P/1 - Bom, Michel, vamos começar o depoimento pedindo o seu nome completo, local e a data de nascimento.
R - Alex Michel Gomes, sou do Rio de Janeiro, do dia 6 de outubro de 1976, tenho 25 anos de idade.
P/1 - Você nasceu em que bairro?
R - Rio Comprido. Parte de baixo da comunidade Morro dos Prazeres.
P/1 - Você conhece um pouco da história da tua família aqui na comunidade Morro dos Prazeres? Quem veio primeiro, por que que eles vieram para cá?
R - Não sei muito não, mas sei que a minha família, os meus avós, foram os primeiros a chegarem aqui.
P/1 - Avós paternos ou maternos? Do lado do pai...
R - Os dois.
P/1 - Os dois.
R - É. Interessante que eles são parentes, são meus primos... São primos dos meus pais.
P/1 - Olha, conta aí um pouquinho [risos]. Dá nome, vai? Vai dando os nomes dos avós parte de pai e os avós por parte de mãe.
R - Então, por parte de pai é dona Regina e seu Vicente. Da parte materna é dona Luzia e seu José.
P/1 - Você conheceu eles?
R - O meu avô por parte de mãe, eu vi ele duas vezes. Por parte de pai eu conheci. A minha veinha... A mãe do meu pai era minha, pode-se dizer assim, o meu anjo da guarda [risos].
P/1 - Era?
R - Apaixonado. Quando ela faleceu, eu não tive nem coragem de ir no enterro porque ela e a minha avó por parte de mãe eram as duas que mais me defendiam na família. A minha adolescência era triste. Aí o que acontecia? Tudo que eu fazia de errado eram elas que me defendiam [risos].
P/1 - Claro! Por isso que era ela anjo da guarda, né?
R - Era interessante. Mas o que acontece... Quando ela faleceu eu senti muito. Até tentei ir lá, mas quando eu cheguei lá eu não consegui. Até hoje eu sinto falta dela.
P/1 - Vocês moravam perto? Como é que era essa vida em família aqui?
R - A princípio, éramos todos aqui. Aí depois fomos... Foi dividida a parte da família. Uns moravam na parte da colina, que é a parte mais alta, outros mais próximos da...
Continuar leituraP/1 - Bom, Michel, vamos começar o depoimento pedindo o seu nome completo, local e a data de nascimento.
R - Alex Michel Gomes, sou do Rio de Janeiro, do dia 6 de outubro de 1976, tenho 25 anos de idade.
P/1 - Você nasceu em que bairro?
R - Rio Comprido. Parte de baixo da comunidade Morro dos Prazeres.
P/1 - Você conhece um pouco da história da tua família aqui na comunidade Morro dos Prazeres? Quem veio primeiro, por que que eles vieram para cá?
R - Não sei muito não, mas sei que a minha família, os meus avós, foram os primeiros a chegarem aqui.
P/1 - Avós paternos ou maternos? Do lado do pai...
R - Os dois.
P/1 - Os dois.
R - É. Interessante que eles são parentes, são meus primos... São primos dos meus pais.
P/1 - Olha, conta aí um pouquinho [risos]. Dá nome, vai? Vai dando os nomes dos avós parte de pai e os avós por parte de mãe.
R - Então, por parte de pai é dona Regina e seu Vicente. Da parte materna é dona Luzia e seu José.
P/1 - Você conheceu eles?
R - O meu avô por parte de mãe, eu vi ele duas vezes. Por parte de pai eu conheci. A minha veinha... A mãe do meu pai era minha, pode-se dizer assim, o meu anjo da guarda [risos].
P/1 - Era?
R - Apaixonado. Quando ela faleceu, eu não tive nem coragem de ir no enterro porque ela e a minha avó por parte de mãe eram as duas que mais me defendiam na família. A minha adolescência era triste. Aí o que acontecia? Tudo que eu fazia de errado eram elas que me defendiam [risos].
P/1 - Claro! Por isso que era ela anjo da guarda, né?
R - Era interessante. Mas o que acontece... Quando ela faleceu eu senti muito. Até tentei ir lá, mas quando eu cheguei lá eu não consegui. Até hoje eu sinto falta dela.
P/1 - Vocês moravam perto? Como é que era essa vida em família aqui?
R - A princípio, éramos todos aqui. Aí depois fomos... Foi dividida a parte da família. Uns moravam na parte da colina, que é a parte mais alta, outros mais próximos da barreira e os meus pais foram morar no Escondidinho, que é a parte baixa da comunidade. Assim que eu nasci, que é uma história muito interessante, os meus pais, assim me contaram, que a minha avó só foi me conhecer depois de um ou dois anos de idade. Eles não deixavam minha avó me ver. Acho que por parte de mãe, essa avó por parte de mãe. Então, acho que é por isso que a gente se apegou muito, eu e ela. A gente tem... Eu e ela temos um elo legal porque se ela se entristece lá, eu me entristeço aqui. Se me entristeço aqui, ela sente lá. Aí...
P/1 - Por que que eles não deixavam ela te ver até um ou dois anos? Por quê?
R - Não sei. Depois quando aconteceu essa gravidez da minha mãe eles tinham... Um tinha 15, o outro 16, 17 anos de idade, e pelo fato também de serem parentes. Aí você imagina, né? Mineiro [risos]. Era interessante.
P/1 - A família era muito conservadora, Alex?
R - Era.
P/1 - Era?
R - A família era. Aí, o que acontece? A minha avó até hoje, vira e volta ela me conta essa história. Eu sou o primeiro neto e ela só foi me conhecer depois de quase dois anos de idade.
P/1 - Vocês são “ligadões” um no outro.
R - Sou. O interessante é que eu me sinto mais ligado a ela do que a minha própria mãe.
P/1 - Ela é viva?
R - Ela é viva, graças a Deus.
P/1 - Mora aonde?
R - Mora em Santa Luzia.
P/1 - Onde é que é Santa Luzia?
R - Niterói.
P/1 - Me conta um pouco da tua infância aqui? O que você lembra, assim, de mais antigo, de você pequenininho? Quantos irmãos vocês são, primeiro?
R - Somos três irmãos de pai e mãe, e tenho mais três irmãos por parte de pai e mais um outro fora, que tem a mesma idade que a minha, que é por parte de pai também. E esse meu irmão que tem a mesma idade que a minha, ele só é diferente de idade por dois meses, é mais velho do que eu dois meses. Dois ou três meses, se eu não me engano. Mas voltando à minha infância, o que eu mais adorava aqui era que a gente... Pelo fato de a gente morar em comunidade, a gente tinha uma grande liberdade e o interessante aqui era que existia fazer carrinho de rolemã. Você pegava uma tábua de trinta... [risos]. Pegava uma rodinha que tem no motor de carro, pegava aquela rodinha de motor de rolemã, pegava uma madeira maior atrás, outra mais na frente e colocava essas rodas de _____. Então, a gente descia parte do Morro Escondidinho todinha, de ponta a ponta, num carrinhos desse, né? Na época que ainda era barro.
P/1 - Nossa!
R - Era maneiro. A gente jogava bola, jogava bola na rua, quando a gente não queria ir para a quadra, jogava bola na rua. E o restante foi trabalhando. Eu com sete anos de idade já tinha que ajudar meu pai. E o pouco tempo que restava eu jogava bola, brincava na parte da tarde.
P/1 - Mas conta um pouquinho mais... quem era a sua vizinhança, quem eram os seus vizinhos, os garotos, eram... Você tinha contato com a tua família... Veio de Minas, é isso?
R - Sim.
P/1 - O teu pai mesmo é nascido em Minas Gerais, né?
R - Ele já era de lá, mas quando eles vieram… Já vieram já nascidos de lá para cá. Só a minha avó teve vinte filhos. 17 estão vivos, e desses 17 que vieram para o Rio, se não me engano agora, deve ter... Tem o tio Zé, a minha tia ______, tio Adelmo, Aldo, Otávio, Gézio, João, sete homens. Mulheres tem ______, Luzia... Não, _____, Lúcia, Odete... São dez. São dez aqui no Rio.
P/1 - Mas muitos moravam aqui no Morro dos Prazeres?
R - Esses dez que moraram aqui. _________, conforme foram casando, foram se modificando de lugar. Aí a maioria ficou na parte alta, a minoria da família na parte de baixo, que foram os meus pais mais dois tios meus que moravam na parte de baixo. Aí, depois de um certo tempo, a família se separou, que os meus avós paternos eles foram morar em Queimados. Lá, praticamente, a minha família todinha, mora num bairro chamado São José, que é próximo a Jardim da Fonte. O bairro todinho, se você contar quantas famílias têm lá, além da minha família, tem umas duas só. Restante deve ter, mais ou menos, umas 20 a 30 casas lá, tudo de parentes meu. O bairro, praticamente, todinho [risos].
P/1 - Você gosta de lá?
R - Lá é interessante porque lá é Baixada Fluminense, bem interior, né, aquela coisa de roça. Na minha família, alguns ainda plantam para colher, para se alimentar, mesmo trabalhando fora, mas, poxa, se plantar é bem melhor, do que comprar, entendeu [risos].
P/1 - Teu pai plantava aqui, Michel? Seus pai tinham alguma plantaçãozinha aqui no Morro dos Prazeres?
R - Não, mas se eu não me engano meus avós paternos, eles tinham. Aquelas coisas pequenas, né, que são as verduras, aipim, essas coisas menores assim. Meu avô, acho, ele tinha. Aí depois que ele foi para Queimados, acho que aí ficou melhor. Lá ele planta o que ele quer.
P/1 - Tem espaço também, né?
R - Tem. E também a quantidade de netos que ele tem ao redor dele também, nossa senhora!
P/1 - E seus pais nunca quiseram sair daqui para ir morar lá?
R - Não. O meu pai até tentou durante três anos, mas pelo fato de sair daqui, morar na Baixada dificultou mais ainda a vida da gente lá. A gente teve uma situação muito ruim, durante um... Ficamos um ano bem e dois anos péssimos. Aí meu pai conseguiu, no caso, nem digo meu pai, eu digo sim eu e o meu pai porque eu acordava às três horas para pegar o primeiro trem, descer para vender bala. Aí, depois que passou essa época da gente vender bala no trem, aí o meu pai conseguiu montar uma banca e um trabalho fixo, como vigilante na Presidente Vargas. E através dessa banca da Presidente Vargas, a gente conseguiu os... Quer dizer, aí nessa parte, ele conseguiu construir duas casas. Hoje em dia são seis, se transformaram em seis as duas, através de uma banca de doce. Aí depois que também conseguiu comprar essa casa, primeira casa aqui, que na época, poxa, era até esquisito porque a casa era totalmente de madeira, folha de zinco, a gente morava atrás, dentro da vala principal de esgoto, principal da comunidade, ele passava atrás da casa e se pensasse em chover, a nossa casa virava, se tornava a vala porque ela entupia e entrava por dentro de casa. Aí a gente tinha que entrar lá e desentupir a vala, que era... Como era a parte principal do Morro, dentro de casa inundava tudo. Aí o que acontece? A gente tinha que entrar dentro da vala debaixo de chuva, aquele monte de coisa caindo na cara da gente, mas a gente era obrigado. Para poder passar a noite em casa tinha que limpar a vala todinha e era só a minha família, que no caso era eu, meu irmão e meu pai. A gente era obrigado a limpar essa vala, que caso contrário, a gente estava ferrado. A gente não tinha como passar a noite em casa. E muita das vezes quando estava chovendo forte, se meu pai não estivesse em casa, nem minha mãe, os vizinhos que iam lá socorrer a gente, tiravam a gente de dentro de casa para a gente não morrer no meio da vala, afogado.
P/1 - Nossa, era tão bravo assim?
R - Era. Aí depois, mesmo com... Quando o meu pai montou a casa, fez alvenaria na casa, ela ainda continuou com esse problema. Aí, há uns quatro... Uns três anos atrás, que ele com o Favela Bairro na Comunidade, que eles conseguiram anular essa vala que passava na frente de casa. Fizeram a galeria e mataram esse esgoto, essa vala, porque era principal da comunidade. Pegava da Rua Gomes Lopes ia até a Barão de Petrópolis, mas só que o itinerário dele era passando por de trás da minha casa, passava na rua debaixo para depois para ir para o valão onde desaguava na Barão de Petrópolis. Aí você imagina, né? Cada coisa que a gente passou aí.
P/1 - E escola, você frequentou escola?
R - Eu frequentei Escolas Municipais Julia Lopes, Pereira Passos e Mem de Sá. Julia Lopes eu fiz da primeira série até a quarta. Repeti várias vezes, mas consegui passar. Também tinha que ter um crédito, né? Poxa, olha só, acordava às três horas...
P/1 - Quando você morava aqui é que vocês vendiam no... Vocês tinham a banca?
R - Não, não, quando eu morava em Queimados.
P/1 - Queimados.
R - Aí, que acontece? Nessa época era interessante porque eu fazia o seguinte; eu pegava, acordava às três e pouco da manhã, e vendia um pouco de bala. Aí quando era quatro horas, eu pegava o trem descendo para chegar na escola às sete. Estudava na escola até às oito, nove horas no máximo, e ia para o clube Vasco da Gama, lá em São Januário, jogar bola. Aí jogava até o meio dia, depois do meio dia eu ia para a banca de jornal, ficava até meia noite.
P/1 - Numa banca de jornal?
R - Não, na banca de doce.
P/1 - Na banca de doce da Presidente Vargas.
R - É, na Presidente Vargas. Eu ficava lá até meia noite, com o meu pai. Aí meia noite a gente ia para casa. Chegava em casa, pô, praticamente não dormia. Passamos uma época sinistra. Nessa época que a gente morava em Queimados.
P/1 - Nossa, que dureza, Alex! E essa banca, onde é que era essa banca?
R - Avenida Presidente Vargas, número 502, onde hoje em dia... Quer dizer, na época já era. Era a central dos trabalhadores, que se chama CUT [Central Única dos Trabalhadores].
P/1 - Como é que era? Conta um pouquinho, de forma sucinta, como é que era essa experiência? Como é que foi essa experiência?
R - Sei lá. A princípio, cara, eu sei que fiz os meus 15 anos de idade e fui morar com a minha mãe, 14 para 15 anos de idade fui morar com a minha mãe. Aí eu culpava muito o meu pai por tudo que eu passava. Acordar três horas, muitas das vezes eu tinha que acordar no sereno sem camisa, de chinelos, shortinho daqueles bem furreca que é um real, um e noventa e nove agora, tinha que andar com aquilo. Chinelinho havaiana todo arrebentado, que a gente não tinha como comprar. Meu pai pensava muito em guardar dinheiro para a gente poder comprar casa e sair de lá. Aí o que acontecia? Eu culpava muito meu pai por causa disso. Depois com meus 15 anos de idade, que eu parei para pensar, eu... Em parte eu agradeço, primeiro a Deus, certo, pelo que eu passei na minha infância. Praticamente eu trabalhei a minha infância toda, não me divertia. Hoje em dia, para mim, qualquer coisa que você quiser, pô, que eu tiver que trabalhar, para mim não é dor de cabeça. Agora, eu não esquento a cabeça não. Se é para eu limpar chão, eu limpo. Se eu tiver que quebrar alguma coisa para construir, pelo fato de eu conviver com construção civil, eu aprendi. Pô, não ter estudo, estudei até a quinta série, mas, poxa, graças a Deus, eu não tenho estudo, mas eu tenho um pouquinho de inteligência, o suficiente para eu poder saber me virar, que se de uma hora para outra eu tiver um compromisso de trabalho fixo, eu sei como arrumar, eu sei como correr atrás. Tenho disposição para isso, entendeu? Então, o que acontece? Eu não culpo mais o meu pai. Agora na minha infância, eu tive duas coisas que me marcaram muito, que eu sempre culpei o meu pai. Foi quando eu jogava bola no Vasco, cheguei até numa fase de ter uma ficha na CBF [Confederação Brasileira de Futebol] como jogador de futebol. Aí tive um desentendimento com meu pai, fui para a casa da minha mãe e nisso eu perdi. Eu tinha chance de ter uma carreira. No meio de milhares eu consegui ser escolhido na... Então, eu ficava com essas duas coisas que eu culpava o meu pai por... Ainda tinha um detalhe, as pessoas que viram por tudo que eu passei na minha infância: passar fome, trabalhar dia e noite, as pessoas diziam para mim: "Cara, teu pai é o culpado de tudo. Você teve chance de ser e hoje em dia você não é", entendeu? Então, eu ficava com aquilo na cabeça, aquilo foi se acumulando. Então, eu culpava muito o meu pai por causa disso. Por eu não ter conseguido ser um jogador, que até hoje eu lamento muito. Só Deus sabe quanto, que eu tive oportunidade, tive o apoio que eu dependia muito. Acho, que, poxa, eu ficava muito triste de ver os pais, tudo bem cara, que noventa por cento das pessoas que estavam lá eram pessoas que tinham dinheiro, classe média alta, classe média, e eu era mais um favelado tentando a sorte. Mas pelo meu esforço, eu tinha apoio lá dentro. Conheci bastante gente, conheci vários jogadores que me davam apoio moral. E tinha os campeonatos, torneios, amistosos. A coisa que mais me doía era você olhar para a arquibancada e ver o pai de todo mundo lá e você está jogando ali, se esforçando, suando para caramba e você não vê ninguém para poder te dar um apoio. Sabe, procurar aquele incentivo lá na torcida. Meu último campeonato que eu joguei pelo clube, meu pai foi só num jogo. Minha mãe não tinha condição. Minha mãe trabalhava, e tal. Aí eu sempre olhava para a arquibancada na esperança de ter alguém. Eu achava que eu precisava daquilo, que eu olhava, assim, olhava para os pais, pô, quando a gente fazia um gol, os pais todos abraçavam os filhos. Eu era o único que ficava lá no meio. O único que eu abraçava era o professor. Chegava perto de mim: "Porra, valeu. Parabéns". O primeiro jogo lá em São Januário, jogamos contra uma universidade. Aí, poxa, era legal. Eu, quando eu comecei, eu comecei como zagueiro. Aí o professor falou assim: "Ah, vamos fazer um teste lá no amistoso”. Um dos atacantes faltou, eu fui jogar no ataque. Eu, alto, né? Pô, todo mundo: "Não, “altão”, não tem chance. Só sabe fazer aquilo." Eu consegui nesse jogo marcar três gols, e a gente ganhou de três a zero. O que que acontece? Pelo fato de ser um amistoso, já me destaquei mesmo sendo amistoso. Quando a gente foi para a colônia de férias, que para jogar um torneio contra umas escolas e os quatro grandes do Rio, eu fui como atacante. Meu primeiro jogo eu fiz logo de cara, no primeiro tempo, dois a zero. Então, eu escutei a torcida gritar o meu nome. Que nem naquela época, era até interessante, que ninguém sabia meu nome dentro do clube. Só as pessoas que mexiam com os papéis é que sabiam que meu nome era Alex Michel. Caso contrário, se você chegasse lá e perguntasse, você tinha que perguntar pelo Frumelo.
P/1 - Frumelo? [risos].
R - Por causa de um drops.
P/1 - Eu me lembro. Esse eu me lembro também.
R - Eu, para jogar e ficar tranquilo, eu tinha que jogar com ele amarrado na cintura. Eu amarrava ele no shorts.
P/1 - O drops, o Frumelo?
R - Amarrava ele no shorts.
P/1 - Aquele compridinho?
R - Ahã, eu amarrava ele, torcia ele, amarrava bem, botava no shorts, e jogava bola mordendo aquela bala para eu poder me sentir bem. O que acontece? Como era difícil me chamarem pelo nome, meu primeiro professor que se chamava Cláudio, ele foi o meu primeiro professor no infanto-juvenil, falou assim: "aí sabe de uma coisa, Russo? Como te chamar de Alex se tem mais quatro, eu vou te chamar agora de Frumelo". Para quê? Primeiro treino que ele falou isso, pegou. E eu, no princípio, primeiro mês, eu ficava muito irritado. "Que isso, gente. Ô, Frumelo. Sempre drops, sempre... Nada a ver." "Não vai ser porque lá tinha Alex Alves, Alex Oliveira e mais dois Alex". Tem um Alex que é zagueiro do Vasco, ele se eu não me engano, está entre os grandes. Ele treinou comigo na época. Felipe também jogava junto comigo na época. Hoje em dia, o cara é um craque, joga bem para caramba, mas na minha época era um pé rapado também, igual a eu.
P/1 - Conta aí! Deixa gravado aí! [risos]. Deixa aí!
R - Qualquer hora, _________ jogar, ele é brincalhão para caramba, né? Mas ele só fazia essas jogadas, como as que ele faz agora, dentro da quadra. Lá no campinho que a gente jogava, ele não conseguia fazer, porque todo mundo lá tinha mais corpo do que ele. Ele era o menorzinho da nossa turma. Nossa turma era de 32 garotos. A gente jogava de dez horas até meio dia. Eram 30 para se dividir. Hoje em dia, eu fico pensando assim: Pô, eu vejo o cara lá, os dois... O time de juniores tem mais jogadores que jogaram na minha época, de 1986 até 1990. Eu vejo que o Felipe se deu bem, o Alex que é zagueiro também se deu bem. Tem dois laterais que eram do Vasco, já não jogam mais no Vasco, estão jogando no América que, também jogavam comigo. Esses dois que são irmãos, o Yan e o Jean, eles também jogavam com a gente, eu sempre fui mais alto, aí a gente chamava eles de duplinha sertaneja. Hoje em dia um está jogando no Fluminense e o outro está jogando no América. Os caras se deram bem. Mas só que quando a gente foi fazer a primeira peneira aconteceu o seguinte: a nossa turma, de dez horas até meio dia, nós éramos muito ligados, entendeu? Mesmo a gente tendo diferença de classe, quando a gente ia para uma chave, ia todo mundo junto para comer a mesma coisa, que a gente lá não tinha essa de: “a não, poxa, você é da ralé, você é destacado". Então, com a gente não tinha esse negócio.
P/1 - Que bom, né?
R – Entendeu? Então, o que acontece? A gente acabava o treino, aí ficava assim: “Alguém vai comprar alguma coisa?”. “Vamos”. “Então, vamos todo mundo lá para o restaurante”. A gente ia para o restaurante, onde os jogadores do Vasco almoçavam. Então, era horário de almoço. Cara, tu imagina a zona que a gente fazia. Uma vez, ai meu Deus do céu, pelo fato de eu ser mais alto… qualquer coisa que acontece, você se destaca porque você é mais alto.
P/1 – É pelo menos o que aparece logo, né? Chama mais atenção.
R – Entraram para almoçar Roberto Dinamite, Edmundo e Bebeto. E tinha lá, 15 moleques sentados na mesa, comendo sanduíche, bebendo refrigerante, falando para caramba. Todo mundo zoando, né, aí dois garotos foram pegar autógrafo com Roberto Dinamite. Aí os outros: “Ih, eu já tenho que não sei o que”. O outro: “Eu tenho do Edmundo, do Bebeto já tenho. Eu quero só do Dinamite”. Aí eu me abaixei um pouquinho na cadeira, falei assim: “Ei, gente, vocês vão pegar desses caras? Esses caras são jogadores igual a gente, rapaz. Está esquentando a cabeça com eles?”. Eu achava o seguinte, compadre: eles são craques, já têm a vida deles, só que lá dentro nós somos todos jogadores. Só que eu esqueci, falei alto. Aí Roberto Dinamite veio, parou do meu lado...
P/1 – Que bacana! [risos].
R – “E aí rapaz?” Eu assim...
P/1 – Enorme, né?
R - Na época ele já era mais alto do que eu. “Não, quer dizer então que você já se considera um jogador?” Aí eu: “Para mim, sim. Ó, o senhor ganha dinheiro jogando bola, o outro aí também ganha dinheiro jogando bola, o outro aí também ganha dinheiro jogando bola. A única diferença entre a gente é o seguinte, que vocês ganham e a gente não ganha. Agora que a gente joga que nem vocês a gente joga”. Daí para lá, toda vez que ele entrasse no restaurante, se eu tivesse ali, ele vinha me cumprimentar.
P/1 – Que lindo! Que bacana, Michel! Que lindo! [risos]
R – Ainda tem outra coisa, teve uma vez que a gente recebeu lá em São Januário. Foi assim: teve a inauguração de um campo de gramado sintético, a gente jogava no... Lá era barro, né? Então, teve inauguração e pegaram todos os horários da parte da manhã e colocaram todo mundo dentro da quadra, aqueles jogadores de basquete, de uniforme e formando fila. Só que eu sempre fui arteiro. Eu fui jogar bola e estava me acabando. Daqui a pouco eu vi, _______ chamando todo mundo no microfone para a inauguração. Aí, _______, eu tinha mania de jogar com a camisa para o lado de fora, aí quando eu estou entrando dentro da quadra, Roberto Dinamite bate na minha costas: “Frumelo, primeiro, tu vai voltar lá para o vestiário, jogar água no rosto e colocar a camisa para dentro. Só vai entrar para formação depois disso”. Olha, isso deve ter quase dez anos, mas eu nunca esqueci esse dia.
P/1 – Que lindo! Ai, que bacana!
R – Eu vinha andando, cara, eu vinha todo largado. Tinha acabado de jogar bola e os caras gritaram: “Ó, vamos começar já a inauguração, gente. Vamos embora para lá”. A gente batendo pelada, né? Mas aí a gente batia no campo que era escondido de onde eles estavam, e eu não esperava dele estar ali.
P/1 – Chamar atenção e...
R – Não, eu não prestei atenção nele. Eu vim fui correndo virado para cá. Quando eu cheguei na quadra, fui passar na porta. Aí eu: “Ah?”. Aí quando vi, bati de frente no peito dele. Olhei pra cima e ele disse assim: “É, Frumelo, lá no vestiário, lava o rosto, bota camisa para dentro, depois senta para a formação.”
P/1 – Ai, que bacana! [risos].
R – Aí, interessante, também outra parte que eu nunca esqueci foi na hora que ele foi fazer o discurso, ele disse o seguinte: “Olha, vocês têm que almejar ser jogador de futebol. Correr atrás disso, mas nunca se iludir de que todos que estão aqui vão conseguir. Entre 100 aqui, no máximo dois, três vão conseguir, mas eu desejo boa sorte para vocês”. Falei!
P/1 – Que bacana! [risos]. Legal. Já que você está falando de futebol, conta como que é futebol aqui na comunidade Morro dos Prazeres? Como é que era na sua infância, vocês tinham time, vocês jogavam no campão lá em cima, conta aí quais são as suas lembranças? Então, conta, como é que... Você contou no começo da entrevista que vocês brincavam, jogavam bola aqui na rua, né? E o campo lá de cima, já tinha quando você era moleque? Já tinha esse campo lá em cima?
R – Já sim. Só que aí é o seguinte: aqui na minha infância, adolescência, e até hoje em dia quase fui de jogar bola aqui em cima, mas o ponto forte do “campão” sempre foram os jogos de veteranos, que toda comunidade se falava: “Ah, vai ter campeonato”. Campeonato você já podia saber que não era adolescente, não era juvenil, nem junior, mas sim só de veteranos. Então, era a coisa mais engraçada e era gostoso você vir assistir. Apesar de alguns veteranos serem ruins de bola, mas era interessante porque você chegava lá campo, você tinha um cachaceiro jogando bola, que fazia _________, jogando no meio do pessoal, entendeu? Então, era engraçado. Tinha time bom.
P/1 – Me conta, você lembra de nome no tempo que jogavam?
R – Dois times que eu achava que eram... Achei na minha época que eram os dois melhores daqui que _______ revolução foi Colina e no meu “timezinho” que eu jogava, chamado Dois Irmãos. Era o seguinte, era um time formado por cerca de quase 20, 30 homens.
P/1 – Os Dois Irmãos?
R – Ahã. Só que é o seguinte: era muito difícil porque tinha os adolescentes, tinha os juniores e tinha os veteranos. E quando a gente ia jogar fora, a gente misturava os juniores com os veteranos. Para poder dar a raça dos jogos e a mentalidade dos veteranos. Mas só que quando jogava aqui, a gente tinha que separar. Aí, o que acontece? Tinha os Dois Irmão Um e Dois Irmãos Dois, que eram os mais velhos e os mais novos. Aí, qualquer campeonato que tinha aqui só podia entrar o bom, o que dificultava para a gente. Quando a gente queria jogar fora, ou a gente armava dois jogos ou então arrumava um e juntava todo mundo. Mas __________. A gente foi em duas excursões, que eu nunca vou esquecer na minha vida. Uma no Recreio dos Bandeirantes. Nós saímos daqui era o que? Cerca de seis de manhã, fomos de ônibus. Pegamos a Kombi aqui em cima, o ônibus, fomos para o Castelo. Do Castelo, pegamos outro ônibus que ficava horas do campo de futebol. Quando a gente chegou no campo, de tanto andar, a gente já não aguentava mais, e mesmo assim a gente só perdeu de 3 a 0. Só que a rapaziada estava muito interessada era no churrasco que ia ter depois do jogo, que era só amistoso, não valia nada. Aí, acabou o jogo, primeira coisa, fomos para a churrasqueira. Aí, o time que ganhou da gente, começou a zoar: “Não, porque vocês saíram de lá, diziam que eram bons lá, que não sei o que. Chega aqui vocês perdem para a gente”. A gente: “Primeiro, vocês jogaram com o velho. Segundo, _______, mas o novo estava cansado de tanto viajar [risos]. ___________, a única coisa que resta para a gente de consolo é o churrasco que vocês estão pagando para gente”, que eles pagaram para gente. A gente curtiu para caramba. Ficamos o dia todo lá no Recreio dos Bandeirantes. Foi interessante. A outra foi na Vila Aliança.
P/1 – Esse do Recreio você lembra o nome deles? Tinha nome assim? Era...
R – Eu não lembro nem do time e do bairro porque... Olha, só, tinha a rapaziada de 17, 18, até 35 anos de idade. O mais velho, era o nosso goleiro. A gente pensava assim: “Poxa, os mais novos vão aguentar, né?”. Mas, sinceramente, eu era o mais novo do grupo. Eu falei: “Olha, dez minutos”, porque lá no Recreio é quente para caramba. Pô, você vai jogar, você sai daqui às sete de manhã para chegar lá às onze, para jogar ao meio dia. Pô, não tem quem que aguente. Então, bateu desespero. Joguei 10 minutos, falei: “Pelo amor de Deus, eu saio”. Aí fiquei mais na torcida. Aí na minha parte, claro, ao invés de eu ficar torcendo, eu ficava lá sentado debaixo de uma árvore que tinha lá em volta, a cerveja rolando e eu vendo o meu time perder de goleada [risos]. Falei: “Não posso fazer nada, cara. Só lamento”. Aí na Vila Aliança foi interessante. A gente chegou lá, saiu daqui todo mundo empolgado: “O time de lá é ruim, que não sei o que. Já vieram jogar aqui na nossa comunidade, perderam. Perderam de 4 a 0, não sei o que”, contaram a maior história, né? “Ah, gente, então é fácil chegar lá e ganhar dos caras”. Aí quando a gente chegou lá, disseram: “Olha, botamos uma carne para assar e tem umas duas caixas de cerveja aí para depois do jogo. Mas se vocês quiserem beber agora, vocês podem beber”.
P/1 – Ai! [risos].
R – Aí o meu time, o meu time só tinha _______ seco, começando pelo técnico, né? O nosso técnico era técnico, roupeiro e diretor do grupo.
P/1 – Quem era? O nome dele?
R – É Tião Barbudo. Aí, o que acontece? A gente foi para o vestiário, trocar de roupa. Quando a gente acabou de trocar de roupa, o criado veio logo. Aí veio batida, veio cerveja. Aí os caras: “Não, mas a gente vai jogar”. __________. Daqui a pouco, quando a gente foi reparar, a gente já estava bebendo a horas. Aí chegou a hora do jogo. [risos] Na hora do jogo tinha uma vala, né, do lado do campo tinha um valão, valo de esgoto. Olha, _____ o nosso lateral caiu lá dentro umas três ou quatro vezes e era interessante que a gente que estava na reserva, a gente não estava esquentando a cabeça com o jogo, mas, porra, ________. O negócio para gente era só aquela: “Ô, vamos farrear agora. O que rolar, rolou”. O time dos caras meteu 3 a 0 só no primeiro tempo. O nosso lateral saiu todo cheio de lama: “Ah, não vou jogar mais!”. “Aí gente, _______ vou substituir o cara”. O cara foi para o churrasco, tomou-lhe uma caninha, voltou para o jogo. “Não, vou jogar”. Todo lameado, “vou jogar”. Aí os caras: “Não, deixa ele jogar, se não ele vai perturbar mais do lado de fora do que do lado do campo, né?”. Aí, o que acontece? Ele entrou para jogar. Quando ele entrou para jogar, ele ao invés de conseguir bater no cara, ele conseguiu bater em si próprio, cair dentro da vala de novo. Aí o técnico: “Não, não, tem que tirar o Zé Maria, não tem jeito. Ele não está legal”. Aí a gente: “Dá uma chance para o cara. Daqui a pouco ele soa, daqui a pouco passa”. Ele foi bater um córner, aí _________ passar em volta do campo, o córner era rente onde é a vala. Ele pára, faz a maior pose para chutar a bola. Na hora que ele vai chutar, ele erra a bola e cai dentro da vala. O time inteiro em cima dele, “não, sai, sai, sai, pelo amor de Deus, que não dá!”. Aí eu e mais uns dois caras pegamos, tiramos ele do jogo e botamos outro cara para jogar. Aí que o jogo terminou, 5 a 1 ou 5 a 2, aí os caras: “agora vamos para o churrasco”. Mas só que o meu time já estava chapado. Estava quase todo mundo bêbado. Depois do jogo, quase 17 horas, e o pessoal: “Ah, está na hora de ir embora”. Só que tinha uma rapaziada que falou: “Poxa, a gente vai embora? Vai ficar muita carne”.
P/1 – Não?
R – “Vai ficar muita carne, a gente podia levar para gente comer no meio do caminho.” Isso tinha o Barbudo que era o nosso diretor e o técnico do clube, do time, do grupo. “Aí, vamos levar”. Aí procurou não sei aonde, arrumaram uma bolsa, dessas de mercado, de plástico. O cara estava lá no Xepeiro, mete o garfo, tira um pedaço de carne, um pedaço legal, assim cerca de uns 30, 40 centímetros de carne. Tira no garfo, e coloca dentro da bolsa: “Vamos embora”. “Não, mas vamos levar cerveja para a gente poder beber” [risos]. Arrumaram outra bolsa, encheram de cerveja: “Vamos embora!”. Aí nesse intervalo do campo para onde a gente tem que pegar o ônibus, eu comprei um frango e mais dois camaradas lá compraram mais dois frangos.
P/1 – Que isso, gente!
R – Aí, como era dia de domingo, o ônibus veio vazio de lá para cá.
P/1 – Vila Aliança é onde?
R – Bangu.
P/1 – Bangu.
R – Aí veio vazio de lá para cá. Só tinha a gente dentro do carro. Para que, meu, meu Deus do céu!
P/1 – Abriram as bolsas.
R – Não, foi abrir bolsa nada. Foi negócio de torcer, assim, a boca da bolsa, botar a bolsa em cima do banco e dá-lhe mão. O frango assado, o frango assado foi a maior briga. O meu, eu peguei, sentei eu e meu co-cunhado num banco, e mais dois camaradas nossos sentaram na frente. O de trás ficou vazio, ninguém sentou atrás, né? Aí ficou só nós quatro. Daí eu peguei o meu, como era no pratinho, eu peguei o meu, peguei o talher, pensando em cortar. Os caras da frente falaram: “Que nada! Me dá aqui!”. Cada um tirou um pedaço, uma coxa, e o meu co-cunhado também pegou um pedaço, falei: “Já era, meu _____”. Aí os caras invadiram. Ficou só o pacotinho de farinha dentro do saco [risos]. Aí eu comi um pedaço do frango também, que eu não podia dar mole, né? Mandaram a cerveja para mim. Mandaram uma latinha, a turma abriu, falei: “Porra, ficou só a farinha, né?”. Já era. Abri o saquinho de farinha, para que, compadre? Aí cada um esticou a mão, “toma um pouquinho, toma um pouquinho” [risos]. Aí acabamos o meu frango. A gente estava saindo do ponto. Uns cinco minutos depois, lembraram que aqueles dois caras tinham comprado frango também, só que eles sentaram lá na frente, escondidos, atrás do motorista, né? Tem o vidro, então ninguém estava percebendo. E o Tião Barbudo com um “pedação” de carne desse tamanho dentro da bolsa. Mas ele falou: “Não, calma aí. Deixa esse por último”. E dá-lhe cervejinha rolando. Os caras tirando das bolsas e jogando dentro do ônibus. Vamos para o outro. Aí, o que acontece? Um dos caras lembrou que os outros dois que estavam na frente tinham comprado os frangos. Aí o cara falou assim: “Ah, ______ comprou o frango.” Eu falei assim: “Pô, é sacanagem, né?”. Fizeram lenha no meu e o cara segurou o dele. Espera aí. Eu estava lá atrás do ônibus, aí fui lá na frente, falei assim: “E aí? Um desses frango vai ter que rolar agora”. “Não, não, não, esse daqui vou levar para casa, dar para a minha mulher”. Eu falei: “Não vai, compadre”. Chamei mais uns dois caras, rasgamos a bolsa, saímos com o frango na mão, dividiram um pedaço para cada um dentro do ônibus [risos].
P/1 – Gente, que horror!
R – Olha, a gente tinha... Parece que nós tínhamos alugado o ônibus.
P/1 – Era de vocês, né?
R – Só tinha o cobrador e o motorista. O resto era 30 cabeças do mesmo lugar, entendeu? Para que, compadre? Aquilo foi uma baixaria. Quando soltamos, quando a gente virou para cá, matamos os dois frangos do cara e mais a cerveja. Aí acabou, só que todo mundo esqueceu da carne que estava com o Tião Barbudo. Aí saltamos lá na Tiradentes, e falamos assim: “Poxa, vamos tomar mais uma cerveja?”. Juntou todo mundo, fizemos uma vaquinha, fomos para um bar comprar as latinhas. Compramos umas 15 latinhas mais ou menos e dividimos. Pegamos copo descartável e dividimos. Aí teve um camarada que gritou: “E a carne que está com o Tião Barbudo?”. Puta que pariu. Olha, rasgaram o saco, pegaram a carne, cada um tirou um pedaço daquela carne...
P/1 – Com a mão.
R – Não, com a mão, e ainda por cima no meio da rua, cara.
P/1 – Por isso que você lembra disso [risos].
R – Não, mas foi demais. Poxa, cara, ninguém estava esperando um negócio daquele. Primeiro, a gente não estava esperando Tião Barbudo ter coragem de trazer... Um churrasco lá do pessoal, chegar, meter a mão, botar no saco e trazer. Só naquilo ali já quebrou. Falei: “Meu Deus do céu, cara, como é que esses caras são”. Aí, aqui em cima, a gente, pô, jogava todo final de semana, mas aí...
P/1 – Vocês tinham uniforme?
R – Nós tínhamos.
P/1 – Como é que era, Michel?
R – Tínhamos um todo verde, que era camisa toda verde, número branco com um emblema do Dois Irmãos, que mandaram fazer.
P/1 – Você ainda tem?
R – Não. Eu tenho o último uniforme, mas aí era o seguinte: um camarada conseguiu ganhar um jogo de camisa com 14 camisas da Fleischmann Royal. Só que tinha o emblema da Fleischmann Royal, não tinha o do nosso clube. Mas tinha as cores, vermelho e branco.
P/1 – A cor era vermelho e branco?
R – É, do nosso clube. O nosso clubinho era vermelho e branco.
P/1 – Isso do Dois Irmãos.
R – É.
P/1 – E você sabe da escolha vermelho e branco?
R – Não, mas acho que é por causa dos uniformes, que a gente tinha. Nós tínhamos até bandeira, cara. Tínhamos torcida.
P/1 – É? Que legal!
R – A gente era um time que tinha torcida aqui em cima. A gente tinha uma “bandeira” vermelha e branca que era, assim, dividida no meio, né? Uma parte vermelha, uma parte branca e um emblema no meio dos Dois Irmãos.
P/1 – Será que alguém ainda tem essa bandeira aí?
R – Ele deve ter ainda.
P/1 – Quem?
R – Tião Barbudo.
P/1 – Tião Barbudo.
R – Aí dá para saber ainda se ele tem.
P/1 – Vamos ver se ele tem?
R – Aí, o que acontece? A gente jogava em Minas, fazia excursões para Minas, aí já viu, excursões para Minas era aquele negócio [risos].
P/1 – Era farra do começo ao fim?
R – Era. Olha, a gente saía daqui às seis da manhã para chegar lá antes do meio dia para poder almoçar, para depois jogar. E quando vinha de lá para cá, trazia aquelas garrafas de cachaça, aquelas cachacinha da boa.
P/1 – Só iam os meninos? Meninas não iam ou as meninas iam?
R – Não, algumas iam. Eu tinha namorada, mulher, filhos. Aí quando a excursão era para Minas Gerais a gente levava todo mundo. Mas era _________ porque chegava lá... Era interessante o seguinte, ______. A gente saía para jogar lá, mas o pessoal daqui não arrumava confusão. Se um cara quisesse entrar numa, a gente chamava o pessoal da cidade para poder resolver [risos]. A gente não gostava de arrumar confusão ______. Agora quando os outros vinham jogar aqui já era diferente.
P/1 – Ah, é? Como é que era? Pois é, agora conta uma visita que você lembre, de algum time que vinha jogar aqui nos Prazeres, como é que era assim? Quem costumava vir jogar aqui, de fora?
R – De fora? De fora da comunidade só tinha, que era com frequência era por ano, Valete, Fogueteiros, que são comunidades ao redor e Cerro Corá. Qualquer campeonato que tinha aqui eles vinham.
P/1 – E era legal? Harmônico, não tinha porradaria, não? Era...
R – Não, tinha aquelas coisas de jogo.
P/1 – De jogo, né? E quem apitava, quem era o juiz daqui?
R – Normalmente era juiz daqui do Morro, da comunidade.
P/1 – Quem era? Tem um, lembra do nome?
R – Um que gostava de apitar era o Pavi, o apelido era Pavi.
P/1 – Era o Pavinho?
R – Pavi.
P/1 – Pavi?
R – É. Era o apelido dele. Era interessante...
P/1 – E ele era um bom juiz? ________ [risos] coitado da galera, né?
R – Defendia a nossa comunidade. Claro, que a prioridade era nós, né? Mas, poxa, quando vinha time de fora, assim, que a gente não conhecia, né? Não sabia como é que os caras jogavam. Esse pessoal, Fogueteiro, Valete, a gente convivia com eles sempre. Então, já sabia como jogar. Mas só que o interessante era o seguinte: que o meu time e a maioria dos times daqui, aqui na comunidade o time cresce, joga para caramba. Mas fora se perde, ficam tímidos [risos].
P/1 – Tímidos, Alex?
R – É sério. Era interessante porque aqui a gente tinha um time de júnior, que eles aqui em cima eram os melhores. Ganhavam de qualquer outro time do Morro. Mas ganhava do time daqui. Quando jogava fora, perdia. Vai saber.
P/1 - Por que será? [risos]
R – Ansiedade.
P/1 – Ansiedade, não ficava seguro, aqui estava em casa, né?
R – É, é, e era interessante isso. Agora, o nosso time não. O nosso time a gente era bom tanto aqui quanto fora.
P/1 – Fala o nome de alguns colegas que jogavam com você desse Dois Irmãos?
R – Ah, poxa, a gente tinha o China, que morava aqui em cima da Colina. O Flávio Guilhermino que é o presidente da Associação hoje. Tínhamos também o Índio que morava na parte de baixo da comunidade, ______, parte de baixo era _______ Barão. Zé Carlos, que só jogava porque era filho do presidente do grupo [risos].
P/1 – Quem era o presidente?
R – Era o Tião Barbudo.
P/1 – Ah, o Tião Barbudo. Jogava mal à beça, mas...
R – Não, mas aí sabe como é que é? Tinha, tinha...
P/1 – Tinha que fazer uma política _______.
R – Tinha que fazer. Aí, o que acontece? Jogava ele, jogava o Alex que é irmão dele também. Esse já batia uma bolinha maneira. Igual o ______ que era... Na época, ele era genro do Tião também. Tinha o Zé Maria e... O Zé Maria e Semundo, que eram dois caras que jogavam de laterais também jogaram...
P/1 – Zé Maria e?
R – E Semundo. A gente chamava ele... O nome dele era Edmundo, mas a gente chamava de Semundo.
P/1 – Segundo?
R – É Semundo.
P/1 – Semundo [risos]. Semundo?
R – É. Porque a gente chamava de sugismundo, né? Ele bebia muito, perdia a noção _______. A gente tinha mais alguns jogadores, que poxa, agora não lembro.
P/1 – Você ainda joga?
R – Até hoje. Cara, acho que tirando os meus outros dois vícios, que são dinheiro e mulher, _______.
P/1 – Não jogar futebol, né? Mas você joga aqui no campo?
R – Não, não, jogo só no Aterro do Flamengo porque lá trabalho com pessoas da federação, futebol ______, jogo no grupo deles e...
P/1 – Ah, você joga, então, ainda?
R – Bom, eu jogo futebol, mas amador, não mais profissional. Não tenho mais idade para isso. Um detalhe, outra coisa interessante, para mim, na comunidade, com a rapaziada, não sei se é porque eles me conhecem, e tem aquela implicância, mas na minha comunidade eu jogo mal. Eu não gosto de jogar aqui. Agora, lá no Aterro do Flamengo, qualquer hora, qualquer campo...
P/1 – Então, tu está ao contrário da galera aqui.
R – Qualquer campo que eu chegar no Aterro do Flamengo eu jogo e sempre sou elogiado. Não entendo. Mas aqui eu não consigo.
P/1 – Aqui rola muita porradaria em jogo aqui?
R – Não, não. Só na pelada.
P/1 – Só na pelada aqui.
R – Na pelada é aquilo porque é um racha, né, vale-tudo.
P/1 – Que horror!
R – É.
P/1 – Vem cá, aquela bola, que o campo é... Assim, aquela bola não vai longe não porque vocês não tem tela ali, né?
R – Não, na parte que ela cai, ela só cai em dois lugares, que é Mangueira e ________ que é um bairro condomínio que tem logo atrás da comunidade. Então, o que acontece? Tu dá uma bicuda na bola, ela vai parar lá embaixo no bairro. Aí ou você pára o jogo para ir buscar ou então, quando é jogo de campeonato, tem gandula, que vai ali embaixo e busca.
P/1 – Só tem uma bola geralmente? Não tem...
R – Não, na pelada é só uma, duas no máximo. Mas outra coisa interessante no campeonato daqui: o gandula também ganha.
P/1 – Ganha o que?
R – A federação do Rio não paga o cara para “gandular” no Maracanã, nesses estádios? Então, nós também, nós pagamos.
P/1 – Ah, que bacana! O que? Dinheiro?
R – Um refrigerante [risos]. A cada jogo eles... Vamos supor, normalmente são quatro garotos, né, de uns 10 a 14 anos de idade. Aí, cada jogo eles têm direito a um refrigerante cada um.
P/1 – Poxa, vocês são super legais.
R – Não, é que normalmente a gente mandaria a força. Dava um cascudos neles e mandaria, mas aí fica, assim, muito esquisito, né? Aí é melhor eles buscarem por amor ao refrigerante do que pelo ódio [risos].
P/1 – Mas Michel me conta assim, por exemplo, tem diferença, ou tinha na sua época educação entre homem e menina? Por exemplo, você como um garoto, você brincava de rolemã, futebol, como é que eram as brincadeiras das meninas? Por exemplo, uma irmã sua, como é que eram as tuas vizinhas? Do que que as meninas brincavam?
R – Normalmente, naquela época, era aquela coisa, né? Pelo fato de que aqui só tem os mineiros, a família mineira sempre foi daquelas fechadas, as meninas não podiam se misturar, não podiam brincar com as coisas de meninos. Então, achavam privado de andar com a gente, de estar no mesmo lugar que nós. Se ela chegasse num lugar que tivesse só meninos, elas eram obrigadas a sair dali, entendeu? Mas elas tinham também a parte delas, que elas se destacavam. Era igual ao clubinho de meninos e clubinho de meninas.
P/1 – Bolinha e Luluzinha.
R – Então, já sabe. Se elas estivessem todas num lugar e os meninos se misturassem, também eles tomavam esporro. Era complicado por causa disso.
P/1 – Vocês tinham baile aqui de danças ou saiam para dançar ou tinha baile aqui na comunidade?
R – Bom, na minha adolescência tinha. Nós tínhamos... Não era baile, né? Às vezes tinha sexta, sábado e domingo, durante cerca de uns 10 anos era obrigatório... Para você entender bem, era obrigatório sexta, sábado e domingo tinha que ter uma festa de um grupo que nós tínhamos, que era chamado de Vila, que era Gomes Lopes e parte do pessoal, dos adolescentes do Escondidinho e da Gomes Lopes. Tinha poucos, mas tinha alguns da Barreira. Isso era um grupo, tipo uma gangue, só que era gangue de pessoas que o negócio era só se divertir. Então, o que acontece? Quando chegava no final de semana era na casa de um… Na sexta na casa de um, no sábado na casa de outro, no domingo na casa de outro. O mais interessante era o seguinte, que por mais que você falasse assim: “Poxa, mas esse final de semana eu não vou beber nada”. Olha, podia não ter nada, todo mundo estar duro, mas de uma hora para a outra apareciam caixas e mais caixas de cerveja, litros e mais litros de bebida. Agora, você ia perguntar da onde é que vinha? Ninguém sabia. Só sei que nego fazia assim: um arrumava o creme de leite, o outro arrumava a cachaça, o outro...
P/1 – Para fazer batida? Docinha.
R – É, o outro já arrumava fruta, o outro já ia ali na barraca, pegava uma caixa de cerveja fiado para pagar mês que vem, o outro iria ali já buscava mais seis, outro buscava mais oito.
P/1 – Quantos vocês eram?
R – Éramos mais de 30.
P/1 – Meninos e meninas?
R – Ahã.
P/1 – E quantos anos você tinha nessa época?
R – De 16 para 17. Aí também eu era o caçula.
P/1 – O que que vocês dançavam, Michel?
R – Funk, pagode e lenta. Existia uma lei, que era a seguinte: no início da festa, tinha que ser o funk, que era para se distrair e olhar as garotas que vinham de fora, porque tinha muita mulher de fora. Aí, o que acontece? No funk, você ficava dançando, tal, e ficava de olho na garota. Aí depois vinha a parte do pagode, que era a hora que você chamava a garota para saber se era aquilo mesmo, e você dançava a música, duas ou três.
P/1 – Sentia, né?
R – Para ver se qual era o clima.
P/1 – Qual era o clima.
R – Aí, quando era umas duas, três da madrugada, aquela hora, assim, tinha hora para terminar a festa. Aí se tocava música lenta, que ia até às sete. Aí rolava essas lentas, que já era já para você dar aquele chamego na mulher e já sair. Aí quando terminava o horário, que era normalmente às seis ou sete, terminava...
P/1 – Na casa de um... De alguém?
R – Não, tinha que ser na casa de alguém. Era um na sexta, outro no sábado, outro no domingo. Aí quando via sete, seis, sete, todo mundo que estava na festa já tinha formado, já tinha saído, já estava... Ou já tinham aprontado, já estavam bebendo de novo. Então, tinha essa regra e as pessoas que vinham de fora se acostumavam com isso.
P/1 – Mas era aqui nos Prazeres? É na Rua Gomes Lopes...
R – Era Rua Gomes Lopes, Escondidinho.
P/1 – Escondidinho.
R – Mas, às vezes, a gente também ia para _____ que tinha os amigos nossos. Igual, o Luizinho, que trabalhava de barman numa boate.
P/1 – Que ótimo!
R – Ele trabalhava de barman numa boate. Então, o que acontece? A gente chegava na sexta-feira: “Ah, não, não vamos fazer nada na casa de ninguém não. Vou lá para a boate onde o Luizinho trabalha”.
P/1 – Qual era, você lembra da boate?
R – Ah, agora eu não lembro não.
P/1 – Aonde, na cidade?
R – Era Botafogo.
P/1 – Botafogo.
R – Acho que na época o que mais se destacava em Botafogo era ______. Então, o que acontece? A gente ia para lá, aquela renca de homem. Chegava lá fazia aquela zona. Aí, pô, como a gente fazia isso frequentemente, cerca de uma vez por mês, né, aí quase se tornou uma rotina. O chefe dele quando chegava o dia de nós irmos para lá já falava assim: “a turma do Luizinho vai vir, então vocês já sabem: juntem as mesas lá no canto, que a mesa lá vai ficar só para eles e as mesas dos clientes vocês botam para o outro lado”. Então, ficava já separado.
P/1 – Mas vocês tiravam as moças para dançar na boate?
R – A gente não só tirava não, a gente levava para fora também.
P/1 – É? Adoravam, né?
R – Que? Era bom [risos]. Era, assim, aquela famosa frase “eu era feliz e não sabia” porque...
P/1 – E baile funk aqui? Me conta, tinha baile aqui na quadra?
R – Tinha, mas aqui era muito, sabe? Porque a nossa galera era praticamente a juventude do Morro, tudo era a nossa galera. Então, a gente nunca gostou de ficar muito, assim, se misturando com o pessoal da Barreira, porque aqui, por incrível que pareça, existiu e existe até hoje uma certa, assim, desconfiança de separação, de comunidade. Mesmo você sendo amigo, você não se misturava de você ficar indo na área do outro em festas.
P/1 – Mas vocês quem, Escondidinho com Prazeres?
R – Não, não é existir... É. Aí, vamos supor, se eu fizesse uma festa no Escondidinho, eu chamava quem era da Barreira. Mas quem era da Barreira fazia manha para não ir. Dava desculpa e não ia. Então, foi se tornando isso, assim: “se você tiver festa na sua casa, também não vou”. O outro também: “se tiver também não vou”. Então, o que acontece? A gente só se juntava quando era fora, quando a gente falava assim: “Hoje , vamos lá para o Fogueteiro, ________”. Aí sim, se uniam as três partes, que era a Barreira, Gomes Lopes e a nossa gangue.
P/1 – Só para ficar gravado, o que que você chama de Barreira?
R – Barreira onde é a quadra...
P/1 – Hoje, né?
R – E em volta a essa quadra porque casa acima é Colina e abaixo é Gomes Lopes.
P/1 – Mas a barreira antes de existir a quadra ali existia o que?
R – Olha, era um campo onde era um caminho de barro, que pela necessidade de construir as casas de alvenaria, quando começaram a construir dali foi se retirando. Até aqui o pessoal reparou que estava se formando um campinho legal ali, e as crianças começaram a brincar. Então, através disso as pessoas... Hoje em dia existe a quadra porque eles cortaram o barranco para poder construir e fizeram com isso um patiozinho bem grande e se tornou a área de lazer da comunidade. Depois desse barro foi concretada e assim ficou concretada por um bom tempo, até vim com aquela _____ e construiu realmente uma quadra fechada.
P/1 – E você jogava nessa quadra? Você já jogou na quadra, brincava ali?
R – Ah, brincava. Brincava. Quando era de barro era mais gostoso.
P/1 – Ah, é? [risos].
R – Porque, poxa, dia de chuva você imagina: a bola caía numa ribanceira cheia de barro, você ia atrás para buscar. A gente ia buscar a bola, passava da bola, escorregão, tinha que voltar subindo de novo. O barracão, você chegava lá em cima para jogar, você estava mais sujo do que a bola. Então, se tornava uma grande diversão, só pelo fato de você jogar bola, como você está ali se jogando na lama, não esquentar a cabeça com nada, você não tem com o que se preocupar, né? Então, se tornou interessante. Hoje em dia não. Hoje em dia já tem aquele negócio longe, ________ bola. Hoje em dia não tem mais diversão, que você possa dizer assim: “Poxa, eu na minha parte, eu com…”. Na minha adolescência só conheci aquelas coisinhas, que era jogar uma queimada com as meninas quando tinha jogos. E que bandeira que eu me amarrava.
P/1 – Adorava também!
R – Eu adorava.
P/1 – Que era boa...
R – Porque, olha, eu sei que foi o seguinte; pelo fato de eu ser alto, o pessoal achava assim: “Não, tu é alto, tu é desengonçado”. Mas não, eu sempre tive ginga. Então, para mim era fácil. Eu chegava, marcava um, dois, gostava de ______ em linha, batendo papo com camarada que estava na minha marcação...
P/1 – Ah, que sacana! [risos].
R – Aí ficava batendo papo com o cara, via que ele se distraía, dava um empurrãozinho nele para o lado e embarcava para a roda. Quando chegava na roda, eu esperava ele ficar olhando para a minha cara e se distrair. Quando ele se distraía, eu fazia questão de não passar direto para o meu campo. Não fazia questão de não marcar _______. Eu tinha que driblar alguém para poder chegar lá. Então, gostava muito de fazer uma gingada, chegar em cima da linha, dar um pisão na linha e dar um pulo para trás, fazer o cara passar na minha frente direto.
P/1 – Esse era o seu prazer, né?
R – É. Então, eu parava, vinha assim, falava: “Agora vem de novo. Vem, que você me pegar”. Botava o pé na linha, e já era. 1 a 0 para gente, né?
P/1 – E era misto, jogava as meninas e os meninos?
R – Jogava, era misto.
P/1 – E isso onde é a quadra hoje?
R – É. E na escola também. Mas na escola tinha pouco espaço, porque era na rua. Mas eu gostava, cara, porque...
P/1 – Quer dizer, você acha, então, tem uma diferença, apesar do pouco tempo, quer dizer, entre a tua infância, adolescência aqui para essa juventude daqui hoje?
R – Existe. Se você chegar em uma menina ali, falar para ela assim: “Poxa, você sabe o que é pular corda? Você sabe o que que é pular amarelinha?”. Ela vai dizer para que não sabe. Agora,se perguntar para ela, “Você viu o que passou na novela ontem de picante?”. Ela vai dizer para você que passou na TV.
P/1 – Vocês tinham televisão, Michel, em casa?
R – Ah, nós tínhamos sim uma televisãozinha de 14 polegadas, preto e branco [risos].
P/1 – Na sua época, o que que você via de televisão?
R – Gostava muito da Manchete, que na época que nós tivemos a primeira televisão dentro de casa...
P/1 – Foi quando, Michel, você lembra o ano?
R – Não, mas eu lembro do slogan da Manchete, que aparecia a letra M e parecia igual ao Jornada nas Estrelas, né? Aquele “M”, assim, flutuando, e vinha aqueles raios, assim, “thum”, uma bolinha aqui, uma bolinha aqui, uma bolinha aqui, outra bolinha aqui, outra bolinha aqui, né? Nessa época era a época que passava Ultraman, Spectroman. Cara, eu não perdia um capitulo deles, mesmo sendo em preto e branco. Achava aquilo demais.
P/1 – Mas a tua juventude não foi grudada na televisão?
R – É ruim, ein? Foi mais trabalhando do que vendo TV.
P/1 – Agora, Michel, em termos de trabalho aqui na comunidade, você fez trabalhos aqui no Projeto Favela-Bairro, por exemplo, você trabalhou?
R – Trabalhei.
P/1 – Me conta, então, um pouquinho como é que é? Como é que foi a tua experiência aqui? O Projeto Favela-Bairro foi em 1982, se eu não me engano?
R – Ahã. Na primeira parte da Favela-Bairro, trabalhamos com mutirão. Fizemos os esgotos, as primeiras vias de esgoto para acabar com as valas. Então, nós fazíamos galerias. Na época, assim que começou, eu trabalhei como servente. Aí, depois de um ano passei a pedreiro. No caso, nem era pedreiro, se chama Meia Colher.
P/1 – Meia Colher.
R – É, na gíria da construção civil, Meia Colher é o cara que sabe levantar uma coluna, levantar uma parede, mas não sabe fazer o arremate, não sabe embolsar tudo, entendeu? Ele não é completo. Por isso que ele é Meia Colher. Aí depois de mais uns três anos trabalhando de servente porque o encarregado tinha trocado, então vinha pessoal de fora, outro mutirão, né? Uma outra empresa. Aí entrei como servente, e fiquei mais uns dois anos trabalhando aqui. Aí foi a minha última agora, que nós tivemos em 2000. Eu trabalhei como auxiliar administrativo, mas na minha carteira está como pedreiro. Trabalhei só mais três meses. Aí pelo fato de eu ser muito enxerido, eu gostava de me meter muito na...
P/1 - Bom, aí você estava contando, Michel, que aí começou trabalhar informalmente, né, porque não era na carteira, como...
R - Porque não podia, né? Era o seguinte, já existia o administrativo e o auxiliar administrativo mesmo na carteira. Só que pelo fato de nós termos 300 funcionários, não tinha condições de os dois suportarem isso e não estavam só fazendo o serviço deles, estavam fazendo outros mais. Aí, o que acontece? Me passaram para auxiliar administrativo. Nessa que eu fiquei como auxiliar administrativo, outro rapaz já foi só para engenharia de campo. Nessa que ele foi para engenharia de campo, eu me agrupei. Fiquei 11 meses trabalhando nisso. Logo após a Favela-Bairro, eu fui para a associação de moradores trabalhar de apoio lá e fui colocar as janelas e portas e banheiros. Fazia instalações de água lá dentro, interna, né? E fiz alguns trabalhos também lá.
P/1 - A associação já era onde é hoje?
R - É. Isso foi agora, há pouco tempo.
P/1 - Mas duas avaliações que eu queria de você. Uma, primeira, como é que você viu a entrada do Favela-Bairro, o que que você achou para a comunidade, você que é nascido aqui, como é que você viu esse trabalho do Favela-Bairro e como é que você viu esse trabalho da associação dos moradores?
R - Bom, é o seguinte, a Favela-Bairro foi interessante duas partes.
P/1 – Favela- Bairro foi Prazeres e Escondidinho?
R - Certo.
P/1 – Certo. Uh?
R - Aí foi o seguinte, a primeira etapa foi aquela etapa que tirou aquela vala que existia na minha casa, que eu te contei no início. Então, foram eles que construíram. Na época não se chamava nem Favela-Bairro. Chamava-se Mutirão. Foram “matadas” essas valas e tal, só que, pelo fato da verba ter acabado, se eu não me engano, não sei se trocou de governo, ou a verba que era destinada para nós tinha acabado, veio a segunda etapa do Favela-Bairro. Essa segunda etapa foi a etapa que retirou casas e construiu ruas, certo? Então, eu acho que até agora não prejudicou nada em nada, cara. Para mim, ela só melhorou. Tudo bem que, pelo fato de nós perdermos aquelas vielas que nós tínhamos antes e terem feito ruas, aquelas coisas que eu tinha na adolescência se acabaram, né? Aquele tipo de brincadeira, foi interessante ver essa diferença. Imaginar que eu brincava de jogar bola no meio da rua e hoje em dia a coisa mais difícil é você ver alguém jogando bola na rua. O pessoal joga dentro da quadra. Antes, você tinha a liberdade quando você queria jogar bola, você ficava brincando na esquina, outro grupo na outra, outro na outra. Agora não, está todo mundo lá na quadra. Pô, você tem que ficar horas e mais horas esperando chegar a vez para você poder jogar dez minutos, entendeu? Então, isso também desanima você a ir procurar a quadra para jogar bola, procurar o “campão”. No meu ponto de vista, o que me desanimou a jogar bola na minha comunidade foi isso. Agora, lá no aterro, eu sou super elogiado e chego, jogo qualquer hora. É de manhã, de tarde, de noite. O máximo que eu espero lá é dez minutos, mas não é a mesma coisa de chegar aqui, jogar aqui na comunidade e você ficar meia hora esperando acabar o jogo, entendeu? Aí, como as pessoas se conhecem, então é pior ainda, que eu acabei de jogar, o cara sabe que eu jogo bem, vem me chamar de novo e quem está de fora não entra, entendeu? Voltando ao assunto da Favela-Bairro: quando acabou essa última etapa que teve agora, que não foi o término das obras, nós ficamos esperando o retorno do Favela-Bairro. Então, muitos não procuraram um emprego fixo. Muitos se preocuparam em aprender alguma profissão ou se aperfeiçoar no que já sabiam. Então, foi interessante que hoje em dia tem umas casas em frente a associação de moradores, que têm um trabalho de mosaico. Então, umas 15 dessas pessoas que fizeram os mosaicos eram todos trabalhadores de construção civil. Então, o que acontece? Poxa, eu como pedreiro, eu também posso fazer o serviço deles, que é interessante e faz parte do pedreiro colocar seu trabalho desse de mosaico. Agora, é meio difícil você encarar o mosaico como uma profissão porque você já imaginou? Quantos têm para poder pagar uma sala, tipo um piso de quatro por quatro, três por quatro, trabalhado no mosaico? É mais difícil do que você botar azulejo, cerâmica. Poxa, então o cara tem a grana, não vai sair para você fácil. O que acontece? Nós que estivemos naquele curso de mosaico...
P/1 – Tinha um curso de mosaico?
R – É, nós fizemos durante três semanas. De segunda à sábado. Aí nós queríamos o seguinte: uma das etapas do curso era mostrar para a comunidade que a gente podia melhorar a comunidade sem gastar, entendeu? Porque se você parar para pensar, mosaico é um montão de pedacinho de azulejo que você encontra em qualquer construção civil. Então, sendo pedreiro, achei interessante isso. Só que aí, é o seguinte: eram 30 pessoas inscritas. Somente 15 participaram até o final e desses 15, se contar, acho que cinco se formaram...
P/1 – E quem fez a escada?
R – Foram as pessoas que trabalharam no curso. Foi interessante o seguinte, que o curso era de das 18 horas até às 21. Então, o que acontece? Poxa, é a hora que todo mundo chega do trabalho. Aí eles fizeram aquela escadaria mais de não sei quantas vezes. Ainda tinha uns camaradas ainda aqui que, de raiva, por não concordarem com o que estava acontecendo na comunidade, passavam ali para retirar. Já imaginou, tinha dias de a gente acabar aquela escadaria, juntar todo mundo assim, sabe? Uns 30 pedreiros e falar: “Hoje nós vamos fazer essa escada”. Aí construía mosaico na escada de ponta a ponta. Poxa, ali deve ter uns 15, 20 a 30 degraus só na primeira parte. Você imagina só: aquelas 30 pessoas fazendo aqueles 30 degraus, descer, virar para cima, olhar e falar “está bonito”. No outro dia de manhã, chegar lá e estar tudo desmontado. Ficamos muito irados com isso. Eu falei na reunião por causa disso, eu falei que nós tínhamos a proposta de mostrar o trabalho. E nós tínhamos também que aceitar a reação de quem gostava e de quem não gostava. A maioria elogiou, certo? Mas isso não adianta. Se nem Deus agrada todo mundo, não vai ser a gente que vai agradar. Mas, simplesmente, já sei que o cara está reparando na escada. Se ele não tivesse reparado na escada, no trabalho que nós estávamos fazendo, ele não ia lá mexer, entendeu? Aí, ele tirava num dia, a gente colocava no outro. E assim ficou durante semanas, as três semanas isso. Só que nós não descobrimos quem era. Quem a gente pegava no flagra, dizia que era sem querer. Pisou na beirada do caquinho e fez cair, né? A gente ficou, nessas semanas, passando por esse dilema. Só que quando o curso acabou, o mosaico ficou na escada.
P/1 – Até hoje, né?
R – Até hoje. O mosaico ficou na escada.
P/1 – E essa escada é uma escada que todo mundo quis, agradou? A construção dessa escada agradou a maior parte dos moradores?
R – Agradou, com certeza.
P/1 – E a associação, fala um pouquinho da associação para a gente ir finalizando, porque eu queria que você me contasse do Casarão, quais são as suas memórias do Casarão. Fala da associação primeiro. Como é que foi a sua participação?
R – Na associação de moradores era participação voluntária, que na época eu estava desempregado [risos]. Mas era parecido com essas valas mesmo. Mas aí o que acontece? Vai me desculpar, tá?
P/1 – Tá. Então, leva ______.
R – Não, vai me desculpar _______. Aí, o que acontece? A associação de moradores, na época, ela tinha… Um, dois, três diretores, mais o presidente e a vice. Só que eles não tinham tempo para poder fazer um serviço...
P/1 – Quem era o presidente na época?
R – Flávio Guilhermino, que ainda está até hoje. ___________. Aí na época era seu José Bernardo, o Denílson Barbosa, a Zoraide e Elias. Só que cada um na sua posição não tinha um tempo, nem cabeça para fazer o que tinha que fazer. Aí, fui convidado para trabalhar na associação de moradores como voluntário, fazer um serviço de alvenaria e trabalho hidráulico. Eu fazia o serviço de carteiro, que na época não era pago. Depois que passou a ser pago, que eu tive sair, colocaram outro camarada, mas, certo. Não lamento, mas também não me entristeci com isso porque logo após, eu saí da associação pela primeira vez, assim que eu fui convidado. Depois de cerca de um ano, um ano e pouco, aconteceram algumas coisas, eu saí, fui trabalhar fora. Trabalhei seis meses fora, aí fui convidado de novo para trabalhar lá, para dar um apoio para o pessoal. Eles estavam precisando. Lá fui eu de novo para associação de moradores. Aí nesse negócio de eu ir e voltar para a associação, eu trabalhava um tempo fora, voltava para associação. Se eu não me engano, eu fiquei cerca de uns três anos, três ou quatro anos nisso. Aí se precisava qualquer coisinha, ou me ligava, ou me cercava na rua: “Cara, olha, estou precisando fazer um serviço e, pô, estou precisando de você.” Aí, eu ia para lá, no final de semana, ou então no meu dia de folga.
P/1 – Pois é. Mas o que... Para a gente entender. Michel, o que que significava isso para você? Quer dizer, você estava na luta, precisava ganhar grana, o que que significava para você fazer esse trabalho voluntário porque você não ganhava, você estava trabalhando para a comunidade.
R – Não, porque é o seguinte; eu falo serviço voluntário porque é o seguinte: na maioria das vezes que eu estive na associação, eu não ganhava salário com isso, mas eu ganhava outras coisas. Eu ganhava cesta básica, minhas filhas ganhavam umas coisas, entendeu?
P/1 – Fala das suas filhas, nome completo e nasceram em que ano?
R – A Bruna _________ tem três anos, nasceu no dia 8 de junho. A Andressa tem um ano e quatro meses. Quatro meses não... Ela nasceu dia 14 de fevereiro.
P/1 – As duas nasceram aqui?
R – Não, nasceram no Rio. Uma nasceu na maternidade Praça XV e a outra na Maternidade ______________.
P/1 – Quer dizer, foram criadas aqui na comunidade, né?
R – São.
P/1 – São criadas aqui.
R – E se Deus quiser, elas fazem a próxima geração da família também na comunidade porque já vieram...
P/1 – Michel, elas são muito pequenininhas, tá?
R – Então, a gente começa pensar desde pequeno.
P/1 – Preocupação do pai.
R – Não, depois quando elas tiverem com 10, 13 anos de idade, não sei como é que vai ser. Não se eu vou estar vivo até lá, nunca se sabe.
P/1 – E a tua mulher você também conheceu aqui?
R – Conheci aqui. Ela é paraibana. Veio para o Rio com seis anos de idade com os pais, e foram morar próximo a casa da minha avó materna. Aí a gente se conhecia e tal. Mas era interessante, que a gente não se falava. A gente nunca se falava e ela me odiava. Acho que ela se casou comigo porque ela me odiava, que até hoje a gente briga muito [risos]. Aí vira e volta a gente fica comentando, né?
P/1 – Mas tem duas filhas tão bonitinhas.
R – Ah, mas minhas filhinhas, pô, vai ver que foi dádiva de Deus.
P/1 – Bom, então vamos lá para a gente ir encerrando. Então, o negócio da associação... Era isso que eu queria entender, o que que significa para você fazer esses trabalhos assim?
R – Porque não tinha, não tinha uma verba financeira e eu precisava trabalhar. Então, o que acontece? Eu fazia serviço voluntário.
P/1 – Os indiretos, né?
R – Os indiretos. Não era em dinheiro, mas, poxa, me ajudava bastante. A minha família não passava fome, para os meus filhos não faltava nada.
P/1 – Tuas filhas frequentam a creche?
R – Estão na creche ______. Tem três ou quatro meses que elas estão na creche.
P/1 – E o Casarão, Michel, quais são suas memórias do Casarão na tua infância? O que que representava para as crianças?
R - _________ Casarão para mim, só lembro do tempo que aqui eram as fábricas. Antes de ser reformado, a gente não chamava isso aqui de Casarão, né? A gente chamava de Casarão dos Padres. Na época, a gente vinha para cá para jogar bola, naquele pátio, onde é o estacionamento hoje em dia, a gente brincava de bola. Material era descarregado lá na quadra, onde é a quadra e aqui também. ________ descarregava aqui para subir pela Pedreira. E a gente tinha um certo convívio com o pessoal. Com os últimos que moraram aqui, que era o seguinte: a gente saía da escola e, como eu sempre fui o mais alto da escola, eu tinha poder de liderança na sala. Então, a gente vinha para cá, praticamente, todo dia pular a cerca dos moradores e usar a piscina aqui atrás, que existia uma piscina.
P/1 – Aqui atrás?
R – É, onde é a caixa d’água. Aquilo ali era piscina. E tinha um monte de cachorro aqui. Só que a gente fazia o seguinte: já vinha lá de baixo com os bolsos cheios de pedra para chegar aqui, “barulhava” os cachorros que corriam lá para os fundos e ficavam latindo, mas não vinham atrás da gente. A gente sabia que só tinha um casal de senhores aqui e eles não se meteriam com a gente. No início, até implicavam com a gente, xingavam, brigavam com a gente, mas depois eles se acostumaram e eles mesmos limpavam a piscina para a gente poder usar [risos]. Aí o que acontece? A gente...
P/1 – Que graça!
R – É, a gente tinha um convívio com eles.
P/1 – Quem eram, você lembra assim?
R – Não lembro. Sei que era um senhor que tinha cerca de um metro e sessenta, um metro e sessenta e dois mais ou menos, por alto, né? E bem _______ deve ter 60 anos de idade. Eles morava sozinhos. O casarão todinho. Isso aqui era um assombro. Ninguém ficava aqui a noite.
P/1 – Você entrou aqui quando eles moravam aqui alguma vez?
R – Não, eu tinha medo. Eu tinha medo porque a varanda, que hoje em dia está reformada, elas tinham os gradis, umas madeiras trabalhadas ali, cercando a varanda. Então, a gente não chegava do lado de dentro. Igual, você sabia que eles tinham uma porta aqui no fundo de madeira, que é por onde eles entravam, né? Então, a gente chegava dali da porta, cumprimentava eles: “oi, oi, oi”. Usava a piscina e ia embora.
P/1 – Mas essa piscina era grande, pequena, como é que...
R – Era cerca de uns seis metros de comprimento por uns quatro de largura. Cerca de 60 centímetros a um metro no máximo, que era _______. E tinha uma nascente naquela caixa de água dele, onde era a caixa d' água dele.
P/1 – Tinha uma nascente?
R – É. Onde era a caixa d’água, aquela água que jogava dentro da piscina igual...
P/1 - ______.
R – Não, agora não é mais.
P/1 – Sim, mas era água natural de nascente?
R – É. Aí ela vem ao fundo da casa, que era __________. Hoje em dia _________ não passavam mais lá porque elas nasciam nas pedreiras e desciam aqui por trás. Então, como aqui atrás não tinha água _____, então elas vinham de lá para cá e chegavam aqui, nessa caixa deles, e jogava para a piscina. Então, o que acontece? Quando jogava da piscina, jogava debaixo _________. Então, a gente vinha para cá, utilizava água a vontade. Quando não era isso, a gente ia lá para o Xororó, que também era uma outra piscina. Porque essa piscina é de uma casa. Hoje em dia, a nascente foi cortada. Aí essa casa era um casarão que tinha lá, tinha essa “piscinona” na beirada e também era uma piscina onde a nascente que vinha lá cima das paineiras. Mas eles passavam dentro dessa piscina e desaguava ali no Cosme Velho. Ela passava por aqui, por cima, e descia por ali. Depois a gente ia para lá também.
P/1 – Que delícia! [risos].
R – Eram os dois lugares que a gente frequentava. Saía da escola, ia para lá.
P/1 – Mas e a época dos padres aqui, você lembra das figuras dos padres aqui no Casarão?
R – Não.
P/1 – Pouca.
R – Pouca.
P/1 – É?
R - Porque a gente quando... [risos]. Quando a gente queria atazanar os padres, a gente vinha para cá, e começava a gritar. O padre, se ele não aparecesse, a gente jogava pedra na janela. Porque eram _____ e a gente fazia maior bagunça.
P/1 – Mas como é que a comunidade via o Casarão? Vocês, quando crianças, tinham, rolavam, assim, meio de “casa velha”, “abandonada”, “ninguém...
R – Sim. Era. Para gente era só um casebre, onde tinha duas pessoas que não tinham onde se enfiar e estavam tomando conta daqui, desse casarão abandonado. Nós tínhamos entre nós várias sigmas, que isso aqui era assombrado, que existia lobisomem. Para a gente existia isso tudo porque a gente não falava com os padres que vinham para cá. Porque, normalmente, quando a gente falava com o pai ou com a mãe, eles passavam por aqui, já sabiam, qualquer reclamação que ia para os pais, que os padres fazia era a gente que passava por aqui.
P/1 – Ah, rolava isso?
R – É. Então, “ah, mas eu vi Fulano de tal passar. Vi Fulano, filho de Fulano passar”. “Ah, então se filho de Fulano passou, então _______ também está.”
P/1 – Também passou porque eles estão sempre juntos [risos.]
R – É. Então, a gente tinha essa...
P/1 – Quer dizer, então, rolava uma coisa assim, na época dos padres tinha o maior respeito aqui pela ______.
R – Tinha.
P/1 – As crianças não podiam apavorar muito, não podia...
R – Não, nem as crianças, nem os adolescentes brincavam... Quer dizer, não destruíam a casa. Claro que a gente tinha...
P/1 – Falando melhor, não era assim... Vocês tinham isso, destruía, né?
R – Mas a gente fazia uma “badernazinha” de vez em quando, né?
P/1 – Tá, outra coisa para te perguntar: você falou durante o depoimento uma coisa de birosca. Mas qual é a diferença entre tenda e birosca?
R – Não.
P/1 – Como é que era uma na sua infância? A sua mãe se abastecia de coisas daqui, da comunidade ou vocês faziam compras fora? O que que você lembra disso?
R – Aqui era o seguinte: eram poucos tendeiros que sobreviviam disso. Então, pelo fato da situação nossa ser bem precária, você dependia de abrir conta em barracos, aquelas tendinhas, vendas, tudo a mesma coisa. Só que lá, os caras não vendiam só cachaça. Vendiam o básico: arroz, feijão, sal, essas coisas. Então, não tinha necessidade de se preocupar quando o dinheiro estivesse acabando. Você ia lá no barraco, abria o que? Uma conta com o tendeiro, no final do mês você pagava.
P/1 – Tinha um especial que o seu pai, sua mãe compravam ou você lembra de um tendeiro?
R – Tinha.
P/1 – Quem era?
R – Tinha, tinha... Hoje em dia eu moro na rua, que hoje em dia é da minha tia.
P/1 – Você mora na Barão de Petrópolis?
R – É, Rua Barão de Petrópolis, 780, só que ________ metade da rua, _________ da comunidade. Aí ________ que são três ruas assim.
P/1 – Você não lembra o nome?
R – Não lembro o nome dele. Na minha época só tinha ele na parte de baixo que vendia arroz, feijão. Ah, também tinha outro. Chama seu José Jorge.
P/1 – Ah, é?
R – Tinha. Uhh, lembrei, seu Murilo, que era da parte de baixo também. Aí vendia o básico.
P/1 – E em relação ao bairro de Santa Tereza, Michel, assim como é que é... Por exemplo, carnaval, como é que era o carnaval na tua geração? Vocês participavam do tal bloco carnavalesco Acadêmicos dos Prazeres, você se lembra um pouquinho disso?
R – Eu lembro. _______ formação da quadra e tal. _______ tinham que sair, né? Se unia todo mundo na quadra. _____ até interessante, porque estava conversando com o pessoal da Agenda 21, que é um pessoal que está querendo saber o que que falta em Santa Tereza. Aí, eu estava comentando porque existe uma grande diferença entre o asfalto e o morro. Mesmo em Santa Tereza existe isso. Aí, eles estavam pensando em como reintegrar isso? Como era antigamente? Antigamente não existia esse negócio de “Pô, que o cara aqui mora embaixo ________ ele mora no asfalto”. Eu moro aqui na Gomes Lopes, eu moro no Morro porque o bloco saía daqui, chegava ali no Dois Irmãos, pintava ali, entrava no meio do bloco e descia todo Almirante Alexandrino, entendeu? Quando você ia ver, chegava lá embaixo na Lapa, voltando a Riachuelo, Gomes ___, quando você chegava lá em baixo estava toda Santa Tereza no bloco. Não tinha esse negócio de que “Ah, não, você é só do Morro. Eu não posso misturar com quem está no asfalto”. Então, hoje em dia existe. Tudo bem que a gente evoluiu, mas só pelo fato de ter evoluído, a mentalidade das pessoas retardou muito, voltou muito ao passado. Aquele negócio de que “eu tenho mais que você, então eu sou melhor do que você”. Acho que isso faz muita falta nesses blocos. E sobre as roupas do pessoal era interessante que aqui em cima, se não me engano, de quatro a seis mulheres faziam a roupa do bloco todo. Só que aí eu não sei, não lembro do nome do pessoal mais.
P/1 – Senhoras costureiras...
R – E elas eram as primeiras a desfilar.
P/1 – Ah, que bacana! Animadíssimas.
R – É, elas faziam por prazer, entendeu? Porque tinha gente que podia pagar, certo? Mas a maioria não tinha condições. Então, juntavam uma coisinha de um aqui, uma coisinha do outro ali, se faziam muitas fantasias. Procurava-se fazer o melhor possível e mais barato.
P/1 – Você se lembra de alguma que você usou para desfilar?
R – Não, eu não desfilava não. Eu só ia atrás.
P/1 – Ah, é?
R – Eu tinha maior medo de bate-bola _________. A gente fazia maior questão de ir para só ver o bate-bola _______. Também tem uma história muito interessante...
P/1 – Qual é?
R – Sobre uma grande escola de samba do Rio de Janeiro, que nasceu aqui na rua Barão de Petrópolis.
P/1 – Qual é?
R – A Estácio de Sá. A Estácio de Sá foi formada por um bloco que era daqui, da rua Barão de Petrópolis, que eram pessoas da comunidade que se reuniam e faziam um desfile na Barão de Petrópolis. Aí se uniram com o pessoal da Estácio e formaram a Escola Estácio de Sá.
P/1 – Que é a primeira escola de samba, né?
R – Ahã.
P/1 – Que bacana!
R – Mas _______ isso consta na história, mas o povo todo conta isso. Os mais antigos, os veteranos, eles contam isso.
P/1 – Bom, Michel, para a gente ir encerrando, me diz: o que que significa esse lugar para você? O que que significa ter nascido, ter sido criado aqui, você continua aqui, quer dizer, você constituiu família aqui, você trabalha agora no Casarão, o que que significa essa comunidade, esse lugar para você?
R – Para mim, como a minha psicóloga falou, é o meu mundo. Aqui eu sei o que se passa, como sobreviver. O negócio que me entristece é a juventude, sabe? De achar que são coisas simples que podem resolver muita coisa no futuro e a gente vê elas largadas por aí. eu desde quando era adolescente até hoje, nunca gostei de trabalhar com adultos. Sempre gostei de trabalhar com criança, adolescente porque é deles que depende de você construir o futuro. Você não precisa de muita coisa. A juventude precisa é de apoio, entendeu? Que acho que uma andorinha sozinha não faz verão, não. Mas, poxa, vocês ________ pega aqui uma rapaziada dessa, uns garotos desses, mostra para eles o que é fazer uma obra de arte, o que é a vida realmente. Não é só ficar para cima e para baixo, a toa, não ter o que fazer. Na maioria das vezes a família não tem mais aquela moral de chegar em cima do filho e falar: “Olha, você não pode fazer isso”. Mas, poxa, uma pessoa que não é da família pode chegar em cima do filho adolescente e dar uma idéia a ele, conversar com ele, procurar saber o que que se passa com ele. Eu acho que isso seria simples de se resolver, mas do jeito que anda... Não só a minha comunidade, mas todo o Rio de Janeiro, acho que a comunidade está se acabando porque desde a hora que você está no _____ um adolescente feliz, eu acho que o restante para mim já era. Porque a coisa mais gostosa é você ver uma criança brincando, um adolescente dizer: “Só tiro notas boas na escola”. Ocupar o espaço dessas crianças. Cara, isso para mim tem futuro. Eu trabalhei com o futebol no Escondidinho com 30 crianças de uma faixa etária de oito... 30 crianças e eu sozinho. Eu não ganhava para isso, não tinha bola, não tinha uniforme. Eu só tinha a cara e a coragem e a força de vontade. Olha, a coisa que mais me tocou nessa minha aventura de colocar esses garotos para jogar lá embaixo foi o seguinte: eu marcava com eles oito horas para eu poder dormir. Eles chegavam na minha porta às seis. Batiam lá: “ei, ei, Michel, vamos embora! Vamos treinar!”. Eu tinha um garoto que tinha problema de fala, e ele não estudava direito. Não queria ir para a escola, tinha faltas para caramba. Ele tinha um distúrbio mental, pouco, mas dificultava muito as coisas para ele. Ele foi o meu maior orgulho. Deu um mês trabalhando com ele, quando eu misturei ele com os outros moleques. Tinha noção de jogar bola e tal. Mas eu fazia com ele o seguinte: eu ficava de três a quatro horas brincando com os garotos. Eu deixava ele num canto e falava para ele: “_____, você vai ficar aqui, você vai bater bola sozinho aqui, entendeu? Eu quero ver você batendo bola na parede”. Para ele poder pegar o jeito com a bola, ter mais força de vontade de lidar com a bola, que ele não sabia nada, coitado. Quando ele começou a brincar lá, eu pegava a bola, assim, jogava para ele e ele deixava a bola passar. Então, eu chamei ______, chamei meu irmão mais velho, ________. Conversei com ele, falei: “Olha, eu estou disposto a trabalhar com ele, mas eu vou depender de vocês”. Aí passei para eles como que eu queria trabalhar, que teria que ser umas três, não bastava eu sozinho. E ele estava se tornando um adolescente, ele tinha 12 anos de idade. Ele estava se tornando adolescente revoltado, pelo fato de as pessoas não entenderem ele, ______. Então, eu deixava ele batendo bola lá sozinho por meia hora, uma hora. Aí, depois, quando eu terminava o primeiro horário, eu chamava ele, deixava os outros lá batendo bola num canto, chamava ele para o meio da quadra para brincar com ele, para ele começar a ter noção do que é futebol, de como bater na bola. Depois que eu terminava essas três, quatro aulas com os garotos, mandava todo mundo embora e escolhia entre eles os que estavam piores na escola, e mais esse que sentava num canto, ficava batendo o maior papo com eles. Papo de amigo, sabe qual é? Não é papo de professor, ou de alguém que quer tomar satisfação. Então, eu comecei a entender o que ele queria. Ele se sentia preso pelo fato do pai e da irmã se preocuparem tanto com ele. Ele queria liberdade para mostrar que ele tinha força de vontade. Aí comecei a perceber isso, e falei para o pai dele: “Ó, se ele estiver em casa é para estudar. Mas se ele acabar de estudar, deixa ele ficar na rua com os outros”. Nisso, ele começou a falar. Digo, “normal”. Eu fazia o seguinte: depois que eu terminava com os outros, eu ia bater bola só com ele, e eu fazia ele xingar, fazia ele gritar...
P/1 – Botar para fora.
R – É. Então, o que acontece? Eu fazia assim: “Vamos brincar de bater pênalti”. Era o que eu mais gostava. Como ele não tinha noção, eu falava para ele: “Você olha para bola e pensa, firma o teu pé onde você vai bater nela”. Aí eu batia uns dois ou três para ele e fazia ele bater. Só que os pais falavam para ele: “Não, xingar é feio”. Mas existe um jeito de você desabafar sem ofender aos ouvidos dos outros. Ainda falava para ele: __________, “pô, cara, que isso”, que não sei o que, se desabafa. Então, adorava, cara, porque ele perdia mais pênalti do que fazia.
P/1 – Claro, né?
R – Então, no primeiro mês ele já começou a falar. No segundo, ele já começou a saber como bater na bola e com três meses eu botei ele no primeiro time. Com três meses eu botei ele no primeiro time. E eu comecei a botar ele como pivô, que é o cara que arma a jogada para os outros fazerem gol.
P/1 – Que responsa, né?
R – Só que eu falei assim: “Pô, ele está chegando lá, mas eu quero que ele tenha mais força de vontade, mais emoção ainda”. Troquei com o meu atacante, meu primeiro atacante, falei: “Agora, você arma para ele fazer”. Cara, você tinha que ver quando...
P/1 – Alegria dele.
R – Tinha que ver como o cara no meu time era rápido. Eram garotos de 12 a 13 anos de idade. Então, meu time era de salão, eles eram rápidos. Dois habilidosos atrás e dois caras que eram “matadores”. Era pegar bola, virar e fazer gol. Aí tinha que ver que gostoso que era quando ele pegava a bola e olhava para frente do goleiro e batia até de bico. Ele fazia o gol, a primeira coisa... Se o pai e a irmã estivessem lá, podiam estar lá do lado dele na hora que ele fazia o gol, mas primeiro o cara que ele queria abraçar era eu.
P/1 – Ah, que legal.
R – Aí ele falava assim: “Obrigado, professor.” _______ “faz outro” [risos]. “Vai lá e faz mais! Não esquenta a cabeça, não”. Tinha que ver, a maior tristeza que eu sentia é que, pelo fato de ele estar começando, ele se cansava mais do que os outros e eu era obrigado a tirar ele no segundo tempo.
P/1 – Não aguentava mais.
R – Entendeu? Quando eu tirava ele, ele vinha de cabeça baixa. Aí, precisava falar com ele, fazia ele entender que era porque ele estava começando e tal. Os outros já estavam há mais tempo, já jogavam bola há mais tempo, entendeu? Isso um adolescente de 12 anos de idade, cara?
P/1 – Cadê esse garoto agora?
R – Ele mora lá no Escondidinho ainda.
P/1 – Ah, é? E está legal? Está na vida dele.
R – Ele está legal. Está batendo bola e bate uma bola maneira [risos]. Só que hoje em dia eu não estou mais trabalhando com eles. Eles quase não me veem, porque eu quase não passo lá embaixo, estou vivendo mais aqui no trabalho. Quando ele me vê, ele fica assim: “Poxa, você não vai querer montar outro time mais, não?”. Eu digo assim: “Mas eu não tenho tempo!”. E trazer eles de lá para cá, os pais não deixam pela distância. Eles andarem sozinhos, entendeu? 12, 13 anos de idade, poxa, é difícil. E eu trabalhar com eles lá embaixo não tem como.
P/1 – Você rala a beça aqui, precisa ter tempo, né?
R – Aí, o que acontece? Poxa, aí eu fico assim: “Cara, ele foi uma coisa que eu... Sabe, valeu a pena.”
P/1 – Para os dois. Para ele e para você, né?
R – Não, não sei, né? Mas para mim foi mais do que para ele porque, cara, quando eu estava com esses garotos, a gente fazia o seguinte: eu não tinha dinheiro para comprar uniforme, não trabalhava, certo? Não tinha dinheiro para bola. Muitas vezes treinava com dente de leite, que são as bolas mais duras, mais pesadinhas. Depois de quatro meses com esses garotos, eu comecei a falar, chamar os pais para poder saber como é que estava o meu trabalho. O que eu mais ouvi foi o seguinte: “Olha, o meu filho só tirava C, agora ele tira B”, “Esse garoto, ele só tirava E, E. Nos quatro meses ele começou tirar C e B”. Falei: “Porra, está ótimo”. Eu comecei a fazer _______ pais e tinha os garotos que não tinham tênis. Aí, eu “olha, a gente tem que fazer o seguinte; primeira coisa é cuidar do uniforme das crianças”. Pô, eles têm que ter colete para poder jogar. A gente ia jogar bola, eu tinha que pedir camisa emprestada, quatro camisas, cinco camisas para jogar os jogos fora. E a gente só podia jogar salão, não tinha uniforme para todo mundo. E até hoje o meu time sempre é falado como o melhor time do Morro dos Prazeres e Escondidinho. A gente jogava com moleque de 16, 17 anos de idade, e os moleques com 12 ganhavam.
P/1 – Esse também chamava Dois Irmãos, não? Como é que chamava esse grupo, não tinha nome?
R – Não, não tinha nome não. Eram os 30 querendo colocar um nome. Quando a gente pensava em colocar um nome, vinha outro com um nomezinho mais interessante, mais irônico e tal, a gente ficava sem opções. A gente sempre enrolava. Todas essas reuniões a gente enrolava alguma coisa. “Ah, vamos fazer isso, vamos colocar aquilo”. Por último, a gente chamou de Águia Negra porque existia o Águia Negra de jovens aqui, que era a rapaziada de 17 até 22 anos. E eles tinham o uniforme que era a águia como emblema e era preto e branco. Então, na última reunião que eu tive, falei: “Olha, doaram para gente seis camisas. E aí, vamos fazer última reunião para ver...”. Depois de quatro meses. Porque você imagina, né, pô, um moleque de oito anos de idade até 16, pô!
P/1 – Você nem conseguia reunião, né? [risos].
R – Não, a gente fazia assim: a gente batia uma no treino, aí então o que acontece? Eu “escancarava” na educação física com eles, eu “escancarava” para eles se acabarem. Depois que eles se acabavam, estavam aguentando mais nada, sentava todo mundo na quadra e eu falava “agora vamos conversar”. Aí tinha gente que ainda sentava, deitava para respirar. Aí eu “não, então vamos conversar”. Doaram seis camisas para gente do Águia Negra: “E aí galera, olha, doaram seis camisas para a gente”. Os moleques ficaram doidos. Aí eu falei: “Olha, pelo fato deles terem doado a camisa para gente, a gente vai começar a usar o título que eles tinham. O time deles acabou, a gente continua”.
P/1 – Boa idéia.
R – O que que vocês acham? Quando eu mostrei a camisa, falei que era do Águia Negra, todo mundo “legal, legal, eu quero, eu quero!”. Só que todo mundo queria uma camisa e tinha dia de jogo, a gente saía lá de baixo, vinha jogar aqui em cima e era o seguinte: meu time era abusado. Eu sempre gostei... O cara para fazer o gol tem que driblar. Nada de dar esses gol de bicuda, chutar de longe não. Eu gostava disso, achava isso bonito. Então, eu tinha uns garotos que eram abusadinhos, que eram do meu time base e eram abusadinhos, eram dribladores e tinham poder de marcação e ataque. Aí quando a gente veio jogar aqui em cima, os moleques metiam 16,20 gols e são 20 minutos cada tempo. Aí era 16, 20 gols.
P/1 – Caraca!
R – Entendeu? Os caras mal faziam um ou dois gols, porque os moleques cansavam de fazer gol neles. Eu botava esse time B para jogar e os moleques ainda continuavam fazendo gol. O Flávio, presidente da associação de moradores, tinha dois times: “montei um time que não sei o que, tal.” Falei: “Pô, tudo bem. Vamos fazer um amistoso?”. “Vamos fazer amistoso”. Viemos jogar aqui, era o primeiro jogo que do time dele. Mas ele já estava treinando com os garotos dele há quase um ano. “Vai, está legal, vamos lá.” Aí eu vi a faixa etária dos meninos dele, era de 14 a 17 anos. Aí eu falei: “Pô, mas os meus só tem 12 e 14, cara. Mas não tem nada não. Vamos partir para dentro assim mesmo”. Moleque, meteram de 9 a 1 nos caras. Com direito a gol do Tiago e do Romário, que eles fizeram o seguinte: eles pegaram a bola do rebote da minha área, fizeram a tabelinha de 1, 2 no meio de campo. Chegaram três zagueiros do time do Flávio, desesperados, pensando que eles iam bater de longe. O cara deu um drible de corpo, dois caras ficaram. O Tiago tocou para o Romário e só o goleiro na frente. O moleque olhou para a cara do goleiro, fingiu que ia bater, o goleiro caiu, ele bateu, guardou. Falei: “Sai, sai, sai, senão os caras vão bater em vocês.” _______. Mas só que não adiantou porque os garotos eram pequenos e habilidosos. E os do Flávio não. Eram moleques grandes, altos e ruins, duros. Eu não, gostava de ver os moleques driblando, que para mim, você dar um drible no cara é um jogador a menos que está te marcando. Então, o que acontece? Metemos de 9 a 1 neles.
P/1 – Quer dizer, isso te dava um prazer. Quer dizer, participar dessa atividade dava um prazer pleno...
R – É, porque eu sempre pensei o seguinte: pelo fato de eu não ter conseguido ser ninguém, na vida profissional de futebol, eu achei que, pô, eu podia colocar...
P/1 – Podia transmitir o que você conhecia, o que sabia, né?
R – E tem dois que estão em São Cristovão, são juvenis do São Cristóvão e dois estão no Flamengo e tem um em Laranjeiras, que jogavam no meu time.
P/1 – Que legal! Bacana, Michel.
R – Tem.
P/1 – Bacana.
R – Eles estão lá. Agora, se eles vão ser alguma coisa, isso aí só a Deus pertence. Agora, eu sei que eles, hoje em dia, jogam uma bolinha porque eu ensinei, eu pegava no pé deles.
P/1 – Bom, então olha só, se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, o que você mudaria?
R – Seria uma coisa só, que com certeza mudaria toda a minha vida. Seria essa coisa que aconteceu comigo, que o meu pai, quando eu jogava em São Januário. Essa discussão. Eu não sei se aconteceria discussão, mas eu não teria abandonado o futebol, não teria não. Nunca, porque eu saberia se eu teria conseguido ou não, entendeu? Eu teria sabido se eu conseguiria ou não porque, pelo fato de eu saber que eu conhecia todo mundo lá dentro, andava com os jogadores, tinha o apoio deles e ter passado na peneira para ser júnior do Vasco. Porra, de saber da ficha ali na CBF como jogador profissional. Eu era amador, mas eu já ia passar para o profissional porque eu tinha ficha de amador já lá. Que dessa de amador, que eu ia passar de profissional mesmo. Bastava somente um ano. Então, pelo fato de eu nunca ter conseguido saber se eu passaria ou não, foi a coisa que mais me doeu na minha vida. Com certeza, teria modificado tudo.
P/1 – Em relação a tua história com o futebol.
R – Não, não é só com o futebol. A minha vida toda mudaria. Com certeza eu teria certeza se eu teria conseguido ou não. Se eu não conseguisse, eu sei que conseguiria ficar lá dentro como técnico ou alguma coisa, pelo fato de eu conhecer muita gente. Só que quando eu discuti com o meu pai, eu mudei. Então, se eu não tinha o apoio do meu pai que convivia comigo, eu não ia continuar. E era adolescência, meu filho. Eu acho que foi até bom.
P/1 – Bom, Michel, o que que você achou de ter dado o depoimento para o projeto memória da comunidade Morro dos Prazeres e o que que você acha desse projeto?
R – Bom, a primeira coisa que eu acho é que o projeto é interessante. Lamento de não poder ajudar mais, mas fiz o que pude. E sobre dar o depoimento é uma forma de a gente desabafar, entendeu? É a mesma coisa que você estar num psicólogo. Pelo fato de ao lembrar do teu passado, você poder modificar o teu futuro. Na maioria das vezes, graças a Deus, a minha vida está sendo melhor, principalmente agora [risos].
P/1 – O que que você está fazendo agora, para a gente acabar? Como é um dia seu hoje? Como que é, como é que é seu dia?
R – Meu dia hoje? Ta. Praticamente 24 horas acordado.
P/1 – Que graça! Vive intensamente, Michel?
R – Praticamente 24 horas acordado. Chego no Casarão cerca de sete e meia, saio às cinco da tarde. Normalmente eu estou indo para reuniões ou _______, ou reuniões de associações. Eu tenho interesse em ser um líder comunitário, não digo presidente de associação. Para mim ser um líder comunitário, eu tenho que aprender, estou na escola. Então, estou praticamente... Tem dias com essas pessoas, correndo atrás de liberar mesmo o meu aprendizado na vida. Com essas pessoas que você sabe o que se passa o dia a dia de um administrador de uma favela, que é o presidente da associação de moradores. Para você que está aqui, para quem está do lado de fora é fácil você dizer que o cara está lá, o cara não faz nada. Mas você não sabe o quanto de coisas que tem para o cara, sozinho, resolver. Muitas das vezes, você não tem apoio nem dos outros. Você tem que resolver, você tem que bater o martelo, entendeu? É esse tipo de coisa que eu fico correndo atrás. E agora estou com mais um voluntário da Agenda 21, que faz parte da Eco 1992.
P/1 – Para discutir sobre o bairro, é isso?
R – Ahã.
P/1 – Bairro e a comunidade ou o bairro de Santa Tereza?
R – Não, o bairro inteiro.
P/1 – O bairro de Santa Tereza.
R – Sim, senhora.
P/1 – Está bom. Super obrigada, Michel.
R - _______, vai com Deus.
--- FIM DA ENTREVISTA ---
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