P1: Nazareno, você me fala então o seu nome inteiro, local de nascimento e que data foi.
R1: É.
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eu sou Nazareno Muniz.
Eu nasci em Barcarena, em 1974, na comunidade Arienga Estrada.
Lá que eu nasci.
P1: Que dia que foi?
R1: 13 de outubro de 1974.
P1: Qual que é o nome do seu pai e da sua mãe?
R1: Do meu pai é Marinho Monteiro da Conceição e minha mãe Erundina Marinho Muniz.
Agora, da Conceição.
Eu sou registrado só no nome de minha mãe.
P1: Por quê?
R: É.
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que naquela época não tinha salário família ((risos)) Aí nascia, principalmente aqui no interior, acho que com muita gente era assim: “Ah, vai lá registrá-lo, eu estou ocupado, eu estou na roça”.
Lavrador e tal.
Aí mamãe foi.
Naquela época também não tinha muita exigência, eu acho, aí registrou eu.
Mas eu fui criado por ele até.
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ele era trinta anos mais velho que a minha mãe, o meu pai.
Ele já tinha uma família, onde o meu irmão mais velho, é mais velho que a minha mãe, no caso, né? Eles são naturais de Inhangapi, meu pai e minha mãe, de Castanhal, Inhangapi, né? Fica lá em Castanhal, pra aquele rumo lá, naquela direção.
E aí ele já tinha.
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teve uma família e depois veio constituir uma outra família, já com a minha mãe.
Trinta anos de diferença.
Aí.
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por isso que eu só tenho o sobrenome da minha mãe, de minha mãe.
E agora, ela tem o dele, já depois dos sessenta anos, ela casou com ele.
Ele já se foi.
Já partiu.
P1: Você conheceu os pais de seu pai?
R1: Não.
Eu só conheci.
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devido ter essa diferença aí, de idade, eu já vim conhecer só a mãe de minha mãe, que foi a minha vó.
Raimunda Lira, era a minha vó, o nome dela.
P1: Como é que ela era?
R1: Lá em Inhangapi.
Olha lá.
Uma senhora assim, do cabelo meio.
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inclusive, o meu quando cresce, fica assim, enroladinho, né, aqueles crespos.
E ela era alegre.
Uma senhora alegre.
Eu a conheci, eu tinha mais ou menos uns dez anos, doze, na época.
P: E ela morava em Inhangapi?
R: Em Inhangapi.
Eu acho que ela é natural de lá e foi até.
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digo “partiu”, né, que morreu ((risos)), se foi morando lá, em Inhangapi.
P1: Você foi visitá-la algumas vezes?
R1: Sim, sim.
Fui pra lá com a minha mãe, depois de muito tempo, aí voltou.
Aí em uma das vezes, eu fui.
Agora a gente sempre vai por lá.
A origem, mesmo, da nossa família, pai e mãe, é em Inhangapi.
A cidade de Inhangapi.
P1: E pra quem não conhece, como que é Inhangapi? Quanto que é longe daqui?
R1: Uns cento e setenta quilômetros, de Barcarena pra lá.
Daqui, vai ser uns cento e oitenta.
Entrando em Castanhal, uma pontezinha lá com muita história, os interiores, a cidade pequena, os morros e muita história, muita.
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muita coisa assim.
Mas eu acho que é uma cidade bem velha, porque ela é mais velha que Castanhal, eu creio, né? É bem velhinha aquela cidade.
(risos)
P1: Que histórias tem essa ponte aí?
R1: Ali em Inhangapi, eu ouço.
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um dia eu fui tomar banho lá, aí: “Mãe, eu vou tomar banho aí”.
Aquele calor que a gente tem aqui no Pará, verão.
Aí a mamãe disse: “Olha.
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” “Bora, mãe?” “Não, não, não.
Não vou tomar banho aí, que o pessoal toma banho aí nesse.
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”.
O rio não é muito largo, assim, mais ou menos a metade do rio de Barcarena ou menos, parece bem pequeno, mas some sempre alguém lá.
(risos) Some e vai aparecer longe.
Então, eles fazem lá o Festival do Açaí e também o pessoal conta lá que o pessoal tomando banho ‘pá, pá, pá, pá’ e daqui pouco um dos colegas sumiram.
Então, não sei, a gente não sabe dizer o que tem ali naquele rio.
As pessoas tomam banho, usam lá, ali como se fosse uma praiazinha, um lugar legalzinho, mas acontece esses fatos aí.
Mas eu consegui levar a mamãe pra tomar banho.
((Risos))
P1: Eles falam que é boto, alguma coisa assim?
R1: Ah, não sei.
Poraquê, jacaré, eu não sei.
Entendeu?
P1: E a cidade, você falou que tem muita história também?
R1: Assim, histórias que eles contam.
Assim, eu não sou muito atípico com o folclore, com os acontecidos, com os apanhados.
A história que eu falo assim, muitas histórias por causa que eu vou lá e os meus tios já estão aposentados, entendeu? A gente ouve muito as histórias deles, de vivência, do dia a dia.
Das brigas do tempo que iam pra festa e brigava.
O meu pai era um brigão típico.
P1: Ah, é?
R1: É.
P1: Tem alguma dessa história que você.
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pode falar.
R1: A gente chegou lá, né? Geralmente, a gente ouve todas as façanhas: “Ah, o teu pai era bom de bola pra caramba, cara.
Teu pai era muito bom de bola, era rápido” e tal.
Aí, sempre eu ouvia essas coisas, né? Aí eu cheguei lá, agora da última viagem que a gente foi, mês de julho de 2020, aí eu fui lá, com um senhor, comprar alguma coisa lá no comércio dele lá.
Nós estávamos no Balneário, no igarapé.
Aí, eu falando pra ele: “Olha, eu sou filho do.
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da Dina, Dona Dina, Currupita” apelido da minha mãe lá.
“Ah, rapaz, eu conheço”.
Um senhor idoso lá.
Uns sessenta.
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entre sessenta e setenta anos ele tem.
“Ah.
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”.
O Cartucheiro, o apelido, né? Pseudônimo.
“Ah, conheço tua mãe sim, rapaz.
Ah, Currupita.
Ah, colega de infância” e tal.
Como diz ele: “Desde quando a gente era (gito? 07:24)”.
Aí: “Eu sou filho do.
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do amor” “________ (07:33)”.
Eu disse: “É, aqueles.
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” “Ih, rapaz, aquele era gente ruim”.
((Risos)) Eu achei engraçado a colocação dele, né? Aí eu disse assim: “De que tipo?” “Ah, do tipo que acabava festa.
Chegavam, onde ele estava, rolava aquela briga.
Era muita porrada, meu irmão.
Aí tinha ele.
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”.
E foi falando o nome de outras pessoas, né? Aí foi a primeira vez que eu ouvi essa colocação de que era “gente ruim”, né? Seria tipo.
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((risos)) eu diria que algumas histórias do Lampião, né? Pra muitos, é um herói.
Aí tem gente.
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tem vezes que, quando a gente vai ver a fundo, né, aí soa como um.
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tipo um vandalismo, né? Eram vândalos.
E, no caso, ele colocou um pouco dessa parte aí.
“Ih, rapaz, quando ele chegava, pessoal já ficava: “Ih, rapaz, olha quem.
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”.
Seria o chefe da gangue, né, de hoje.
Então, tipo assim, foi a primeira vez que eu vi.
Então, são essas histórias aí deles, do dia a dia deles, da vida deles, assim.
Muita coisa que já rolou por ali e que a gente fica pensando, né, de como seria e tal.
P1: Foi descobrindo coisas do teu pai lá?
R1: É.
Não, foi só esse comentário assim, mas era.
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Aí: “Pois é, rapaz, era muito brigão, pavio curto.
Mas trabalhador, sempre trabalhador.
Trabalhava roça, tinha cavalo”.
Sabe como é? É aquela história do pavio curto, do brigão, né? Mas, na época, até que podia, né? Ainda cheguei a ver, (risos) ainda briguei assim: “Ah, porrada” “Mete a cara” e tal.
Aí tira a roupa, né? Tira a roupa bacana, pra não sujar, que senão a mãe ia bater.
Aí guardava a roupa, coloca pra ali o que não podia sujar e.
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(risos) ainda briguei assim, né, ainda vi acontecer essas situações.
Então, naquela época, podia ser assim.
Hoje em dia não pode, né? Por causa da arma de fogo, essas coisas, né? A coisa se tornou mais.
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já era sério, se tornou mais sério ainda.
Não dá pra fazer mais briguinha da galera: “Ah, bora ver, bora ver”.
Eu ainda sou do tipo do: “Está aqui tua mãe, está aqui a dele”.
Aí pegava, pisava na mãe do outro, a porrada comia.
A briga, né? Então, ainda tinha isso aí, agora não pode mais.
E meu pai ainda era antes disso, que ainda podia mais, brigava, depois dava pra aparecer, né? Ia preso dois dias, três dias.
Era tipo assim.
P1: E a sua mãe era de lá também?
R1: Também, de Inhangapi.
Minha mãe.
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agora, minha mãe, já a história dela já, assim, já.
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o dia a dia dela, ela ainda conta pra gente: “Ah, tal vez eu fui pra tal lugar”.
Iam pra festa, tipo como a gente está aqui, eles mostram, né? “Por onde a gente varava, por aqui, por dentro do mato, atravessava”.
Era uma aventura à parte, né? Uma aventura pra chegar naquela festa, naquele lugar, naquela repartição, né, que eles falam, naquela comunidade.
Aí, sempre tem essas histórias aí, do dia a dia.
Mas eu creio que dela foram poucos momentos assim, até porque, ela veio, né? Eu acho que a mamãe veio de lá com o meu pai acho que tinha uns vinte anos, no máximo.
Né? Trinta anos de diferença, ela com vinte, ele já estava com cinquentão, né? Se eu não me engano, eu nasci meu pai já teria cinquenta anos, cinquenta e poucos anos, quando eu nasci.
Cinquenta e cinco, por aí.
Eu já estou com quarenta e cinco.
Eu, né? Ele estaria o quê? Com noventa, noventa e dois anos hoje, mais ou menos.
P1: Você ouvia história da sua mãe, quando ela era jovem também?
R1: Sim, sim.
Como eu estou fazendo esse resumo, tipo assim: “Ah, a gente ia pra festa” e tal.
Agora, o que eu tenho da ((risos)) da minha mãe são as histórias, ela com os irmãos, das brincadeiras.
Da vovó os pegando na taca.
Que antes, era assim: marcou touca, (risos) apanhava, umas ripadinhas, né?
P1: O que ela fazia com os irmãos?
R1: É, tipo assim: “Olha, tu não sobe aí, que tu vai cair.
Se tu cair, tu vai pegar o teu”.
E ela deixava mãe se descuidar, ia brincar e acabava acontecendo lá o.
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a previsão, né, de acidente, de incidente.
E lá vai, entrava na taca.
P1: Se esborrachava e apanhava de novo?
R1: Apanhava de novo.
((Risos)) Caía, chorava, acabava.
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“Ah, tu caiu, não foi? Tu chorou? Doeu?” “Doeu” “Agora toma”.
Pegava ali umas cipoadinhas.
Cipoada era uma ripada de antigamente.
P1: Qual é a história da tua mãe com o teu pai? Como é que eles se conheceram?
R1: Não, o pior, assim, que eu não tenho muito detalhe, assim, ideia de como eles se conheceram.
Mas eu sei que ela dizia que ele namorava muito por lá, pelo ramal, né, que não era estrada, era aquela.
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aqueles caminhos, tal, que ele namorava muito.
Saía, passava semana.
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até porque, ele era mais vivido, né? Tipo assim: eu acho que já tinha a primeira família e aí a segunda era mais uma, estava ali.
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que acho que casou novo, né, com a primeira esposa.
O qual a gente tem o.
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somos oito irmãos.
Nove da primeira família e somos oito da segunda.
Certo? Os filhos.
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a gente, até o dia de hoje, somos todos vivos.
É uma família que se interage muito um com o outro, a gente tem uma afinidade, não tem a distinção desse é daqui e dali.
Talvez tivesse quando nós éramos pequenos, porque o meu irmão mais velho, é mais velho que minha mãe.
Hoje, no caso, pra dar um exemplo: ela está com setenta, ele está com setenta e um a setenta e dois.
E a minha irmã mais velha tem setenta e um.
São os dois mais velhos que a minha mãe.
Então, mas assim, a familiaridade parece que nunca se separaram.
Então, o que eu estou dizendo: as histórias que a gente já ouve, já são da peleja dela, do dia a dia sofrido, com a gente, trabalhando, né? Como.
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e agora, como fala? Lavrador, papai lavrador.
A mamãe também trabalhava como lavradora.
P1: Lá?
R1: Aqui, já aqui pra Barcarena.
De lá, eu não tenho.
Eu só tenho essas passagens, assim.
P1: Você sabe por que que eles vieram pra cá?
R1: Eles, eu acho que vieram pra trabalho e tinha mais possibilidade.
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vieram outras famílias e tal, possibilidade de ter roçado.
Que, na época, era roçado, papai tinha animal, cavalo e tal, essas coisas assim.
Plantação, milho, arroz, plantava-se muito, né? Aí ele.
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acho que por isso que vieram.
Seria melhor.
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foi.
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seria melhor pra criar a gente, tal.
Os que já estavam em vida, né? E eu acho também pra parar um pouquinho de briga pra lá, que era.
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((risos)) lá, a arruaça ((risos)) era trezentos e sessenta e seis dias no ano.
Acho que por isso.
P1: Eles vieram pra cá com filho, já?
R1: Já, já.
Já tinha a minha irmã, a Sílvia.
Os filhos dele vieram depois, eu acho, algum com ele.
Pior que agora que eu.
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eu não sei bem, assim, esse detalhe.
Mas já veio.
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já foi, aí já nasceu o Valdir e a Naza.
Aí depois veio eu, Eliel, né? Já viemos.
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já nasceu.
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aí pro Arienga, pra esse rumo aí Japiim, Arienga.
Pra localizar, é a estrada que interliga a alça viária até Vila do Conde.
Tá? Peteca que a gente fala, trevo do Peteca, aquela área lá, que eles vieram habitar, junto com o pessoal.
Outros parentes que nós já tínhamos aí, né? Por isso que foi a vinda deles.
P1: Qual que é o nome do lugar, mesmo?
R1: Eu nasci no Arienga, ali dentro, mas eles moraram ali na Estrada do Japiim.
Entre Japiim que fica.
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quem vem da.
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do trevo da alça viária, pra Barcarena, já em Barcarena, né, até a Vila do Conde.
Aquele perímetro ali.
Tá? E tem Guajará da Serraria, Japiim, Arienga, que já é mais na frente.
Tudo interligado ali dentro.
Vai Quem Quer.
São alguns lugares desses.
P1: Eles foram pra esse lugar por que tinha terra lá, né?
R1: Terra.
Isso.
Pra trabalhar.
Agora vai fazer uma roça, né, tem o desmatamento, tem uma série de coisas.
Já antes.
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um dia nós estávamos até conversando lá no serviço, aí o colega falou: “Antes, o trabalhador, aqui, na nossa cidade aqui, era o cidadão que tinha vinte tarefas de roça.
Vinte, trinta”.
Já pensou trinta tarefas de roça? Eu acho que uma tarefa equivale a.
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não sei se é cinquenta por cinquenta, o tamanho, né? Já pensou aí vinte, quarenta tarefas de roça? Era muito mato.
Então, o trabalhador da época, o que valia cartaz, era o que tinha muita roça.
Os que trabalhavam na cidade eram os bonitões.
((Risos))
P1: Ah, é? Como assim?
R1: Ãhn?
P1: Como assim?
R1: Eram os modernos, né? Aí os trabalhadores mesmo, era quem tinha roça, roçada, tinha.
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fazia tantas sacas de farinha.
Ouvia muita conversa assim, do meu pai, né, nesse sentido e tal.
P1: Você nasceu em hospital, em casa? Como é que foi?
R: Em casa, no tempo da parteira.
Tinha.
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eu não lembro se a parteira, né, que eles falavam que pega a criança, se foi Dona Maria Cardoso.
Parece-me que foi ela, né? A minha mãe tinha.
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ainda tinha.
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era dessa época aí.
Não sei o que havia lá que eu tinha a minha mãe de leite, que me amamentou um bom tempo.
Entendeu? Que era Dona Maria Cardoso.
Ainda morei com ela, também lá no Japiim.
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como era o nome dali meu Deus? Era.
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ai, meu Deus, esqueci o nome do lugar agora, meu pai.
P1: Não tem problema.
R1: Oi? Não tem problema? ((Risos)) Eu ainda morei.
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Tauá.
Tauá é quase chegando lá no trevo ali, quem já vai pra Conde.
Não sei se vocês já foram, mas pra se localizar, né? Lá no Tauá eu morei em 1986.
Eu tinha uns dez, doze anos mais ou menos, aí eu morei lá com a minha mãe de leite.
P1: Por que ela foi sua mãe de leite?
R1: É por esse fato aí.
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no caso, eles dizem que ela me amamentava.
Não sei se a mamãe não tinha leite, ela me amamentava, estava chorando.
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P1: Pariu?
R1: Não, a minha mãe.
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aí ela dava leite pra eu mamar.
Entendeu? Era uma.
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tipo uma.
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um peito de aluguel.
((Risos)) Brincando com o caso, né? Tipo assim.
P1: Essa mesma mulher que fez o parto, o seu parto?
R1: É.
Parece-me que sim.
Dona Maria Cardoso.
Em Barcarena mesmo, na sede, o meu sobrinho, meu outro sobrinho, um irmão, foi a Dona Domingas.
Talvez ela até venha participar, né, disso.
Durante muito tempo eu vi a Dona Domingas indo fazer o parto.
Buscava de bicicleta, pra ela vir fazer aquele parto, na casa.
P1: Então, parteiras são famosas?
R1: São, são, são.
P1: O que você pode registrar pra gente?
R1: Olha, eu lembro bem da Dona Domingas.
Porque, tipo assim, naquele momento da gente ir tendo aquele contato com aquilo: “Ah, vai nascer”.
Aí, quem eu via fluente mesmo na cidade, era Dona Domingas.
Dona Domingas.
Mora na Magalhães Barata, lá em Barcarena, na sede, né? Magalhães Barata ali, entre Olímpio Rodrigues e Raimundo Dias, bem por ali ela morava.
Acho que ainda é viva sim, Dona Domingas, até hoje.
P1: Como que ela era?
R1: Ah, era uma senhora muito alegre.
Na época, tinha televisão na casa dela, aquilo ali, a gente ia pra lá, era muito divertido.
O quintal dela tinha as árvores, a gente brincava bola debaixo com os filhos, sabe? Família típica mesmo da cidade.
Receptiva, muito bondosa.
Parece que todo filho era dela.
Acho que devido ela ser parteira, né, (risos) tinha um carinho com todos.
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toda criança era tratada igual os filhos.
Então, se tivesse cinco crianças, ela organizava um café pra todo mundo, sabe como é? É Dona Domingas.
P1: Você já acompanhou algum parto, já, de parteira? Já viu algum parto que parteira fez?
R1: Não.
Uma vez a gente.
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eu sou do tempo da cegonha, que as informações eram difíceis e os pais têm.
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tinham receio de falar determinadas coisas.
Como nós, dos quarenta, quarenta e cinco anos aí, que tem hoje, né? Da nossa época, da minha época, pelo menos em casa, ia falar alguma coisa, perguntava algo.
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eu acho que hoje é simples uma pergunta assim, né? Porque a gente vê as informações na internet tal, nas plataformas digitais.
E aí, um dia a gente estava.
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chamaram a Dona Domingas e.
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eu e meu irmão Eliel, a gente dormia junto, por lá e tal: “Espera essa ce.
.
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”.
Nós ficamos acordados, esperando a cegonha vir trazer o moleque.
Entendeu? Tipo assim: “Bora.
.
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”.
A gente acordou com aquele barulho, tal.
“Bora! Faz força”.
Porque a Dona Domingas estava lá e puxava.
“Ah, eu vou perder meu filho” e pá, pá, pá, pá.
Então, nossa casa era de madeira, então, se a gente levantasse a cabeça, dava pra olhar pra sala, onde tinha uma cama e era lá que estava vindo o meu sobrinho.
Eu acho que esse sobrinho é o Jamílson.
Aí: “Bora, Sílvia”.
Sílvia era o nome da minha irmã e tal, tal, tal.
Aí nós aproveitamos, eu e meu irmão: “Bora olhar”.
A gente estava querendo olhar, mas estava com medo, né? Eles não sabiam que nós estávamos acordados.
No beliche, que era só ficar em pé assim, que daria pra olhar.
((Risos)) “Cara, agora a gente vai ver como é que a cegonha traz o filho”.
Quando nós íamos colocando a cabeça lá, a mamãe, acho que ela já preveu aquilo e só colocou a mão assim: “Se olhar, vão apanhar”.
Nem olhou pra nós.
Aí nós, tchum, ficamos lá e nós não conseguimos acompanhar.
((Risos)) Nós só acompanhamos o áudio: “Ai, ai!”.
(risos) mas não deu pra ver como é que nascia, mas a gente deduziu.
((Risos)) Naquela época.
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aí ele me olhou e disse: “Nai, não é nadinha de cegonha ((risos)) que vem trazer a gente.
Viu aí?”.
Disse: “Não, a mamãe não deixou.
Mas a gente não vai ver que ela vai bater na gente”.
A gente só viu depois, passados uns minutos.
Inclusive, Dona Domingas até falou assim: “Ai, eu vou perder o filho” “Olhe, tu quer ter o teu filho no hospital? Vai.
Vai, porque eu já vou.
Não precisa de mim aqui, eu já vou”.
Aí mamãe falou: “Olha, Sílvia.
.
.
fique, Dona Domingas, a senhora vai fazer o parto desse menino e, Sílvia, se tu perder esse menino, tu vai apanhar”.
Aí a Sílvia se virou e teve o Jamílson.
É o Jamílson.
Então, a gente acompanhou só o áudio, de fora.
Mas.
.
.
P1: Quando você nasceu, você.
.
.
como é que era a casa que vocês moravam?
R1: Na verdade, eu.
.
.
há uns cinco anos aí, fui deduzir que eu sei das coisas a partir de três anos.
O meu irmão memorizou as coisas com dois anos, o Eliel.
Né? Porque ele lembra de tudo onde nós morávamos, como era o igarapé, como era o local.
Ele conversa com a mamãe: Mãe, eu lembro de tal coisa.
Não era, mãe, assim, assim e assim? Tu não lembra, Nai?”.
Eles me chamam em casa de Nai, né? Inclusive, quando eu estou na rua, que alguém fala: “Nai!”.
Aí eu.
.
.
é uma pessoa bem.
.
.
de quando eu era bem guri mesmo, andava nu.
Vou colocar pra vocês, né? A gente vê na televisão hoje os índios vestidos, né? Nós andávamos nus, lá em casa.
A gente passava o dia nu, brincando.
Que a gente, na verdade, morava.
.
.
ficava isolado.
Então, a gente brincava nu.
Quando começou a chegar pessoas pra perto de casa, meu pai, um dia, falou: “Nazareno” “Senhor, pai” “Vai comprar chup”.
Aí eu estava nu, brincando, né? Aí eu corri pra pegar a minha roupa.
Só que ele falou pra mim, me deu o dinheiro e andou pra cá.
Aí eu tinha que.
.
.
psiuuuuuu, desdobrá-lo, pra ir pegar a minha roupa com vergonha, mas eu não tinha que demonstrar que eu estava com vergonha.
Aí, eu já tinha vergonha, pra sair, né? Pra ir comprar alguma coisa assim, bem perto de casa, próximo.
Era pouca gente e esse senhor chegou pra lá.
Aí eu corri.
Quando eu corri, que eu ia pegar minha roupa, está me olhando, o papai, assim: “Tu ainda está aí, rapaz? Vai logo!”.
Aí eu só tirei a mão da gavetinha e corri pra lá, com vergonha.
Adão e Eva.
.
.
se fosse Adão e Eva (risos) tinha uma folha na frente, mas não tinha nenhuma folha pra colocar assim.
Aí eu fui, peladinho pra lá.
Cheguei lá, tinha o seu Bebé, que também era da idade do meu pai, dois velhos carrancudos.
Aí cheguei lá, fiquei por trás da casa, assim.
“Senhor, quero chup” “Quantos? Quantos chups tu queres, rapaz?” “Esse aqui”.
E dei o dinheiro, né? Uns cinco chups.
Que é o geladinho, né, pra alguns lugares.
Aí falou, o senhor bravo, lá: “Por que tu não aparece aí? Está escondendo o que praí, rapaz?”.
Aí eu lá.
Eu não queria aparecer, que eu sabia que ele também ia esculhambar, (risos) ia brigar, me brigar.
Eu fiquei quieto.
Aí ele disse.
.
.
dei o dinheiro e apareci, né? Ele queria que aparecesse, que ele queria me ver.
Aí: “Olhe, pai, ele está nu aqui”.
Aí ele olhou: “Rapaz! Tu desse tamanho! Tu ainda vem nu?”.
Já pensou, eu ouvir.
.
.
((risos)) ser quase pego pelo papai na taca e depois ser quase pego pelo outro que ia me vender o chup.
Então, naquele momento.
.
.
então, são essas coisas que eu lembro, assim.
Então, quando eu era pequeno, eu não lembro das coisas.
E eu só fui me.
.
.
eu pensei que eu lembrava das coisas com sete anos.
Nítidas, com sete anos eu lembro.
.
.
aí, quando a minha irmã completou idade, eu sou quatro anos mais velho que a minha irmã, que a Simone.
Aí: “Simone, quantos anos tu tem?”.
Pra mim, ela tinha um.
.
.
eu era mais velho que ela uns sete, oito anos, né? Porque eu lembrava que a mamãe, quando a mamãe engravidou, quando passou-se o tempo, aí a conversa e tal.
A prancha.
.
.
a prancha que eles falam é uma tábua grande que caiu na mão do meu pai.
Tudo isso eu lembro.
Quando eu cheguei aqui, como foi, pra onde a gente foi, como a gente ficou.
Aí.
.
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e eu lembro da minha irmã.
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e a mamãe engravidar, como ficou e tal, até ela nascer.
O dia que ela nasceu no hospital, aqui em Barcarena, o nome é Wandick Gutierrez.
E eu lembro tudo isso.
Então, eu achava que eu tinha sete anos, das coisas que eu lembrava.
Então, como ela passou nove meses pra nascer e nasceu, então eu tenho quatro anos de diferença, então eu lembro também das coisas com três anos, né? Do que ela viveu.
Do que eu vivi a partir de três anos.
Ou seja, depois que nós chegamos aqui em Barcarena.
Né? Nós já viemos pra cá pra cidade.
E pra lá, pra Arienga mesmo, eu não lembro das coisas.
Já o meu irmão lembra de tudo: que tinha igarapé, que a mamãe varria as folhas, que ficava aquele igarapé de água corrente bonito, o quintal limpo.
Eu não lembro de lá.
Entendeu? Eu não lembro disso aí.
P1: Você lembra de quando vocês foram pra onde? Vocês foram pra onde, lá de Arienga?
R1: É, que nós morávamos lá no Arienga, aí o meu pai teve que vir embora, como eu estou dizendo.
Como eu coloquei no começo, tinha.
.
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o meu pai era pavio curto.
Certo? Quando a gente foi pra lá, aí lá também teve aquelas intrigas e tal, trabalho, alguns eventos, né, festas que eles faziam, aí tinha sempre aquela.
.
.
ele.
.
.
o meu pai mesmo falava que ele tinha medo que a gente fosse igual ele.
Uma vez eu.
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.
eu sempre.
.
.
eu sou um dos que perguntava as coisas pro meu pai, né? Por exemplo: um tempo eu tinha medo de morrer, eu perguntei pro meu pai: “Pai, o senhor não tem medo de morrer?”.
Porque eu o via como um herói, né? Ele disse: “((riso)) Medo de morrer, meu filho?”.
Assim mesmo.
“Nasceu, meu filho, vai ter que morrer.
É assim a vida.
Eu não tenho medo de morrer, não.
Eu tenho medo é que me matem.
Se eu puder correr, eu corro”.
Bem sábia, assim, a resposta dele.
Então, teve algumas desavenças lá que já vinha.
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né? Aí de lá, ele teve que vir embora pra cá, pra cidade.
Aí.
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e é desse momento pra cá que eu lembro.
Entendeu? Depois que a gente chegou de dentro do mato, pra morar na cidade de Barcarena, já.
P1: Vocês foram pra sede?
R1: Sim.
Barcarena Sede, sim.
Nós morávamos em Barcarena, no município dentro do.
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na parte rural, né, na parte.
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no interior, que a gente fala.
P1: Você se lembra de quando vocês foram pra sede?
R1: Sim.
Eu lembro já da vivência já em Barcarena, na cidade, já.
Entendeu?
P1: Vocês foram morar em que rua? Onde que foi?
R1: Quando a gente chegou logo em Barcarena, nós chegamos e moramos na casa do ‘seu’ Nunes.
A primeira casa.
Uma casa que ele arrumou, pra gente morar lá.
Né? Aí depois, a gente foi.
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não sei se aquela casa ainda era deles na.
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na Laurival, esquina com a Magalhães Barata, fizeram até, lá naquela época, o Bar Cantão.
Fazia muita festa, bandas.
O meu sonho era cantar ali.
P1: Ah, é?
R1.
Era.
Porque a gente via que lá que era o point da movimentação e a gente morou bem lá.
Aí, depois, nós viemos morar na rua.
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acho que é Raimundo Dias, entre Matriz e Sete de Setembro.
Que agora tem até uma vila lá, que é a vila do ‘seu’ Juca, em frente ao antigo Guanabara, depois virou Êxtase, uma sede.
E a gente morou ali.
E de lá, um dia, chegou um carro pra buscar a gente pra casa onde a gente mora até hoje.
Acho que foi em 1980 por aí.
Mais ou menos.
1979 a 1980.
P1: Você ficou poucos anos, então, em Barcarena Sede?
R1: Não, aí é na Sede.
P1: Ah, tá.
R1: Só foram buscar a gente, tipo assim, pra gente.
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que ele tinha realmente adquirido a casa.
Eu não sei quanto tempo a gente passou nessas três casas.
Foram três casas antes da gente ir pra onde a gente mora até hoje.
Entendeu? Acho que tem cerca de quarenta anos que a gente mora.
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que eu moro no mesmo lugar.
P1: Antes de eu perguntar desse lugar, me fala um pouco como é que era a sede, nessa época? Como é que você se lembra da cidade, assim?
R1: Ah, Barcarena.
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P1: Era diferente?
R1: Era bem.
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bem.
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eu me lembro bem que a cidade de Barcarena, ela era aquela frente.
Eu creio que tinha lá a Escola Cônego.
Inclusive, na nossa entrevista lá no.
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quando a gente fez o primeiro momento, eu coloquei que eu lembro de uma praça.
Que eu imaginava que ali tinha uma praça e que um dia eu brinquei ali, eu tinha medo de cair pra dentro do rio.
Tinha medo.
Dava aquela impressão, a gente.
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me balançando.
Então, eu lembro daquela praça, eu lembro daquela frente.
Que, no lado da igreja católica, tinha um campinho de brincar futebol.
Em frente agora onde tem o hospital, tinha um campo de futebol.
A Escola Cônego Francisco Cravo eu lembro.
E que a cidade de Barcarena, ela ia.
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tinha.
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a energia era até dez horas da noite.
Né? Era motor, gerador.
A torneira pública, que eu só ouvia falar, aquilo era como se fosse algo de outro mundo na minha.
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eu tinha vontade de ir lá, mas eu não lembro onde era.
Torneira pública que todo mundo pegava água.
E a cidade vinha até a Sebastião de Oliveira, onde tem o ‘seu’ Otávio e, mais lá na frente, tinha o ‘seu’ Marcelino e o ‘seu’ Pedro Siqueira.
Até ali era.
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a cidade ia até por ali, assim, onde tinham casas, né, populares, as casas das pessoas já mais antigas.
Entendeu? Eu lembro um pouco do seu Marião, da sede.
Aí eu, brincando por lá, lembro quando construíram.
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começaram a pavimentar a Vila Manteiga, por ali onde tem a Vila Manteiga hoje, né? A gente fala, que é a frente da cidade.
Quando fizeram aquela feira coberta, que tem lá até hoje.
Essas coisas, assim, eu ainda lembro de lá.
P1: O que falavam pra você daquela casa grande do Cafezal? Tinha essas histórias?
R1: Tinha a casa do Cafezal e eu não cheguei a ir lá porque, pra gente ir lá, no caso, era meio difícil, pra eu, no caso, ir lá.
Mas eu ouvi falar já depois que já começaram demolir a casa, né? Começaram a destruir a casa já, que eu ouvia falar.
Eu cheguei a ir lá e ver o poço que o meu colega mostrou: “Olha, Nazareno, aqui era o poço do Cafezal”.
Ainda tem lá, numa cooperativa, escombro disso aí.
Desse poço, né? Mas só ouvindo falar, mesmo.
Quando eu era pirralho, assim, eu não cheguei a ouvir falar, como já se ouviu já falar hoje em dia, que se desperta até a curiosidade de ver mesmo, pelo menos onde era, né, aquela coisa lá.
Entendeu?
P1: O que você ouvia, quando você era pequeno?
R1: De lá do Cafezal? Ouvia falar que lá era um casarão e eu fazia aquele imaginário.
Que lá, jogava os escravos no calabouço.
Depois, quando eles não prestavam mais, jogavam no poço que tinha uns ferros.
Coisas assim que eu ouvia falar.
Eu tenho um colega, tuxaua, um amigo, ele disse: “Ah, ainda andei lá”.
Ele descreveu mais ou menos como era.
Que dentro daquele casarão tinha igreja, capela, umas portas gigantes, as chaves eram grandes, tal.
Entendeu? Isso aí que eu ouvi falar, assim.
E o outro.
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a situação era essa, né? Da gente.
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eu tenho mais é imaginário de lá, do casarão do Cafezal.
P1: E a cidade, assim, era.
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você falou, tinha pavimento ou não? Como que era luz, gás, água?
R1: Tinha.
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quando a gente morou lá, morou aqui em Barcarena, ela tinha.
Tinha gás.
A energia vinha até um pouco.
Nós éramos do tempo da lamparina.
Eu tinha vontade que, em casa, tivesse um lampião, aqueles lampiõezinhos que a gente ia na casa de quem tinha, já, um poder aquisitivo melhor, aí aquele lampião graduava, ele clareava bonito, né? Eu tinha vontade de ter um daquele.
Em casa não tinha.
Era lamparina mesmo, querosene.
Eu tenho, inclusive, uma lamparina que eu comprei no Maranhão, eu trouxe.
Que eu estava passeando: “Já comprar uma pra mim levar pra casa”.
Comprei.
Aí eu coloquei querosene dentro, aquele pavio, acende, ‘tchi’.
Ficava brincando com aquela porra lá.
Apagava a luz da casa.
((Risos)) O pessoal chegava lá em casa, eu: “Olha o que eu tenho aqui”.
Então, eu ainda sou desse tempo.
A gente viveu muito tempo na lamparina, até chegar os postes, a energia.
A coisa ainda demorou muito pra chegar pra nós lá, lá onde a gente mora.
P1: E como é que era pra se deslocar na cidade?
R1: No lado de casa passava os ônibus da.
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bem do lado, até hoje ainda passa assim, a.
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hoje é a van, né? Os ônibus que vinham aí, os ônibus da linha, que iam até o terminal, vinham de lá da frente da cidade, pra ir pro Cafezal, passavam lá próximo de casa.
E bem na frente de casa fizeram a garagem da Rodomar.
Aí lá, nós tínhamos ônibus da Rodomar, Boa Esperança, São Jorge.
Tínhamos o cata-corno.
((Riso)) Cata-corno era tipo um coletivo com cabeça de carreta.
Cata-corno.
Aí, no caso, fizeram lá.
Então, pra se deslocar era assim.
Pelo rio, por água, eu só cheguei a ir pelo cafezal pra Belém, né, num barco.
Eu acho que eu tinha uns oito anos, nove, quando eu cheguei a ir à Belém, né?
P1: Não tinha essas pontes que têm aqui?
R1: Não, não tinha nada.
Essa vila aqui, de.
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eu já vim conhecer isso aqui, deixa eu ver.
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eu acho que em 1988, 1986, 1987, que eu já vim conhecer.
No começo, a gente não podia passar.
A gente já foi conhecer quando veio pro Caripi, que, naquela época, tinha em Barcarena da Fbesp, que eu acho que é Febem hoje.
Hoje ou algum tempo, né? Lá, no caso, era Fundação do Bem-Estar Social do Pará.
Funciona hoje tipo como o Peti Cras, com aquele atendimento pra criança.
Em outros lugares, ela era usada pra delinquentes, né? Mas, pra nós aqui de Barcarena, ela era usada pela nossa equipe, a gente ia pra lá, aprendia a fazer alguma coisa, um trabalho com gesso, pintura, artesanato e brincava de bola.
Era o nosso espaço de lazer.
Era o nosso clube.
Tinha.
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eles promoviam passeios recreativos, entendeu? Então, pra nós, a Fbesp era assim.
Inclusive, uma vez nós fomos abordados, eu, meu irmão, aconteceu uma briguinha lá entre.
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aí teve uma mãe, né, que, como o esposo era.
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trabalhava na empresa, eles chegaram pro conjunto e tal, de algum lugar aí do Brasil, aí: “Esses meninos são delinquentes”.
A gente não sabia nem o que era delinquente.
Sabia que era.
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estava assim, ((risos)) com alguma coisa ruim, na nossa época lá, perversa.
E: “Delinquente porque eles são da Fbesp.
Se vocês prestarem atenção, eles são da Fbesp, se misturar com os meus filhos”.
Então, que era uma.
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hoje teria assistente social, né, um bocado de coisa pra atender aquelas crianças.
Mas, no caso, nós, a gente ia pra lá pelo recreio e - um dia alguns dos meus colegas vão ver isso - por causa da merenda.
((Risos)) Aquela merenda lá que a gente tinha todo dia, aquele lanche, né? Era muito legal, o recreativo.
Então, era tipo assim.
P1: Era perto da praia do Caripi?
R1: Aí que a gente já veio conhecer isso, aqui a Vila dos Cabanos, eu já vim ver, porque eles fizeram um passeio com a gente.
A gente veio pro Caripi.
Hoje em dia, o Caripi, se a gente vê, tem tipo uma orla, não tem árvore, mas eu lembro que a gente brincava, a água entrava pra debaixo das árvores e era só sombra.
Aquilo mesmo, como é que a gente fala? Uma praia deserta.
Tinha ainda.
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até um tempo desse ainda tinha a casa dos primeiros moradores lá, né? Não tinha bar, não tinha nada.
A gente ia, levava a nossa merenda, fazia aquela fila.
Era que nem a gente está aqui ó, só que aí a praia estava chuáaaaaaa.
Era um.
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Foi uma praia dessa Vila dos Cabanos mesmo, pra eles.
Eles se divertiam lá.
Aí foi, foi, foi, foi popularizando a cidade, o conhecimento, né? Aí Caripi se tornou bem influente.
P1: E tinha uma diferença entre a Vila dos Cabanos e a sede?
R1: Tinha.
Na nossa entrevista lá, a nossa colega colocou bem a situação: quem morava aqui era a galera rica.
Lá, moravam os pobres.
Eu fiquei surpreso, até, no dia do workshop aqui, aí nas explanações, eu imaginava, sempre imaginava, tinha essa ideia de que a Vila dos Cabanos - eu falava isso pras pessoas - foi uma vila feita pras pessoas que vinham trabalhar na Albras.
Que ela foi concluída 100% e entregue pra quem estava vindo pra cá, porque vinha pro meio do mato, aí tinha que ter.
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o que é que eles iam ter aqui? Iam ter cinema? Iam ter casa? Iam ter o entretenimento? Aí fizeram o clube e aí entregaram pra eles, já vieram pra cá tal, uma cidade pronta.
Cansei de falar isso aí.
(risos) E aí eu, acompanhando o relato de uma colega, né, nesse momento aqui, ela.
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aí que eu fui descobrir que a Rua da Lama - que eu tinha curiosidade - foi a.
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quando eles chegaram, os primeiros.
Ela disse que o esposo dela parece que veio pra cá, do Marajó, de Manaus, uma coisa assim, pra trabalhar aqui e ficou de buscá-la.
E passaram-se os tempos e nada dele vir.
“Não, te acalma que.
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”.
Ele médico, primeiro doutor daqui.
Abenadal.
Não lembro como é o nome dele, eu não sei.
(risos) Desculpa por citar esse nome.
E ela colocando lá no dia e eu ouvindo.
Então: ‘Nada dele vir, eu achando: ‘Será que ele deixou a gente? Será que ele já tem outra? Porque.
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’.
Aí ela pegou as coisas e veio pra cá com ele, na bruta.
Aí chegou, ela disse que tinha as casas na Rua da Lama, as casas estavam aprontando.
Pessoal trabalhando e que eles fizeram tipo uma cooperativa pra lá, pro final, aonde vinha um carro abastecer, eles iam lá buscar as compras: gás, água, que não tinha nada.
Aí passavam por aquela lama.
Ela até contou com a nossa colega, a Laurinha, que caíram por lá, caíram uma vez pra dentro da.
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((risos)) de um bueiro.
Falaram, inclusive, que uma pessoa, não sei relatar o nome, era um funcionário e bebeu e sumiu, aí foram ver, ele tinha ido pra dentro do bueiro, devido à lama, caiu lá por essa lama.
Aí eu fiquei: “Ah!”.
Porque a primeira vez que eu passei pela Vila dos Cabanos, isso aqui era uma cidade linda, um conjunto pronto.
Casas todas só de um tipo, jardim.
Eu vi isso aqui como um paraíso, entendeu? Aquilo perfeitinho, funcional já.
Tinha o supermercado, era o Terra Seca, Codebar, tudo funcionando, pra que isso aqui acontecesse.
Então, eu tinha na minha (risos) ideia que isso.
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essa cidade era assim.
E já com a.
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nesse passeio da Fbesp da época, né, foi que eu fui ver, que eu fui.
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que eu tinha essa visão daqui.
Eu não sabia que as pessoas vieram pra cá com isso aqui só lama, né? Por isso a Rua da Lama, uma série de coisa.
Então, foi o meu primeiro contato nesses passeios, vindo pra cá com o pessoal da Fbesp, com minhas colegas.
Tia Fubica.
Um dia um vai pesquisar e vai ver que o apelido era Tia Fubica.
Onde a gente brincava, se hospedava.
Tinha o horário da manhã, da tarde, as turmas, o recreativo.
Tudo era lá.
Entendeu? Lá era o nosso clube.
((Risos))
P1: Por que esse nome?
R1: Oi?
P1: Por que tinha esse nome, Tia Fubica?
R1: Era Fbesp, Fundação do Bem-Estar Social do Pará, entre nós, era: “Bora lá pra Tua Fubica”.
Era Tia Fubica.
((Risos)) Era onde acontecia.
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Seria hoje o Tio Peti, né? Peti Cras que acontece as coisas hoje.
Esses movimentos sociais e tal, esse acolhimento, né, era lá.
Lá que era a Tia Fubica.
Um dia, eu estava cantando e tal, fazendo um show, _______ (48:57) em banda aí.
Acho que era na Praia do Caripi.
Aí, na hora que eu fui fazer a ola: “Só vocês”.
Aí os colegas - por isso que eu estou falando - aqueles.
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uns dez colegas ali que estavam na fase: “Nazareno, da Tia Fubica, da Tia Fubica”.
((Risos)) Aí as pessoas ali do lado não sabem do que se tratava, né? Estava falando da época que a gente ia merendar.
Tipo isso.
P1: E lá na Barcarena Sede, onde que vocês gostavam de ir, que vocês pediam pro teu pai e tua mãe levar? Como é que era?
R1: Olha, nós.
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eu com a.
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a gente sempre.
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eu e o meu irmão Eliel, que a gente, um ano de diferença, eu sou mais velho que ele.
Então, a gente ia muito pra.
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fugido.
Porque o papai, já pensou? Tu, com cinquenta anos, não tem mais astral pra caminhar com menino de dez anos, de doze.
A gente estava fervendo, subindo em árvore o dia todo, pulando, correndo, apanhando frutas dos outros, pegando, né, escondido e pulando no igarapé e tal.
Então, não tinha.
Os dois ocupados pra sustentar a gente, os dois, papai e mamãe.
E a gente, o que dava pra gente correr solto, a gente corria até eles chegarem, antes deles chegarem.
Então, a gente.
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a mamãe tinha muito cuidado assim, com a gente, porque ela sabia que a gente ficava muito tempo só.
Ela sempre usou uma palavra sábia, pra livrar a gente dos entraves da vida, né, que sempre aconteceu e sempre vai acontecer.
Mas a gente brincava, se divertia, saía e tal.
Com o tempo, a mamãe começou trabalhar em casa de família.
O meu pai trabalhava em outro lugar, na firma, ou então, lavrador.
O forte dele sempre foi a lavoura.
E aí, a gente se desdobrava.
Ó, a gente ia.
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eu vou dar um exemplo, que a gente ia pra aula e, um dia, a mamãe descobriu que a gente não estava estudando já tinha dois meses.
Todo dia a gente ia pra aula.
((Risos)) Eu e meu irmão.
Um de dez e um de onze anos.
A gente ia, chegava, a gente pulava o muro.
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entrava na escola, pulava o muro e tchuuuuuuu, igarapé.
Entendeu? Tomava banho até quase no horário da saída.
No horário da saída, era três horas de tempo, né? A gente tomava esse.
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‘pá, pá’, se divertia, fazia o que a gente queria.
Ou ia pra jogar bola, campinho de pelada, alguma coisa.
Aí, naquele horário da saída, a gente chegava e saía pelo portão, como se estivesse estudando.
A mamãe foi descobrir um dia, porque a professora disse assim: “Oi!”.
Encontrou a minha mãe.
Isso a minha relatando, eu vou descrever a história.
“E o Nazareno? Ele está dodói?”.
Mamãe disse: “Está.
Está meio dodói”.
Pra capturar a história, né? “Está meio dodoizinho” “Pois é.
Coitadinho! Que pena.
Pensa numa criancinha inteligente, bom de Matemática, de soma, subtração, divisão, tal, multiplicação.
Bom ele.
Aí eu estranhei: ‘Poxa, eu acho que o Nazareno adoeceu, porque não veio mais pra aula’”.
Aí a mamãe.
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isso é quando a mamãe me relatou, né? “Mas ele vai todo dia pra aula”.
Né? Também ela não vai dizer que ela não sabe o que o filho está fazendo, né? ((Risos)) Ficou arrecadando lá, as informações.
“Pois é, professora, ele adoeceu”.
Aí: “Pois é, eu imaginei que ele estivesse doentinho.
Tem quase um mês e pouco, né, que ele está assim, coitadinho”.
Ela disse: “É, eu estou até cuidando dele” “É, uma pena, coitado, vai perder o ano.
Tão inteligente!”.
Aí, quando a mamãe chegou em casa, ela disse.
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((riso)) chamou eu e meu irmão, a gente já ficava assim ó, sem olhar pra ela.
“Nazareno, Eliel” “Senhora, mãe” “Meu filho, vocês estão indo pra aula?” “Estamos, mamãe” “Vocês estão entrando na aula?” “Estamos.
Tu não vê que a gente vai todo dia, mãe?” “Pois é, mas a professora disse que.
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”.
Ela falou em professora.
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“Dois meses que vocês não vão pra aula.
Quase dois meses.
Você já pensou o que é isso, meu filho? A vergonha que eu passei lá, sem saber explicar.
E ela falando, perguntando se vocês estavam doentes, se tu estava doente e eu falando, concordando com ela: ‘Sim, sim, sim’.
Ano que vem, vocês não vão estudar, nem um, nem o outro.
E a partir de hoje, vocês também não vão pra aula”.
Aí deixou a gente quase no final do ano já sem ir pra aula.
No ano seguinte, não matriculou.
Só que tinha um detalhe: a gente ficava em casa, enquanto a gente estava em casa, a gente tinha que fazer as coisas.
Capinar o quintal.
“Vai capitar o quintal.
Bora, bora, bora, bora, bora”.
Acorda cedo, vai capinar o quintal, fazer as coisas, entendeu? Foi dosando a gente.
Pensa numa saudade da escola que deu! ((Risos)) Quatro horas.
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quatro a cinco horas de tempo que nós tínhamos de lazer, né? Que era só escrever e ficar.
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estudar um pouquinho, conversar.
E lá em casa, eles pegaram pesado com a gente no serviço, era na roça, encher água.
“Vai varrer a casa.
Vão lavar louça, senão vou pegar.
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”.
E aí, no ano seguinte, deu saudade, a gente voltou bombando.
Então é tipo assim, entendeu? Então, pra antes, eu mesmo gostava de ir lá pela frente da cidade, olhar.
Fugidos, nós íamos muito pra Prainha, que é na frente da cidade, uma praia pequenininha que tem lá, uma areia.
E no campo da aviação, que é onde vinham os aviões.
Que eu sou do tempo da aviação.
Inclusive, eu coloquei, né, que eu falei: “Ih, rapaz, eu sou uma exclusividade, vocês nem sabem o tanto” “Fala qual é a tua exclusividade”.
Eu disse: “Eu sou um dos barcarenense, ou o único, que quase fui atropelado por um avião”.
Aí eu contei até na história.
Eu usei um pouco do real, que parece fictício, mas foi verdade, entendeu? Então, que eu gostava de ir pro campo da aviação, porque lá, a gente corria, lá a gente via os aviões vindo ‘tatata’ - chamam de teco-teco, né? - pra três, quatro lugares, cinco.
Cinco pessoas.
E subiam lá, acho que eles vinham, na época, pra vir pra cá, pra fábrica, pra fazer esse trabalho aí.
Acho que isso era em 1979, 1980.
Acho que até 1982 eu acho que ainda tinha lá esse campo.
Aí, eu lembro disso aí.
Então, um dos lugares que eu gostava de Barcarena era esse campo da aviação, que lá, a gente sempre estava empinando pipa, a gente estava sempre com aquele contato de estar olhando aquilo, estar tentando pegar uma, correndo, se juntava.
Lá era o point de onde ia ter uma diversão.
Quando eu era bem pequeno, eu acho que uns cinco anos, seis anos, sete anos, por aí.
Era lá que a gente se divertia.
P1: Como é que você foi quase atropelado?
R1: É.
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quando eu falo, eu falo assim, que eu sou uma exclusividade, que quase fui atropelado.
Eu lembro que a gente.
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tinha uma menina que morou em casa, o nome dela era Consa.
Era namorada do meu irmão.
Eles dois eram pequenos, de dez anos, mas eles eram namorados, mesmo.
Fugiram de casa.
O Valdir.
E aí, ela era mais ativa e tal.
Talvez hoje, ela, se estiver viva, uns cinquenta, cinquenta e um a cinquenta e dois anos, ela deveria ter, deve ter hoje, mais ou menos.
Aí eu fui com.
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“Bora ali?” “Bora”.
Andando junto com ela.
Ela era legal.
Se ela tivesse chup, era mais por isso, de estar comendo as coisas, né? Que hoje em dia é simples ter alguma coisa: brinquedo.
Uma bola.
Quando eu vi uma bola na frente de uma casa, parece que.
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hoje eu ainda não vi.
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você ver uma Ferrari.
Algo encantador, né? Naquela época, uma bola, um brinquedo, qualquer coisa assim, um sapato, era algo.
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1980 não tinha nada ainda na cidade de Barcarena.
Assim, nada que a gente tivesse possibilidade de ter, que nem hoje, né? E aí eu fui com a Consa pra uma casa.
Chegou lá, eles brincando e tal, se divertindo.
Aí a senhora disse: “É o seu irmão?” “Não, eu moro na casa dele”.
Eu sei que ela deu suco, aí deu esse sonho, né? Aquele pãozinho com aquele recheio dentro.
“E os pais de vocês?”.
Aí: “Estão lá” e tal.
Ela, quando terminou tudo aquilo.
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e a gente demorando pra lá.
Eu gostava de ir lá nessa casa com ela, porque lá a gente brincava e lanchava.
((Risos)) O negócio era comer.
E lanchava, tal.
Se divertia, brincava, tinha os brinquedos diferentes, eles eram de fora.
Aí tinha uns aviõezinhos que a gente.
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que era tipo velocípede, aquela bicicletinha, tipo um aviãozinho, brinquedinho de corda e bola.
Tudo tinha lá e eu gostava de ir com ela pra lá.
Boneca, elas brincavam lá.
Eu sei que, quando terminou, a senhora me chamou e disse: “Olhe, meu filhinho.
Toma”.
Colocou dentro de uma sacola ou de uma.
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que, naquela época, as sacolas eram plásticas, papel.
Colocou lá uns cinco pãezinhos daquele, que era para eu trazer pro meu pai e pra minha mãe, né, pra casa, pra dar.
"Você tem irmãos?" "Tenho.
Tenho irmão, tenho irmã, Simone e Eliel” tal, tal, tal.
Encheu, assim.
Aí a gente vem vindo embora.
Quando eu cheguei lá fora, ela era maior, a menina, me tomou.
Quando eu estou do lado de fora da casa, já pra ir embora, que a gente se desvinculou lá da família, a gente está indo assim, aí a minha irmã chegou, a Cida: "Nai, olha, a mamãe está te procurando, todo mundo te procurando e tu sumiu”.
Aí eu falei: "Ah, a gente estava assim, assim”.
Aí eu fui falar: "Olha o que a senhora deu pra gente, a menina me deu" "É meu".
Aí eu ainda tentei pegar, ela segurou e a minha irmã me puxou.
A Sílvia: "Tu vai ver só”.
Que ela era.
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a minha irmã é mais velha do que eu uns sete anos, mais ou menos, oito.
Aí me puxou: "Bora”.
Se eu tinha quatro, cinco anos, ela tinha doze a treze, né? Então, ela já era bem grande.
Me pegou pelo braço: “Bora, embora".
Aí eu chorando, porque eu queria voltar por causa do doce, (risos) que era muito bom.
Chorando por causa do que eu tinha ganho e a menina disse que era dela e ficou, era pra eu levar para o papai, eu chorando: "Me larga, ela ficou" "Não, deixa isso pra lá.
Ah, eu já estou aqui.
.
.
".
A mamãe brigou com ela, que também estava brincando, pra ir me buscar, me achar, que ela era a culpada de eu ter sumido, que ela que tomava conta e eu chorando.
Aí teve uma hora assim que, quando a gente vai indo na rua, a rua era assim, né, a rua onde nós vínhamos, asfalto e pra cá tinha uma rua de piçarra, aquele barro, né, com pedra, cerca de.
.
.
deixa eu ver, cem, duzentos, trezentos, quinhentos, seiscentos, setecentos, uns oitocentos metros pra dentro, aquela rua.
Aí eu e a minha irmã, quando chegamos bem na direção da rua, assim, da saída de onde vinha o avião e subia bem lá.
Aí eu vinha chorando, com ela segurando a minha mão, me puxando, me dando chacoalhão, uns impactos fortes no braço: "Bora, pode parar de chorar aí, que tu vai apanhar da mamãe”.
Quando ela chegou bem lá, amigo, aí eu soltei o braço dela, que eu queria voltar pra ir pegar o meu doce.
Aí eu corri.
Eu corri e ela correu e me pegou.
Quando ela: "Tu vai apanhar”.
Quando ela falou isso, o avião ‘voom’, bem atrás da gente assim, uns.
.
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eu.
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a gente saiu da direção do avião onde eu estava e ela brigando comigo e eu reclamando com ela uns cinco metros, corri, porque eu corri, corri o suficiente, uns cinco metros e ela me pegou logo e o avião bateu lá, paaaaaa.
Aí ela.
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aí o homem disse: "Olha, quase a menina morre debaixo da palheta”.
Uns se machucaram.
Bem na frente dessa parte do aeroporto, como quem vem, não tinha árvores grandes, não sei se eles mesmos que roçaram, né? Tinha uns matos tipo uma malva, um negócio assim, que aquilo ali a gente podia pular em cima, assim, que ele não batia muito, corria naquilo, não era áspero.
Eu acho que aquilo ali amorteceu também um bocado do impacto deles.
E graças a Deus não aconteceu nada.
Então, talvez, se eu não voltasse, aquele avião ia bater na gente, porque a minha irmã estava distraída comigo, né, me segurando.
Me lembro que eles deixaram o avião lá batido.
Só pra ti ver como era, que época era aquela.
O meu irmão pegou um negócio, um negócio de lá que caiu, caiu lá pelo chão.
Aí ele, vistoriando lá pelo mato, o Valdir, encontrou um negócio que fazia assim ó cau cau criiiiiii co cau rau cri cri cri cri.
(risos) Aí ele chegou: "Olha o que eu achei”.
Um negócio branco, aí cri cri cri, fazia aquela coisa, como se fosse uma sintonia, né? Aí eu me lembro bem que a gente era bem no meio do mato lá, a gente só ouvia falar em bomba nuclear, né? (risos) "Leva isso daqui que deve ser uma bomba nuclear.
Leva e joga lá onde tu jogou”.
E saiu correndo.
Aí, um tempo depois, eu vi um homem falando no avião com o mesmo negócio.
Era o rádio comunicador do avião que ele achou jogado lá para onde o avião bateu, né? Aí ((risos)) pra ver, né, como na época a gente era bem ingênuo, não tinha noção do que seria aquilo lá.
Ele jogou lá onde ele achou, pra lá.
E esperamos explodir, nunca explodiu a bomba nuclear.
(risos)
P1: O seu pai fazia o quê? Você falou que trabalhava numa firma, né?
R1: Ele chegou a trabalhar na Climatec, no ano de.
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acho que 1986 por aí, 1987.
1986 mais ou menos, 1987 por aí, o meu pai.
Trabalhava como auxiliar de alguma coisa, serviço assim.
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como é que a gente fala hoje? É.
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de apoio.
Serviço de apoio, né, porque o meu pai não tinha.
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não teve assim, não estudou.
Se estudou, foi só um pouquinho.
Era bom de Matemática, aquele que vendia, sabia o que tu tinha comprado, acabava de juntar: "Tu deve cem, cento e cinquenta, com trinta e cinco”.
Ele te falava logo o resultado, já estava.
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entendeu? Podia bater lá no que tu quisesse, já estava pronta a conta.
Era desse tipo de pessoa.
P1: E a sua mãe ficava.
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ficou um tempo em casa, mas aí?
R1: Aí depois, começou a trabalhar, até melhorou a nossa vida, que ela começou a trabalhar em casa de família.
Depois, inclusive, ela veio trabalhar aqui pra Vila dos Cabanos.
Nós, na época, nós.
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eu, por exemplo, a gente podia trabalhar, né, eu vinha aqui para a Vila dos Cabanos, era legal a gente limpar o quintal aqui, porque lá nós limpávamos o quintal, era capinado, muita terra, muita coisa assim, mas aquilo era normal, o mato mesmo, tchá tchá.
E um dia a gente veio roçar, limpar o quintal aqui.
Naquela época, se fosse hoje, a gente limpava em um dia o quintal, era quinhentos reais.
Hoje, né? Eu vou te colocar esse valor hoje: quinhentos reais, seiscentos.
Cara, pensa num dinheiro fácil que a gente ganhava! E a gente limpava dois quintais, três aí e ficava rico pro lado de lá.
((Risos)) Hoje seria você morar no Brasil e trabalhar onde? Na França? Que é o euro.
Entendeu? E receber o salário de lá e vir pra cá.
Tu é o bom da boca, entendeu? Seria tipo assim, a valorização daquela coisa.
P1: Vocês faziam isso?
R1: Era, a gente.
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eu gostava muito, a gente vinha pra cá, capinava.
Quando eu queria comprar um sapato bacana, depois que a gente pegou a manha, depois que a minha mãe também começou a trabalhar, aí: "Mãe, arrume lá, mãe” "Não, vocês são pequenos" "Mas a gente dá conta".
Valdir, eu e o Eliel.
A primeira vez nós viemos com o meu tio, tio __ (01:08:02), lá de Inhangapi, ele estava morando aqui, aí a gente capinou um quintal.
Então, muito dinheiro, tipo assim, um dinheiro fácil pra nós, que a gente estava acostumado a trabalhar na lavoura.
Eu ainda cheguei a torrar farinha, só eu e meu irmão.
Nós dois só.
Papai disse: "Ó.
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".
Ele fazia tipo um experimental, meu pai.
"Vão lá, Eliel e Nazareno, vão lá, já está tudo lá no retiro, torrem aquela farinha lá” “Mas, pai, como?" "Dê o jeito de vocês”.
É tipo: eu vou te entregar um carro aqui: "Toma, está aqui esse trator.
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".
Guincho, tal, pá mecânica.
Tu já dirigiu? Ainda não, né? Esse tipo de carro não.
Tipo assim ó: "Te vira aí, vai lá e faz isso aqui pra mim”.
Aí tu.
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e aí a gente foi, fez farinha, meu irmão e eu.
A gente ainda chegou a torrar farinha umas duas vezes, com o papai.
E a gente veio.
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então, pra gente, esse serviço aqui é um serviço muito, muito fácil.
Muito fácil.
Entendeu?
P1: A casa que vocês moravam, você mora até hoje?
R1: É, mas ela já teve.
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ela já migrou uma, duas, três, quatro, cinco.
Está em cinco formações, já.
Tira essa e faz outra, tira essa.
Entendeu? Mas é no mesmo lugar.
A gente continua no mesmo endereço.
P1: Mas como é que era, nessa época, essa casa?
R1: Quando a gente chegou pra lá, era casinha de palha, palha de inajá, ubim.
Ubim, um tipo de cobertura, não tem mais aqui, antes tinha, por aqui.
Eu acho que aquilo ainda é remanescente de índio, aquele tipo de cobertura.
Cavaco.
Que antes não tinha telha de barro, as casas em Barcarena, muitas casas eram de cavaco, ou seja, feita de pau, aí colocava um piquete ou um preguinho assim, ‘tic’, aí colocava como telha aquilo lá.
Ainda tem alguns lugares que existe isso.
Então, a nossa casa era de cavaco e de palha.
Inclusive, uma vez, o meu irmão e eu, os três brincando de fogo de boa noite, a gente tocou fogo (risos) na casa.
((Risos)) Pegamos uma vasilha plástica, uma garrafa de Qboa na época, que é bem velha essa marca.
Aí acendia.
Olha a brincadeira da época! Acendia fogo.
Aí meu irmão que ensinou.
Ficava perto dele, não podia ir pra longe, tu tinha que ficar próximo de quem está rodando o fogo.
Aí tu acendia o fogo, ficava todo mundo em círculo e aí rodava aquilo e aquilo ia pingando: tchu tchu tchu tchu tchu tchu tchu.
Se a gente se afastasse, podia pingar na gente, na barriga, como chegou a pingar em mim, no meu irmão.
Então, tinha que ficar perto de quem estava na vez.
E assim, um dia, no fogo de boa noite, um pingo desse foi, meu irmão deu na palha, tchu tchu tchu, que virou um fogo que a gente se virou lá pra apagar aquele fogo e não queimar toda a casa.
Que, além de palha, né, um tipo de palha, de cavaco, telha de madeira no caso, a casa ainda era toda de madeira.
De madeira, aí tu já viu.
Então, era assim a nossa casa.
E sempre foi de madeira.
Aí, a última agora que a gente tem, que já veio a ser de alvenaria.
Até porque, o meu pai trabalhava na serraria, trabalhava na serraria do ‘seu’ Zequinha, na Guajara da Serraria e lá, ele ainda foi acidentado.
O meu pai.
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aquelas serras grandes de cortar madeira, tronco mesmo, grande, eu acho que uma serra de quase um metro de diâmetro, assim, aquelas serras, ele trabalhando lá, tirando as serragens, ligaram, não o viram, aquilo foi e fixuuuuu.
O pegou, assim, daqui da costa, até aqui, assim.
Minha mãe dizia que ele ficou no hospital em Belém, eu me lembro bem, Beneficente Portuguesa.
Ele ficou lá e mamãe dizia que via dentro dele assim, tum tum tum, tum, tum, batendo, coração, tudo mexendo dentro dele, assim.
Só faltou debandar, mesmo.
Mas aí, depois disso, ele voltou, ficou normal, sem sequelas, né? E ainda nasceu o meu irmão Marinho, Jamiel, depois disso aí.
E depois disso ainda, eu me lembro que o meu pai calculava ter um filho que nascesse no dia dele, no dia dele, dia que ele completava ano.
Nasceu no mês, mas completa ano em uma data e o papai completa noutra, mas é do mesmo mês de março, os dois.
O Marinho.
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O nome do meu pai era Marinho Monteiro da Conceição e o meu irmão é Marinho Muniz da Conceição.
É o antepenúltimo.
P1: Como é que é você, nessa escadinha de irmãos aí?
R1: A minha colocação? Eu sempre falo que eu sou a segunda etapa.
Nós somos da segunda etapa.
Na segunda etapa tem a Silvia, o Valdir, o Nazaré, eu sou o quarto, na segunda etapa.
Contando de cima para baixo, eu vou ser o décimo segundo.
É.
São oito, então eu vou estar na escala aí em décimo segundo, por aí, décimo terceiro.
P1: Na casa, todo mundo junto?
R1: Não, não.
Oito, nós, os da segunda etapa, (risos) eles ficaram.
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nós ficamos todos juntos.
Aí veio para.
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que morou com a gente até a Socorrinho, aí depois foi estudar, morou com ‘seu’ Ribeiro, tal, já por causa do estudo.
A minha irmã Socorro, que era a protetora da gente, que é do primeiro casamento.
É a antepenúltima também do primeiro casamento do meu pai.
P1: Eu queria perguntar da sua escola, agora.
Você começou a estudar aqui em Barcarena Sede, né?
R1: Isso, em Barcarena Sede.
P1: Onde é que você estudava?
R1: Na Escola Aloysio Chaves.
Uma escola próxima de casa, uns trezentos metros de casa, assim.
Eu acho que comecei a estudar em 1983, 1844 por aí.
Lá no Aloysio Chaves.
Naquela época, a gente só entrava.
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só podia ir pra escola a partir de sete anos, né?
P1: Ah, é?
R1: É.
Aí eu fui, comecei a estudar a partir de sete anos ainda, quando eu fui começar e ter contato com a aula, essas coisas.
P1: Foi nessa escola que aconteceu o caso que você me contou?
R1: Sim.
Era lá que a gente.
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foi lá, no caso, que a gente fez.
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que eu fiz, naquela época, de primeira a oitava série, né? Foi tudo lá, no Aloysio Chaves.
Então, o Aloysio Chaves é referência de tudo que a gente bagunçou.
((Risos)) Porque todo mundo apronta na sala de aula, né, a gente aprontava na sala e fora.
P1: O que vocês faziam?
R1: A gente.
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nós jogávamos bola dentro da sala de aula, fora da sala.
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era a coisa de lazer, né? Qualquer momento, era momento pra brincadeira.
Porque, na verdade, se fosse pelo pai, a gente não ia pra aula, a gente ia com ele pra algum lugar.
"Ah, deixa o menino ir comigo, rapaz”.
Que ele não.
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tipo assim, ele nunca dependeu de estudo pra viver, entendeu? Seria tipo hoje, seria uma vivência nômade, né? Tipo assim.
Ele nunca dependeu de estudo pra viver.
Analfabeto, no caso, como eu falei antes.
A mamãe também já.
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tipo assim, já estavam naquela coisa assim, de que estudo era algo pra capacitar, mas.
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e também, naquela época, assim, ia usar em quê? Dentro do mato e tal.
Né? Era melhor a pessoa aprender a fazer alguma coisa, que se virava logo.
Né? Então, não era muito o foco do meu pai, o estudo.
Tanto é que, quando eu fiz.
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olha, eu fiz o meu concurso público, eu vi que, se eu fosse do jeito que eu sou.
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olha, hoje eu sou músico.
Por que eu sou músico? Que eu queria tocar, eu queria que a gente chegasse em algum lugar e ficasse brincando, né, no dia a dia e foi uma opção minha.
Então, como a gente não dependia desse estudo.
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eu lembro que quando eu fiz o segundo grau, que hoje é o ensino médio, né, aí eu pensei: "Vou já fazer um.
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vou tentar fazer um concurso”.
Aí eu andei pesquisando o que era que ganhava melhor.
E pesquisei, pesquisei.
Entre isso e fazer a.
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se eu ia estudar logo e ganhar, ou eu ia pra universidade: “Será que eu vou?”, tal.
O estudo era o compromisso de ter esse segundo grau na época, né? Aí eu fui e fiz o concurso.
Eu pesquisei tanto e eu fiz o concurso pra vigilância.
E eu novo, vinte anos, pra vigilância.
Os meus colegas até brincavam.
Hoje ele é.
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o setor de vigilância, com relação acho que a esse ensino médio, bem remunerado, pro que a gente trabalha pela prefeitura.
A gente não tem.
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não usa porte de arma, não precisa de arma, é aquela coisa presencial, né? Tipo um monitoramento e bem remunerado, com relação a isso.
Mas se hoje, se fosse hoje, eu fosse escolher fazer, pelo o que a gente.
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o que eu vejo a pessoa estudando pra ter algo, tendo que ter.
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mostrar diploma, eu acho que eu tinha feito pra professor e hoje eu tinha uma série de diplomas, porque eu tenho isso comigo.
Eu preciso de um instrumento, ele custa.
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tem um de três mil, de sete mil e tem o de dez, eu vou comprar o de dez, entendeu? Eu tenho isso.
Então, eu teria diploma em cima da mesa aí para.
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porque, quanto mais diploma, mais poder aquisitivo.
Entendeu? E eu teria um diploma.
Eu acho que eu investiria nisso.
Se eu ainda tivesse tempo de ficar na fábrica, eu falei que eu ia trabalhar uns cinco anos, quando eu pegasse a minha indenização, eu ia pegar e pagar um curso que ninguém aqui pudesse ter, ou que quem tivesse, fosse.
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entendeu? O topo.
Pra mim, passar cinco anos ralando e logo depois, bombar logo.
Então, essas aí são as coisas.
Então, naquela época, assim, questão do estudo, era mais pra não ser chamado de burro, né? “Ah, é muito burro”.
Porque não tinha bullying.
O bullying que nós tínhamos é só de fazer café, (risos) que era o nome.
Então, era essa coisa, pra não servir de chacota.
No meu caso, pra mim, na minha família.
Olha, as pessoas que fizeram universidade, no caso, a minha irmã, a Nazaré passou, eu nem fiz.
Estou com uma ideia de vida que, quando eu completar cinquenta anos, eu quero ver se eu consegui ((risos)) sem precisar ir pra universidade.
Se não, a partir de cinquenta, eu vou pra universidade, pra ter o diploma.
P1: Você teve algum professor ou alguma história que te marcou, nessa escola?
R1: No Aloysio?
P1: É.
R1: Sim.
Sim.
Olha, o Aloysio, é.
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histórias na escola, assim, que marcavam a gente, eu vejo assim, os nossos jogos internos, né? O nosso amigo Professor Batista, ‘seu’ Dudu, que são aquelas pessoas.
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os primeiros moradores daqui, né, que trabalharam lá, que marcaram muito no dia a dia da gente.
Dentre muitos amigos, um amigo que eu não esqueço, o Dênis.
Entendeu?
P1: Por quê?
R1: Porque parece que, no meio de toda aquela equipe, que eu era tipo o irmãozinho dele.
Ele morava próximo da escola, chegava aquele horário, aí: "Bora”.
Eu já sabia.
Ele ia me buscar onde eu estivesse no meio da equipe, eu deixava tudo, a bola, aquela brincadeira que eu gostava e, com ele eu ia, pra gente ir lá na casa dele.
Chegava lá, parece que eu era o outro neto da senhora também, entendeu? Então, o Dênis é um colega assim, que eu não esqueci, parece-me que a gente.
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parece que eu ainda estou naquele momento lá de 1985, 1986, entendeu? Parece-me que nós dois ainda somos aqueles dois coleguinhas do dia a dia.
Como se fosse o meu irmão, o Eliel, né, que o Eliel, eu sempre falo no Eliel por causa do dia a dia mesmo, que nós éramos um com o outro.
Batesse em mim, ia brigar com ele; se brigasse com ele, ia brigar comigo.
Entendeu? Se um fosse levar alguns esporrozinhos por causa de alguma situação, o outro também levava, que estava junto, entendeu? Dificilmente um estava só.
Sempre estava os dois, Eliel e eu.
Então, esses são os momentos marcantes de lá.
O outro momento marcante, são as coisas que eu tentei fazer pra eu ver, que eu mesmo, na escola, assim, eu queria ver a minha capacidade, mas eu me avaliando, sabe? Como era que eu ia me avaliar? Alguém comentando algo sobre, mas sem saber que eu queria saber aquilo.
E aí, eu me lembro que eu comecei a estudar e um dia o menino passou e disse: "Caramba, menino grandão aí na primeira série com doze anos, cara”.
((Risos)) Aí eu fiquei pensando: "Ah, eu vou passar de todos eles agora”.
Aí eu comecei a estudar.
Estudava.
Aí não queria saber, eu queria só tirar dez, dez, dez, dez, dez, dez, só tirava dez, dez.
O primeiro ano eu ganhei uma medalha de honra ao mérito da escola.
Aí, segundo ano, honra ao mérito; terceiro ano, honra ao mérito.
Aí acabaram os honras ao mérito.
Eu fui o aluno de melhores notas até a quarta série.
Aí depois me colocaram lá no sistema, pra eu ir de duas em duas séries, que era o supletivo, né? "Ponha, ponha que ele está atrasado, mas ele é muito.
.
.
".
Aí, quando eu cheguei lá na.
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mais adiante, tinha a questão, sempre a gente ouvia falar na redação, né? Professora explicou lá, pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá.
E eu era.
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e eu queria fazer redação e ter uma avaliação, pra ver se eu tinha a capacidade de descrever o que eu queria.
Né? E eu era.
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“Será que eu sou bom? Será que eu tiro nota por que eu estudo? Por que eu tiro dez, dez, dez?”.
Aí, um dia teve a redação, eu me lembro benzinho, pá, pá.
“Fazer uma redação sobre isso, isso e isso”.
Eu fiz a minha redação, valendo dois pontos.
Aí a professora pegou: “Senhor fulano de tal, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá: um.
Fulano de tal, um e meio.
Fulano de tal, meio ponto.
Fulano de tal.
.
.
”.
Rigorosa.
Foi todo mundo e eu fui ficando cabisbaixo, porque não chegou a minha vez.
Aí eu falei: "Caramba, eu só sei fazer o que já existe”.
Entendeu? Eu sou.
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.
“Eu só faço reproduzir”.
Mas eu imaginei que eu já sabia isso, que eu já tinha entendido.
Fiquei meio pra baixo, não ia sair mais meu nome.
Aí ela disse: "Gente, a redação que eu queria, era assim”.
E começou a ler a redação, pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá.
Aí eu: “Caraca, meu!” "Seu Nazareno, parabéns, dois”.
((Palmas)) Caramba! Fiquei muito alegre de pegar aquele dois daquela professora! Aí, quando chegou mais à frente, já no oitavo ano, teve outra situação, que um dia perguntaram pra professora: "Professora, me diga uma coisa: assim, assim, assim.
Quem é inteligente?".
Que o nosso professor Antônio Miguel te dava aula de Inglês, aí de Português, ele te dava aula de Matemática, de Geografia, de História e não pegava nenhuma vez no livro.
Tá, tá, tá.
Ia ditando lá e a gente ia escrevendo e tal.
Aí um dia eu tive uma ideia, avaliando o meu professor.
"Será que ele sabe mesmo?".
Antônio Miguel.
Peguei, ele lá: “Ponto”.
Eu: tic tic tic tic tic tic tic.
Aquela história da Revolução.
“Ponto.
Vírgula”.
Tu tu tu tu tu tu.
Aí eu só comigo: “Se ele souber mesmo o que ele está falando”.
Um trecho de umas seis linhas ou sete, coisa assim.
Aí eu fiquei: “Professor.
.
.
”.
Que eu queria testar se ele sabia o que.
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.
se ele tinha decorado aquilo ou se ele sabia mesmo.
“Oi” "Professor, eu me atrasei aqui" "Certo.
Você se atrasou?" “Foi”.
Pensei que ele ia dizer: "Copia de alguém".
Ele falou: "Tá, você precisa me falar onde você parou" "Eu parei ali, ponto" Aí ele começou.
"Porque isso, isso, isso, isso, isso, isso e isso, vírgula" "Caraca, no mesmo lugar” "Não, sei o que.
.
.
.
ponto".
Aí tá.
Tudinho, descreveu, parece que ele estava com o livro na mão.
Aí eu fiquei.
.
.
pensa num professor que era a menina dos meus olhos, assim, aquela coisa de brilhar quando eu olhava pra ele, o professor Antônio Miguel.
Aí teve uma prova lá que perguntaram quem era inteligente, quem tirava dez.
Ele disse: “Não.
De repente, o que tirou dez é inteligente porque é esforçado, mas aí você vai conhecer essa pessoa que tem técnica e conhecimento, na prova subjetiva, aí sim”.
Aí passou uma prova subjetiva.
Aí quando chegou na hora de dar pontuação: “Fulano.
.
.
”.
Cinco, né, a nota mínima.
Começaram a repassar as notas e tal.
Então, esses são os momentos marcantes que eu tive no Aloysio.
((Risos)) Pra mim, né? Aí: "Fulano de tal, sete e meio.
Fulano de tal, sete e meio.
Fulano de tal, oito.
Fulano de tal, oito”.
Pá, pá, pá.
“Quatro.
Quatro”.
Aí começou vermelha, né, nota vermelha.
“Três”.
Aí o pessoal olhava pra mim.
Tipo assim: “Puxa, cara! Tu?”.
Aí eu lá: “Poxa, meu Deus.
Poxa, logo com Antônio Miguel.
Tsi”.
Aí ele explicou, passou, explicou pra todo mundo.
Depois ele disse: "Gente, o que eu queria era isso aqui, olha".
Começou ler.
Quando ele começou ler, aconteceu que nem no ano atrás.
Aí eu: "É a minha! Essa daí é a minha.
É a minha".
Aí leu, leu, leu tudinho e depois ele falou: "Gente, era isso aqui que eu queria, gente”.
Entendeu? “Parabéns, Nazareno.
Dez”.
Aí ele fiiiiiiiu.
O resto é só diploma que eu preciso conseguir.
((Risos)) Mas é só querer.
Entendeu? Então, esses são os pontos legais da aula, do estudo.
E eu acho que isso aí, ele me deixou bem feliz com o meu ego de conhecimento, entendeu?
P1: Agora, você tinha muita.
.
.
vamos pra outra parte, assim, né?
R1: Uhum.
P1: Vocês tinham rádio ou TV? Ou vocês tinham acesso?
R1: Primeiro era tudo rádio.
Rádio.
Aí depois veio a televisão, na época do Jaspion.
A gente ficava aquele.
.
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inclusive, na casa da Dona Domingas, que era a parteira, tinha duas televisões.
Antes, eu não sei, tinha muito isso: duas televisões numa casa, uma dava a voz, outra dava a imagem.
((Risos)) Você vê, né? Aí como acho que não tinha o técnico, aí sempre tinham duas televisões: uma dava a imagem e uma dava a voz.
Uma pra cada coisa.
E a gente.
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a nossa comunicação era o rádio.
Tanto é que, um dos cantores que eu gosto muito é o Roberto Carlos, que eu escutava sempre.
P1: Ah, é?
R1: É.
Na época que era sucesso a Lady Laura.
Eu me lembro que.
.
.
isso aí deve ser em torno de 1979, 1980, porque o meu pai sempre escutava essa música.
Quando ele ia sair pela madrugada, ele acordava e eu dormia com ele em algumas vezes, aí ele ligava o rádio, fazia o café, aí estava tocando Roberto Carlos.
Música de Roberto Carlos.
Então era.
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a comunicação era pelo rádio.
Tinha um programa que a gente ouvia muito, que a pessoa dizia.
.
.
era o “Alô, alô interior”, Almir Silva.
Eu acho que quem é paraense deve lembrar, que ele dizia: “Atenção.
.
.
”.
Se fosse hoje, né? “Atenção, Nazareno Muniz”.
A pessoa, quando queria dizer que ela vinha pra cá, pra esse lugar, ela ia chegar tal hora, ela mandava um abraço pelo programa e ele mandava: “Fulana de tal está informando que a tua entrevista vai ser às nove horas lá, em tal lugar.
Alô, Alô interior”.
Dava aquele alô pra pessoa.
E aquilo ali era acompanhado, muito.
Então, era.
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assim que eram as informações.
Patrulha da Cidade, essas coisas assim.
Eu tenho até uma música que eu falo um pouquinho sobre isso aí, sobre essas.
.
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sobre como era antes.
Sobre a nossa vida, a nossa comunicação, essas coisas assim.
Falta gravar, mas ela já está pronta, a letra.
Entendeu? Aí, então era assim a comunicação.
Aí depois de muito tempo ((estalando dedo)) chegou a energia, aí o meu pai comprou uma televisãozinha pra gente.
Já não sei em que ano aquilo.
P1: Vocês ouviam jogo no rádio também?
R1: Era o jogo.
“E a bola vai passando pela ponta direita, não sei o que, não sei.
Tira a tinta da trave”.
Ainda escutei.
.
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aquilo acho que era Copa de 1980, 1982, eu não lembro.
Tinha Waldir Peres, Leão.
Ele deve saber.
((Risos)) Valdir Peres, Leão, uma galera assim.
Zico, acho que talvez nessa Copa.
Eu sei que em 1982, porque em 1986 eu já assisti a Copa do Mundo que foi no México.
Assisti na televisão, já.
Brasil saiu, parece-me, pra França.
Galinho de Ouro, Zico.
Entendeu? Eu já tenho bem essa lembrança, que eu já tinha onze, doze anos.
E eu já assistia na televisão colorida.
Também, eu me lembro que a televisão colorida, que aqui eles colocavam uma televisão com.
.
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aí preto e branco, o colorido era um.
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tipo uma tela colocada na frente da televisão, que ela era tipo um arco-íris, aquelas cores, entendeu? Aquilo que era o colorido da televisão, que perpetuou aqui um bom tempo.
Aí teve gente que relembrou isso aí, tem uns que não lembraram.
Acho que fui uma exclusividade também, de lembrar disso.
P1: Que mais você assistia na TV, ouvia no rádio?
R1: O rádio era.
.
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a gente sempre escutava era Patrulha da Cidade, ((assoviando)).
Aí Patrulha da Cidade, que era tudo quanto era notícia e tal.
Esse programa “Alô, Alô interior”.
Nós não, que era o papai.
O rádio dele era à parte.
Então, a gente ouvia o que ele estava ouvindo.
E já na televisão, a gente já assistia.
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eu sou da época do Spectreman, Ultraman, aí Pica-Pau, Tom e Jerry, Mickey Mouse, Polegar, que é antes de mim um pouquinho.
Tipo assim.
Esses desenhos aí que a gente assistia na nossa época.
P1: Você torcia pra que time?
R1: Comecei torcer pro.
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primeiro pro Flamengo, em 1986.
Copa União, tempo do Renato Gaúcho no Flamengo.
Aí, em 1982, eu comecei torcer pro Paissandu e eu sou torcedor do Paissandu.
Aliás, eu sou torcedor do Paissandu e do Remo.
Paissandu ganhar, pro Remo perder.
Esse é o meu ditado.
((Risos)) É assim.
Aí não tem jeito.
É.
.
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Até aí.
O Flamengo foi o primeiro time que eu torci.
Torcia e comecei torcer.
Gostava do Zico e tal.
Eu fiquei apaixonado pelo Flamengo, até na época do Bebeto.
Aí do Bebeto, depois do Bebeto.
.
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aliás, depois que eu vi a Copa do Mundo ser ganha pelo Brasil, aí o olhar passou a ser técnico.
Entendeu? Eu assisto um jogo, mas eu acho que fulano de tal não merecia ganhar, porque não está bem, o time tal era pra ganhar.
Entendeu? Só o Paissandu que eu ainda sinto assim, aquela coisa de coração ainda.
Entendeu? Tipo assim.
P1: Teve algum jogo que te marcou, assim? Da seleção, do Flamengo ou do Paissandu?
R1: Ó, do Paissandu foi a Copa dos Campeões, quando ele foi campeão em cima do Grêmio, que o Paissandu foi pra lá, parecia, assim, que tinha que reverter um resultado parece-me que de três, três gols, contra o Cruzeiro lá dentro, em Minas, muito difícil, Cruzeiro um time bom, é um time bom.
E o Paissandu conseguiu vencer.
E o outro jogo marcante, eu acho que a decisão da Copa do Mundo mesmo em 1994.
Romário, Bebeto.
Aquele gol do Bebeto contra a Holanda de voleio, aqui, ó.
Uma maravilha.
Esses aí são os jogos, assim, que eu tenho mesmo.
Agora, o jogo da minha vida, é porque eu comecei torcer ((riso)) em 1992 pro Paissandu e em 1992 eu comecei a torcer pro Palmeiras.
Torcia pro Palmeiras por causa que o São Paulo ganhava tudo, aí a gente começa a torcer pra alguém, né? Tipo buscando um herói pra combater aquilo ali.
E eu comecei torcer pelo Palmeiras.
Aí teve um jogo que Palmeiras e Vasco, estava assistindo meu irmão e eu, o Eliel.
Como sempre, a gente junto e tal.
Aí o Palmeiras fez três a zero no Vasco.
Romário no Vasco.
E aí.
.
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então é um jogo que, realmente, se eu for observar, o jogo marcante da.
.
.
decisivo pra mim.
Aí o meu irmão.
.
.
eu comecei: “Bora, Vasco! Te puxa”.
Já tirando, ironizando com o Vasco.
Aí ele virou pra mim, o meu irmão e disse: “É, Nazareno, tu é vascaíno ou tu é palmeirense?” “Por que, Eliel?”.
Me dando aquela zoada forte mesmo.
“Porque tu.
.
.
”.
Aí ele falou: “Porque tu está falando pro Vasco ir pra cima”.
Eu disse: “Sim”.
Fiquei meio irado.
Eu falei: “Olha, se o Palmeiras perder esse jogo aí, eu não vou mais torcer.
Pro Palmeiras eu não vou mais torcer, porque eles estão brincando.
Parece que estão fazendo com que o Vasco vire o jogo”.
Falei: “Se isso acontecer, é brincadeira isso.
E já tiveram a chance de fazer mais uns três gols aí.
Então, a partir de hoje, se ele perder, não tem mais torcida.
Não sou.
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.
não vou mais torcer pra isso aí.
Vou torcer só pro Paissandu”.
Falei assim mesmo.
Falei sério mesmo e o Romário conseguiu fazer três gols: um de pênalti.
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.
fez um, aí fez um de pênalti e fez mais um.
Aí foram, parece-me, pros pênaltis, o Vasco ficou com o título.
E aí, de lá.
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que esse jogo foi decisivo.
Pode estar aí jogando, eu não ligo mais, nenhum dos dois, é só o Paissandu, mesmo.
Entendeu? Então, os times do coração mesmo que eu tinha era o Flamengo, que o Flamengo era prioridade.
Agora é Paissandu.
P1: E o rádio, de música você ouvia o que, além do Roberto Carlos? O que vocês ouviam nessa época?
R1: Ali toca o que.
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Era o toca tudo, né? No rádio.
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eu tinha o meu rádio.
Eu tinha o meu rádio.
A gente.
.
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eu comecei ouvir.
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na época, eu não sabia, mas RPM, Paralamas, Legião Urbana.
Eu acompanhava: “E há tempos são os jovens que adoecem” ((cantando)).
Escutava tudo pelo rádio.
Não tinha hoje a facilidade que a gente tem, né, de falar um pouco da música, já está lá, não.
Era no rádio e tinha que estar ligado ali.
Tinha as dez mais de tal programa, a gente escutava lá.
Aí ela estava entre as dez daqui, então ela vai estar entre oitava e décima na outra rádio.
Trocava daqui, já ia pra outra.
Então, no rádio, tinha também o Clip Show, né, na televisão, que era Clip Show parece, que sempre passava as dez mais da.
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as dez músicas.
E aí eu sempre.
.
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era sempre assim.
O rádio era pra isso.
O rádio era tudo.
O rádio era tudo.
P1: Alguém lá tinha vitrola também?
R1: Não, em casa não.
Tinha no vizinho.
Eu até imitava a vitrola do vizinho, quando era pirralho.
Eu ganhava muitas coisas das pessoas, né? Que eu imitava.
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eu aprendi a imitar Pato Donald, eu tinha uns oito, nove anos, aprendi imitar o Pato Donald.
((Imitando)) Aí os desenhos que ia passando na televisão, eu aprendia.
Eu aprendi a voz do Corujita, Pateta, ((imitando)) e ia aprendendo quase tudo.
Fazia um bocado de estripulias por lá.
E, na coisa assim, da.
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eu até perdi um pouco o foco assim, rapaz, de onde eu estava.
Eu acho que a lembrança fez eu ir.
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((riso)) embora do meu raciocínio, né? Do que eu estava falando aqui.
P1: Da vitrola, né?
R1: Era.
Aí sim, aí eu imitava isso.
Aí eu imitava as coisas e tal.
Aí eu me lembro que a vitrola, cantava lá assim ó.
.
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eles gostavam de ficar perto de mim: “Nazareno, como é que é a vitrola do fulano de tal faz?”.
Aí eu cantava: “Hoje a noite eu vou sair, no meu carro por aí” ((em slow)) Eu acho que ela perdia a rotação e voltava, né? Devido pilha fraca, essas coisas.
Aquela pilha grande.
Aí eu sempre estava.
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mas em casa eu não tinha.
Quem tinha era o.
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próximo de casa era o Manoel, tinha uma vitrola.
Meu cunhado também tinha, abria, colocava o disco, mas em casa não tinha.
Quem já foi ter essas coisas já, foi eu.
Comecei a trabalhar e tal e comprei, rádio, comprei gravador.
Agora eu vou contar uma coisa pra vocês que.
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como eu era - como eu ia falando - por causa de música.
Tinha doze anos, aí a minha irmã tinha um gravador, tinha o deck da fita, tempo da fita.
Aí eu adorava estar ligando e cantando a música.
Eu cantava, acho que era uma fita.
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aquilo deve ser italiano, não sei.
Cantava: “Quando digo que te amo seriamente”.
((Cantando italiano)) Aí eu ficava cantando, clonando aquela voz do cantor, imitando e tal.
Aí eu ficava.
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gravava e tal, ouvia.
Se tu me desse uma fita, aquilo era uma alegria.
Eu ia lá, limpava e ficava brincando.
Aí, um dia, ela disse assim, minha irmã.
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tem Nazareno e Nazaré.
Nazaré é mais velha que eu.
Falou: “Nazareno.
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” - e eu era meio machista, ((risos)) meio bravo com relação a qualquer situação - “Nazareno, deixa eu te vestir de mulher?” “O quê?”.
Queria briga.
Aí: “Não, pode sair daqui.
Eu vou te dar-lhe uma porrada”.
Daí ela disse assim: “Tsi, deixa.
Então deixa eu colocar o meu biquíni em ti, que eu quero ver como é que fica” “Não, não, não.
Pode sair daí”.
Ela ficou assim.
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“Eu te dou meu gravador”.
Aí eu: “O gravador?” “Sim”.
1986, aquele ano lá 1985, 1986, o ano.
Eu fiquei assim, cara.
“Não.
Não quero”.
Mas eu queria, cara.
Aquilo era mesmo que tu dar um carro pra mim: “Toma esse carro aí”.
Aí eu fiquei pensando: “Poxa, ela vai só me vestir, está só a gente dentro de casa, só ela e eu”.
Né? “Tu me dá, mesmo?”.
Ela pegou assim, colocou na minha mão.
Propina.
((Risos)) Aí: “Está beleza.
Está ok”.
Aí ela.
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como era.
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eu pensei: “Poxa, agora eu vou ter o meu próprio gravador, né? Vou ficar com ele em qualquer lugar, andar com ele, vou gravar, vou cantar”.
Fiquei muito alegre.
Aí ela me vestiu.
A gente dentro de casa fazendo as coisas, arrumando a casa e tal, passando pano.
E eu lá dentro de casa.
Me pintou.
Mas me decorou legal.
(risos) Aí, quando eu vi, em algum momento lá: toc, toc, toc, toc, toc, toc na frente de casa.
Aí eu fui.
Quando cheguei, olhei pela fresta assim, uma menina que eu admirava, sabe? Eu estava na época de querer, já, namorar eu acho, doze aninhos.
Caramba, chega deu nervosismo.
Aí eu fui, abri a porta.
A casa tinha um assoalho assim, dessa altura, sabe? Um metro, mais ou menos, de altura do chão de tábua.
Aí eu: “Oi” “A Naza está aí?”.
E eu lá.
Mas não gostando, sabe? Aquela pessoa me olhando como se eu tivesse com alguma coisa, sujo, sei lá.
Aí: “A Naza está aí?” ((risada abafada)).
E eu calado.
“Está” “Chama ela aí, por favor”.
Aí eu ia virar de costa, caramba, cara, quando eu me olhei com o sutiã, a.
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como é?.
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o biquíni, ainda estava enfeitado, ((risos)) tudo pra ganhar o rádio.
Ah, eu corri pra dentro de casa, chamei minha irmã, dei-lhe um soco, dei-lhe um chute.
Fiquei com vergonha, passei acho que mais de uma semana sem aparecer na frente de casa.
((Risos)) Tudo por causa daquela coisa lá.
Então, aquilo ali quem tinha um rádio, era algo.
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muita coisa, muito diversificado aquilo lá.
Muito moderno, né? E quem tinha um gravador? Que nem eu tinha agora.
Muita, muita.
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eu estava além dos outros.
P1: E você foi gravando você cantar?
R1: Era.
Eu treinava lá.
P1: O que você cantava mais? Você pode cantar pra gente alguma coisa que você se lembra?
R1: Eu gostava muito dessa fita, La Belle De Jour.
Porque eu me lembro que o meu cunhado tinha uma.
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eu não sabia que era La Belle De Jour o nome da música.
Aí eu cantava essa La Belle De Jour.
((Cantarolando)) Que ele tinha a fita, né? Oswaldo Montenegro.
Era as fitas que ele tinha, que eu peguei dele.
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ela me deu com tudo, eu ficava usando.
Escutando e treinava aquilo.
Aí depois que eu já fui.
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comprei já em.
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olha, dez anos depois, em 1986, em 1996 quando eu comecei a trabalhar, comprei o meu gravador, já pra gravar as minhas ideias, as minhas músicas.
Tanto é, que eu tenho o primeiro CD de.
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tipo calipso, né? Chacundum.
E já minhas músicas, autorias minhas, eu fui fazendo e tal, pra gravar.
Fiz um CD.
Esse CD, eu gravei até.
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fiz e consegui gravar até em 1992, 1994.
2004.
Aí gravei, já usando esse sistema aí já, de costume do meu gravador.
O meu gravador demorou uma temporada comigo, aí uma vez eu fui desmontar, pra limpar.
Não prestou mais.
((Risos)) Ficou só o rádio lá pra funcionar, o resto.
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conseguiu sobrar um bocado de peça.
Eles tinham um motorzinho, né, aqueles gravadores, né, que rodavam a fita e a gente tirava e colocava no barquinho.
Não sei se chegaram a fazer.
Colocavam, aí ligava numa pilha e xic xic, xic, xic, xic.
Aí brincava na água.
Foi pra que ele me serviu depois, as peças.
Pois é, então é isso.
Então, a nossa comunicação era isso aí.
A música que eu.
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a letra que eu fiz pra relatar isso, seria tipo assim ó: “Eu sou do tempo da luz de lanterna, da lamparina e do lampião.
A carne e o peixe eram embrulhado na folha.
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”.
Uma folha de mato lá.
“E a pampolha.
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” - é um tipo de planta - “dava brilho no sapato.
A babosa era o melhor shampoo, você, pra mim, era chamada de tu”.
Antes, era muito estranho eu falar “você” pra alguém.
Parece que não era confortável.
“Ê rapaz, tu vai ou tu não vai?”.
Era assim, só no “tu”.
“Você pra mim era chamada de tu.
Nossa mensagem era carta no Correio.
Pedia a benção pra Jesus abençoar, para a vida melhorar”.
((Cantando)) Tipo assim.
Então, essa música ainda vai vir, né? Então, são as passagens do dia a dia, das vivências, do tipo de comunicação que a gente tinha, a nossa energia, né, como era a lâmpada, a lamparina.
Algumas coisas eram tudo na bateria, pilha.
Entendeu? Tipo assim.
P1: Você pensava.
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digamos assim, como é que você começou a pensar na música pra profissão?
R1: A música, na verdade, isso aí está no histórico de música que a gente tem, que eu ia lá pra esquina de casa, tinha um colega, Edivaldo, que foi quem eu vi tocando, assim, violão próximo e tal.
Né? E eu fui descobrir isso com ele.
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tipo assim, isso era em 1992, o ano e eu fui descobrir isso com ele já depois de 1996, 1997, 1998, por aí, que ele repassou, assim.
Ele disse: "Ei, Nazareno, te lembra que nós ficávamos na beira da.
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lá na esquina lá?".
Naquela época tocava muito a música do Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo, Chrystian & Ralf, Chitãozinho e Xororó.
Aí, quando a gente se reunia, pra tomar uma e tal, assar uma carne, aí eu ia com o meu violão.
Só que, quando a gente chegava lá, ficava sem graça aquilo.
Muito sem graça.
Aí a gente ia: "Bora lá no seu Marinho?".
Era o meu pai, entendeu? "O que fazer lá?" "Bora pedir.
Bora lá com Nazareno.
Bora pedir ele vir pra cá".
Que era eu.
E aí chegava lá: "Seu Marinho" "Diga".
O meu pai sempre estava com aquele chapéu de palha não, de (massa? 01:53:23), tipo o cara do sertão, com cinturão, com canivete, uma faca, um isqueiro, cigarro.
Chegava lá com ele: "Seu Marinho" "Eu".
Ele era assim.
Bom, ele era bondoso, mas era assim, a resposta dele era só assim.
"Eu.
Diga" "Seu Marinho, o senhor deixa o Nazareno ir pra ali, ir lá na esquina comigo?".
O Edivaldo, Edivaldo que sempre ia lá.
E papai gostava do Edivaldo, que ele era um rapaz bacana, educado.
"Tá.
É contigo, Edivaldo?" "É" "Ó, cuidado com o meu branco velho".
Se fosse outro: "Meu preto velho", tipo assim, né? "Cuidado com o meu branco velho.
Cuidado com o meu filho, rapaz, praí" "Não, seu Marinho, só ficar ali com a gente".
Aí eu gostava quando eles iam me buscar.
Aí eles preparavam o meu lanche, refrigerante, as coisas pra mim, aí eu ficava lá.
Aí eles tocavam "Trin".
Aí eu: "Deixa ele começar.
Canta aí, Nazareno.
Bora ver se tu consegue isso aqui".
Aí eu: "Invés de você ficar pensando nele".
((Cantando)) Eu começava no meio deles lá: "Invés de você viver chorando por ele".
Aí que eles entravam junto: "Pense em mim, chore por mim".
((risos)) Mas como eu estava alinhando) eles iam pelo rumo: "Vida, a vida virou, a roda girou".
((Cantando)) Cantando lá com eles, brincando, né? Aí eu me divertia, que ele adorava que eu tivesse lá, ainda me dava umas moedas, eu ia embora pra casa muito feliz.
Me divertia, brincava, lanchava, coisa que era raro ter assim e eu ia embora.
Aí ele disse: "Ei, a gente já sabia que tu cantava, rapaz.
Te lembra quando a gente ia te buscar na tua casa? Tu acha que era era fácil encarar o Surucucu?".
O apelido do meu pai era Surucucu.
"Não era fácil, não, ir lá com ele.
Eu ia porque ele gostava de mim.
Tu não via, quando era outro, ele não deixava?" "Aham" "Pois é, a gente te trazia".
Aí a gente: "Não, a gente paga um lanche pra ele, ele fica aí com a gente, a gente o vai colocando no meio da música, sem ele saber".
Entendeu? Então, foi assim, eu acho, que se deu a música.
Mas desde criancinha eu já cantava, eu acho, já interpretava.
Aí, um dos grandes.
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olha, eu tenho uma grande coisa na música, que eu cantava e ‘pá, pá’, aí o Mestre Vieira chegou lá em casa.
Eu sempre fui fazendo alguma coisa assim.
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como é? O serviço do dia a dia, coisas do dia a dia, vou aprendendo.
Atualmente, eu aprendi soldar, fazer grade.
Eu consigo.
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já estou conseguindo, já.
Lá em casa mesmo eu aprendi, assim.
Eu consigo soldar, fazer grade.
Eu sou meio carpinteiro, pedreiro, entendeu? Se eu for construir uma parede, eu reboco, eu faço, eu faço forro, tudo.
Eu gosto de estar fazendo isso aí pra mim mesmo, alguém chega: "Quem que fez isso aqui?" "Fui eu" "Ah".
Entendeu? Antes eu desenhava, eu pintava, abria a letra.
Aí, Vieira, o Mestre Vieira, da guitarrada, o Rei da Guitarrada, foi lá, um dia ele me encontrou, ele disse: "Ei, Coisinha".
Ele tinha o negócio de chamar a gente de Coisinha.
"Coisinha, rapaz, eu vi tu cantando, rapaz, naquela banda".
Era uma bandinha da igreja.
"Eu vi tu cantando naquela banda, rapaz.
Eu gostei de ti.
Eu queria que tu fosse cantar lá com a gente".
Aí um dia eu fui lá, olhei, tinha uns dois ou três cantores lá.
Né? Aí eu achei assim que eu não dava conta.
Aí fui embora de lá.
Assim, eu fui lá sem ele me ver.
Aí outra vez ele me encontrou de novo: "Ei, quando é que tu vai lá, rapaz, cantar com a gente?".
Aí eu: "Tá, eu vou lá, ‘seu’ Vieira".
E ele me conhece desde lá de quando a gente chegou em Barcarena, que morou próximo do Êxtase, que eu tinha falado antes, desde lá de lá eu ia ver o ensaio da banda dele.
E aí uma vez, duas vezes, uma outra em 1998, acho que foi no mês de abril, mais ou menos, eu estou tecendo tijolo na casa que eu tenho, tuc tuc tuc tuc tuc, fazendo lá o meu serviço ‘pá, pá’, quando eu vi, aquilo parou bem atrás de mim, aquela bicicleta, assim.
O Vieira andava na bicicleta.
Chegou lá: "Ei".
Aí eu virei assim, o ‘seu’ Vieira, o Mestre Vieira, né? "Ei, ‘seu’ Vieira".
Eu sempre o chamei de ‘seu’ Vieira, ‘seu’ Vieira.
"Ei, ‘seu’ Vieira".
Ele disse: "E aí, rapaz? Tudo bom?" “Está bom, senhor".
Aí eu disse assim: "E aí, ‘seu’ Vieira?" “Está bom, rapaz.
Tu falou que tu ia lá, esperei tu, tu não foste, rapaz.
Como se diz".
Que tinha o ditado de "como se diz".
Eu disse: "Tá, seu Vieira, eu vou lá".
((assoviando)) Assim que ele ficava assoviando, ele.
((Assoviando)).
Aí: "Tá, seu Vieira, eu vou lá com o senhor".
E continuei o meu serviço.
E eu olhei, ele lá parado na bicicleta.
Desceu da bicicleta, ficou escorado ali.
Falei: "Eu vou lá, ‘seu’ Vieira".
((assoviando)) "Tá.
Está bom".
Aí: "É tu mesmo que está fazendo essa casa?" "É" "De quem é essa casa?" "É minha" "Uhum.
Ainda vai demorar?" "Não, falta pouco.
Vou tomar banho e vou lá".
Aí virei de novo, o ‘seu’ Vieira lá.
"Ih, rapaz, o ‘seu’ Vieira ainda está aí?".
Parei, né? "O Mestre está aí, meu irmão".
Parei, fui lá.
"Pois é, ‘seu’ Vieira, eu vou lá".
Ele diz: "Tá.
((assoviando)) Eu te levo".
Meu irmão, chega a perninha.
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((risos)) Pois ele me esperou e me levou pra ir lá na casa dele, pra ver lá, mostrou tudo lá.
Eu sabia já como era e comecei.
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fui lá também, né? "Trouxe ele aqui, rapaz.
Ele tem a voz boa pra cantar com a gente, tal.
Wilson, ensaia com ele aí pra gente levar ele lá.
A gente vai tocar em tal lugar".
Daí, quase eu morro do coração.
Então, essa aí é uma das coisas da música, boa.
E a outra vez foi quando ele foi: “Nazareno, a gente.
.
.
”.
Ele tinha feito fotos pra fazer um CD.
Eu sempre olhei isso só como algo normal assim, fazer esse sistema, né, na Casa da Música.
Aí a gente tinha feito foto, veio pro Caripi, bateu foto com a equipe, com a banda, com quem ia cantar, com os cantores e tal.
Aí veio a guitarrada: "Vem dançar merengue, iá, iá".
(((Cantando)) Só ele, só apareceu só a foto da guitarra, só o Vieira.
Sucesso do caramba.
Quando foi que eu entrei lá pra banda, aí passado uns dias, ele disse: "Ó Nazareno, a gente vai gravar CD Lambadão do Vieira e tu vai ser o cantor" "Tá.
Está bom".
Aí passou, passou.
Eu sempre fazia assim: ele ia passar em casa, eu marcava o horário com ele, no horário que ele ia não dava pra eu ir, entendeu? Nunca dava ((risos)) pra eu ir com o Mestre Vieira.
Eu estava querendo assim que ele arrumasse outro, sabe? Não via por quê.
Aí um dia ele chegou e disse.
.
.
ele marcou, por exemplo, pra passar pra gente ir pra Belém, era na Digirecords que a gente ia gravar, lá na Ó de Almeida.
Aí: "Nazareno, amanhã, sete horas, eu passo lá".
Aí eu tirei uma de dormir até sete horas.
“Quando ele passar, eu não estou pronto, ele vai arrumar.
.
.
".
Daí ele parou lá no carro.
Aí eu botei: "Ei, ‘seu’ Vieira".
Eu já estava acordado desde cedo, porque a ansiedade não me deixou dormir, né? Mas eu estava fugindo da raia.
Aí, ‘seu’ Vieira apareceu lá na frente, aí: "Ei, Nazareno".
Eu disse: "Oi, ‘seu’ Vieira" "A gente vai pro estúdio, né?".
Eu disse: "Ah, ‘seu’ Vieira, eu ainda nem tomei banho.
Eu vou.
.
.
eu vou.
.
.
quando é que o senhor vai de novo?" "Eu vou amanhã" "Pois é, amanhã eu vou" "Não, toma teu banho lá".
‘Seu’ Vieira me esperou.
Não que eu fosse bom num nível, não, não.
Eu acho que é divino, mesmo.
Eu tinha que estar contando isso, né? E aí ele me esperou, como quem diz assim: "Não, tu vai".
Esperou eu tomar banho, me arrumar.
“Não, não tem pressa.
A gente vai.
Quando tu tiver pronto, a gente vai".
Aí ele me levou, aí eu gravei o Lambadão do Vieira com ele.
Foi em 2002, eu acho que eu vi o CD.
.
.
o CD saiu em 2004.
Eu que canto.
Aí, depois disso, surgiu até um tom meio assim de inveja, não sei, de brincadeira, todo mundo: "É, o Nazareno agora é profissional, gravou CD” e tal.
Os colegas que iam gravar antes, que não gravaram, que ele achou melhor não.
E eu, que não queria, consegui.
Assim, eu não queria não, eu não tinha pretensões, né? Então, a música, pra mim, é natural.
Natural.
Hoje eu tenho, pra vivência de barcarenense, essa coisa da composição, pra eu estar inserido, ser conhecido no município.
.
.
eu ainda não fiz muita divulgação.
Já gravei dois CDs e ainda não divulguei nenhum, não divulguei nenhum.
O meu CD já foi usado aqui no Elite, no Aloysio, São Francisco, Marcos Martins.
Eu ainda não lembro do Eduardo Angelim, que fica lá atrás, se já foi usado alguma vez.
Então, ele é.
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eu fiz o primeiro CD, que é tipo Sayonara, CD calipso, de um breguinha que a gente fala, né, aqui é o brega e o outro que eu fiz de carimbó, né, na música.
Esse primeiro CD que eu fiz de carimbó, eu trabalho parte das lendas e mitos, que é o que é usado, que são as coisas usadas nas escolas, no folclore, na semana de Arte.
Então, eu fiz esse trabalho, que é pra ele ficar enraizado, que aí não tem como não.
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a gente não ser lembrado, né? Foi a minha mídia.
Então, a gente tem bem conhecimento.
Tem muitos professores, muitos alunos que já falam com a gente, já.
Sem ser um trabalho mesmo de buscar essa divulgação.
Só fiz distribuir o material, né, esse conhecimento.
P1: Pode tocar uma pra gente desse CD de lendas?
R1: Posso.
P1: Se puder explicar depois.
R1: Toca e explica depois, ou como é?
P1: Pode ser?
R1: Eu tenho uma que.
.
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por exemplo, a da farinha, que eu disse que eu fiz farinha.
Eu fiz essa música a partir da conversa do meu pai.
Que o meu pai falava assim ó, pra minha mãe, ele falava assim: "Dina, eu vou colocar a mandioca na água pra fazer farinha e eu acho que eu vou convidar a comadre pra fazer de meia, fazer junto com a minha.
Aí é bom que ela tira da água, ela rala, ela faz tudo.
E aí a gente vai fazer".
Aí eu fiz:
"Coloquei mandioca na água
pra fazer minha farinha
e já convidei comadre
pra fazer junto com a minha
Tirar da água e ralar
colocar no tipiti
separar a tapioca
aparar o tucupi
Então peneira a moreninha
Então peneira a moreninha
Então, peneira, que é pra fazer junto com a minha
Prepara a lenha, que é pra acender o fogo
que é pra esquentar o forno
pra torrar essa farinha
Então peneira a moreninha
Então peneira a moreninha
Então, peneira, pra fazer junto com a minha
Prepara a lenha, que é pra esquentar fogo
que é pra esquentar o forno
pra torrar essa farinha.
Pode ser farinha fina
pode ser farinha grossa
Pra comer com o café, farinha de tapioca
Pra comer com o feijão
do jeito que tu quiser
Pra comer com açaí ou pra comer feito chibé
Então peneira a moreninha
Então peneira moreninha
Então peneira pra fazer junto com a minha.
Prepara a lenha, que é pra acender o fogo
que é pra esquentar o forno
pra torrar essa farinha"
O que eu criei aí foi essa peneirada aí, que é típico de quem faz a farinha e tal, pra dar o embalo musical.
P1: E veio com o seu pai mesmo, essa história?
R1: É, exatamente, foi o que ele relatava, né? Quando a gente ia fazer esse trabalho, torrar a farinha.
P1: Que lendas que você colocou nesse CD? Como que foi?
R1: Eu tive.
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.
essa música que eu fiz aí, essa primeira, essa foi a minha primeira música que eu fiz pra ser usada no folclore, porque eu fiz um CD, aí eu tenho essa música aqui ó.
.
.
vou ver se dá pra tocar:
"Quero ficar com ela
ela não quer aceitar
até diz que sou gago
e não consigo falar
Sei que eu não tenho nada
mas isso não vai apagar
Ah, se ela escutasse
ó o que eu ia falar:
Eu quero te fu.
.
.
eu quero te futuramente
dar-te uma fo.
.
.
dar-te uma fotografia"
Então, eu fiz o CD, essa aí é a minha última música, eu coloquei lá pra ter uma ironia no meio do CD.
E ela era uma das músicas mais tocadas, mais pedidas.
Então, com esse CD que eu fiz, que era tipo calipso: "Foi trancado naquele quartinho".
Uma música romântica e tal, com essa de dançar, né, que eu fiz, aí eu fui convidado como cantor da terra, pra participar aí pelas escolas e tal, feira de Arte, aí eu ia, mas aí era muito pedida essa música, Futuramente, que é: "Eu quero te fu.
.
.
".
O nome dela é Futuramente, é a décima música.
Ela e A primeira vez.
E aí já o meu colega cantava: "Quero falar agora da minha terrinha".
Que ele cantava os breguinhas dele lá, quando acabava, ele tinha uma música que tinha alguma coisa a ver com arte, com a cultura.
Que se bem que o calipso, isso aí é cultura.
Tudo o que se é cultivado, é cultura.
Mas tô dizendo assim do folclore, de arte, assim, arte que pode ser usada, que eu digo assim, né, educativa.
Aí eu: "Ah, vou fazer uma pra mim, pra quando eu cantar, eu ter algo pra mim falar, pra estar inserido nesse contexto".
Então, aí eu fiz essa primeira.
Aí depois eu olhei no painel, no painel, não sei se vocês já viram, tem um painel.
Aqui em Barcarena esse painel é assim: você tem Curupira, Lobisomem, Feira de Arte, Mula Sem Cabeça, a Cobra Grande.
Aqui em Barcarena você tem a Baleia, né? Vocês já devem ter visto a Baleia, Mestre Vieira e o Boto.
Aí eu peguei, eu fiz uma música pra cada coisa de lá e fiz uma música de tudo.
É assim.
.
.
deixa eu ver se eu acerto:
"Vamos falar agora de algumas lendas bem legais
O Saci é um moleque negro que tem uma perna só
brinca com o Curupira, que tem os pés pra trás
tenta ver as suas unhas, mas só vê os seus calcanhares
Vem a Mula Sem Cabeça ver a Iara que existe aqui
Nas lendas tem Cobra Grande, Cobra Norato, Mapinguari
E canta Matinta Pereira, sorria, pode cantar
Cuidado que o Lobisomem, em noite de lua, vai te pegar
E ver a canoa navegar
olha que o Boto pode se aproximar
de chapéu e roupas brancas, vem para me encantar
depois de lhe seduzir, ele volta pro mar
Essas são algumas lendas pra gente contar
que enriquecem a cultura do nosso lugar".
Essa daí é uma música que eu fiz todo o painel.
Agora, individualmente, aí eu tenho a do Boto.
Tem uma música que eu fiz pro Mestre Vieira, por quê? Porque as pessoas geralmente faziam homenagem ao Mestre Vieira e usavam a música dele: "(tãodãodãodãodão), ê Mestre Vieira".
Aí eu queria fazer uma homenagem pra ele, mas que as pessoas pudessem usar uma música pra ele e não dele.
Aí eu fiz a minha:
"O ritmo das guitarradas é do Mestre Vieira
Ele é de Barcarena e toca pra você dançar
Guitarradas daqui, ê, ô, guitarradas só lá
toca Mestre Vieira e faz esse povo dançar
Guitarradas daqui, ê, ô, guitarradas só lá
toca Mestre Vieira, pro Cuia Pitinga dançar"
O Cuia Pitinga é o meu grupo de carimbó, que eu tenho em Barcarena, CD gravado, aí tem essa.
Uma das músicas mais famosas que eu tenho, pela coreografia, é A Cobra Grande.
Ela é ainda hoje, né? Esse primeiro CD que eu fiz, ele não é um CD, assim, muito show.
Ele ainda não é show.
Ele é um CD com folclore cultural.
Ele é um carimbó pra ti ouvir, a criança ouve lá, eu faço um passarinho ((assobio)).
Eu faço tudinho aquela sonoplastia de trás, eu fui fazendo.
Voz do avô, da criancinha: "Ei, vovô, conte aí um pouquinho sobre a lenda do Boto?".
Aí: "Ah, meu neto, o Boto se transforma em noite de lua".
Aí fui fazendo tudo isso aí.
Lobisomem: uhhhhhhhhhhhhh.
Então, eu fui fazendo toda essa coisa, pra criança ter uma.
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pra pessoa ter uma imagem, né, do folclore, do que está acontecendo naquela música.
E ele foi um CD assim.
Agora, o próximo CD que a gente vai gravar desse critério folclore, né, ele vai ser um CD show.
Eu já estou estudando aqui como colocar no meio, vindo pro lado da música, né, do folclore e tal, no meio da música o tecno, a pessoa dançar junto, moderno, mas.
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e no lado dele tem um dançando carimbó tradicional, com aquela roupa, que tu vai ficar assim: “____ (02:13:25)".
Entendeu? Então, aí que eu quero mostrar pras pessoas a possibilidade de você estar fazendo isso no mesmo carimbó, entendeu?
P1: Tem alguma desse tipo que você pode tocar?
R1: O Meu Pará já vai ser assim.
Na verdade, é o estilo de som que eu já consegui.
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como.
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antes eu dançava.
Quando.
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eu não sei, eu acho que eu tinha essa fase aí de doze anos, eu aprendi dançar, a dançar com a.
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como é que a gente falava? Dançar agarrado, né? Com a parceira.
Aí as minhas irmãs - já são mais velhas - elas pagavam.
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P1: Volta aí pra "dançar com a parceira".
R1: Tá.
Eu sou, assim, da música, mas eu dançava.
Eu sabia dançar.
Eu aprendi dançar.
Então, as minhas irmãs descobriram que eu dançava.
Aí, as minhas irmãs bonitinhas e tal, todas gatinhas lá, aí elas me produziam.
(risos) O meu irmão ficava meio com raiva, porque eu ganhava tudo: era sapato, era relógio.
Pra eu ir, sabe? Elas me levavam, assim: "Papai, deixa o Nazareno ir com a gente" "Olha".
Que eu era de menor, né? Elas me levavam pra festa.
Chegava lá, eu dançava, dançava, dançava xote, eu dançava lambada, dançava o brega, que a gente chama de calipso, tudo eu dançava com elas.
Aí, uma largava, vinha a outra e dançava e as colegas, era.
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aí.
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entendeu? Elas já me levavam pra fazer isso.
Que senão os cavalheiros não convidavam pra dançar.
Então, como eu já tenho essa vertente aí da dança, aí eu já imaginei, eu já dancei.
Então, eu imaginei um ritmo, um sistema dentro do carimbó, onde vai estar o carimbó tradicional: tic tic tic tic tic tic tic tic tic tic tic e a outra levada que vai entrar o contrabaixo, uma bateria, que aí vai alinhar pra.
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quem dança carimbó vai conseguir se ouvir o carimbó tradicional e quem dança o tecno, que é o tecnobrega, vai conseguir ouvir também o que ele faz, lá naquele meio, entendeu? Agora eu não sei dizer com a boca como eu vou fazer isso.
A música que eu quero trabalhar, eu fiz ainda agora, é só o esboço dela que eu tenho.
É essa aqui ó, fazer uma parte:
"Eu gosto tanto daqui
do sabor do açaí
tabaca do tacacá
Eu gosto tanto da vida
despreocupada e querida
que eu levo no Pará
No mês de outubro a fé
no Círio de Nazaré
vou pagar minhas promessas
Quem vem no Pará não para
tem água doce e salgada
nas praias e igarapés
Tem brega, tem guitarrada
tem cobra grande encantada
No Pará tem carimbóóóó
Meu Pará.
Pará inteiro
Meu Pará.
E o povo brasileiro
Meu Pará, meu agigantado Pará"
Essa daqui vai ser o nosso próximo trabalho a nível de Pará e pro Brasil, né? Que aí.
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que o paraense, o brasileiro que está lá fora, ele vai.
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é pra ele entender que o Pará é do Brasil.
Né?
P1: Você pode tocar um brega que você tem, do primeiro CD?
R1: Um brega? Deixa eu ver se eu lembro.
Deixa eu ver se dá aqui.
"Foi.
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".
Esse aqui é o CD A Primeira Vez, a minha primeira música, a música que eu fiz, que é o nome do CD também.
"Foi trancado naquele quartinho
que ganhei os teus carinhos
Foi assim que tudo aconteceu
Foi a primeira vez
toda a minha timidez
eu deixei a guarda ao te tocar
Mas a verdade, não te esqueci
e ainda vives dentro de mim
Até parece que foi hoje que tudo aconteceu
Vou tentar, eu quero te reconquistar mais uma vez
Agora eu vou gritar
e todos vão saber o quanto te amei
Não dá pra esperar
eu vivo a chorar por causa de você
Não dá pra esperar
eu vivo a sonhar por causa de você
Vou tentar"
Essa é uma das músicas que eu fiz lá no primeiro CD.
P1: E você pode fazer pra gente a diferença entre os ritmos que você toca e falar um pouquinho disso?
R1: Os ritmos que eu toco?
P1: É.
Que são vários nesse instrumento, né?
R1: É.
Esse aqui eu estou.
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Bom, no estilo de.
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desse estilo aqui, eu toco cavaquinho, que é esse ritmo aqui ó:
"Eu já passei por quase tudo nessa vida
em matéria de guarida, espero ainda a minha vez"
No caso, esse aqui é o ritmo do samba, né, do pagode, ta tchá tchá tchá ta tchá tchá tchá tchá ta.
Aí, tem o ritmo da lambada, né, que é esse aqui: ((tocando)).
É um dos ritmos que a gente tem, que a gente tocou muito tempo também com Vieira e banda lá pegando, é um ritmo de lambada.
A gente tem um mestre de Igarapé-Miri, o Mestre Pinduca, que ele faz um carimbó, com a levada tipo da guitarrada, né, é um negócio bem legal, bem legal.
E já no caso, o meu, já fiz um carimbó com um pouco dessa lembrança da guitarrada, mas no estilo do carimbó tradicional, né, carimbó em corda.
Que antes eu tocava assim ó: ((tocando)).
A minha palheta era pequena.
Aí eu fui lá em Marapanim, procurei saber por que.
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eu fui lá com um banjo de pagode, bonitão.
Chegou lá, não chamou muito a atenção.
Olharam: "Ah, esse é de pagode, né?".
Aí eu olhei.
Esse estilo aqui é o tradicional mesmo, eles usam aqui cordas de número setenta, que faz esse som ó: ((tocando)).
Ele faz um som assim meio ((tocando)).
Não é muito estridente, aquela coisa agudinha, não tem.
São cordas setenta em todas as quatro.
Eu afinei como mi mesmo, com afinação do violão.
E eu fui em Marapanim, lá na origem lá, que lá tem muito grupo de carimbó, pra saber com o Mestre Neves como era esse sistema aí, mostrei pra ele como era que eu tocava.
Aí ele falou: "Ah.
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".
Eu perguntei: "Por que o meu não dá esse estalo 'tchá, tchá, tchá'? Esse o de vocês aqui ó ((tocando))".
Aí ele falou: "Ah, é a corda.
É a corda, é a setenta, de anzol".
Corda de anzol.
Que eu não tinha corda de aço, aí improvisava a de anzol.
Essas tarraxas aqui no caso desse.
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é um.
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tem um grupo de carimbó Pau e Corda.
Essas tarraxas aqui eram de madeira, eu tirei porque ele ia desafinando, né? Aí coloquei aqui essa original aqui já, aproveitando.
E, no caso, ele me ensinou tocar.
Mostrou como era o ritmo.
O ritmo é assim ó: ((tocando)).
Ó: ((tocando)).
Aí eu perguntei também pra ele como era que eu fazia pra ele dar esse estalo, aí ele me ensinou a usar palhetas grandes, que eu usava pequena, de violão, aí ela escapole e dá isso aqui ó: ((tocando)).
No carimbó, que, no caso, eu continuo cantando tudo.
Eu tenho um ditado: tudo errado.
É o resumo da conversa.
(risos) E aí, eu continuo tocando.
As pessoas pensam que eu parei de tocar outra coisa, só toco carimbó.
Tem uns que já conhecem eu só com isso aqui, tocando carimbó.
Aí, no caso do carimbó, que é uma vertente que eu resolvi fazer, que é pra me manter, é pra eu não cair no esquecimento.
Porque olha, se a gente.
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pra eu fazer sucesso, eu gravaria ou xote, forró, pagode, arrocha e tecno.
Tudo isso eu já gravei.
Axé.
Que são coisas, né, que tocam todo o tempo.
Olha, tem a época do forró, tem a época do xote.
A moda agora é arrocha, né? Essas coisas assim.
Sertanejo.
Que eu vou compondo tudo.
Mas a questão da gente, de eu estar fazendo isso aqui, foi porque eu resolvi que eu ia ficar muito bom de guitarra.
Eu comprei uma guitarra do Mestre Vieira e ficava - eu vendava o meu rosto - treinando a guitarra.
Ficava treinando aquilo lá, lá em casa.
Treinei, treinei, treinei, treinei.
Aí, um dia chegou o grande momento de eu ir me apresentar, aí cantei lá.
Quando acabou: "Deixa eu fazer agora uma.
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".
Já pra mostrar, tipo assim: ninguém viu eu treinando.
"Ei, o Nazareno já está fazendo isso? Tal", né? Aí eu fui.
Como diz o antigo, com a pabulagem ((risos)), cheguei lá, taquei-lhe uma guitarradinha lá "tic, tic, tic".
Aí quando acabou, as meninas falaram assim: "É, legal.
Gostei".
Aí eu peguei, fiz uma guitarrada minha.
Comecei a compor uma guitarrada minha.
Aí terminei, fiz a guitarrada, fiz bacana, treinei, treinei, treinei, fui fazer.
Quando eu cheguei lá, toquei, legal, né, consegui.
Assim, em algum momento lá de minhas apresentações, em algum lugar na igreja, alguma coisa assim, aí eu toquei.
Quando eu acabei: "É, legal essa guitarrada do Vieira".
Então, eu observei, lá, o seguinte: não interessava qual guitarrada eu ia tocar.
Era o Vieira.
Eu estava conseguindo fazer o que o Vieira faz.
Fazia, né? O que ele fez.
Aí eu pensei: "Caramba, tsi, poxa, eu não vou treinar guitarra não, porque eu vou aprender algo pra.
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aí eu vou ficar.
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eu vou estar conflitando com quem eu admiro e gosto”.
Porque realmente, né? Aí eu pensei, fiquei pensando: "Ah, eu já sei.
Vou ser compositor".
Eu optei por ser um compositor do município de Barcarena.
Certo? Eu já fiz algumas situações cinematográficas.
(risos) Um dia me deram - uma coisa do Elite, forró do Elite aqui - uma música pra eu fazer uma música sobre o Boi-Bumbá.
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se eu tinha música do Boi-Bumbá, eu disse que não.
Do Boi-Bumbá.
Minha sobrinha: "Tio, o senhor tem folclore?" "Tenho" "O senhor tem uma música do.
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o senhor tem música folclórica?" "Tenho".
Aí: "Ah, eu quero uma do Boi-Bumbá".
Aí eu fiquei: "Caramba.
Tinha.
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eu não tenho do Boi-Bumbá".
Aí ela disse assim: "De boi.
Qualquer uma, tio, de boi.
O senhor não tem, tio? Ah, poxa, eu falei lá que o senhor tinha".
Aí eu fiquei pensativo lá, lá na cozinha de casa: “Tio, eu não tenho, mas bora, vamos fazer uma.
Vou já fazer uma, pera aí".
Eu fui lá, andei, andei, andei, aí eu vim de lá, eu coloquei:
"Olha o boi, olha o boi, vaqueiro
Olha o boi, olha o boi no curral
Olha o boi, olha o boi, vaqueiro
pra adentrar nesse arraial
Dá licença, minha gente
já estou me aproximando
É o boi, Cuia Pitinga
no terreiro está dançando
Vem o vaqueiro com seu laço
pra domar o boi pintado
Esse boi é tradição
é bonito e respeitado
Olha o boi, olha o boi, vaqueiro
Olha o boi, olha o boi no curral
Olha o boi, olha o boi, vaqueiro
pra adentrar nesse arraial"
Aí, tipo assim, eu fiz: "Tio, então vou ver o dinheiro pro senhor gravar".
Fui lá, gravei.
Minha sobrinha.
Aí a Marion chegou - Marion, não sei se vocês conhecem, alguém aqui - pra eu fazer uma música.
Me levou uma história do pássaro beija-flor, que dava quase uma hora, ou mais, de tempo, todinho uma apresentação do pássaro beija-flor, pra eu fazer uma música.
E eu botei a cabeça lá pra funcionar, aí eu consegui fazer.
Cinematográfica que eu digo, porque eu trouxe.
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eu não consegui passar pra CD, não tinha CD.
E ela me ligando e eu vinha no meu carro, cheguei por ali, eu pensei que o meu carro estava funcionando normal, estava só pela bateria.
Eu consegui chegar até ali, ele começou a falhar, falhar, falhar.
Aí eu vim no carro, chegou bem dali do.
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bem aí assim, uns cem metros, por ali, eu desci do carro, os meninos vieram empurrando, eu corri.
‘Ti, ti, ti, ti’.
Cheguei ali, falei: "Olha, vou levar isso assim, assim, assim".
Trouxe no meu celular, correndo.
Aí eu escutava pelo celular, eu falando com ela: "E agora a turma representando o pássaro beija-flor, professora 'tá, tá, tá, tá' Marion".
E eu correndo, entrando ali e escutando já.
Desliguei o celular e a música no meu celular e vim, vim.
Quando ela já ia, estava enfileirando as criancinhas, eu cheguei: "Ó, Marion, está aqui a música" "Mano, tu conseguiu chegar.
Graças a Deus".
Colocou lá.
Quando ela.
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quando ia começando a apresentação do grupo, que as criancinhas entraram lá, tocou o meu celular.
Ainda não sabia tirar do modo avião, aí ligaram pra mim naquele horário.
((risos)) Deu no som, aí foi muito engraçado.
Aí parou tudo, volta tudo de novo.
Aí desliga o.
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como é? A operadora, né, pra colocar o.
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pra tocar.
Então, tipo assim, eu aderi.
Eu quis.
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eu tenho vontade de ser conhecido como músico e compositor do município.
Então, por isso essa vertente pro lado folclórico, pra essa questão dos acontecimentos no município, né, pra pescaria, pra farinha, pra essas coisas assim.
É mais uma questão de ser marcado aqui como essa coisa que a gente se propôs a fazer, né?
P1: Você tem algumas que você tocou pensando em Barcarena ou que fala de algum lugar?
R1: Tem.
Essa daqui é de Barcarena, ó.
"Tudo isso eu fiz pra você".
É porque eles queriam que eu fizesse uma música igual.
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terrinha legal, sempre é usado.
“Quero falar agora da minha terrinha, que é legal”.
Essa é uma que sempre usam aqui, é que fala do abacaxi e tal, um apanhado do município, aí eu fiz a minha.
Já passei mais pra parte de festa de coisas do município, que é o Festival do Abacaxi.
“Tudo isso eu fiz pra você
Barcarena linda dos aruás
terra forte que vem do norte
tem cheiro cheiroso do abacaxi cortada
mais linda tu és
tem versos e frases do poeta __ (02:30:43)
saudade de Mestre Arlindo
em cores de tantos discípulos mais
Nas palhetadas do Mestre Vieira
com as guitarradas que fazem dançar
no mês de setembro convida seu povo
pra essa festa que é tradição, virou festival
Tu és linda, és rainha do abacaxi, ieie, ieieie
és rainha desse festival que encanta o Pará
Tudo isso eu fiz pra você, Barcarena linda dos aruás”
É bem aí.
Essa é mais pra homenagear Barcarena.
Eu estou fazendo agora uma música que é do Rio Mucuruçá, que é esse rio que as pessoas pegam toda tarde pra ir pra Belém, que sai daí de São Francisco, né, do porto de São Francisco.
Esse é o Rio Mucuruçá, até na saída lá de Barcarena.
Ele é assim, deixa eu ver como é que eu cantei isso aqui.
Eu acho que é aqui:
“O rio que vai, vai, vai
o rio que vem, vem, vem
vou pelo Rio Mucuruçá
eu vou e venho de Belém
Passo em Nossa Senhora do Tempo
antes eu ia pelo Cafezal
entremeio a Ilha Trambioca
ao São Francisco, de marola,
eu vou que vou
No (puc-puc), no barquinho, barco a vela
cuja a rabeta faz a marola no mar
o rio marrom de água escura, mas é doce
também potável nosso Rio Mucuruçá
O rio barrento, mas a sua água é doce
também potável nosso Rio Mucuruçá
O rio que vai, vai, vai
o rio que vem, vem, vem
vou pelo Rio Mucuruçá
eu vou e venho de Belém
O rio que vai, vai, vai
o rio que vem, vem, vem
vou pelo Rio Mucuruçá
de Barcarena pra Belém”
É isso aí.
Também feita pra dar esse relatozinho da nossa viagem.
P1: Me diz uma coisa, você casou?
R1: Sou casado.
P1: Como é que foi isso aí? Como é que você conheceu sua esposa?
R1: Dançando quadrilha.
Dançando quadrilha.
A gente dançava quadrilha, aí a minha irmã falava pra eu ir pra igreja lá, com ela: “Nai.
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”.
A Simone: “Nai, tem uma menina lá, ela é tipo uma índia, eu acho ela muito bonitinha”.
Porque essa minha irmã aí, cara, ((riso)) Simone, ela tinha ciúme de mim, né? Ela tinha ciúme.
Aí eu ia.
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a gente.
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como eu até falei, eu sabia dançar e tal, aí eu ia por aí, quando eu começava a dançar com uma menina e tal, aí a menina não queria mais largar minha a mão e tal, né, estava dando certo (risos) o ambiente, quando eu via a menina se afastava de mim assim, do nada e tal.
Aí a Simone vinha, dançava comigo, a minha irmã, tal, me abraçava, me cheirava.
Irmã, ficava perto de mim.
Aí a menina ia e se afastava, quando: “Poxa, caramba”.
Ô falta de sorte que eu tinha.
E aí com o passar do tempo, a minha irmã falou que ela não gostava, se ela não gostasse de uma menina, aí ela ficava.
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era colega dela também, mas aí ela.
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ou então não conhecia, ela ficava no meu lado, me abraçava, me cheirava, ficava me dando carinho, né? E dizia pra menina que ela era minha namorada, a minha irmã dizia, ((risos)) aí a menina ia embora e eu ficava nessa.
Então, no caso do meu casamento, ela falou pra mim que tinha.
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falava dessa.
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de uma menina, mas eu não sabia quem era.
Aí um dia ela: “Tá, eu vou trazer a Josie pra dançar, Nai, com a gente.
Ela é igual uma índia”.
Eu ficava assim: “Está legal”.
Aí trouxe.
Chegou lá, aí a minha irmã: “Nai, ensina ela”.
Essa minha irmã, Simone, filha da mãe.
Aí comecei a ensinar, mas com.
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sem nem.
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sem nada assim.
Aí comecei a ensinar e tal, dançar e tal, tal, tal.
Quando era de tarde, lá vem ela com a menina de novo, pra eu ensaiar.
Eu sei que foram.
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a gente namorou foram sete anos, aí em 2001 a gente foi pra nossa casinha lá, em 2002 a gente casou.
Em 2002 que a gente casou.
Foram sete anos de namoro, fase experimental.
Aí, atualmente a gente casou no civil, esse ano já da pandemia, eu acho que ela ficou com medo deu morrer.
((Risos)) Então, o casamento legal, ela é bem companheira, compreensiva e dança no meu grupo de carimbó, é a principal dançarina de lá, porque se ela não for a principal também, acaba o grupo, ((risos)) aí vai dar trela pra manga, não.
Ela é bem participativa com a gente.
Só não quis aprender tocar, mas dança, organiza esse trabalho de folclore que a gente tem.
P1: Vocês têm filhos?
R1: Não.
A gente não tem filho.
Eu tenho filha, tenho uma filha.
Tenho dois filhos, né? Mas fora do meu casamento, assim, na época em que eu dançava.
E eu tenho uma neta, é a Nicole, Luna Nicole, ela está com.
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vai completar três anos.
Minha filha tem vinte e seis anos.
P1: Qual é o nome de seus filhos?
R1: A minha filha é a Narlessa e o menino é o Igor, o menino.
Ele deve ter uns dezenove, vinte anos agora.
Não estou meio a par porque a gente se desvinculou, sabe como é? Eu não sei nem pra onde ele está morando, o Igor.
P1: Me diz uma coisa: o Festival do Abacaxi, você conhece desde quando?
R1: O Festival do Abacaxi eu conheço, assim, desde a época que fizeram a feira coberta da frente de Barcarena, na frente do rio lá e lá foi feito um Festival do Abacaxi.
Desde daquela época lá.
Eu acho que aquilo ali foi em 1983, 1984, por aí.
Desde aquela época lá.
P1: Por que tem esse nome: Festival do Abacaxi?
R1: É que era um festival feito pro.
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como tinha muit roça, antes era muita roça.
Estou dizendo que eu trabalhei na roça, o quê? Entre 1986 a 1992.
Era, 1986 a 1990, 1992 que a gente trabalhou ainda na roça.
E antes disso aí tinha muita plantação de abacaxi, aí eles fizeram o festival pra vender o abacaxi, entendeu? Pra dar essa valorização, pra expor: “Bora, bora, bora fazer um festival”.
Que nem faz o Festival do Peixe, né? Faz o Festival do Açaí, da cerveja e tal.
P1: Mas o pessoal planta muito abacaxi aqui?
R1: Olha, na época, eu acho que plantavam, sim.
Hoje em dia, eu não tenho, assim, uma certeza se planta, assim, mas eu acho que se tem abacaxi, mas não é muito não, aqui mesmo da cidade.
Entendeu? Eu não sei se tem esse foco, assim.
Se tem também, não é divulgado porque, geralmente, quando tem essas coisas, que tem muito, né, a gente divulga que é pra alguém visitar, saber que tem, entendeu? Ano passado pra esse ano, eles começaram a fazer um trabalho muito legal no Festival do Abacaxi, que foi trazendo várias vertentes da cultura pra stand, entendeu? Estava na praia e tal, Secretaria de Agricultura junto com artesão, com a cultura, tudo integrado, assim, fazendo um trabalho, as escolas, levando os alunos pra dentro desses stands.
Então, já foi um trabalho legal, onde a gente veio conhecer o pessoal que faz licor, que faz.
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trabalha com cerâmica, né? Uma série de coisas.
P1: No começo, o primeiro que você viu, como é que era?
R1: Festival do Abacaxi? Era as barraquinhas, ‘tu, tu, tu, tu’, assim, um espaço que nem uma quadra dessa ou maior e as barraquinhas por lá, assim, assim, aí venda de abacaxi, aquele monte de abacaxi no chão, em cima do encerado, compra abacaxi, come abacaxi, vende bebida e festa.
Assim que era o festival.
Era um festival legal, assim.
P1: E quem que você já viu tocando aqui?
R1: De bandas, assim, eu já vi muitas bandas.
Bandas paraenses quase todas, barcarenenses, vi Zezé Di Camargo.
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quem foi assim? É o Tchan; Harmonia do Samba; Zezé Di Camargo; a Calypso, na época da Joelma.
Quem era aquele outro, meu Deus, que.
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Vitor e Leo; Luan.
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caramba, agora como é que eu vou lembrar o nome do rapaz? Esqueci.
Aí, de lá pra cá, venho vendo todos esses, de 1998.
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Beto Barbosa, a gente cantou junto, eu cantei antes, o show seguinte foi do Beto Barbosa, em 1998.
Cantei Fruta Quente, um bocado de banda.
P1: Você toca?
R1: Oi?
P1: Já tocou no festival também?
R1: Já.
Todo ano eu participo.
Antes, era melhor, porque eu cantava show normal.
Aí tem esse detalhe, essa questão do folclore ainda é um negócio que ele serve só pra mostrar que o estado, o município tem coisas, tem as suas afluências, sua naturalidade, mas a questão, assim, de arrecadar com isso, não.
Ele serve pro município, que o município faz um projeto, o município ou o estado ou o país, sei lá, faz um projeto e a gente.
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a pessoa do folclore aparece, certo? Aí, com esse projeto, o município - antes era Ministério da Cultura, agora não sei o que é - arrecada muito, entendeu? Faz um projeto aí social, põe aí com uma escola, é uma arrecadação do caramba, mas pra pessoa mesmo não tem, é mais pra dizer que não deixou acabar, entendeu? Por quê? Porque quando eu tocava com show normal, brega, calipso, chegava lá pra fazer a pessoa dançar e tal, ficar suado, beber cerveja, aí digamos que o cachê hoje, eu vou falar aqui uma ideia, né, era cinco mil, isso aí.
Aí eu peguei, fiz um Pará Folclórico, que é o meu grupo de carimbó, trabalha folclore, passo o ano todinho indo pras escolas, quando estava tendo e é muito solicitado na escola, nas comunidades, tocando voluntariamente e, quando era na hora de pagar, o Nazareno vai ganhar mil e não sabia nem se ia ter alguma coisa pra mim.
Já aconteceu, já, algumas vezes.
Então, tipo assim, ele é legal, porque eu que quero isso.
Entendeu? Um dia perguntaram: “Como foi o Vieira pra você, na música?” “Sofrido”.
Entendeu? Sofrido.
Quem vinha de fora ganhava vinte, o Vieira ganhava dois.
A diferença era só um zero, vinte mil, dois mil.
Fulano de tal veio e ganhou cem mil, Vieira ganhou dez.
Sempre 10% ou menos, entendeu? E só que assim: eu sempre vi, por exemplo, ele, como as pessoas o veem hoje, que não vê mais, né? Não vê mais.
Igual o casarão do Cafezal, é só o imaginário já.
E, com o Mestre Vieira também eu aprendi o seguinte: que é importante a gente ir.
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ele falou um dia pra mim assim: "Nazareno, o político é pra fazer.
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fiscalizar o que vai fazer no município, o delegado e a polícia é para se fazer cumprir a lei, o juiz de Direito faz a lei acontecer.
Nós, artistas, somos alegria no nosso município, nós somos a alegria do nosso lugar.
Porque, Nazareno, falaram.
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o pessoal falou que não ia participar do aniversário de Barcarena, o voluntário, porque não sei o que".
Ele disse: "Não, eu vou, eu vou.
Eu vou porque o nosso município, a alegria é por nossa conta.
Somos nós que fazemos a alegria do município.
Então, se eu já estou triste e não vou lá alegrar isso aí, já está ruim, aí vai piorar".
Aí ele falou: "Olha, Nazareno, sempre que der, tu vê, eu não toco assim, assim, assim, mas quando é para ir pra uma escola, quando é pra ir participar até numa creche, eu vou.
Sabe por quê?".
Aí ele deu aquele exemplo que você perguntou: "Você viu o casarão do Cafezal?".
Aí eu te falei: "Não, está só no imaginário".
Tenho um colega que falou, descreveu como é que ele andou lá dentro, quando ele tinha doze, treze anos e aquilo ficou pra mim como era.
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como seria lá dentro.
E ele disse: "Tu já ouviu falar assim, que alguém falou: ‘Olha, o meu avô conheceu o Manoel Barata’.
O governador do estado do Pará que colocava todo mundo na linha, né, que acabou com a marginalidade e tal.
Então, um dia, esse garoto vai dizer assim: ‘Ah, eu ainda vi o Vieira, ele foi lá na minha escola, eu lembro mais ou menos, ele tocava assim’.
Aí o neto dele vai dizer: ‘Meu bisavô ainda viu o Vieira’", entendeu? Então, a mesma coisa vai ser contigo, alguém vai falar de ti e alguém vai falar: ‘Olha, eu o conheci ele, eu o vi’".
Então, essa é que é a ideia pra música, né? A gente conseguiu, durante essa vivência aí de quarenta anos, eu acho, em Barcarena, no município, vendo aquelas ruas, tanto bairro.
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vários bairros acontecendo, aparecendo.
Aqui na vila eu vendo tudo saindo.
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aparecendo também, que são quarenta anos atrás, né? Desde uns cinco, seis anos que a gente anda assim.
E aí a gente foi usando isso através desse trabalho, que as pessoas dizem que é cultura, né? Que, na verdade, é um folclore que a gente vem fazendo, que cultura é tudo que vem perpetuando aí no nosso dia a dia.
Então, esse que é o foco da música e que a gente usa da nossa vivência, né, da minha vivência de barcarenense, é manter isso, pra que isso não desapareça.
P1: E você está há quarenta anos aqui, você falou, né? Como é que você vê a relação da cidade com esses grandes projetos, com as grandes empresas?
R1: A relação da cidade com esses grandes projetos.
Olha, eu nunca trabalhei, assim, nesses projetos, só fui uma vez lá dentro da fábrica, assim, trabalhar lá na obra, mas o que eu estou.
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o que eu vejo é assim: não por culpa da empresa, mas eu acho que.
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ainda há pouco eu falei sobre a questão de estudar, né? Parece que as pessoas estão.
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eu, no caso, a aula, para mim, era mais pra.
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não era pra um objetivo de ser algo através daquele estudo, era pra o papai e a mamãe não brigar.
Entendeu? Chegar lá: "Está aqui o boletim, passei".
Passei.
A questão de eu querer ser lá.
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tirar as melhores notas e tal, naquela coisa lá, veio de mim, certo? No caso, eu vejo que o município perpetuou por muito tempo nessa situação aí, de ter aula só pra pessoa não ser analfabeto.
Entendeu? Eu acho que ainda é muito assim.
E o nosso município foi um município que o cidadão está trabalhando aqui, vai construir, em vez dele trazer engenharia pra facilitar a vida em Barcarena, pro cara ir pra lá pra dentro e tal, tipo em Cuba, Cuba.
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eu acho que quantos por cento da pessoa faz Medicina, né, por conta do país.
Né? Quantos? Então, eu acho que Barcarena era para ter se preocupado sim, com essa questão da.
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se ela está.
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os governantes estão vendo que vai se desenvolver, a cidade vai crescer, que vai precisar de ter essa mão de obra especializada, mas não, os barcarenenses continuaram sendo lavradores.
Entendeu como é? Parece que sempre foi ocultado o povo dessa relação aí, cidade com a indústria, parece que sempre foi assim ocultado, parece que o barcarenense não poderia saber o que estava rolando dentro do município.
E tem um detalhe que, até um tempo, a gente servia de chacota, que o nosso município não existia nem no mapa.
É.
Barcarena, se veio pro mapa, já foi em 2010, por aí.
Pelo menos nos mapas que eu via dentro do município, eu andava.
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assim como eu fazia com o banner do folclore, que eu disse que eu ficava observando, vendo o que eu poderia fazer de música, pra quando tivesse feira de arte, tivesse alguma coisa de arte, tivesse algo na escola, ser usado, ser preciso falar de mim lá.
"Ah, o Nazareno tem".
Música do boto: “O Nazareno tem".
Música da farinha: “O Nazareno tem" "Não, mas a gente vai falar sobre a Cobra Sofia" "O Nazareno tem" "Ah, a gente quer cobra grande".
"O Nazareno tem, cara, cobra grande" "Eu queria falar do Pará" "O Nazareno tem" "O Vieira".
Entendeu? Eu sou enciclopédia musical de cada artigo desse.
O lobisomem? Tenho.
"Nazareno, tu tem aí a música da Matinta Pereira?" "Tenho".
Entendeu? Então, aí o pessoal falava, eu disse: "Ei, essa cidade de vocês não existe nem no mapa.
Pois é, alguém sabe que aqui é uma mina de ouro e não quer que ninguém descubra".
Eu brincava com isso.
E já esse prefeito aí, ________ (02:52:04), que se foi, veio com uma equipe já, assim, diferenciada, né? Querendo uma cidade legal pra se viver, pra morar.
Melhorou.
Barcarena melhorou.
E com fé em Deus já.
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(risos) o que entrar aí agora vai ter que colocar a cidade pra melhorar, pra modernizar.
Nem sempre a modernidade é é boa pra poder aquisitivo, pra se adquirir o que se quer de moderno, mas pra mim, que vivi aqui na luz da lamparina, quando vai embora a energia, aí que eu olho que a lua está no céu, que aparece a beleza da lua.
Vocês sabiam disso? Eu adoro quando vai embora a luz, 'puh', apaga tudo e fica silêncio.
Na pandemia, no foco aí desse Covid, a gente não ouvia um barulho assim ó e eu escutava lá em casa ((assobio)) Cara, silêncio, de noite e olhava o céu.
“Olha o céu”.
Estava bonito, as estrelas.
Quando a noite está escura, vai embora a energia, tu pode olhar, a lua não está lá, as estrelas estão bonitonas.
Só dá pra ver isso quando não se tem o custo da modernidade, ela traz um custo pro dia a dia, né? Nossa cidade com alça viária, ela se tornou mais violenta, entendeu? Tinha, sempre teve desavenças, essas coisas, mas era uma cidade tranquila, mas com isso, com.
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olha, eu venho observando o município.
Depois que chegou o quartel em Barcarena, chegou arma de fogo.
Em 1992 instalaram um quartel lá.
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aí começaram a comprar arma de fogo, começou circular arma de fogo.
Entendeu? De alguma forma isso chegou fácil pro município.
Polícia aborda, tira.
Aí, como a polícia não ganha tanto, né, não tem um salário legal, que essa questão aí seria.
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eu penso até que, em vez de contratar, se pagaria bem melhor, pra que a pessoa tivesse receio de perder o que ganha, né? Aí, sim, seria algo bem bom.
Então, começou essa situação aí de armas.
E depois, com a chegada da alça viária, assalto, o fluxo pra se ir embora, assaltarem firma.
Então, esse é o preço do progresso.
Então, Barcarena, realmente ainda é uma cidade pacata, talvez até porque.
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talvez a própria Barcarena não se preparou pra modernidade e a gente ainda consegue viver antimoderna.
A minha irmã veio de São Paulo e viu a nossa casa lá: "Olha, tem que fazer muro, tem que cobrir tudo porque.
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".
Eu falei: "Ei mana, tu veio de São Paulo, eles fazem a mudança lá, né, isso?" "É".
"Pois é, mas eu ainda não vou ficar com esse medo.
Ainda consigo me sentar em casa, com a porta aberta, normalmente".
Lá onde eu moro, eu não sei pra cá.
(risos) Então é isso, esse sistema, assim, a nossa cidade, o povo daqui mesmo, não foi preparado pra essa questão cidade e indústria, não foi.
Entendeu? O povo daqui ainda está só cidade.
“Vou no igarapé, vou trabalhar, vou ganhar, vou viver minha vidinha”.
Não está preparado pra indústria, não.
P1: Nazareno, como é que foi contar um pouco dessa história aí?
R1: Olha, foi uma descoberta pra mim mesmo, né, de alguns detalhes, assim, da vida da gente, que a gente nem se liga muito.
É bom poder contar e saber que nem a gente não sabe tudo, ainda não conseguiu identificar tudo que há de importante na própria vida da gente, com relação também ao nosso município, mas foi uma experiência legal, muito boa.
P1: Tem alguma história, alguma coisa que você queira falar, antes da gente terminar? Algum registro que você queira fazer?
R1: Olha, eu queria.
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eu quero fazer aqui um registro, que eu conto porque a gente.
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eu voltei lá.
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eu vou voltar lá, a gente falando sobre.
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eu disse que eu sou de Barcarena, eu sou do tempo da luz de lanterna, da lamparina, do lampião, aqui não tinha energia, não tinha televisão e depois que passa isso, a gente vê que era bom.
E eu queria.
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às vezes, a gente fala nos mitos, lobisomem, curupira.
Então, um dia me perguntaram se eu acreditava nisso.
Eu falei: "Ah, se a gente for ver, hoje em dia eu não acredito”.
Tu vai dizer que não acredita, porque é uma situação.
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como é que a gente fala, assim? Difícil da gente lidar, né, com esse folclore.
Aí, um dos relatos que eu queria fazer, assim, que eu tenho, que acontecia aqui em Barcarena: eu estava.
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quando o meu pai se acidentou, eu falei que a serra cortou em 1981, 1982.
Então, próximo de casa era bem.
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é como se você olhasse pra cá, ó.
Se você olhar agora, tem o fórum, tem o.
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nunca vai dizer que ali era um.
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estava no meio do mato, tipo assim pra frente de casa, da onde a gente mora.
E aí a gente.
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papai foi pro hospital e tal com a mamãe, a gente ficou só em casa, aí quando eu vi a minha irmã começou a chorar e: “Eu vi, eu vi, eu vi, eu vi e tal".
Ela viu e pegava e desespero, eu peguei.
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Aí já depois de muito tempo, um tempo desse a gente numa resenha, numa conversa em casa, eu: "Silvia, eu tenho curiosidade de te perguntar.
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".
A minha irmã é conhecida como Silvia, mas o nome dela é Raimunda, Raimunda Muniz, Marinho Muniz.
Aí: "Silvia, eu tenho vontade de te perguntar uma coisa: quando o papai se acidentou, assim, assim, aquilo ficou marcado em mim" "O que, mano? Do corte?".
"Não, eu não vi o papai, só sabia que ele tinha ido pra Belém.
Eu não sabia nem o que era Belém.
É que tu falava assim: ‘Eu vi, eu vi’.
Aí tu fechava o olho: ‘Veio dali, eu vi, eu vi, eu vi’.
E o que tu viu, mana?" "Ah, duas bolas de fogo fru fruuuuuuu, vindo desse tamanho, na minha direção assim, ‘tchun’ parou bem lá e summmmmm, saíram assim.
Algo cinematográfico.
Algo de televisão”.
Aí eu, contando isso aí, eu tenho outro colega que a gente é da mesma idade, mais ou menos, o Abadias Miri, aí ele falou que um dia aquilo botou ele pra correr tanto, cara, lá nesse campo da aviação, da direção de lá, né? E era lá que as pessoas falavam.
E então é uma coisa assim, um relato que eu queria colocar, que eu queria saber e foram várias pessoas que falaram a mesma coisa, entendeu? E aí, então, hoje foi legal colocar isso aqui, que parece assim que eu viajei em tudo isso: campo de aviação, os aviões, essa situação aí, entendeu, que minha irmã falou, o outro rapazinho lá falou, o Abadias, o meu colega, o Miri, como é conhecido.
Outras pessoas eu ouvi falando a mesma coisa.
Então, hoje em dia, eu queria saber se isso ainda existe, se é real, né? Então, isso era um relato que eu tinha vontade de falar assim, daqui de Barcarena, Pará.
Se isso já aconteceu em outros lugares, não sei.
Então, é isso.
Congratulações, eu agradeço a Deus; minha mãe, minha família; ao grande Mestre Vieira, pelo legado musical que ele deixou pra gente, a simplicidade, a humildade, a nossa vida.
P1: Obrigado, Nazareno.
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