Entoando nosso hino, o rataplã do arrebol, de cujas palavras ignorávamos o exato significado, nos arrancamos de Belo Horizonte em uma manhãzinha de abril de 1961. O caminhão Chevrolet “tinia de novo” (uma gíria da época) e levava nossa tropa, o Grupo Escoteiro do Colégio Estadual, para participar da inauguração de Brasília. Dentre nós, os mais viajados mal haviam passado de Lagoa Santa ou adjacências, e sempre em companhia dos pais.
Era tudo aventura, a começar pelo vento, que já à altura de Sete Lagoas havia destruído o toldo de lona posto sobre o caminhão e dispersado alguns dos chapéus de feltro, o que deixou seus donos inconsoláveis.
Em Três Marias paramos para comer – de marmita, pois naquele tempo não se conhecia fast-food (expressão que, aliás, soaria como um palavrão em língua gringa). Ali constatei, para meu dissabor, que a comida preparada com carinho por minha mãe, de véspera, simplesmente azedara irremediavelmente. Um colega caridoso me ofereceu uma banana, com a casca já preta, a qual comi com gosto. O que fazer?
Chegamos esbodegados em Paracatu, já a tempo de dormir. Um Grupo Escolar foi nosso abrigo e ali o chão nos serviu de cama, sem direito a um chuveiro. De madrugada, o planalto mostrou-nos sua inclemência, quase nos congelando.
Lembrança de Cristalina: filas de carros com os pára-brisas quebrados pelo impacto dos cristais do cascalho fino que cobria o asfalto. E filas de vendedores de pára-brisas, recém descobridores daquele filão de ganhar dinheiro, coisa rara naquele tempo e naquela região.
Brasília nos recebeu lá pelas onze horas da manhã, num calor de rachar. Com os chapéus restantes e o nosso grito escoteiro – arrê, arrê, arrê – saudamos os Fuzileiros Navais que vinham a pé do Rio de Janeiro. A estátua gigantesca e esquisita na entrada do Distrito Federal não nos augurou boa coisa.
Acampamos logo abaixo do Palácio do Planalto, monumento colorido pela poeira vermelha, no...
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Entoando nosso hino, o rataplã do arrebol, de cujas palavras ignorávamos o exato significado, nos arrancamos de Belo Horizonte em uma manhãzinha de abril de 1961. O caminhão Chevrolet “tinia de novo” (uma gíria da época) e levava nossa tropa, o Grupo Escoteiro do Colégio Estadual, para participar da inauguração de Brasília. Dentre nós, os mais viajados mal haviam passado de Lagoa Santa ou adjacências, e sempre em companhia dos pais.
Era tudo aventura, a começar pelo vento, que já à altura de Sete Lagoas havia destruído o toldo de lona posto sobre o caminhão e dispersado alguns dos chapéus de feltro, o que deixou seus donos inconsoláveis.
Em Três Marias paramos para comer – de marmita, pois naquele tempo não se conhecia fast-food (expressão que, aliás, soaria como um palavrão em língua gringa). Ali constatei, para meu dissabor, que a comida preparada com carinho por minha mãe, de véspera, simplesmente azedara irremediavelmente. Um colega caridoso me ofereceu uma banana, com a casca já preta, a qual comi com gosto. O que fazer?
Chegamos esbodegados em Paracatu, já a tempo de dormir. Um Grupo Escolar foi nosso abrigo e ali o chão nos serviu de cama, sem direito a um chuveiro. De madrugada, o planalto mostrou-nos sua inclemência, quase nos congelando.
Lembrança de Cristalina: filas de carros com os pára-brisas quebrados pelo impacto dos cristais do cascalho fino que cobria o asfalto. E filas de vendedores de pára-brisas, recém descobridores daquele filão de ganhar dinheiro, coisa rara naquele tempo e naquela região.
Brasília nos recebeu lá pelas onze horas da manhã, num calor de rachar. Com os chapéus restantes e o nosso grito escoteiro – arrê, arrê, arrê – saudamos os Fuzileiros Navais que vinham a pé do Rio de Janeiro. A estátua gigantesca e esquisita na entrada do Distrito Federal não nos augurou boa coisa.
Acampamos logo abaixo do Palácio do Planalto, monumento colorido pela poeira vermelha, no meio do cerrado. Não havia banho. Para as necessidades mais imperiosas, o hediondo WC de uma cervejaria instalada num galpão provisório, ao lado do Palácio. Acabamos descobrindo uma adutora furada, ao lado da qual, meio atolados na lama, lavávamos as panelas, as cuecas e o corpo. No acampamento sem árvores, já no primeiro dia estávamos à beira de uma insolação. À noite, um frio siberiano. Como se não bastasse, um enxame de carrapatos nos assolou, propiciando o intenso afazer de nos coçarmos, dia e noite.
***
Por muita teimosia voltei a Brasília – e para morar – muitos anos depois. Na adolescência, entretanto, só não corremos, eu e meus companheiros, de volta ao regaço materno, porque nossa querida BH ficava muito longe do terrível Planalto Central.
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