Ponto de Cultura
Entrevistada: Ligia Palhares Silva
Entrevistadora: Cecília Tavares
São Paulo, 26/09/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PC_MA_HV065
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Ligia.
R – Boa tarde, Cecília.
P/1– Você pode dizer, por favor, o seu nome, local e a data do seu nascimento?
R – Meu nome é Lígia Aparecida Néri Palhares da Silva. Meu local de nascimento é a cidade de Mirandópolis, estado de São Paulo e nasci no dia 30 de abril de 1957.
P/1– Qual é a origem da sua família? Conte um pouquinho… Da sua família, dos seus avós, dos seus pais, seus irmãos.
R – Ah, meu pai nasceu no município de Itápolis e mamãe nasceu em Ribeirão Bonito. Pela parte paterna eu não tenho muitas informações, tenho informações muito desencontradas, que meu avô era protético, mas eu não cheguei a conhecê-los, inclusive meu próprio pai perdeu os pais muito pequeno. (interrupção breve para ajuste técnico)
P/1– Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1– Você pode dizer seu nome, nome completo, data e local de nascimento?
R – Meu nome é Ligia Aparecida Néri Palhares da Silva, o local de nascimento é Mirandópolis, estado de São Paulo e eu nasci no dia 30 de abril de 1957.
P/1– Conta um pouquinho sobre a origem da sua família, dos seus pais, dos seus avós, seus irmãos.
R – [Sobre] A origem do papai eu não tenho muitos dados completos. Sei que papai nasceu em Itápolis, município do estado de São Paulo. Tenho vaga informação que meu avô paterno era protético, que minha avó era de ascendência indígena, mas informações não muito completas, porque papai também não chegou a conhecer muito os seus pais. Pelo lado da mamãe, é de origem italiana. Família Mazaro, que em 1898 migrou para o Brasil e ficou sediada na região de Ribeirão Bonito, no trabalho da cultura. Sei que o meu bisavô estudou na Escola de Artes e Ofícios na Itália e agora, em 98, completou cem...
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Entrevistada: Ligia Palhares Silva
Entrevistadora: Cecília Tavares
São Paulo, 26/09/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PC_MA_HV065
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Ligia.
R – Boa tarde, Cecília.
P/1– Você pode dizer, por favor, o seu nome, local e a data do seu nascimento?
R – Meu nome é Lígia Aparecida Néri Palhares da Silva. Meu local de nascimento é a cidade de Mirandópolis, estado de São Paulo e nasci no dia 30 de abril de 1957.
P/1– Qual é a origem da sua família? Conte um pouquinho… Da sua família, dos seus avós, dos seus pais, seus irmãos.
R – Ah, meu pai nasceu no município de Itápolis e mamãe nasceu em Ribeirão Bonito. Pela parte paterna eu não tenho muitas informações, tenho informações muito desencontradas, que meu avô era protético, mas eu não cheguei a conhecê-los, inclusive meu próprio pai perdeu os pais muito pequeno. (interrupção breve para ajuste técnico)
P/1– Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1– Você pode dizer seu nome, nome completo, data e local de nascimento?
R – Meu nome é Ligia Aparecida Néri Palhares da Silva, o local de nascimento é Mirandópolis, estado de São Paulo e eu nasci no dia 30 de abril de 1957.
P/1– Conta um pouquinho sobre a origem da sua família, dos seus pais, dos seus avós, seus irmãos.
R – [Sobre] A origem do papai eu não tenho muitos dados completos. Sei que papai nasceu em Itápolis, município do estado de São Paulo. Tenho vaga informação que meu avô paterno era protético, que minha avó era de ascendência indígena, mas informações não muito completas, porque papai também não chegou a conhecer muito os seus pais. Pelo lado da mamãe, é de origem italiana. Família Mazaro, que em 1898 migrou para o Brasil e ficou sediada na região de Ribeirão Bonito, no trabalho da cultura. Sei que o meu bisavô estudou na Escola de Artes e Ofícios na Itália e agora, em 98, completou cem anos de imigração, então reuniu toda a família Mazaro pra uma grande festa em Ribeirão Bonito.
P/1– Você tem irmãos?
R – Tenho, nós éramos seis irmãos. Dois já faleceram: os dois mais novos, um irmão e uma irmã e eu tenho três irmãos mais velhos. Desses seis eram duas mulheres, comigo, e quatro homens.
P/1– Qual o nome deles?
R – O mais velho de todos é o Laudelino, depois tem o Lupércio, o Leivas, então assim a família dos “Ls”, e Ligia. E os dois que faleceram, que eram Lorice e Lenilson.
P/1– Como era a sua infância? Você passou a sua infância em Mirandópolis...
R – Passei minha infância em Mirandópolis. Foi maravilhosa, aquela infância que eu não troco por nada nesse mundo. Eu vivi muito em espaços que eram como chácaras, né? Uma cidade do interior, com quintais muito grandes onde a gente corria. Tinha árvores, tinha frutas, todas as frutas que hoje eu vou comprar no mercado, lá eu apanhava diretamente no pé. Então acho que minha infância foi muito saudável, foi muito rica, buscava leite na chácara. Fui conhecer leite em caixinha em São Paulo. É uma infância que eu não troco por nenhuma outra. Hoje eu tenho uma filha e o máximo que podia eu a levava pro interior, pra ela vivenciar um pouco essa história que eu vivi.
P/1– Com quantos anos você veio pra São Paulo?
R – Eu vim pra São Paulo com 17 e pra completar 18, pra estudar, porque no interior não existiam condições. Não tinha curso superior e a cidade mais próxima ficava a mais de 100 quilômetros. Como os meus dois irmãos mais velhos já moravam aqui em São Paulo, eu vim pra cá pra estudar.
P/1– Você veio sozinha?
R – Eu fiquei morando com o meu irmão, que já estava casado.
P/1– Fala um pouquinho então agora da sua família atual.
R – A minha família atual somos eu e minha filha, diretamente. Eu tenho uma filha de 22 anos, fiquei viúva logo nos primeiros dois anos de casada. Atualmente ela está fora de São Paulo, está estudando em Porto Alegre.
P/1– Estudando o que?
R – Ela faz Ciências Biológicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
P/1– Quantos anos ela tem?
R – Ela está com 22 anos.
P/1– Lígia, conta um pouquinho dessa sua trajetória educacional. Você veio pra São Paulo com dezessete anos, pra estudar.
R – Eu vim pra cá em 75, pra estudar. Naquele tempo era o vestibular unificado, tanto as universidades públicas como as particulares. Era um vestibular único, dividido por áreas, que eram as Ciências Matemáticas, Ciências Biológicas e Ciências Humanas. E eu havia... Fiz a opção pelas Ciências Humanas. O meu interesse era fazer Jornalismo, estudar Comunicação e eu prestei vestibular, entrei na universidade, hoje universidade Anhembi-Morumbi. Naquele tempo ainda era Faculdade Anhembi e fui cursar Comunicação Social. Na faculdade Anhembi não tinha Jornalismo; dos cursos, o que mais se aproximava de Jornalismo - na época uma análise que eu fiz -, era Editoração, então eu me graduei na Faculdade Anhembi em Editoração. Neste meio tempo, eu trabalhei na editora Abril e tinha interesse de atuar nesta área, mas por questões de ter saído da Abril e por mudanças de razão social da área que eu trabalhava, eu acabei saindo da empresa e entrei no Senac. Isso já era três de setembro de 1979.
P/1– Ah você já iniciou a contar pra gente a sua história da entrada no Senac. Mas um pouquinho antes disso, Lígia, o que você acha que influenciou a escolha por essa profissão? O que você acha que despertou o interesse por essa área?
R – Olha, na verdade o meu sonho era fazer Medicina. Meu sonho de infância, de adolescente era fazer Medicina. E na época, papai, com profissão de professor, com muitos filhos… Eu sabia que seria impossível eu vir pra São Paulo pra estudar, fazer um curso em período integral e papai ter que me manter. Acho que o que influenciou muito essa minha escolha é que papai, por ser professor, também escrevia pro jornal da cidade, então muitas vezes eu até ajudei a revisar textos. O fato de escrever e papai sempre incentivou muito a leitura, fazia com que a gente lesse muito. Em casa tinha uma biblioteca imensa, papai assinava todos os jornais e revistas da época, então era muito rico em termos de conhecimento. Talvez, acho que esse próprio interesse do papai de escrever o editorial do jornal O Labor, que era o jornal lá de Mirandópolis. Ele era um exigente professor e sempre quis que a gente tivesse uma boa pronúncia, sempre corrigia alguns erros de língua portuguesa que a gente cometia, talvez por essa influência. E meu irmão também, esse meu irmão no qual eu morei na casa dele quando vim pra São Paulo. Ele tinha um sonho de fazer Jornalismo e já tinha trabalhado na Rádio Clube de Mirandópolis como locutor. Acho que também isso influenciou na minha escolha quando eu fui fazer opção pela faculdade.
P/1– Passando pela editora Abril. Você ficou quanto tempo lá?
R – Na editora Abril eu fiquei um ano, isso foi entre meu segundo e terceiro ano de faculdade. Aí alterou a razão social, a divisão que eu trabalhava passou a prestar serviços pra editora Abril, então a possibilidade de ser absorvida pela editora ficou um pouquinho mais difícil, porque todos foram transferidos automaticamente para a nova empresa. Nessa empresa eu fiquei mais um ano.
P/1– E como foi a sua… Quando é que você chegou no Senac então?
R – Nesta ida pra essa empresa, em que eu fiquei mais ou menos um ano depois da Abril… Essa empresa, por prestar serviços pra Abril, começou a entrar um pouco em decadência, porque ela já não tinha toda a infra-estrutura de uma editora Abril suportando-a enquanto empresa. Ela prestava serviços na venda de publicações, das coleções da Abril. Então ela começou a decair. Tanto é que, meses depois que eu me desliguei da empresa, ela acabou fechando. É tão engraçada essa passagem, porque eu voltei a procurar o antigo gerente na Abril à procura de emprego, de uma indicação na própria Abril - porque eu já tinha terminado a faculdade de Editoração e queria me engajar nesse ramo de atuação profissional. Eu procurei e ele disse que ia verificar se haveria uma possibilidade. Nesse meio tempo também não podia ficar desempregada, eu tinha que me manter. Apesar de morar com meu irmão, eu também tinha minha vida, queria continuar estudando. Fui procurar emprego. A indicação do Senac foi de um amigo. Tinha uma amiga da faculdade que trabalhava no SESC e um rapaz que era amigo dela falou: “olha, porque que você não procura...?” Aí eu procurei o Senac, fiz uma ficha e eu creio que [em] nem 15 dias, um mês, eles me chamaram pra participar de um processo de seleção.
P/1– Em que ano foi isso?
R – Foi em 1979. Em agosto de 79 eu passei por todo esse processo de seleção e fui admitida no dia três de setembro de 79.
P1 – Você já entrou como editora?
R – Não. Eu entrei no Senac como escriturária, eu comecei num cargo bem… Na época eu também trabalhava como escriturária, né? Um mês depois que eu estava admitida no Senac, a editora Abril me chamou. Por isso que eu falei: é uma ironia do destino. Eu gostei do trabalho do Senac, era uma coisa apaixonante e acabei declinando a minha ida pra editora Abril. Não sei se fiz a melhor escolha, mas enfim, foi a escolha na época. Eu optei por continuar no Senac.
P/1– E quais outras atividades? Quais funções e atividades você foi desenvolvendo nessa sua trajetória de trabalho no Senac?
R – Hoje eu tenho 28 anos completos de Senac e entrei como escriturária na Unidade Móvel de Formação e Treinamento. Era uma unidade em que as equipes móveis se deslocavam pra atender alguns municípios de São Paulo e bairros da Grande São Paulo. Seis meses depois que eu fui admitida no Senac teve um recrutamento interno. Por ter o curso superior que eles exigiam nesse recrutamento, eu acabei prestando. Conversei com o meu coordenador, ele [conversou] com o gerente da minha área e acabei fazendo esse recrutamento. Não fui admitida pra vaga, mas foi feita alguma observação, pela área de pessoal, que pela minha formação e conhecimento eu poderia ter um cargo acima do que estava exercendo. Então eu passei a assumir, ainda na área administrativa, um cargo de auxiliar administrativo, não mais de escriturário. Era um cargo superior ao que eu estava no momento.
P/1– E você participou de alguma forma desse programa da Uniforte, desse programa social que o Senac tinha na época?
R – Na verdade, toda a área administrativa da Unidade Móvel de Formação e Treinamento - a gente usava muito a sigla Uniforte - era o pessoal mais de retaguarda e de apoio. O meu trabalho específico era de apoio ao setor técnico. O Senac, nos anos setenta, tinha uma divisão muito percebida, que era a área administrativa e a área técnica. A área administrativa era de apoio, de acompanhamento. O Senac usa muita sigla - era o OM, o orientador de unidade móvel. Eles eram conhecidos com OMs e, na época, eu trabalhava com a coordenação técnica, então eu acompanhava muito de perto o trabalho que era desenvolvido, no sentido de preparar material pra eles levarem a campo, fazer relatório das atividades que eles desenvolviam. Eu acabava também me envolvendo com o trabalho mais próximo. Participação em eventos era bem mais difícil, porque nesses primeiros anos que eu entrei, as unidades, as equipes trabalhavam muito em cidades do interior. Não tinha unidades fixas, eram as equipes móveis que iam atender. Depois disso eu fui descobrir que o primeiro curso que fiz na minha vida, em Mirandópolis, com 14 anos, foi um curso da Unidade Móvel de Formação e Treinamento, que foi em 1973.
P/1– Então foi o seu primeiro contato com o Senac?
R – Meu primeiro contato. Na verdade, meu primeiro contato consciente de que eu ia fazer um curso do Senac. Eu tinha acabado, acho, de completar 14 anos naquele ano e uma equipe… Foi no ano que nasceu a Uniforte. É tanta coincidência, né? Eu acho que já estava predestinada a trabalhar no Senac, porque em 1973 foi quando começou a atividade da Uniforte - ela foi criada em março de 1973. E em setembro de 73 eu fiz um curso em Mirandópolis - foi meu primeiro curso além do ensino regular, porque eu já estava completando 14 anos, pra 15. Fiz um curso de relações humanas no trabalho. Não me lembro agora o nome do docente, mas cheguei a conhecê-lo depois que eu entrei no Senac. Em 79 ele ainda era funcionário da Uniforte.
P/1– E como você via essa proposta do trabalho do Senac com a Uniforte, um pouco como aluna e depois trabalhando diretamente com esse apoio técnico? Qual era a sua percepção, o que você achava dessa proposta?
R – Olha...até porque eu me beneficiei dela, anos antes, eu achava uma proposta muito enriquecedora, porque levar capacitação profissional na área de comércio - e já estava iniciando também serviços - pra pessoas que financeiramente não podiam se preparar, se capacitar pra desenvolver uma profissão… Essa ação do Senac, de fazer com que a equipe se deslocasse para municípios onde não tinha muitos recursos, se instalasse lá e com o apoio de associação comercial, da prefeitura local, de colégios, enfim... Normalmente as equipes chegavam e faziam toda uma abordagem na cidade pra buscar espaço, pra desenvolver os programas. Sempre tinha parcerias com os órgãos da região: Lions, Rotary, Associação Comercial, sindicatos, pra que eles pudessem desenvolver esse trabalho. Em contrapartida, a população era beneficiada, porque todas as pessoas acima de 14 anos podiam se preparar com cursos e os adultos também, no sentido de ter uma profissionalização ou um aperfeiçoamento. Então profissionais da cidade podiam se aperfeiçoar, podiam saber o que estava acontecendo, fazer uma reciclagem. Acho que foi [por] isso que eu me apaixonei e acabei optando pelo Senac. Em um mês eu consegui perceber... E por ter participado também, ter feito um curso e ter amigas que fizeram outros cursos. Tinham senhoras que fizeram cursos de cozinha na época e [em] cidade pequena você conhece todo mundo. Acho que era um trabalho gratificante e foi pra mim uma paixão poder trabalhar, poder dar suporte a essas equipes, poder acompanhar o trabalho que eles faziam.
P/1– Depois você continuou nessa atividade, nessa função, por quanto tempo?
R – Olha, eu fiquei na Uniforte, na verdade, _________, trabalhar com populações efetivamente carentes. Ela deu uma reorganizada nos seus objetivos, isso também com a mudança da administração regional em 1984. A Uniforte passou a trabalhar especificamente com populações de baixa renda. Nessa época, nós tínhamos também outros projetos, que eram o projeto Monitoração, que era trabalhar com alunos da rede pública; tinha o projeto Pré-profissionalização, que também era um programa junto com a Secretaria de Educação, pra preparar e profissionalizar alunos da rede pública que já estivessem cursando o curso colegial, que hoje é o Ensino Médio. Tinham várias ações voltadas pra profissionalização e capacitação profissional. E entre 82, 84, esses objetivos foram bem mais focados pra trabalhar com populações de baixa renda e assim existiam duas clientelas distintas. Existia a clientela do Senac, os adultos, que eram preparados pra atuar no mercado formal. Foi criado na época um trabalho de preparar essas pessoas, não só pra fazer aquilo que elas sabiam - se era um cozinheiro ou se era um cabeleireiro -, mas no sentido também de prepará-los para administrar o seu próprio negócio. E tinha o público jovem, que eram adolescentes entre 14 e 18 anos. Tinha um programa que era de profissionalização, para inseri-los no primeiro emprego, no mercado de trabalho.
P/1– E durante esse tempo que você atuou junto à Uniforte, o Senac paralelamente desenvolveu outros projetos sociais, outras ações sociais além da Uniforte?
R – O Senac sempre desenvolveu ações sociais, ele foi criado, digamos assim, com o objetivo de subsidiar a população. Foi criado em todo o território nacional pra dar suporte, formar profissionais pra área de comércio de serviços. Só que a Uniforte era a unidade que prestava mais serviços pra essa população de baixa renda e onde o Senac realmente realizava o seu trabalho de responsabilidade social. Ele canalizava, através das ações da Uniforte, a realização da sua ação social.
P/1– Nesse meio tempo, você acompanhou também a criação do CCT e, mais tarde, a criação do CTG. Conta um pouquinho pra gente... Além da sua trajetória depois da Uniforte, como você acompanhou, o que que você vivenciou nesse meio tempo?
R – Eu vivenciei um pouco essa mudança do foco de, no começo dos anos 80, a Uniforte ficar mais focada no segmento de população de baixa renda, tendo uma ação socialmente mais consequente. Isso aconteceu e foi num crescente: eu saí em 87, a denominação Uniforte ainda continuou até 1991 - só em 92 ela tem o nome alterado pra Centro de Educação Comunitária para o Trabalho. Quando ela muda de nome, também houve uma mudança orgânica da administração regional do Senac do estado de São Paulo, as unidades passaram a ter a denominação de Centros. A gente tinha as unidades especializadas e a Uniforte também seguiu esse padrão de nomenclatura, mas as suas ações continuaram e, como eu disse, ela passou a reforçar mais ainda o seu papel social, começou também a ter um trabalho de educação e ação comunitária. Então não eram só os cursos, mas tinha todo um trabalho junto às comunidades. Ela também começou a preparar pessoas e aí foi num crescente, até assumir a nomenclatura de terceiro setor no ano 2000, 2001. Foi num crescente, de começar a preparar pessoas pra que fossem agentes multiplicadores nas suas regiões, seja como agentes comunitários, seja como… A unidade começou a se envolver também com organizações do terceiro setor, organizações não-governamentais.
P/1– Certo, e você? Você trabalhou oito anos na Uniforte e como foi se desenvolvendo, a sua trajetória profissional no Senac?
R – Minha trajetória depois da Uniforte... Houve uma seleção. Sempre tinha recrutamentos internos, o Senac já tinha essa política de recrutar internamente os seus profissionais e, como eu disse anteriormente, existia uma linha divisória entre setor administrativo e setor técnico. Então dificilmente quem estava desenvolvendo um trabalho na área administrativa conseguia ter uma passagem pra área técnica. Ou você já era contratado pra atuar na área técnica ou então você ficava na área administrativa e tinha um desenvolvimento na área administrativa. Em 87 eu já estava casada, eu já tinha minha filha, já tinha ficado viúva. Achei que era o momento de incrementar um pouco mais profissionalmente. Já tinha também feito o curso de Relações Públicas, uma nova graduação. Já tinha terminado minha segunda graduação.
P/1– De que ano a que ano você fez a pós-graduação em Relações Públicas?
R – Eu fiz graduação em Editoração, foram quatro anos. Depois foram mais quatro anos em Relações Públicas. Eu entrei novamente, prestei vestibular novamente.
P/1– Outra graduação.
R – Outra graduação. Essa segunda graduação eu fiz na Faculdade Cásper Líbero. Foi de 80 a 84, mais ou menos... Foram quatro anos, acho que foi oitenta a oitenta e três. Diante das possibilidades que o Senac nos propiciava, de ter um recrutamento interno, eu fiz uma tentativa. Talvez pela minha formação, pela experiência que eu adquiri, pelo conhecimento que eu já tinha da atuação da empresa, eu acabei participando de um recrutamento interno pra área técnica e fui aprovada. No final de 87 eu passei a trabalhar numa outra área, numa outra unidade especializada do Senac - o PRODEMP, que era o Programa de Desenvolvimento Empresarial. Eu saí de um segmento de trabalho com população carente, com populações de periferia da Grande São Paulo e fui trabalhar com programas voltados pra empresários, gerentes, diretores de empresas. Foram dois extremos e é tão interessante perceber essa mudança, as várias formas que o Senac atuava porque, de um lado, você tinha um trabalho com população carente, um trabalho social e, do outro lado, você tinha a formação realmente empresarial. Eu fui para o outro extremo das ações que o Senac desenvolvia e, nessa área, acabei fazendo uma série de cursos, me preparando melhor - os cursos do próprio PRODEMP de treinamento, desenvolvimento. Fazíamos muitos seminários, sempre buscando tudo que era inovador nas áreas de atuação de comércio e serviços. Fiquei no PRODEMP de 87 até 1990. Foi quando as ações do PRODEMP tiveram uma queda com o governo Collor, com a queda da Lei 6297, que era o incentivo às empresas pra desenvolver treinamento e desenvolvimento. O Senac acabou restringindo, então começou ter uma queda muito grande na procura por cursos empresariais. Foi uma área que o Senac manteve, mas de uma forma bem menor. A sua atuação acabou tendo uma diminuição muito grande porque as empresas, com a perda desse incentivo, acabavam não treinando o volume maior de funcionários - a não ser aqueles treinamentos que eram realmente necessários, específicos, sem pensar numa promoção maior do conhecimento das suas equipes.
P/1– E lá você desenvolveu várias atividades também?
R – No PRODEMP, na área técnica, eu entrei como auxiliar técnico. Depois fui promovida para técnica de desenvolvimento profissional. Na verdade, comecei o meu trabalho no PRODEMP trabalhando um pouco com editoração, porque os nossos docentes eram todos externos, eram profissionais do mercado de trabalho, então tinha uma produção do material. Eram cursos específicos, às vezes o docente tinha um curso por ano. Era um grande profissional, convidado pra desenvolver aquele curso, que nós chamávamos de docente carta-convite. Ele vinha à convite do Senac pra desenvolver um curso pra gerentes, diretores, supervisores. Normalmente, eles traziam um material que era distribuído como material didático: um recurso de ensino - na verdade uma síntese do curso -, um material complementar ou exercícios. Eu comecei a trabalhar um pouco com a editoração desse material. Às vezes, eles entregavam uma folha ou meia dúzia de páginas manuscritas e comecei a dar um pouco mais de formato, um pouco mais de qualidade a esse material que os próprios docentes traziam. E aí foi num crescente: participando dos cursos, depois também contribuindo com análise, avaliação de alguns cursos novos, de docentes novos. Acabei sendo promovida pra técnica dentro do próprio PRODEMP. Comecei um trabalho de ajudar na elaboração dos programas. Todo o planejamento: nós tínhamos duzentos, trezentos ou mais cursos por ano, então tinha que receber o docente, conhecer um pouco do seu currículo e fazer uma avaliação do curso que ele queria desenvolver - se era viável mercadologicamente, se haveria procura, se precisava preparar profissionais realmente nessa área no mercado de trabalho, se o mercado estava pedindo um maior conhecimento nessa área. Enfim, era um outro tipo de trabalho, que exigia muito mais conhecimento de mercado de trabalho, do futuro das profissões. Foi um trabalho muito rico pra mim também, foi uma experiência bastante interessante e que me fez crescer profissionalmente. Em 1990, com o governo Collor, houve uma queda na procura de cursos e foi restrita um pouco a área de desenvolvimento empresarial. Eu acabei como os demais colegas, sendo transferidos pra outras áreas. Em maio de 90 eu fui pra gerência de valorização profissional e, naquela época, estava começando um processo de implantação dos núcleos de comunicação e informação, que hoje são as bibliotecas Senac. Eu participei de todo o trabalho e colaborei na implantação desses espaços. Num primeiro momento, a gente estava implantando esses espaços nas áreas especializadas - o Senac trabalhou até 2004 com as áreas especializadas.
P/1– E essas áreas eram quais?
R – Nós tínhamos 12... Sempre girava, circulava entre 11 a 13 áreas especializadas. Começamos em 84, com Línguas, Informática, Publicidade e Propaganda - que depois mudou a nomenclatura para Comunicação e Artes, Idiomas, depois nós tivemos… Tínhamos Moda e Decoração - era Moda e Beleza, depois passou a ser Moda e Decoração. Por isso que eu falei, sempre eram 11 a 13 áreas. Era educação e ação comunitária, que era a antiga Uniforte. Acho que eu esqueci de uma série delas: Propaganda, Publicidade, Idiomas, Informática...
P/1– Saúde.
R – Saúde, nossa... Era uma área super forte. Saúde, Decoração, Beleza… Depois tivemos Educação, Varejo, Administração… Acho que não esqueci de citar nenhuma delas... Hotelaria e Turismo. Também é um carro forte do Senac, uma área forte.
P/1– E, nessas áreas, você colaborou com a formação desses núcleos.
R – Nós instalamos os núcleos nessas áreas e começamos todo um processo de…. Porque o Senac tinha um grande centro de documentação que ficava na sede, na rua Dr. Vila Nova. Era centralizada toda a documentação [do] Senac, então os funcionários que tinham interesse numa revista, num livro, num jornal, faziam uma solicitação à essa área de documentação. Era veiculado, através de correspondências internas, que tinham sido adquiridas tais publicações. As pessoas faziam esse intercâmbio; era disseminado, dessa forma, tudo que tinha de novo no mercado, nas diversas áreas, no sentido de manter o seu quadro atualizado - seja a área técnica, seja a área administrativa. O Senac sempre teve essa preocupação de manter a atualização do seu pessoal interno. Esse centro de documentação, que era centralizado na rua Dr. Vila Nova, foi desmembrado: tudo que era da área de Idiomas foi pra área de Idiomas, o que era da área de Informática foi pra área de Informática, o que era da saúde foi pra saúde, então criaram-se esses núcleos nas unidades especializadas. A partir daí, começaram a ampliar esse trabalho e cada núcleo tinha uma certa autonomia de atuação. Tiveram núcleos que fizeram um jornalzinho, como forma de divulgar tudo que era adquirido. Esses espaços foram crescendo e se ampliando em termos de... Não só de material bibliográfico, como [também] vídeos e depois aumentando, colocando computadores à disposição dos clientes. Enfim, cada um foi tendo uma característica de acordo com a área. Eu participei do processo de implantação desses espaços.
P/1– E a sua atuação era treinamento desses profissionais, logística do acervo...
R – Um pouco de tudo: um pouco de logística, um pouco de treinamento das equipes, um pouco de trazer pessoas externas pra dar palestra, no sentido de uma atualização ou de um aperfeiçoamento do trabalho que eles desenvolviam. A gente estava também começando a estruturar isso, pra gente tudo era novo. Tinha a coordenadora de todo esse processo, que tinha uma formação na área, mas a gente também estava adquirindo um novo conhecimento e foi uma experiência gratificante também, que acabou resultando em mil novecentos… Esse processo começou em 89, [em] 90 entrei no processo e acompanhei até 94. [Em] 94 a gerência - na época já era Gerência de Comunicação, também teve umas mudanças de nomenclatura e um pouco de foco -, em 90 fui pra Gerência de Valorização Profissional. Em 91, essa gerência já assumiu outras funções e passou a ser Gerência de Relações Institucionais, que era a famosa GRI. Em 94, ela assumiu a titulação de Gerência de Comunicação. Quando ela assumiu a Gerência de Comunicação e passou a atuar diretamente com a área de comunicação, de relações institucionais, deixou de ter a coordenação dos núcleos. A coordenação deles passou para o Centro de Tecnologia e Gestão Educacional, que já era uma proposta, uma unidade nova do Senac, que foi inaugurada em 93... 92 ou 93. Além do papel de promover cursos na área de educação pra população externa, também tinha a responsabilidade de responder internamente pelo processo educacional dos próprios funcionários. Os Núcleos de Educação e Formação faziam parte de um processo de aprendizagem, não só de funcionários, porque eram espaços que existiam pra promover conhecimento; também era um espaço que existia pra promover o conhecimento da clientela [do] Senac. A área de Educação assumiu a coordenação e nesse meio tempo surgiu o projeto Memória do Senac de São Paulo, que foi final de 93, início de 94. Com o desmembramento desse grande centro de documentação acaba, assim…(pausa)
P/1– Nessa área...
R – A memória institucional nasceu dessa desvinculação dos documentos, pra cada área, nos seus núcleos de comunicação e informação. [No] que resultou quando desmembrou? Como eu disse, toda a documentação, todas as publicações de... Informática foi pra área de Informática, de Saúde pra área de Saúde, a de Comunicação pra área de Comunicação. Ficamos com um volume acumulado de documentos específicos do Senac de São Paulo, que tinham sido produzidos pelo Senac São Paulo. Tínhamos todos os relatórios anuais, desde o primeiro, de 1946. Tínhamos todas as resoluções, desde que elas começaram a ser encadernadas, em 62. Tínhamos todas as atas de reuniões do Conselho Regional. O Senac do estado de São Paulo é composto pelo presidente - que é o presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo -, por um Conselho Regional, que é eleito e formado por membros… Normalmente presidentes de sindicatos, tem toda uma eleição. Depois temos a Diretoria regional, as Superintendências e depois todas as Gerências. Então tínhamos um volume muito grande desses documentos: atas da reunião de Conselho, muitas apostilas e publicações que o próprio Senac desenvolveu como recurso de ensino, nós tínhamos audiovisuais, slides, algumas caixas com fotografias de atividades que o Senac tinha desenvolvido nos anos cinqüenta, nos anos sessenta. E o que fazer, né? Muitas matérias de jornais recortadas, que hoje a gente chama... É conhecido como clipagem. Uma série de outros documentos em vários suportes. Nós tínhamos os discos da antiga “Universidade do ar” - o Senac foi pioneiro no ensino à distância no Brasil e talvez América Latina, com os cursos através do rádio.
P/1– Que interessante!
R – Isso foi lançado em 1947, no primeiro ano de existência ativa do Senac de São Paulo. Nós tínhamos a coleção de discos completa da “Universidade do ar”. Nessa época, com essas mudanças, continuamos na área - na Gerência de Comunicação, trabalhando ainda com essa passagem da documentação, da coordenação dos núcleos - eu e a Terezinha Sano. A Terezinha já tinha bastante tempo de Senac, bem mais tempo que eu na época, isso em 93, 94. Ela falou: “Isso tudo é história do Senac”. São documentos que a gente guardava,relatórios anuais e a gente busca isso... Teve um gerente dessa área, o Cairala, que escreveu uns apontamentos pra história do Senac baseado nesse material. Ele fez isso mais ou menos em 78, 79, quase começo dos anos 80, aí surgiu... Eu falei “e se a gente apresentasse pra gerência um projeto de manter uma memória?” Nessa época, eu já tinha lido alguma coisa sobre a questão de memória. Fui fazer um curso na antiga Light, que é a Eletropaulo. Eles já tinham um Centro de Memória e comecei a ler alguma coisa a respeito, através da consultora que estava desenvolvendo esse trabalho de alteração da coordenação. A gente apresentou essa ideia de ter um projeto. Eu redigi esse projeto, foi apresentado pra gerência que, por sua vez, deve ter apresentado à diretoria e passamos a ter esse espaço. O Projeto Memória começou efetivamente em 94 e o objetivo era trabalhar toda essa documentação, já pensando em ser um Centro de Memória e tentar, na medida do possível, sistematizar uma coleta na rede de tudo que era produzido, pra gente começar a estruturar a história do Senac. Foi bem interessante, porque em 95 a gente já tinha um planejamento de preparar os 50 anos de Senac, que seriam comemorados em 1996. Tinha esse espaço que a gente estava sistematizando e, como ação comemorativa dos 50 anos do Senac, nós produzimos na época um CD-ROM. Em 1995 a gente ficou envolvida com o trabalho de levantar uma cronologia do Senac, porque não tínhamos isso pronto; buscar ações que foram pioneiras e diferenciadas na formação profissional e na própria educação, porque o Senac, até o início dos anos setenta, ainda mantinha o ensino regular. O objetivo foi ter um produto que de alguma forma contasse um pouco dessa história de um… Não como um livro pesado, maçante, mas que fosse alguma informação diferenciada ou uma exposição. Nessa época, buscando parceiros pra fazer esse trabalho, conhecendo espaços que já tivessem um centro de memória - na época era tudo muito novo nessa área -, acabamos mantendo contato com o Museu da Pessoa. O Museu da Pessoa nos apresentou uma proposta de desenvolver um [projeto de] multimídia onde tivessem fotos, textos, imagens, depoimentos e foi aceita, foi acatada a ideia. Apresentamos a proposta pra direção e durante o ano de 1995 gravamos depoimentos, fizemos cronologias, fizemos pesquisa histórica pra levantar todas as informações, que hoje a gente tem de uma forma um pouco mais padronizada dentro do acervo. Produzimos um CD-ROM que se chamava “Memória e multimídia do Senac de São Paulo”. Teve toda uma exposição que ambientava esse [CD] multimídia; essa exposição percorreu depois por mais cinco anos, porque o Senac... Quando ele iniciou as suas atividades, em 1946, começou com a formação do Conselho Regional; depois começou a se estruturar administrativamente, com Diretor Regional e com as divisões - naquele tempo era a divisão de ensino e divisão administrativa. Hoje temos quatro superintendências, naquela época eram duas divisões. As primeiras escolas só foram implantadas em 1947, foram quatro escolas na capital e três no interior: Santos, Campinas e Ribeirão Preto, foram as três primeiras escolas de interior. Então de 95 a 2000 todas as unidades do Senac, que estaria completando 50 anos, receberam a exposição e fizeram as atividades comemorativas, semelhante ao que está acontecendo agora. O Senac [n]o ano passado completou 60 anos; fizemos um livro porque já tinha conteúdo pra isso, já tínhamos feito pesquisa suficiente. Já tinham informações, imagens que desse realmente pra compor um livro, com muitas informações. Na rede, a gente já começou: esse ano já comemoramos o aniversário de Campinas e Santos, em outubro vamos comemorar [o aniversário] de Ribeirão Preto, vai ter até o lançamento das novas instalações. Com isso, a gente foi num crescente: estruturou a memória e ela está sobrevivendo porque nós mudamos de gerência. A visão da gerência não era como espaço de relações institucionais, tanto é que ela voltou [n]o ano passado pra Gerência de Comunicação e Relações Institucionais, porque ela tem um papel de relacionamento institucional, tanto com o público interno quanto com o público externo. O principal objetivo é ampliar o Memorial Senac, resgatar tudo que foi feito, manter e preservar. A memória, hoje, tem que gerir todo o conhecimento acumulado pela organização, esse é o nosso papel. E disseminar esse conhecimento pra toda a rede e público externo também.
P/1– No seu ponto de vista, Lígia... Você disse que quando colaborou com essa pesquisa, pra criar uma memória desses 50 anos, você disse “a gente foi pesquisar ações inovadoras”. Quais eram essas ações inovadoras que o Senac desenvolvia, tanto na área social como área de...
R – Acho que uma grande ação inovadora e que foi a pioneira... A primeira e grande foi a criação do ensino à distância via rádio, usar o rádio. Porque essa ação da “Universidade do ar”, como era chamada essa ação do Senac, foi uma parceria de SESC e Senac. Ela tinha dois objetivos muito claros. O Senac e SESC tinham acabado de ser criados por decretos federais. Não existia uma infraestrutura, de ter unidades em todos os grandes centros comerciais do estado de São Paulo, então como levar conhecimento, como preparar pessoas pra área de comércio? Era o comércio o fundamental na época, a área de serviços estava começando a mudar e isso aconteceu mais nos anos 60. Então como levar conhecimento, como preparar essas pessoas pra área de comércio se o Senac não tem condições, nem o SESC, de ter unidades em cada grande centro? Então o Senac implantou unidades fixas em grandes centros comerciais, como Campinas, Ribeirão Preto, Bauru, Taubaté, que era região do vale do Rio Preto. E nos municípios onde não existia Senac? O ensino a distância foi uma forma de cobrir essa questão [de] tempo e espaço e o rádio foi um achado, porque no final dos anos 40 era o grande veículo de comunicação; era ele que levava informação, conhecimento a todo lugar. O Senac [se] aproveitou dessa infraestrutura que já existia e montou um curso que era desenvolvido pelo rádio. Então foi muito mais fácil administrar, porque cada cidade tinha um núcleo receptor. O Senac fornecia um aparelho de rádio, que era levado ate a cidade; lá, o próprio pessoal do sindicato ou da associação comercial ou mesmo um diretor do colégio local elegia um professor que tivesse conhecimento nessa área, pra ouvir as aulas junto com os alunos e depois replicar essas informações, fazendo exercícios ou desenvolvendo as provas. Então eles [se] chamavam… Eram professores assistentes. No primeiro ano, o Senac atendeu mais de 200 municípios, além de onde tinha as unidades fixas, que eram ao todo… No interior devia ser em torno de seis ou sete; em 47, ele tinha só três unidades no interior, nos anos seguintes passou a ter mais. Eu considero que foi um pioneirismo, depois passou a ter aula no rádio casada com as lições, que eram feitas por correspondência. Isso aconteceu até o início dos anos 60. Na verdade, foi encerrada em 62, porque o Senac já tinha uma rede maior e também estava começando com algumas equipes móveis. Quando a Uniforte foi estruturada, o Senac já tinha algumas experiências de unidades móveis com cursos de datilografia, cursos de cabeleireiro, que [se] chamavam equipes volantes, eram unidades volantes. Depois acabou estruturando em 73 a Uniforte, como unidade específica pra desenvolver programas, tanto é que a Uniforte chegou a ter mais de 70 orientadores de unidade móvel. Eram equipes multiprofissionais, que iam até as cidades [para] desenvolver cursos específicos.
P/1– Então você participou... Você pode dizer que você é uma memória viva da memória que Senac tem?
R – Por conta de todo esse trabalho… São praticamente 12, 13 anos de trabalho, de buscar informações, de procurar conhecer o Senac... Levantar, como você disse, essas ações. Além do ensino por correspondência, o Senac também contribuiu muito na área de informática. [No] início dos anos 70, o Senac implantou cursos de computadores, onde existiam computadores de grande porte. O Senac já estava preparando programador de computadores. Eu acho que também idiomas, o Senac sempre primou por ter, desde o seu primeiro curso, um ensino de línguas. [N]os cursos voltados pra aspirantes de comércio e aspirantes de escritório e [n]os cursos que eram praticante de comércio e praticante de escritório, que foram os primeiros cursos criados pros menores, o Senac já tinha o inglês e o francês. Como o ensino regular era obrigatório, [o curso] lá tinha uma língua estrangeira; o Senac também tinha uma parceria com o instituto Yázigi pra desenvolver esses programas e criou um processo de dramatização das aulas, pra que a aprendizagem fosse melhor. Então o Senac sempre procurou ter espaços, laboratórios, que facilitassem a aprendizagem. Outra coisa que foi criada ainda no final do anos 40 foi a loja-modelo; depois, já no comecinho dos anos 50, o escritório-modelo, que era o que podemos chamar hoje de um grande laboratório. A loja-modelo era um espaço onde os alunos praticavam o que aprendiam em sala de aula. Era montada uma loja na unidade, com equipamentos de eletrodomésticos que o próprio comércio doava, os próprios conselheiros doavam. Às vezes, o Senac comprava alguns materiais - a gente leu [n]as atas de conselho que foi deixada uma verba pra comprar material e equipamento, pra ser vendido na loja. Os alunos faziam a prática de toda a teoria que tinham. Acho que tudo isso que o Senac nessa época aplicou [eram] algumas metodologias de ensino usadas na Suíça, vinham profissionais da Suíça pra trazer essa inovação, então teve sempre essa preocupação de estar à frente do que o profissional precisa em termos de conhecimento, pra melhor prepará-lo pro mercado.
P/1– Ligia, você viu o Senac, como você mesmo disse, desenvolvendo tecnologias e metodologias de ensino e de aplicação para a sociedade, na qual isso tudo seja contemporâneo ou até à frente de sua época. Nessa linha de tempo, o que mais, além da “Universidade do ar”, você contaria que a Gerência de Desenvolvimento Social desenvolveu? Algo que, na sua percepção, [você] destacaria pra contar também?
R – Na área social? Eu acho que o próprio trabalho da Uniforte. Sou suspeita pra falar, porque eu era muito apaixonada por isso, mas o fato de você ter equipes móveis, com multiprofissionais que iam preparar as pessoas, no sentido de melhor ajudá-las a resolver os seus problemas sociais, no sentido de fazer com que elas encontrassem outras oportunidades, que saíssem do caminho informal onde elas estavam… Eu acho que isso é muito rico, é um destaque da responsabilidade social do Senac, no sentido de preparar pessoas pra que fossem multiplicadoras. Você começa a atingir um volume muito maior de pessoas. A Uniforte realizou muitos trabalhos assim; começaram ainda nos anos 70 os trabalhos de informação profissional, que era levar pro menor o conhecimento das profissões que existiam, de prepará-los, pra que tomassem uma melhor iniciativa e optassem pela profissão mais adequada. Tinham os balcões de informação profissional - eles recebiam nesses espaços, era criado um balcão mesmo - ali tinha informações sobre todas as profissões da área de comércio, serviços, indústria, seja lá qual ela fosse, com uma síntese do que fazia o profissional. Existiam as feiras de informação profissional, onde tinham palestras, debates sobre todas as profissões, fossem as profissões de nível superior [ou] as profissões de formação técnica. O Senac sempre teve essa preocupação de levar o conhecimento, através da Uniforte principalmente e também, lógico, de outras ações da rede, porque nos anos 90, as ações sociais também passaram a ser desenvolvidas pelas unidades da rede. Isso foi ampliado e repassado, até porque nos anos 90 a área social do Senac, ou educação comunitária, passou a ter cunho de especializada. Todos os seus produtos e serviços também foram repassados para que a rede também desenvolvesse em todas as unidades. Hoje temos em torno de 60 unidades em todo estado, que também desenvolvem os programas sociais. É fundamental estar toda a rede empenhada e desenvolvendo um trabalho que faz com que o Senac reforce esse seu papel de responsabilidade social.
P/1– Ligia, você destacaria quais influências, inovações que você pôde colaborar pra essa área da memória e do acervo, da história do Senac?
R – Em termos de contribuição…. Você fala desse crescimento, pra contar? Eu acho que é resgatar tudo que o Senac fez, porque tem muita coisa ainda pra ser resgatada. Acho que a gente está no comecinho, na ponta desse iceberg, porque tem muitas ações que não estão registradas num documento formal e que a gente também tem buscado, vai resgatando através de depoimentos das pessoas. O depoimento de uma pessoa leva [a] outra pessoa. A gente acaba formando uma corrente, no sentido de resgatar essas informações pra reescrever a história do Senac. Acho que muito do que o Senac fez, atuou, desenvolveu, não ficou registrado ou se perderam os registros, então a gente...
P/1– Você destacaria algum fato? Por exemplo, [que] você gostaria de ter contado e que o Senac tivesse no seu acervo tal acontecimento, tal história.
R – Ah, tem muitas histórias, já realizamos alguns depoimentos. Temos pouco, 26 depoimentos gravados no acervo e cada um destaca um diferencial. Ficaria difícil dizer [o] que mais a gente poderia ter. Desse trabalho da Uniforte perdemos muito, porque todos os registros das ações da Uniforte se perderam. Todos os relatórios das cidades atendidas, os trabalhos que foram realizados, os cursos, o volume de pessoas que foram atendidas, isso se perdeu. Um registro que eu participei da guarda. Depois da minha saída da Uniforte, dessas mudanças todas, mudança de local físico, mudança de gerência, de pessoas da própria gerência, eu sei que essa documentação acabou se perdendo. Até hoje não consegui resgatar. Não sei se foi pra algum lugar, se alguém guardou, porque as pessoas acabam ficando com alguns documentos, com medo de que ele se perca, [de] que ele seja realmente descartado. Ela acaba guardando e um dia você fica sabendo que alguém tem um documento assim ou assado. Eu acho que dessas ações, principalmente essas ações da Uniforte, hoje a gente não tem muito pra relatar. Desde a criação, de 73, até 85, 87, talvez 90, a gente perdeu muito desse conteúdo. A gente sabe que aconteceu; como eu vivenciei, também consigo compor alguns textos sobre isso, sobre essas experiências, mas ainda acho que precisamos resgatar. E tomar o cuidado... Até no meu planejamento desse ano, que já está pronto, já foi encaminhado, uma preocupação de fazer com que as pessoas da organização… Foi um ponto que eu chamei a atenção: se preocupem em explicitar o seu conhecimento de alguma forma, porque tudo bem, os veículos estão aí, a tecnologia avança incrivelmente, temos internet e intranet, mas eu, que estou do lado de cá, tentando preservar e gerir todo esse conhecimento, ele é tão volátil quanto o que é gerado. O digital é muito volátil, está se perdendo a história da organização. A gente não está conseguindo registrar tudo que está acontecendo. A organização é ampla, hoje ela atua com ensino superior, continua com a formação técnica, atua com programas abertos, atua na área social. Eu acho que a gente tem que tomar o cuidado de começar a fazer com que esse rico conhecimento, gerado a cada dia, esteja explicitado de alguma forma num documento mais concreto, porque a informação está muito volátil e se perdendo a cada dia. A gente precisa ter o cuidado de registrar isso, pra não se perder.
P/1 - E que registro você contaria agora dos relacionamentos que você cultivou nessa sua trajetória de Senac, até hoje?
R – Como foi o meu relacionamento?
P/1– Os relacionamentos que você foi cultivando durante essa sua trajetória. Você conheceu pessoas em função da sua área e de tanto tempo trabalhando no Senac, muitas pessoas… Relaciona-se com várias pessoas, de várias áreas do Senac, porque você cuida da memória.
R – Sim. O relacionamento com as pessoas, por estar fisicamente afastada da administração regional... Eu falo que é muito difícil administrar, em termos de documentação, de conhecimento, a extensão geográfica do Senac. Porque você imagina em torno de 60 unidades espalhadas em todo o estado, você tentar estar próxima. O relacionamento hoje tem sido através de e-mails, que é o maior volume de relacionamento, telefonemas... Em termos de encontros pessoais acabou ficando um pouco distante e perdido. Normalmente os contatos [são por] e-mail e telefone mesmo.
P/1– Mas quais pessoas você contaria da sua história? Pessoas que você encontrou, que você se relacionou, de histórias que você lembra, que marcaram sua trajetória profissional. Quem são as pessoas que colaboraram com você nessa sua grande caminhada com o Senac?
R – São 28 anos de história, então tem muitas pessoas que passaram pela minha vida. Acho que passei pela vida também de muitas pessoas e, se eu for pontuar, eu teria que falar de muitas delas. Eu não sei se esqueceria de alguém, acho que pecaria se deixasse de citar alguém, mas sempre procurei me dar bem com as pessoas, me envolver com elas. Eu tenho uma afetividade muito grande, acho que às vezes me envolvo até demais no afetivo. Quando algum colega saía, ou por vontade própria ou por demissão, por algum motivo, isso sempre me abalava. Talvez pelo meu jeito de ser, pela minha educação, pela minha busca de segurança e uma certa estabilidade, eu estou há 28 anos na mesma empresa. Ou talvez por amor, por paixão, acho que um pouco de tudo. Teve tantas pessoas que passaram, que marcaram. Citar nomes não sei se seria viável, porque eu deixaria sempre alguém de fora e essa pessoa poderia ficar um pouquinho magoada comigo, mas tem um volume grande de pessoas, tem… Quando eu entrei no Senac, na área administrativa só tinha uma mulher, que era a Sandra. Todas as equipes eram formadas por homens, então todos os docentes eram homens.
P/1– Ah, é?
R – É, porque você imagina… As equipes saíam - quatro, cinco profissionais iam pra uma cidade. Naquele tempo, apesar de já [estarmos nos] anos 70, não era muito comum as mulheres saírem, viajar com uma turma de homens. Pros homens também - essa coisa de moral, família, respeito. Não tinha essa visão, socialmente falando. Existiam algumas restrições em quanto a isso.
P/1– E quem eram os profissionais?
R – Os docentes?
P/1 – Sim.
R – Nós tínhamos docentes de várias áreas, porque a gente tinha equipes multiprofissionais. Então nós tínhamos profissionais que eram cabeleireiros, profissionais que eram pessoas com formação na área de cozinha, profissionais da área de administração... Normalmente o pessoal da área de beleza, da área que hoje a gente chama de hotelaria, ou gastronomia, naquele tempo era hospitalidade. Os docentes de hospitalidade normalmente eram o pessoal que ainda não tinha curso superior, mas tinha grande conhecimento e uma grande experiência; de beleza também. [Na] Área de administração o pessoal já tinha curso superior - [em] administração entrava [a] parte de escritório, contabilidade, secretaria. Tínhamos o pessoal de decoração; alguns até tinham curso superior, outros não alguns que já tinham feito arquitetura, então trabalhavam com decoração. Nesse tempo não era exigido que tivesse uma formação superior, mas que tivesse um grande conhecimento na área, fosse um grande profissional e que tivesse facilidade, domínio de se colocar numa sala de aula, de passar o conhecimento, enfim, tinha um trabalho de seleção que era feito. Essas equipes eram formadas por profissionais de diversas áreas, então pra cada cidade a Uniforte sempre tinha um carro de cada equipe. Tinha um carro onde ia desde lavatório de cabelo a panelas; cremes de beleza pros cursos de cabeleireiro, as apostilas da área de administração, enfim, a equipe montava todo um arsenal e levava pra campo. Máquina de escrever, mimeógrafo... Naquele tempo era o mimeógrafo à tinta ainda, que era pra fazer provas, rodar apostilas, fazer cartazetes. E aí uma pessoa da área de administração, uma pessoa da área de beleza, uma pessoa da área de decoração, uma pessoa da área de cozinha, de hospitalidade. A equipe se instalava na cidade, fazia a divulgação dos programas, sempre, como eu disse, em parceria com a prefeitura ou sindicato ou associação comercial, que cediam espaços em colégios, em salão paroquial. As equipes ficavam instaladas normalmente num hotel e desenvolviam seus programas no período de um a três meses, que era o prazo que normalmente eles ficavam numa cidade.
P/1– Certo. Então a gente pode dizer que área de desenvolvimento social começou com a Uniforte, foi para o Centro Comunitário de Trabalho, depois a especializada, que é o Centro de Tecnologia e Gestão do Terceiro Setor, e hoje? Se você fosse completar essa história, essa memória...
R – Hoje nós temos isso centrado um pouco na unidade Senac Penha, mas por conta de outra organização da estrutura do Senac, a partir de janeiro de 2005, isso deixou de ser responsabilidade de uma área especializada e passou a ser responsabilidade de uma Gerência de Desenvolvimento. As Gerências de Desenvolvimento são responsáveis pela criação, desenvolvimento e acompanhamento desses programas em áreas específicas. Então hoje temos uma gerência que direciona e toda a rede desenvolve, toda a rede está envolvida. Acho que, desde o início dos anos 2000, a rede começou a ser envolvida com programas específicos, voltados à questão do terceiro setor, que é hoje uma das áreas de atuação do Senac.
P/1– Desse trabalho que você tem de contar história, a memória que o Senac tem, você conseguiria visualizar uma característica, um diferencial dos profissionais que atuaram diretamente com a área social do Senac? Você acha que tem algo que os diferencia dos demais docentes, das demais áreas?
R – Eu tenho... Como eu disse, não [tenho] muito contato com as pessoas, os profissionais, hoje. Geograficamente falando, fica difícil. O número de funcionários que o Senac tem hoje, as suas diversas áreas de negócios e as suas diversas ações… É difícil conhecer um pouco mais o perfil dos funcionários. Hoje ele tem que estar mais preparado, tem que ter uma formação maior. O pessoal que atua diretamente com a área social também tem que ter outra visão, outra experiência e outro conhecimento. Ele tem que estar ligado no aspecto social, não só da sua cidade; do seu estado, do próprio país e eu acho que do próprio mundo. Ele tem que ter uma formação direcionada pra isso. Você fala “tal empresa está desenvolvendo um trabalho social”, ela tem que ter os profissionais preparados pra isso. Como ela vai desenvolver o trabalho social se ela não tem uma pessoa que conheça o que é o social, que tenha realmente uma formação? Não precisa ser especificamente em Ciências Sociais, Sociologia, mas que tenha uma formação semelhante e que tenha uma preparação para trabalhar com as organizações. Tem que ter um preparo maior, com certeza isso é necessário.
P/1– Ok, Ligia. Estamos entrando no momento final da entrevista e eu queria que você falasse um pouquinho mais, pra finalizar, da importância que você acha que tem hoje a memória social pro Senac; a memória institucional também. E depois falasse um pouquinho de você. Quais são seus projetos de vida, fora ou dentro do Senac, qual o seu sonho? Ou dentro dessa própria área em que você atua, em que você resgata a história de pessoas e de ações do Senac.
R – A memória corporativa do Senac, acho que ela é muito importante. Talvez o Senac - a própria organização, as pessoas da organização, não tenham a dimensão da sua importância. Como eu falei, eu sou suspeita, porque eu tenho uma paixão imensa pela própria organização, então tudo que diz respeito a ela pra mim é importante. Eu tento guardar, resgatar, comentar e mostrar. Por outro lado, eu acho que a minha área é um suporte pra comunicação, pra relacionamento, seja interno ou externo. A gente tem que falar pra subsidiar isto, pra que as áreas hoje nas quais o Senac atua conheçam um pouco como foi a sua história lá atrás, como foi o seu crescimento, sua evolução. Por que [o Senac] surge? A gente também tem um passado, hoje eu sou o que sou porque tive uma série de ações e de conhecimento; a empresa também. O Senac hoje é um centro universitário, a tendência é ampliar mais ainda suas ações e crescer cada vez mais. Ele não pode perder esse fio da sua identidade, da sua marca, da sua cultura. É na memória que você resgata isso, que faz com que isso aconteça. Em relação ao trabalho social do Senac, acho que também precisa ser resgatado. A gente perdeu muito de informações, eu falo porque você tem fontes pra constatar. Não adianta só saber o aconteceu se você não registra, a memória tem que ter o seu registro. Seja em documentos impressos, seja através de depoimentos orais, que é um trabalho muito rico onde as pessoas falam daquilo que aconteceu efetivamente, contam o lado real e também o que aconteceu pra chegar [n]aquilo que às vezes os documentos não relatam. As histórias das pessoas complementam as lacunas que você não sabe. Por que uma ação chegou a acontecer? Por que que isso foi decidido? Foi decidido porque aconteceu uma série de coisas que levaram [até] lá. Essas lacunas que ficam, [é] através de um resgate oral, de um depoimento, que você preenche esses espaços. Então eu creio…(pausa)
P/1– Você contava da importância da memória institucional pro Senac, desse resgate de histórias, de pessoas contribuindo.
R – Como eu disse, é muito importante não ter só a história documentada, como também ter a história contada pelas pessoas, porque preenche muitas lacunas. Por que chegam a determinadas ações? O que levou àquela decisão? No documento formal você tem a decisão pronta, mas o que levou a tomar aquela decisão? Quais foram os caminhos percorridos? Como se chegou lá? Então esse resgate, ter depoimentos das pessoas é muito rico, no sentido de que vão preencher lacunas e contribuir com aquela história. Às vezes você tem um documento e não sabe porque que ele foi gerado, o que causou aquela decisão. E se tem todo um conhecimento, através da história das pessoas, que dá esse direcionamento e que realmente faz você entender aquela ação, aquele pedaço daquela história, da trajetória da organização. Tem algumas ações que não são registradas em documentos, que nem o papel social do Senac, o seu papel de responsabilidade social ou a suas ações sociais. Nem sempre é assim; pelo que eu percebo, a maioria das vezes isso não está registrado nos documentos oficiais. Acho que se for possível ter o resgate através de depoimento das pessoas, se as pessoas contarem o que aconteceu, como foram beneficiadas, o que isso contribuiu, enriquece muito a história da organização; ela vai fechar uma situação e valorizar aquilo que foi desenvolvido. Eu vejo como muito importante, tanto é que a própria memória... Tem alguns depoimentos já gravados, gostaria de ter um volume muito maior, mas por uma série de necessidades, de prioridades da área, a gente acabou ainda não concluindo, não dando continuidade a esse trabalho. Espero que a gente ainda retome e passe a ter também um trabalho de resgate oral, que vai fundamentar tudo aquilo que nós temos em termos de documentos primários, que são os relatórios, as atas. E vai dar um fechamento: porque que aconteceu, como aconteceu, qual foi o caminho, [o] por quê daquela decisão. Acho que isso é muito importante.
P 1- Qual história não contada que você gostaria de contar dessa memória?
R – Que história não foi contada? Olha, acho que a gente procurou pensar, nesse período todo, nas ações que o Senac fez, sempre procurando mostrar um pouquinho de cada ação, mas ainda deve ter muita ação que o Senac realizou, que a gente não tem registrado nos livros e que a gente poderia ter. Dependendo do período, a gente não tem mais as pessoas vivas pra contar essa história, por isso que tem que ter um cuidado de começar a retomar os depoimentos, pra que a gente não perca essas histórias. Pode ser que muitas ações do início da atuação do Senac foram perdidas, porque não temos mais as pessoas. A gente teria, talvez, que retomar ou ampliar um pouco mais alguns conteúdos de outras ações que o Senac fez. Do que ele fez que não foi contado, não sei se teria alguma coisa. De momento eu não lembro, porque a gente sempre pinçou um pouquinho de cada informação, procurando traçar essa cronologia. Pode ser que até tenham coisas que a gente ainda não tomou conhecimento.
P/1– Mas uma coisa sua, que você fala “Puxa, isso seria algo que ainda não contamos e que um dia eu gostaria de contar”.
R – Tem uma série de coisas que eu gostaria de aprofundar. Hoje eu acho que o trabalho de pesquisa histórica da memória ainda é muito pontual, pra atender algumas solicitações específicas de áreas, de pessoas, de interesses prioritários e de atendimento mais rápido. Eu gostaria de pegar algumas ações que já estão pinçadas nessa história e aprofundar. Por exemplo, você pega uma ação do Senac, um centro de autoestudo - foi uma modalidade de ensino do Senac. Então [o] por quê disso, porque [se] tomou essa decisão, o que levou a ter esses espaços e como foi enquanto eles existiram… Dar um mergulho mesmo. Tem uma série de fatores, de ações que o Senac desenvolveu e que a gente teria que dar um mergulho pra buscar todas as causas. Contar só o que foi, eu acho que fica empobrecido. Você tem que buscar todas as causas e quais foram as consequências. O Senac também tem uma coisa assim: ele começa uma ação, simplesmente ela deixa de existir, passa-se a ter outras. Por que deixou de existir? A gente também tem que finalizar, qual foi a consequência? O mercado não solicitava mais essa profissão, esse profissional, ou surgiram novas metodologias de ensino? Enfim, o que aconteceu pra que o Senac deixasse de ter? Acho que está faltando o elo, um trabalho como esse eu gostaria de fazer. (Tá vendo? Chegou no ponto que você queria!) Era traçar um paralelo da atuação do Senac com a evolução e crescimento de comércio e serviços. Qual foi a contribuição do Senac pra formação profissional, não só de São Paulo, mas do Brasil... Porque a gente teve cursos… Por exemplo, um curso de órtico prático que vinham alunos do país todo fazer, porque era o único curso que existia no Brasil todo. Até pessoas do exterior, da Argentina, do Uruguai, vieram pra fazer um curso desse. Então você vê que tem muita coisa importante. Por que foi criado o curso? [O Senac] Criou com alguma finalidade, porque não existia esse profissional e era necessário. Assim como o curso de prótese tinha uma procura muito grande. Teria que dar esse mergulho, trazer à tona as ações do Senac e complementar com o cenário da época - o que era a profissão, qual era o interesse. Acho que é um trabalho realmente fundamentado e muito rico, porque você vai falar do Senac, da sua atuação, da formação profissional, da sua ligação com o mercado. Você começa a entender o por quê de algumas profissões passarem a existir, porque outras se extinguiram, porque que o Senac ampliou a sua atuação, aí você começa a ter um todo. Eu não gostaria de sair do Senac sem ter esse elo de ligação e fazer esse trabalho mais aprofundado, de ligar a atuação do Senac à evolução e crescimento da área de comércio e da área de educação, porque o Senac contribuiu muito também, mesmo com o ensino regular; a inovação no ensino regular com as suas metodologias de ensino, com os seus laboratórios muito bem aparelhados e preparados. O Senac chegou a ter um órgão que desenvolvia treinamentos pras próprias escolas de comércio da época, em termos de metodologia de ensino. Ele transferia a suas metodologias de ensino pras escolas de comércio. Enfim, tem bastante coisa ainda pra contar e fazer esse trabalho mais aprofundado.
P/1– Ligia, agora você vai falar um pouquinho de você. Que memória, que história, não poderia deixar de existir, que você nunca deixaria de contar no seu livro de memórias pessoais?
R – No meu livro de memórias pessoais? São tantas histórias de vida que a gente tem... Bom, eu sempre vou valorizar meu pai e minha mãe. Eles foram fundamentais na minha vida, na minha evolução, no meu crescimento, no meu conhecimento - apesar que papai era super hiper severo, além de ser professor era um pai militar mesmo, você não podia sair no portão. Tinha que estudar o dia todo, tinha que ler o dia todo, mas eu devo muito a ele em relação a isso. Vale citar - eu também acho [que é] uma das coincidências da vida - que no ano em que eu nasci surgiu a Universidade do Ar, que era o curso que o Senac desenvolvia. Eu cresci no meio de algumas lições, do curso comercial radiofônico, algumas aulas impressas. Então eu [me] lembro, quando criança eu cheguei a ter esse contato. Papai, minha mãe foram muito importantes na minha vida. A mamãe, acho que ela tinha uma sabedoria muito grande, uma visão de vida; apesar de não ter uma formação educacional, ela tinha uma vivência muito grande. Ela sempre me passou muitas coisas boas, muita experiência, parece que sempre enxergava muito além de mim, mesmo adulta. Hoje sinto muita falta da minha mãe, tem hora que eu queria tanto um colinho, mas infelizmente já não é mais possível. Acho também que ela enriqueceu muito a minha vida. Meus irmãos também tiveram sua grande parcela. O que de mais rico pra mim... Pra quem é mãe, o filho e fundamental. Tive a oportunidade de ter uma filha só, então pra mim ela é de uma importância muito grande, ela sempre foi a razão da minha existência. Fiquei viúva muito cedo, ela tinha 11 meses de idade, então ela passou a ser o meu foco. Espero que não a tenha sufocado tanto, tê-la como a principal razão do meu viver. Ela é muito importante, fundamental, jamais deixaria de fazer parte da minha vida. Hoje ela está distante fisicamente, mas acho que o grau de importância só aumenta a cada dia. Você acha que os filhos crescem, eles vão criar asas e você vai viver a sua vida. Não, você fica sempre vinculada a eles, não tem jeito. [Para] Descrever minha história, eu teria muitas coisas pra narrar: meu nascimento e meus pais, que foram importantes; os irmãos que eu tive, [com] cada um, um relacionamento diferente e uma experiência, juntos ou separados, bem diferente. O casamento, minha filha e meu trabalho - 28 anos na mesma empresa também tem uma importância muito grande. Talvez não me proporcionou conhecer novos horizontes, ter novas experiências profissionais, mas por outro lado foi muito gratificante. O fato de eu estar [há] tanto tempo na empresa contribui muito pra preservação do próprio Memorial, porque eu participei. Eu consigo também contribuir com o conhecimento da minha vivência.
P/1– Você gostaria de contar algo que eu não te perguntei?
R – Nossa, eu falei tanto que acho que cheguei a comentar tudo. Não sei se você quer saber alguma coisa mais específica que eu não tenha comentado ou tenha fugido à sua pergunta...
P/1– Não.
R – ...que você queira que eu registre, mas acho que, de maneira geral, consegui passar um pouquinho do que eu vivi nesses anos todos na organização e o pouco que ainda conheço dela.
P/1– Como foi pra você participar dessa entrevista, poder contar...? Agora vai se tornar pública a história que você tem, dessa trajetória de vida no Senac. Como foi participar?
R – Foi uma experiência gratificante, foi gostoso. Cheguei aqui apreensiva, falei “o que vou dizer, o que vou contar? Por onde eu vou começar, eu não vou conseguir falar nada” e de repente eu vejo que a gente já avançou em algumas horas e tempo. Talvez ainda teria muita coisa pra relatar, com um nível maior de detalhamento, mas pra mim foi muito bom. Foi uma experiência gostosa, eu acho que é importante a gente deixar registrado. Se as pessoas tivessem este hábito de realmente registrar o que fazem, o que aconteceu, [d]o que participou…. Isso enriquece não só a história das empresas, mas a história das comunidades. A História realmente não tem por conta disso, né? Porque as pessoas não têm o hábito de registrar tudo que acontece, não têm o hábito de retomar aquilo que aconteceu. Acho importante que, qualquer que seja o registro - um documento impresso, um livro, uma revista, um jornal, uma gravação, um filme, uma foto -, tudo é documento, tudo isso enriquece a história de vida de cada um e consequentemente a história de vida do próprio país e do próprio planeta Terra.
P/1– Eu só tenho a agradecer a você. Obrigada, Lígia, eu tenho certeza que a sua história vai enriquecer muito a nossa proposta de contar a história das ações sociais, principalmente as ações sociais do Senac. Eu acho que você tem ainda muito pra colaborar, com a sua experiência, com o seu saber. Muito obrigada e aguarde contato, a gente ainda vai conversar bastante sobre a sua atuação.
R – Ok, eu agradeço o convite e espero realmente que o que nós conversamos aqui tenha de alguma forma um conteúdo novo, que possa enriquecer o trabalho que vocês estão desenvolvendo. Obrigada.
P/1– Obrigada.
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