha semana que desses oito mil sacos, dez mil sacos era 15 dias de trabalho, 15 dias você carregando e voltando. Aí essa mercadoria não cabia aqui, o que cabia era uma parte, o resto era tudo armazenado na Ceagesp aqui atrás, na Rodrigues dos Santos, que era um armazém do governo que hoje virou um shopping dos coreanos, eles compraram o terreno e o prédio do governo. E a gente ia carregar lá.
P/1 – O seu serviço tinha até...
R – Eu vou falar pra você, de 81 até 2004, quando o atacado aqui deu uma caída mesmo, que parou o atacado aqui, que as grandes indústrias começaram a vender direto pro cara. Porque o que as indústrias faziam? Ela vendia pra cá, pro atacado, e o atacado que vendia pro pequeno. Hoje não, hoje as indústrias vendem já direto pro mercado, não vêm aqui. Então praticamente o atacado aqui em si acabou, não tem muito atacado, tem assim alguma coisa, mas não é aquele volume que era, o que era não tem. De 81 pra cá até 2004, eu vou ser sincero, foi daqui que eu paguei meu apartamento, foi daqui que eu tirei tudo e tudo o que eu paguei. Quando nasceu o meu segundo filho depois de seis anos, eu chegava em dezembro, porque dia 20, 20 e pouco parava, ninguém queria mais nada, ninguém comprava mais nada, só ia comprar depois do dia primeiro, o cara comprava aquele estoque praquilo lá que dava pra saber o que o mercado ia consumir e o que o povo ia fazer. Então, dia 26, dia 27 eu lavava o caminhão, engraxava o caminhão, colocava lá, eu só voltava no dia 26 de janeiro pra trabalhar, eu ficava 30 dias fora. Por quê? Porque eu tinha capital que me sobrava, daquilo que eu trabalhava, que eu trabalhava muito, daí sobrava. Então eu pegava meus filhos, minha esposa e a gente ia pra praia, ficava lá. Tinha vez que não, tinha vez que apertava e meu pai: “Não, sobe porque você precisa me ajudar aqui porque não está dando”. Porque nesse intervalo ele mesmo conseguia administrar aqui, não precisava de dois caminhões que não ia fazer o volume, o volume era pequeno, logo no começo de janeiro era muito pequeno, só ia começar mesmo depois do dia dez, dia 15 mais ou menos que os mercados voltavam a comprar, que aí o mercado via o estoque,via o que abaixou, o que precisou. Que ele não comprava assim, oito mil, ele pedia 12 mil, ele já mudava e pedia mais pra poder naquilo e girar até a primeira quinzena. E assim foi. Disso aqui eu tenho muita recordação, foi muito bom, muito bom. Não tem esse movimento que tinha mais, não tem. Tem um movimento mas do que era forte, mesmo, do que era da época da gente, época do meu pai, do meu avô, hoje não é isso tudo. O atacado perdeu muito por causa do supermercado. Hoje mesmo, hoje você não vê muito feirante, pouco feirante que você tem aqui. Hoje o feirante vem aqui, ele pega dez sacos de cebola pra ir vender. Naquela época não, o cara falava: “Manda um caminhão, 200 sacos”. Você entendeu? O cara comprava cem sacos de arroz, cem sacos de feijão, 50 de farinha de mandioca, 50 de fubá, os caras compravam muito, os feirantes estocavam. Hoje não, os feirantes vêm aqui e compram, hoje você vê que a feira caiu muito através por causa dos mercados fazerem tudo o que eles fazem, o mercado hoje domina tudo. Poucos mercados hoje vendem na conchinha, que é o que o feirante fazia, ele vendia na conchinha. Na época da sua mãe, do seu pai, do pessoal mais antigo, era tudo na concha. Meu avô mesmo, na venda dele, ele tinha um tamborzão assim grande de ferro que lá tinha o óleo, ele colocava a garrafa lá e fazia na manivela e enchia a garrafa de óleo. Ele vendia a garrafa. O leite a mesma coisa, o leite era de vidro, não é como hoje, tetrapack. Então a evolução foi muito grande, hoje o mercado completamente, aqui embaixo, ninguém compra. Muito pouco mercado que compra, compra só da distribuidora, só da companhia. Caiu muito aqui. Mas assim mesmo dá pra se viver, rico você não vai ficar, mas dá pra você fazer as coisas (risos), dá pra você manter e assim a gente vai levando.
P/1 – E você tem alguma passagem ou alguma história que te marcou quando você estava trabalhando? Alguma viagem, algum lugar que você conheceu assim por causa do seu trabalho, alguma estrada que você goste mais?
R – Assim, passagens tem. Que nem, eu levei minha esposa comigo uma vez e eu tinha um cliente, esse cliente até é outro ramo, ele mexia com sapato. Então ele tinha uma loja na rua Afonso Querlaquian aqui, do outro lado, na 25 e ele vendia muito pra fora. E ele tinha um cara que ele mandou uns maquinários de fazer sapato pra Franca, só que o cara chegou uma época que o negócio começou a cair e ele falou: “Vou pegar esse maquinário, vou começar a vender, ou vou colocar aqui e montar o negócio porque não está compensando”. Aí ele me contratou pra ir buscar essas duas máquinas lá em Franca. Aí eu falei pra minha esposa: “Vamos lá? Você vai passear”. E o meu filho era pequeno (risos). E eu tenho mania, quando eu vou viajar eu não paro, não paro. Eu tenho uma coisa que eu falo, onde você ganha? Quanto mais você ir, mais você rende, se você para muito você não rende a viagem. Aí eu falei pra ela, nós saímos daqui era três horas da manhã, eu, ela e o menino. Eu falei: “Compra alguma coisinha e vou tacar o pau pra chegar lá tipo umas 11 horas, no mais tardar, entre dez e 11 horas pra nós carregar e voltar. Eu vou voltar hoje”. Dá quase 500 quilômetros. “Então vamos”. Ela foi, nós fomos numa boa. Na ida foi uma boa, eles dormiam, cansa porque eu só aqui, eu queria chegar, eu só toco. Eu ponho uma garrafa de água, eu vou bebendo água e vou embora, eu não paro. A não ser que: “Ah, vamos parar porque estou querendo ir no banheiro”, aí eu parava. Mas se não, não. Nós fomos pra lá. Chegando lá pra pegar maquinário o cara não queria entregar o maquinário. “Não, não vou entregar, não vou entregar”. Liguei pra São Paulo aqui e falei pro cara: “Ó, ele diz que não vai entregar as máquinas. E agora?” “Não, não, espera aí que estou mandando Fulano de tal, um amigo meu daí, com o carro da polícia ele vai entregar sim”. Aí ele mandou o cara, chegou o carro da polícia depois de umas duas horas, eles conversaram lá pra dentro, eu fiquei do lado de fora, nem entrei, fiquei lá fora com minha mulher e o cara falou: “Pode vir lá, vamos carregar”. Resumindo, saí de lá mais de uma hora da tarde. Aí eu parei no posto, abasteci o caminhão e falei pra minha mulher: “Você quer comer o quê?” “Eu não quero comer” “Então vamos comprar uns pães, uma mortadela e uma coca-cola e nós, vambora, pra nós chegar aqui em casa à noite ainda”. Aí de novo, toquei e vim embora, só parei uma ou duas vezes só porque eles queriam ir no banheiro, senão não parava. Aí minha mulher falou: “Eu nunca mais vou com você”, nem ela e nem meu filho. Meu filho era pequeno, mais dormia, ela falou: “Você não para pra nada”. Eu falei: “Mas se eu parar não rende”. Vim acabar chegando quase meia-noite aqui. Eu falei: “Você pensa que é assim, que é fácil? Não é fácil, não. Se toda hora você para, você perde”. A coisa pra mim foi que ela falou: “Eu nunca mais vou com você pra lugar nenhum”. Aí eu peguei agora que eu estava com a Kombi, eu fui até com meu amigo, meu vizinho lá, eu falei: “Meu, vamos comigo pro Rio que eu tenho que levar...”. Eu tinha que levar um equipamento que o cara ia restaurar o Banco Central do Rio de Janeiro, esses caras restauradores. É uma máquina com um monte de coisa pra limpar, essas coisas lá. O cara me contratou e falou: “Você tem que carregar aqui, só que você tem que estar lá seis horas da manhã”. Eu falei: “Beleza, que horas que nós vamos carregar, ele falou: “Olha, eu vou conseguir estar com tudo certinho lá pelas onze e meia da noite”. Eu falei: “Beleza, sem problema”. Trabalhei aqui o dia, fui pra casa de tarde, tomei um banho, jantei, quando foi onze e pouco eu já estava no Morumbi catando as coisas dele, junto com esse meu amigo. Catei, parei, abasteci. Tchu. Toquei. E esse meu amigo comigo. Eu falei: “Meu, se eu ficar com sono você dirige um pouco” “Não, beleza, sem problema”. E eu... Quando foi umas três e pouco da manhã eu parei e falei: “Vamos tomar um café aqui”, que estava começando a me dar sono. Tomamos um café com leite, pão e manteiga, toquei o resto. E ele dormindo. E eu tocando, tocando. Fui lá, cheguei seis horas. Liguei pro cara e falei: “Estou aqui na porta do Banco Central” “Estou descendo aí”. Ele estava perto de um hotel ali. Jogamos as coisas no chão, ele me pagou o restante do frete, entrei de novo na Avenida Brasil, abasteci e vim embora. Esse meu amigo falou assim: “Eu não vou com você nunca mais” “Por que?” “Você não para”. Eu falei: “Mas não vou parar mesmo, cara”. Pus a garrafa de água do lado e fui embora. Duas e meia da tarde já estava aqui em São Paulo. Você entendeu? Duas e meia da tarde já estava aqui, já tinha feito os 500 quilômetros praticamente.
P/1 – Ida e volta.
R – Eu sou assim, eu não consigo parar, então minha mulher diz que comigo não. “Ah não”. Quando nós vamos viajar, que sai alguma coisa que a gente vai viajar pro interior, ela fala: “Deixa que eu levo” (risos). Ela sabe que eu não vou parar, né? Eu não paro, não. Aí quando ela dá uma cansada: “Agora posso ir?” “Pode”. Aí eu chuuu, vou embora, não paro mesmo. Se você parar não rende. Modo de dizer, é pra gastar quatro você gasta dez ou gasta seis, gasta oito. Porque você vai parando mundo, toda hora para, você não vê. Se você parar, brincando é meia hora a uma hora que você perde. Você parou você vai no banheiro, depois você vai comer alguma coisa, vai tomar um café, pronto, acabou. Acabou.
P/1 – É verdade. E dizem que caminhoneiro usa muito rebite, essas coisas, né?
R – Eu nunca usei.
P/1 – Você nunca usou. Mas o pessoal usa mesmo?
R – Usa. Até hoje tem muitos que fazem viagem grande, que vêm de outros Estados, vêm da Bahia, os caras usam. Mas eu? Nunca. É o tipo de coisa que não provoca nada, né? Que o rebite chega uma hora que você fica parado, fica assim no volante, você não se está dormindo ou se está acordando. Ou então apaga de uma vez e acaba virando, tombando, provocando acidente. A maioria desses acidentes que tem é por causa disso aí, a imprudência e o cara tomar, muito, muito, muito. Aí não aguenta, chega uma hora que o corpo não aguenta.
P/1 – Mas a viagem é muito longa às vezes, né?
R – Sim.
P/1 – Você pega um contrato que...
R – Dois mil quilômetros, três mil quilômetros... Bahia mesmo é dois mil e pouco, quase três mil. Então é longe, não é perto. Perto é aqui, vamos dizer, Rio, 400 quilômetros, Bauru, 400 e pouco, 450. São José do Rio Preto, 450, 500. Então, agora viagem longa, Bahia, Sul, lá pra frente, põe aí.
P/1 – Mas o pessoal faz quanto no máximo de uma vez? Quantos quilômetros?
R – A maioria desses caminhões hoje, essas carretas novas, nem marcha você troca, ela é toda automática. Você só acelera e breca, acelera e breca. Ar condicionado, carro ligado, chega a rodar mais de mil quilômetros. Se o cara tiver força de vontade roda. Tem cara que toca e vem parar com dois mil aqui. Pessoal fala assim, pra abastecer joga uma coisa, porque ele já está com rebite, ele está coca-cola e rebite, coca-cola e rebite. Cara quando chega está que nem um zumbi, é verdade, não tem jeito.
P/1 – Você vê o cara e chega aqui.
R – Você vê que o cara está assim, olhando pra você com uma cara que você não entende (risos), nem sabe por que. Ele não sabe nem onde ele está. Mas eu não faço, não, nunca fiz. Graças a Deus nunca precisei disso aí, sempre foi os toques daqui, mesmo a gente trabalhando aqui, que era cansativo de nove, dez horas da noite chegar em casa ou fazer alguma coisa, sempre, numa boa, tranquilo, sempre fui, três horas, quatro horas pra sair. Eu tinha um ajudante que morava no meu caminhão e dormia no meu caminhão.
P/1 – Ah, é?
R – É. Porque ele separou da mulher e não tinha onde morar. Aí ele ficou morando em casa, lá onde a gente morava tinha uma oficina, então, lá tinha um chuveiro. Ele tomava banho lá, tinha o banheiro pra ele. Aí o que eu fazia a minha comida, a minha esposa fazia comida, eu fazia um prato e dava pra ele, o que eu comia ele comia. Mas era um cara que assim, tal hora, pode chamar. Meia hora ele estava batendo na minha janela: “Rubinho! Tá na hora, meu, já deu três horas”. E ele não tinha relógio, não tinha nada, o cara era elétrico. E de sábado ele chegava, colocava o caminhão lá fora que você viu aqui lavando caminhão, ele lavava o meu e o do meu pai. Aí nós ficava lá fazendo as coisas, fazia o churrasco, feijão, pé de porco, fazia as coisas lá, o que nós comia ele comia. Ele ficou comigo uns oito, de oito a dez anos.
P/1 – Dormindo no seu caminhão.
R – Ou ela dormia no meu ou no do meu pai. Porque ele tinha um problema nas costas e o assoalho do meu pai era aqueles assoalhos daquela madeira ipê e o meu não, era um assoalho mais fino. E o do meu pai tinha uma barraca que nem de...
P/1 – Camping?
R – Tipo camping. Era onde ficava a lona. Aí ele puxava a lona e dormia lá em cima. Mas podia deixar, três horas, três horas, duas horas, duas horas. E sempre, nunca atrasou, nunca nada. Chegava no sábado, ele só falava assim pra mim: “Me dá uma grana que hoje eu vou”. Quando ele falava: “Me dá uma grana”, ele ia quaiá, podia esquecer que ele só ia aparecer no domingo. Ele sumia, enquanto não acabava o dinheiro ele não sossegava, entendeu? Eu já sabia que ele ia fazer isso aí. Aí minha mãe vendia roupa, ele comprava as calças jeans com a minha mãe, tinha lá o lugar pra ele guardar na gaveta do caminhão, eu deixava lá, pusemos uma caixa, colocamos lá e ele guardava todas as coisas dele. Mas nunca, marcava com ele, pode ir embora. Um belo dia nós estávamos aqui e ele queria dinheiro. Eu falei: “Não, não vou te dar o dinheiro hoje. Deixa eu receber e mais tarde a gente conversa”. Ele: “Não, tá bom, então tá bom”. Aí estava fraco o serviço. Ele pegou e sumiu. Era umas seis horas eu falei: “Pai, cadê o Cidão?” “Sei não” “Sumiu”. Aí rodei por tudo aqui, onde mais ou menos sabia os botecos, as coisas que ele parava de vez em quando: “Não, ninguém viu” “Não vi” “Não vi” “Não vi”. Beleza, vamos embora. Aí vim embora, fui pra casa. Chego em casa, dei umas olhadas por lá, pelos botecos: “Não, ninguém viu”. Aí passou sexta, passou sábado, passou domingo. Não apareceu. Segunda-feira. Onde está esse homem? E os documentos dele tudo no caminhão. Identidade, tudo, tudo. Ele estava com um short, que trabalhava pra descarregar com a camiseta e o boné dele. Aí eu estou lá no quintal, o meu primo passa lá: “Ô Binho, tudo bem?” “Tudo bem” “Você viu quem morreu?” “Não” “Seu ajudante” “Meu ajudante? Onde ele morreu, cara?” “Ele morreu lá na Maria Cândida”. Foi atravessar, o carro virou assim, pegou e jogou ele do outro lado. Acho que jogou ele na calçada do outro lado, na pancada e ele foi enterrado como indigente. Aí o irmão dele trabalhava aqui no armazém. Eu vim aí no outro dia e falei: “Aconteceu isso, isso e isso. Tenta você. Tó, pega os documentos dele e tenta levantar lá porque eu não sei”. Aí disse que ele foi no Instituto Médico legal lá, disseram que ele tinha sido enterrado como indigente. Aí ele falou que aconteceu um acidente assim em tal lugar, tal, e falou: “Realmente, ele foi enterrado como indigente porque ele não tinha documentação, não tinha anda”. O que eu fiz? Eu falei pro irmão dele: “E essas roupas agora?”, tinha um monte de roupa, que ele tinha roupa nova e tudo o mais. Aí ele falou: “Não, me dá aqui que eu vou levar pra mulher dele pra mulher dele ver o que quer fazer”. Nunca mais soube de ninguém, nem a mulher dele veio em casa, o irmão dele também sumiu. O irmão dele acabou saindo daqui da firma depois de uns dois, três meses e nunca mais, não soube mais nada. Mas era um ajudante que ficou comigo uns dez anos quase.
P/1 – É o chapa ele?
R – É o chapa.
P/1 – Você tem muita conexão com chapa, fala muito com chapa, está sempre aí? Como é isso?
R – Eu sempre tive amizade com todo mundo, eu tenho amizade com um monte de chapa, um monte de carregador aqui. Lembro isso por causa do meu pai, da época do meu pai e tudo o mais porque muita gente me conhece pelo meu pai, né, tem gente nova e tem gente da época do meu pai. Então tenho amizade com todo mundo, brinco com todo mundo. Até motorista que é da época do meu pai hoje quando a gente conversa, tudo: “Tudo bem, tudo bom?”, fica batendo papo. Tem hora que a gente para, fica lembrando das coisas. “Como naquela época trabalhava pra caramba, né?”. Eu tenho amizade, graças a Deus nunca tive inimizade aqui, nunca. Com nenhum, com chapa, os caras vinham, dormiam em cima do caminhão, ficar no caminhão. Só quando teve alguns meio doidos que tentaram roubar as lonas, aí esse apanhou. Eu peguei o ferro da porta, eu dei nas costas do cara.
P/1 – Ô louco!
R – O meu caminhão estava parado bem aqui onde tem o prédio do Matarazzo. E eu daqui do armazém estou vendo o cara subir em cima do caminhão e ele sempre é dobrado no plástico. Estou vendo, olhando, olhando, olhando e o cara lá. Daqui a pouco eu vi o cara fazendo assim, fazendo assim. Pera que você vai fazer assim jájá. Do jeito que ele estava eu peguei o ferro, ele debaixo eu dei duas aqui, depois eu dei outra nas costas. Se os meninos não tiram eu tinha matado ele em cima do caminhão. “Você vai roubar muito aqui, seu filho da...”. Mas é a única fez que eu tive esse. Mas era um cara de fora, não era daqui. Que todo mundo que era chapa daqui você conhecia quem eram os caras, sabiam. Mas de vez em quando pintavam uns ladrãozinhos. Até eu de costa pro caminhão, de costa pra mercadoria soltando aqui, o chapa está carregando, o cara catou a caixa de alho do outro lado das minhas costas. Aí o cara falou: “Ô! O cara está catando a caixa de alho”. Corri atrás dele lá, fui buscar lá. “Você não vai levar a caixa, não”. Porque você paga, né? Eu ia pagar, eu tinha que pagar.
P/1 – A caixa, né?
R – É.
P/1 – O outro carregou um saco de pipoca na avenida, ali na avenida eu tinha três clientes. E esses clientes, nós estávamos descarregando pipoca e a mesma coisa, virado o cara pegou o saco por aqui, o cara falou: “Ô, o cara tá catando o saco e fugindo”. Saiu eu, o dono da firma e o chapa atrás dele na avenida. Quando ele viu que nós estávamos em três correndo atrás dele, esse viaduto que tem e sai pro Parque Dom Pedro, ele jogou o saco ali e ó, foi embora. Correu, largou o saco, nem ficou esperando. Ele ó, jogou no chão e tchau (risos).
P/1 – Sempre fica um chapa com um caminhoneiro ou não.
R – Sempre. Sempre tem que ter. Você é obrigado a levar porque tem lugar que você não tem quem descarrega. Quando é coisa mais leve, se você sabe onde é o lugar que dá pra você ir você vai sozinho, mas quando você vê que o lugar é pesado ou tem escada pra subir, pra levar e saco de 60 quilos não dá. Saco de 60 quilos é pesado pra você subir às vezes 20 degraus pra guardar uma mercadoria é complicado. Então a gente leva.
P/1 – E é sempre um só.
R – Sempre tem que ir um. No caminhão, quando é muita mercadoria você tem que ir com dois. Tem mercado hoje que exige três ajudantes mais o motorista.
P/1 – Vai tudo na mesma boleia.
R – Vai todos os três, o motorista e mais os dois ajudantes. Ou pega um na hora porque não cabe três. Caminhão o máximo que cabe é dois ajudantes e você, não cabe quatro. Então vai chegar lá e você arruma um: “Quer ajudar a descarregar?” “Quero” “Tó tanto, eu pago pra você”.
P/1 – E imagino que vocês ficam horas lá conversando.
R – Sim! Tem horas que fica quatro, cinco horas esperando pra poder descarregar. Tem mercado que você fica quarto, cinco horas. Não é que você chegou, pa-pum e resolve. Tem lugar que sim, tem lugar que você já conhece, já sabe como é, o cara já te conhece, você já foi lá mais vezes, então ele fala: “Pera um pouquinho, eu vou só arrumar um lugarzinho e você já descarrega”. Então, é onde você se livra, você consegue voltar pra carregar outra mercadoria de novo. Se não, é um dia inteiro pra ficar naquilo lá, fica só naquele. E vai fazer o quê? É obrigado. Você não tem como. E outra, pra você brigar com o cara, aí você vai complicar o seu cliente, o cara não vai querer mais que você vai lá. Então você tem que ir com aquele banho-maria, vai brincando com o cara, vai tentando na brincadeira ver, até o cara pegar você e falar: “O cara, legal. Ô Fulano, beleza?”. Entendeu? Tem que pegar uma amizade. Agora tem lugar que você vai que o cara nem conversa quer. Ele pega a nota assim, nem te atende, pega a nota assim: “Ah, tá bom. Aguarda aí”. Ele nem olhou na sua cara, ele pega a nota e: “Aguarda aí”. Aí você tem que aguardar até a vontade dele, até quando eles querem descarregar.
P/1 – E qual foi o lugar mais longe que você já foi, a maior viagem que você já fez?
R – Rio, como eu te falei, Bauru e Minas, que foi em Poços de Caldas, que dá na base de uns 300 e poucos, quase 400 quilômetros, por aí. É mais ou menos essa faixa de 400 a 500, os mais longes.
P/1 – Teve algum frete que você gostou de fazer, alguma estrada que você gosta mais, que você se sente melhor?
R – Hoje a estrada ótima que tem, pena que o que mata é os pedágios, que é o mais caro. Mas hoje tanto a Bandeirantes como a Washington Luiz são umas das melhores estradas. A Castelo também é muito boa até Ourinhos, até o Paraná. A Dutra, depois que virou Nova Dutra melhorou muito do que era, muito. A estrada era ruim, muito esburacada, não tinha uma administração legal, muito ruim. Mas hoje não, hoje as estradas não estão ruins, estão praticamente ótimas. Não tem estrada que você fala que está ruim. Só o que for lá pra cima, o que for pra fora eu já não posso te dizer, mas até uma área de uns 400, 500 quilômetros as estradas daqui são ótimas.
P/1 – E você disse que nunca sofreu acidente, mas você já viu acidente na estrada?
R – Já, já. Já ajudei.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Como é que foi?
R – Nós estávamos indo pra... acho que era Bragança. Na descida da serra, quem vai pra Mairiporã ali, eu só vi o cara atravessar e no meio não tinha a separação, aquele concreto, era direto. O cara desceu pro barranco. Eu parei o caminhão, só que o cara estava numa árvore assim fininha, parado, e o barranco lá pra baixo. E eles estavam dentro do carro. Aí eu lembrei de uma coisa, eu falei: “Vamos fazer o seguinte”. Fui lá no caminhão correndo, peguei uma corda, aí já começou a parar uma monte de gente. Peguei uma corda, pá, pá, fui lá e comecei a amarrar o carro. Eu falei: “Vou amarrar aqui onde dá pra amarrar e segurar. Tinha uns carros parando e começamos a por nos carros porque ia amarrar onde? Não tinha árvore, não tinha nada. Aí amarrei em umas duas rodas de um, duas rodas de outro lá e seguramos. Teve um outro rapaz que desceu, tentou ver se conseguia tirar mas as portas estavam prensadas pra dentro. Tivemos que bater na parte de trás do carro, não lembro que carro que era, e foi uma outra pessoa ajudar pra tirar os caras de dentro. E teve um outro acidente que teve na Estrada Velha de Mairiporã, a estrada que vai sair onde tem a represa de Mairiporã. O cara foi ultrapassar, mão dupla, pegou outro de frente. Ali foi mais grave. Mas naquela época você podia mexer com as pessoas, não tinha problema de você tirar. Conseguimos tirar o pessoal do carro até o bombeiro vir, o caramba a quatro. Um ficou prensado com a perna na lataria e com o macaco nós conseguimos mexer. Tinha mais um pessoal ajudando e o cara deu a ideia: “Meu, põe o macaco, de repente nós conseguimos tirar o pé dele”. Aí conseguimos colocar o macaco no meio e levantando o macaco pra poder tirar.
P/1 – Estava vivo ainda?
R – Estava. Ele só ficou preso com a perna. Mas ele ficou preso assim, o banco meio pra frente, ele ficou preso com a perna... porque eles bateram de frente, então no canto do lado do carro que afundou mais. Nós conseguimos tirar. Eu já cheguei a cochilar na estrada com o caminhão.
P/1 – Ah, é?
R – Eu estava na Bandeirantes. Eu estava voltando de Poços de Caldas. Estava um calor do caramba e eu não tinha almoçado, estava só bebendo água e esse ajudando que estava comigo, esse rapaz. Eu sei que eu estava, eu só lembro de uma coisa, eu estava aqui na direita, eu só escutei o barulho da carreta fazer assim, uounn, e eu já estava no meio do caminho. Eu sei que eu consegui, aí eu voltei, eu parei o carro, mas eu não aguentava, eu tremia. Tremia, tremia, tremia. Joguei água na cabeça, fiquei acho que uns 20, 30 minutos parado, eu fiquei intacto. A carreta não pegou nós aqui, deu de assim, porque Deus não quis naquela hora. Porque eu atravessei, daqui eu vim assim, eu não vi, eu apaguei. Eu só escutei o barulho da carreta. Quando eu escutei, eu vejo, eu já estava assim. Eu consegui ainda contornar mais ou menos pra cá um pouco, a carreta, zum, passou. Mas passou assim, ia pegar meu lado inteiro, que eu estava indo ao contrário, ele ia pegar meu lado aqui, inteirinho. Daí pra frente eu fiquei mais esperto. Quando eu via que eu ia dar uma piscada eu encostava, jogava uma água na cabeça, ficava uns 15, 20 minutos ali e seguia de novo.
P/1 – Mas você gosta da profissão, né?
R – Ah, gosto. Sempre gostei porque sempre estive com meu pai. Você vai acostumando, eu acostumei. Minha mãe, a gente ia junto, tinha vezes que eu ia com eles também viajar, que ia pro Rio, lá na Manchete buscar, tinha vezes que eu ia também. Eu era pequeno, mas eu só lembro do que eles contam. Mas é gostoso, eu gosto dessa vida. Sempre gostei. Eu não sabia que eu iria trabalhar com isso daí, não imaginava, porque eu tinha feito curso de datilografia, tinha entrado em escritório, trabalhado já em escritório, então, você nunca iria imaginar que você ia virar caminhoneiro. E de repente virar caminhoneiro pra sobreviver por você ter a mulher e o filho, né? Então tem que por juízo na cabeça e centralizar.
P/1 – E é um emprego diferente de escritório.
R – Sim.
P/1 – Tem os seus prós.
R – O escritório você tem os horários, no caminhão você não tem horário, você faz o horário. Quanto mais você chega cedo, mais fácil você vai embora. Quanto mais você demora fica mais difícil. Então é uma coisa, como eu sempre aprendi é como o meu pai falou: “Você levantar cedo, você termina cedo. Se você levantar tarde, você vai terminar tarde, então você não vai conseguir descansar suficiente”. Se eu posso cinco horas da manhã eu vou carregar. “Que horas que dá pra carregar?” “Dá sete horas”. Seis e meia eu já estou na porta do cara. O cara abriu eu já estou lá pra carregar e vou embora. Quando é duas, três horas da tarde eu já estou vazio, eu já resolvi. Mesmo que der algum problema você consegue solucionar. Agora se você sai tarde, vai chegar oito horas pra começar a carregar às nove, pra sair às dez, pra chegar no cliente, 11 horas fecha o mercado e abre duas horas da tarde, como é que você faz? Entendeu? Então tudo isso você tem que mentalizar: “Não, eu vou fazer isso, isso e isso”. Foi o que eu te falei, o que eu programei? Eu programei isso com você hoje por que? Porque eu já sei que é um dia, é o dia do meu rodízio, então eu sei que é mais light. Amanhã pode apertar, daí fica mais difícil da gente fazer esse tipo de coisa. Então eu já tento, o que eu posso solucionar eu já vou solucionando pra não ficar, entendeu? Porque quanto mais rápido você faz, você resolve tudo. Eu sou um cara muito ansioso, eu quero resolver logo, eu não gosto de ficar enrolando. Pra mim parece que você fica parado, não está legal, eu gosto de atividade rápida, resolver, vamos fazer, vamos carregar, vamos entregar. Ou se mesmo deu problema na entrega: “Fulano, está com problema na entrega, não chegou”. Porque todas as notas agora quando você tira automaticamente ela vai pro e-mail do cara. De repente o cara passou um e-mail que não é esse mais, mudou, aí não chega. Aí o cara fala: “Não chegou pra nós a coisa aqui no e-mail”. Se não chegar no e-mail você não descarrega, o cara não quer receber porque: “Não, a nota não chegou aqui no e-mail, não vou receber”. Aí você tem que ligar pra firma, tem que ver com ele que e-mail que é, se mudou, se não mudou. Eu já começo a agilizar logo, a primeira coisa que eu falo: “Você já passou e-mail pro cara?” “Já” “Se der algum problema eu te ligo de lá” “Beleza”. Eu já me programo agora, antes de eu sair, eu já pergunto, você entendeu? Porque senão você se enrola, você fica parado, perde. Você deixa de, modo de dizer, você pode fazer dois fretes e você acaba fazendo um, então você agilizando é melhor.
P/1 – E é diferente trabalhar com comida, com cereais, trabalhar com outra carga ou é a mesma coisa?
R – É assim, tem cargas que eu não entro e tem lugares que eu também não vou, que você tem que saber onde você está. Eu estou com mais de 35 anos de motorista, então você sabe onde você vai e onde você pode ir e que carga você pode carregar. Eu já trabalhei com cereais, já trabalhei com remédio. Uma coisa que eu não vou é remédio, é uma carga muito visada. Remédio e aparelhos eletrônicos? Tem que sair fora. Você pode fazer tudo, daqui a pouco eu te cato. E hoje a maioria das firmas tem essas cargas e tal. Me convidaram, me chamaram, esse meu amigo mesmo que eu te falei que vendeu a quadra, ele me chamou pra trabalhar com remédio, eu fui fazer um teste com ele. Eu falei: “Você me desculpe, mas eu não vou, não”.
P/1 – É perigoso, você acha?
R – É perigoso. E outra coisa, vai você e um ajudante, só que você não pode sair de dentro do carro, o dia inteiro. Você sai com 50 farmácias, você tem que fazer as 50 farmácias. Só que é o seguinte, você está num galpão, aí esse rapaz que está com você já sabe a sequência das entregas, então você tem que fazer a sequência certinha, aí você vai passar no papel pra ele o nome de cada um, local, qual vai ser a primeira entrega, qual vai ser a outra. O carro está rastreado. Se você quer ir no banheiro você não pode, você tem que ficar dentro do carro. Não cara, isso não é vida pra ninguém! E se dá uma dor de barriga, na hora você vai querer alguma coisa, ir no banheiro fazer um xixi não pode. E se você perde muito tempo num lugar eles já bloqueiam o carro, sabe? E o risco de assalto é grande. E tem outra, se você reconhecer quem te assaltou, esquece, você pode mudar de onde você mora, porque o cara vai atrás de você. E se você não falar nada: “Não vi, não sei”, o que acontece? Você não carrega. As seguradoras que seguram as cargas te cortam, você não pode carregar. Aí eles vão fazer uma investigação com você, aí eles te dão 20, 30 dias de gancho sem você trabalhar. Não compensa. Sabe, é um tipo de carga que não compensa. Tem lugares aí de São Paulo que dependendo da carga que é eu vou, dependendo eu não vou: “Obrigado”. Mas pra ir nesse lugar, Jardim Angela, Jardim não sei o que lá, Capão Redondo existe um risco de você ser assaltado, é melhor você ficar quieto, parado, menos risco você vai correr.
P/1 – Você já passou por assalto?
R – Já.
P/1 – Como é que foi?
R – Eu estava com a Kombi. E eu estava carregado com caixa de amendoim, esses amendoins torrados, sem pele. E esse cliente meu é do interior, Presidente Prudente. O caminhão vinha e as entregas pequenas ele colocava em mim, as entregas que o caminhão não conseguia ir, que não dava pra ir, que era ruim demais, eu fazia. E naquele dia eu carreguei um dia antes a mercadoria no caminhão dele de tarde, no dia seguinte eu saí de manhã pra fazer. Eu estava na Inajar de Souza, era uma sete horas da manhã. Eu pá, tranquilo, aí parei no farol. De repente, veio um de cá e um de cá, dois moleques: “Abre, abre, abre” “Pera aí, posso abrir?”. Fui lá, levantei o pino, entrou o moleque com uma branca grande, com uma arma grande e ficou assim. “Segue, segue, segue” “Tá bom, vamos lá”. E vai aqui, vai ali, vai lá e vai cá. “Tem rastreador no carro?”, eu falei: “Não tem” “Tem alarme?” “Não tem” “O que tem o carro?” “Só tem um bloqueador de chave, aquele carneiro, só que eu tenho que colocar ele, ligado ele não vai funcionar”. Sei que nós andamos uns 20 minutos, entramos numas quebradas. De repente nós estávamos assim, eu vi um final de rua: “Ih cara, perdi agora”. Enquanto eu estava andando estava bom, né? Aí veio, rapaz moreno alto do meu lado e fala pra mim assim: “O que você está carregado aí?” “Amendoim. Quer ver a nota?”. Só que eu tenho uma mania, quando eu vou fazer uma entrega eu só deixo a nota que eu estou indo naquele local, as outras eu guardo, eu tenho uns papéis, eu ponho debaixo daqueles papéis, pro cara procurar ele vai ter que levantar os papéis, ele vai olhar uns papéis que não tem interesse nada, está como rascunho, então ele vai falar: “Não tem nada aqui, é só rascunho”. E são folhas grandes. E eu estava só, peguei a nota e falei: “Tó, olha aí”. Ele pegou. Eu vi que ele olhou, olhou, olhou e não falou nada. Olhou, olhou, olhou e não falou nada. Ele falou: “Como é que é aqui o negócio? Eu não estou entendendo”. Eu falei: “O que é que você não está entendendo?” “Não, quanto que está aqui o valor?”. Eu falei: “Eu não vi o valor, cara, eu não tenho essa mania de olhar o valor, eu só tenho mania de olhar a rua que eu vou, onde eu vou”. Aí eu falei: “Posso ver?”, eu peguei e falei: “Vinte e cinco centavos” “Como é que é?” “Vinte e cinco centavos o quilo” “Tudo o que você está carregado, os mil quilos, é 25 centavos o quilo?”. Eu falei: “É”. Não era. Aí ele falou: “Vai tomar no cu! O que me passaram? Passaram a bola errada”. Aí ele falou assim, pro cara que estava com a arma voltada pra mim: “Vambora, vambora, não é esse aqui, não é esse aqui, não”. Aí o cara falou: “Não, ah não. Não vou, não. Eu vou levar pelo menos o CD dele”. Eu falei: “Ô mano, você vai querer levar o meu CD? Eu estou pagando o CD do carro e você vai levar. Você não perguntou do rastreador, você não perguntou do alarme, você perguntou de tudo, eu já falei tudo. Porra, meu”. Aí o moreno falou: “Pô, já não falei vamos embora?” “Não, eu vou levar”. Ele falou: “Puta que o pariu!”, ele pegou, saiu pra frente da Kombi, eu falei: “Bom, agora danou-se, né?”, o cara com a arma assim, eu aqui. Aí ele abriu a porta e falou: “Pô, mano, não falei pra você vamo embora”, puxou o cara assim e o cara assim com a arma. “Agora já morreu com algum tiro aí de graça” “Não vai levar nada do mano, não. O mano foi gente fina, falou, não fez nada. Vamos embora”. Aí eu falei: “E aí, como é que vai sair daqui?”, ele falou: “Estou na sua cola. Se você falar pra alguém, qualquer pessoa, ou fizer sinal pra viatura eu te apago”. Eu falei: “Mano, vai na sua fé, faz os seus negócios e beleza”. Aí comecei a andar, comecei a ver, entrei numa travessa, entrei na outra, fui entrando. Até que eu vi uma avenida. Eu falei: “Bom, agora eu estou na avenida eu já estou salvo” (risos). Aí eu olhei pra avenida e falei: “Bom, acho que agora é descer mesmo, não é subir mais” (risos). Fui descendo, aí fui ver: “Bom, agora aqui eu já sei, tá”. Fui indo, indo, indo. Eu dei seta pra subir na rua que eu ia entrar, onde eles me pegaram. Ele parou do eu lado e fez assim pra mim (faz algum gesto). Ele: “Xiiii”. Eu entrei e ele foi embora. Aí cheguei no cliente e o cara não recebia na sexta-feira, não recebia mercadoria. Eu liguei pro cara e falei: “Ó, você manda por no seu caminhão de volta que lá eu não vou mais. Tirei do carro. Não vou mais”. Não fui mais. Eu falei: “Se você quiser no seu você pode por, faz o que você quer, eu não vou mais”. Então você tem que estar muito atento hoje, você parou num farol, parou alguma coisa, você tem que estar olhando pra ver o que está pegando. Você está no retrovisor aqui, aqui é a frente e aqui o farol abriu. E nunca, nunca você encosta em um outro carro, sempre dá uma distância porque se você precisar de alguma coisa você tem um recurso pra você fazer, ou sair, ou sei lá. Que hoje em dia é isso aí, o risco de roubo é grande, então você tem que saber o que você carrega, qual a mercadoria. Graças a Deus só foi essa a única que eu tive, mas não teve mais nada (risos).
P/1 – E tem risco do cara saber, às vezes o cara sabe o que você carrega, então alguém falou pra ele, né?
R – Então, deve ter passado a informação pra ele porque como estava em caixa de papelão passaram uma Kombi branca com carro, eu acho que devia ser carga de iogurte ou carga de alguma coisa de firma de caixaria, entendeu?
P/1 – Mais caro.
R – Mais caro. Então eles não sabiam o que era. Mas na realidade eu não estava só com mil reais, eu estaria com nove mil reais de mercadoria, só que eu não falei pra ele as outras notas escondidas. Então pra todo efeito, ele não sabia, eu falei: “É 25 centavos o quilo” “Você tem mil quilos aí?” “Mil quilos”. Ah, falou um monte, falou: “Vai tomar no cu. Quero não”. E foram embora, me livraram. Mas e se era uma outra mercadoria importada cara? Bacalhau, umas coisas que são muito caras.
P/1 – Vinho.
R – Não tem como você pegar. Por isso que você tem que tomar muito cuidado onde você vai entregar. Tem lugar que você tem que chegar com o carro, trancar e sair fora, ficar na porta do cliente porque se os caras vierem, eles te catam. Se você vacilar ele vem e tchu, na hora. Eu já vi muito amigo meu falar, o pessoal que tem fala: “Meu, os caras chegam, encostam e não tem jeito”. E não tem mesmo. O cara sabe quem é você. Você não sabe quem é o cara, você não vai imaginar, você não está olhando praticamente pro cara, ele está te filmando, ele filmou você, entendeu? Se encostar vê o peso do carro, ele dá uma olhada. Então os caras sabem, mas eu sempre tenho essa mania, eu já chego. Que nem, mercado que eu sei que vai demorar, que é perigoso, eu só vou quando está aberto, não espero na hora do almoço de jeito nenhum. Tem lugar aqui pro lado de Parada de Taipas, Perus, você tem que ir na hora que o cara está aberto, se você bobear, tchu. O cara está na loja porque ele sabe que você levou a nota. Ele viu você parar, porque você vai descarregar na porta dos fundos, só que você tem que levar a nota lá na frente do mercado. Ele viu você sair, ele veio atrás de você, ele viu você entregar a nota, ele viu tudo. Se você não filmar, um abraço. Ele vai, quando você voltar no carro ele te cata. Então você tem que ficar fora do carro, sempre fora.
P/1 – Você já viu muita história de amigo seu falando disso.
R – Sim, sim. Tem muita gente que já passou por várias coisas. Teve cara que já passou por várias coisas. De assalto, de roubo de mercadoria? Vixe, muita gente, muitos amigos. Não tem jeito, cara, quando o cara cata, cata. Tinha um cliente meu que eu fazia, os caras jogaram o carro em cima do carro da firma pra bater, pro cara parar e eles assaltarem. O cara jogou o carro em cima do outro. Bateu você para, né? Aí o cara: “Assalto”. Hoje tem que tomar muito cuidado o que você está carregando. E depende onde você vai levar.
P/1 – Então você está carregando mais aqui na Boa Luz...
R – Hoje é diversos, hoje eu não tenho só uma especificação, ou feijão, ou farinha, não, é de tudo. Eu carrego palmito, bacalhau, azeitona, lentilha, ervilha, grão de bico, feijão branco... então você carrega diversos, não tem um só específico.
P/1 – Muito também porque o Brás aqui diversificou também, né?
R – É, sim. Porque é o que eu falei, hoje não é mais o atacado, hoje é o picado, você não tem mais atacado, o atacado que tem aqui é pouco que vende, vamos dizer, vai vender 200 sacos daquela mercadoria. É pouco. O cara vende 20, 30, 40, 50 sacos daquela mercadoria, então não é um atacado, é um mini atacado, vai, modo de dizer. Ou então o cara vende dez saquinhos desse, cinco desse, dois daquele, três do outro, três do outro, acabou.
P/1 – E deixa eu te perguntar, que histórias você ouviu de amigos caminhoneiros, ou até seu pai, que mais te impressionaram? Tem alguma que você se lembra que você achou especial, te chamou a atenção?
R – Não, é o que eu te falei, mais ou menos isso assim que aconteceu desse fato comigo. Os outros a gente sabe que o cara vai, rouba o caminhão: “Ó, roubou com 50 fardos de feijão”, ou, “Roubou com 20 sacos de arroz”. Tem, acontece. Então específico, específico não tem assim muito, não.
P/1 – E como é que está o Brás hoje, como está o movimento? Você já falou um pouco, mas como é que está hoje? Como é que você vê?
R – Caiu muito, caiu muito. Hoje você perdeu muito aqui no Brás, o Brás perdeu muito. Uma porque nós estamos passando por uma crise praticamente brava, né? Então tá difícil de você ter um, hoje você trabalha, amanhã você não trabalha, daqui a pouco você trabalha, daqui a pouco você não trabalha, entendeu? Mais ou menos assim. É o que eu te falei, tá dando pra você ainda se manter, a hora que não der mais.
P/1 – Entendi. E como é que foi mudar do caminhão pra van, pra Kombi?
R – É porque assim, com o caminhão eu cheguei a tomar umas multas de fumaça. E essas multas de fumaça, cada uma que você tomava, ela aumentava mil. Eu cheguei a tomar três, ficou quase 3 mil e 500 reais na época. Aquilo foi me enjoando porque, vamos dizer, não tinha nada, os caras não param pra te dar a multa, você passa, o caminhão, lógico, você está com o peso do caminhão acima do que é, chega uma hora que vai passar e vai soltar fumaça. Até o ônibus, quando passa, se está cheio ele solta aquela fumaça preta. A mesma coisa o caminhão. Aí foi indo, foi indo, fui desgostando. Paguei as multas, falei: “Não, chega. E agora não pode mais entrar em lugar nenhum, não pode ir ali, não por ir lá, não pode ir cá, tem que dar a volta pra ir num monte de lugar. Chega. Melhor parar com isso”. Eu falei pro meu pai até, meu pai ainda estava vivo: “Vou parar com esse negócio de caminhão que não está dando certo. O custo está sendo muito alto e você não está levando”. E aí foi indo, foi indo, até parar, até encerrar com a parte do caminhão. Mas eu gosto, se um dia, quem sabe, voltar, se voltar umas condições boas a gente pode até pensar. Mas por enquanto, agora você também está com uma idade que já está chegando, eu com 55 anos, é besteira você também fazer uma loucura pra sair pra estrada o dia todo e tudo o mais, largar a família. Não, compensa não, não vale a pena (risos).
P/1 – E o seu pai e você assistiram àquela série da Globo.
R – Do caminhoneiro?
P/1 – Carga Pesada.
R – Carga Pesada? Quando eu estava em casa, nos dias que eu estava ou se eu chegasse quando passava eu gostava de assistir. Mas era pouco, não dava muito porque sempre você, na época eu estava sempre atarefado. Ou então você tinha que dormir cedo porque senão no outro dia você não aguentava. Tinha vez que eu chegava em casa oito, nove horas da noite, eu tomava banho, comia e já estou sem gás. Comia, não dava dois minutos eu já estava, e dormia no sofá, apagava. Aí eu acordava assustado.
P/1 – É uma profissão muito sem horário, né?
R – É. Não tem horário, você não tinha como comer, você só ia jantar. Então, você vê que hoje mesmo, de tanto que eu acostumei a não almoçar eu só janto. Por que? Porque você virou numa bola e aquilo foi indo, foi indo, foi indo. Antigamente eu trazia marmitinha, esquentava no caminhão. Mas aí no calor o que acontecia? Azedava. Ficava muito calor dentro do caminhão, esquentava muito e a marmita estava lá. Azedava. Então você jogava fora, não comia. Aí foi indo, foi parando, foi parando. Aí trazia um lanche, trazia um negócio e depois cortei tudo. Aí só janto. Até hoje, mesmo com a van, eu só janto. Eu saio, tomo um café legal de manhã com iogurte, tal, essas coisas e mais nada. Mas no dia venho, pego uma água ou se eu cismar de hoje almoçar aqui eu vou, se eu não cismar de almoçar eu não vou, entendeu? Não sinto falta. Não é que vai me atrapalhar.
P/1 – Agora, como é que foi o dia do nascimento do seu primeiro filho?
R – O dia que meu filho nasceu eu estava trabalhando com o caminhão. Minha mãe que levou minha esposa no médico, que era o médico já da família, ele fez o meu parto. Aí a minha mãe levou ela no médico e na hora que ele estava examinando ela rompeu a bolsa, então era para o meu filho até nascer no hospital aqui a Mooca. Não dava tempo. E o médico falou: “Vai daqui, vá pra Santana, lá tem um hospital, eu já vou ligar pro cara que é meu amigo, já vou mandar arrumar um quarto, eu já estou saindo daqui e nós nos encontramos”. Minha mãe falou: “Mas eu preciso pegar a bolsa” “Então você passa em casa, pega a bolsa, já vai pra lá que eu estou chegando lá”. E foi rápido, estourou a bolsa, rompeu, duas horas da tarde já estava nascendo. Até rápido de preparar, arrumar o quarto, tal, não sei o quê, duas horas nasceu. E eu estava trabalhando. Minha mãe ligou, falou com a firma onde eu trabalhava, aí a firma conseguiu falar comigo lá onde eu estava descarregando. Aí eu peguei, descarreguei e fui embora pra lá pra ver. Consegui ver o primeiro filho. E o segundo foi de madrugada, nasceu uma e pouco da manhã. Também assim, rompeu a bolsa em casa, nós estávamos dormindo, ela sentiu um negócio e falou: “Eu não sei o que é”. Rompeu. Aí já tum tum tum, rápido, já liguei. Quem fez o parto do meu segundo filho foi o filho do médico. Porque ele não estava aqui, ele estava viajando, estava em um congresso nos Estados Unidos. E o filho e o genro é que fizeram o parto. Ele nasceu lá no hospital lá na Praça Panamericana, Hospital Panamericano.
P/1 – E você falou que um tem 34?
R – Tem 33. O menino mais velho tem 33 e o outro tem 28.
P/1 – Qual é o nome deles?
R – O mais velho é o Robson e o mais novo é o Thales.
P/1 – E o Thales está na Nova Zelândia, é isso?
R – É, Thales é o que está na Nova Zelândia.
P/1 – Está fazendo o quê lá, quanto tempo ele está?
R – Está estudando e trabalhando. Foi pra lá pra isso aí. Ele já queria ter feito, ele trabalhava aqui numa multinacional, mas o que ele estudou na faculdade foi Relações Internacionais. Ele falou pra firma: “Me põe nessa área porque eu preciso ir pra essa área, eu terminei” “Não, você está nessa área aqui, eu confio essa área com você porque você está”. Ele falou: “Ou eu vou pra essa área ou eu não fico mais na firma” “Não, aguenta a mão” “Vou dar pra você uma semana, uma semana vocês decidem o que vocês querem”. Ele deu uma semana, não fizeram, ele pegou e falou: “Minhas contas” “Não, não, não vou dar as contas” “Então eu peço a minha demissão”. E saiu. Aí ele tinha uma grana guardada, ele já estava vendo o negócio para ele poder ir viajar, aí ele foi. Fez a sequência, conseguiu a viagem e foi. Está lá, vai fazer dois anos agora em dezembro que ele está lá. E o outro trabalha numa multinacional aqui.
P/1 – E você tem netos?
R – Não, ainda não. Nenhum dos dois casou. O mais novo ela está lá também (risos), a namorada está com ele lá, foi agora em maio. Maio? Não, na Páscoa. Na Páscoa ela foi pra lá, foi estudar também, também terminou a faculdade aqui, ela foi pra lá também pra estudar lá, fazer o inglês e trabalhar.
P/1 – Está você e sua mulher em casa, né?
R – Eu, minha mulher e o mais velho. O mais velho também não casou. Ninguém quer casar, bicho. Fala que é caro (risos). Ele quer a mordomia, é bom, ninguém quer saber hoje de casar. Ele está namorando, mas até agora não decidiu de fazer as coisas.
P/1 – E a sua mãe está viva mas o seu pai faleceu já.
R – É. Meu pai vai fazer cinco anos agora dia nove de novembro. Minha mãe está com 80 anos, está viva.
P/1 – Firme e forte.
R – Firme. Ontem ela estava em casa. Ela fica um pouco na minha casa, um pouco na casa dela, um pouco na minha casa, um pouco na casa dela. É, ela não quer sair da casa dela. Eu falei pra ela: “Vem morar comigo”, porque tem o quarto do meu filho mais novo que está lá. Não adianta. Ela fica um, dois dias em casa e fala: “Não, eu vou lá na minha casa, vou dar uma olhadinha lá e depois eu volto”. Ela fala: “Depois eu volto”. E ela tem as coisas dela, tem as freguesas dela, as coisas que ela vende, então... eu não posso proibir, tenho que deixar pra que ela tenha uma atividade, está fazendo alguma coisa, né?
P/1 – É. E você tem sonho pro seu futuro hoje, Rubinho?
R – Assim, eu consegui formar os dois, certo? Os dois estão formados e estão bem. O futuro agora, daqui a pouco é só eu e a mulher, né? Então é pra gente viver, curtir, passear, fazer alguma coisa. Mas eu não posso agora porque eu não posso largar a minha mãe, você entendeu? Então como praticamente eu que cuido dela direto, então eu não posso fazer esse tipo de coisa, não posso sair muito, fazer muita coisa. Mas mais pra frente quem sabe eu faça alguma coisa, saio um pouquinho mais, vou passear, vou viajar. Fazer alguma coisa, né? Porque não é só trabalhar também não, tem que de vez em quando curtir alguma coisa porque senão daqui a pouco você não tem mais nada e aí, você não fez mais nada. E assim não. Por enquanto não, mas o futuro meu ou eu paro também, tento arrumar uma outra coisa mais leve, mais calma para não entrar nesse negócio de ficar pegando peso direto, tal, entendeu? Porque chegou uma hora que também não dá mais, né? É. Não é, 35 anos você ali, ó, praticamente quase carregando e descarregando, levando peso pra cima e pra baixo não é fácil, não. Chega uma hora que o corpo também cansa, né? Eu sempre trabalhei, nunca tive medo de andar, descarregar nem nada, hoje você já sente um pouquinho. É difícil.
P/1 – E o que você acha que vai ser daqui, a zona cerealista e o Brás, no futuro próximo? O que você acha que vai acontecer, como é que você está vendo aí?
R – Vai ter essa mudança, vão colocar esse clube aí, vai mudar muito aqui. Se esse Rodoanel ficar praticamente pronto mais uns anos, provavelmente eles vão proibir de caminhão aqui, você entendeu? O que vai acontecer? Já teve um projeto muitos anos atrás que a zona cerealista ia sair daqui, era pra ir pra Bonsucesso. Sei que muitos comerciantes começaram a comprar terreno, fazer um galpão, fazer não sei o quê porque tinha que sair. No final ficou no zero, não teve nada. Mas agora eu acredito que quando o Rodoanel estiver pronto a mudança daqui vai ser grande. Aqui praticamente eles vão querer, o que vai fazer aqui? Prédios. O que vai acontecer vai ser prédios, coisas de lojas. Eles estão querendo num futuro engrenar a 25 de março com isso aqui. Se eles fizerem isso aí, pode contar. Você vê que muito, a chinesada comprou tudo esses prédios do Matarazzo aí. Então mais no futuro, isso daqui a pouco vai começar a vir loja, loja, loja e você vai ver. Aí vão fazer alguma passarela que dizem que tinha um projeto de fazer um viaduto, onde eu te falei que era a linha do trem, que tinha uma porteira que você passava o caminhão pra lá e pra cá e até pedestre. Provavelmente, se eles fizerem um viaduto vai ficar, porque essa rua Monsenhor de Andrade acaba lá do outro lado, acaba na rua Oriente. Então, só está a linha do trem tampando ela. Se eles fizerem isso daí, ou se eles mexerem nessa parte daqui da estrutura, onde tem esse mini Ceasa aqui, se eles não fizerem shopping ali, não fizerem loja pra 25 de março ou juntar tudo. Projeto deve ter porque eu tinha um amigo meu que trabalha do lado de lá, ele falou que eles estão com um projeto, estão querendo tirar a Pajé daqui e passar pra lá. Se fizer isso aqui vai vir pra cá. Quem vai ficar lá? O comércio vai acabar vindo, tem que montar perto da onde tem, né? Vamos ver agora. Eu acredito que no futuro aqui não vai existir mais, esse atacado. Assim, já caiu bastante, né, do que era não é tanto assim. Mas acredito que sim, mais uns anos. A gente não tem previsão. Se puder o Rodoanel provavelmente o que eles querem é isso aí, eliminar a entrada dos caminhões aqui, entendeu?
P/1 – E como é que foi contar um pouquinho da sua história pra gente hoje?
R – Ah, foi relembrar umas coisas, que a gente nunca teve esse contato de ter uma pessoa perguntando como é que foi, como você começou, como que é a sua vida na zona cerealista, como você entrou aqui dentro. Relembrar os negócios do meu avô, do bisavô, do meu pai, relembrar a geração que está aqui. É uma coisa muito agradável pra mim, eu me sinto honrado. Como eu vou falar? De ser escolhido, que me indicaram. Tem mais gente que está aqui que é mais velho que eu e me deram essa palavra. Foi um negócio legal. Valeu a pena. Demorou pra gente fazer, mas deu certo (risos), o importante é que deu certo. Eu vou agora quando sair pra gente ver, ter orgulho de ler e ver o documentário ou um livro, como vocês estão falando de fazer, entendeu? Deve ficar legal, eu acho que vai ficar bacana.
P/1 – Está certo.
R – Tá bom?
P/1 – Obrigado, viu Rubinho?
R – Obrigado você.
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