P/1 – Fábio, boa tarde. Primeiro, a gente gostaria de agradecer a sua presença e de você ter aceitado o nosso convite de participar aqui dessa entrevista e pra começar, gostaria de pedir o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – É Fábio José Pando, 23 de maio de 1965, São Paulo.
P/1 – Tá certo. E qual é o nome dos seus pais?
R – José Pando e Shirley Aparecida Nossi Pando.
P/1 – E você sabe um pouquinho da origem deles, dos seus avós, se eles eram aqui de São Paulo?
R – Sim, de São Paulo, meu pai é do interior de São Paulo, de uma cidade que chama Urupês. A minha mãe nasceu aqui e é toda descendência de uma cidade no Norte da Itália que se chama Treviso, lá pra cima, acho que divisa com a Suíça e tal, na região do Vêneto.
P/1 – Certo. E da parte da família do seu pai, são todos dessa cidade aqui do interior de São Paulo?
R – Não, só ele. Minha mãe é daqui.
P/1 – Tá. E você tem irmãos?
R – Tenho. Tenho um irmão mais velho, três anos mais velho do que eu e uma irmã sete anos mais nova do que eu.
P/1 – Certo. Então conta um pouquinho pra gente como que era a sua casa da infância aqui em São Paulo, onde é que ficava, em que bairro.
R – A minha casa da infância, onde a minha mãe mora até hoje... Claro, os filhos casaram e tal, e ela mora sozinha. É um sobrado numa rua bem tranquila, numa rua de vila, o que era uma delícia, porque a gente brincava muito naquela ruazinha com os amigos e tal, com os vizinhos, era quase uma rua fechada. Ela fica até hoje no bairro da Mooca e era bem divertido, a gente, muitas das brincadeiras que nós fazíamos era nesse larguinho da rua, que era como se fosse uma praça, muito agradável.
P/1 – E como é que eram essas brincadeiras, com o que vocês brincavam, se era com o seu irmão mais velho, como que era?
R – Ah, com o meu irmão mais velho, sem...
Continuar leituraP/1 – Fábio, boa tarde. Primeiro, a gente gostaria de agradecer a sua presença e de você ter aceitado o nosso convite de participar aqui dessa entrevista e pra começar, gostaria de pedir o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – É Fábio José Pando, 23 de maio de 1965, São Paulo.
P/1 – Tá certo. E qual é o nome dos seus pais?
R – José Pando e Shirley Aparecida Nossi Pando.
P/1 – E você sabe um pouquinho da origem deles, dos seus avós, se eles eram aqui de São Paulo?
R – Sim, de São Paulo, meu pai é do interior de São Paulo, de uma cidade que chama Urupês. A minha mãe nasceu aqui e é toda descendência de uma cidade no Norte da Itália que se chama Treviso, lá pra cima, acho que divisa com a Suíça e tal, na região do Vêneto.
P/1 – Certo. E da parte da família do seu pai, são todos dessa cidade aqui do interior de São Paulo?
R – Não, só ele. Minha mãe é daqui.
P/1 – Tá. E você tem irmãos?
R – Tenho. Tenho um irmão mais velho, três anos mais velho do que eu e uma irmã sete anos mais nova do que eu.
P/1 – Certo. Então conta um pouquinho pra gente como que era a sua casa da infância aqui em São Paulo, onde é que ficava, em que bairro.
R – A minha casa da infância, onde a minha mãe mora até hoje... Claro, os filhos casaram e tal, e ela mora sozinha. É um sobrado numa rua bem tranquila, numa rua de vila, o que era uma delícia, porque a gente brincava muito naquela ruazinha com os amigos e tal, com os vizinhos, era quase uma rua fechada. Ela fica até hoje no bairro da Mooca e era bem divertido, a gente, muitas das brincadeiras que nós fazíamos era nesse larguinho da rua, que era como se fosse uma praça, muito agradável.
P/1 – E como é que eram essas brincadeiras, com o que vocês brincavam, se era com o seu irmão mais velho, como que era?
R – Ah, com o meu irmão mais velho, sem dúvida, tanto é que os nossos amigos sempre foram os mesmos. Eu não tinha um grupo de amigos e ele outro, nós ficávamos sempre juntos, brigávamos muito eu e ele, mas não largava um do outro. Depois veio a minha irmã, sete anos mais nova do que eu e aí, claro, ela brincava com as amiguinhas dela e tal. Mas brincávamos muito com os amigos da rua, da escola, com os primos. Nós temos dois primos com a mesma idade, um com a minha idade e outro da idade dele, diferença de meses. Então nós ficávamos muito juntos, principalmente no período de férias. Então os quatro, a nossa família chamava ‘os irmãos metralha’, porque a gente aprontava um pouquinho (risos) de vez em quando.
P/1 – Qual que é o nome dos seus irmãos, que a gente …?
R – Ronaldo e Márcia.
P/1 – Certo. E como é que foi pra você ganhar uma irmãzinha já com sete anos de idade, como é que foi a chegada dela na família, como é que vocês se sentiram, passou de filho mais novo para o do meio, como é que foi isso?
R – Foi o máximo, foi muito bom, eu adorei. Eu com a minha irmã, sempre nós tivemos, desde que ela nasceu e até hoje, uma ligação muito, muito forte. Nós nos vemos direto, todo final de semana. Então, o que acontecia é que nós nos uníamos, eu e ela contra o meu irmão mais velho. Era uma ligação muito forte. Eu gostava muito, brincava com ela também, ensinava muita coisa. Nós ficávamos muito juntos. E até hoje era assim, tanto é que quando eu me casei, eu sempre quis ter filhos e sempre quis ter menina. Aí a minha primeira filha nasceu, a Luísa, que tem hoje dez anos e eu não queria ter um filho único, eu queria outro e minha mulher também. Resolvemos então ter o segundo filho e ela falava: “Você quer um menino agora?” e eu falava: “Não, eu quero outra menina”, e veio outra menina. Num outro momento eu pensei em ir para o terceiro filho, porque por mim, eu teria dez filhos, eu adoro criança, enfim, eu adoro casa cheia, festa, mas ela não, falou: “Não, chega, pelo amor de Deus”, não sei o que e tal, ficamos nas duas mesmo, a mais nova tem quase três anos de diferença dela, dois anos e oito meses, chama-se Júlia e tem sete anos. Por que? Porque eu acho que eu queria relembrar o contato que eu tive com a minha irmã, de carinho, de atenção, de brincadeiras e muitas coisas que eu faço com as minhas filhas hoje, eu fazia com ela. Então, o nascimento dela foi muito bom, foi muito importante.
P/1 – Certo. E conta um pouquinho, qual que era a atividade dos seus pais, o que eles faziam?
R – O meu pai... Ele começou... Coitado, ele começou a trabalhar muito cedo. O meu avô, que eu não conheci, morreu, ele tinha sete anos e logo começou a trabalhar. Na época, menor de idade podia trabalhar e ele sempre gostou muito de futebol. Ele foi profissional de futebol, jogou em times aqui de São Paulo, no interior, jogou no Juventus, na Portuguesa, jogou em vários times, jogou na Federação Paulista, que antigamente tinha uma seleção que era dos estados, São Paulo contra Rio, Rio contra Rio Grande do Sul e por ai vai... E ele jogava na Seleção Paulista. Ele jogou muito tempo futebol, ele era lateral esquerdo, pegou a fase áurea do Pelé. Ele conta as histórias que ele sofria com o Pelé, na verdade, com o time do Santos inteiro. Na casa da minha mãe ainda tem álbum de figurinha com ele, matéria de jornal, tem um bauzão lá, como tem hoje. Então, aparece ele casado com a minha mãe, sabe, logo depois que casou, uma matéria falando: “Pando curte vida de casado lendo Pato Donald”, apelido como ele era conhecido... Lembro como se fosse hoje... Sabe uma coisa assim? Tem muita história disso. Aí, ele teve um problema no joelho, parou de jogar, no finalzinho da década de 1960. Ele foi trabalhar acho que no Ministério da Fazenda, uma coisa assim. Depois saiu e foi trabalhar na Ford, foi executivo da Ford, sei lá, quase 30 anos, se aposentou, é isso aí. E a minha mãe nunca trabalhou, sempre foi dona de casa e nunca teve nenhuma atividade profissional.
P/1 – E como é que era a sua relação com eles, com seus pais, tinha algum momento da família que vocês estavam sempre juntos, ou que era um costume que vocês mantinham?
R – Eu me lembro muito da gente bem juntos, bem próximos. Com o meu pai em campos de futebol, ou em casa, em festas e tal. Mas a relação muito forte que eu tinha era com o meu avô, pai da minha mãe. Ele morreu quando eu tinha dez anos de idade. Eu vi ele falecer, ele estava do meu lado, teve um infarto fulminante. Era uma pessoa muito próxima, uma pessoa muito especial. Eu costumo dizer que eu não tive tempo ainda de humanizá-lo, porque eu, com dez anos, e a relação que nós tínhamos... Ele ainda ficou um mito. Ele não virou ser humano com as falhas e com os defeitos. Para mim ficou congelado naquele mito, de não ser humano. A relação com ele era muito forte, muito... Ele gostava muito de festa, ele cozinhava, coisa que na época, nenhum homem cozinhava. Ele preparava pratos. E do lado da casa da minha mãe tinha um terreno, depois virou uma casa, lógico, mas nós fazíamos festas juninas lá, fazia balão, na época podia soltar balão também. Nós íamos viajar, ele alugava casa no litoral só que, claro, não tinha internet, não tinha nada. Imagina, nem telefone tinha. Nós íamos pra praia ver as casas, eu e ele só. Nós escolhíamos a casa e voltávamos, só que nesse dia, era um dia de perdição, porque comia tudo errado, eu e ele: comíamos pastel, doce, chocolate, sorvete, porque ele era bem assim. Era uma delícia. E aí, voltávamos. Era uma ligação muito forte com ele, principalmente com os meus irmãos. Mas com ele era muito forte.
P/1 – E o que você se lembra assim, já pra gente falar do seu período escolar, sua primeira lembrança da escola, o que te vem, como é que foi esse seu período de escolarização, de começar a estudar?
R – Sabe que eu durante muito tempo, eu sempre estudei, nunca repeti de ano, desde o início da escola até a faculdade. Mas durante grande parte da minha vida na escola, eu odiava estudar, odiava. Só que eu estudava por medo de repetir ter que estudar de novo, então eu tinha horror disso. Eu estudava, porque, pra não repetir. Mas aí, depois de, sei lá de que idade, eu comecei a perceber que algumas matérias era quase como eu não precisasse estudar. Estudava também mas era mais agradável. E outras não, outras não ia. E eu lembro desse pensamento: “eu gosto ou não gosto? Às vezes, eu gosto, às vezes, não”. Foi aí quando eu percebi que algumas matérias eu gostava por conta da maneira como era ensinada, ou seja, pelo professor, pela professora. Aí eu comecei a reparar nisso. O tempo foi passando e eu percebi que meu problema não era estudar, era a metodologia de ensino que não era adequada pra mim em algumas matérias com alguns professores ou professoras. E aí, então, eu descobri que estudar é muito bom. Eu estudo até hoje, eu estudo muito, eu dou aula na universidade e tal e eu adoro ler, adoro estudar. Foi quando eu comecei a perceber que: “caramba, tem jeitos, tem maneiras diferentes de você transmitir conhecimento”. E aí, eu comecei a me aproximar dessas matérias mais ligadas a humanas, também exatas, mas mais humanas e eu descobri um jeito novo de aprender e, então, foi o máximo. Até hoje, adoro ler, só não leio mais por falta de tempo, o que me causa um pouco de angústia, porque tem tanto livro, tanta coisa pra ver que não dá vazão, que é uma pena. Mas é isso que eu me lembro da escola: primeiro uma fase ruim, de não querer estudar e, depois, uma fase que eu comecei a amar estudar e que vai até hoje.
P/1 – E você, na sua meninice, quando brincava e lembrou um pouquinho dessas brincadeiras, desse período escolar, o que você vislumbrava, o que queria ser quando crescesse? Qual era essa busca, você tinha alguma…?
R – Eu gostava muito de carro, não era nem Fórmula Um, era qualquer carro, qualquer coisa que envolvesse velocidade, motor. Mas não no aspecto mecânico, eu não tinha vontade de mexer no carro pra consertar o carro, não. O negócio era andar, eu gostava de brincar com o carro. Então eu imaginava, sei lá, pilotar carro, podia ser piloto de provas de uma montadora, entendeu? Mas não tinha nada específico assim: vou ser isso, vou ser aquilo. Não. Mas o tempo foi passando e chega uma hora que você tem que escolher uma profissão, que é um pouco cruel. Você com 16 anos ter que escolher o que você vai fazer da vida e eu não… “Puxa, o que eu vou fazer da vida, eu não sei”. Eu sempre pensei: ‘caramba, como é que eu vou agora escolher uma profissão que eu vou passar o resto da vida fazendo ela’. Sei lá eu, Odonto, eu pensava em Engenharia. Eu não sei se eu quero ser engenheiro ou dentista. Eu já trabalhava na época, chamava computação, o pessoal do CPD, que era uma coisa muito nova que estava entrando no Brasil e eu trabalhava nisso. Então eu prestei para Ciências da Computação e entrei, ia fazer lá na Unicamp. Mas aí eu comecei a trabalhar em outra empresa na área comercial e pensei: “Não tem mais a ver”... Então fiz Administração de Empresas.
P/1 – Conta pra gente como é que foi esse primeiro trabalho, como é que você começou a trabalhar mesmo, por quê?
R – Eu comecei a trabalhar muito cedo, eu tinha 14 pra 15 anos, eu quis trabalhar, eu falei para os meus pais: “Eu quero trabalhar”. “Como assim?” “Ah, eu quero, é legal, eu quero trabalhar”, não sei falar direito porquê, mas eu queria trabalhar. Aí, eu comecei a trabalhar num escritório do tio da minha mãe na verdade, mas ele era muito próximo, era como se fosse meu tio. Um escritório de contabilidade. Era perto de casa, só que era um perto-longe, porque pra ir de carro era perto, pra ir à pé era longe e eu almoçava em casa e pensava: “caramba, como é que eu vou resolver isso?” Então, eu comecei a trabalhar cedo, ganhei meu salário cedo e queria viver de acordo com o meu salário, não queria mais pedir dinheiro pro meu pai, nada... Só que eu gastava muito com o ônibus. Então, era uma, duas, três, quatro, oito conduções por dia, porque à noite eu ia pro cursinho, acho, nem lembro mais, acho que sim... Então falei: “isso está muito caro”. Aí eu resolvi comprar uma bicicleta, eu lembro que o meu irmão foi comigo. Nós fomos no..., um horror isso, nós fomos no Mappin comprar uma bicicleta, uma Caloi 10, uma bicicleta que mudava de marcha... Imagina, era o auge da tecnologia. E aí eu comecei a trabalhar de bicicleta. Eu ia e voltava e tinha umas ladeiras, assim. Era uma avenida, mas tinha um pedaço de ladeira. Ia e voltava todo dia de bicicleta, treinei muito de bicicleta. E eu gostava de esportes. Até hoje gosto. E lá era quase uma extensão de casa ou da escola, era uma coisa divertida, tinha um pessoal lá que a gente brincava muito, um sacaneava o outro, mas era uma coisa que eu sabia que ia ser temporária. Depois eu fui para outra unidade, que era o Centro, porque esse escritório era um escritório de contabilidade que pegava a contabilidade das empresas para fazer. E tinha o Centro, que era o CPD que processava tudo. Então eu fui para esse Centro, por isso que eu queria fazer Ciências da Computação mas depois vi que não era isso. Eu fiz curso de Cobol, uma linguagem de mainframe que parece que usa até hoje, mas nem sei. Então, esse foi o meu primeiro emprego. Depois eu saí de lá, eu posso dizer que eu comecei a minha carreira mesmo, foi quando eu entrei na Johnson.
P/1 – E como é que era esse percurso de bicicleta, enfrentar a cidade, a movimentação dos carros?
R – É claro que, acho que não era que como hoje, mas tinha que ter atenção. Imagina: não tinha capacete, nem se quisesse, não tinha onde comprar capacete, ninguém andava de capacete. Tinha que ir lá, dividir a rua com os carros e tal, algumas situações ridículas. Eu andava sempre naquela linha do ônibus, que andava só o ônibus. Eu andava lá porque era mais tranquilo. Eu lembro de um dia que eu estava admirado daquela bicicleta mudar de marcha e ai, eu pedalando e mudando a marcha e olhando para baixo, vendo e pedalando. Aí eu olhei pra frente, eu entrei na... Que era mesmo que tinha? Um caminhão. Eu entrei na guia em frente ao ponto de ônibus, cheio de gente. Sabe quando você cai assim, daquela maneira ridícula, bem na frente das pessoas? Foi tão feio que ninguém riu, acho que depois que eu saí, todo mundo gargalhou. Foi uma coisa assim. Sai com a bicicleta meio torta. Então era gostoso, mas era um pouco sacrificante, porque tinha hora que você não queria pedalar.
P/1 – E aí também nesse seu momento de juventude, conta um pouquinho como é que era a parte fora, porque tinha escola, tinha que conciliar com o trabalho, mas o que você fazia para se divertir, quem era o seu grupo de amigos, para onde vocês iam?
R – Eu tinha um grupo de amigos que era também do meu irmão. Nós tínhamos um esquema que era... A gente só saía nos finais de semana, pois durante a semana era muito raro sair. Nós tínhamos as nossas namoradas, elas tinham que entrar às dez da noite e a gente se encontrava num lugar lá, numa rua tal, por volta das dez e meia, onze horas, quando as pessoas estavam chegando. Tínhamos acabado de deixar as namoradas e então nós saíamos para brincar, para beber, nada de mais. E viagens também, a gente viajava bastante com esses amigos. Ia para o litoral, para Campos do Jordão.
P/1 – Certo. Aí, bom, você falou que no final das contas foi fazer o curso de Administração, como é que foi esse período de faculdade, o que você traz desse momento?
R – O período de faculdade foi um período rico, porque eu comecei a ter um aprendizado que eu gostei e também de amizades bem fortes, que eu tenho amigos desde daquela época, que a gente se encontra até hoje. Só que era um período em que eu trabalhava, estudava à noite, trabalhava na Johnson na área comercial o dia inteiro e era um trabalho pesado e à noite eu estudava. Não era fácil trabalhar o dia inteiro, já era área de vendas, uma pressão muito grande e, à noite, ter que se concentrar para estudar, fora os trabalhos, fora as pesquisas e tal. Eu lembro que foi um período muito rico sob a perspectiva profissional e educacional, mas cansativo. Também, quando você tem 20 anos, tem energia para isso tudo. Eu sempre procurei ver as coisas de um modo divertido. Na faculdade a gente se divertia muito, estudávamos, eu não perdia uma aula, não saía para beber e deixava de ver a aula. Nem eu e nem os meus amigos, porque era mais divertido estar na aula, estudando e brincando do que não ir. Eu aproveitei bem a faculdade.
P/1 – E teve algum professor que marcou todo esse percurso, uma matéria que foi dando um caminho, ou que te ajudou mais?
R – Que marcou, marcou... não. Eu lembro que na época do cursinho eu tive professores que me marcaram: Um professor de História, que graças a aula dele, eu comecei a me interessar por História, por exemplo, e que eu gosto até hoje. Na época da faculdade tinha um professor que era um consultor, é meu amigo até hoje e eu gostava muito da matéria dele, que era Marketing. E quando a faculdade terminou a gente conversava muito. Eu me interessava pela aula dele, era uma daquelas que eu não precisava estudar. E às vezes estudava porque era legal estudar. Quando terminou o curso, ele perguntou se eu gostaria de ser assistente dele porque ele estava precisando, porque o assistente dele, não sei o que tinha acontecido, tinha saído e tal e eu falei: “Ah, tudo bem”. Claro que tem um período, no começo quando você é assistente do professor que só faz a coisa chata de dar aula, corrigir prova, corrigir trabalho. Isso é o mais chato. Eu fiquei com ele acho que dois anos, uma coisa assim. E aí, um dia, na época, na FAAP, cada cadeira era dada por dois professores, e o par dele tinha sido convidado para trabalhar em Portugal, na empresa em que ele trabalhava e, à noite, dava aula. Então ele teve que sair. E ai, conversando comigo, ele me falou: “A faculdade está precisando de outro professor”. “Certo”. “Eu estou pensando em te indicar”. Eu falei: “Nossa, mas como assim? Não sei se eu consigo dar aula”. “Não, acho que consegue sim”, eu já tinha dado algumas aulas para ele. Até viu e tal e eu falei: “Ah, sei lá”, imaginando que não ia dar certo, só que deu, deu certo e eu comecei a dar aula, isso foi em 1990. Então dei aula de 1990 a 1994, para a graduação. Aí eu mudei de emprego, entrei num ritmo muito forte, tive que parar, porque não conseguia gerenciar a agenda e depois de um tempo, isso foi em 1994, aí eu voltei em 1997 porque já estava estabilizado, já tinha uma dinâmica que eu consegui controlar mais e eu queria muito voltar a dar aula. Então voltei a dar aula na ESPM, onde dou aula até hoje, há 14 anos, acho. Isso foi uma coisa muito importante pra mim. Dar aula é uma coisa que eu gosto muito mesmo e eu dou aula até hoje em vários cursos. Já dei aula em várias universidades e é muito bom.
P/1 – E antes da gente falar da sua carreira de trabalho, qual é a importância, para você, de dar aulas e estar em contato com aqueles jovens, academia... Por que isso é importante?
R – Primeiro, porque você é obrigado a pesquisar, aprender e eu gosto de fazer isso; segundo, porque essa minha relação com o meu avô, que eu comentei antes, foi uma relação muito próxima e muito boa pra mim, porque ele tinha um jeito especial de ser. Ele me mostrava o mundo, ele me ensinava as coisas, me mostrava, me explicava as coisas. Ele tinha uma fábrica de calçados femininos e eu lá, conversando com ele, nós íamos até a fábrica e conversando... Ele com um pedaço de cortiça na mão, daqui a pouco ele me dava um barco de cortiça. Era uma coisa meio mágica, sabe? E ele sempre fez isso, sempre mostrou essas coisas pra mim. Eu acho que vem quando ele faleceu, quando eu tinha dez anos... Eu com 14, 15, eu falei: “Eu quero trabalhar”, acho que pra continuar vendo o mundo. Então, a aula, além dos aspectos tangíveis, tem um aspecto intangível que é de proporcionar às pessoas o mesmo prazer que eu tive oportunidade de ter com o meu avô. É passar isso para as pessoas é ensinar as pessoas, mostrar que tem coisas bacanas que você pode se admirar, que você pode aprender. Eu sempre gostei muito de aprender, não importa o quê. Eu já fiz curso de tudo que você possa imaginar, de tudo. O que eu vejo, eu faço curso, adoro aprender. Então, acho que a aula é um pouco disso: poder, mesmo que numa proporção pequena, mas ter a oportunidade de ajudar uma pessoa num momento da vida dele, que está começando uma carreira, por exemplo. E eu tenho vários alunos que casam e depois mandam convite, que vão morar no exterior e mandam presente, mandam email. É muito bom isso, é uma coisa... Tem uma pasta em casa que chama ‘emails’, que eu coleciono. Os alunos mandam e tal, alguns eu imprimo e guardo. Ler aqueles e-mails é muito bom, traz muita energia positiva. Então, é se doar, se doar é algo que eu gosto, que eu tive a oportunidade de aprender com outras pessoas que me ensinaram. Eu não posso guardar isso pra mim, eu tenho que passar isso pra frente. Seria injusto da minha parte se eu guardasse isso e não passasse. Então, é um pouco de obrigação dar aula pra mim. É um dever que eu tenho, sei lá, com a vida. E é um prazer também, juntam as duas coisas.
P/1 – Certo. E agora falando da sua parte de carreira profissional mesmo, você falou da Johnson, onde você começou, como é que você foi pra lá, como é que foram essas circunstâncias da mudança do trabalho no CPD para a Johnson’s, o que isso significou pra você, como é que eram essas oito horas antes da aula, suas primeiras atribuições?
R – Eu trabalhava nessa Central de Processamento de Dados e, um dia, o meu pai chegou em casa e comentou que um amigo dele do clube estava precisando de uma pessoa para trabalhar na empresa dele: “Qual é a empresa?” “Johnson”. “Tá bom, mas o que é pra fazer lá?” “Ah, eu não sei direito, conversa com ele lá”. Marcamos um dia, eu fui até o escritório e ai... Ele era supervisor de vendas e estava precisando de uma pessoa na equipe de vendas. Fui lá conversar e tal: “Bom, eu nunca vendi nada e nunca pensei em trabalhar na área de vendas, mas bom, e ai?” “Vai estudar o quê?” “Acabei de entrar em Ciências da Computação na Unicamp”, ia começar a ver lugar pra mudar, morar lá, sei lá eu. Aí, ele ligou pra uma pessoa dentro da Johnson, na época trabalhava no CPD e falou: “Tem uma vaga ai?”. Claro que o cara falou que não, evidente. E eu disse: “Bom, fala pra mim como é que é vendas, como é isso ai?” E ele falou e eu achei interessante. Falei: “Puxa, pode ser” e, então, resolvi arriscar para ver, até porque você tinha as condições muito melhores do que eu tinha, mais salário, pagava a faculdade... Puxa foi um incentivo e eu fui. Comecei a trabalhar como um promotor de vendas. O que é um promotor de vendas? Que hoje esse cargo nem existe mais porque as empresas terceirizaram tudo. E aquele carinha que fica dentro do supermercado carregando caixa, pegando no estoque e pondo na gôndola do supermercado. Então é um trabalho braçal mesmo, mas era uma oportunidade de começar uma carreira numa empresa multinacional. Aí eu entrei, comecei fazendo isso, atendia algumas áreas, zona Norte de São Paulo, uma coisa assim. E era um trabalho forte, trabalho pesado. Depois de um ano e meio, acho, um ano e dez meses, eu fui promovido a vendedor. Como vendedor você não faz mais isso, mas você tem uma equipe que faz isso. Então eu trabalhava em equipe, porque o vendedor vendia os produtos, os promotores tiravam do estoque pra vender e dar chance de vender mais. E claro que era esse trabalho de equipe, todo mundo junto. Tinha hora que tinha que fazer coisas como, por exemplo, descarregar caminhão, sabe, até isso já fiz, porque eu estava participando de um concurso de vendas. A gente estava quase ganhando, nós estávamos num Carrefour da Vila Maria e tinha um caminhão da Johnson lá. Veio o cara da portaria e falou: “Nós vamos devolver o caminhão”. “Mas você ficou louco?” Se ele devolvesse o caminhão, nós perderíamos o prêmio, acho que era o último dia ou penúltimo, uma coisa assim. Porque ia devolver, ia segurar o faturamento e ia voltar no mês seguinte. “Mas por quê? O que aconteceu?” “Não tenho ninguém pra descarregar”, todos os funcionários do Carrefour naquele momento estavam ocupados com outra coisa e o caminhão não podia ficar parado lá. Aí, um olhou pra cara do outro, eu e a pessoa que trabalhava comigo, ele falou: “E ai, topa?” “Topo”. Nós fomos lá e descarregamos o caminhão, para não deixarmos devolver, para não perder o prêmio e nós ganhamos o prêmio. Foi bom, mas voltei para casa moído. Depois de um tempo, de sei lá eu, dois anos, eu fui promovido a supervisor de vendas. Aí eu já tinha uma equipe maior, já coordenava vendedores e promotores de vendas. Fui promovido depois de um tempo a gerente regional de vendas São Paulo e, então, fui para a matriz como gerente de promoções e merchandising nacional. Bom, desde que eu entrei lá eu queria fazer carreira em marketing. E esse movimento de sair de vendas e ir para marketing era uma coisa que não existia. Eu fui a primeira pessoa. Ai eu entrei em marketing e gerenciei alguns produtos, vários produtos conhecidos: Sundown, shampoo, fraldas, sei lá, Banho a Banho, Cotonetes. Aí fiquei lá nove anos na Johnson. Depois de nove anos: “Ah, está bom, o quê mais?” Recebi um convite para trabalhar no Pão de Açúcar. O Pão de Açúcar estava saindo daquela situação financeira problemática que teve no começo da década de 1990, um problema familiar e tal, já tinha equacionado, mas estavam na lona, falei: “Bom, preciso levantar esse negócio”, e aí eu fui. Eu lembro que as pessoas não acreditavam e me falavam: “Você está saindo de uma multinacional para trabalhar numa empresa nacional quebrada?” “Bom, eu estou indo trabalhar no varejo, para ter conhecimento maior do varejo, depois eu volto para a indústria”. “Ah, e se der errado?” “Se der errado, eu tento outra coisa”. Eu tinha 26 anos, acho, sabe? Era o momento de arriscar, eu fui, fiquei lá sete anos e meio no Pão de Açúcar.
P/1 – E como é que foi então, entrar no varejo, você sair da indústria, do produto e ir para a loja e pensar em cliente mais perto e ver toda a transformação que o Pão de Açúcar teve nesse período também?
R – Foi uma transição, uma reentrada na atmosfera, uma coisa bem turbulenta, porque a Johnson era, e é ainda, claro, uma empresa muito séria, muito ética. Eu a admiro até hoje. Tudo lá estava pronto, você não tinha que desbravar nada: todos os sistemas, todos os processos, cada um tem o seu papel, era tudo muito quadradinho, que era só um jeito, nada de contra. Quando eu fui para o Pão de Açúcar, imagina, não tinha nada pronto, tinha que ser reconstruído tudo. Eu entrei numa área que era Desenvolvimento de Produtos de Marca Própria, onde eles foram atrás de alguém da indústria, porque eles chegaram à conclusão: “Esse negócio de fazer produto não é com a gente, a indústria é que sabe. Vamos chamar alguém da indústria”. E aí eu fui pra lá. Você não tinha nenhum sistema, nenhum processo, não tinha computador, só mainframe. Eu fui a primeira pessoa a ter computador. Você tinha que fazer tudo do zero, criar sistemas, criar processos, criar produtos, desenvolver fornecedores. Foi um período de um desbravamento, de conhecer mundos novos que eu adorei, era isso que eu procurava. E de uma riqueza muito grande. Claro que com algumas dificuldades: Cadê a pesquisa? Não tinha pesquisa. Cadê o processo? Não tinha processo. Cadê o sistema? Não tinha sistema. Cada um tinha que se virar, foi um momento de estruturar muita coisa e foi muito bom. Eu fui pegando outras coisas. A minha área ficava dentro da área comercial e aí eu peguei a área de embalagens de novos produtos, rotisserie, importação e exportação... Viajei o mundo, muito, até desenvolver um trauma por viagem. Eu viajava todo mês, porque eu viajava a trabalho, fazia discussão com o fornecedor para importar vinho, queijos e, caramba, eu tinha 29 anos na época. Você ia para a Europa fazer negociação com fornecedores e fechava lá três contêineres disso, dois daquilo. Claro que tinha uma equipe que estava lá assessorando, mas você era o responsável por aquilo: comprar, definir preço, vender... era responsável pela margem, pelo estoque. O negócio era seu. Era uma responsabilidade pesada, mas era muito divertido: eu conheci muitas culturas, muitas pessoas. É diferente de você negociar com um fornecedor que é um executivo de uma pessoa que ele é dono do negócio, que é da família há cinco gerações. Tem uma questão emocional, isso vem passando de pai para filho. Que é a sustentabilidade do negócio, o que a gente fala tanto aqui no Brasil, a sustentabilidade do negócio... Essas pessoas já pensam nisso há muitos anos. Desde o tataravô, que tem, que tocou o negócio, passou para o bisavô, para o avô, para o pai e ele. Seria uma desonra enorme na família se, na vez dele, quebrasse a empresa. Isso não pode acontecer, ele vai passar pro filho e por aí vai. Ele tem um carinho pelas coisas. Se, numa discussão, pode ser até comercial, ele se sentir um pouco mal, ele vai dizer: “Olha, não vou vender pra você porque você não entendeu o meu produto, não entendeu minha proposta”. “Não, mas eu pago tanto”. “Não é dinheiro, eu vou vender para aquelas pessoas que eu acho que entenderam o meu produto”, senão ele não te vende e acabou. É outra relação. Foi também um aprendizado muito bom e era um mundo de oportunidades. Estava tudo por fazer e eu fiz muita coisa.
P/1 – E dessas viagens e conversas com os fornecedores, teve alguma que ficou marcada, né, que foi marcante por algum motivo, ou alguma história de algum container que se perdeu, ou que ficou, ou então…?
R – Ah, container que se perdia, navio que afundava, container que se perde, isso é mais comum do que a gente imagina. Mas eu não sei dizer se foi um em específico, mas vários, porque como é que funcionava? Nós chegávamos lá na Espanha, na França, em Portugal, na Itália, começávamos as reuniões, sei lá, às dez da manhã e íamos direto até as três ou quatro, sem parar. Então, fechávamos a agenda de uma hora com cada fornecedor, fornecedor vinha, trazia o produto, negociava preço, fazia degustação, sei lá, fazia um monte de coisa, uma hora. Quando era esse horário, três, quatro horas, nós íamos então almoçar. Só que era um almoço nas instalações da vinícola, por exemplo. Então, nós começávamos ás, sei lá eu, quatro e meia, cinco horas e íamos até às onze da noite. Então, onde eram esses almoços? Não era num restaurante, era lá dentro da vinícola. Você ia para o subsolo e ficava lá onde o vinho descansava, naqueles túneis, que some de vista, assim... Todos os barris e tal, uma coisa com uma iluminação especial e um serviço de mesa absurdo, uma coisa... Parecia filme, sei lá eu, de James Bond, uma coisa, sabe? E ai, se contava as histórias da vida, histórias da família, contavam histórias do Brasil para nós, principalmente em Portugal. Eles sabem mais do Brasil do que nós. Falavam de Dom Pedro I, que para ele é Pedro IV. Eles contam histórias do que estava acontecendo, porque que ele foi para o Brasil, porque brigou com a mãe e não sei o quê... Momento “Caras” na história. Porque proclamou a Independência, o que estava acontecendo aqui... Isso é uma conversa comum. Tem um aspecto histórico-cultural maravilhoso, eu adorava isso, adorava. Essas coisas marcavam muito: ir pro Porto, conhecer o Porto, Porto lá de Portugal, a cidade, de onde veio a fundação; porque a cidade cresceu, o que aconteceu, porquê dos vinhos, é muito interessante. A gente ia para Mendoza, a colheita de azeitonas; para a Grécia, a colheita de pêssego; na Itália, junto com o produtor de trufas, com os cachorros do mato cavando e pegando aquelas trufas que custam milhões o quilo. Tudo tem uma história, tudo tem uma questão artesanal de vida, exatamente o contrário daquilo que a gente vive hoje, que é a correria, a velocidade, a tecnologia, o frio que a gente está acostumado. Lá é como se você voltasse na Idade Média e você vê o produto ser produzido. Você vê um cachorro cavando a terra. Quer dizer, isso é sei lá a quantos séculos é feito assim. E é uma coisa diferente pra gente. O contato é uma volta às origens, mesmo, isso é muito interessante de ver, muito bom.
[Troca de fita]
P/1 – Então para retomar, eu queria saber como é que foi então a sua passagem e como é que prosseguiu a sua carreira depois desse período de experiências no Pão de Açúcar, como é que foi desenvolvendo então a sua carreira?
R – Bom, eu saí de lá depois de sete anos e meio, porque eu achei que já tinha cumprido um ciclo. Eu gostava muito do que eu fazia, mesmo. Apesar do varejo ser uma coisa pesada, porque te absorve. Acho que é como dono de padaria, dono de restaurante, porque você não descansa no final de semana, aliás, o final de semana é o período que você tem que ficar mais atento, a falta de produto, atender o consumidor. Você não relaxa. Trabalhávamos durante a semana um ritmo frenético e, no final de semana, observávamos. Mas é uma coisa interessante porque era um laboratório que nós tínhamos à mão: qualquer produto que você pensava, ao por na loja você ia ver. Era tudo muito tangível, muito divertido, eu gostava bastante. Depois que eu saí de lá fui para a Telefônica, mas sempre em marketing. Na Johnson’s, marketing; Pão de Açúcar, desenvolvimento de produtos e marketing; Na Telefônica eu fui responsável pelo marketing corporativo. A Telefônica é um grupo de empresas, então tem a Telefônica em si, agora tem a Vivo, sendo que era Telesp Celular, o Terra, tem o call center, atento. São várias empresas e cada uma tem a sua estrutura. Madrid definiu que algumas estruturas seriam transversais, então: Compras, Financeiro, Jurídico, Marketing e RH eram estruturas que caminhavam e trafegavam com todas essas empresas e nós fazíamos essas interações. O nosso papel era ver primeiro se os polices de Madrid estavam sendo bem aplicados, junto com o trabalho de assessoria. Quando eu entrei lá a telefonia tinha acabado de ser privatizada, não existiam profissionais de marketing de Telecom. Eram funcionários públicos, havia muito consultor, auditor, engenheiro, que nunca tinham visto marketing na vida. Muitas vezes a gente assumia o marketing em algumas empresas: uma parte de novos negócios da telefonia fixa éramos nós e a gente capacitava também pessoas das áreas de Marketing. Foi interessante também. Foi uma função corporativa que eu nunca tinha desempenhado. Eu gostei, para conhecer e para saber que isso não é comigo. Porque é um mundo diferente. É um mundo de negócio que, se você tem um problema, você vê os recursos que você tem, o tempo disponível e você resolve ou não: acabou, é simples assim. Esse mundo de relações... Não é assim... É uma dinâmica absurdamente diferente: você conversa muito com as pessoas, não se resolve nada e depois de um tempo, resolveu. Você não sabe direito como resolve, é estranho. Depois você vai ver que tem toda uma dinâmica, todo um processo que não é: “Temos um problema, vamos conversar sobre o problema?”. Não. É um mundo de relacionamento. É diferente e eu gostei de ter aprendido isso sob esse aspecto. Mas eu fiquei lá por quase quatro anos. Eu queria sair, porque acho que alguns aspectos não bateram – a cultura da empresa com o que eu acreditava, enfim, não era o momento. Não estou falando que o meu era o melhor e nem o pior. Não. Tinha algumas coisas que acho que, para mim, nesse momento, talvez não seja tão interessante. Eu estava querendo sair. Estava lá, tinha sido promovido em fevereiro. Isso era novembro, finalzinho de outubro quando eu recebi a ligação de um headhunter para conversar. Fui conversar, era uma outra posição e, no fim do almoço, ele falou: “Olha, depois da nossa conversa, acho que tem uma outra coisa para você lá que eu acho que se encaixa melhor, mas é de um amigo meu, de um par meu. Vou marcar um outro almoço com ele”. “Tá bom”. Eu não sabia quem era. Ele saiu e tal. E ai eu estava em casa num dia nesse período e vi um comercial do Banco Real, aquele que falava: “Esse banco existe, esse banco é real”. Falava de juros e tal, eu vi esse comercial, falei: “Nossa, o Real tem uma pegada boa. Mas passou. Eu sempre, quando ia a entrevistas, o pessoal falava, o headhunter: “Você trabalhou em produtos, em varejo, em serviços, só falta financeiro”. E eu sempre falei: “Vai continuar faltando porque eu não vou”. Mas um dia me deu uma vontade de trabalhar no setor financeiro, não sei porquê, falei: “Bom, só está faltando isso”, porque eu sempre quis ter essa visão bem ampla de conhecer várias áreas da Economia, mas sempre em marketing. Faltava o financeiro. Eu tinha visto esse comercial e falei: “Puxa, eu queria tanto trabalhar num banco”, mas passou. Ai, marcaram então essa conversa depois, eu fui e o headhunter me falou que era o Banco Real. Eu falei: “Nossa, que interessante. Vamos ver, vamos conversar”. Uma semana depois, me liga o RH da Telefônica : “Olha, vai ter um workshop lá no Embu, sobre...” Não lembro o que era... Desenvolvimento de pessoas com marcas, essas conversas, não me lembro direito o que era, e falou: “Eu queria muito que você fosse” “Ah, tá bom, mas eu não sei”, daí eu olhei a agenda e não podia ir, falei: “Eu vou ter um treinamento”, que era essa capacitação que nós fazíamos com os executivos de marketing, com as equipes de marketing, então disse: “Eu não vou poder, porque eu vou dar isso...”. “Não, você precisa ir, você precisa ir”, ele insistiu muito, dai eu falei: “Tá bom, eu vou, pego alguém da equipe que conhece o assunto para ministrar e eu vou no curso”. Chegando lá no workshop de dois ou três dias, eu não lembro... Dois dias... Era patrocinado pelo Real. Eu cheguei na sala, cheio de Banco Real na parede, pessoas do Real fazendo palestras, um consultor que trabalha com a gente, até hoje, também. Eu falei: “Caramba, isso deve ser um sinal, né?” Eu comecei a me aprofundar e ver que era isso que eu estava procurando. Comecei a me interessar pela cultura, pelo sistema, pelo jeito de fazer as coisas. Aí, eu vim conversar com o Fernando [Martins], marcamos uma conversa e aí, você vê as coincidências... Marcamos uma conversa às nove horas da manhã, fui, sai da sala dele meio dia e meia. Eu sai e tal e falei: “Nossa, foi uma conversa agradável, demorada e agradável”. Daí, depois voltei e tal. Fizemos todos os ajustes e depois uma pessoa do RH me contou que a chefe dela – dessa pessoa do RH, estava nesse evento que eu fui e ela voltou para o Fernando falando: “Eu achei a pessoa pra vaga que você quer, acho que tem tudo a ver”. “Muito bom”. Quando eu fui conversar com o RH do Real, ela tinha recebido o meu currículo pelo headhunter e foi falar com a chefe dela: “Olha, acho esse candidato deve ser uma pessoa que se encaixa na vaga que o Fernando Martins está procurando há um ano”. Mostrou e ela falou: “Não acredito, é a pessoa que eu passei para ele, também acho” e foi assim. Eu fui e comecei a trabalhar lá. Foi muito bom, também foi outro aprendizado grande e foi assim que eu entrei no banco.
P/1 – E como é que foi então, a sua chegada, o seu primeiro dia aqui, você se lembra? E como é que foi também por outro lado, chegar na área financeira, quais foram as dificuldades, os primeiros desafios?
R– Eu saí da Telefônica no mês de novembro e comecei no banco no dia 16 de novembro. Vai fazer sete anos agora, depois do feriado de 15, primeiro dia de banco. Eu saí da Telefônica deixando todo o planejamento de 2005 pronto e aí eu imaginei: ‘bom, agora vou chegar no banco, o planejamento já vai estar pronto, esse final de ano aqui vai ser bom, porque vou ter oportunidade de ler o planejamento e me aprofundar com o mercado novo’... Cheguei de manhã, minha primeira reunião à tarde era reunião do quê? Planejamento, para começar o planejamento. Então em 2004 eu fiz dois planejamentos: o de lá e o daqui. Foi bom, porque eu fui obrigado a me aprofundar nos negócios, mas puxa, foi cansativo. Essa foi minha primeira reunião e tudo novo. No começo, quando eu entrei em telecom, é um mundo de engenharia absurdo e tem hora que o cara explica para você e você vai tomar um café e esquece. Engraçado isso. No Banco tinham algumas coisas assim: nomenclaturas, coisas novas, mas eu sempre falei: “A mesma pessoa que compra fralda para o filho, que compra uma picanha no supermercado, que faz uma ligação à longa distância ou um cartão de crédito é a mesma”. A Economia separou as empresas dessa forma, mas é uma pessoa só. Então, os conceitos de marketing valem para qualquer uma delas. E foi com essa perspectiva, também, trazendo conteúdos para cá, de metodologia, de sistemas, de know how de marketing. A gente começou a fazer o desenvolvimento do planejamento, que tem sido muito rico. Acabamos agora, na semana passada. Então, na verdade, é só você aprender a nomenclatura, o jargão: como é que funciona, a relação com concorrência, que vai. Porque os conceitos de marketing são os mesmos, a mesma coisa. Claro que marketing de produto é mais tranquilo do que marketing de serviços. No produto você vai lá, regula a máquina: Produto é um produto, serviço não. Serviço é desempenhado, tem uma complexidade maior.
P/1 – E como é que são desenvolvidos esses planejamentos? Como foi chegar aqui e ter que mergulhar no Banco Real e entender as características, o funcionamento pra fazer esse planejamento, o que precisava com…?
R – Eu fui muito junto com a equipe, que já estava começando esse trabalho. Eu ia junto, ouvia, pegava as informações e nós procurávamos trazer, montar essa história que estava dispersa no banco para dar um racional: Para onde nós queremos ir sob a perspectiva de consumidor de marca? Trazer essa metodologia que eu já trabalhava desde a época da Johnson... Era construir o ferramental, construir a proposta de modelo de planejamento. Na verdade, foi só pegar o conteúdo que já existia e colocar dentro de um padrão, de modo a trazer mais clareza, mais objetividade e mais tangibilidade. Para não ficar numa coisa etérea, que o marketing às vezes, se você deixar, escorrega. Tem que ser muito tangível, muito claro, como uma causa específica e colocada no tempo. Foi muito bom e está sendo muito bom, porque aqui eu tenho a oportunidade não só de fazer as coisas que eu gosto e que eu acredito, mas a perspectiva de poder propor soluções novas, metodologias novas, que nós criamos aqui. Existe uma necessidade... Quando existe a ferramenta, se aplica. Mas, às vezes, não tem a ferramenta. Então, temos um problema aqui. Vamos resolver? Vamos pensar assim... Nós criamos ferramentais novos, que não existem no mercado e isso é muito bom, isso é o que eu gosto de fazer: entender a necessidade do mercado, saber para onde vai, para onde precisa ir. Conhecendo as ferramentas... Como é que eu posso ajudar esse negócio a desenvolver, a crescer, e com resultados, sempre que possível, mensuráveis. Isso é muito bom.
P/1 E como é que estava o Real em 2005 quando você chegou, né, em termos de estrutura, né, você falou de desenvolvimento do planejamento como primeira ação, mas como é que foram seguindo essas primeiras ações, até chegar assim mais perto da chegada do Santander efetivamente?
R – O Banco Real já era o Banco Real quando eu cheguei. Essa imagem, essa coisa de... Na época nem se falava de sustentabilidade fora do banco: dentro do banco, sim, mas fora, não. E já era uma marca bem vista. Apesar de ser um banco as pessoas entendiam que tinha uma coisa diferente lá, que tinha um olhar, que era uma coisa nova. O Real já era... E durante esse período, nós decidimos reforçar isso. O banco percebeu que isso era um diferencial competitivo, porque nós brigávamos com bancos gigantes. Nós não tínhamos o poder deles. A gente tinha que se diferenciar, não pelo ‘o quê’, mas pelo ‘como’ – como o Banco fazia que era o diferente. A gente teve que mostrar muito isso e o banco fazia e faz até hoje muita coisa boa. É tanto conteúdo que eles nem conseguem falar de tudo, porque tem uma limitação orçamentária. Nós vínhamos nessa construção... Teve a época da venda do banco, que era primeiro para o Barclays, um banco inglês que acabou não acontecendo, porque veio o consórcio de bancos, os três bancos que compraram o (ABN AMRO) Real, divididos: uma parte ficou na Europa, uma nos Estados Unidos e, no Brasil, quem comprou foi o Santander. Então, evidente, foi um momento de incerteza, não se sabia o que ia acontecer. Nesse momento de tensão: “bom, o que vai acontecer? Como é que é? Como é que não vai ser? Vai ser, vai acabar tudo? Vai dar continuidade? E foi muito bom tudo o que aconteceu e está acontecendo, porque o Santander veio, trouxe uma energia, uma pegada, uma diretividade muito grande e continuou com os projetos do Real, incorporou. Se a gente falava que era o melhor dos dois mundos... Claro, pese alguns problemas de integração que são naturais no processo, mas o Banco tem uma causa muito tangível, muito verdadeira: “querer construir o melhor banco desse país”. Estamos, claro, longe disso, mas está todo mundo olhando pra isso, como é que a gente pode fazer um banco melhor, não igual. Como é que a gente tem processos novos, metodologias novas, sistemas novos? Como é que a gente constrói uma coisa que realmente seja boa para os clientes, para o Banco, para a sociedade? É uma vontade: “Não, ok, vamos tocando o negócio, vamos ganhar cota de mercado, ganhar participação, novos negócios e tudo bem? Não”. É também isso, mas criando uma coisa que seja única e isso é muito interessante, porque fica uma coisa... Para fazer normal, como faz todo mundo, pode fazer aqui, pode fazer lá, não tem diferença. Mas fazer um projeto diferenciado. O que é muito positivo, ao meu ver.
P/1 –E o que tinha em cada um desses dois mundos? O que ficou do Santander, o que ficou do Real, como é que foi montada essa nova cara, essa nova marca, como é que o mundo do marketing viu isso ou essa construção?
R – Sob a perspectiva de marca, o desafio foi e é grande, porque independente de qualquer marca que seja comprada, você tem o desafio grande de fazer essa transição. Nessa perspectiva, a gente tinha... São duas marcas onde a marca, que era melhor vista, foi comprada por uma marca que não era muito bem vista. E mais, a marca bem vista ia sumir, então isso na cabeça das pessoas: “Mas como assim vai sumir?” “Não, mas agora vai ser o Santander”. “Mas o Santander eu não gosto”, isso são pesquisas que a gente tinha. Então, foi um trabalho de como é que a gente consegue pegar os valores do Santander que são bons, os valores do Real que também são bons e a gente conseguir juntar numa terceira coisa. Então, o Santander depois do Real, não era o Santander que era antes e o Real não era o Real que era antes, é uma terceira coisa, que é o que nós estamos vivendo hoje: pegando o melhor dos dois. Isso em termos de sistemas, metodologias, processos, produtos, marketing... Como é que a gente aprende com o outro e faz uma terceira coisa e essa terceira coisa é uma coisa nova, é uma nova proposta. Então teve todo um trabalho de comunicação, da marca Santander, da história do juntos que é uma maneira de você suavizar um pouco a marca, de se aproximar, de esquentar, não é uma marca fria e distante como na categoria assim traz. Porque banco é como tecnologia: é uma coisa mais distante, você tem que aproximar, porque as pessoas têm um certo medo, até, né? E tem uma visão interessante que nós não somos banco, nós prestamos um serviço, que no caso, é financeiro, quando você muda essa perspectiva, você vê que você está aqui pra servir, você está aqui pra ajudar, você está aqui pra orientar, pra prestar um serviço. Aí muda essa perspectiva. Eu acho que isso aqui é uma coisa que permeou, todas as áreas do banco, estou falando em prazer em servir, de querer ajudar, isso é diferente, isso torna o Banco mais humano e o marketing vem para ajudar isso. Seja na comunicação interna ou externa.
P/1 – Certo. E nesse mundo do marketing, da comunicação, que isso está mudando com redes sociais, com todas essas novas tecnologias, como é que você percebeu essa mudança no marketing, né, essa chegada, esses novos caminhos da comunicação?
R – Essas comunicações, isso não só para o marketing, mas para as empresas. Primeiro que o mundo está trazendo inovações de uma forma muito rápida. Antigamente uma tecnologia para pegar demorava vários 50 anos, TV, 30, internet, cinco e por aí vai, né, as redes sociais apareceram de uma forma muito rápida e as empresas, quando eu falo empresas, entenda as pessoas que estão hoje conduzindo essas áreas dessas empresas, têm que aprender a lidar com isso, porque é uma coisa muito nova. Porque antigamente, numa situação anterior, antes de internet, mídias sociais e tal, a comunicação da empresa era unidirecional, eu falo com você através da TV, não tem retorno. Com mídias sociais você não chega nem a falar, eles estão falando. Então, eu lembro de discussões tipo: Será que a gente deve ter a nossa marca em mídia social? Isso não é questão de querer ou não, você já está. Você não tem controle algum”. Isso causava uma estranheza: “Mas como assim?” “Como assim, sim, você já está na boca do povo, estão falando, cabe a você querer acompanhar ou não”. E ver, interagir. E essa interação é uma coisa nova, como é que tem uma interação quando você não está no mesmo lugar com pessoas que você nunca viu falando da sua marca que demandam você e você tem que dar resposta imediata, como é que funciona isso?” Não dá tempo de pegar essa questão levar pra um comitê pró comitê analisar, levar pro Jurídico e aí retorna, não, você tem que dar resposta imediata, como é que você capacita a pessoa pra falar em nome da empresa? Isso são sistemas, processos, profissões que não existiam, né, então, todo mundo teve que aprender e estamos aprendendo ainda, é uma coisa muito recente com risco, risco de imagem, risco reputacional, e você está lá interagindo, sem parar. Eu me lembro uma vez que um cliente fez uma reclamação pelo twitter e a nossa resposta foi: “Muito obrigada, não sei o quê, tal, tal... para essa sua demanda você tem que ligar no SAC, telefone 0800 e tal”, a resposta dele: “Desculpa, eu não vou ligar pra lugar algum, eu escolhi me relacionar com o banco através do twitter. Não venha você me dizer que eu tenho que ligar, porque eu não vou ligar”, ou seja, a gente falou: “As pessoas estão escolhendo como se relacionar com o Banco, não é mais o Banco que escolhe”. E como lida com isso? Então, não tem processo, não tem metodologia, não tem sistema. A coisa boa que isso é democratizado isso, né, essa insegurança acontece em todas as empresas, como nós vamos lidar com isso aqui, né, como é que lida com uma coisa que todas as pessoas da empresa vão ter que fazer, só que como é que a gente capacita. Como é que as pessoas de todas as áreas podem falar através da empresa, pela causa da empresa? Você tem que ajudar, porque você não tem mais como controlar, não vai ter uma área central que vai ver tudo o que está sendo feito, não tem isso. Você tem que empoderar as pessoas para que elas, ao entenderem, respondam de acordo com o que acreditam. Que tem que ser essa causa única da empresa. Isso é um processo muito novo no mercado, as empresas estão aprendendo a lidar com isso, que não é fácil.
P/1 – E como é que o Santander está começando ou buscando esse caminho, né, qual que é a relação com essas novas mídias, com esse momento de mudança?
R – Tem uma equipe que lida com isso. Nós somos acho que uma das primeiras empresas a ter twitter, hoje nós temos, sei lá, 30 mil seguidores ou algo assim, se não for isso, é próximo. Facebook, tem o Formspring. O banco está lá, tá falando, tá interagindo. São pessoas que cuidavam de Marketing Digital, ainda cuidam, mas agora têm esse olhar também, aonde você tem essas perspectivas, o digital tem algumas perspectivas, tem uma que é tecnológica, plataformas A&T, tem a outra que é a comunicação: fazer as comunicações de internet; Tem outra que é relação e cada uma tem a sua característica. Temos na equipe, que acompanha que vê, Facebook, você passa lá na área, tem as pessoas olhando o Facebook: “O que está fazendo?” “Estão acompanhando o que está acontecendo com o Banco em tempo real e respondendo, interagindo”, olha a diferença que antes era só uma relação de eu falo, você ouve – ou não ouve, para uma relação de igualdade, a gente fala pra pessoa, a pessoa fala pra gente num nível de igualdade, as empresas não estão numa posição superior, não, todo mundo igual, né, o que é um avanço da sociedade isso. Isso não acontece só com empresas, a gente vê no mundo político, todo o movimento das sociedades árabes, o que está acontecendo, o que a tecnologia trouxe, acesso à informação, possibilidade de reunião, de divisão de valores... Você não precisa estar fisicamente no lugar pra poder conversar com as pessoas. Na época do período Militar era difícil você conseguir fazer uma reunião, porque eles estavam querendo fazer um complô contra o Governo. Com a internet você não precisa se reunir em lugar algum, né, você está reunido e não está e isso possibilitou o compartilhamento, a democratização mesmo de pensamentos, de ideias e de conceitos e isso virou um movimento que está trazendo. O que eu acho que o mundo tem a chance de melhorar bastante. Vamos ver como é que se desenrola essas questões todas.
P/1 – E vendo o mundo assim, a partir dessa perspectiva, né, que a gente estava agora conversando um pouquinho que você contou, qual que é a função nisso tudo de uma estratégia de comunicação, de ter um estrategista, por que isso é importante?
R – Acho que são vários aspectos. As pessoas hoje, numa relação de consumo não buscam apenas a satisfação das necessidades básicas, porque isso já foi preenchido, você vai no supermercado hoje, você pode comprar qualquer produto, claro que tem o que você gosta mais, gosta do perfume, se dá melhor com o outro, mas não é como era na década de 1980 em que tinha um produto que funcionava e era bom e um que não funcionava e era ruim. Tanto é que na década de 1980 o grande movimento de qualidade foi esse. Para poder trazer qualidade, porque qualidade era fator competitivo. Hoje, isso foi comoditizado como tudo, então, equipamento, maquinário, tecnologia, qualidade é tudo comoditizado, hoje você não precisa nem ter fábrica para fazer as coisas, você faz fora. Nike nunca fez um tênis na vida, os produtos Apple são feitos lá no extremo Oriente. Você não precisa ter fábrica, então, a produção é comoditizado, fazer produto, ok, se você compra um produto ou compra outro, sabe? Está lá e o produto funciona. Então, as pessoas cada vez mais buscam na relação de consumo o que está por trás, uma causa, uma coisa que vai além disso: “Ok, o produto funciona, o preço é bom e está legal”, só que não pode parar aí. Tem uma coisa que vai além, aí entra no campo do intangível, né, no que essa empresa acredita, o que ela faz, o que está por trás dela, né, ela faz de um jeito consciente, de um jeito inconsciente, ao fazer o produto, a maneira que ela se relaciona com a sociedade, ela respeita questões ambientais, sociais... Ela constrói algo de novo no mundo? Tem um termo jurídico que eu gosto muito que é você definir empresa pela razão social. Esse nome nos faz, nos remete à origem do negócio que é: Qual é a razão da sua empresa interagir com a sociedade, qual o motivo de você viver na sociedade? Claro, ganhar mercado, ter lucro, isso é válido, justo e tem que ser feito, senão a empresa não sobrevive. Mas o que é além disso, é só isso? Então, as pessoas na relação de consumo e até dentro de empresas querem a causa corporativa. “Eu estou aqui por que mesmo?” Claro, para trabalhar, ter um salário, me desenvolver profissionalmente, certo, mas o que mais tem, qual é o legado? Nós estamos falando de legado, agora, que nós vamos deixar para as próximas gerações, o banco é uma empresa centenária, antes de nós chegarmos aqui, uma outra geração trabalhou e nós recebemos esse ativo, esse legado, positivo ou negativo, enfim. E agora nós estamos construindo próximos, nós vamos deixar alguma coisa aqui, pode ser boa, pode ser ruim, o que nós vamos deixar, né? Você já começa a falar de questões inter-geracionais. Então, como é que o marketing pode atuar nisso? Trabalhando essas questões mais intangíveis, trabalhando valores e marcas, ajudando a empresa a compreender o que foi definido pela alta direção, sob a perspectiva de missão, de visão de valores para que todos entendam e implementem isso no seu dia-a-dia, né? O Marketing e o Branding, já estou falando, ele tem essa missão também de fazer esse novo pacto com as pessoas. Um pacto onde: “escuta, nós apesar de termos papeis diferentes empresas, consumidores, nós estamos aqui pro mesmo propósito. Somos uma empresa, nós queremos conquistar o mercado, queremos crescer, queremos sobreviver, ter lucro, porque o lucro serve pra várias coisas, entre elas, investir aonde eu preciso desenvolver mais ainda, né, mas nós estamos juntos, não é uma coisa a empresa e você, não, estamos no mesmo lugar, a gente vive dessa sociedade, se a sociedade for mal, a empresa que está inserida nela também vai mal, se a sociedade for bem, a empresa também vai bem. No nosso caso é muito claro: quando o mercado se desenvolve, nós temos mais pessoas bancarizadas, nós temos mais pessoas que podem necessitar de crédito, o nosso negócio aumenta. Desemprego, retração na Economia não é interessante pra nós, aliás pra nenhum banco e pra nenhuma empresa. Não dá pra pensar mais só na perspectiva de empresa e do público alvo, a gente tem que pensar em todos os stakeholders, como é que a gente faz para que todos cresçam para geração de valores acontecer, então o marketing vem tratar dessa perspectiva, essa nova relação com o consumidor.
P/1 – E qual que é a causa Santander?
R – Acho que tem várias, mas essa proposta de querer fazer o novo; querer inovar, que é algo que está dentro da essência do DNA do Santander; querer fazer coisas diferentes que sejam boas para as pessoas, boas na perspectiva de clientes mesmo de banco, poxa isso aqui é uma coisa legal, um produto novo, um serviço novo, uma nova perspectiva, inovação mesmo. E ao fazer isso, pra modificar o mercado, você tem a chance das pessoas olharem e pensarem: “O Santander é uma empresa diferenciada”. Ao fazer isso, conquistar o mercado, conquistar a participação de cota de mercado, oferecer coisas diferenciadas, ser um banco que pensa diferente, que traz inovação e o Santander fez muita coisa nova, principalmente na Espanha onde os bancos estavam assim, de certa forma, acomodados, né, há 20 anos atrás o Banco Santander era um banco regional, hoje está entre os dez maiores do mundo. Isso não foi de graça. Foi com muito trabalho, com muita inovação. Então, acho que é essa a causa de fazer um trabalho bom, de fazer algo novo, de querer inovar, de querer trazer novos ares, de querer construir as coisas.
P/1 – E para que exista uma comunicação efetiva, né que de fato mostre a causa Santander, que traga uma repercussão, o que precisa ser feito e como que isso é percebido?
R – Bom, a comunicação, na verdade ela só materializa, mostra aquilo que o banco faz. Houve um momento no mercado quer as empresas poderiam fazer uma coisa e falar outra. Hoje isso não é mais possível, se você fizer isso, vão descobrir que você está sendo esquizofrênico, falso, cínico. Hoje não dá. Então, a comunicação vai materializar aquilo que o Banco acredita, o que o Banco faz, se o Banco acredita e faz coisas boas, a comunicação vai falar, se não faz coisas tão boas, como é que eu posso falar? “Não, vou fazer de outro jeito”, mas não tem outro jeito. A transparência não é mais opcional, ela faz parte do contexto. Então, a comunicação ajuda, na perspectiva interna, as pessoas entenderem qual é essa causa, pra onde nós estamos indo e no externo, puxa, nós pensamos de uma determinada maneira e nós acreditamos que o melhor é fazer assim, isso não é bom, não é ruim, é diferente: Acreditamos em determinadas coisas, tem gente que vai gostar e que vai se interessar, tem gente que não vai. Isso vira um diferencial na empresa. Não é mais o produto, o serviço. Claro que tem que funcionar, mas: O que a empresa pensa, o que ela faz? Ela faz as coisas porque a Lei determina ou deixa de fazer quando a Lei proíbe? Ela acredita nisso? Quem é essa empresa com quem eu estou me relacionando?
P/1 – E como é que a área de estratégia de comunicação se comunica com as demais áreas do Banco, né, como é que ela faz de fato acontecer as trocas, ou a comunicação interna, né, pra isso estar na transparência, pra isso estar na causa, pra isso estar assim, no cotidiano?
R – A estrutura nossa, ela facilita porque é uma área centralizada, né, então todas as áreas do Banco demandam a gente, para fazer comunicação, seja qual for, interna, externa, enfim, então, a gente tem a possibilidade de no mesmo lugar olhar as diversas comunicações, conteúdos e formas sob essa mesma perspectiva e compartilhando com as outras pessoas da área, para que a gente possa garantir que a comunicação tenha uma unidade. Para o cliente ou não cliente que está olhando o Santander de fora, ele não sabe que a estrutura é feita assim ou assado, ou é dividida aqui ou ali. Para ele o Santander é um só. Pelo grau de complexidade que as empresas são divididas, mas para o cliente é uma empresa só. Não importa como está funcionando dentro. Então, a gente consegue ter contato com as áreas diariamente, a minha área específica, e a de uma outra colega, está lá o dia inteiro conversando com eles, entendendo as demandas, trazendo pra casa e transformando as estratégias de negócios em estratégias de comunicação, tendo um eixo central, uma estrutura única, isso facilita muito, porque você vê o Santander nas diferentes exposições, nas diferentes comunicações, seja ela num comercial de TV, num spot de rádio, um jornal, um evento, você vê que é uma unidade, é o mesmo jeitão de fazer as coisas e pensar. Isso facilita bastante do que você ter cada área fazendo uma coisa, escrevendo de um jeito e comunicando de uma maneira.
P/1 – E por que é importante para um banco tentar essa humanização nas relações? Como é que isso influencia o trabalho, o seu trabalho? Por que isso é importante?
R – Tem uma questão aí que é do ser humano: ninguém quer se relacionar com objetos inanimados, máquinas. A gente se relaciona por questão de praticidade, mas é muito melhor falar com o ser humano do que falar com um telefone, uma URA. Então, essa humanização torna o serviço bancário mais próximo, você entende a necessidade da pessoa, né, você quer realmente saber o que está acontecendo pra poder ajudar, né, e a pessoa que se sente acolhida, isso vale para qualquer empresa: quando você tem um problema com a companhia aérea, você quer resolver digitando as teclinhas ou quer falar com alguém que te atenda e que resolva? Você está num momento crítico, você precisa de ajuda, então, e não é fácil. Nós não temos meia dúzia de clientes, nós temos milhões de clientes, como é que a gente consegue disseminar, multiplicar algo assim, tá certo? Porque é diferente de você comprar uma roupa de uma costureira, um alfaiate que faz só pra você do que comprar numa loja pronta. São duas propostas, uma não é melhor do que a outra, são duas coisas diferentes. Mas, no serviço financeiro, ainda mais num serviço que as pessoas não gostam muito de falar, não entendem, não conhecem e só falam quando precisam mesmo, porque quando não precisam, as pessoas estão pensando em outras coisas, em música, em saúde, em diversão, em cinema, em teatro, essas coisas. Ninguém pensa em banco. Banco é uma necessidade. Então, se a gente não aproximar, essa barreira começa a atrapalhar a interação e no mundo tecnológico e interativo, se a gente não construir esse canal e cabe a nós construir e alimentá-lo, vai ficar uma relação difícil, distante. É como uma pessoa ter uma relação distante ou próxima: você se sente mais à vontade quando você tem uma pessoa próxima, que você pode conversar, que você confia, que você acredita, que você está mais relaxada para interagir do que ficar numa coisa tensa: “será que ele vai me roubar, será que ele está me enganando?” É uma mudança cultural.
[Troca de fita]
P/1 – Agora conta pra gente um pouquinho como é que funciona então esse Círculo Colaborativo, essa prática colaborativa nesse seu setor? Como ele funciona, por que ele existe, como que ele começou?
R – O Círculo também foi uma inovação nesse aspecto... No sentido de construir uma plataforma para as pessoas interagirem entre elas, sem uma unidade central, sem um comando. Está lá e funcionando. Em breve, nós vamos ter evoluções que vão tornar ainda mais amigável essa relação. Começou tendo uma ideia de que o conhecimento da maioria que é maior do que qualquer pessoa brilhante. Então, o conhecimento das massas, essa troca de informação, olhar o problema sob diversas perspectivas; olhar, ter a visão do outro – quem sabe ele está vendo alguma coisa que eu não estou vendo aqui? Criar essa troca de conhecimentos para que a gente possa, na troca, gerar valor. Então, essa plataforma foi colocada lá para que isso aconteça. É claro, que também como uma coisa muito nova, as pessoas ficam: “como é que eu vou?” É diferente de estar numa mídia social sua, Facebook ou num outro lugar que você está lá com seus amigos e coloca lá o que você pensa e tal. Num ambiente profissional as pessoas têm um pouco mais de receio, mas eu acho que isso é uma questão geracional, as próximas não vão ter. A gente possibilitou que isso ocorra porque é uma questão... Nós não fazemos isso porque é uma coisa bonitinha. Não tem nada de bonitinha. Quer dizer, é bonita também, mas é uma questão de necessidade. A complexidade do mundo está tamanha que a gente precisa de todos. Não dá para imaginar que é um, dois ou três que irão resolver isso. Não irão. Não tem um super sério, isso em qualquer empresa, um super sério, uma área que vai resolver todos os problemas, um oráculo... Não tem. A complexidade hoje é tanta nas vidas, no mundo, que a gente precisa de todas as pessoas conversando, discutindo essa questão da diversidade, para que possam trazer um pouco de... No mínimo nós vamos sentir um pouco melhores, compartilhando a dor. Mas que as pessoas possam colocar lá e a gente vai aprendendo uma com o outro. Isso torna o ambiente mais rico. É uma questão de necessidade, porque é uma coisa... As pessoas têm que interagir. Com o tempo vai indo, vai falando. Mas no começo: “Como assim? O blog do presidente? As pessoas vão escrever direto ao presidente, como é que funciona isso?” “Pois é, vão.” E aí coloca a plataforma e vê que: “tudo bem”. Por que ajuda, a gente começa a ter uma sensibilidade maior, começa a baixar a anestesia, você começa a perceber lá longe o que está acontecendo... Um problema aqui, o que é muito positivo. Então ele veio com essa perspectiva: como é que a gente consegue falar com todo mundo? Primeiro, todo mundo tem de sentir que nós fazemos parte de um ambiente só, que todos aqui trabalham no Santander e não na concorrência. Estamos aqui todos juntos, a causa é uma só. E, também, colocar lá as coisas para debater, as dúvidas, os questionamentos. Quando você não fala com as pessoas você dá o direito a elas a imaginarem o que quiserem, porque não tem informação. Ela cria o que quiser. Quando você desobstrui os canais você está dando a chance da pessoa conhecer e, talvez, reformule o seu pensamento à respeito de um determinado ponto. Claro, não é só com a plataforma, porque a comunicação é muito rica e, ao mesmo tempo, limitada. É difícil transmitir sentimentos, proximidades e calor humano num texto. É por isso que as pessoas preferem conversar com as pessoas e menos com o texto, porque é mais próximo. Então, só a plataforma não resolve, é uma questão de modelo mental; de querer interagir, de querer participar, enfim. Apesar de ser uma coisa nova você vê a explosão do Facebook... As pessoas querem falar e isso é positivo.
P/1 – E aí, então, com todo esse cenário dessas redes sociais, com os blogs, toda essa comunicação e com essa preocupação do Banco de estar junto e ir acompanhando tanto esse movimento como o da chegada das tecnologias, cada vez mais rápido... Como é que você imagina esse cenário assim num futuro próximo? Como é que o Banco está se preparando para um amanhã, onde isso vai estar ainda mais rápido, mais fragmentado, mais espalhado?
R – Tem duas maneiras de olhar pro futuro: tentar adivinhá-lo ou se preparar para um futuro desconhecido. Tem algumas empresas de tecnologia ou de energia, que perguntam para as pessoas, nas suas home pages ou algum site específico: “Qual é a sua opinião vai ser o futuro da energia no mundo?” Os clientes falam: “Como assim? Você que tem que saber!” Agora nem eles sabem... Vamos falar da tecnologia: Como é possível alguém chegar e falar: “Daqui a dez anos vai acontecer isso”? É impossível prever, é impossível. Antigamente, e eu sou de uma época, no começo da carreira, que eu fazia planejamento estratégico para dez anos e isso já era estranho na época. Eu tinha que consolidar os produtos que eu gerenciava por tamanho. Então, por exemplo, se tinha o shampoo de 300, 200 e cem mililitros... Eu tinha que saber quanto que ia vender de cada item nos próximos dez anos: nem a mãe Diná consegue prever isso. Como assim dez anos? Não dá. Talvez na época do Império Romano desse, mas agora? Não sei. Com tudo que aconteceu no mundo, como é que você vai poder prever? Não dá, o externo ficou incerto. Tudo o que você sempre acreditou, sempre aprendeu. Eu sou de uma geração que via o seguinte: Brasil-terceiro mundo, dívida externa impagável, e inflação galopante. Hoje o Brasil já não é terceiro mundo, é emergente; não tem dívida externa, muito pelo contrário, é superavitário e não tem inflação, muito embora, tenha que tomar cuidado. Como assim? Os países do primeiro mundo estão dependendo de ajuda dos países do chamado terceiro mundo, ou agora mais recente, de emergentes. Como assim? Imagina uma pessoa que ficou em coma por dez anos e acordou agora. Ela olha para o mundo e fala: “O que é isso?” Porque foi uma mudança tão rápida e em tão pouco tempo. Como é que a gente pode prever qualquer coisa? Não precisa ir tão longe: o que vai acontecer agora com a Europa, com a Grécia...? Quem pode prever? Ninguém sabe. Você não tem mais como se fixar para poder caminhar, porque o externo muda, ele é dinâmico, rápido. Se as empresas se basearem no externo... Porque antigamente, na perspectiva do ferramental de marketing era: ‘Eu vou perguntar para o cliente o que ele deseja e o que ele falar eu vou produzir’... Isso funcionou por um tempo. Quando todo mundo faz as mesmas perguntas para as mesmas pessoas, obtêm as mesmas respostas, logo, vão fazer os mesmos produtos, ou seja, comoditizado. Eu preciso ir além disso. Claro que eu vou ter que ouvir, a gente tem que pesquisar, sem dúvida, mas se eu parar aí eu vou ser igual ao meu concorrente. Eu preciso me subsidiar das informações e olhar para dentro e não mais para fora. Para dentro vai onde? A visão da empresa, a missão... O norte passou de externo para ser interno; o que eu acredito como empresa, qual é a minha razão social. Independente do que aconteça fora eu, como empresa, acredito nisso. E ai fica mais tangível. Dependendo da situação eu vou me apegar aqui, porque isso é... Meus valores são imóveis, isso não é negociável, independente de inflação, câmbio, situação externa. Eu vou trabalhar no mercado de acordo com isso aqui, com o que eu acredito. E ai você muda essa perspectiva, deixa de olhar para fora e começa a olhar para dentro também: quem nós somos, quem é a empresa, onde ela está e para onde ela vai? São perguntas complexas: Quem nós somos como empresa? Qual é a nossa identidade? Isso vai muito além de participação do mercado, de lucro. Isso também é commodity... Quem nós somos? Onde estamos e para onde queremos ir? São três perguntas de difícil resposta mas, tendo isso respondido, as pessoas têm a chance de olhar e falar: “Eu acredito nisso” ou, “Eu não, não acredito”. “Então tá bom: veja o que você quer fazer da vida, mas a empresa acredita nisso”. Você pode se associar a essa causa ou não: fica a seu critério.
P/1 – E quais são esses três pilares em termos de Santander? Quem que é o Santander, para onde que ele quer ir?
R – Então, é o que eu falei: ele é uma empresa que veio para fazer as coisas de uma maneira melhor, de alavancar esse mercado, trazer um ar novo. Fazer as coisas de um jeito interessante, que as pessoas se identifiquem, que elas queiram: “Poxa, isso é um jeito de fazer banco de forma diferente”. O banco não precisa ser como as pessoas imaginam que é um banco: aquela coisa fria, distante, racional. Isso já é disseminado na mídia. Vocês já assistiram ao filme “Meu Malvado Favorito”? Você assistiu? Tem uma parte lá, que ele, o Malvado, tem um projeto de causar o mal para a humanidade. Ele quer roubar a lua. Se ele tem o projeto e vai vender o projeto. Então onde ele vai? Vai num banco. Ele entra no banco, o corredor tem umas colunas, embaixo daquelas colunas de mármore tem pessoas esmagadas. E ele vai andando. Quando ele chega lá na frente está escrito assim: ‘Banco do Mal’, embaixo: “Ex-Lehman Brothers”, sabe? Eu coleciono aquelas tirinhas de jornal e sempre que sai alguma coisa de banco eu guardo, que é para usar em aula. Nelas se vê qual a perspectiva que as pessoas olham para um banco, quer dizer: frio, distante, que quer o seu mal, quer dizer, essa é uma perspectiva ruim que tem de ser mudada. E para ser mudada leva tempo. Você tem que descer do pedestal, tem que ficar humilde, tem que conversar com as pessoas... Prestar um serviço na verdade. Então, acho que a proposta do Santander é a vocação comercial. O Santander é um banco comercial, quer fazer negócios, mas negócios de um jeito que seja bom para o Banco, para o cliente e para a sociedade. Não é negócio por negócio. Se eu vou fazer um negócio que vai prejudicar a sociedade... Isso não existe mais. Qualquer empresa que pensa assim vai sucumbir. Então, o banco tem uma visão comercial. Ele quer fazer negócio, quer construir, quer fazer coisas. É um banco de ação e não um banco de reflexão, que pensa no mundo... Não! É um banco de ação, quer por ação na vida: porque o mundo acontece na ação e não na reflexão. Então, acho que isso: um pouco é a inovação, a vocação comercial, o desenvolvimento de pessoas. Eu acho que gira em torno disso: o Banco das idéias... Ter uma visão. Mas ideias que sejam boas para as pessoas, que gerem novos negócios. Tem uma definição: Criar coisas novas – mas não é só pensar ideias e não aplicar. Não. Pensa na ideia, vê melhor, aplica, vai e faz. Esse é um pouco o limiar do Banco.
P/1 – E como é que é trabalhar com a criatividade, né, em todo esse espaço, Banco, né, como que são desenvolvidas as campanhas, como que foi feita essa última: ‘Vamos fazer juntos’?
R – A gente tem vários inputs, fundamentalmente dos negócios, de onde nós queremos colocar a nossa marca, inputs da concorrência, pesquisas de mercado... São vários e ai, a gente discute internamente, monta o desenvolvimento estratégico, um briefing e ai, tem um parceiro que está conosco há bastante tempo, que traduz, uma empresa de comunicação, que traduz esse pensamento estratégico, até nos ajuda a construí-lo, numa linguagem, que seja uma linguagem interessante, relevante, divertida, que é para as pessoas olharem e entenderem, como se fosse um tradutor. Isso pode ser surgir de várias maneiras, pode ser um insight, pode ser um estudo aprofundado. Tem uma metodologia, tem um processo que facilita isso, que torna tangível essa coisa que, aparentemente, é intangível, que deixa um pouco mais claro o caminho, nós vamos pra cá, como? Nós vamos discutir, mas o caminho é esse e ai a gente conta com o trabalho não só deles, mas várias empresas que nos suporta para essa discussão.
P/1 – Qual que é o impacto dessa área de estratégia de comunicação pro dia-a-dia bancário e… qual que é o impacto dela aqui?
R – Mas em que sentido?
P/1 – No sentido do dia-a-dia do Banco, do porquê ela é importante?
R – Eu acho que, primeiro, esse conceito de comunicação interna e externa é relativo, porque quando você faz uma comunicação externa, claro que ela é interna. Para quem está assistindo TV em casa, se é funcionário do banco, você está comunicando para ele. Então também é interna. Claro que algumas comunicações são específicas para o público interno – sei lá, uma mudança de processo, certo? Mas a comunicação é uma coisa só. Eu acredito que ao verem uma proposta dessa na TV, na revista, no jornal ou na internet, enfim, as pessoas que estão com os clientes começam a ter também uma perspectiva, um direcionamento para onde o Banco gostaria de ir, e ai, não é só a campanha externa, pois tem todo o suporte, que é comunicação interna, dirigida para ele... De modo que os ferramentais de comunicação interna trazem para que as pessoas entendam: Para onde nós queremos ir? Como funcionário ou como sociedade, qual a proposta do banco, qual a sua razão social? Qual é o seu jeito de ser? E você pode ter gente que sinta atração ou gente que não, mas enfim, acho que um dos impactos é esse. Fora que também tem o aspecto de orgulho. Você trabalha numa empresa que faz uma proposta boa e que você olha e diz: “Puxa!” E mais, você está na sua casa, numa reunião social, sei lá, passa um comercial do Banco, as pessoas perguntam, geralmente o cunhado: “Escuta, é verdade isso tudo?” Se não for verdade, é um pouco constrangedor: “Não, não é, não sei”, ou seja, qual é a relação que se desenvolve entre esse funcionário e essa empresa? Muito diferente de falar: “É verdade, a gente faz isso mesmo”. E claro que não tem empresa perfeita, ainda mais em serviços. Tem problemas, lógico, mas não tem dolo na origem. A origem é querer fazer o melhor, muitas vezes não consegue, porque não deu tempo, porque não desenvolveu sistemas, porque está aprendendo, porque tem falhas, é assim. Mas a causa: “eu quero fazer uma coisa bacana”, às vezes consegue, às vezes não, estamos sempre querendo melhorar.
P/1 – E numa parte assim avaliativa, quais são os seus maiores desafios agora, né, e quais foram os seus maiores aprendizados na entrada pro Marketing ou para Comunicação nessa área financeira?
R – Os desafios são enormes. Tem o desafio de agenda, que é complicado. Tem vários cursos aqui internos, e eu falo que: “Eu precisava me inscrever num curso de onipresença” (risos), para fazer quatro reuniões ao mesmo tempo. Muitas vezes a gente tenta e, por incrível que pareça, às vezes consegue (risos) – duas reuniões ao mesmo tempo, fico um tempo numa e um tempo na outra, porque não tem como priorizar uma ou outra em alguns momentos. Às vezes sim em outros. Então, dar vazão a isso. Eu sou uma pessoa que gosta desse nível de atividade, mas chega uma hora que você tem uma limitação física, de tempo. Como a gente consegue equilibrar todo o desenvolvimento das coisas – que precisam ser entregues, junto com o desenvolvimento de pessoas, da equipe? Como deixar de fazer as coisas para entregar as que precisam ser entregues através das pessoas e, ao fazer isso, desenvolver pessoas? Isso é complicado, porque você tem que priorizar e olhar pra isso. Se você deixar, o dia-a-dia te suga para aquelas coisas que precisam ser feitas mas não alimentam muito a alma, sabe? O dia-a-dia, a entrega, aquela coisinha pequenininha que você precisa fazer, mas que é importante. Se você não fizer uma força muito grande para o desenvolvimento de pessoas, capacitação, orientação... Se você não fizer um esforço, cai nesse dia-a-dia, que de novo, é importante, mas acho que um gestor não está lá para fazer isso: ele está lá para orientar as pessoas para que façam isso cada vez melhor. Mas não tem jeito, às vezes você acaba indo pra lá. Então, eu acho que o desafio, que não é só meu, mas de todos – e não só aqui no banco, é como equilibrar essa agenda? Como ser mais produtivo com o tempo limitado, fixo? Produtivo nesse aspecto, de você fundamentalmente desenvolver pessoas. Os aprendizados são enormes e toda ordem, desde ter que lidar com muitas coisas ao mesmo tempo, o aprendizado de lidar com as pessoas, com os negócios, o cliente... É um aprendizado constante, que você vai se reinventando a cada dia; joga coisa fora, pega coisa nova... Você é obrigado a jogar coisa fora, não tem como guardar e guardar e guardar. Você vai deixando coisa pelo caminho. Isso é vida, isso é movimento. Como equilibrar também com a vida pessoal, com as minhas filhas. E além do Banco, eu também dou aula, eu gosto disso. Então é muita coisa, uma vida, mas são coisas que eu acho que valem a pena você passar, ver, construir e deixar um legado, deixar uma... Como eu falo? Quando eu entrei no Pão de Açúcar ele estava ruim; quando eu saí de lá, era líder. Claro que não foi por minha causa, evidentemente, mas eu ajudei um pouquinho, bem pequenininho, tem um grãozinho de areia lá meu, um grão de areia pequeno, mas é um grão de areia, que sem ele a obra seria menor, um grão de areia a menos. Iria ser imperceptível, é verdade, mas é gostoso você olhar e falar: “Puxa, eu participei daquela história”. Sofri, era um momento complicado, era um barco que estava afundando. Hoje você vê e fala: “Puxa, que bacana”. O momento que a gente passa aqui é outro, claro. Mas passar por uma fusão dessa, de construir o novo, de você trazer uma nova percepção da marca é um momento de aprendizado, de uma riqueza, que eu acho que é o momento mais rico de estar. Depois que passar e estivermos caminhando e tal, ok: Vai ser bom também. Mas não vai ter essa riqueza de aprendizado. Portanto, esse é um momento único. Você pode olhar isso de diversas maneiras: pode olhar o lado positivo, o negativo, mas, enfim, tentar trazer o positivo. Engraçado, como o ser humano é. O lado negativo nos salta aos olhos e o positivo a gente tende a ocultar, não sei porquê. Mas a gente tem que fazer um esforço para ver o positivo – olha que coisa interessante? Em vez de ficar o negativo escondido, não. Então, você tem que pensar que tem o lado positivo também. E tem muito.
P/1 – E como é que foi para você então na sua carreira a promoção a superintendente executivo, como é que você recebeu isso?
R – Sei lá, eu não penso nisso. Eu já entrei nessa função, como superintendente executivo. Eu confesso que isso é uma coisa que eu não penso muito. Penso em como fazer o trabalho, fazer o melhor, construir o melhor. “Ah, é verdade, é...!” Porque eu estou aqui de plantão, assim como as outras pessoas, não só na empresa, mas nesse planeta (risos). Hoje eu estou aqui, mas posso estar lá, enfim, não importa. Vamos fazer o trabalho.
P/1 – Certo. Então, qual que você considera a sua principal realização aqui no Banco?
R – Eu não sei se tem uma, como “essa daqui”. Tem algumas que eu falo: “Puxa, essa aqui foi legal”. Quando eu entrei no banco em novembro e em março nós fizemos uma campanha mundial, o Banco estava lá num momento, enfim... Foi a minha primeira entrega, mas acho que a principal mudança foi interna, sabe? Depois que eu participei de um curso aqui, que existe até hoje, claro, modificado, aprimorado, que se chama “Ser Líder Santander”, que minha época se chamava “PDL” – “Programa de Desenvolvimento de Liderança”, e que, através desse curso eu comecei a olhar por um ângulo que eu não enxergava. Era um ponto cego que eu comecei a ver e eu resolvi investir nisso, que era: fazer as entregas que eu tinha que fazer, só que, ao mesmo tempo, desenvolver as pessoas e fazer as entregas através das pessoas. Então eu comecei... Eu tive uma ampliação de visão que começou a incluir as pessoas, porque antes era: “Só fazer essa entrega?” “Perfeitamente: você pode voltar aqui no dia que vai ter essa entrega”, e tinha. Eu nunca tinha olhado, mas quando você olhava para trás, pensa: “Puxa, será que não tem um jeito menos poluente de fazer isso?”. E eu comecei a olhar. Isso foi uma mudança muito grande e eu comecei a ver, a estudar, comecei a aprofundar, a fazer curso sob essa perspectiva e é uma coisa que tem trazido muitos ganhos, como profissional, como pessoa, como indivíduo, como cidadão. Isso é uma coisa que eu devo a essa oportunidade que eu tive de fazer esse curso e que foi importante. Na verdade, ele não fez isso, ele só me mostrou uma coisinha e eu fui atrás e foi, fundamentalmente, uma mudança interna.
P/1 - E para gente ir encerrando, para eu também não te atrasar muito, o que você acha dessa iniciativa do banco de identificar a sua identidade, de mostrar, de construir a sua memória através das trajetórias de vida dos seus colaboradores, de quem está aqui?
R – Eu acho muito bom, porque a identidade, a personalidade da empresa é o que diferencia, é o que vai diferenciar as empresas. Porque, de novo: o que ela faz, todo mundo faz, todas as empresas fazem. Saber quem é a empresa e o que ela acredita pode mudar a maneira de fazer as coisas. Eu acho que muda, porque só alguém que pensa sob determinada maneira é que vai fazer as coisas sob essa determinada maneira. E isso é uma questão de competitividade de mercado. Se as pessoas procuram uma causa para interagir com as empresas, através de seus produtos e seus serviços, elas vão procurar empresas que tenham algum valor para que elas queiram se associar: um valor verdadeiro e não uma imagem construída. A gente está saindo de um mundo de adjetivo para um mundo de substantivo: quem você é? E, não, quem você quer parecer ser. E, por essa definição, eu vou fazer as coisas pelo que eu sou. E se isso é muito claro, a personalidade, a identidade da empresa vai ser tão diferenciada que as materializações da empresa, como os produtos, os serviços, serão diferentes. E ela vai se diferenciar no mercado. De novo: não é o que ela faz, mas o como ela faz que pode dar a chance dela se diferenciar, porque só ela poderia fazer isso. Um exemplo, a Apple: só ela poderia fazer aquilo, porque existia uma pessoa que acreditava em determinadas coisas e ele diferenciou: “Nossa empresa é assim, nós vamos fazer coisas porque eu acredito que tem que funcionar, bacana, mas tem que ser bonitas, tem que ter design”. Isso era um valor dele: “Se não tem design, esquece, eu não vou lançar”. Ele lutava para ter e, quando materializa: “Nossa, tem design, o que eu acredito”, e ele se diferenciou no mercado. Esse é um exemplo rápido, mas tem vários outros. É para tangibilizar, não estou falando que é uma diferenciação etérea, não. Se você tem um pensamento tem de materializá-lo através de algo que as pessoas possam realizar: produto, serviço, qualquer coisa. Porque não leva a nada ficar só na visão.
P/1 – Certo e pra encerrar mesmo, o que você achou de participar dessa entrevista, sentar ai e contar um pouquinho da sua trajetória pra gente nessa tarde?
R – Eu gostei porque, na verdade, eu estava aqui contando a história e realmente o tempo passa rápido, é uma viagem no tempo – recordando coisas que faz tempo que eu não pensava. Isso acaba saindo do dia-a-dia. Foi uma viagem agradável, momentos que, na época, foram bons, mas também pesados, mas que a gente, eu pelo menos, felizmente, só consigo guardar o que foi de bom. O resto a gente tira. Então, foi bom pra mim. Eu acho que bom para o banco, para a história, porque eu tive a oportunidade de contar o meu grãozinho de areia aqui... meu grãozinho de areia que é um em tantos outros que compõe tudo isso. E é disso que as empresas são feitas: de pessoas, não de prédios. Não de ativos tangíveis, como mesas, máquinas: isso é commodity. A alma da empresa são as pessoas. Então, isso é um valor intangível, imensurável. Isso é muito bom, muito divertido isso.
P/1 – Tá certo, Fábio. Em nome da Vice Presidência de Marca, Marketing, Comunicação e Interatividade e do Museu da Pessoa, a gente agradece a sua entrevista.
R – Obrigado, eu que agradeço.
[Fim da Entrevista]
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