Depoimento de Kelly Cristina Duarte
Entrevistada por Marcia Trezza
Sorocaba, 13 de dezembro de 2018
Entrevista PCSH_HV668
Realização: Museu da Pessoa
Revisado e editado por Bruno Pinho
P/1 - Vai ser uma conversa, as perguntas vão ser só para te ajudar, não precisa me esperar perguntar, e quanto mais detalhes melhor. Para começar me fala seu nome completo, onde você nasceu e a data.
R - Meu nome é Kelly Cristina Duarte, nasci em Santo André, São Paulo, nasci em 10 de junho de 1974, tenho 44 anos, hoje sou funcionária pública, trabalho no município de Votorantim, em uma escola infantil, sou secretária.
P/1 - Faz quanto tempo que você trabalha nessa escola?
R - 18 anos.
P/1 - Antes você trabalhava em que?
R - Imobiliária, desde os meus 15 anos de idade.
P/1 - Foi seu primeiro trabalho?
R - Não, eu ainda tinha os meus 12 anos e já ajudava meu pai no salão de cabeleireiro que ele tinha na rodoviária, lá eu ajudava ele em coisas pequenas, mas sempre gostei de estar na correria.
P/1 - Você aprender a fazer alguma coisa de cabeleireira?
R - Pelo contrário, não gosto nem um pouco de mexer com cabelo, eu tenho uma família toda cabeleireira, meus tios, meu pai, meu irmão, mas não.
P/1 - Lá você fazia outras coisas então?
R - Eu ficava mais no caixa, é a parte que eu sempre gostei, parte financeira, controlar a entrada, saída.
P/1 - E como era o salão dentro da rodoviária, tem alguma história que você lembra que foi marcante ou divertida de pessoas que passaram por lá?
R - Como eu era muito nova, teve histórias boas e histórias não tão boas, agradáveis, eu não me recordo muito bem, mas era interessante, porque é um lugar que tinham muitas pessoas chegando e saindo e eu lembro que o salão ficava perto de onde os ônibus parava, então a gente sempre ficava na porta vendo o pessoal que chegava, eu peguei bastante amizade com alguns que tinham box lá dentro, sempre houve o supermercado dentro da rodoviária, então era a maior festa poder estar passeando no supermercado, e comprando guloseimas, tem um fato interessante, que tinha um restaurante que a gente comia, e uma vez eu comi gostoso, e depois meu pai me perguntou se eu sabia o que eu estava comendo, e eu falei que não, e isso ficou gravado, porque eu pensei que quem já comeu isso, come de tudo.
P/1 - E o que era?
R - Era testículo de peru. E foi uma coisa que ficou marcada.
P/1 - E era bom?
R - Era bom, muito bom, eu sempre gostei de comer comidas exóticas, então na realidade, eu não estranhei muito. Eu fiquei uns 2 anos ajudando ele lá, dos meus 12 até os meus 13 para 14 anos.
P/1 - E você ficava no caixa com 12 anos.
R - Ficava, eu sempre fui responsável, desde pequena eu sempre gostei de criança, então eu sempre cuidava dos filhos das minhas amigas, interessante, que eu sempre tive amizade com pessoas mais de idade, eu tenho uma amiga que eu considero como mãe e eu conheço ela desde os meus 6 anos através da filha dela que estudou comigo, e até hoje, com 44 anos eu ainda tenho amizade com ela, uma relação muito gostosa, a filha se foi, mudou para Campinas, me distanciei um pouco dela, mas a amizade com a mãe permaneceu, eu sempre tive amizade com pessoas mais velhas do que eu, então eu sempre fui responsável nessa parte.
P/1 - Qual o nome dessa sua amiga?
R - Maria Aparecida Beldi.
P/1 - E você nasceu em Santo André e veio para Sorocaba com que idade?
R - Vim para Sorocaba com 5 a 6 anos, lá eu morava perto da minha avó, e eu tenho uma lembrança gostosa de lá, uma escadaria na Vila Ruzita, inclusive, eu voltei para lá ano passado com a Debora, a minha filha, e eu fiz questão de ir na escadaria para tirar uma foto, porque é uma lembrança gostosa que eu tenho do tempo que eu morei lá, do tempo que eu pude curtir a minha avó, que foi muito bom.
P/1 - E o nome da sua avó?
R - Hortência.
P/1 - Tinha coisas gostosas que você fazia com a sua avó?
R - Tinha, eu sempre gostei muito de maquiagem, a minha avó tinha uns perfumes e maquiagens da Avon, e eu lembro que o perfume era (creme) [00:08:02] ainda, então ela me fazia bolsinhas, ela costurava, e na minha bolsinha ficavam os perfumes dela, os batons, eu me lembro disso com muita alegria.
P/1 - Ela deixava você usar?
R - Deixava, até hoje eu tenho um vidro de perfume dela que eu guardei com muito carinho, e uma colherzinha de café, ela tinha uma colherzinha e tinha uma rosinha detalhada na ponta da colher, e eu era apaixonada por aquela colher, e eu acabei ganhando como presente dela para ficar como recordação, e eu tenho até hoje.
P/1 - Ela ainda vive?
R - Não, ela partiu cedo, eu tinha os meus 8 anos mais ou menos.
P/1 - E você disse que veio para Sorocaba e nunca mais mudou daqui, ou saiu em algum momento?
R - Eu saí no momento em que eu casei, eu mudei para Votorantim, morei lá por um tempo, mas logo mudei para Sorocaba novamente.
P/1 - Depois que você trabalhou nesse salão, você disse que trabalhou como corretora. Como foi depois que você saiu do salão?
R - Não, eu sempre trabalhei como secretária, eu sempre gostei muito de mexer com a parte financeira, com documentação, com arquivos, então eu sempre fui para essa área. Na imobiliária eu era secretária também, fazia os contratos, toda a parte de RH, da administração em si, eu sempre tomei conta, passei por imobiliária importantes em Sorocaba, as mais conhecidas, e trabalhei em imobiliária até eu passar no concurso da prefeitura, e acabei indo para prefeitura em 2000, e foi interessante porque eu também peguei a área administrativa, trabalhei durante 1 ano na secretária de educação, passei por um momento muito delicado na minha vida, nessa época eu me separei, e eu sofri muito, e fui para uma escolinha trabalhar com crianças, eu sempre gostei muito de criança, os meus amigos na secretária sabiam disso, e eu fui para me afastar do serviço, e eles decidiram me ajudar, até porque eu não consigo ficar parada, então não seria legal eu pegar uma licença, e me perguntaram o que eu gostaria de fazer, e eu falei que sempre gostei de trabalhar com crianças, e fui parar em uma secretária de uma pré-escola onde foi a fase mais gostosa da minha vida, apesar de eu não estar passando por momentos tão bons, eu via aquelas crianças olhando para mim e falando “Você está linda tia, deixa eu te dar um beijo”, as vezes eu estava lá toda chorona e vinham, me faziam carinho, e isso me fez muito bem, e todos os momentos da minha vida que eu passei por situações difíceis e delicadas, trabalhar com crianças sempre foi uma coisa prazerosa para mim, porque eles são sinceros, eles entendem, e eles agradam quando percebem que a gente realmente precisa de um abraço, de um carinho, então eu sempre tive essa boa relação com as crianças, e estou lá até hoje.
P/1 - E aqui em Sorocaba, com o que vocês se divertiam quando jovens? Outras atividades além de trabalhar.
R - Eu vim de São Paulo com 6 anos, eu vim morar na casa de uns primos, eles moravam e um sobrado, e nós morávamos na parte de baixo, e sempre foi uma casa bem agitada, tinha piscina, então sempre estava sempre cheia de gente, eu venho de uma família grande, meu pai teve 19 irmãos, então eu tenho muitos tios, muitos primos, e deu certo porque eram todos da mesma idade, então a gente era muito unido, a minha família era muito unida, essa casa era grande, onde meu tio gostava de receber a família, gostava de festas, então sempre em Natal, Ano Novo, Páscoa, Festa Junina tinha festa lá, então eu cresci com os meus primos, com a minha família mesmo, eu tenho um irmão que é 1 ano e 2 meses mais velho que eu, e ele sempre foi meu companheiro também, mas era mais com os primos mesmo.
P/1 - Quantas pessoas tinham na casa no dia a dia?
R - Olha, que moravam lá já eram 5 crianças, mas sempre tinham primos que vinham amigos, então a casa sempre estava lotada, e era uma casa bem alegre, eu tenho essa lembrança.
P/1 - E brincadeiras favoritas nessa época?
R - Confesso que eu nunca fui muito de brincar, eu sempre fui meio medrosa para as coisas, então eu não subia em árvore, eu não brincava com nada que eu pudesse me machucar, eu gostava de ficar olhando a brincadeira, ou eu sempre cuidava das crianças menores, foi uma desculpa que eu sempre arrumei para não participar tanto, mas eu lembro que eu brincava muito de vôlei, naquela época ainda existiam as brincadeira na rua, e a gente ficava muito tempo na rua jogando, brincando, e eu participava de algumas, mas eu confesso que eu mais cuidava dos pequeninhos para deixar os grandes brincarem.
P/1 - Teve algum acontecimento que você lembra com bastante satisfação de lembrar? Ou porque era engraçado, quando criança, ou já quando era adolescente.
R - Tinha um chapéu de praia em frente ao sobrado enorme, e eu tinha uma prima que era bem (inint) [00:16:56], vivia subindo na árvore, e nós estávamos todos brincando lá fora, e ela sumiu, e de repente ela começou a gritar, e nós que estávamos ali também não entendemos, saiu a minha tia, saiu a minha mãe, saiu todo mundo perguntando o que tinha acontecido, e ela só gritava, ninguém entendia nada, e o interessante é que ela saiu correndo e pulou na piscina, e todo mundo correndo atrás para saber o que estava acontecendo, até que a gente foi entender que tinha um enxame de abelha, e ela bateu a cabeça e a abelha veio tudo na cabelo dela, ela tinha o cabelo crespo, então acho que as abelhas entraram, e a gente não conseguia, com o desespero e com ela gritando, a gente não enxergou abelha nenhuma, depois na piscina que a gente foi entender o real motivo daquela gritaria toda, foi uma situação engraçada, depois a gente se matou de dar risada, e ela mesmo com todas as picadas ria muito com a situação, isso não afetou ela nem um pouco, bem pelo contrário, ela tirava sarro dela mesma, mas foi um momento de desespero e depois de descontração, mas foi uma fase que me marcou muito, pela minha casa também viver cheia de gente, por ter piscina, então é mais fácil você receber as visitas, e vem o lado que não é muito agradável, eu sofri um abuso quando eu tinha acho que uns 7 anos, e é um fato interessante, que eu só fui conseguir falar sobre isso com 40 anos de idade, quando eu já era mãe, e percebi que eu estava afetando a minha filha com o que eu trazia lá atrás, e foi aí que eu pude contar um pouco disso, e acho que me libertar disso para psicóloga, que foi uma coisa que aconteceu na minha infância, me marcou muito, e eu preferi deixar guardado, e é interessante porque eu trabalho com crianças, e eu já peguei caso de crianças que também foram abusadas, e isso sempre mexeu muito comigo, e as vezes as pessoas não conseguiam entender a maneira como a pessoa se comportava, e eu sempre me coloquei no lugar, porque é uma sensação tão estranha, a gente se sente culpado, por mais que seja uma coisa inconsciente, eu não falava porque eu me sentia culpada com o que tinha acontecido, porque eu deixei com que acontecesse, então a culpa sempre foi maior do que a vontade de falar sobre o assunto, ou procurar ajuda, e muitas vezes as pessoas não conseguem entender isso, e eu me lembro que quando eu fui falar com a minha psicóloga eu falei isso para ela, eu falei que tinha vergonha de falar porque eu me sentia culpada, e ela me perguntou porque eu me sentia culpada, porque começou, foi um tio dos meus primos, em um momento que ele estava um pouco mais afastado da casa, ele me chamou, eu estava de saia e ele me perguntou se a minha mãe tinha passado talco em mim, e eu falei que não, e mesmo eu falando não ele quis confirmar, e eu deixei, e isso me trouxe muita culpa depois, e foi um fato que eu não quis falar, porque eu sabia que minha mãe não tinha passado talco, então por que eu deixei ele ver? Então fica uma coisa muito difícil para gente lidar, fora do trauma que isso trás, fora tudo que isso acarreta na vida da gente como adolescente, como mulher, então foi uma coisa que eu guardei muito para mim, e eu só consegui me libertar um pouco disso, porque contanto isso para minha psicóloga ela me falou assim “Kelly, você fala isso hoje porque você tem 40 anos, e você consegue entender, porém na época você tinha 7, você era uma criança, você não tinha maldade, você não conseguia se defender, então foi uma coisa natural para você naquela época, não se julgue pelo que aconteceu naquela época”, e foi onde eu consegui me libertar disso que eu trazia há tantos anos escondido, e que me fazia tão mal, e onde eu pude perceber o quanto isso atrapalhou o meu relacionamento com o meu primeiro marido, o quanto me atrapalhava em todos os sentidos, como mulher, e eu acabei percebendo mais quando eu tive a minha filha, porque depois desse episódio, apesar de eu ser criança na época, eu nunca mais usei saia, eu peguei um trauma de saia absurdo, então eu usava vestido longo, muita calça, shorts, mas nunca mais eu usei saia, e com a minha filha foi a mesma coisa, a minha filha tinha 3 anos de idade e não conhecia o que era uma saia, e quando eu colocava um vestido nela, eu colocava bermuda, colocava um monte de coisa por baixo, então ela já estava habituada, que se ela estivesse de vestido, ela estaria com uma bermuda por baixo, teve um episódio em que eu estava trabalhando e ela estava na creche e me ligaram de lá falando que ela estava chorando muito, e não estavam entendendo porquê, era um dia de festa na creche, e ela começou a chorar logo após o banho, a Debora sempre foi uma criança super comunicativa, e ela não conseguia falar porque ela estava chorando, e eles estavam achando muito estranho, e eu também fiquei sem entender, como a gente sempre tem um vínculo muito grande com os filhos, também não consegui entender, e eu fui até lá, como era dia de festa, iam dar banho nas crianças de tarde para poder todos ficarem bonitos, e eu mandei um vestido para ela enrolado em uma bermuda, e lógico que as professoras não entenderam o porquê da bermuda e vestido, e deram um banho nela e colocaram só a calcinha e o vestido, e ela começou a chorar muito, quando eu cheguei na creche eu fui até ela, ela me abraçou chorando muito, e falou assim “Mamãe, olha o que fizeram comigo”, eu falei “O que fizeram com você?”, “Me colocaram um vestido sem a bermuda, eu não posso ficar assim”, e isso doeu eu mim, quando ela me falou isso eu pensei, senhor, o que eu estou fazendo com a minha filha? Eu estou trazendo para vida dela uma coisa que aconteceu lá atrás, coisa que eu não consegui resolver, e foi a época que eu percebi que eu precisava me libertar de tudo isso, procurei ajuda na época, e a partir de então comecei a ensinar a minha filha que podia usar um vestido sem bermuda, foi muito difícil, mas comprei saia para minha filha, não consigo usar até hoje, esse trauma eu ainda não venci, mas já consigo usar vestido confortavelmente, e foi um fato triste que aconteceu nessa casa que vivia cheia de gente, uma casa alegre, uma casa que sempre foi vista como a casa dos sonhos, porque no natal a família sempre reunida, muitas guloseimas, muitos presentes, páscoa meu tio normalmente mandava fazer um ovo grande, que naquela época era tudo tão normal, que para poder quebrar o ovo a gente martelava o ovo de tão grosso que era, eu e meus primos se divertíamos muito com tudo isso, então foi uma casa que me trouxe muitas lembranças gostosas, muitos momentos de prazer, porém que me trouxeram momentos que não foram tão agradáveis, e que me fez sofrer, que me fechar para muita coisa, mas eu vivi lá até os 15 anos.
P/1 - Seus pais moravam com você nessa casa?
R - Moravam, meu pai trabalhava em São Paulo, só ele trabalhava, e foi uma época muito difícil financeiramente, e a minha família toda tinha salão para cá, e convidaram meu pai para vir e trabalhar junto, meu pai acabou fazendo curso, foi trabalhar no salão de um tio meu, e depois ele acabou adquirindo o próprio salão dele na rodoviária, então eu vim com a minha família para cá, foi difícil, porque até então eu nunca tinha saído de São Paulo, convivia com a minha avó e uma tia, que eu tenho muito carinho também, ela foi a pessoa que praticamente me criou em São Paulo, a minha tia Marli e meu tio Osvaldo, eles não tinham filhos na época, então eu sempre fui o xodó deles, eu lembro de muitas coisas prazerosas que nós fazíamos juntos, então a minha vinda para cá foi muito triste, eu queria ficar lá, e eu acho tão gozado, porque eu lembro que eu falei para minha tia que eu queria ficar morando com ela, e ela falou que não podia, porque eu tinha minha mãe, a minha mãe ia sentir muito, e depois que aconteceu tudo isso comigo eu pensei, ai meu deus, por que eu não fiquei com a minha tia? A gente sempre quer arrumar soluções para tudo, mas a vida seguiu, e eu tive uma adolescência gostosa, tinha muitas amizades, com 12 eu já comecei a ajudar meu pai, e com 15 anos meus pais se separaram, foi onde nós mudamos.
P/1 - E vocês moraram todos nessa casa até a separação?
R - Sim, um pouco antes nós chegamos a mudar para Votorantim, meu pai queria uma casa própria, e achou um bom lugar lá e comprou esse imóvel, e foi bem no processo da mudança e tudo que meus pais acabaram se separando, então quando eles se separaram nós já estávamos em Votorantim, fazia pouco tempo que nós tínhamos saído daqui de Sorocaba, foi muito triste para mim essa história, porque eu era muito apegada ao meu pai, eu tenho um irmão, e minha mãe sempre foi apegada ao meu irmão, e eu era com meu pai, e meu pai saiu de supetão da casa, deixando os filhos, deixando família, então não foi fácil, passei por muitas situações difíceis, eu tinha 15 anos na época, minha mãe entrou em depressão, meu irmão também, ninguém trabalhava, o sustento vinha todo do meu pai, e meu pai tinha ido embora e a gente não sabia para onde, não tínhamos contato, então realmente vivemos um período por ajuda dos parentes e tudo mais.
P/1 - Continuaram em Votorantim?
R - Continuamos, e eu fui para luta, fui trabalhar e sustentar a minha casa com 15 anos de idade, foi um período muito difícil, eu via a minha mãe e meu irmão sofrendo muito, e eu chorava escondida, eu sempre fui uma criança de buscar muito a Deus, e nessa época eu lembro que eu ia muito na igreja, e eu conversava muito com Deus, e eu chorava muito lá, erguia meu rosto e voltava para casa muito bem, e chegava e tentava agilizar todas as coisas, com 16 para 17 anos comecei a namorar, foi o primeiro amor da minha vida, porém com toda a história de vida que eu tive, na realidade eu acho que eu precisava de alguém que cuidasse de mim, e ele cuidou, ele foi meu pai, minha mãe, foi meu amigo, meu companheiro, meu marido, meu homem de verdade, porque eu lembro que na época eu tinha muito medo, então tinha que casar, fazer tudo certinho, e foi meu companheiro mesmo.
P/1 - E ele conviveu com tudo isso?
R - Então, um dos meus grandes erros foi não ter contado nada para ninguém, nem para o meu marido, então quando a gente se fecha, quando a gente não é sincero, nenhum relacionamento é verdadeiro, e foi isso que aconteceu com meu relacionamento, mas voltando um pouquinho antes, comecei a trabalhar com 15, sustentei a minha casa por um bom tempo e com 18 anos eu pirei, eu tinha começado a namorar, e eu acho que isso causou um pouco de ciúmes a minha mãe, de estar perdendo a filha, ou de achar que estava perdendo a filha, ela resolveu contar um pouco da minha história, e foi onde ela comentou que foi uma gestação muito difícil, ela não desejou, então ela fez com que ela rejeitasse, que ela tinha feito coisas para poder abortar, e que ela chegou até a ir em um lugar clandestino para ver se podia me abortar, e ela falou que até achou que tinha tido um aborto, porque sangrou muito, e ela só percebeu que continuava grávida porque a barriga cresceu e eu estava lá, como foi um momento muito difícil, ela não conseguiu dar o cuidado, ou amor necessário, não para a Kelly, mas para aquele bebê na época, e como eu fui uma criança que sempre gostei muito de criança, e sempre fui responsável e o meu sonho era ser mãe, isso pesou muito para mim, porque eu tinha uma ideia de mãe que dá a vida por um filho, e de repete a minha história era uma mãe que não queria de forma alguma a filha, e que fez de tudo para que não desse vida a essa filha, então isso, na parte da minha adolescência mexeu muito comigo, e eu acabei caindo em depressão, com os meus 18 anos eu fui internada, em uma semana eu perdi 11 kg, eu passei com os melhores médicos que tinha em Sorocaba, porque na época eu já estava namorando, e como o meu namorado acabou me abraçando realmente, eu lembro até hoje que a minha tia procurou ele perguntando se ele queria ajuda, porque era ele que comigo para cima e para baixo, e depois de um tempo minha tia me contou que achou bonito porque ele falou assim: “Eu sou responsável pela Kelly. Eu vou arcar com tudo”, e realmente, ele pagou os médicos, os exames, ninguém descobria o que eu tinha, até que me internaram porque eu fiquei muito debilitada, eu não conseguia dormir, tomava remédios fortes, eu fiquei internada em Votorantim no Hospital Santo Antônio, naquela época tinha muita freira, muita madre, então elas ficavam um bom tempo conversando comigo, tentando me acalmar, mas era uma solidão que eu sentia, que eu não sabia de onde vinha, mas era uma coisa vazia, era como se eu não existisse, eu não tivesse vida, era tudo muito estranho, eu fiquei uma semana internada sem melhoras, até que apareceu um médico novinho, que tinha se formado creio que há pouco tempo, porque eu lembro dele bem jovem, em um plantão de domingo, ele foi me visitar no quarto, ver o que estava acontecendo comigo, e nós conversamos um pouquinho, eu tinha 18 anos, e eu falo que Deus sempre coloca anjos na nossa vida, nos Hospital Santo Antônio, nos banheiros tinham um espelho que pegava a parede toda, e ele pediu para que eu fosse até o banheiro com ele, ele me fez olhar no espelho e ele falou assim para mim “Você tem 18 anos, você é uma jovem linda, tem um futuro brilhante na sua vida, o que você está fazendo com a sua vida? Eu não posso, mas eu vou te dar alta, eu vou deixar o meu telefone com você, e você vai embora daqui, e você vai viver”, perguntou se eu tinha alguém que pudesse estar comigo, cuidar de mim, falei que tinha meu namorado, ele ligou para o meu namorado vir para o hospital, explicou toda a situação, perguntou se a gente tinha condições de viajar, porque o ideal seria eu sair do hospital e viajar, que o que eu estava tendo era um quadro de depressão, e que após a viagem ele já ia deixar encaminhado para que eu procurasse um psicólogo e começasse a me cuidar, mas que ali não era lugar para mim, e ele viu um brilho no meu olho que eu não estava conseguindo enxergar, uma porção de vida muito maior do que tudo que estava acontecendo, e eu saí daquele hospital pela misericórdia de ele ter olhado para mim, ter percebido não uma paciente, mas a Kelly, e realmente, nós marcamos uma viagem, eu fui para o Pantanal, um lugar maravilhoso, eu amo a natureza, meu namorado já sabia disso, ficamos 8 dias no Pantanal, curtimos muito, aproveitamos muito, realmente melhorou muito, voltei e já procurei um psiquiatra e comecei a fazer tratamento, então realmente, o meu primeiro marido foi tudo na minha vida.
P/1 - Qual o nome dele?
R - João Fadini, e a família dele também, que me acolheu de uma forma maravilhosa, tenho muito carinho por eles até hoje, porém como eu disse, pelo meu histórico de vida, por tudo que eu passei, e eu não consegui falar sobre tudo o que tinha acontecido comigo, infelizmente eu também não consegui ser mulher, era uma boa companheira, uma boa esposa, mas eu não consegui me soltar como mulher, me entregar como mulher, e eu era apaixonada por ele, ele era muito lindo, eu sempre falava isso para ele, mas realmente eu tinha essa grande dificuldade.
P/1 - E você não contou para ele o porquê?
R - Não contei, ele foi meu primeiro namorado, eu fui a primeira namorada dele, ele acabou sendo meu primeiro homem, eu fui a primeira mulher dele.
P/1 - Vocês eram próximos de idade?
R - Éramos, ele era um ano mais velho que eu, e eu percebia que de uma certa forma ele achava estranho algumas atitudes minha, algumas coisas que eu tinha, ele até comentou comigo uma vez, eu falei que não, que era impressão dele, ele não quis entrar muito em detalhe, então isso nos prejudicou muito, como eu também tinha passado por um momento de depressão, eu tomava muito medicamento na época, então eu tive uma certa sonolência, e meu marido estava todo com um pique, e a esposa já querendo dormir, e coitado, eu falo que ele foi um homem de garra, foi um homem que aguentou firme todos os momentos, porque ele passou por momentos muito difíceis comigo e foi companheiro mesmo, até que não deu certo, e nos separamos, foi muito dolorido para mim, porque eu amava muito ele, mas toda a minha história passada falava mais alto, e eu não consegui ser sincera, não consegui falar o real motivo, e até hoje ele não sabe de nada.
P/1 - Ele mora em Votorantim?
R - Mora. E meu casamento acabou terminando com 4 anos e meio de casada, tenho muitas lembranças boas, foi o casamento dos sonhos.
P/1 - Conta um pouquinho como foi.
R - Eu sempre sonhei com aquele vestido gigantesco, e eu queria sapato dourado, e eu lembro que meu vestido foi feito em Itu, e a costureira que fez esse vestido falava para mim: “Não vai aparecer o seu sapato”, porque estava muito difícil achar, mas eu queria um sapato dourado, você não está entendendo, em algum momento o meu sapato dourado vai aparecer, foi uma luta mas conseguimos o sapato dourado, ele não apareceu em momentos da cerimônia, em momentos de festa, mas quando eu sentei e relaxei, o fotografo veio e tirou uma foto, e eu achei linda porque ficou natural, eis que me aparece o sapato dourado, e foi uma felicidade, eu me realizei naquela foto, tenho ela guardada com muito carinho ainda, e fiz questão de mostrar que apareceu meu sapato dourado, foi um sonho, um casamento muito desejado, muito planejado, com todos os detalhes, e eu pude estar curtindo muito isso. Como já tinha acontecido tudo aquilo comigo quando eu era menina, era como se eu sentisse que eu não era mais pura, e eu não quis um vestido branco, as pessoas estranhavam, perguntavam porque eu não queria, toda nova sonha com isso, mas realmente eu não me senti à vontade, meu vestido foi champanhe, mas ele ficou muito bonito por sinal, eu quis um crucifixo enorme, e o meu buquê foi de rosas amarelas.
P/1 - O crucifixo ficava onde?
R - Eu coloquei na mão, na realidade eu peguei um terço, eu enrolei ele no buquê, e ele ficou todo caído na frente, porque eu não tinha mais meu pai comigo, e eu não quis que ninguém me acompanhasse se não fosse meu pai, então na minha cabeça eu estava com Deus, eu queria entrar com o meu pai, meu pai da vida toda, e eu lembro que quando eu fui escolher o buquê eu falei que queria rosas amarelas, e ele achou muito interessante, ele falou assim “Olha, ou as pessoas amam amarelo, ou odeiam amarelo, certeza que você quer ele com rosas amarelas”, e eu confirmei, e ficou lindo.
P/1 - Você lembra porque você queria aquelas rosas?
R - Eu acho que eu sempre gostei muito de ouro, porque sapato dourado, meu vestido foi todo com pedraria dourada, e as rosas amarelas, eu acho que eu queria brilhar, eu sempre quis brilhar na minha vida, pelo menos no dia do meu casamento, e eu consegui, cá entre nós eu fiquei uma noiva linda, e acho que foi isso, é uma cor que eu gosto muito, gosto principalmente de rosas, o amarelo me atrai muito nas flores, eu acho muito bonito, sou apaixonado por tulipa, então amarelo sempre foi o que me chamou atenção.
P/1 - E você entrando? Me conta a sua sensação.
R - Olha, foi muito difícil, eu cheguei até a porta da igreja tremula, passando mal, eu não tinha comido nada o dia todo, várias coisas envolveram esse momento, o fato de o meu pai não estar presente, o fato da minha história de vida, tanta coisa, eu delicada, que estava também, porque eu tinha melhorado muito da depressão, mas eu ainda era dependente de remédios, e tudo mais, e como sempre Deus coloca anjos na vida da gente, na época eu tinha uma psicóloga, que as psicólogas não se envolvem muito com os seus pacientes fora do consultório, e eis que chego na porta da igreja toda nervosa, e quem está me esperando é a minha psicóloga, ela me arrumou, arrumou meu vestido, arrumou o buquê na minha mão, e ela falou para mim que queria que eu entrasse poderosa, e quando e porta se abriu eu entrei poderosa, eu entrei sorridente, eu entrei feliz e poderosa, e foram momentos que me marcaram muito, foi muito bom esses 4 anos e meio de casamento.
P/1 - Quantos anos você tinha quando você casou?
R - Eu já tinha 24 anos, porque como eu era perfeccionista e meio detalhista demais, eu achava que o nós tínhamos que ter a nossa casa, ter um emprego estável, nosso carro, nossa independência, para então poder casar e ter uma vida em ordem, me arrependo um pouco disso, confesso, não precisa de tudo isso, a gente se constrói junto, mas eu era imatura na época, e não pensei nisso, hoje eu penso como eu gostaria de voltar naquela época com a maturidade que eu tenho hoje, com a experiência, como não é possível, a gente tenta acerta agora em diante, mas não acertei, como sempre, eu fiquei sozinha, ele me deixou muito bem estabilizada, inclusive essa casa foi ele que me deixou, eu quis sair de Votorantim, foi quando eu saí de lá e voltei para Sorocaba em 2003, ele pediu para que eu escolhesse o lugar onde eu queria morar, nós éramos católicos na época, e eu quis aqui, por ser um bairro tranquilo, a igreja está bem próxima a minha casa, um lugar que eu já conhecia, eu morei na Vila Hortência, então aqui é bem próximo, e eu me apaixonei pelo lugar, porém não tinha uma casa nova na época, era um bairro muito antigo, e como o carinho e o amor não tinham acabado, ele comprou uma casa velha, demoliu e construiu uma casa nova para mim, ele fez tudo para que me deixasse bem, e eu vim para cá, morei sozinha por 5 anos, e a solidão sempre me perseguindo, queria muito ter filhos, queria muito ter uma família, queria muito construir a minha vida novamente, e a gente apressa demais as coisas, a gente toma caminhos que não deveria, acabei casando novamente, não me arrependo, na época eu estava apaixonada, era uma pessoa da igreja, nessa época que eu fiquei sozinha eu entrei na depressão novamente, e foi um pouquinho pior, porque eu tive a síndrome do pânico, e era uma luta muito grande, porque eu vinha para minha casa e eu tinha pavor de ficar aqui, a minha casa sempre foi muito aconchegante, as pessoas se sentiam muito bem nela, e realmente eu sentia uma paz muito grande na minha casa, mas nessa época era uma coisa tão ruim, eu chegava e me sentia mal, era uma solidão tão grande, eu lembro que eu passava muito mal, eu chegava a desmaiar, e depois eu acordava sozinha, foram momentos bem difíceis para mim, até onde eu conheci essa pessoa, e por tudo isso que eu estava passando, eu me envolvi muito rápido, ele também já era separado, não tinha tido filhos, também estava em busca de constituir uma família, na época eu tive uma experiência muito grande com Deus, uma vez eu briguei com Deus, e falei que ele me tirou tudo, meu pai, fez com que a minha mãe falasse que nunca me quis, tirou o marido da minha vida, a pessoa que era tudo para mim, briguei, e fui entender o que era aquilo que as pessoas falavam que era toque do espírito santo, e fui sentir a presença de Deus realmente, foi sentir Deus me pegando no colo e falando que ele que é tudo na minha vida, que me quis, me formou, eu sou dele, e eu acordei, perguntei o que estava fazendo, que eu estava fazendo tudo errado, e eu mudei para uma igreja evangélica.
P/1 - Foi a primeira vez que você participou de uma igreja?
R - Foi, porque parece que tudo aquilo que eu tinha vivido não fazia mais sentido, foi tão interessante, eu queria buscar Deus de uma forma mais intensa, de uma forma mais única, e eu consegui encontrar isso na igreja evangélica.
P/1 - Esse momento que você falou que sentiu o toque do espírito santo, você pode descrever como foi essa sensação?
R - Foi muito interessante, como eu fiquei sozinha e fiquei em um momento delicada da depressão.
P/1 - Você se tratava com remédio?
R - Me tratava, e eu falo assim que as pessoas buscam Deus na dor ou no amor, a maioria busca na dor, apesar de sempre ter uma religião, muito interessante porque meus pais não participavam, mas desde pequena eu ia na igreja, sempre fiz questão de ir, fiz crisma, eu sempre busquei muito a Deus, mas no momento eu senti um vazio dentro de mim, quando eu achei que eu perdi tudo que eu tinha na minha vida, foi onde eu busquei Deus verdadeiramente, pela dor, e eu comecei a fazer o que se chama de escolinha da madrugada, é uma professora, que já tem um certo estudo na palavra de Deus, que ela dá aula sobre a bíblia na igreja católica, e era muito interessante, hoje mudou muito, já fazem 11 anos que eu saí da igreja católica, mas naquela época a gente não usava bíblia, era muito a liturgia em si, então você já pegava um papel meio que pronto, e você acabava não estudando a palavra de Deus, e ela já estudava a palavra de Deus, e foi interessante, porque eu comecei a estudar a palavra de Deus, e eu não entendia nada, porque tudo que eu tinha aprendido era totalmente o que ao contrário do que falava na palavra de Deus, e eu comecei com as minhas perguntas, tenho um enorme carinho pela igreja católica, muita coisa eu aprendi lá, mas eu comecei a ter os meus momentos, e minhas perguntas, e eu cheguei nessa professora e comentei com ela que não estava me sentindo bem, me sentindo mais inteira, me sentindo mais em casa, parecia que eu estava com uma sede de algo que era muito maior, e eu lembro que ela me olhou com um sorriso muito grande e falou “Eu acho que você tem que ir em busca do que você está querendo agora”, e eu falei que eu estava querendo mudar, e ela perguntou para onde, e eu disse que tinha andado visitando algumas igrejas evangélicas e eu gostei muito da batista, e ela olhou para mim e falou “Vá em paz, a Igreja Batista é uma igreja antiga, fica em paz, vai servir o senhor onde ele te chama”, e eu falei para ela “Você sem católica, você tem falar isso para mim de boa”, e ela falou para mim “Kelly, o senhor usa as pessoas onde elas tem que ser usadas, o senhor me usa aqui, talvez ele queira te usar em outro lugar”, e eu recebi isso com o maior carinho, e foi nesse exato momento que eu saí da igreja, eu peguei meu carro e comecei a brigar com o senhor, dirigindo, subindo a Luiz do Patrocínio, que é uma avenida em Votorantim, e falando “Espera ai senhor, eu perdi meu pai, que eu achava que me amava, minha mãe vem e me conta toda a história, depois eu caio em depressão, tenho uma pessoa que me acolhe como pai, como mãe, como amigo, como irmão, como marido, é tudo para mim e o senhor me tira, eu estou te buscando na igreja católica, arrumo uma pessoa que me ensina da sua palavra, e agora estou sem chão de novo porque não é lá que eu me sinto inteira, o que o senhor está fazendo comigo? Porque não é possível, o senhor tirou meu chão, tirou a minha vida”, e foi onde o senhor falou assim para mim “Kelly, eu sou tudo na sua vida”, e quando eu pude escutar isso no íntimo do meu coração, eu lembro que eu estava subindo a avenida e eu parei e comecei a chorar, e eu não tinha palavras, porque realmente foi o momento que acho que eu pude escutar o senhor falando comigo, foi o momento que eu estava aberta e eu pude escutar o toque de amor, de carinho, de cuidado que ele teve uma vida inteira comigo e até então eu não tinha percebido, e foi dessa forma, é meio louco, para muitos é louco, só quem passa pela experiência para saber, e foi esse momento que eu tive com Deus, e que transformou minha vida toda e me fez ser essa pessoa que eu sou hoje em dia, com os meus sonhos realizados, uma pessoa de bem com a vida, uma pessoa alegre, sempre sorridente, uma pessoa que tem muito amor para dar, graças a Deus, esse foi um momento muito importante na minha vida. Mas como sempre a gente não espera o tempo de Deus, a gente atropela as coisas, e lógico, agora eu tinha Deus, mas eu podia ter uma família? Vou arrumar um marido, vou casar, tudo bem para o senhor? E eu nem esperei a resposta dele, e um ano depois eu estava casada, casei, não me arrependo, eu estava apaixonada na época, nós tínhamos o mesmo sonho, ele era da minha igreja também, então foi isso, você vive sozinho, eu vivo sozinha, então vamos casar, foi muito interessante, mais uma vez eu não contei a minha história, como a gente peca, casei sem falar nada, mas eu casei com um objetivo na minha vida, ter filhos, meu sonho era ter filhos, eu sempre sonhei em ter filhos, em dar muito amor, muito carinho, sempre sonhei com aquela barriga linda, maravilhosa, sempre sonhei em amamentar, e esse era o grande desejo da minha vida, para isso eu preciso de um homem, então vamos casar, e casei com esse objetivo, 1 ano e meio e nada de ter filhos, procurei um médico, já estava com 35 anos e não era mãe ainda, e o meu médico falou para mim “Kelly, nós vamos realizar alguns exames para poder ver o que está acontecendo, se o problema é com você, se é com seu marido”, e nós fomos fazer os exames, e infelizmente eu tinha as duas trompas obstruídas, eu chorei muito na época, e ele falou assim para mim “Olham existem duas formas, ou você adota, já que você quer muito ser mãe, ou a gente tenta fazer uma cirurgia, que não é garantido, mas que é uma possibilidade, para você saber que você fez o que você pode”, eu cheguei, conversei com meu marido, ele falou que não queria adotar, isso me doeu muito, porque por mim eu já adotava logo 3, que o amor ia ser igual, mas ele não se sentia bem com isso, então eu optei por tentar a cirurgia, e mais uma vez eu entrei no banheiro na hora do banho, eu liguei o chuveiro e eu chorei muito, falando com Deus de novo, na época eu tinha feito APEC que é para você pode evangelizar crianças, então eu fiz dois anos de curso, e eu chorei, falei “Senhor, o senhor sabe que o meu sonho é ser mãe, o senhor sabe que meu sonho era ter uma barriga enorme, amamentar, por que o senhor está fazendo isso comigo? Hoje em dia eu te conheço, mas acalma meu coração para que eu entenda o que está acontecendo”, eu lembro que eu nem tomei banho, eu me agachei no box do banheiro, deixei a água cair no meu corpo e fiquei chorando por um bom tempo, levantei, e a vida segue, fui no médico pegar toda a papelada dos exames para que eu pudesse realizar para poder marcar a cirurgia, e eu comentei com ele “Eu estou achando tão estranho, eu sou uma pessoa tão certinha no meu ciclo menstrual e não sei se é ansiedade, não sei o que é, mas está atrasado para mim, não sei”, ele falou “Não custa nada pedir o exame de gravidez junto com todos esses que você já vai fazer”, fiz todos os exames, claro, a gente tem aquela curiosidade de ficar abrindo tudo, e vendo tudo, e é uma coisa tão difícil de aceitar, que mesmo eu vendo, eu não conseguia entender o resultado do exame, eu olhava para aquilo, eu via o resultado, e eu simplesmente não entendia, eu ia demorar para ir no médico, mas achei que tinha alguma coisa errada acontecendo, tirei uma foto do exame e mandei para o médico, falei “O que é isso?”, ele me manda a resposta “Que isso? Você está grávida”, eu não acreditei, então assim, é uma loucura muito grande, quando acontece um milagre na sua vida, você viaja, aquilo não está acontecendo, não pode ser, está errado, é uma loucura sem explicação, e é fui fazer os exames, ultrassom, e o bebê estava ali, eu já estava grávida de quase dois meses, e foi minha maior realização, o meu maior milagre, e perceber o toque do senhor novamente na minha vida, foi um momento muito mágico para mim, e um momento muito difícil, no terceiro mês de gestação eu comecei a ter sangramento, tudo que eu fazia, qualquer tipo de esforço, eu fui ao médico, nós fizemos um ultrassom mais especifico, e apareceu um mioma, que se desenvolvei muito rápido e crescia mais rápido do que a neném, e o médico olha para mim e fala “Kelly, você vai abortar. É muito cedo, é uma gestação muito nova ainda, o mioma está se desenvolvendo muito rápido, e ele vai impedir com que o feto se desenvolva, vai pressionar o seu útero, infelizmente vai acontecer o aborto, então eu quero que você se prepare para isso, a princípio você não vai fazer nada, eu quero você se repouso, vamos tentar segurar o máximo que a gente conseguir”, e eu sou meio teimosa, e eu pensei comigo “Senhor, a minha vida está na escola com aquelas crianças, eu não vou conseguir ficar em casa em repouso passando por um momento tão difícil e delicado como esse, se o senhor permitiu que eu estivesse grávida, um propósito tem na vida, então a minha vida vai ser normal”, evitei, não pegava uma jarra de água na mão, era extremamente cautelosa, demais, virei uma dondoca, não fazia mais nada, não pegava mais nada, porém tive a minha vida normal de trabalho e tudo mais, nessa época eu já dava aula para as crianças na igreja, então pedia oração para as crianças, pedir oração para os irmãos, e graças a Deus passou o período de risco e o bebê continuava lindo e maravilhoso na minha barriga, eu tive um médico que eu admiro muito ele como profissional, ele me atendeu frequentemente, todas as consultas ele fazia ultrassom porque ele sabia que eu amava ver a minha bebê, e meu sonho sempre foi ter uma menina, eu acho que até para resgatar um pouco da minha história, porém, quando a gente deseja muito, o medo também faz com que tome conta, então eu pensava que não era menina, e era menino, então eu tentei trabalhar comigo que era menino, assim eu não ia me decepcionar tanto, as pessoas me perguntavam o que eu achava que era e eu falava que era menino, não dava para ver sexo ainda, até que eu fui fazer para poder ver qual era o sexo e o médico falou que era uma linda princesa, e quando ele me perguntou como ia chamar eu falei Debora, Debora para mim é um nome muito forte, é o nome de uma guerreira, de uma profetisa na bíblia, o nome de uma mulher que superou muita coisa naquela época, e eu sempre fui apaixonada por esse nome, não pensei duas vezes, porém foi muito engraçado, porque apesar de eu ter escolhido o nome dela por tudo isso, o significado de Debora é abelha, e eu não tinha gostado muito, então eu juntei o útil ao agradável, a Debora que eu gosto, e a Cristina do meu nome, porque Cristina significa ungida por Deus, e eu decidi que ia ser Debora Cristina, eu fiquei com uma barriga imensa, todo mundo falava que era gêmeos, um seio lindo cheio de leite, até que estou no Extra de Sorocaba, cobrando bolo e refrigerante em um domingo antes do almoço para levar na igreja a noite e comemorar os aniversariantes do mês com as crianças e começo a sentir uma cólica, uma dor, e aquilo começou a me incomodar, eu andava para lá e para cá, até que uma senhora percebeu e perguntou o que estava acontecendo, eu falei que estava com muita dor, muita cólica, ela me levou até um lugar para sentar, me falou para sentar, me perguntou se eu tinha alguém para ligar, porque era normal, eu já estava com 6 meses, mas eu estava incomodada de ficar sentada e fiquei em pé de novo, quando eu fiquei em pé escorreu tudo pelas pernas, falei “Pronto, estourou a bolsa, essa neném vai nasceu, mas como vai nascer? Não estou preparada” e nisso o Extra todo veio me socorrer, chamou ambulância para ir para o hospital, uma pessoa do Extra teve que me acompanhar porque eu não podia sair de lá sozinha, e a moça segurava na minha mão falando para não ficar nervosa, e eu estava nervosa sim por saber que eu estava com 6 meses de gestação e de repente ter que forçar um parto, então lógico, a gente fica naquela agonia toda, você deseja tanto, passa por todas aquelas coisas e mais isso, é demais, mas enfim, cheguei no hospital, fizeram ultrassom correndo, foi até interessante porque foi um domingo, na hora do almoço, e claro, estavam enfermeiros nesse dia, e me levaram para o quarto e daqui a pouco vem a médica toda sorridente e eu pergunto do bebê, e ela fala “Fique tranquila, a sua neném está muito bem”, e os enfermeiros já vieram todos para perto de mim com um sorriso no rosto, falei que não era possível, alguma coisa estava acontecendo, até que ela fala “Então Kelly, sabe o que acontece? Você fez xixi”, falei “O que? Como assim eu fiz xixi?” e ela concluiu “Apareceu dois cálculos renais e você teve cólica de rim, e o cálculo renal andou, e você deve ter sentido uma dor muito intensa, e sem perceber você urinou, então o liquido que escorreu de você não foi a bolsa que estourou, a neném está linda no teu útero, você fez xixi”, e imagine, graças a Deus eu sou uma pessoa super descontraída, já comecei a rir e falei “Nessa idade fazendo xixi na calcinha, ninguém merece, vocês não vão contar isso para ninguém”, e acabou sendo a diversão naquele hospital em pleno domingo 2 da tarde, correndo para o hospital achando que estava tendo o bebê quando só tinha feito xixi, e depois tive que contar isso para a pessoa que veio comigo do Extra, que eu fiz simplesmente xixi, e estava muito engraçado, mas também muito dolorido, porque a partir daí eu comecei a ter muita cólica, e os médicos falavam para eu tentar controlar, como se a gente conseguisse controlar dor, por ter muita contração e a Debora querer nascer antes do tempo realmente, e eu já tinha o histórico do mioma, e foi um sufoco, muita cólicas, idas para o hospital. Eu estava com 8 meses de gestação e as cólicas ainda persistindo, tomava remédios fortes para as cólicas, e o médico achou melhor me internar para que eu pudesse expelir a pedra que estava no caminho e já parar aquelas dores terríveis, nunca tomei tanto liquido na minha vida, fiquei dois dias internadas, mas conseguimos eliminar a pedrinha e pude seguir com a minha gestação até os 9 meses previstos, eu fui ao médico, e como sempre nada é do jeito que a gente combina, o médico marcou a minha cesárea para o dia 24, ele estaria acompanhando e fazendo o parto, e tudo bem, e eu não podia ter um parto normal devido ao mioma porque podia causar uma hemorragia, então ele não podia deixar que acontecesse nada que pudesse vir a dar uma cólica, alguma coisa, eis que estou em casa, maravilhosa, comendo fígado, porque eu amo fígado, levantei, fui ao banheiro fazer xixi, escovei meus dentes, e tinha alguma coisa errada acontecendo, estava tendo hemorragia, liguei para o médico correndo, e ele me mandou correr para o hospital, chamei o meu irmão de imediato e fomos para o hospital eu, meu irmão e minha mãe, cheguei no hospital junto com o médico, por isso que eu falo que foi uma benção na minha vida, um médico que não cobrou nada e que esteve presente em todos os momentos, chegamos, ele já foi me atender e disse que íamos precisar fazer o parto, aí vem o anestesista e fala “Devido você ter almoçado, você vai ter um incomodo com a anestesia, mas eu estarei aqui do lado, fique tranquila, em todos os momentos eu vou estar aqui, vai te dar um pouco de mal estar, mas é coisa que passa, é coisa leve, não se preocupe”, e aquele sonho maravilhoso que você tinha de querer ver, apesar de não conseguir muito ver, mas de acompanhar, pelo menos estar bem, eu nunca passei tão mal na minha vida, achei que eu fosse morrer naquela hora, que desespero, eu me senti tão mal, e ele falava para mim “É reação, não se preocupe, eu estou aqui, vai passar”, gente, foi horrível, hoje em dia eu entendo porque eles falam para gente fazer jejum, tive uma experiência muito amarga com isso. A Debora nasceu, aproveitamos e já fizemos a cirurgia do mioma, então eu tive duas cirurgias, e trouxeram e Debora para mim, e lógico que mãe tem olho clínico, olha e vê a criança inteira, e eu percebi que tinha algo errado, mas ao mesmo tempo em que eu percebi, eu pensei comigo senhor, o senhor sabe de todas as coisas, eu senti uma paz tão grande naquele momento, que quando a médica veio com ela e falou para mim “Mãe, não se preocupe, ela nasceu com os pés tortos congênitos, mas isso tem cura, é só começar a fazer o tratamento desde já”, beijei, amamentei, fiquei realmente muito tranquila, fiquei um pouco mais, porque eu tinha que terminar toda a cirurgia, passando mal, aguentando firme, tive um pós cirúrgico bem complicado, porque aquilo que o anestesista falou que ia passar logo levou uma eternidade para passar.
P/1 - Enjôo?
R - Olha, nem sei te dizer, era enjôo, misturado com tremor, com palpitação, misturado com taquicardia, com falta de ar, é um mal estar muito complicado, eu falo que foram as horas mais difíceis, porque apesar de tudo, de toda aquela adrenalina, daquela emoção de ter tido um bebê, a coisa mais importante da sua vida, o mal estar é tão grande, que nessas horas eu percebi o quanto é importante uma pessoa do seu lado segurando a sua mão, porque tudo o que eu queria naquele momento era ter alguém do meu lado segurando a minha mão, não importava se fosse a enfermeira, o médico, qualquer um que estivesse naquele momento, mas estivesse segurando a minha mão, porque a sensação de partir é tão grande que causa um medo, um desconforto, um desespero, é terrível, eu lembro uma vez na Capelania, que é um curso que você faz para poder visitar os doentes no hospital, e eu lembro que o que eles mais ensinam é segurar na mão do paciente, as vezes você não precisa falar nada, simplesmente segurar na mão, e eu pude perceber o quanto é importante realmente, porque é uma sensação tão horrível, que parece que você precisa que alguém esteja lá com você, depois disso quem precisar de uma mãozinha, eu estou com duas. Então foi difícil, eu tive a Débora 15 para as 15, e quando foi 20 horas eu para o quarto e já me levaram a minha bebê linda e maravilhosa, cheirosa, que já colocaram para amamentar, e que eu fiquei com ela a noite inteira amamentando, só porque eu falei que queria amamentar mesmo, e mãe de primeira viagem, a gente fica como a enfermeira coloca, a enfermeira manda colocar de ladinho, colocar a Debora aqui, e eu fiquei lá, nem respirava, e a enfermeira não voltava, a menina que só mama, será que ela vai se afogar? Será que eu posso me mexer? Foi a noite inteira desse jeito, mamou até não querer mais, a enfermeira vinha, eu comentava com ela, ela falava que estava certinho. Eu estava no quarto com mais 3, elas tiveram parto normal, então levantavam de boa da cama, eu cheia de dor, levantei com aquela dificuldade toda, tomei um banho, e veio a Debora novamente, e foi uma mistura de alegria e dor ao mesmo tempo, a Debora nasceu com os pés tortos, e realmente era bem torto, e afetou o quadril devido a isso, e é tão gozado o quanto o olhar do próximo atinge a gente, eu estava super feliz, porém chorando por dentro, e isso me incomodou tanto, a ponto de eu ter chamado a enfermeira, pedir para que ela retirasse a minha filha dali e trocasse a minha filha, era época de verão, e eu levei a roupa que eu queria que ela saísse da maternidade, e levei umas roupinhas bem frescas, e eu lembro que quando me trouxeram ela, trouxeram com um macacão curto, então ela estava bem à vontade, foi em um horário de visitar, onde tinham mais pessoas no quarto, e todo mundo olhava para mim e para minha filha, elas não conseguiam conversar, elas não conseguiam ver o próprio filho, elas não enxergavam nada a não ser a minha bebê, e aquilo começou a me incomodar de uma forma que não estava mais sendo prazeroso, eu lembro que eu chamei a enfermeira e pedi para que trocasse a roupa da minha filha e depois trouxesse ela para mim, realmente era uma coisa que chamava atenção, as pessoas não estavam acostumadas a ver, o médico falou que acontece isso 1 em 1 milhão, e tudo na minha vida é 1 em 1 milhão, mas tudo bem, então causou curiosidade nas pessoas, mas de uma certa forma, a gente já está tão delicada pós parto, preocupada, apesar de ter a confiança de que tudo vai dar certo, porque a gente se sente incomodada também, não quer que as pessoas fiquem comentando, então eu resolvi pedir para colocarem um macacão nela e me trazerem, e eu me senti mais confortável em poder estar curtindo a Debora, eu acho que meu desejo de amamentar sempre foi tão grande que a Debora veio toda gulosa, ela queria mamar, ela só ficava bem se estivesse grudada no peito da mãe, e eu fazia isso com todo o prazer do mundo, e eu vibrava com aquilo, para mim era o máximo estar amamentando, e saímos do hospital, a Debora muito bem, e a gente não tem noção das coisas que acontecem, eu lembro que com 14 dias a Debora teve a primeira consulta na pediatra dela, e quando eu cheguei lá eu achei estranho porque a pediatra não consultou a Debora, ela me consultou, porque ela olhou para mim e perguntou o que estava acontecendo, porque eu estava muito abatida, eu falei “Fazem 14 dias que eu não durmo”, ela perguntou porquê, eu falei “Porque a Debora mama dia e noite, ela mama, eu seguro ela no colo para que ela possa arrotar, e depois eu coloco ela no berço, e ela já quer mamar de novo”, e ela foi consultar a Debora e falou “Olha, a Debora realmente já está mamando muito, em 14 dias ela engordou um kilo, então é sinal que ela está te sugando bastante. Então faz o seguinte, você tem chuquinha em casa, você tem alguém que te ajude, então a partir de hoje você vai dar a última mamada as 10 da noite, você vai tirar na chuquinha, colocar na geladeira, e a sua mãe vai levantar para dar para ela, você precisa dormir”, e foi tão gozado, porque eu fiquei realmente 14 noites sem dormir, eu percebia que eu estava cansada, eu percebia tudo, mas era tão prazeroso estar com a Debora e amamentar, que não sei, fazia parte, e eu dou risada, porque eu tenho fotos amamentando a Debora e comendo na cama, a vontade de amamentar era tão grande, acho que mais do que ela de mamar, que eu não me importava com isso, mas graças a Deus eu pude amamentar a minha filha, e depois dos 14 dias eu consegui dormir também, tive uma noite mais tranquila, a minha mãe dava chuquinha para Debora, e então veio a parte difícil, nessa consulta a médica me explicou melhor como era o tratamento e me encaminhou para um ortopedista, e eu falo que na vida da Debora sempre está aparecendo anjos, desde quando ela foi gerada, nós procuramos o médico, e o médico me explicou que ela ia ter que usar um gesso até quase o quadril, que não ia ser dolorido apesar de ela chorar um pouco, porque eles são muito flácidos ainda, era a melhor época para poder fazer o tratamento, para que pudesse dar o resultado, que ela ia usar esse gesso durante 2 meses, ela ia tirar o gesso, depois ia usar uma prótese até os 4 anos de idade, e com 4 anos de idade ela ia fazer uma cirurgia, foi meio complicado saber que existia um tratamento, mas era um tratamento longo, mas vamos encarar, e a gente é despreparada de todas as coisas, fui eu com a minha filha na sala onde iam engessar ela, e eis que me toco que todo o enxoval que eu tinha feito para ela ia ser perdido, eu tenho uma coisa com pé de criança, eu sou apaixonada, e claro, eu comprei um monte de sapatinho, de meia, na igreja as irmãs fizeram aqueles sapatinhos de crochê, o que eu mais tinha no enxoval era sapato, e calça de macacão, de tudo quanto é cor, todo bordado, e eu me deparei com a minha filha com as duas pernas engessadas, com aquele gesso imenso, e a enfermeira que agora só podia usar vestido, ou blusinha, e eu não tinha nenhuma peça, eu não tinha o que colocar nela, eu tive que pegar a tesoura e cortar os macacões da Debora, então foi muito difícil para mim, foram sonhos, foram planos, e você fica feliz por ela estar ali mas com o coração sangrando porque não foi da forma que você sonhou, e você tem que remanejar tudo, e é interessante, porque as pessoas tendem a falar assim para você ficar calma, que isso vai passar, que é o de menos, mas naquele momento não é o de menos, naquele momento você comprou aquela roupa para ela usar, você comprou aquele sapato, e não era coisa de uma semana, era coisa de 4 anos, eu não iria poder colocar um sapato na minha filha durante 4 anos, durante 4 anos a minha filha não ia poder colocar um macacão, ela não ia poder colocar sandália, é 4 anos, não é 4 horas, não é 4 dias, então as pessoas as vezes não entendem a dor que a gente sente como mãe, foi um período muito difícil, porque além de tudo, tirava-se o gesso dela uma vez por semana, e colocava uma vez por semana, como a criança tem um desenvolvimento muito rápido, toda semana tinha que tirar o gesso e colocar de novo, como a criança ainda não pode usar aquele aparelho ideal para tirar o gesso, eu tinha que fazer isso na minha casa, na água, então ela ficava literalmente de molho por umas 2 horas até o gesso amolecer, até eu conseguir remover todo o gesso para levar ela no hospital e engessarem novamente, então foi muito difícil essa época, fora que as pessoas são curiosas, eu me deparei com pessoa que perguntavam se eu tinha derrubado a minha filha, o que eu tinha feito para ela quebrar as pernas, então é bem chato, eu ainda tinha que responder tudo isso, e de uma forma simpática ainda, é um processo muito difícil, mas eram momentos mágicos que eu tinha com a minha filha, eu acho que a gestação foi tão esperada, querida e amada, que eu me dediquei muito a Debora, então isso era uma realização para mim, talvez se ela não tivesse todos esses problemas do começo, eu teria acelerado a minha ida para o trabalho, eu teria feito as coisas que eu gosto de fazer, então foi uma forma onde eu pude curtir um pouco mais a Debora, pude deixar um pouco a minha carreira, eu sou artista plástica, eu pinto tela, eu faço flores, e foi onde eu deixei um pouco essas coisas, e realmente tive um olhar para Debora, e isso foi muito interessante para mim, porque eu venho de uma história onde eu não tive todo esse cuidado, então poder conseguir dar todo esse cuidado foi uma coisa que eu revivi a minha história, o cuidado que eu tive com ela, a maneira com que a gente se deixa, deixa a nossa vida para viver a vida do outro, e faz isso com amor, faz isso com prazer, com satisfação, e foi muito bom, e eu pude realmente curtir a minha filha durante 11 meses, e só voltei a trabalhar depois disso, então eu passei momentos mágicos com a Debora, momentos que não foram fáceis, mas que a gente se divertiu muito, eu como mãe, eu aproveitava esses momentos e tirava várias fotos, colocava sapatinhos, colocava meias, colocava tudo que eu havia comprado para ela de enxoval, e coitava de bebêzinha que não entende nada de tanto que a mãe tira e coloca roupa, eu judiava um pouquinho, mas de uma certa forma eu pude curtir tudo aquilo que eu tinha planejado, tudo aquilo que eu estava sonhando, eu sempre tirava o gesso no domingo, e levava ela no hospital só na segunda, então eu tinha um tempinho bem tranquilo para aproveitar da minha bebê com as coisas que eu queria. A Debora deu uma resposta muito rápida ao tratamento, realmente com 2 meses o gesso foi tirado e foi colocado uma prótese, eu tenho uma cicatriz da prótese dela, porque a gente não imagina o que é, e se depara com desafios na vida da gente, ela usava uma prótese que era uma botinha que ficava com os pés bem tortos, e tinha uma tala de ferro, e como essa tala tinha regulagem, ela tinha parafusos, tinha tudo, e logo no começo eu não me adaptava muito bem com aquilo, e pegava a bebê no colo, então eu vivia machucada por causa das barras de ferro, mas ela sempre foi uma guerreira, eu escolhi o nome dela muito bem, e ela foi vencendo todas as etapas, ela gostava muito de mamar, e eu gostava muito de amamentar, dava longos sorrisos quando eu cantava para ela, e vivemos momentos mágicos juntos, tirava foto do meu pé com o pé dela, contava umas histórias, e foram momentos mágicos na nossa vida, eu creio que isso também ficou na vida dela, e eu sei disso por hoje, a ligação que eu tenho com ela, o tipo de sentimento que uma tem pela outra é muito interessante, quando a gente vive isso desde pequeno com a criança, é um amor imenso. Com 11 meses ela foi para creche, e foi uma luta, porque mesmo voltando a trabalhar, eu não voltei o período integral, eu consegui minha licença Premium, invés de eu pegar o período todo de licença Premium, eu acabei pegando em meio período, então invés de ficar 30 dias em casa, eu fiquei 60 dias, e trabalhava no período da tarde, então ficava de manhã com ela e ia trabalhar de tarde, foi bom porque eu pude curtir ela mais um período, porém eu comecei e trabalhar, a mamãe tinha que tirar o leite, colocar na mamadeira, dar a mamadeira para ela, e ela conheceu a mamadeira, e ela já achava muito mais fácil a mamadeira, muito mais rápido, porque já ficava satisfeita rápido, e a mãe com aqueles peitos cheios de leite ainda, eu fui parar no hospital umas duas vezes porque empedrou o meu seio, e eu tinha que esgotar muitas vezes, e eu não queria parar de amamentar, mas até que chegou e não teve jeito, a Debora só mamava a noite, já não mamava tanto e queria mamadeira, e foi mais difícil para mim deixar de amamentar do que para Debora, porém o carinho era tão imenso, que até hoje eu percebo essa ligação forte com a lembrança dela mamar, tem dias que a gente está conversando, e ela vem, me abraça, e coloca o rostinho no meu seio e fala “Ai mãe, como era bom mamar em você, como era bom ter esse contato, eu lembro”, então é muito mágico isso, porque envolvia tanto sentimento na hora da amamentação, que eu percebo que ela sentiu todo esse envolvimento, e ela sente isso quando a gente tem alguma coisa mais próxima, a Debora é uma criança sensível, ela se emociona muito fácil, e eu percebo que nos momentos que ela não está se sentindo bem, a primeira coisa que ela procura é o meu colo, e ela encosta o rostinho dela no meu seio e isso acalma ela, então é prazeroso saber que tudo isso se tornou mágico e especial para ela, é um lugar onde ela se sente segura e aconchegante, e eu também. Ela começou a usar essa prótese, e o médico falou que ela não podia virar no berço senão a prótese ia prejudicar o joelho, como ela fica com as pernas aberta, ou ela tinha que ficar sentada ou com a barriga para cima, e a gente acaba ficando nervosa com essa situação e acaba não dormindo, porque a filha não pode se mexer, vai virar, tem que colocar o travesseiro no meio das pernas, e nós fazíamos revezamento em casa, uma noite pai, uma noite mãe e uma noite avó, então ficava a todo momento para a princesinha, se não ia virar, se não ia ter que ajudar.
P/1 - Com que idade que tirou a prótese e fez a cirurgia?
R - Não precisou fazer, ela usou a prótese até os 3 anos de idade, e foi onde nós tiramos. Ela não nasceu com dermatite atópica grave, começou a surgir quando ela tinha 1 ano e 2 meses, e depois de muito tempo que eu fiquei sabendo que era fundo emocional, eu comentava com a minha médica que eu percebia, com 1 ano de idade o médico começou a liberar a prótese dela durante 2 horas por dia, e eram 2 horas onde ela ficava livre daquilo tudo, onde ela podia ficar de pé, tentar andar com o nosso apoio e tudo mais, quando eu ia colocar a prótese nela, eu percebia que ela começava a se coçar, a se machucar na realidade, procure uma psicóloga para conversar sobre isso, e elas me explicaram que a Debora era uma criança, ela não conseguia entender o que estava acontecendo, porém na cabeça dela, era algo bom quando eu tirava a prótese, ela se sentia livre, então na hora que eu voltava a colocar a prótese, era como se eu estivesse castigando, como se eu estivesse prendendo ela de novo, então devido a isso o emocional começou a mexer com o órgão mais importante do corpo, e o maior que nós temos, que é a pele, e ela foi levando tudo isso para pele, por isso que ela se machucava e se coçava muito toda vez que eu colocava a prótese, e começou a nossa luta com a dermatite atópica grave, quando surgiram as coceiras e os machucados os médicos falaram que era isso, mas eu vi que era muito além disso, porque realmente, cada vez piorava um pouco mais, foi ficando em quase toda parte do corpo, e procurei vários médicos, e é incrível como ainda existem profissionais que não conseguem olhar com um olhar profissional, e tentar pesquisar, ou serem sinceros falar que estão na dúvida, mas que juntos podemos buscar e ver o que está acontecendo, eu tive profissionais que não colocavam a mão na minha filha, como eu tive profissionais que não chegavam perto, e falavam que era uma escabiose, e eu saia de lá indignada, porque eu sei o que é escabiose, tive profissionais terríveis, e a coisa se agravando cada vez mais, graças a Deus, quanto aos pés tortos o tratamento foi uma benção, eu resisti a todas as tentações de não colocar a prótese nela, porque o médico chegou em mim e falou “Para o tratamento ter eficácia vai depender de você, a tua filha, a hora que ela vai começar a entender, ela não vai querer, o dia que ela estiver doente você vai ter dó, e assim por diante, mas você tem que colocar uma coisa na mente, quanto mais você cuidar dela agora, mais rápido vai ser o tratamento”, e foi o que eu pensei, eu queria que ela usasse salto, que ficasse com os pés perfeitos e por incrível que pareça eu não falhei um dia, todos os dias ela ficou com a prótese como deveria, no tempo certo eu tirava e no tempo certo eu colocava, e para minha surpresa, um dia eu fui até o médico dela, e o médico olhou para mim, consultou ela e falou para mim “Mãe, a partir de hoje ela não usa mais prótese, você pode ficar a vontade com a sua filha, não precisa mais nem usar durante o dia, os pés da sua filha estão perfeitos e nem cirurgia ela vai precisar fazer” e foi tão mágico tudo aquilo, que mais uma vez a gente fica pensando que não é possível, mais um milagre, eu cheguei em casa meio desconcertada, não tinha nem levado roupa adequada para ela, e eu pude realmente curtir toda aquela fase que eu tive vontade, pude comprar cada sapato, cada sandália um mais lindo que o outro, e usar todas as coisas que eu sempre quis na minha filha, porque com 3 anos de idade ela foi liberada e estava perfeita, sem ter que fazer cirurgia, sem nada, foi um alivio e uma vitória, eu falo que na vida da Debora nós tivemos momentos difíceis e todos esses momentos difíceis foram para fortalecer e trazer uma vitória na nossa vida, superar o momento que eu não podia ficar grávida, aprendi com tudo isso, fiquei grávida, passei por momentos difíceis onde eu achei que não fosse completar a gestação, completei e ela nasceu, depois os pés tortos congênitos, sofri com tudo isso, daqui a pouco ela estava bem, e não foi diferente com a dermatite, com 3 anos de idade, 4 anos, ela teve uma crise muito forte de dermatite, que me assustou muito, porque até então era uma coceirinha, um machucadinho, nas dobras, era uma coisa que não era muito difícil, apesar de ser novo, até então eu também não sabia que era dermatite atópica, e ela teve uma piora, eu sempre fui uma mãe de ter um olhar mais atento, então desde pequena eu cuidei muito da alimentação dela, sempre foi meio natureba, então a minha opção foi levar no homeopata, tentar um tratamento o mais natural possível, sem agredir tanto, fiz o tratamento por uns 8 meses, fiquei sabendo de iridologia, fiz um tratamento com o iridologista por mais um ano.
P/1 - E qual era a reação?
R - Apesar de eu confiar muito no tratamento, não dava resultado, ela ia piorando cada vez mais, os médicos me falavam que isso era natural até limpar o organismo, colocava para fora mesmo, mas para todos eles era uma alergia, então ficava muito difícil, porque eu fui tirando tudo da Debora, chegou um momento que eu tirei glúten, leite, ovo, banana, corante, eu não sabia mais o que fazer, então depois de quase dois anos de insistência eu realmente parei, e se fosse preciso fazer tratamento com médicos convencionais, com remédios mais fortes, tudo bem, e comecei a levar ela em vários profissionais que também não sabiam o que era, e ela teve uma crise muito forte com 5 anos, onde ela ficou com 70% com corpo em carne viva, e foi uma luta muito grande, porque até então eu não tinha conseguido um profissional adequado que cuidasse dela da maneira que precisasse, e falasse realmente o que ela tinha, qual era o procedimento, qual era a forma com que a gente ia cuidar de tudo aquilo.
P/1 - E era só a pele?
R - Era tudo, desde o couro cabeludo até as unhas.
P/1 - Mas de respiração?
R - Não, a parte da dermatite vem muito com a parte respiratória, hoje em dia dizem que as crianças que tem asma, bronquite, a tendência é ter a dermatite, mas não, ela nunca teve problemas respiratórios, para falar bem a verdade, eu agradeço a Deus, porque ela sempre foi uma criança que nunca ficou doente, eu nunca tive uma filha que tivesse resfriado constantemente, que tivesse algum outro problema de saúde, ela foi uma criança muito tranquila nessa parte, então veio a dermatite, porém veio todo outro cuidado de que era uma criança super saudável, não tinha outros tipos de problema, e nessa época eu fiquei muito nervosa vendo ela nessa situação, e eu consegui um médico que realmente entendia sobre o assunto.
P/1 - Como você conheceu? Alguém realmente te indicou?
R - Eu pesquisei muito os melhores profissionais na época, eu cheguei a ir para Bauru, Botucatu, em várias cidades atrás de um profissional adequado, em Sorocaba eu tinha a indicação de um ótimo médico, porém ele não atendia mais novos pacientes, é um médico muito conceituado, já tinha os pacientes dele, e eu insistia muito, mas nunca consegui uma agenda com esse médico, e eu conheci uma moça que viu toda a situação da Debora, através de uma amiga minha, e ela tinha amizade com esse médico, então ela acabou me ajudando a ter uma consulta com ele, foi tão engraçado, porque o médico é muito humano.
P/1 - Como ele chama?
R - Martti Antila, e um dia essa mulher me ligou de noite e me falou “8 horas esteja no consultório do médico que ele quer atender a Debora”, e eu lembro que eu fui com cara e coragem com a minha filha nos braços, o médico uma graça, quando eu cheguei no consultório dele, já estavam nos esperando, e eu lembro como se fosse hoje, ele olhou para mim, pegou a minha filha, consultou ela inteirinha, nós sentamos e ele falou assim para mim “Olha, a sua filha tem dermatite atópica grave, não é muito conhecida realmente a doença, por isso que vários profissionais ainda não acertaram no tratamento dela, você pode ficar tranquila que a partir de hoje eu vou cuidar da sua filha, nem que para isso eu precise vê-la todos os dias, essa menina vai ter qualidade de vida”, porque até então ela não tinha qualidade de vida, corria com ela para médicos, faltava muito na escola, todo mundo apreensivo, nós não tínhamos, a família não tinha qualidade de vida, é um transtorno na vida da família, ainda mais quando não se chega em um objetivo, quando não se chega com o problema em si, porque até então tinham vários que falavam que era dermatite, mas ficava tudo muito vago, e foi uma pessoa que veio, conversou, pode passar experiência de vida dele, nessa época ele falou que tinham poucos casos que ele tinha atendido aqui em Sorocaba de dermatite atópica grave, que ele fazia mais estudos nos Estados Unidos, lá ele já conhecia o problema, ele tem uma clínica de vacinas também, então ele me tranquilizou muito e nos auxiliou bastante, a partir desse momento ele começou a cuidar da Debora, e realmente eu achei um exagero quando ele falou que se fosse preciso ele ia ver minha filha todos os dias, nós sempre somos muito abençoados, e ele acabou pegando o caso dela com todo o amor e carinho sem nos cobrar nada, e ele via minha filha a cada 3 dias, e ele tem um amor enorme por ela, ela tem um amor enorme por ele, é até gostoso de ver, porque ela já gruda no colo dele, já senta, já conversa, quer tirar foto, vive deixando bilhetes para ele, e eu me sinto super tranquila, realmente foi um médico que nos abraçou, nos fortaleceu, e cuidou da Debora.
P/1 - Quando ele disse que ela tinha dermatite atópica e você entendeu, qual foi sua sensação?
R - Alivio, porque eu estava diante de um médico que realmente sabia o que minha filha tinha, e sabia como tratar, então isso me deu um certo alivio, um conforte em saber que agora minha filha ia ser cuidada da maneira correta, esperança, segurança, naquele momento eu percebi que não foi só para ela esse cuidado, mas para mim também, porque até então eu vivia totalmente insegura, perdida, e nós começamos o tratamento, e o início é muito difícil, ela já estava em um grau muito avançado, como ela ficou muito tempo sem um tratamento adequado ela já estava em um nível bem mais grave da doença, desde o couro cabeludo, no rosto, no corpo todo, nas unhas, era complicado, e fora isso, ele me fez uma pergunta assim “A Debora sofre bullying?”, e eu falei assim “Por incrível que pareça, das crianças não, ela sofre dos adultos”, nós passamos por muitos momentos onde os adultos afastavam as crianças da minha filha, onde eles não deixavam as crianças brincarem com ela, onde a escola tinha medo de receber ela, então foram momentos muito difíceis que passamos, e esse médico ficou muito bravo, falou que ia fazer uma carta para escola, falando que isso não é contagioso, e eu lembro que ele fez uma carta explicativa sobre o problema, nos deu apostila, nos deu tudo, e começamos o tratamento, e é muito difícil tudo isso, uma doença nova, hoje em dia nem tanto, mas na época era uma coisa meio rara, as pessoas não entendiam muito bem que era uma dermatite atópica severa, porque até então era só uma dermatite atópica, e passamos a lista de medicamentos, explicou o tratamento, e vamos nós contentes para a farmácia certo de que íamos resolver o caso, e eu lembro até hoje que a primeira receita dela ficou em 3.162 reais, e eu não sabia o que fazer, ela tinha que usar sabonete importado, shampoo importado, creme importado, um remédio que ela tinha que tomar e custava 560 reais, um vidro mínimo, umas pomadas de 5 gramas custavam 148, umas coisas absurdas, e eu saí de lá com aquela receita na mão pensando o que eu ia fazer, lógico, na época eu trabalhava, o pai da Debora também, mas pega a gente de surpresa, então ficamos felizes porque agora conseguimos o tratamento adequado, mas não é fácil para uma família gastar 3 mil em uma farmácia, e vieram as lutas, lutas que a gente percebe como Deus é maravilhoso na nossa vida, por incrível que pareça, as vezes a pessoa de fora tem um olhar muito mais acolhedor do que a própria família, a família, por não entender do assunto, não saber o que se passa na vida da criança, ou na sua vida durante 24 hora criticam, imagina que você vai fazer um tratamento desse, ninguém faz um tratamento desse, mas será que precisa mesmo de um sabonete importado, e eu lembro que na época eu rifei uma das minhas telas, e confesso que foi o maior sucesso, vendi na escola, vendi em tudo, e eu me decepcionei tanto com os meus parentes, eu fui até a minha família, é uma família que não somos tão próximos, mas é família, e fui oferecer, contei o porquê, falei da receita, que eu estava fazendo a rifa porque eu precisava comprar os medicamentos, era tudo muito caro, então eu precisava achar um meio que a gente conseguisse, e eu lembro até hoje que até então eu estava confiante, até porque as pessoas estavam me ajudando, incentivando, falando que eu estava certa, que tinha que correr atrás mesmo, e eu lembro até hoje que alguém falou assim para mim “Nossa, se você não tem condições, não faça o tratamento, você vai ficar pedindo ajuda para os outros”, e isso me doeu tanto, porque eu pensei comigo eu não estou pedindo, eu estava vendendo uma rifa de uma tela, a pessoa não deu nem valor para aquilo que você estava fazendo, muito menos parou para pensar na sua situação, ou na situação que a criança estava vivendo, e pior, eu tive que escutar assim ainda “Melhor você internar, o hospital que se vire, que faça esse tratamento no hospital”, e eu perdi o chão, como que eu vou internar a minha filha? Não tenho condições de internar a minha filha, para você ter ideia, até hoje aqui em Sorocaba ainda não existe um hospital adequado para aceitar uma criança com dermatite atópica grave, então como eu ia internar a minha filha e mandar eles se virarem, nessa época, nós não dormíamos, é uma coceira incessante, a criança não dorme, a criança não tem paz, e automaticamente a família também não tem, são todos os cuidados, é terrível, eu não consigo explicar, eu acho que somente Deus esteve na minha vida, na vida da minha filha para gente passar por tudo isso, é o preconceito, o tratamento que é caro, você que não tem apoio dos próprios familiares, eu continuei trabalhando, eu trabalhava o dia todo, minha filha ia para escola, depois eu voltava, tinha que cuidar dela, passava a noite acordada com ela no meu colo, para ela conseguir dormir eu tinha que ficar passando creme a noite toda nela, é uma coisa que realmente desestrutura uma família, as vezes a pessoa não tem noção do que a doença em si causa, causa desgaste emocional, causa o desgaste familiar, causa tudo, e veio que hoje vivemos eu e a Debora.
P/1 - E como foi que ficou melhorando?
R - Após esse tratamento, que é muito difícil, a Debora chegou a passar por muitos momentos na vida dela que não foram tão agradáveis, ela perdeu os cabelos, ela ficou muito magra, e com o tempo tudo vai mudando, você fica sabendo de coisas novas, quando a Debora foi internada no hospital, isso foi muito rico, eu aprendi coisas novas, me deram assistência, assistência para Debora, pude estar acompanhando tudo isso, ela ficou muito ruim e o Martti disse que ia precisar interná-la, mas que não ia internar ela aqui, porque aqui não tinha suporte para isso, e nos mandou para o Hospital das Clinicas em São Paulo, e ela ficou internada 7 dias lá, e lá nós pudemos acompanhar muitas histórias de crianças com dermatite, aprendi muito com a equipe médica, os cuidados que devemos tomar, e desde então ela vem tendo um processo maravilhoso de uma dermatite mais controlada, de uma vida com qualidade, não que ela não pudesse, mas todo machucado, toda coceira fazia com que ela não pudesse curtir o sol, curtir piscina, curtir praia, muitas coisas você deve evitar, e hoje ela já é uma criança liberada a ser feliz, com tudo que ela tem direito, e graças a Deus achamos o tratamento adequado, fomos em busca, batalhamos por isso, o médico nos deu toda a assistência necessária, e hoje ela é essa criança linda, maravilhosa, guerreira, mais uma etapa na vida dela que ela venceu, e vai vencendo ao longo dos anos, e tudo isso, hoje eu creio que é para ela ajudar várias pessoas, eu já vi pessoas que procuraram ela para poder saber qual foi o tipo de tratamento, eu já vi ela fortalecendo pessoas doentes, falando que vai orar por elas, e que vai passar, e eu conto um pouco da história dela, do quanto ela sofreu e o quanto ela está bem hoje.
P/1 - Que época foi esse tratamento?
R - Ela tinha 6 anos, até agora ela faz tratamento lá.
P/1 - Mas esse período de 6 anos? Foi a única vez que ela ficou internada?
R - Sim, foi a única vez.
P/1 - E agora ela vai e faz essas conversas com as outras pessoas.
R - Sim, é uma troca de experiência, uma troca de vivência, e de mostrar que tudo na nossa vida passa, e a gente supera cada uma delas, eu falo que ela é uma criança vitoriosa, eu reconheço isso, na minha vida, eu acho que ela devia ter vindo para mim, porque a depressão se foi, os medicamentos se foram, e todo aquele medo de que eu não ia aguentar cuidar de uma criança com tanta riqueza de cuidados, ela está aqui, então eu falo que Deus foi maravilhoso na nossa vida, e fez com que eu superasse a minha infância, a minha vida, os meus traumas, os meus medos, o meu casamento acabado, o meu relacionamento desfeito, e veio esse presente lindo de Deus, onde nós tivemos que ter força, ser sustentado por ele, e hoje em dia eu vejo essa criança feliz, alegre, divertida, brincalhona, que incentiva as outras, a pouco tempo eu estava vendo ela incentivar uma jovem de 14 anos, ela pegou amizade e a mãe comentou que pelo período de adolescência ela era meio arredia, ela não gostava muito de fazer o tratamento certo, não fazia as bandagens e tudo mais, e a Debora começou a falar que ela fazia, e que para ficar com uma pele bonita tinha que fazer, que ela ia fazer na casa e ninguém ia ver, depois ela ia sair linda e maravilhosa, e ela começou a dar todo um incentivo, e é muito interessante isso, poder ver isso na Debora, ver o quanto ela, com tudo que ela passou, ela se fortaleceu também como criança, ela é muito madura, ela fala das coisas com muita riqueza nas palavras, ela é super desinibida, ela é brincalhona, ela conversa, e vai ajudar muitas pessoas, eu creio nisso. E é nossa história.
P/1 - Com que idade ela começou a ir no doutor Martin?
R - Com 5 anos. Quando a Debora foi para o hospital, eu fui pelo SUS, eu não fui por particular e nem convênio, porque eu não tinha, e nós ficamos 1 hora e meia na enfermaria, a enfermaria estava lotada de crianças, e logo já veio uma enfermeira, nos conduziu para o nosso quarto, e nos ajeitou, e claro, a gente fica tão desesperada com tudo, que nem percebe as coisas, para falar bem a verdade, que eu fui me tocar onde eu realmente estava com a minha filha, e todos os cuidados que ela estava tendo, então até hoje nós não sabemos, mas ela sempre foi muito abençoada com medicamento, com tudo, não sei quem nos abençoou, mas nos abençoou nos momentos que eu mais precisei de cuidados para minha filha, não faltou esses cuidados, aparecia pessoas na minha casa que nem nos conheciam, que sabiam dela e vieram conhecer ela, sempre com muito carinho, muita doação, e começaram a nos ajudar, e o médico dela é uma pessoa maravilhosa, a Debora precisava de psicólogo, eu já tinha até tentado alguns profissionais mas não tinha dado certo, e teve uma época que eu andei pesquisando qual era o profissional mais adequado para esse tipo de problema, e estava fora de cogitação conseguir esse profissional, e o fui tentando com outros, até que um dia o Martin chegou em mim e falou assim “Mãe, eu vou passar o caso da Debora para uma médica, que vai ser importante cuidar dela”, e eis que me deparo com essa médica que eu sempre desejei para a Debora mas que eu não tinha o mínimo de condições de poder fazer o tratamento, e eu lembro que ela me perguntou o histórico da Debora, me acolheu, fez todo o relatório, e eu com uma incógnita, porque eu sabia de todo o tratamento, sabia do valor, totalmente inviável, e ela me olhou e falou assim “Kelly, a você cabe trazer as sua filha duas vezes por semana, quanto ao resto, você não precisa se preocupar que financeiramente você não terá gasto nenhum, eu vou pegar o caso da sua filha, eu vou cuidar dela”, e o quanto nós não devemos desistir dos sonhos, dos planos, e vencer, e superar aquela coisa, eu sempre fui uma mãe que eu corri muito atrás das coisas para a minha filha, o que falavam para mim eu corria atrás, eu entrei na justiça para conseguir o tratamento dela, eu sempre escutei não, e sempre correndo atrás, até hoje eu estou na justiça brigando por isso, sempre tentei os melhores médicos, vacina, me falavam disso eu corria atrás, eu acho que a gente não deve desistir mesmo, porque se eu tivesse desistido, quando eu vi que os médicos estavam perdidos e nem eles sabiam o que minha filha tinha, quando eu desisti a primeira vez que eu fui na farmácia, se eu tivesse desistido quando eu vi minha filha naquela situação, ela não seriam o que ela é hoje, eu não seria o que sou hoje, então eu acho que isso é importante, saber que tem pessoas que sempre acolhem, abraçam e fazem o trabalho de uma maneira toda carinhosa, de doação, com amor, na vida dela sempre tiveram pessoas que abraçaram ela com todo amor, com todo carinho, com todo respeito, e hoje ela tem acesso ao melhor tratamento, posso dizer isso, ela tem acesso ao Hospital das Clínicas, ela tem acesso ao consultório do Martin, ela tem acesso ao consultório da doutora Claudia.
P/1 - E os remédios?
R - Eu ganho alguns do Hospital das Clinicas, alguns eu ainda compro porque tem uns que dizem ser tratamento de luxo, que nem hospital tem, que seria shampoo importado, sabonete, cremes, esse a gente não consegue a não ser pela justiça mesmo, mas o que o hospital consegue, eles fornecem para Debora hoje.
P/1 - Muito bem, parabéns.
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