IDENTIFICAÇÃO Meu nome de batismo é José Samuel Magalhães, nasci em seis de junho de 1951, na cidade de Tupã, São Paulo. APELIDO O apelido já está incorporado, então eu acho que não tem problema me chamar de “Jacaré”. Posso até explicar um pouquinho o porquê de...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome de batismo é José Samuel Magalhães, nasci em seis de junho de 1951, na cidade de Tupã, São Paulo.
APELIDO O apelido já está incorporado, então eu acho que não tem problema me chamar de “Jacaré”. Posso até explicar um pouquinho o porquê desse apelido.
Quando eu entrei na Petrobras, em 1978, todos os novatos passaram por um processo de adaptação, processo de conhecimento dos demais – sempre aconteceu isso na Empresa. As brincadeiras eram como se fosse uma espécie de “bicho” (trote) na universidade. Novato na Petrobras, eu entrei na Replan, em Campinas, no período de agosto. Estava chovendo bastante lá na região e os mais velhos pediram para eu subir num tanque, com proteção, com capa, para ver se tinha um jacaré dentro. Eu estranhei: “Como é o processo de você ver um jacaré dentro de um tanque?” Mas, de qualquer forma, você é novo, você vai fazer o que os mais velhos falaram, então subi no tanque para ver o que era. Era um tanque de teto flutuante, estava chovendo muito e eu verifiquei que, embaixo, dentro do tanque, tinha uma peça usada no processo de arraste de água que acumula dentro do tanque. Observei aquilo, mas não vi nenhum jacaré. Aí eu desci, fiz a verificação todinha, vi os mangotes ligados no hidrante, falei: “Ó, está entrando água por um lado e saindo pelo outro.” E voltei para dentro da casa de operação, lá na Replan. Falei: “É, não tem nenhum jacaré lá dentro.” “Como não tem nenhum jacaré, não está funcionando?” Eu falei: ”Não, não tem. Tem uma peça que faz o arraste da água lá – a gente aprende no curso – e estava tirando a água do tanque.” “Mas você é um jacaré” Aí, pronto, o apelido de “jacaré” pegou na Replan. Depois, eu vim para São Paulo, falavam meu nome mesmo, Samuel, o nome que está no crachá, mas não teve como fugir. Os outros companheiros de Campinas ligaram para o terminal para onde fui transferido e queriam falar com o “Jacaré”. Ninguém sabia quem que era o “Jacaré”. “Mas ele se chama Samuel.” Aí pronto, o apelido se alastrou em São Paulo. Eu sou do movimento sindical, desde que se iniciou, e aí o apelido também pegou e ficou. Hoje, nacionalmente, não só na Petrobras, mas em todo o setor, porque a gente milita no movimento sindical, todo mundo me conhece por “Jacaré”. É igual à história do Lula, daqui a pouco vou ter que incorporar “Jacaré” no sobrenome. Mas eu espero que não. José Samuel “Jacaré” Magalhães é meio difícil, mas eu não vejo nenhum problema, já está incorporado.
FAMÍLIA / PAIS Meus pais são nordestinos e vieram para São Paulo. Meu pai é Paulo Magalhães,
é militar reformado, se aposentou como major da Polícia Militar, que depois se transformou numa coisa de Exército. E a minha mãe é doméstica, Justa Barros Magalhães, também nordestina. Vieram para São Paulo no ano de 1950, o ano do casamento dos meus pais. Como eu nasci em 1951, meu pai veio para o interior primeiro. Ele veio para São Paulo trabalhar na agricultura. Comprou uma pequena máquina de beneficiar arroz em Tupã, onde eu nasci, depois vendeu e veio para a capital. Aí, na capital, ele começou a estudar, entrou na Guarda Civil, depois se transformou em Polícia Militar e foi seguindo até chegar ao posto de Major, quando se aposentou. Foi isso que aconteceu com ele. A minha mãe sempre foi doméstica, porque a nossa família é muito numerosa, nós somos em nove irmãos. Na realidade, hoje, somos sete vivos, eu sou o mais velho e a minha irmã mais nova tem 30 anos, por aí. Então, isso é um pouco da nossa história: de nove irmãos, sete estão vivos. Minha mãe já é bisavó, tem três bisnetos. Neto tem bastante, se fôssemos contar, acho que dá uns 18, mais ou menos. Todos tiveram muitos filhos, três, quatro, por aí. Minhas irmãs também. Então, nós temos uma prole muito grande.
AVÓS Tive contato só com os dois. O meu avô não conheci, quando eu nasci ele tinha falecido. A minha avó faleceu há três anos, mais ou menos, com quase 100 anos. E por parte dos meus pais,
também foi nessa idade, 80, 85 anos. A minha avó por parte de pai morava aqui em São Paulo e meus avós por parte de mãe moravam no Nordeste, em Alagoas, lá na terra de Graciliano Ramos, em Quebrangulo. Aí eu conheci eles até 1997, 98, por aí. Minha avó por parte de pai faleceu no ano de 2001. O pessoal também fala que eu tenho um traço de índio, e isso é por parte da minha avó, mãe do meu pai. Meu avô era português e minha avó era descendente de índia. Já por parte da minha mãe são portugueses e holandeses, uma mistura assim. Eu ia visitá-los de vez em quando. Fui muitas vezes lá no Nordeste e eles vinham a São Paulo. A minha avó por parte de pai morava em São Paulo, e ela eu conheci bastante, pois a visitávamos sempre. Minha avó e meu avô maternos, de ano em ano, a gente visitava. Tenho recordações desse tempo, do Nordeste nem tanto, porque as visitas eram mais esporádicas, mas da minha infância aqui, com a minha avó, eu tenho bastante. Porque, nas férias escolares, nós íamos passar férias na casa dela, era a alegria da gente passar na casa da avó. Juntavam os outros sobrinhos, os outros netos dela e nós íamos passar a temporada de férias na casa dela. Então, eu tenho essa memória dela bastante viva, de passar as férias com ela. Nós morávamos, vamos dizer assim, numa zona leste e ela morava na zona norte. Uma distância razoável, mas não longe, dentro da capital mesmo. Eu nasci em Tupã, no Estado de São Paulo. Tinha a cidade de Tupã, mas eu nasci afastado, dentro de uma aldeia indígena. Meu pai tinha uma máquina de beneficiar arroz próximo dessa aldeia. Quando eu vim para São Paulo, eu fui morar na Penha e minha avó morava na Freguesia do Ó – tem aquela famosa música do Gilberto Gil. Então, ela morava lá e a gente se socava no ônibus Penha-Lapa pra fazer esse trajeto.
INFÂNCIA Como você vê, o tempo passado não era fácil. O meu pai saiu do interior, vendeu sua máquina de beneficiar e veio para São Paulo arriscar. Ele entrou na Guarda Civil, não para ficar num cargo, ele veio para estudar mesmo. Era dificultoso criar nove irmãos, alimentar, dar roupa e escola – nós todos estudamos em escola pública. Embora não tivesse nem começado o Ensino Superior, por relaxo – eu considero um relaxo, uma perda de tempo –, mas todos nós estudamos em escola pública, todos os meus irmãos e irmãs. Depois, estudei em escola pública, minhas irmãs também estudaram em escola federal, no Liceu, mas procuramos sempre estar encaminhados. Tenho uns irmãos formados, hoje estão todos encaminhados. Embora com dificuldade, nove irmãos, num período daqui de São Paulo, meu pai não era um retirante, na verdade não era isso. Ele veio, com um pouco de, que os pais dele tinham deixado, principalmente o pai dele tinha deixado o nordeste, aí veio para cá. E aí, foi para o interior, naquela febre de pós-guerra, 1950, no final da década de 40, para lavoura, no beneficio daqui, mas não se adaptou. Aí veio para a capital e foi nossa vida, nós mudamos para o bairro, fomos estudando até um período. Nós tivemos uma boa educação, com todas as dificuldades, sempre minha mãe e meu pai procuraram nos encaminhar para a escola. Então isso foi importante para a nossa formação, foi muito bom. Depois, é claro, com todo esse envolvimento nesse período, cada um encaminhando para um lado, mas na minha casa nunca houve um processo de... embora meu pai seja um militar, ele nunca houve um processo de que tivesse é... como é que eu posso dizer... fazendo bloqueio, não, se tem, ele sempre orientando, botando... mas cada um seguiu o seu caminho.
Na verdade, os pais da gente sempre têm uma opção. Tanto é verdade que hoje o meu irmão abaixo de mim e meu sobrinho são formados em advocacia, que era o sonho do meu pai. Meu pai achava que nós deveríamos ser advogados, mas não falava que nós tínhamos que ser. Depois, meu outro irmão se formou em economia e acabou fazendo um curso de advocacia. E também um sobrinho e uma sobrinha foram fazer um curso de advocacia. Quer dizer, de uma certa forma, o pai está realizando com os netos um sonho que ele queria para os filhos. Então, ninguém se formou de imediato, nem eu, nem minhas irmãs, mas depois aconteceram esses fatos citados. É difícil você trazer à tona lembranças, depois de passar por momentos de mudança constante, mas eu me lembro bem que a gente tinha em casa uma certa liberdade. Nós brincávamos na rua, tínhamos o campinho, pipa, árvore, tudo isso. Depois, isso foi faltando para os nossos filhos. Mas a relação era isso, é aquela vida. Tinha-se o dever escolar, ia para a escola, voltava e ia brincar na rua. Era um bairro calmo, tranqüilo, na Penha. Não era afastado do Centro, mas era um bairro tranqüilo. É claro que, depois, vai entrando a adolescência, o bairro vai crescendo, aí você começa a ter os conflitos de geração, as posições. Eu passei toda a fase dos anos 70, já estava na pós-adolescência.
EDUCAÇÃO Em 1964, mais ou menos, eu estava com quase 14 anos, vendo o processo do país, estava na escola, terminando o ginásio. Hoje está tão modificado, antes era o primário, depois tinha que fazer uma admissão para entrar para o ginásio, depois tinha que fazer uma prova para entrar para o colégio. Hoje é um processo direto. Quando eu e meu irmão terminamos o primário, nós fomos estudar, fazer uma espécie de um vestibular, um cursinho, para entrar no ginásio. E fizemos com um padre, que foi muito importante também na abertura dos nossos horizontes, para haver um processo de formação política. Não era bem uma escola. Eu tinha terminado o colégio público e tinha que ter uma preparação para fazer um vestibular, para entrar para o ginásio. Há um processo de estudo para você prestar concurso para entrar no colégio, no ginásio. E aí eu aprendi, abri um pouco a mente, porque lá, nesse cursinho, eu comecei a estudar política, tive um introdutório da sociologia, estudei latim, francês. Assim, a gente foi para o ginásio um pouquinho mais preparado. Eu também fiz ginásio na escola pública, no Ginásio Estadual Castro Alves. Não lembro o nome da escola em que fizemos o primário, mas às vezes ainda passo lá. Eu lembro da fase, porque foi o seguinte: enquanto estava no primário – eu lembro até do governo, acho que foi o governo Laudo Natel –, foi criado o ginásio, depois o colégio naquele edifício. Então, eu lembro só dessas passagens.
RELIGIÃO Embora minha mãe seja religiosa, ela não me influenciou. Claro que ela encaminhou a gente para uma questão religiosa, mas nós não fomos tão influenciados assim. Minha mãe é protestante, mas ela não falou assim: “Você vai ser protestante, vai estar indo para a igreja...” Nós acompanhávamos, temos todos os ensinamentos, mas não foi um processo de educação religiosa. Eu não vou dizer que sou agnóstico, eu respeito todas as religiões, mas não tenho freqüência nenhuma. Se eu tivesse a influência da minha mãe, talvez eu tivesse seguido sim, mas não houve isso. Meu pai também não era religioso, não tinha preferência. Sempre respeitamos isso. Tanto é verdade que hoje os meus irmãos e minhas irmãs freqüentam também, mas nenhum seguiu a mesma religião da minha mãe.
No aspecto político, o que me influenciou um pouco foi a questão da escola. Embora fosse uma escola de padre – era um padre italiano –, nós estávamos naquele processo dos anos 70 e tivemos uma influência muito grande do movimento. Eu era novo ainda, mas adquiri bastante informação, que depois pude utilizar no ginásio, no colégio e também até quando comecei a militar nos movimentos sociais. Porque a minha militância não vem só do movimento sindical, eu tenho participação também nos movimentos sociais.
JUVENTUDE Nós fomos para o ginásio, depois de passar por todo aquele processo, aquela seleção. E aí começamos. Nós estávamos nos anos 70, as discussões políticas aflorando, mas antes já tínhamos as discussões dentro da escola, os movimentos e todo tipo de situação. Eu sou fã dos Rolling Stones. Gosto dos Beatles, mas
gosto mais dos Rolling Stones porque eles eram mais rebeldes. Era a minha trilha sonora. Então, sempre houve um processo de contestação. Enquanto os Beatles, na política mesmo, eram maneiros, agradavam mais a juventude, os Rolling Stones falavam... Quem era fã dos Rolling Stones sempre tinha aquela história. Isso vem no aspecto também político. Porque você sempre estava contestando a política, os métodos, a escola. Eu lembro até hoje que, no primeiro ano do ginásio, eu fiquei de castigo – para mim foi um absurdo – porque nós estávamos discutindo política dentro da escola. Nós já tínhamos umas discussões sobre o que se passava, o que fazia, o que estava pensando, o que podia fazer. Tinham aquelas manifestações mais avançadas de estudantes que estavam em nível superior, sobretudo daquela faculdade de filosofia da Mackenzie. E aquilo trouxe bastante coisa para a gente, embora fosse distante o bairro, mas trazia um monte de informação, sobre os professores da UNE, tudo, de Ibiúna - embora Ibiúna foi um pouco mais para frente. As repressões que eu via, as manifestações que aconteciam em São Paulo, traziam aquelas discussões para nós. Então, a gente tinha um pouco disso aí no grupo, depois foi aprofundando. Aí, tentaram me convencer a entrar na JOC, que é a Juventude Operária Católica. É JOC ou JEC, Juventude Estudantil Católica. Eu nunca fui preso a buscar isso, até diziam que eu era anarquista – nem sabiam o que era anarquista – porque tinha as idéias, todas as discussões. Discutíamos lá, mas nunca tive tendência a me ligar a um processo assim. Sempre participei e tudo, até que entrei no colégio. Aí já houve uma transformação, porque precisava trabalhar. Até o ginásio, eu não trabalhava. Nem eu nem meus irmãos trabalhamos até concluirmos o ginásio. Depois que fomos para o colégio, aí sim começamos a trabalhar, porque tínhamos mais irmãos que estavam vindo para entrar na escola. Aí mudou um pouco o cenário de ginásio para colégio, porque você tinha que estar batalhando e o processo era outro, a questão política já estava mais evoluída.
ESTUDO / TRABALHO Era muita dificuldade. Eu comecei a trabalhar no Centro, em São Paulo, e tinha que estudar no bairro onde morava. Então, saía do Centro, pegava ônibus lotado. Não era só o meu caso, todo o pessoal do colégio precisava trabalhar para ajudar. Eu ia trabalhar no Centro e voltava à noite para a escola. Chegávamos em casa por volta de meia-noite, às vezes sem jantar ou mesmo um lanchinho, o que fosse, então isso foi uma fase que marcou muito. Acho que até hoje isso acontece muito com o estudante que mora na periferia e precisa trabalhar e estudar, não tem essa facilidade. Então, eu acho que não mudou muito.
SERVIÇO MILITAR Teve uma fase também em que eu fui servir o Exército. Eu não servi o Exército, pedi para sair, porque tinha o argumento de que eu estudava. Fiquei uns três meses indo ao Exército constantemente, lá em Ibiúna. Não sei se vocês lembram quando houve um atentado no quartel do Ibirapuera, em que morreu o soldado Mário Consel Filho. Um jipe com explosivo bateu no quartel. Eu estava me preparando para servir o Exército e aquilo me trouxe muito trauma. Eu não queria servir. Naquele período, tinha uma leva de gente que queria servir, era uma vontade da juventude, entre aspas, servir o Exército. Porque, de fato, dava um caráter disciplinador, não sei se era bem isso, mas para o pessoal da periferia era uma espécie de honra servir o Exército: “Oh, tá no Exército.” Então, era um motivo de orgulho. E a gente já tinha esse contraste de não servir, por causa da questão que estava se passando pelo país.
POLÍTICA Nós já discutíamos bastante, nos anos 70, 75, por aí. Então, já víamos tudo isso: as manifestações de rua na Praça da Sé, na Praça da República, as cavalarias, lembro muito bem. A gente ia para lá com os estudantes que organizavam, mas não íamos só por farra, mas também para acompanhar, porque o pessoal chamava: “Vamos lá e tal...” Tinha a UNE que estava buscando se organizar. Até quando foi o Congresso em Ibiúna, iam os universitários e nós da periferia íamos também. Podia ser uma farra para uns, mas para outros já começava a ter mais um processo de compreensão do que estava passando. E o interessante era que a gente levava bolinha de gude, quando a cavalaria vinha, nós jogávamos as bolinhas de gude, depois saíamos correndo, porque os cavalos caíam. Tudo isso foi uma fase da nossa juventude. Depois até acompanhei bastante a questão do processo de perseguição política, tudo isso a gente acompanhava de perto. Embora eu não estivesse envolvido diretamente com eles, com o pessoal que estava mais à frente, na linha de frente, nós já tínhamos conhecimento, já estávamos nessa situação posta..
PRIMEIRO EMPREGO / IDÉIAS POLÍTICAS Como eu falei, nós precisávamos trabalhar. O meu primeiro emprego com carteira assinada foi num banco. No banco, já tinha também o movimento operário, movimento bancário, já estava a discussão dos bancários, tinham cassado ou parece que até assassinado um dirigente sindical. Eu não lembro bem isso, essa fase, mas a gente já estava se envolvendo com isso aí. Passei quatro anos no Banco Comércio Indústria de São Paulo - Comind, lembro até hoje. Hoje é o prédio da Bolsa de Valores. Essa fase de entrar no colégio e ir trabalhar foi importante porque a maioria do pessoal que trabalhava no banco era de estudantes, que precisavam trabalhar, estavam fazendo vestibular e a gente discutia muito. Tinha muito pessoal do interior e nós discutíamos muito a política do país, o que estava acontecendo. Isso também trouxe bastante informação para a gente, melhorou o quadro, melhorou as informações. E esse contato foi diferente da escola, porque, no colégio, você tinha o pessoal já trabalhando com o movimento operário e isso foi muito importante para mim.
POLÍTICA / ESCOLA / TRABALHO Quando você está na escola, o processo do estudante era de uma formação em que você não tem a responsabilidade do trabalho. Não vou dizer que o estudante não seja responsável, mas é uma formação. E quando você está num movimento do operário, você já vê a diferença. Porque você tem que dar uma resposta para a sua sustentação. Eu precisava daquele emprego para poder ajudar no meu estudo. Então, é diferente, você começa a ter uma responsabilidade. Não vou dizer que os estudantes não são responsáveis, são muito responsáveis, mas quando há necessidade de trabalhar, você começa a ter uma modificação e a
separar as coisas. “Olha, as coisas começam a endurecer para sua vida, já começa a ter outro rumo.” E foi isso que aconteceu. Eu trabalhei quatro anos no banco, participei também do Sindicato. Não fui da direção, mas participava de base, discutíamos bastante a organização, quem ia para o Sindicato, quem não ia, como que fazia as campanhas, como é que foi tomado, como é que não foi tomado, a gente fazia toda essa discussão. Não tinha o processo de repressão dentro do banco, porque nós não estávamos ligados diretamente ao Sindicato, nós discutíamos entre trabalhadores ali, com meus colegas do banco. Já tinha uma outra visão, tínhamos até pessoas que estavam fazendo curso superior. Eu lembro de dois companheiros nossos, um estudava na USP e outro estudava na Fundação Getúlio Vargas. Era o contraste, um falando uma coisa, outro falando outra, sobre um momento político que estava se passando sobre a economia. Foi muito importante aquilo para a gente entender o que estava se passando. Era um momento político em que tinha Arena e MDB. Então também tinha essa situação posta no país. São muitas fases que nós passamos nos anos 70 e que contribuíram para a minha formação.
LAZER A gente fazia o seguinte: fazia o colégio e fazia o cursinho, para ajudar, para tentar entrar na faculdade e ajudar no colégio. Então, você ia para o colégio à noite e no sábado ia para o cursinho. E também tinha outros contatos. Claro, não foi só militância, também tivemos muita turma de acampamentos, curtirmos moto. Isso foi muito bom. Na verdade, no colégio, a gente sempre teve os grupos, depois dispersou um pouco. Depois de 17, 18 anos, quando eu trabalhei no banco também, ou até antes, era só turma de colégio, aí era bailinho, tinha o bailinho, fazíamos no colégio...
JUVENTUDE Ah Eu tinha cabelão Lembrei de um fato: essa punição que nós tivemos no ginásio foi porque eu estava com cabelo grande. Eu lembro até hoje que o professor falou que eu estava com o cabelo grande e precisava cortar. Eu falei que não ia cortar. Era um processo de rebeldia. Os amigos não eram todos assim, tinha um grupo que contestava, mas aí foi uma penalização. Fiquei suspenso e depois tive que cortar o cabelo, que era meu xodó. Tanto é verdade que hoje eu não corto o cabelo Não porque eu acho que deva, mas porque foi um processo que ficou. Nem quando eu fui para o Exército eu cortei o cabelo. Para tirar a fotografia para o Exército – olha só os truques que nós tínhamos na juventude –, eu fiz todo um processo de puxar o cabelo para trás, botar grampo, para poder entregar a fotografia. Mas depois, quando eu tive que me apresentar lá, para ver se ia servir ou não, aí eu cortei o cabelo. Eu tenho até hoje, no meu certificado de reservista, a foto com o cabelo cortado.
Na juventude, os anos 70 foram aquela turbulência. Movimento hippie, muita “droga”, muitos amigos se perderam naquele processo, depois se recuperaram, mas foi um momento muito dramático para mim, de conviver com situações bastante duras.
DROGAS Não sei se a gente pode estar comentando isso um pouco, a questão do LSD. Eu vi muitos amigos entrarem nessa “droga” e depois ficarem pirados, tão pirados que não retornaram. Isso foi um baque, seria até ingênuo – não vou dizer que nem o Fernando Henrique – dizer que só não fumei maconha. Eu não fui uma pessoa viciada, nem nada. Experimentei sim, outras coisas. É o seguinte: no meio da turbulência, no meio de todo mundo, você experimentava. Aí eu falo que influenciou bastante a nossa educação, você saber separar. É tentador você buscar, fazer isso, está no meio, não estou supondo que eu viciasse nisso, mas eu vi muitos amigos e amigas também que se perderam nesse processo, pessoas que estavam estudando comigo e que se perderam. Isso não me assustava, porque não sei se, para a gente, aquilo era normal. As coisas que estavam acontecendo não eram assim tão graves como a Aids, mas, de repente, você via uma pessoa que estava naquele processo, depois, mais para frente, voltava e se acalmava. Era um processo da juventude. Eu vi muito disto.
FAMÍLIA Meus irmãos não faziam parte do meu grupo. Minhas irmãs estavam entrando no processo de adolescência. Estudávamos no mesmo colégio, mas cada um tinha o seu grupo. Não éramos um grupo só. Meu irmão tinha o grupo dele, porque nós temos diferenças e tinha diferença também na escola. Tanto é verdade que meu irmão hoje tem uma parte um pouquinho mais conservadora, e eu tinha uma parte mais à esquerda.
RELAÇÃO COM OS PAIS Conversávamos em casa, tínhamos discussões, porque tinha o processo e eu sempre gostei de política. E estudava um pouco. Estudei o período de Getúlio Vargas todinho, na escola fazia pesquisa. Não tive nenhuma censura por parte dos meus pais em relação à política, mas eles sempre colocavam algumas recomendações: “Cuidado com isso, cuidado com aquilo.” Aos 13 anos, eu já viajava com conhecido ou não. A primeira vez que eu vi o mar foi no Rio de Janeiro, acho que com 12 anos. Peguei carona com um caminhoneiro, conhecido dos meus pais, e aí viemos para o Rio de Janeiro. Depois, um pouco mais para frente, andava para tudo quanto era lugar. Os meus irmãos e minhas irmãs também. Nunca houve um processo em casa de “tem que ficar assim”. Sempre tivemos essa liberdade. Foi bom para nós, no aspecto da nossa educação.
JUVENTUDE / ROMANCES As paqueras eu acho que não modificam. Hoje, é claro, eu deixei de freqüentar um pouco a balada, quando entrou o processo de discoteca. Eu gostava muito de baile que o colégio fazia. Tinha as equipes que faziam bailes, a gente freqüentava muito. Tinha as luzes estroboscópicas, que as mães diziam que faziam mal para a gente, que poderia dar câncer e toda aquela história, que não tinha nada haver. Tive algumas namoradas que eram militantes, mas outras não,
tinham o processo de juventude mesmo, de embalo, de viagem, de acampar e curtir. Não achava chato namorar uma militante, porque acontece o seguinte: nós fazíamos reuniões, e acho que deixava claro uma coisa para nós e respeitávamos, as discussões das pessoas, das meninas também, às vezes vocês via que elas queriam estar junto, aí você trazia aquilo dali. E tinha as meninas que achavam que era chato, não queriam participar. E a gente tinha essa liberdade. A partir do momento que eu fui para o trabalho mesmo, aí modificou, tinha discussões mais diferenciadas, isso aconteceu bastante.
Não posso dizer que sou um namorador. Não fui assim tão namorador.
EDUCAÇÃO Eu não fiz faculdade. O que aconteceu? Eu não sei o que aconteceu, se foi uma desilusão, não sei o que foi. Eu fiz duas vezes o vestibular e minha vontade era entrar na faculdade de medicina. Eu sou do tempo do Cesem, do Ceseia, do Mapofei, que era concorrido. Não era como o Fuvesp que tem hoje, unificado. Antigamente, se você queria fazer exame para medicina, para biologia e para a área de ciências exatas, era o Cesem; se você quisesse fazer área de humanas, jornalismo, sociologia, era o Ceseia; e tinha Mapofei, que era para engenharia. Então, eram três áreas do vestibular e você optava. Eu tentei fazer para medicina e não passei. Na juventude, quando eu estava no colégio, a gente discutia muito o que ia fazer. E naquela fase, eu discutia muito a medicina. Não sei se foi um processo de que, na minha cabeça, deveria estar fazendo medicina. Hoje, talvez, na minha avaliação, tenha sido uma opção errada. Até por um pouco de falta de orientação, mas eu gostava. O meu irmão hoje é advogado e administrador, mas queria fazer biologia. Começou a fazer biologia, largou, porque foi fazer outro campo. Então, são coisas da juventude. Eu lembro até hoje que, quando eu estava no colégio, não tinha aquele processo de recuperação como tem hoje. Se você não passava, tinha que fazer tudo de novo. E eu fiquei em inglês, tive que fazer prova de inglês no final do ano. Estudei tanto inglês que me deu um pouco de noção. Fui até bem no inglês no vestibular, mas não consegui passar, não consegui atingir a média. Aí eu parei um pouco nisso e mudei de serviço.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Saí do banco porque ficou um pouco difícil no colégio para mim, muito pesado, cansaço também. Era muito longe e eu dei um tempo. Por uma questão de salário, de melhorar a remuneração, eu fui trabalhar com administração de hotel. Para mim, foi bom em relação ao salário, mas enquanto processo de vida não foi bom. Trabalhei três anos no Hotel Cambridge, que foi um hotel muito bom. Hoje se fala muito do Hotel Cambridge, que, na verdade, é um bar, estão tentando até fazer um ponto de São Paulo. Nessa época, eu parei de estudar e depois voltei para tentar fazer publicidade. E aí nessa mesma fase eu presenciei uma das coisas trágicas da minha vida. Eu presenciei o acidente que aconteceu no Joelma.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS [Incêndio no Edifício Joelma] Era em frente ao hotel. Eu vi a hora que estourou a caixa do ar condicionado, nove horas da manhã – lembro até hoje, tenho isso na memória. Era uma sexta-feira próxima do carnaval, estava garoando em São Paulo, nós fomos trabalhar naquela expectativa do carnaval chegar, aí aconteceu o acidente da caixa e o prédio pegou fogo. E, de frente, onde eu trabalhava, eu via tudo, passamos praticamente o dia todo vendo aquela cena. Gente querendo ajudar, avisando que estava pegando fogo e o hotel fornecendo leite, roupa. Vi muitas mortes também. E aquilo, em certo aspecto, me trouxe um trauma. Não sei se eu me conformei com a morte a partir daquilo. Dizer que se conforma com a morte é difícil. Ver muitas pessoas morrerem ao mesmo tempo e não poder fazer nada. Ver as pessoas pedirem por socorro e você não poder fazer nada e depois, de repente, ver a pessoa se jogar e estar lá no chão estendida. Aquilo foi um trauma muito grande para mim, até me recuperar foi forte. Quando eu trabalhava no banco – estou falando só de tragédia –, acompanhei o incêndio do Itaú, daquele onde tinha a Casas Pirani, que era na São João, o Andraus, foi uma seqüência de incêndios em São Paulo. E depois foi o Joelma. Aí, o que eu fiz? Eu trabalhei mais dois anos no hotel e parei. Porque eu queria ver o que eu queria fazer na vida. No hotel era outro ambiente. Embora tenha as pessoas que estudavam lá, mas não tinha mais o caráter de discussão política. Tinha um ou outro, mas era mais trabalho.
EDUCAÇÃO O bancário é mais politizado. Era muito mais trabalho, o pessoal estudava, já fazia uma faculdade. Estava muito em voga fazer computação. Aí eu saí do banco e pensei em fazer computação. Eu não me dava bem com computação, não tinha nenhuma noção, pensei: “vou fazer computação porque é a bola da vez, do futuro”, mas acabei não fazendo. Me inscrevi na publicidade, passei e também não me dei bem. Comecei a fazer e parei. Não fiz nem dois meses, não gostei e parei. Aí, o que aconteceu? Fiquei um período sem trabalhar. Isso foi em 77. Fiquei um período sem trabalhar, um ano, mais ou menos, tentando me organizar, já estava com uns 25, 26 anos, ou um pouquinho mais. Aí eu vi na Folha, tenho até hoje guardado, o anúncio para a Petrobras.
PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTOS SINDICAIS Durante esse tempo que fiquei parado, eu acompanhei os movimentos. Nos bancários, eu acompanhei do setor bancário e acompanhei também um pouco na questão do hotel, mas não com tanta intensidade. Depois que eu saí, que eu voltei a fazer, porque você tinha um processo mais de trabalho no hotel, então nesse período eu acompanhei muito a evolução do movimento sindical lá em São Paulo, que nós tínhamos as discussões dos bancários e tínhamos também a questão do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, “Joaquinzão”. E aí já tinha um processo de oposição, eu vinha de uma formação operária, não vou dizer do operário que não, mas do banco, embora seja administrativo, mas já tinha a informação. E eu acompanhava, ajudava. Eu ia ao Sindicato, não como dirigente sindical, mas acompanhava todo o processo. E ajudava o pessoal dos bancários, ajudei também a oposição no processo do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo; nós não ganhamos a eleição. Mas foi isso. Depois, você parava, se tinha os movimentos, você parava. Ia para os movimentos, depois dava uma recuada, parava, não conseguiu, “pá”, mas ia às reuniões, tudo isso aí. E eu não estava trabalhando esse período.
INGRESSO NA PETROBRAS Em 1977, eu entrei na Petrobras. Eu estava parado, sem trabalhar, vi na Folha de São Paulo, na página de emprego, que precisava de operadores para a Petrobras. Não sabia o que era Petrobras, nunca tinha visto uma refinaria. Na capital, não se falava de Petrobras, não se conhecia a Petrobras a fundo. Sabia da história, do que tinha acontecido, mas eu não conhecia nenhuma refinaria, não sabia o que era uma refinaria. E eu vi o anúncio na Folha de que precisava de operadores na refinaria de Paulínea. Falei: “Pô, legal, né? Operador, vou aprender computação lá.” Estava procurando ver o que tinha no jornal, tinha que fazer alguma coisa, porque para voltar a estudar eu tinha que trabalhar, para me sustentar. Aí eu vi o anúncio para operadores e fui para Campinas. Quando eu cheguei lá para me inscrever, vi aquelas torres, falei: “Eu vim fazer o concurso para operador de computador.” Eles explicaram que não era para computador, aí eu falei: “Ah, tudo bem E como é que trabalha?” “Ah, trabalha em turno.” “Tá bom, então vamos trabalhar” Aí me inscrevi, fiz a ficha. Olhei a refinaria, à tardezinha, aquele monstrão, falei: “Nossa Que é isso aqui?” Fiz o concurso e passei. Eu fiz o concurso em 77 e fui chamado em maio de 78. Aí começa a história da Petrobras.
Achei que o trabalho poderia ser legal, sabe o que foi interessante? Não ter o conhecimento do que ia fazer, eu não sabia o que era, o que se fazia na refinaria. E depois, conversando com as pessoas, quando se falou que trabalhava em turno, que trabalhava na refinaria, eu fui percebendo o que era. Eu falei: “Pôxa, nunca trabalhei numa fábrica.” Sempre trabalhei em escritório, trabalhava com máquina de calcular, com máquina de datilografar, não tinha computador ainda. E aí eu gostei da idéia de trabalhar numa fábrica. O concurso foi difícil, tinha bastante gente. Eu não lembro, acho que tinha, mais ou menos, umas 500 a 600 pessoas, só para a área de operação. Eu fiz o concurso, passei, depois me chamaram para fazer o curso de operação, falaram que era de turno, aí eu fui me adaptando. Eu gostei. Depois, entrei em maio de 1978, fiz todos aqueles processos que se faz na Petrobras. Os processos
[Preparatórios para Admissão na Petrobras] eram para ter integração, depois teve a carteira, falaram dos direitos, de Petros, e eu fui assinando.
O curso foi interessante, porque quando nós passamos, eu não conhecia ninguém. Tinha pessoas do Estado inteirinho, quer dizer, de diversos locais do Estado. Nós éramos em duas turmas de operadores, e nós fomos fazendo um colégio e nós não conhecíamos um ao outro e fomos para lá, também não tínhamos noção de quem eram as pessoas, pessoas que estavam estudando, ou tinham estudado e estavam procurando emprego. Eu lembro que fiz o curso no Colégio São José, em Taquaral. Primeiro foi assim, eu morava em São Paulo, fui a Campinas, não conhecia Campinas também. Fui para Campinas, depois eu passei, voltei para São Paulo e me chamaram. Aí nós nos organizamos. Nós fomos morar é... Posso falar? O pessoal que passou, se organizou, e quando a Petrobras chamou, nós não tínhamos onde morar em Campinas. Aí nós fomos morar num “Bordel” com os outros colegas, é verdade Nós não sabíamos, entre aspas, diziam que era uma pensão, mas na verdade... Nós pegamos e alugamos um quarto, eram quatro? Cinco ou seis pessoas. Juntamos no curso e falamos: “- Ah, vamos alugar num” tal “lugar”.Aí, alguém conhecia melhor Campinas e falou: "Vamos lá nessa pensão que a gente aluga um quarto e tal, vamos lá.”, “É, vamos.” No embalo, não tinha onde morar, eu não podia estar indo e voltando para São Paulo, vamos lá. Aí nós fomos morar lá. Era tudo lá, tinha umas meninas que moravam, faziam os seus programas até lá e a gente morava lá, estudava lá. E convivíamos pacificamente, sabe? A convivência era boa, era tudo tranqüilo. Vivíamos lá, durante o curso, durante esse processo do curso, aí depois quando nós entramos na Petrobras de fato, que aí depois começou a remuneração nós fomos para uma república.
INGRESSO NA PETROBRAS O curso foi um curso normal da Petrobras, quatro meses, quatro ou cinco meses, eu acho que é isso mesmo, quatro ou cinco meses. Eu sei que nós entramos no curso, nós saímos em dezembro. Porque foi chamando uma turma que tinha passado, nós terminamos em dezembro, é isso mesmo. O pessoal entrou em janeiro e foi chamando, aí nós saímos da pensão, voltamos para casa. Quem a Petrobras chamou primeiro já foi trabalhar e quem foi chamando voltou para casa e ficou aguardando que a Petrobras chamasse. Esse pessoal que foi para a Petrobras, também não tinha onde morar, quando nós todos entramos na Petrobras, o que aconteceu? Já tinham as repúblicas dos petroleiros também, tinham diversas repúblicas lá em Campinas, porque estava formando também a Revap e tinha pessoal da Revap, que é a refinaria de São José, a do Paraná e o pessoal tinha montado república. Quem estava entrando na Replan, que era de fora, ia para essas repúblicas. Nós já fomos para uma república que o pessoal estava saindo e nós fomos para a república. Os seis foram para aquela república lá. E vivemos lá um bom período, até praticamente a gente se casar.
COTIDIANO DE TRABALHO O início na Petrobras, é claro que você vem de uma situação de ver, isso eu gosto de falar sempre, até para os mais novos e até para os nossos trabalhadores também da Petrobras, não fazemos diferenciação, mas quando eu entrei na Petrobras gente via uma diferença do operariado da Petrobras e o operário lá fora. Isso marcou bastante para mim.
ESTRUTURA DE TRABALHO A diferença que tinha na questão, primeiro: da situação da qualificação, isso uma coisa e também do padrão de vida, a diferença que tinha. Notei muito isto, porque, claro; não dizendo que isso era ruim, isso era bom, porque você tinha uma situação porta fora de dificuldade dos trabalhadores. Lá dentro era até melhor isso aí. Porque, veja bem, quando eu te falei assim: “- Quando eu estudava em São Paulo, os trabalhadores que estudavam junto comigo, os estudantes também, o que era? Pegar um ônibus, saía do seu serviço, pegava um ônibus lotado para voltar para a escola, para fazer a escola, sair meia-noite, depois, no outro dia, às seis horas voltar para o serviço, da manhã.” O que acontece? Na Petrobras, eu falei: “- Pôxa, mas tem transporte aqui.” O pessoal pegava o ônibus em casa, próximo da sua casa, ia para a refinaria lá no administrativo, e mesmo o pessoal do turno, que tinha uma condução. Isso para mim, eu não tinha aquilo na minha vida, não tinha aquilo, não tinha aquilo no movimento aqui, daqui dos trabalhadores. A gente viu o pessoal daqui, mesmo do metalúrgico do ABC, a gente viu o pessoal passar a cidade, pegava os trens, os ônibus, para ir trabalhar lá. E já na Petrobras, já tinha isso, era um avanço, era uma diferenciação, já que tinha isso. Então aquilo ali começou a mexer: pô, porque os demais não podem ter? Mas já era importante que a Petrobras já fazia aquilo, já praticava aquilo. Então aquilo trouxe uma diferenciação. E também a gente via um pouco da facilidade dos trabalhadores da Petrobras. Foi muito importante aquilo para mim, falar: “pô, é possível modificar não só aqui dentro, mas é possível você ter outra forma de ver, melhorar a vida dos trabalhadores lá fora.” E não era porque nós estávamos numa estatal, mas que era possível aquilo dali. Não fazer uma situação do que, é... “ah, eles são melhores”, não era isso, mas, de uma certa forma, aquilo dali mostrou para mim, que era de fora. E eu acho que mostrou até para outras pessoas também que não tinham aquilo. E para todo mundo que, de uma certa forma, que entrou na Petrobras, ver esses avanços, principalmente esses benefícios que se tinham. Esses benefícios, é claro, vieram no período da ditadura, transporte e tudo aí, mas a gente via, observava também que já o movimento sindical também já fazia a sua reivindicação em relação a isso, ou pouco, ou bem ou mau, mas já fazia algumas reivindicações nesse sentido, em ter esses avanços. Então isso foi importante para mim, no meu ver, meu ponto de vista como operário, que era possível.
COTIDIANO DE TRABALHO O que fez a diferença para mim em relação a Petrobras, do trabalho de fora e o trabalho dentro da Petrobras? Você tinha o controle; não vou dizer do controle do trabalho, mas você sabia, você tinha decisões sobre o trabalho, você discutia o trabalho todo ali. Era diferente do banco e da própria administração do ano que eu trabalhei no hotel, que você chegava lá e ia fazer as coisas, cumprir uma tarefa. Embora na Petrobras você também tinha que fazer trabalho, mas era um processo contínuo em que você tem o coletivo discutindo a forma de trabalho. E aquilo ali também foi muito bom no meu processo de formação. E também foi muito importante na formação técnica, veja bem, quando você pensa que você sai de um escritório para trabalhar numa produção e que você está lá e você é responsável, você tem que fazer isso, faz aquilo, discutir ações, tudo aquilo ali, você muda completamente. Gostei daquilo.
TRABALHO DE OPERADOR Na prática eu sou operador. O operador numa refinaria antigamente, você tinha o operador de processo, o operador de utilidade, o operador de transferência e estocagem. São três áreas que havia, embora hoje está automatizado, está fazendo tudo numa sala de controle, mas ainda tem o pessoal que fica na área, mas você tinha o controle com as áreas. O pessoal das unidades, eles ficavam lá na destilação, no painel de controle e acompanhavam o processo, o pessoal da utilidade que trabalha com a geração de energia também. E fazia uma leitura, tinha o conhecimento, mexia com as caldeiras e saía nas áreas. E o pessoal do Setrae (Setor de transferência e estocagem) é o pessoal que mexe, quando o petróleo entra dos terminais daqui, dos terminais dos navios que vêm para os terminais, dos terminais irem para refinaria e do que sai do tanque para ir para o processo e depois do processo para a área final, da onde sai a gasolina. Então eu sou desse setor. Então você prepara o petróleo para entrar na torre, você prepara, fazia todo o processo quando ele chega, a leitura do petróleo, fazia o bombeio para a torre e depois tinha os produtos acabados: a gasolina, o diesel, o GLP, isso passava pela gente, passava por nós, as correções, tudo isso aí nós tínhamos esse papel; tínhamos não, temos esse papel de está acompanhando o produto final da refinaria. E depois a distribuição, os bombeios para o público externo, para o consumo. Então isso aí foi muito bom, que você passa a entender toda a refinaria. Nós sabíamos quando entrava o processo, como é que entrava o petróleo, porque destilava e como ele saía. Então isso foi muito importante para mim, sabe? Então você tinha o processo todo. Não que eu não trabalhasse na destilação para está lá acompanhando o processo de destilação, mas você sabia todo o processo. Eu tive conhecimento, teórico e prático de todo o processo da refinaria. Isso era bom, foi importante para mim, porque você saía de um processo de papel e entrava para um processo de ver o produto e ver o seu produto final lá acabado, isso foi muito importante na minha formação e por isso acho que me adaptei bem; eu trabalhava só na parte administrativa, que eu meu adaptei bem ao turno.
COTIDIANO / TURNOS Eram quatro grupos de oito horas. Eram quatro grupos de oito horas, eu trabalhei no grupo quatro, em turno ininterrupto de revezamento. Trabalhávamos das oito às quatro horas, quatro à meia-noite e da meia-noite às oito da manhã. Isso mudou durante os anos, porque quando eu estava na refinaria e até no terminal, antes de eu vir para o Sindicato, eram quatro grupos de oito horas, hoje são cinco grupos de oito horas, mas o processo é o mesmo, só que melhorou a questão da jornada de trabalho. Isso foi até discussão que o movimento sindical fez, depois é outra história. Mas dentro da refinaria eu participei desse processo de trabalhar quatro grupos de oito horas. Aí depois veio o histórico do movimento sindical para mudar esse horário. Mas aí é outra fase, como se diz.
TRABALHO / DITADURA MILITAR De uma certa forma é claro que você fora, no banco, eu que trabalhei na área administrativa, tinha um cerceamento político, mas não tão assim declarado. A gente na refinaria tinha aquele processo: “Eu vou, não...”, você não podia, entre aspas, podia falar de política, mas a gente falava de política. Tinha aquela discussão que era “Lei de Segurança Nacional”. Então tinha todo aquele clima dentro da Petrobras, depois isso caiu, mas tudo tinha aquele clima. Era o clima da ditadura. Mas era a ditadura, porque só em 89, não, quando é que foi isso? É porque eu entrei em 78, estava no governo Figueiredo. Aí depois ainda tem a história da greve. Então, você tinha todo um processo que era o setor estratégico, o setor de Segurança Nacional, você observava lá dentro, que ainda tinha um processo de controle. Embora hoje está mais democrático, tudo mais, você tinha esse processo ainda lá, sabe? Isso eu também senti um pouco, bastante, assim, de ver isso, ter um certo cuidado com isso. Você fazia, discutia, mas discutimos principalmente, nós os operadores, falávamos sobre política ali. Depois que foi melhorando, mas você sabia que tinha aquele processo lá dentro. Isso também foi um pouco que eu estranhei. Porque lá fora você, embora falasse, mas você não estava envolvido, lá dentro você tinha a Lei de Segurança Nacional.
LEI DE SEGURANÇA NACIONAL A Lei de Segurança Nacional significava que não podia se falar de política... Não podia falar de política, você não podia falar de partido, todo esse processo que a ditadura fez, você ia lá para trabalhar, e aí obedecer, embora não acontecesse isso um pouco na Replan, porque na Replan, quando eu entrei já estava mais arejado, já estava até num processo de, a Replan foi fundada em 71, na época do... Eu nem lembro qual é que foi o presidente, se foi o Geisel, o Ernesto, um assim, mas estava na ditadura. Então você já vem, com as outras que vieram de fora também, já estavam discutindo também um processo da democracia no país, então isso contribuiu bastante na Replan. Então já não tinha tanto aquele negócio fechado, não, porque de fato era isso. Lá, eu lembro até hoje que se você visse um avião passar em cima da refinaria, você já ficava preocupado, porque o pessoal falava: “Oh, Lei de Segurança Nacional, já estão fotografando...”, você já ficava meio assim, e isso era pela questão da ditadura, então isso a gente tinha lá dentro, mas, depois, aí têm as fases, os anos 80, aí depois vem o processo da discussão da redemocratização do país, das greves, tudinho. Aí depois vai mudando um pouco na refinaria, mas, mesmo assim, depois, em 83, ainda mesmo assim, houve uma mão pesada da ditadura, dentro da refinaria.
CASAMENTO Então, a partir do momento que entramos na Replan, depois de um ano você já se sente bem estabilizado. Você fala: “Pô, legal, passei” Aqui você não tem que se queixar do trabalho, da remuneração, estava lá, estava bem. Embora trabalhasse em turno ininterrupto e fosse diferente da vida que eu levava em São Paulo. Depois, com o tempo, claro, eu namorava: “E aí, vai ou não vai casar?” Aí eu falo daquela história: entrou para a Petrobras, logo em seguida casa. Eu, depois de um ano, casei, aí saí da República. Casei com a minha ex-esposa, que é de São Paulo. Casei com ela lá, fomos morar em Campinas. Acho que casei em 23 de dezembro de 1979, uma coisa assim. Nós fizemos a nossa vida em Campinas, nos anos 80. Aí, depois, trabalhava, vinha para São Paulo, não parava uma folga lá em Santos e em Campinas. Era vir para São Paulo direto, eu vinha porque ainda tinha a turma daqui. Tinha a turma de Campinas, do pessoal de Campinas, mas era para durante as folguinhas se jogava bola, aí participava das reuniões do sindicato, ia às reuniões, nas assembléias. A folga era sagrada, saída de meia-noite, eu saía da folga grande, corria para São Paulo, vinha para São Paulo.
AMIZADES Os amigos do banco ficaram pra trás, depois nos encontramos. Do hotel, nem tanto, mas, do banco, mais anos de vida, eu encontrei uns ou outros que já estavam formados, estavam na vida trabalhando. Agora, eu tinha uma turma que a gente fez, até antes de entrar na Petrobras, que gostava também de moto e também era estudante, tinha uns japoneses, tínhamos os “jovens amigos da Penha” e que nos reuníamos todo sábado, sábado, Domingo para ouvir música, fazer bailinho, viajar, e eu voltava... E gostava de moto.
LAZER / MOTO Quando entrei na Petrobras, eu tinha uma moto, mas comprei outra mais possante. Eu vinha correndo para São Paulo, pegava a moto e vupt. Ainda bem que na República em que eu morava tinha outros dois japoneses que também gostavam de moto. Viajávamos de moto, eu vinha para São Paulo de moto, encontrava com o grupo aqui de São Paulo, porque nós fomos trabalhar em grupos diferentes. Enquanto um estava dormindo, o outro estava trabalhando, enquanto outro estava trabalhando, outro estava dormindo e assim ia a vida. Ou numa folga que combinava, ou não dava mais para sair, viajar junto. Os três trabalhavam... quatro trabalhavam, dois ficaram num grupo, cada um ficou em um grupo, então era difícil de se encontrar. Mas aí ficou um tempo até cada um sair para um lado, foram casando.
MOVIMENTO SINDICAL Logo de imediato, nós nos filiamos ao Sindicato de Campinas. Tinha sede lá no Jardim Guanabara, tinha o Jacob Bittar, tinha Demetrio Villagra, Francisco Caravanti e outros companheiros. O Jacob Bittar parece que tinha vindo de Santos, já formando lá o movimento sindical, e o pessoal que estava na Replan. Então eu já fui para o sindicato. Fui para o Sindicato, já me filiei ao Sindicato e lá dentro estava fervendo a questão da política, e nós discutimos bastante. E aí tinha o movimento dos metalúrgicos do ABC também que da greve de 71, 78 e também que trouxe um pouco para dentro da Replan e a gente discutia. E eu voltava para São Paulo e participava de discussão em São Paulo também. Dentro da Replan, você tinha pessoas discutindo já política, bastante grupo, era bem politizado nisso aí, foi importante, me ajudou bastante. Depois o sindicato, eu lembro que a direção fez um processo lá para eu ir para direção, mas como tinha bastante gente, eu era novo na Replan, e como tinha gente mais antiga no setor, não vou dizer que eles deram preferência, era justo que aquelas pessoas fossem, porque nós temos mais gente no setor, aí foi o Batista, o Armando “Cebola” (Armando Pereira da Silva), foram para a direção do Sindicato, até o Spis (Antônio Carlos Spis),
foram para estar naquela direção.
GREVE DE 1983 Mas o sindicato já vinha se organizando, já vinha se organizando e estava já no processo da discussão da democratização do país. E aí estava crescendo em 78, 79, 80, os anos duros, da repressão e tudo. Em 83 que teve a greve; aí que eu te falo que a “mão pesada” da ditadura foi forte. Por quê? Porque nós já vínhamos num processo já de, a greve surgiu na Replan, mas já tínhamos movimento antes, fazíamos movimento antes. Era o movimento de vigília, era o movimento de não almoçar, de devolver as quentinhas, de uma passeata, manifestação, nós já estávamos fazendo isso lá dentro, fazíamos isso sempre lá dentro da Replan. O Sindicato já discutia, já se organizava lá dentro. E aí, em 83, o Governo, o Governo junto com FMI... A história é assim, baixou um pacote tirando os direitos dos trabalhadores nas estatais, e o Sindicato, vendo isso, discutiu com os trabalhadores. Nós, petroleiros, decidimos fazer assembléia, como eu estava falando, no Sindicato dos bancários e a maioria da categoria na assembléia decidiu pela greve. Por quê estava decidindo pela greve? Pela questão de que o Governo já estava com aquela intenção de, junto com o FMI, de tirar os direitos dos trabalhadores, tinha aquela compreensão. Todos os trabalhadores, os petroleiros tinham aquela compreensão, e nós decidimos pela greve. Usamos uma estratégia da greve e procuramos também buscar com as demais refinarias, com os outros petroleiros, a informação do que estava passando e envolver todos os petroleiros em nível nacional. Nós iniciamos a greve com a Replan e Mataripe e as outras unidades não entraram na greve. Na Revap eu me lembro bem que houve uma intervenção policial, não deixaram terminar a assembléia, em Cubatão houve uma discussão lá, os companheiros ficaram naquela preparação se aderiam à greve, ou não, e depois, por outro lado, a greve nossa, ela começou, a Petrobras tinha uma estratégia, pensava que a greve começaria, a direção da Petrobras, pensaria que a greve começaria às oito horas, até a direção sindical e o comando tinham uma estratégia e a greve antecipou, começou à zero hora. O grupo que ficou lá dentro, ficou na refinaria, o grupo que ia sair à zero hora não saiu e a greve começou nesse período aí. Dali para lá, que aí que eu falo para falar para vocês que nós sentimos o que é o “peso do poder”. Já a partir do primeiro dia as demissões começaram a acontecer. Mas mesmo assim os trabalhadores, sentindo as demissões, a cassação da direção sindical, permaneceram na greve por seis dias. Não lembro bem os pontos das reivindicações, mas eram os direitos para os novos, questão de férias, um pouco que passou no governo de Fernando Henrique, também, na mesma situação. E lá trás tinha o imposto do FMI para arrochar os salários das estatais, depois passar para o setor privado e tinha essa compreensão já nas direções. Aconteceu a greve, a cada dia, logo em seguida, também a Bahia entrou na greve, quase os cinco dias, os seis dias, e nós passamos seis dias fazendo o movimento, e cada dia tinha uma demissão. No primeiro momento no Sindicato de Campinas sofreu o processo de intervenção, fechou, cassou os dirigentes e nós fazíamos assembléias no Teatro de Arena, que é uma praça que tem em Campinas, toda vez nós fazíamos lá e ficamos praticamente quase 24 horas no ar. Eu não fazia parte da direção, mas discutimos lá e eu fazia parte de um comando da direção, um comando paralelo, que, se a direção fosse presa, tinha um comando para atuar,
ter alguns trabalhos, e eu fiz parte desse comando. Eu, hoje deputado Luciano Zica, e mais outros companheiros, Santa Rosa (Wilson Santa Rosa) e mais outros companheiros aí, que fizemos parte desse comando. Nós não nos conhecíamos, mas sabíamos que tinha um comando, para justamente evitar que a Polícia Federal e o próprio governo viesse em cima da gente e fizesse também o processo de desmantelar, para a gente ter uma organização.
E a greve passou durante seis dias, foi uma decisão muito difícil, a questão da greve, de nós retornarmos ou não; eu lembro até hoje, no ginásio Taquaral, metade queria que a greve continuasse e metade não queria. A direção sindical, para uma orientação, que nós encerrássemos a greve. E acabou passando por encerramento da greve, mas com muitas feridas, a direção cassada, eu não lembro se foi 135 ou 125, não lembro, não tenho mais memória assim, dos companheiros que foram demitidos em São Paulo e na Bahia. E a partir disso aí, é... uma das coisas que eu tenho guardado até hoje dentro da Petrobras e até do movimento sindical e como trabalhador, foi a questão da humilhação que nós passamos na Replan. Nós voltarmos; claro, foi um processo de derrota, da greve, tudo lá e nós fizemos uma fila indiana na entrada da portaria da Replan e entramos revistados um por um. E depois entramos numa sala para que o superintendente chegasse e passasse um sermão na gente, como nós tivéssemos fazendo alguma coisa errada, no sentido, é claro, contra o processo que estava imposto lá. Eu senti muita humilhação naquilo. Porque era um direito, nós estávamos fazendo a greve, era justo, e passar por aquele vexame lá. Então, foi uma das coisas que me marcaram bastante na greve. Depois da greve de 83, o clima na refinaria, é claro, não foi o mesmo. [Conseqüências da Greve] Começaram uns processos, deu tudo lá e nesse período depois, em 83, isso foi em julho, seis de julho, e aí passou aquele processo, a gente tentando se reerguer, o boletim do Sindicato já não circulava normalmente, a gente tinha que fazer um processo de levar o boletim, tudo aquilo dali, a segurança, por orientação lá da direção da Petrobras, investigava o ônibus, a gente dava um jeito de levar o boletim para distribuir para a categoria, para informar como é que estava o processo, como é que estava andando, para a gente manter o pessoal... E, nesse período, a gente sentiu um pouco esse “baque”. Mas o Sindicato, os outros companheiros e nós também do comando, estávamos buscando retomar o sindicato, esse período aí. Inclusive os companheiros me chamaram para fazer parte da direção, eu não quis fazer, numa próxima, que ele retomasse, eu podia estar na chapa. Eu não quis, fazer parte da direção, eu achava que o meu papel era de militante mesmo, estar lá dentro, lá, organizado.
ACIDENTE DE TRABALHO Nesse período, em agosto de 83, aí eu sofri um acidente na Petrobras. Foi num sábado, lá na região costuma dar muito vendaval também, foi a mesma coisa do apelido de “Jacaré”. Foi no mês de agosto, deu um vendaval na refinaria e apagou o flare; o flare é a chaminé, a torre. Eu trabalhava num setor, eu estava numa C.O (Casa de Operação), estava em operação, na C.O-5 e tinha trabalhado na C.O.-2, que é uma área intermediária. E durante a noite apagou o flare da refinaria. E nós tínhamos chegado de oito e 16, aí o operador três pediu para eu ajudar os demais companheiros na outra C.O, que estava com problema. Como eu conhecia lá, eu fui. E tinha problema de H2S, que é o gás sulfídrico, que estava saindo; que é um cheiro de ovo podre, eu fui para dentro da C.O e senti o cheiro do gás, senti e comuniquei à C.O, comuniquei à casa de controle da destilação e continuei fazendo o trabalho lá. Mas eu não percebia mais, acabamos controlando o processo lá e eu pedi uma viatura para vim me buscar. Quando a viatura veio me buscar eu desmaiei e só acordei depois, tempo mais tarde, não sei se foi uma hora, uma hora e meia, todo entubado, por causa do problema do gás. E a partir daquilo dali me deixou meio, sabe, meio caído. Eu tive uma recuperação, o médico me atendeu bem, tudo, fizeram inalação toda, fizeram lavagem, mas depois eu retornei ao trabalho, o médico tinha avisado à operação para tomar um pouco um certo cuidado comigo, porque eu estava meio fragilizado, e fomos tocando a vida. Mas eu comecei a sentir uma febre num horário, num horário certinho dava aquela febre e ninguém achava o que era. Aí me atacou os pulmões, me deu um problema de uma tuberculose, minha resistência foi quase a zero, foi praticamente a zero, depois de tanta investigação eu fui num pneumologista, ele constatou que eu estava com problemas nos pulmões. Ele diz que não foi conseqüência e disso. Mas eu acho que o que aconteceu levou a isso.
E daí eu passei um ano, depois, afastado da Replan, eu fiz o tratamento fora da Replan e voltei no final de 84, começo de 85. Voltei e estava todo aquele processo da greve, desse processo que passou comigo, eu voltei, sabe, com um “pique” para dentro da refinaria. Porque eu gostava da refinaria. Tinha todo o conhecimento, todo o estudo, tudo que eu aprendi na refinaria, gostava de tudo do que é do petróleo. E tinha, tinha não, tenho um grande amor pela minha profissão. Mas só que, por outro lado, eu estava um pouco desorientado, pelo processo que eu tinha passado, pelo clima que estava lá, pelo acidente, aí eu resolvi mudar para São Paulo. Aí tinha um companheiro que queria fazer a transferência, eu acabei vindo para um terminal, de São Paulo. Vim para o terminal, um terminal que a Petrobras encampou, era um terminal da Rede Ferroviária, conheci novas pessoas; tinha pessoal da Petrobras mesmo, e tinha pessoal que a Petrobras tinha, vamos dizer, assumido, da rede. E foi uma cultura diferente entre o pessoal que estava chegando de uma refinaria; eu estava chegando de uma refinaria, alguns companheiros dos terminais e o pessoal que já trabalhava no terminal, culturas completamente diferentes. Mas a gente foi, aos poucos se entendendo muito bem no trabalho, eu com a experiência da refinaria, eles com a experiência deles, mas a gente conseguiu depois tocar o terminal tranqüilamente.
COTIDIANO DE TRABALHO / TRANSPETRO / TEDEP
Não era Transpetro ainda, era Tedep, era em São Caetano, antigo Tedep. Fiquei de 85 até 89 no terminal. Aí, o que acontece? Nesse período também já tinha, como eu tinha me afastado de Campinas, dentro da Petrobras, quando eu vim para o terminal, aí é aquela história quando eu falei no início. O Spis, também tinha sido demitido da greve de 83, ele e o Demétrio Villagra, estava retornando para São Paulo, lá para o escritório de São Paulo. E o Spis, embora eu buscasse boletim lá em Campinas, para as informações para trazer para cá, porque nós não tínhamos mais sindicato em São Paulo, fazia essa ponte. Aí o Spis soube que eu estava no terminal, ele não me conhecia, eu não conhecia ele, mas conhecia a direção, mas não conhecia o Spis. O pessoal de Campinas falou com o Spis: “Vai lá, fala com o Jacaré.” Foi aonde o pessoal de São Caetano ficou me conhecendo como “Jacaré”. Eu de Campinas, vim para São Caetano, aí pegou, nós estávamos discutindo a questão da formação do sindicato em São Paulo, eu já estava no terminal, o terminal, é claro, num terminal se opera com mais tranqüilidade, embora o terminal de São Caetano, ele passou por um processo de mudança muito grande, mas você tem uma diferença. Mas você tendo um conhecimento da operação, vai aos poucos vendo alinhamento e acaba pegando e tocando. Era muito mais tranqüilo que a refinaria, com muito mais tranqüilidade você operava o terminal. E fui tocando a vida. E aí, eu até só fazia esse trabalho, de buscar na campanhas, de estar discutindo com o sindicato de Campinas e trazendo a informação para os petroleiros aqui de São Paulo. Passava os boletins e tudo, porque não tinha sindicato aqui.
SINDICATO DE SÃO PAULO - ELEIÇÃO A partir do momento que o Spis e Demétrio vieram para São Paulo, começaram a discutir no antigo ESPAL, que é um órgão da Petrobras lá em São Paulo, escritório, a formar um sindicato. Nós tínhamos a discussão com Mauá da extensão de base, um processo que tinha a refinaria de Mauá e tinha o sindicato lá. Mas o escritório de São Paulo, Barueri, Guarulhos, São Caetano, não tinha companheiro filiado, mas não tinha a organização sindical, nos quatro órgãos. E o pessoal começou discutir formação de um sindicato, foi onde em 89, eu estava de férias, eu estava de férias da Petrobras, e o Spis, discutindo uma chapa com os terminais e lá com o escritório, foi no terminal, me indicaram para a direção; sem me consultar. Eu estava de férias, quando eu voltei o Spis falou: “- Oh, você está na chapa”.Eu falei: “Mas como eu estou na chapa?” Aí eu passei a fazer parte de uma direção sindical. Era para o sindicato de São Paulo. Formamos o sindicato, eu, o Spis, a Verinha (Vera Lúcia Ranieri) uma companheira aqui de São Paulo, o Demétrio, diversos companheiros, Duarte (Antônio Ribeiro Duarte), muitos companheiros, formamos o sindicato e organizamos São Paulo. Já no primeiro mandato nosso, tivemos greve lá, também em São Paulo, a primeira greve do escritório de São Paulo e fomos trazendo a categoria de São Paulo, os trabalhadores de São Paulo, dos terminais, à discussão de participar, efetivamente, da campanha reivindicatória. Porque só ficavam esperando, o que as refinarias estão pensando, que estão fazendo, o que estão discutindo. E depois chegava só a conclusão. E nós começamos a participar das discussões, tivemos greves em 89, no ESPAL (Escritório de São Paulo, atual EDISP), os terminais, eu lembro bem, na eleição da Erundina (Luíza Erundina), nós, petroleiros, estávamos em greve em São Paulo, pegando fogo lá, quando houve aquela discussão das mortes de Volta Redonda, dos três operários que o exército matou, nós estávamos lá, fazendo todo esse trabalho; isso em 89, depois aí foi a seqüência, depois de 90 também. Começamos a participar mais intensamente como sindicato, das atividades dos demais sindicatos no país. Nós somos um dos últimos sindicatos a ser formado no país, dos petroleiros. Acho que por último foi o Espírito Santo, se não me falha a memória. O primeiro cargo foi o seguinte: o Spis era presidente, eu fui secretário geral do sindicato do primeiro mandato, aí que nós tivemos aqueles processos, depois no segundo mandato, o Spis veio para a Fup, veio para a direção da Fup e eu assumi como presidente no Sindicato. Minha primeira presidência foi em 89, 90, 91, 92 ou 93, uma coisa assim. O Spis veio para a Fup, eu assumi a direção do Sindicato. Assumi a direção do Sindicato por três mandatos, eu queria voltar para a base, mas o pessoal, naquela discussão de “ah, não, tem que ficar, tem que ficar” e acabei ficando até o nosso processo de unificação. Nós unificamos agora os três sindicatos de São Paulo...
GREVE DE 1995 Foram 32 dias de greve. Inclusive o Spis estava na Fup, ele comandou em nível nacional a questão da greve, um dos primeiros a serem demitidos na greve de 95, do nosso Sindicato lá, foi o companheiro Spis. Falava-se muito de uma grande demissão de trabalhadores. Houve aquela demissão de 85, nós também tínhamos aquela sombra ou aquela situação de que os trabalhadores também dos terminais, também estavam com uma listagem com essa demissão. Acabou não acontecendo. Mas por outro lado, a gente trouxe bastante conscientização aos trabalhadores, foi uma greve longa, que todos os trabalhadores da Petrobras fizeram, no enfrentamento ao Fernando Henrique, nos primeiros 100 dias do Fernando Henrique e de lá para cá uma história que o movimento do petroleiro tem feito tudo isso aí.
UNIFICAÇÃO DOS SINDICATOS DE SÃO PAULO Quanto ao processo de unificação, isso se deu há três anos atrás, nós estamos em 2004, já estávamos fazendo uma discussão de nós unificarmos os sindicatos do estado de São Paulo: Santos, Campinas, Mauá, São José dos Campos e São Paulo, porque nós éramos cinco sindicatos. O processo ia, vinha, ia, vinha e chegou um momento em que nós começamos a fazer uma discussão sobre uma secretaria que era a de
imprensa. Começamos a trabalhar com a imprensa, vimos que só a imprensa já não cabia mais, que precisávamos avançar. Fizemos uma discussão com São José, Santos, São Paulo, Campinas e Mauá e acabou consolidando os três sindicatos, São Paulo, Mauá e Campinas acabaram se unificando. E nesse processo de unificação eu deixei a presidência do Sindicato, aí passei a compor também a direção, fiquei na secretaria de formação. Só que, nesse ínterim da unificação, também participei da direção da Fup, do período de 97 a 98; não, são dois anos de 98 a 2000, eu participei da direção da Fup. Consolidamos o processo da unificação, voltei para o sindicato já no processo da unificação, depois eu fui eleito para a CNQ, a Confederação Nacional do Ramo Químico, que eu estou até hoje.
OLT - ORGANIZAÇÃO PARA LOCAL DE TRABALHO Eu participei no mandato anterior como Secretário de formação, por isso você me fez até uma pergunta sobre a OLT, que é um processo de informação dos trabalhadores. A OLT está ligada aos sindicatos. É um projeto que nós temos de organização dos trabalhadores para o local de trabalho, que é uma meta. E que, de uma certa forma, nós entendemos que os petroleiros, embora não diretamente a organização para local de trabalho, mas tem próximo a isso, que são modelos diferenciados dos modelos que a gente vê aí fora, mas a organização se passam por isso. Não é exatamente a organização para local de trabalho, mas não pode deixar de confundir que não tem. Nós temos um pouco dessa organização, tanto é verdade que, é claro que isso ajuda bastante, que na questão do movimento sindical nós temos uma empresa, uma data-base e você tem um comando: a Fup, que faz uma campanha unificada. Então, o petroleiro do Rio Grande do Norte, me desculpe, de Urucu, é o mesmo petroleiro do Rio Grande. Isso ajuda bastante a gente no trabalho, temos essa organização, que é um pouco até diferente dos trabalhadores de fora, que não tem isso. Discutíamos no movimento sindical fora da Petrobras, a OLT, que é a Organização para Local de Trabalho, que é uma das minhas funções e dentro da Petrobras também fazemos isso. Dentro da CNQ, na formação a gente procura estar dentro do Sindicato fazendo as nossas atividades, que é as campanhas reivindicatórias, dos nossos movimentos, estar discutindo com a Petrobras, levando o posicionamento da sociedade e fazemos fora também esse papel. É, mais uma coisa também que eu queria comentar, que eu participei bastante, foi a questão do Movimento em Defesa do Sistema Petrobras. Os anos 90, 88, 89, nós participamos bastante enquanto petroleiro.
MOVIMENTO EM DEFESA DO SISTEMA PETROBRAS O movimento foi para que a constituição garantisse o monopólio do petróleo. E nós tivemos essa batalha, naquele período, vencida. Nós vencemos naquele período, mantivemos a questão do monopólio. Mas, por outro lado, os governos vinham já num projeto liberal, neoliberal das privatizações. E nós compomos um grupo de pessoas para trabalhar no Movimento em Defesa do Sistema Petrobras. Não só da Petrobras, mas todo sistema da Petrobras, mas aos poucos, no governo Collor, vieram as privatizações, privatizaram muitas empresas que a Petrobras tinha co-ligação. Setor Petroquímico, Setor Petrofértil, Petromisa, a extinção da Interbrás, e foi acabando. E nós fomos nessa batalha até os anos 90. Em 90, o governo Collor, por um processo também de querer privatizar a Petrobras e querer dar uma pseudomoralização no setor estatal no funcionalismo público, demitiu 900, se não me falha a memória, 928 trabalhadores da Petrobras e extinguiu a Petromisa e a Interbrás. Foi uma batalha muito forte para o movimento sindical, mas com os esforços do movimento nós estamos retomando agora os companheiros e companheiras. Isso fez parte da história. Nós fazíamos o papel de agregar os movimentos sociais, OAB, CNBB, CUT, todo mundo que tinha uma visão que o monopólio deveria ser da União, da Petrobras. Mas, em 94, o governo, já o Fernando Henrique, 94 ele assume, 94, 95, o Fernando Henrique assume e já mando o projeto de quebra do monopólio. Que foi onde aconteceu a nossa greve também, de 95. E aí, em 95, 96, parece que passou o projeto na Câmara, quebrou o monopólio da Petrobras. O monopólio continua sendo da União, só que a Petrobras deixou de ser monopólio, abriu-se, até se formou a questão da lei do petróleo. Entra um pouco na discussão que você falou, da Transpetro. A Transpetro foi criada pós quebra do monopólio. Que, não sei se isso é verdade ou não, eu acredito que não, para mim foi bem claro, criar a Transpetro vinha num processo de privatização da Petrobras também. O governo Lula agora está segurando bastante, mas quando estava no Fernando Henrique, a proposta era privatizar a Petrobras e a Transpetro também. A gente mantém a nossa discussão para que a Transpetro volte para dentro da Petrobras. É um processo de luta, estamos querendo rever até a lei do Petróleo; querendo rever não, queremos discutir, re-discutir a lei do petróleo, para que a Transpetro volte para dentro da Petrobras. Embora a Transpetro seja 100% Petrobras, mas tem essa lógica. Para nós fica essa diferenciação, tanto é verdade, que hoje nós temos dois acordos. Entendemos que é um acordo só para os trabalhadores, mas temos dois acordos: Transpetro e Petrobras. Isso vem um pouco para explicar quando eu saí da Replan e vim para o terminal, antes era Tedep, era Petrobras, Terminais e Dutos da Petrobras. Hoje é Transpetro Transporte da Petrobras. Mas só que é uma Empresa, então é Transpetro, quer dizer, hoje é que existe a Transpetro. Foi por que? Por causa da quebra do monopólio, então aconteceu isso, a gente tem lutado bastante, para que retome isso. E isso foram sempre as nossas batalhas.
Depois de 95 para cá, constantemente acontece isso, as nossas mobilizações, as campanhas, tudo aí acontecendo. Passou-se oito anos de Fernando Henrique, muito duros para os petroleiros, com muita luta conseguimos manter os nossos direitos, alguns até com flexibilização e até que nós, a categoria petroleira, num congresso nosso, apoiamos a candidatura do Lula, embora já tenha concorrido a três eleições passadas, o movimento sindical petroleiro apoiou, foi para a rua e apoiou o governo Lula.
GOVERNO LULA A categoria e até o povo brasileiro esperava que as mudanças acontecessem de imediato. Eu tenho claro que as coisas não acontecem assim, mas, é claro, você tem uma militância, você tem uma compreensão, tem mais informações até do que os, não vamos dizer que eu sou melhor do que os trabalhadores, mas as informações chegam mais rápido para a gente. E o que acontece? E a gente também tinha essa ansiedade que as coisas mudassem assim, rapidamente. Mas nós sabemos que não é assim, quero até parafrasear uma frase que Celso Furtado falou a uns três ou quatro anos atrás, quando a esquerda ganhou no país: “o espaço de manobra da esquerda é muito pequeno” e nós sabemos disso, mas as coisas estão acontecendo. Dentro da Petrobras, quer queira ou quer não, existe, para mim existem duas Petrobras. Existe uma que quer que o governo não dê certo e existe uma que quer que o governo dê certo. Isso é uma democracia, nós não podemos ser uma ditadura. Chega: “não, vai ser assim e assado”. Temos que cavar e buscar o melhor espaço ou concretizar aquilo que é democrático. E tem, é claro, tem gente contrária a isso, nós sabemos disso, o movimento sindical sabe disso. E as coisas não acontecem de uma hora para outra. Se fossemos de tirarmos todo pessoal que está assim ou botar o que nós queremos, você vê como não seria de bom-tom, eu tenho essa compreensão. Então você tem que fazer as mudanças, tem que estar acontecendo as mudanças, embora lentas, estão sendo lentas, achávamos que seria um pouco mais ágil, mas esperamos que ainda continuem as mudanças. Espero que até que o governo, falo popular e democrático, não vou falar que é do Lula porque eu não quero, eu tenho claro, eu não voto em pessoas, eu voto num partido, num projeto de partido. Tenho claro que o partido tenha um projeto e vá levar adiante, porque o Lula é uma pessoa do partido, eu tenho claro isso. E não o Lula como um mito que é um operário, respeito como operário, que tem toda a sua trajetória, mas eu respeito uma discussão partidária, que tem que levar um projeto para frente. Acredito que se isso está caminhando, para o próximo período a gente tenha grandes mudanças na Petrobras. A Petrobras, depois que houve a quebra do monopólio, ela mudou a sua lógica, ela estava atendo a uma questão de trabalhar com uma empresa privada, uma lógica empresarial. Em certos aspectos nós achamos que não, mas no governo Fernando Henrique foi muito disso, e tem um pouco disso agora também. Não queremos uma empresa que seja paternalista, tenha prejuízo, mas queremos uma empresa que alavanque o progresso. E aí vem o quê? Como você também não vê só, ter a visão só empresarial ou só para os acionistas, tem que ter uma visão social também, acredito que nesses últimos três ou quatro meses até a Petrobras tenha feito, não vou dizer nos últimos anos a Petrobras, no governo Lula, tem feito um pouco disso. Claro, a gente falando, chegando o que está acontecendo, teve a alta do petróleo e a Petrobras manteve o seu patamar de preços dos combustíveis, para chegar a isso, ela teve que aumentar agora. Mas agora como é que vai fazer: “ah, caiu o preço do petróleo, nós vamos ter que abaixar os combustíveis?”, então tem que ser isso feito com o governo, se é possível isso.
MOVIMENTO SINDICAL – DESAFIOS O movimento sindical não pode perder a sua característica. Nós elegemos um governo popular e democrático, mas sabemos que um governo é passageiro. Ele pode ter um projeto e nós contribuímos com aquele projeto como pode ser outro governo. O que eu entendo o seguinte: que o movimento sindical não pode perder a sua característica, ele é um é movimento sindical. Então, qual é o processo dele? É estar sempre, não só na reivindicação, mas apontando situações, intervindo na questão do país, porque senão há mudanças no movimento sindical e esses são os nossos desafios. Por que? Porque você não pode ter uma visão do movimento sindical só, simplesmente, corporativo, o movimento sindical é corporativo, nós temos que fazer isso, mas nós temos que ter uma visão também de estado, de país que nós queremos. Porque, a partir do momento que nós que nós fazemos isso, nós estamos alterando o nosso país, mudando a concepção do nosso país. Acho que esse é o grande desafio. E está proposto, até um pouco que se vem, agora que está na voga, está nas grandes discussões, que é um pouco da reforma sindical e da reforma trabalhista. Essas transformações dão uma mudança para o movimento sindical, é um grande desafio.
Nós temos um modelo de movimento sindical de 40 anos que estamos rediscutindo. Nós, enquanto filiados a CUT, Central Sindical, temos um outro pensamento, esse modelo que esta posto em movimento sindical, ele serviu. Agora, temos que repensar esse modelo, como atuar não só, é claro, veja na questão corporativa, mas por outro lado como interferir também na questão da sociedade. Esse é o papel do movimento sindical, como estar discutindo com a Central Sindical alterar os rumos, influenciar na questão política, na distribuição de renda e tudo. Esse é o desafio que nós temos pela frente, isso, claro, mexe com muitos interesses, não é uma tarefa fácil, mas esperamos que nessa próxima década a gente consiga ter essas alterações aí.
LAZER Tá difícil eu fazer a minha hora de lazer, sabe? Porque, é uma coisa que a gente luta, para que o trabalhador tenha o lazer, mas a gente não olha para nós mesmos. O dirigente sindical; não quer dizer que a gente se trabalha, se mata, mas a gente ocupa muito o nosso tempo e às vezes nós nos esquecemos de nós mesmos. Olha, você está hoje aqui, estou dando uma entrevista, estou aqui pensando em outra coisa já, como é que eu vou fazer uma reunião amanhã com a Petrobras, sobre um problema que está acontecendo em tal lugar assim. E assim vai. Então você está sempre tendo tarefa. Estou pensando também como é que eu vou fazer o projeto na CNQ da formação. Então você está ocupado o tempo todo. O dirigente sindical; não que ele seja o supra-sumo, mas nós precisamos também um pouco repensar nessa questão, nós também temos direito ao lazer, temos direito a jogar bola; eu gosto de jogar bola. Desde quando eu saí da Petrobras para vim para o Sindicato, eu não jogo bola, desde de 89 que eu não sei o que é jogar bola. É verdade, é uma coisa que nós precisamos pensar. A minha moto, a minha moto às vezes fica 15, 20 dias parada. A não ser quando eu faço uma loucura que eu pego, faço uma viagem... Viagens Sempre tive um sonho de correr a América. A minha vontade era; minha vontade não, o meu desejo e vou realizar, é de sair do Pólo Sul até o Pólo Norte. Não sei quando, mas vou fazer. De moto
FAMÍLIA / FILHOS
Eu estou casado. O que você entende por casamento? Estou com uma pessoa agora, mas já fui casado, como se diz pela sociedade, “no papel passado”. Fui 13 anos casado, separei, estou com uma companheira. Estou casado. Mas aí eu falo assim: casamento é uma coisa; só na Igreja fala, que é eterno, para sempre, eu não sei se é eterno, para sempre. Casamento é de coração. Tenho uma filha. Minha filha se chama Sara Castro Magalhães.
PLANOS PARA O FUTURO Meu sonho... Eu tenho uma coisa utópica. E eu acho que é até falar que é um pouco egoísmo, eu quero viver bastante. Não importa. Parece que é, sabe, que é “ah, não, não tem um limite”. Se eu viver 100 anos, 120, eu quero viver. Essa é minha vontade, enquanto sonho. Agora, enquanto realização – e contribuo para isso, sei que não vou fazer isso, mas eu espero ter uma sociedade mais fraterna, mais digna, sabe, mais socialista, é que os povos, segundo nos estamos passando um final de um século, entrando em um século muito turbulento, muitas guerras, juventude... Não quero falar que a juventude é atrapalhada, porque não é isso, mas muitas coisas acontecendo, sabe, e a tecnologia chegando aí; chegando não, estando, cada dia você troca de celular como se trocasse uma camisa. Eu estou falando um exemplo que está acontecendo, ou uma placa de computador ... Então... eu não sei, nós não podemos parar a tecnologia, mas eu espero que o homem, ele volte um pouco para a natureza também. E a gente percebe muito isso. Eu não vou falar que eu quero morar no campo ou quero morar numa praia, numa casinha na praia, eu não viveria isso, seria eu estar falando uma grande besteira. Falar “ah, quero aposentar e morar na beira da praia”, não Não sei se eu daria para isso. Claro, que se você quer aposentar por um processo do trabalho que você faz, mas eu quero estar continuando, contribuindo com o conhecimento que eu adquiri no movimento, na minha trajetória de vida, com a sociedade, com a humanidade, um pouco disso.
PROJETO MEMÓRIA
PETROBRAS Na verdade, nós começamos a discutir a questão do Projeto Memória com o Santarosa. Tivemos um encontro em São Sebastião, eles já tinham a idéia e nós começamos a montar uns rabisquinhos de como era a história do petroleiro. Eu não fui o mentor, mas comecei a fazer junto com eles. E começamos achar: “Pô, nós precisamos fazer isso” Eu acho de fundamental importância. O povo que não tem memória é um povo esquecido, que não pode construir o seu futuro. Então, eu entendo que o projeto vai dar subsídios para uma próxima geração, para que eles possam fazer melhor o que não fizemos. Eu acho que nós estamos contribuindo para que a juventude, daqui a 50 anos, possa ver isso aqui e falar: “Pô, mas aquele povo lá pensava assim. Nós já estamos tão avançados, estamos andando de espaçonave.” Só para dar um exemplo, quando eu entrei no movimento sindical, nossa comunicação era telex. Eu aprendia telex, aquelas maquininhas que ficavam “pa-pa-pa-pa-pa-pa”. Depois veio o fax, o telex, o computador, a internet, não sei o que lá, até hoje você tem a informação assim. Então, isso é a evolução, você não pode negar. Espero que até lá, nesses 50 anos futuro, alguém, um jovem veja isso e tire proveito dessa memória. Porque, de fato, é o seguinte: nós temos histórias das bibliotecas. É muito fácil você ir na biblioteca e ver a história de quem foi vencedor. E aqui eu acredito o seguinte: “Olha, eu dando a entrevista e vai ser uma questão ao vivo, memória viva, é alguém pode falar: “Não, mas espera aí, eu tinha contra-ponta esse ponto de vista” E você pode estar debatendo. Então, isso é uma coisa fantástica que nós estamos fazendo e vejo que é o futuro, não é? Eu até hoje, dia seis, ontem eu vi a do Roberto Marinho, aí eu lembrei do nosso projeto aqui, como é que está indo, eu falei: “Pôxa, o que é você falar, estar participando e deixando gravado, no gravador, é aquela história do homem que foi à lua... eu não sei se é bem essa história, é alguém que foi fazer uma viagem e deixou gravado o que ele estava fazendo naquele momento, para que uma geração futura pegasse e visse como é que foi aquilo dali. Acho um pouco disso; eu não gosto da palavra “acho”, porque “acho” é “achismo”, é um pouco a certeza de que a geração futura vai estar vendo e tomando como experiência e aprendendo.Recolher