P/1 – Pra registrar, o senhor só fala o nome completo, o local e data de nascimento. Pode falar pra mim?
R – Euclides Carli, diretor da federação, conselheiro do SESC e também diretor da Confederação Nacional do Comércio e também presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Frutas e diretor também desse sindicato.
P/1 – O senhor nasceu aonde?
R – Eu nasci na cidade de Muzambinho, estado de Minas Gerais, em 1923.
P/1 – Então essa parte a gente vai pular e vai chegar na Santa Rosa. O senhor conheceu a Santa Rosa como e quando?
R – Em 1941, eu era especialista em máquina de contabilidade elétrica, que naquele tempo era uma novidade fantástica, não, e uma das firmas lá da Rua Santa Rosa, José Facciolla, saudosa memória, um grande, depois eu quero falar dele, precisava de um técnico. Então eu fui pra lá pra, porque eu era mais, eu estava fazendo o curso pré-engenharia, eu estava querendo ser engenheiro, mas acabei ficando na Rua Santa Rosa, comercializando a minha vida e nunca mais saí de lá, foi lá que aprendi a ganhar dinheiro, né? Então foi isso, então 1941.
P/1 – O senhor só fazia contabilidade da firma nessa época?
R – Não, eu não entendia de contabilidade, eu era, eu conseguia fazer a máquina elétrica funcionar, depois vinha tudo em voucher, eu traduzia, mas não é que eu sabia, mas depois eu fiz o curso de contador pra poder ficar explorando mais o negócio, né, foi isso.
P/1 – O senhor tinha quantos anos quando começou a trabalhar na Santa Rosa?
R – Dezoito, 19, 18 ou 19 anos, mais ou menos.
P/1 – Qual que era a firma do Facciolla?
R – É José Facciolla, depois ele mudou, eu até vou falar sobre ele pra você, se você puder encaixar no livro, né, é uma homenagem que se faria, porque o nosso setor tem umas características interessantes. Geralmente ele cresceu baseado naqueles italianos, portugueses e espanhóis que vieram, principalmente italianos, vieram como imigrantes, e não tinha instrução nenhuma, mas de vez em quando aparecia alguém interessado e progredia, o José Facciolla era um deles. Não se pode negar que a Rua Santa Rosa, eu quero que você entenda a Rua Santa Rosa como o comércio cerealista da região vizinha do mercado, da Rua Paula Souza, da Cantareira, tudo, é um bloco, o bloco que hoje vai ser homenageado pelo SESC através de uma grande construção que vai ser feita ali, né? Muito bem, você pode calcular que desde 1930, mais ou menos, eu não tenho ideia, até 1960, a Rua Santa Rosa, considerando esse conjunto, ditava o mercado nacional brasileiro de cereais, então ele conseguia concentrar aqui na capital as produções do sul, as produções do norte e a produção local, então era de uma importância fantástica. Foi aí que surgiu a famosa Bolsa de Cerais de São Paulo, que teve épocas de grande atuação, depois foi acabando, mas era aqui que realmente se fazia o mercado, tanto que o Rio de Janeiro, que era o centro político do país, na parte de comércio, mandava os seus agentes aqui em São Paulo, porque em São Paulo que realmente o mercado se estruturava, né? Foi o mercado aqui de São Paulo que praticamente inaugurou o norte do Paraná como produtor de cereais.
P/1 – Ah, é?
R – Foi, o Paraná cresceu em função do mercado daqui, o Rio Grande do Sul, mais pelo arroz, não foi tanto, mas Santa Catarina e o Paraná e também o sul de Minas, o chamado Triângulo Mineiro, também cresceu em função desse avanço que teve o mercado paulista em matéria de cereais. Era natural a vinda de todas as produções para serem comercializadas, era aqui o grande mercado, era o Chicago brasileiro, vai, aquele modelo lá, entendeu? Então era muito grande a importância disso.
P/1 – Como que era o comércio atacadista de cereais, de alimentos, aqui, quando você chegou?
R – O comércio atacadista tinha características que depois foram mudando com a mudança também da maneira de comercializar, digo, como exemplo clássico, supermercados, que foi aos poucos. O comércio era feito, os grandes atacadistas compravam nas regiões produtoras volumes grandes de mercadoria, volume grande que a gente diz eram vagões, porque naquele tempo, a maior parte do tempo, não tinha ainda caminhões ou frotas.
P/1 – Chegava por vagão?
R – É, chegava ou via Central do Brasil ou via Santos, aqui pela, mercadorias vindas do sul, ou então vinham do norte, através dos navios costeiros, mas a concentração era aqui, então havia uma grande estocagem de mercadorias, eu tô falando de cereais, arroz, feijão, batata, milho etc., os grandes estoques se concentravam aqui. Então o que era o comércio atacadista de cereais? O grande comerciante, o atacadista de cereais, ele tinha um armazém ou dois ou três, conforme, tal, um central, na sede, e às vezes dois ou três um pouco retirados, pra efeitos de depósito das mercadorias, né, e tinha uma frota de caminhões. O que fazia essa frota de caminhões? Iam nas estações de estradas de ferro apanhar a mercadoria que vinha das diversas formas e a outra parte deles, que lotava diariamente com tudo que você poderia imaginar, para fornecer pro varejo de São Paulo, então era a mercearia, o café, o restaurante, tinha tudo. Então essa distribuição era feita pelo comércio atacadista, que foi aos poucos desaparecendo, porque também foi desaparecendo esse tipo de varejo, porque era um tipo de varejo que a dona de casa entrava, tinha tudo que ela precisava, mas era tudo que ela precisava a preço bem mais razoáveis e com alguém que servisse. Não é como depois se fixou o sistema de supermercado, que você entra, você carrega, você tira, coloca, vê o preço, depois sai, paga e vai embora (risos), quer dizer, o freguês, que a gente chamava, era servido, hoje o freguês serve, a verdade é essa, né? Então o grande atacado de São Paulo era isso, a possibilidade de concentrar as produções das diversas regiões do país, o Nordeste, cada um na sua época correspondente, o sul de Minas, um pouco de Goiás e também o Rio Grande do Sul e o Paraná e Santa Catarina, e fazer a distribuição efetiva de toda essa massa de produção que se concentrava em São Paulo, que aos poucos foi mudando com as alterações de transporte, de conservação. Houve um tempo que não havia frio, a carne, por exemplo, que vinha de Santa Catarina, carne de porco ou algum, de peixe, era conservado na base do sal, salgado, né, depois então não havia contêiner, nem se falava em contêiner pelo comércio marítimo, contêiner não existia, essa palavra, hoje... Naquele tempo se importava frutas de natal na época propícia, da Europa, em porões de navios frigoríferos, os navios frigoríferos, mas geralmente quebrava no caminho, perdia-se tudo (risos), porque era tudo misturado, né? Hoje não, cada contêiner, tem de 20, dez toneladas e 30 toneladas e tem até os contêineres frigoríferos, que tem um sistema próprio de frigorífero, transporta mercadoria, trazendo desde a produção até Santos ou outro porto qualquer, em condições perfeitas, não há prejuízo. Então vai mudando tudo, né, mas o atacado que a Santa Rosa representa efetivamente, o mercadão, o que eu chamo mercadão é o Mercado Central, né, e também a parte aqui de, vamos dizer, a circunvizinhança, o conjunto, esses então é realmente faziam a distribuição.
P/1 – Agora fala um pouco pra mim sobre quais eram as características de cada centro, porque o senhor falou que tinha Paula Souza, o mercadão e a Santa Rosa. Eles eram diferentes, o que era cada um?
R – É pela própria função que eles tinham, por exemplo, a Rua Santa Rosa era distribuir o atacado para o grande varejo da cidade, o mercadão sempre foi sem atacado, recolhendo, por exemplo, a produção das circunvizinhanças da capital, as produções de fruta, de legumes, alguma carne, tudo, então, e botando à disposição do consumidor diretamente, isso era o mercadão. E aqui, a Paula Souza, você pode considerar o mercadão rua, essa rua daqui, agora a rua de cá, aqui e uma parte também do mercadão, uma parte se especializou na importação, que a importação era muito difícil, mesmo porque o Brasil não tinha condições satisfatórias cambiais, tudo isso, mas a parte de azeite, de bacalhau, quer dizer, que eram as mercadorias que não há produção, só que naquele tempo vinha. Então eram todas as especializadas aqui na Rua Paula Souza, os grandes importadores e as grandes firmas que tinham aqui não cuidavam de cereais, então eles cuidavam mais do azeite, do bacalhau e tudo e punham, especializado, as grandes firmas eram todas aqui. É interessante, havia uma separação natural das funções de cada um de acordo com aquilo que ela efetivamente atuava dentro do conjunto, né, então era essa a...
P/1 – Divisão.
R – Cada um tem, então mercadão era mais varejo, varejo e distribuição da produção circunstante à capital, quer seja frutas, seja legumes, seja suco, que havia, mas tudo coisa do dia para o dia, então os caminhões chegavam de dia, voltavam de tarde pra buscar outro, essencialmente deveria estar consumido. Agora, aqui era mais importações, as grandes importações, que não eram tão grandes, mas eram específicas, né, era aqui, e o grande distribuidor, o grande comércio atacadista era feito aí na Rua Santa Rosa e adjacências.
P/1 – O senhor acha que dá pra dividir um pouco as nacionalidades, assim, italiano vende alguma coisa, português tal, ou não?
R – Você fala caracterizar?
P/1 – É, talvez algum comércio que seja mais característico.
R – Bom, evidentemente havia uma certa seleção, não em função de ideais ou coisas, em função da própria atividade, por exemplo, a Rua Santa Rosa, é italiano, ela cresceu em função daqueles italianos da baixa Itália, os bareses, chamados, que eles são bareses, são poliganeses, um abriu um armazém, o outro abriu outro, outro, e de repente fundaram a Bolsa de Cereais, italianos, mas havia espanhóis, havia portugueses também. Aqui na importação você pode dizer que eram mais portugueses e espanhóis, se você, talvez querendo fazer uma divisão em relação à Europa, a Santa Rosa era a Itália e aqui era Espanha e Portugal (risos), não existia essa diferenciação, mas a característica geral demográfica, apenas demográfica, era essa, mas havia comerciantes de todas as nacionalidades em todos os setores. Por exemplo, Santa Rosa, os grandes eram italianos, os que eu chamo de grande, não o grande capital, mas o grande conhecedor, porque eu tenho impressão que o comércio não se forma muito em torno de capitais, o comércio se forma em torno de conhecimento da coisa. Por exemplo, o Brasil falta muito pra endireitar, é a falta de conhecimento efetivo da política, não da política só, mas isso é outro assunto, não tem nada a ver.
P/1 – Agora me diz como que era a Santa Rosa quando você chegou, era parecida com o que é hoje? Como que ela funcionava?
R – Você tem que considerar que a Rua Santa Rosa era um apêndice extra do sistema de gás da capital de São Paulo.
P/1 – Da Light?
R – Não, da Companhia de Gás, o gás, o carvão era importado, vinha de Santos, parava no Pari, o carvão mineral, e era industrializado ali pra fazer o gás, e o trenzinho que fazia esse trabalho de transportar todo o carvão da estação para a Companhia de Gás passava exatamente na Rua Santa Rosa, era isso, era o trenzinho do gás. Então era o característico, no mais eram mais armazéns, eram os armazéns considerados, de um andar só, depois é que começaram a vir os dois andares, residência, tudo, mas inicialmente eram só armazéns, armazéns depositários de toda aquela produção que vinha de todo o lugar, uma parte da produção, né?
P/1 – Então o trilho do trem ajudou a ter um comércio ali, é isso?
R – Como assim?
P/1 – O fato de ter um trilho do trem ali ajudou?
R – Não, não, não, já tinha (risos), não, e depois, não, esse trilho não tinha nenhuma relação com o comércio, o vagãozinho que fazia o serviço geralmente trabalhava de manhã só descarregando e carregando, mas não fazia mais nada. Era só curiosidade, né, porque hoje, se você fala que pela Rua Santa Rosa passava o trenzinho, fala: “Como?”, mas era um trabalho que a Companhia de Gás tinha, de trazer o carvão mineral destinado à fabricação do gás, isso era antes da eletrificação da capital, era a gás, a iluminação era a gás.
P/1 – Mas eu digo o trem, que hoje é a Estação do Brás.
R – Não era trem, era uma maquininha com uma vagonete.
P/1 – Mas existia o trilho que é o trilho do CPTM hoje, não é? Esse trilho também existia, que é mais pra cima, não é na Santa Rosa.
R – Não, era na Rua Santa Rosa, você via o trem passar na frente do armazém, entende, depois, logo, logo, acabou isso, eu não posso de precisar em que ano foi, mas logo, logo se tornou obsoleto e já, o gás também já não era utilizado, a produção de gás caiu muito, né, eu não posso te precisar, mas durante um certo tempo, não muito, eu acredito que até a década de 40 mais ou menos ainda, depois disso não aconteceu.
P/1 – Quem que eram os grandes nessa época, os grandes conhecedores e os grandes comerciantes?
R – Como apreciação pessoal da coisa, não?
P/1 – Quem que eram os mais importantes comerciantes da época? Por que eles eram mais? O que eles vendiam? Pra fazer um panorama.
R – Bom, você sabe que nominar é uma coisa muito delicada, né, havia grandes comerciantes, com capitais muito grandes, e havia médios e havia algum ou outro pequeno também, que tinha, geralmente era curioso, era um ex-empregado que ficava com uma porta do armazém pra vender miudezas, esse era o varejo, cebola, alho, batata, essa coisa, era um obséquio do patrão, né, que tinha, o relacionamento patrão-empregado era completamente diferente, a pessoa, era um vínculo com a casa mesmo, né? Mas havia grandes comerciantes, comerciantes que, com o decorrer do tempo, começaram a abrir casas nas fontes de produção, então abriam um armazém lá em, vamos dizer, em Londrina, que naquele tempo era o fim do mundo, ninguém sabia, abria um armazém em Londrina, botava um ou dois empregados ali, que se relacionavam com a produção local, compravam o feijão, tudo e armazenavam, esperando o trem, a oportunidade de mandar no trem. Então já havia esse tipo, não na função de holding ou de monopólio, não, eram atividades pessoais, geralmente, eu conheci vários casos, inclusive eu, mais ou menos, de pessoas que pessoalmente a gente conhecia alguém, pessoal, que nada tinha que ver com o ramo, lá em Londrina, em coisa, e a coisa começava, de repente você: “Ó, vamos alugar um armazém, tal, eu tenho um rapaz aqui que se dá muito bem com a produção, com os produtores de feijão, tal, você manda o dinheiro aqui, tá, tá”, então começou a crescer também, grandes empresas. E no ramo de importação tinha empresas grandes, muito grandes, familiares e não familiares, né, por exemplo, a Loja da China antigamente era uma potência, eu falo Loja da China porque é impessoal, né, mas tinha firmas muito importantes, com capital razoavelmente grande, faziam grandes estoques, faziam estoque em São Paulo, estoque no Paraná, estoque no sul de Minas, e aguardavam, vamos dizer, oscilações de mercado e a possibilidade, porque a questão do transporte era muito importante, era talvez mais importante que a produção, porque na maior parte dependia de estrada de ferro, né? O transporte rodoviário é coisa que foi nascendo aos poucos em 1950, com o Governo Juscelino, quer dizer, crescer, 50 em cinco, né, e botou a economia em cima de pneus, né, acabou isso.
P/1 – Mas antes dos caminhões era feito como, trem e carroça?
R – Como assim?
P/1 – O transporte de mercadorias?
R – Não, o transporte, no começo, era o transporte magnífico, vamos dizer, era o ferroviário, ou através da Central do Brasil ou através da SPR aqui, que SPR significava também Mogiana, Paulista, interior de São Paulo também, e Sorocabana, que era o sul do país, era a única, não tinha estradas de rodagem pra você ir, por exemplo, a Porto Alegre. Você podia ir, mas era uma aventura, não?
P/1 – Como que o cliente fazia pra buscar na Santa Rosa o produto?
R – Não, ele podia, se ele tivesse condição, se ele tivesse uma caminhonete, ele podia ir lá e visitar, geralmente ele tinha já os pontos, você sabe, freguesia é uma coisa que vai indo, cola, né, então ele chegava, mas a maioria tinha venda, os atacadistas tinham uma equipe de vendedores que faziam determinados setores, Santo André, São Caetano, Pari, o bairro, e vendiam a mercadoria, anotavam o pedido e traziam pra o atacadista, o atacadista separava, preparava o pedido de cada um, botava no seu caminhão e entregava. A maioria não precisava vir à Rua Santa Rosa, só vinha na Santa Rosa os de médio porte, os que tinham condução própria, o resto não, não precisava, ele recebia a visita de diversos vendedores, hein, então tinha o vendedor do A, o vendedor do B, que oferecia, ele cotejava os preços e dava o pedido, mas geralmente havia uma interligação de confiança, então cada um tinha a sua freguesia, os seus amigos, tudo isso, né? Mas quem vinha aqui era muito pouco, quem vinha muito, é bom que você lembre disso, era o feirante, o feirante, você sabe que naquele tempo já existia, hoje, eu fui secretário da prefeitura, Secretário de Abastecimento do Miguel Colasuonno, havia 610 feiras em São Paulo, naquele tempo talvez não existisse tanto, mas o feirante típico, que trabalhava de madrugada e fazia a feira, fechava a feira, eles vinham com o seu caminhão, com a sua carroça, aí na Rua Santa Rosa fazer as compras, compravam o feijão, arroz etc., azeitona, tudo aí. Então o feirante é que ocupava diretamente as fontes de distribuição, já o varejo era muito menos, muito menos, porque ele era servido, ele não se servia, ele era servido pelo atacado e o atacado servia o feirante diretamente. Até tem uma coisa curiosa, o feirante, isso aconteceu comigo, né, tinha até apelidos, porque havia feirantes, por exemplo, que gostava de escolher a mercadoria, então, por exemplo, tinha arroz, geralmente a pilha era de dez, 12 sacos de 60 quilos, hein, então com o furador... Você sabe o que é o furador?
P/1 – Sim.
R – Ele furava um saco e geralmente tinha o freguês que escolhia exato o primeiro, então pra servir aquele que ele queria chamava o empregado, o carregador: “Desmancha essa pilha aí, põe pra cá”, mas eu servia, depois remontava a pilha de novo, era comum isso, viu, isso era um exagero, tinha até um apelido, ele fazia de propósito. Mas o feirante era um grande, porque a distribuição no varejo pela feira era enorme, talvez fosse maior do que hoje, com a população que tem, mas o feirante fazia as compras, depois ia em casa, dormia até meia noite, depois da meia noite ele carregava o seu caminhão e ia pra feira cinco, seis horas da manhã, montava a sua barraca e fazia o varejo até meio dia, mais ou menos, depois uma, até uma, duas horas ele vinha se abastecer na Rua Santa Rosa. Esse era o freguês que vinha na Santa Rosa, o outro tipo de varejo não era, vinha, mas não era tão frequente.
P/1 – Agora, como foi a sua trajetória na Santa Rosa? Você entrou com 17, 18, pra trabalhar com o Facciolla, e aí o que aconteceu?
R – Bom, o negócio é o seguinte, eu estive na Rua Santa Rosa até 1950, em 50 eu e mais dois sócios resolvemos fazer um dos poucos varejões, era a semente do grande, nós compramos um grande varejo que havia na Vila Mariana, a Casa Ribeirão de Secos e Molhados, que era varejo, era varejo, de quilo, mas tinha tudo o que você podia imaginar. Era um grande armazém para varejo, com equipe, e nós tínhamos uma equipe de, eram quatro ou cinco vans que carregavam, levava na casa do freguês, então fazia aquele serviço que o atacado fazia também. Então a gente comprava do importador em grandes quantidades, botava na prateleira lá e depois, no encerramento do expediente, em caixas de madeira, a gente, você, por exemplo, queria dez quilos de açúcar, dois quilos de feijão, botava dentro daquela caixa e levava na tua casa e recebia o dinheiro na hora. Bom, mas depois disso, eu comecei já, a gente vai mudando, vai absorvendo as mudanças do coiso, eu percebi que o negócio de importação estava aumentando e que o pessoal aqui da Rua Paula Souza estava ganhando mais do que nós de cá, então eu resolvi me introduzir no ramo de importação, vendemos aquilo lá e passamos a importar alguma coisa pra vender no mercadão, azeitona, bacalhau, coisas especializadas, né? Então, assim, consolidamos uma firma muito grande de importação, a DW Albanesa S.A., que foi até 1995, mas acontece o seguinte, que eu 1956, você sabe, eu estava moço, meu sócio moço, nós fomos atraídos pelo negócio da indústria, porque naquele tempo a indústria era mais status do que o comércio, não tem dúvida nenhuma, e nós resolvemos comprar uma participação, você vai achar interessante, numa fabriqueta de fita adesiva, a Adezite S.A., que tava fabricando, que era a única concorrente da, a que tem o monopólio do mercado de fita adesiva, aqui de Campinas. Só que nós produzíamos com um técnico italiano que conhecia o negócio, o sistema de fazer a colagem no papel celofane, e começamos a crescer também lá, eu me saí um pouco da, mas continuei, mas aí sem armazém ou então tem um armazém maior e tem um escritório aqui no prédio, isso é coisa de 1960 mais ou menos, compramos a fábrica. E a fábrica, ela cresceu tanto que no fim nós compramos uma chácara, você imagina, comprar chácara no meu bairro, antes de Santo Amaro, entre o Brooklin e Santo Amaro tinha terrenos enormes e tinha uma chácara que era da Doutora Cecília Alves de Almeida, que era praticamente, o marido dela era dono da Folha de São Paulo. E naquele tempo não havia marginais, a chácara era, tinha 36 mil metros quadrados e ia até a margem do rio, né, e nós compramos aquilo, compramos aquilo e, com um engenheiro meio doido, e nós éramos também, de certa forma doidos, construímos uma fábrica lá, em quase cinco mil metros quadrados, mas uma maravilha de coisa. Mas eu continuando importando bacalhau, azeitona, azeite, tudo o mais, mas ia tudo, tinha uma grande, um grande contato com o pessoal da Argentina, que produzia, naquele tempo a Argentina produzia alimentos enlatados, que era peixe, uva, tudo, e tudo isso funcionando, a gente era moço, tinha disposição, o trânsito em São Paulo, eu saía de manhã de casa e ia até a Adezite, 11 horas eu estava aqui na bolsa pra ver o negócio de assuntos, coisa, às duas horas eu já tava pensando a firma com os argentinos e concluímos também, de enlatados, bom, era um absurdo. Mas acontece o seguinte, nunca larguei, eu sempre tava no mercado, tinha um vício de mercado, Santa Rosa, conhecia todo mundo, né, você vai ficando conhecido, né, ou melhor, você vai ficando, fazendo parte do esquema, mesmo que você não queira, você vira assim. Quando foi 1965 pra 66, correu um boato que a, eu tava nos Estados Unidos, isso eu já estava nos Estados Unidos, na Europa, correndo o mercado, tal, que o, poxa, como chama essa firma que até hoje é?
P/1 – Scotch-Brite?
R – Não, a de Campinas, a sede é aí, poxa vida.
P/1 – Não tem problema.
R – A sede deles era nos Estados Unidos, e que eles tinham descoberto um outro sistema de não usar o papel celofane, que o papel celofane era só aqui, que o fabricante era o, até hoje, e que iam lançar esse negócio. Eu vim com aquela ideia, falei assim: “Poxa vida, nós dependemos do papel celofane”, porque outro papel não recebia cola, aí comecei a achar que o negócio, os americanos podiam tomar conta de tudo, e não é que veio uma firma de Santa Catarina, também americana, queria comprar a Adezite. Eu ouvi aquela história, as grandes firmas, naquele tempo a Adezite era muito grande, a minha firma também já era muito potente, então vinha o pessoal, tal, mas depois a oferta foi aceita. A coisa chegou num certo ponto que já se falou em milhões de dólares, naquele tempo dólar a seis reais acho, falar um milhão de dólares era uma coisa de ouro, no fim acabamos vendendo a firma, fizemos um péssimo negócio, porque só o terreno, que hoje vale no mínimo mil reais o metro quadrado, e que hoje tá todo construído, tudo isso valia 36 milhões de reais, né, e eram oito milhões de dólares, e nós vendemos pela metade disso, né? Poxa, como é que chama aqui? Então é isso, mas no fim to aí no nono andar, meu sócio morreu, os negócios mudaram, a gente também já não tem mais nem idade, não tem mais nem gosto, e depois o sistema mudou muito, nós não temos mais condição de acompanhar a evolução do supermercado, supermercado hoje é uma coisa que não tem dono. Nós fomos criados, na Rua Santa Rosa e em todo lugar, dono, nós mandamos, hoje supermercado não tem dono, esses grandes elementos aí não têm dono, são grandes, você fala assim: “Não, mas tem o Diniz que é dono”, não é dono nada, ele participa de ação, um dia pode haver uma reviravolta, ele não tem, ele era dono no tempo que o Pão de Açúcar era do pai dele, né? É tudo uma questão de mentalidade e também vem a idade, é filho, é neto, a gente tem fazenda, não tem mais disposição pra certas coisas, né?
P/1 – Me fala então da relação do comércio com o cliente, como que era quando você começou e quais foram as mudanças, é uma coisa interessante.
R – No meu começo, o comerciante atacadista tinha um relacionamento direto e constante com o varejo, a tal ponto que o dono de um bom varejo podia convidar a gente pra batizar o filho dele, o neto dele, então havia esse, tal, não se trabalhava nos domingos, só se trabalhava no sábado, o dia todo. Então era um relacionamento quase que familiar do atacado com o varejo e também do atacado com o feirante, que o feirante era o varejista que andava, o outro não, tinha a porta aberta, tinha o armazém, né? Agora, isso tudo foi evoluindo, mudou, entrou, o primeiro choque que nós tivemos, que nós não aceitamos como choque, foi, você desculpe, eu não me preparei pra isso, não, veio dos Estados Unidos uma firma pra distribuir mercadoria, mais atacado, mas tá assim, e nós até, porque ele lançou o passaporte, você, como freguês, tinha o passaporte, a gente dava risada, né, passaporte pra comprar, e mudou. Depois disso veio o supermercado, supermercado, você não tem relação, você tem alguma relação com, você pode gostar de ir em determinado supermercado e lá fazer suas compras, raramente você ou sua senhora ou senhora sua mãe, tal, conhece alguém lá, você é um ilustre desconhecido, né? Então isso, esse entrosamento sócio comercial, sócio político, não existe mais entre o comércio, entre o consumo e a produção, não existe mais, né, as coisas acontecem e tem a influência disso na parte social do país, tá aí pra gente ver, 39 ministérios, 500 deputados, né, e uma coisa muito séria, isso já é uma questão filosófica da parte da gente.
P/1 – Mas fala.
R – Eu sou advogado antiquíssimo, eu tenho a OAB 12 mil, que é temporis idem, eu gosto muito de estudar, nós temos uma entidade que cuida muito disso, hoje nós estamos sendo pressionados, estamos perdendo a personalidade, nós pessoalmente, e as grandes empresas não são grandes porque são grandes capitalistas, são grandes por causa da tecnologia, que está invadindo, então vem os CEOs, que ganham fortunas na especialização, tal, e tem as bonificações, bonificações essas que em 2008 quase que afundou o mundo nisso, né? Então hoje nem as grandes empresas têm dono mais, quer dizer, a coisa ficou globalizada, eu acredito que a globalização é uma palavra que não existe, é a despersonalização do negócio. Hoje quem comanda uma empresa, grande empresa, por exemplo, Votorantim, Votorantim que era o fabricante do papel, o único, até hoje é uma, a família hoje não, tá segurando uma parte através das ações, mas o poder decisório já escapou da mão dele, o decisório, é um especialista disso, um especialista daquilo, é o CEO, é o inferno, eu digo, CEO do inferno (risos), então tá mudando tudo. Agora, a gente, depois de uma certa idade, tem que aceitar isso, também não vai esperar que o, outro dia nós tivemos com o meu neto isso, eu falei: “Você não vai esperar que aquele que trabalha lá na Fazenda Santa Terezinha há 20 anos, e que entende barbaridade de vaca, você não vai querer discutir com ele, porque ele entende de vaca e ele te dá lição de vaca. Agora, não vá falar pra ele se o Lula é bom ou mau, que, mas o voto dele é igualzinho ao teu”, então esse é o ponto de equilíbrio que tá difícil.
P/1 – Mas me conta alguma história que lhe aconteceu ou que você soube, a respeito de relação entre cliente e o produtor e o dono do armazém, alguma história que lhe marcou, que você se lembra.
R – Bom, você não vai tomar isso como, não existe mais isso, não existe.
P/1 – Mas na época existia, né?
R – Existia, eu tô te falando.
P/1 – Como é que era?
R – Eu era padrinho de vários netos e coisa e coisa, era, havia um relacionamento quase que familiar, era social, mas era quase que familiar, hoje não tem disso, o freguês entra e sai. Quem é o freguês da Rua Santa Rosa hoje? É o consumo assim, é uma importação que, o importador que tá, por exemplo, tá se especializando em vinho, que vende vinho barato, você vai com o teu carro, passa lá, compra uma caixa de vinho, vai embora, ele não sabe quem é você nem coisa nenhuma, acabou esse relacionamento.
P/1 – Agora vamos falar do sindicato. Quando o senhor chegou na Santa Rosa ele já existia?
R – Já existia.
P/1 – Como é que ele era?
R – Bom, esse sindicato já estava fazendo, vai fazer 80 anos, eu fui presidente dele quatro vezes, o sindicato de frutas já vai fazer 70, o sindicato de frutas no tempo que a gente assumia praticamente 60% do comércio de frutas, nos bons tempos, era feito aqui no mercadão, os argentinos tinham firmas aqui em São Paulo pra fazer negócio. Depois que o CEASA foi fundado a coisa foi passando para o CEASA e o mercadão ficou varejo só, né? Mas, olha, é muito complicado, é complicado você opiniões sobre diversas coisas, eu vou te falar francamente, tem coisa que você não entende mais, você não consegue acompanhar, eu às vezes penso que as minhas, os meus neurônios não se adaptaram a certas coisas, inclusive com certas coisas que neto, às vezes os netos falam coisas, você não vai, você não tem mais diálogo, porque é natural que a educação hoje é outra. Não tem problema, os valores que eu tenho são diferentes dos teus valores, não digo os sócios naturais, mas a conceituação sobre determinadas coisas, o teu conceito é completamente diferente do meu, eu posso tá exigindo coisa que você sabe que é impossível, né, então não tem. Então, olha, o sindicato, o sindicato ainda, pela, você sabe que a CLT brasileira é de 1950, então ela tá tão velha quanto os sindicatos, mas fazem parte da democracia, então o sindicato hoje tem uma necessidade absoluta, que é o diálogo com, vamos chamar de governo em geral, né, quer dizer, você não tem, hoje o comerciante, o empresário, ele não pode ter diálogo com o ministro, com uma facção, não pode. Eu tô vendo que daqui a pouco nem com isso, daqui a pouco é o computador que vai dirigir, eu não sei, né? Então o sindicato continua com uma importância muito grande para esse relacionamento, que é entre, vamos chamar de sociedade e democracia, vamos dizer, governo, autoridade, vamos chamar de autoridade, porque tem os poderes, né? Então é a única...
P/1 – Canal.
R – O único canal que ainda subsiste, é esse, porque você não vai pretender que cada firma tenha o seu advogado, uma equipe de advogados que vá tratar disso ou de aquilo, então o sindicato hoje, e a valorização dos sindicatos aconteceu mais do lado do empregado, você vê que CUT hoje é uma, é maior do que qualquer sindicato de empresário, né? Hoje, foi através de sindicatos que hoje você tem um SESC, um SENAC, um Fecomercio, e que funciona e que presta um serviço maravilhoso pra entidade, né, pra própria sociedade. Então eu acredito que o relacionamento do comerciante com o sindicato mudou, mas cresceu em intensidade, em função das mudanças havidas no aspecto social da sociedade.
P/1 – Agora, você entrou no sindicato em que ano, como associado, o senhor se lembra?
R – Bom, sindicalizado, eu era sócio do sindicato desde o começo, né, mas eu me tornei diretor do sindicato, 1900 e, olha, eu nem sei, deve ser 1951, eu só me lembro de uma coisa, do SESC, naquele tempo eu tava, eu achava negócio de sindicato, coisa, uma perda de tempo, e houve uma crise das entidades, SENAC e SESC, que eu não me lembro o nome, que era o presidente da federação e parece que andou fazendo coisa errada, e houve então uma crise. Essa crise foi comentada na Bolsa de Cereais, né, a tal ponto que muita gente que tava acostumada com isso, que era ter contato com essa parte sindical, inclusive já tinha o nosso sindicato, achou que devia intervir pra acabar com aquilo, e foi feita uma, foi 1959 ou 60, uma coisa assim, foi feita uma chapa de oposição àquela que pretendia continuar. O Brasílio Machado, que era uma grande personalidade, era o candidato e nós fomos contra ele, no intuito de fazer o setor de cereais, o setor de importação, vários outros também, inclusive o de tecidos, começou a aparecer, então foi formando uma chapa, eu entrei nessa chapa porque fui convidado, não sei bem por quem, entrei na chapa e perdemos, tinha que perder, nossa experiência era zero, né, também não tem. E nesse tempo tinha uma fábrica lá no Itaim, passado um mês depois de que tomou posse o Brasílio Machado, tudo isso, um dia eu estava, sete horas da manhã eu já estava na fábrica lá no Itaim, eu morava na Vila Mariana naquele tempo, mas era fácil vir, de carro era fácil, não tinha congestionamento, né, então veio o porteiro da fábrica: “Senhor, olha, está aí o Doutor Brasílio, quer falar com o senhor”, eu falei: “Brasílio? Mas nós não temos freguês nenhum Brasílio”, eu falei: “Bom, manda entrar o Brasílio”. Não é que me entra o Brasílio Machado Neto, com toda a pompa dele pela fábrica? “Ah, como vai? Muito prazer”, não sei o que, e uma conversa cordial, porque ele era um cara fantástico, né, por fim ele falou: “Olha, você é moço”, nesse tempo tinha 40 anos, sei lá: “Vocês perderam a eleição”, eu falei: “É, perdemos a eleição, ganhamos pro choro, né”, falou: “Pois é, mas eu tenho uma lista de uns quatro ou cinco nomes que eu não posso abrir mão deles, um dos nomes é o seu, eu quero que você venha fazer parte, você não pode ser parte na federação, porque a federação tem eleição e já foi, eu quero que você seja ou do SESC ou do SENAC”. Eu falei: “O que que é isso? O que que é SENAC e SESC?”, foi o meu primeiro contato, ele então me pôs como conselheiro do SESC, foi aí que eu entrei, depois pra federação etc., coisa de 1959, 60, 61. O Brasílio morreu em 64 parece, né, é, mas foi isso, a trajetória foi essa.
P/1 – Mas como é que era o SESC naquela época?
R – Eu nem sabia (risos). Não, o SESC tava crescendo, né, as condições eram outras também, eu me lembro que, coisa, o SESC tinha um hospital lá na avenida, lá embaixo, lá perto do Itaim, como é que chama? Não era bem um hospital, era uma maternidade, que eu fui visitar, achei que era muito bonito, tudo, mas fui lá uma tarde, e aí começou, tem a reunião, às vezes você vai lá, começa a conhecer do A, B, o pessoal aqui da rua, aqui, vizinho nosso, né, que é ferramentas e motores etc., então começa a ampliar etc. Eu já tava, nós já estávamos com a ideia de fazer a fábrica, a Adezite lá, né, então eu tinha muito, que era pouco tempo, né, mas também, foi assim que entrei pro sindicato e logo depois, então, em função disso, esse, eu não me lembro o nome dele, teve um problema, era o presidente do sindicato.
P/1 – Marchetti?
R – Não, o Marchetti é esse aqui, ele é o, foi o segundo presidente, ele teve câncer na garganta, nós lamentamos demais etc., me visitou, fez questão: “Eu queria, você precisa fazer parte do sindicato”, tal, é aquela história, né, eu acabei entrando como o quarto presidente.
P/1 – Como é que foi ser presidente do sindicato? Foi difícil, foi interessante?
R – Bom, no começo era difícil, o sindicato era aqui na Rua Paula Souza, era uma sala lá, na realidade o sindicato não era muito bem visto, ou melhor, não era bem visto, não era bem conhecido, que ninguém tinha a mentalidade sindical, né, mas depois a coisa foi crescendo. Aí eu depois me candidatei, depois do Marchetti, eu me candidatei e fui quatro vezes seguidas, eu não me lembro bem, mas eu acho que o sindicato ainda tem uma função muito grande, viu, não só como sindicato, como ponte entre federação, que é a cúpula no Estado de São Paulo, e confederação, que é a cúpula sindicalista do país. Então isso é uma escala que tem prestígio, que tá sendo muito bem administrada, tem hoje um patrimônio maravilhoso, tanto o SESC como o SENAC, como o sindicato, como a federação, sempre esteve e mãos muito boas, salvo uma ou outra pequena exceção, e mantém o contato entre as necessidades da empresa, não vamos chamar atacadista, da empresa com o poder público, essa é a função dela.
P/1 – Do Sagasp. Vamos terminando já, mais algumas últimas perguntas. Quais foram os maiores desafios que o senhor enfrentou enquanto presidente da Sagasp, enquanto membro daqui?
R – Os grandes problemas que todos os presidentes tiveram eram os famosos tabelamentos, porque o país era dirigido, é uma troca, né, então volta e meia a inflação ia, chegamos no tempo do, era 80%, ninguém aguentava, então esse ajuste, os grandes problemas que tinha. Mas tinha os problemas locais também e os problemas estaduais, não só o Estado de São Paulo, mas dos relacionamentos dos outros estados com os sócios do sindicato. Então, agora, o grande problema mesmo, eu pessoalmente tive, foi, como presidente do sindicato e também Secretário de Abastecimento da Prefeitura, era a falta de mantimento, quer dizer, havia às vezes a diferença de preço, tal, mas falta de arroz, falta de feijão, ou isso, uma coisa, você não chegou a ver isso, mas havia decréscimo de fornecimento de outros estados. Então havia muitos grandes problemas, mas todos eram superáveis, porque você dialogava, procurava a autoridade, eu me lembro que, isso foi mais como secretário, não foi como presidente, estava no meu gabinete, veio uma pessoa de Limeira, ele era dono de uma fazenda de laranja, ele falou assim: “Ó, doutor”, eu falei: “Não me chama de doutor, não. Qual é o teu problema?”, ele falou: “Não, não é, nós estamos perdendo laranja, a laranja tá caindo de podre nas árvores e aqui não se pode vender laranja, tem que mandar pra não sei que lugar”. Eu falei: “É?”, chamei o chefe de gabinete, falei: “Escuta, há alguma proibição de vender fruta, laranja, na rua?”, ele falou: “Há”, eu falei: “Mas quem é que criou uma estupidez dessa? Faça o favor, baixa uma coisa, suspende isso já, imediatamente”, eu falei: “Vai lá pra Limeira, lota caminhões e caminhões de laranja, traga aqui, que você pode vender, eu garanto, eu ponho a polícia junto”. Puta, foi, não me lembro, foi em 1972, parece ou 73, um negócio assim, então eram certas coisas que também eu tinha o poder de decidir, mas a maioria você não tinha o poder, você tinha o poder de insistir, de procurar, que a pior coisa que tem é você convencer partes contrárias, né, então você precisa ter uma paciência de Jó, mas no mais tá tudo bem. Eu me sinto bem, mas uma coisa que eu queria...
P/1 – Sim, o Facciolla.
R – O negócio é o seguinte, você falou, eram italianos, portugueses e espanhol, grande parte analfabetos, eles vinham, italiano, por exemplo, vinha com experiência de negócio, tudo, mas analfabeto e não gostavam de falar, de vez em quando aparecia no nosso meio uma cabeça e apareceu uma, uma vez. Olha aqui, vocês vão pôr, pode aproveitar do jeito que você quiser, mas do jeito que puder também. Apareceu um tal, José Facciolla, tinha um armazém aqui na Rua Santa Rosa, essa fotografia é de 1935, ele era sócio do Nestor Pereira, que era muito ligado com o futebol da Portuguesa ou da Espanhola, eu não me lembro mais, é ele e esse eu não sei quem é, é de 1935 isso aí, olha, esse era o típico armazém atacadista, entre muitos que tinha lá. Bom, esse cara aqui, que era descendente de italianos, se não me engano, ele até veio da Itália com cinco anos, era considerado, bom, esse cara escreveu dois livros, um você vai admirar, olha o título: “Reforma Tributária”, se briga até hoje, hein, em 1937, e outro foi: “Cartas aos bons brasileiros”, que ele quase foi preso, porque ele se meteu na política. Então eu acho que é uma pessoa que engrandeceu o nosso sistema de trabalho, entende, você pode ver lá, sem compromisso, eu acho que, como ele é uma exceção, que nunca houve um, pelo menos que eu saiba, alguém no nosso setor que tenha escrito, e dois, eu tenho todos os dois livros, são livros excelentes, viu? Esse, por exemplo, “Cartas aos bons brasileiros”, ele aborda temas políticos através de cartas aos políticos, que você fica bobo de ver como é que um cara, que já deve tá morto há não sei quantos anos, tinha cabeça.
P/1 – Você falou que isso era um armazém típico, não é?
R – Era um tipo armazém, até hoje tem esse armazém lá.
P/1 – Ah, é?
R – Até hoje.
P/1 – O chão era de pedra assim.
R – Aqui era o calçamento, você vê, em 1935 já não se vê trilho eu tenho a impressão que até os trilhos já tinham desaparecido, era a coisa, mas era...
P/1 – Era assim mesmo. E todos tinham uma plaquinha assim?
R – Esse era o nome da firma, a firma era ele, acontece uma coisa, esse, que eu saiba, ele foi sogro daquele Rubens Paiva, que a revolução liquidou, mas eu não sei de nada disso, mas parece que era, ele era sogro e lutou na época da revolução, brigando com o coisa pra família descobrir o corpo, que até hoje não descobriram o corpo, né, sumiu, desapareceu.
P/1 – Agora vamos chegando nas últimas questões mesmo. Me fala o que o senhor aprendeu no comércio.
R – O que eu aprendi?
P/1 – Sim, nesses anos todos.
R – Bom, olha aqui, você pode ficar com isso, viu, você pode ficar com isso, usa, você deve ter muito material também meu lá, junta lá. Bom, aprendi, aprendi a vida, né, afinal, eu to numa idade que daqui a pouco vou ser chamado, pode ser amanhã, né? Criei minha família, o meu patrimônio todo foi adquirido aqui, a base, o conhecimento, a capacidade de dirigir certas coisas, nasceu tudo aqui no nosso meio, de forma que eu sou profundamente grato ao comércio atacadista, entende? Agora, eu to satisfeito com o que eu aprendi, viu, não posso me queixar, né, é isso que você queria saber?
P/1 – Só mais uma última pergunta. O que você acha que o futuro guarda pra Zona Cerealista, pra Santa Rosa? Qual que vai ser o futuro? Como é que você tá vendo hoje a Zona Cerealista?
R – Bom, mudança já houve, aquilo que nós conversamos de distribuição, tudo, não existe mais, os poucos armazéns que ainda restam lá, poucos ainda distribuem cereais, é mais vinho, especiarias etc., já tem armazéns abertos pra estacionamento, tal, tem duas torres enormes lá, em cima da Rua Santa Rosa, tá aí, tá por aí. Então eu tenho a impressão de que a Rua Santa Rosa vai ser absorvida, principalmente por causa daquilo que nós conseguimos pelo SESC, a hora que ficar pronta essa unidade do SESC, e eu me empenho nisso, que sou eu que assino, pra fazer uma coisa digna do comércio atacadista de cereais, faço questão disso, enquanto eu puder eu faço isso, vai virar centro de São Paulo, não vai caber mais. Vai ter sindicato, porque o sindicato é estadual, então tem 507 municípios, vai deslocar, vai ter função, tudo, mas a Rua Santa Rosa vai perder totalmente as suas origens não é no sentido de perder, porque vai ganhar muito, vai ganhar um populacional fantástico,
P/1 – Mas você acha que vai virar turístico, residencial, como é que vai ser?
R – Como assim?
P/1 – A Rua Santa Rosa, o varejo, se vai ficar mais varejo.
R – Não eu tenho impressão de que, olha, tem a Rua Santa Rosa e tem a rua...
P/1 – Mendes Caldeira.
R – Paralela, onde construíram essas duas torres, parece que com 300 apartamentos, a tendência é uma espécie de Pari, né, vai acontecer, mas vai demorar muito, porque a função do mercadão é muito grande, aqui ainda vem, você pode ver, tem certos dias que você vê filas de caminhões de laranja, de abacaxi, você vai no Largo do Pari ainda hoje, tem dez, 12 caminhões de coco, quer dizer, essa distribuição ainda existe, não vai ser fácil, ela tem função, o sindicato vai ter função, vai mudando, né, vai mudando. O Largo do Pari, por exemplo, hoje, tem certa hora que você, não adianta, não dá nem pra entrar lá, né, tem, um dia eu contei oito caminhões de coco, mas como se bebe água de coco nesse país, tá lá, todo dia tá lá. Ontem eu saí do escritório, eram seis horas, tinha dois caminhões de laranja, mas, laranja, lotado, quer dizer, cada caminhão são 15 toneladas, tinha 30 toneladas de laranja esperando pra entrar, então o movimento.
P/1 – Vai ter.
R – Vai, não vai acabar assim fácil, não, aliás, nem precisa acabar, viu, tá indo muito bem.
P/1 – Você acha que vai ganhar muito com o SESC aqui a região?
R – Vai ganhar muito e vai contribuir pra desaparecer um pouco, é gozado (risos), mas não vai atrapalhar, não, agora, vai atrair uma porção, vai se tornar centro de São Paulo, eu tenho a impressão de que a Praça da Sé vai descer, vai ficar aqui. Você não viu esse rio como eu vi, como o Parque Dom Pedro há 50 anos atrás, com aqueles chorões, tudo, cobrindo a água, a água limpinha que era uma maravilha, né, hoje tá isso aí, pois a Praça da Sé vai passar sobre o rio, vai vir pra cá, mas é uma evolução, não sei.
P/1 – O senhor tem sonhos pro futuro, planos ainda?
R – Pra mim?
P/1 – Sim.
R – Os meus estão completos, tô satisfeito, eu não preciso de mais nada, vou pra fazenda a hora que eu quero, vou pra confederação, se eu posso ir, eu sou diretor da confederação, quando eu posso ir resolver, eu vou, quando eu não vou, eu justifico, quer dizer, eu não brigo mais por status, por coisa. Agora, faço questão, onde eu sou chamado, eu estou lá, por exemplo, hoje recebi dois faxes do presidente da confederação, tem uma crise no Piauí, no SESC do Piauí, e ele tá convocando uma certa, um certo número de diretores pra estudar o assunto, estou lá, não tenho dúvida, eu vou lá, mas quando eu vejo que há necessidade, quando não há necessidade, as coisas estão correndo muito bem, então não há. Eu tô contente, meus planos estão, não tenho plano pra futuro, não, você, quando tiver a minha idade, também não vai ter futuro, não. Com quantos anos você está?
P/1 – Vinte e cinco.
R – Eu tô com 93, meu caro.
P/1 – Obrigado.
R – Tá bom, mais alguma coisa?
P/1 – Só isso
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