IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Ana Paula Caldas Spina. Eu nasci em Campinas no dia 12 de junho de 1976 FAMÍLIA Meus pais são Sérgio Luiz Spina e Maria Caldas Spina. São duas famílias aqui de Campinas mesmo. A do meu pai é mais de Campinas que são os Spina e os Nusse. A minha mãe já é do Paraná. Depois é que ela veio para Campinas. Os meus avós vieram e ela veio junto. Ela considera que aqui é o lugar dela, mas a família dela está meio espalhada. Minha avó materna era enfermeira e trabalhava em uma fazenda e o meu avô trabalhava cuidando de uma fazenda de cana-de-açúcar. Cuidava, acho que de quem cortava cana. Não sei exatamente. Os meus avós por parte do meu pai, ela era dona de casa e ele eu não sei. Porque ele morreu antes de eu nascer, então eu não sei exatamente qual era a atividade dele. A minha mãe é professora de História e o meu pai é contador. Tenho dois irmãos. Um é promotor de justiça e o outro é engenheiro químico. Ninguém é de origem do comércio. INFÂNCIA Eu me lembro de Campinas na minha infância que era considerada uma cidade muito limpa, uma cidade exemplo. Eu me lembro ainda que o comércio era só no centro da cidade. Sempre se falava que era uma cidade do futuro, que tinha muitas universidades, tinha muitas cabeças-pensantes aqui. Eu ouvia. Era isso que eu ouvia de Campinas. E o orgulho de ser uma cidade limpa que depois nunca mais foi também. Tinha muitos amigos. Eu ainda peguei a fase que podia brincar na rua, brincar de boneca, andar de bicicleta. A minha filha hoje eu não deixo andar de bicicleta na rua, mas eu peguei essa fase que podia. CIDADES / CAMPINAS / SP Eu senti crescer muito. Muito. Eu acho que aqui acolhe muito bem as pessoas de fora. Tem muita gente de fora aqui e cresceu muito. O comércio cresceu muito, o shopping center, a universidade, eu até perco a conta de quantas tem, mas cresceu para o lado ruim também: a violência, a favela muito grande. Ela absorveu...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Ana Paula Caldas Spina. Eu nasci em Campinas no dia 12 de junho de 1976 FAMÍLIA Meus pais são Sérgio Luiz Spina e Maria Caldas Spina. São duas famílias aqui de Campinas mesmo. A do meu pai é mais de Campinas que são os Spina e os Nusse. A minha mãe já é do Paraná. Depois é que ela veio para Campinas. Os meus avós vieram e ela veio junto. Ela considera que aqui é o lugar dela, mas a família dela está meio espalhada. Minha avó materna era enfermeira e trabalhava em uma fazenda e o meu avô trabalhava cuidando de uma fazenda de cana-de-açúcar. Cuidava, acho que de quem cortava cana. Não sei exatamente. Os meus avós por parte do meu pai, ela era dona de casa e ele eu não sei. Porque ele morreu antes de eu nascer, então eu não sei exatamente qual era a atividade dele. A minha mãe é professora de História e o meu pai é contador. Tenho dois irmãos. Um é promotor de justiça e o outro é engenheiro químico. Ninguém é de origem do comércio. INFÂNCIA Eu me lembro de Campinas na minha infância que era considerada uma cidade muito limpa, uma cidade exemplo. Eu me lembro ainda que o comércio era só no centro da cidade. Sempre se falava que era uma cidade do futuro, que tinha muitas universidades, tinha muitas cabeças-pensantes aqui. Eu ouvia. Era isso que eu ouvia de Campinas. E o orgulho de ser uma cidade limpa que depois nunca mais foi também. Tinha muitos amigos. Eu ainda peguei a fase que podia brincar na rua, brincar de boneca, andar de bicicleta. A minha filha hoje eu não deixo andar de bicicleta na rua, mas eu peguei essa fase que podia. CIDADES / CAMPINAS / SP Eu senti crescer muito. Muito. Eu acho que aqui acolhe muito bem as pessoas de fora. Tem muita gente de fora aqui e cresceu muito. O comércio cresceu muito, o shopping center, a universidade, eu até perco a conta de quantas tem, mas cresceu para o lado ruim também: a violência, a favela muito grande. Ela absorveu muito essas cidades de perto que trazem os trabalhadores para cá como Sumaré, Hortolândia. Ela sustenta muito essas cidades. Cresceu muito para o lado ruim e para o lado bom. Cresceu, mudou muito. COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu lembro que tirava um dia por mês. O dia que a minha mãe falava: “O dia que eu recebi o pagamento e está precisando de roupas e sapatos pra vocês.” Íamos para o centro da cidade. Não era no shopping, era no centro. Ia na Picoloto que é uma loja que também tem até hoje, bem antiga. Comprava lá as roupas de criança, sapato. Tinha a Mesbla. Eu lembro disso. O meu irmão, por exemplo, que é uns dois anos mais novo do que eu, acho que ele já não lembra. Ele já pegou uma outra fase. Eu ainda lembro. Campinas se auto-sustentava, nós nunca fomos pra São Paulo não. Comprava tudo aqui. FORMAÇÃO Eu estudei no Imaculada [Instituto Educacional Imaculada], depois no Liceu [Liceu Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora] e depois no Intergrau. Depois na PUC [Pontifícia Universidade Católica]. Eu não acho que eu tinha uma inclinação para o comércio desde criança não. Eu aprendi porque teve que aprender e depois o comércio tem um gosto muito bom, trabalhar no comércio. E eu peguei esse gosto. Eu fazia faculdade, mas eu sempre imaginava assim: “Como é que eu vou trabalhar na minha área? Como é que eu vou deixar a loja?” Eu precisava estar lá, eu preciso estar lá. Pensava na loja sempre. Até hoje eu durmo e acordo pensando nisso. Eu sou apaixonada pelo assunto de lingerie que é bem a minha área. Adoro isso. Inclinação eu não acho que eu tinha desde criança não. Foi um aprendizado mesmo e vontade. E o meu pai também é assim, o que ele aprendeu muito no comércio é que o comércio precisa muito... Porque ele sempre foi uma pessoa muito organizada e administração é o segredo do bom comércio, mais do que uma boa venda. É mais uma boa administração e isso ele sempre teve essa qualidade. Por isso que também ele se deu muito bem no comércio, mas dizer que ele gosta de vender não é. Ele gosta de administrar como ele administraria outra coisa. E depois gosta da loja porque ele fez a vida toda em cima da loja, ele nós criou. Eu acredito que a formação de jornalista ajudou na loja. Porque a profissão nós escolhemos, por mais que não siga, tem muita coisa que fica dentro de nós. Eu acho que sempre ajuda, por exemplo, quando eu vou fazer a reunião com as minhas vendedoras eu gosto de procurar uma frase para abrir com a frase, para fechar. Eu curto essas coisas. E como eu tenho paixão por lingerie eu gosto de ler tudo que sai sobre o assunto, me interesso muito e isso é mais a parte jornalística, porque não é tanto de vendas só. É a parte jornalística também que gosta disso. A MEIA ELEGANTE O meu pai tinha um escritório de contabilidade que fazia a administração da A Meia Elegante. A Meia Elegante já é uma loja bem antiga, vai fazer 75 anos o ano que vem. Ele fazia contabilidade dessa loja e era muito amigo dos donos que eram uma família bem tradicional aqui de Campinas, eram os fundadores da loja. E depois eles quiseram vender. Falavam sempre para o meu pai: “Eu quero vender só se for pra você porque eu sei que você vai dar continuidade na loja.” E o meu pai sempre com medo: “Ai, não, não. Loja não é para mim, comércio não é comigo.” E eles: “Não, vai dar certo, vai dar certo. Eu quero vender, mas quero vender pra você.” No fim meu pai chamou um sócio e comprou a loja. Isso faz uns 24 anos, mais ou menos. Ele pegou a loja em uma época que o comércio era mais fácil mesmo de... Andava sozinho, vamos dizer assim. E como era a parte de contador e parte de administrativo ele fazia fácil. Depois em 1994, ele já quis que eu fosse trabalhar lá de vendedora porque a loja estava passando por uma crise e ele achou que também já estava na hora de eu trabalhar. Era uma crise mesmo que nós estávamos passando e eu fui trabalhar de vendedora com ele. Aos poucos nós fomos contornando as dificuldades e eu peguei gosto. Eu fiz faculdade e tudo, mas eu já sabia que eu ia querer ficar com a loja, nós passamos muitas crises juntos, nós dois e continuamos até hoje trabalhando juntos e montando mais lojas. A crise já ficou para trás. Fui aprendendo o comércio no dia-a-dia mesmo. Estamos com a loja há 24 anos. Eu falo que é o único trabalho desde que eu comecei a trabalhar é na Meia Elegante. CLIENTES Atingimos muitas pessoas, mulheres, entre 30, 35 até 70 anos. A nossa faixa é uma faixa de mulher adulta mesmo. Houve muitas transformações nesses anos. Mulher já é um ser mutante e eu vi muita diferença. Eu posso falar de uns dez anos para cá, que eu vivenciei isso. A mulher de 40 anos é muito mais jovem hoje, muito mais vaidosa e a lingerie e a meia acompanham isso; lado a lado. Antes uma mulher de 40 anos ia comprar só para a filha, só para neta e para ela comprava uma coisa bem senhora. Nós vendíamos muita camisola de senhora, aquela camisola bem vovó. Hoje não é mais o carro-chefe. É muito mais a linha sexy, mais básica. A história dos tecidos também mudou radicalmente; a evolução dos tecidos faz com que mude a calcinha, mude a costura, mude a modelagem do sutiã totalmente. Esses dias eu fui à feira de lingerie e tinha o sutiã desde a década de 20. Um sutiã de cada década. É inacreditável como mudou nesse tempo. Antes não tinha elástico, era um pano que amarrava. Como que isso era confortável? Se não, era elástico o tecido; como é que sustentava? Mudou muito e a mulher mudou muito e exige cada vez mais mudanças também. E é engraçado porque tem clientes que vão às quatro lojas. Eu falo: “Esse é o fiel mesmo” Porque ele vai às quatro. Tem pessoa que fala: “Eu fiz o enxoval da minha filha quando ela ia casar. Agora ela está grávida e eu venho aqui de novo comprar o enxoval. Quando a minha netinha for usar o primeiro sutiã eu venho aqui de novo.” Até porque estão as mesmas meninas lá, tem um público fiel que é muito legal e que acompanha bem. TRANSFORMAÇÕES DA LINGERIE Começou como uma loja só de meia, por isso que é A Meia Elegante. Não tinha lingerie porque na época não se comprava lingerie numa loja. Fazia em casa, era uma vergonha. Imagine que a mulher ia chegar e falar: “Eu quero uma calcinha.” Não existia isso. Era só meia e consertava a meia, o que é muito engraçado pensar isso. Vender só meia já é estranho e consertar ainda meia... E tinha gente que consertava. E até, às vezes, vai um senhorzinho lá e diz: “Eu já trabalhei aqui, consertava meia na época.” Ainda tem cliente que conta isso. Depois aos poucos começou a lingerie. Nada ficava exposto, tudo ficava guardado na gaveta. Era só aquela coisa bem básica: um sutiã só para sustentação. Ninguém chegava e falava: “Ah, eu quero um sutiã para juntar, eu quero um sutiã para levantar.” Não existia isso. E a camisola era sempre assim: mulher ia dormir de camisola e o homem de pijama. Não tinha também mulher de pijama, mulher de short-doll. Era camisola, aquela camisola com aberturinha para ter neném. E depois – eu já estava com o meu pai – a Valisère fez uma propaganda que era um homem indo comprar a lingerie. Era até o Vitor Fasano, estava bem novinho na época. E aquilo mexeu muito. Começaram a ir homens, que até então também não ia comprar lingerie. Não era considerada uma peça sexy, mas não sexy da pessoa do bem, um sexy normal. Falava na propaganda que: “Eu vou comprar para a minha esposa”. Aquilo mudou também. Desde então começou a ir muito mais homens; mudou muito. Foi um choque na época um homem chegar na TV e falar: “Eu quero uma lingerie para minha esposa”. Também não existia isso. Porque hoje também já é comum. E de loja de meia também, agora nós vivemos muito mais da lingerie e de pijama do que de meia, até pelo clima tão quente. Meia já se banalizou um pouco. Antes todas as mulheres usavam meias-calças. Todas sem exceção. Não punham calças. Hoje, olha, eu e você estamos de calça aqui. Não estamos de meia-calça e nem pensando em por. Isso também mudou muito. Tem uma história, não sei se interessa. Eu vou contar... A loja já estava aberta nessa época que falam que as meias-calças antes eram de nylon, não tinha lycra, não tinha tecido elástico que falavam que era meia de seda. E ela tinha uma costura atrás, que era aquele risco atrás. E na época na guerra falam que faltou muita matéria-prima, como faltou muita coisa em tudo, faltou muita meia-calça e as mulheres, as chiques, não admitiam andar sem meia calça e nunca andariam de calça também. Então, elas faziam um risco na perna com carvão – eu li isso – para fingir que estavam com a meia-calça, porque era um sinal que... Imagine, não tinha status você estar sem meia-calça. E até hoje existe a meia-calça que eles fazem com a costura atrás que não precisa da costura porque ainda é um sinal de uma coisa chique. A costura atrás ficou um pouco desse resquício. Mas nós ainda pegamos a época em que se vendia muita, muita meia-calça. Imagine: todas as mulheres que trabalhavam em bancos trabalhavam de meia-calça. Todas do fórum trabalhavam de meia-calça. O consumo era muito grande e nós vimos cair, cair, cair e hoje ele está bem baixo. No inverno vende ainda bastante, mas no verão é impensável vender meia-calça. Mulher não usa, estraga fácil, é quente. A própria Lupo que é a maior fabricante, sentiu a diferença de ter que vender outras coisas de tanto que a venda de meia-calça cai de ano a ano. Por causa disso. Porque a mulher sai de dia e volta à noite. Imagine que ela vai por meia-calça. Ela sabe que no meio do dia vai furar, vai acontecer alguma coisa. TECIDOS Nós acompanhamos bem ano a ano a evolução das matérias-primas dos tecidos e é uma coisa que muita gente não consegue acompanhar. A propaganda não dá conta de mostrar o que tem de tecnologia por trás dos tecidos. Com filtro solar, muito mais resistente, um fio muito mais fino do que um fio de cabelo, que compõe um tecido e dá muito mais maciez. Agora as novas fontes, essa tendência para o natural, para o ecologicamente correto, usar porque o algodão precisa de um amaciante para ele ficar macio e então já tem a preocupação desse amaciante ser biodegradável, ser tirado de florestas... Desenvolvimento sustentável. Existe essa consciência e a tecnologia por trás do tecido hoje e da costura, do corte é impressionante. Ainda não inventaram uma meia-calça que não fure. Elas melhoraram muito. Elas conseguem ser bem finas e bem duráveis, mas uma coisa pontuda não adianta. Uma unha ela rasga mesmo. TRABALHO Comecei a trabalhar na loja com17 anos. Eu vendia meia. Meia e cueca era a minha área. Estudava também. Estava começando a faculdade. No final da faculdade aquele trabalho que nós temos que fazer, a monografia, eu fiquei um pouco afastada da loja pra fazer. Foi a maior dificuldade, mas eu sempre trabalhei durante o dia e estudei à noite. Foi normal. SHOPPING CENTER Perdeu muito público de poder aquisitivo bom. Ainda tem. Tem gente que não acredita, mas ainda tem um público muito bom, mas se perdeu muito com o shopping. Por exemplo, a pessoa que vai de carro ela escolhe o shopping porque tem estacionamento. Prefere isso a ir ao centro e parar no estacionamento, pagar, depois sair andando. Perdeu-se sim com os shoppings. O centro perdeu muitas lojas boas também. Migraram para o shopping ou para o Cambuí. A Treze de Maio perdeu muita loja boa. FUNCIONÁRIOS É engraçado pensar que a loja do centro já teve 14 funcionários e hoje funciona com seis funcionários; o mesmo tamanho de loja. Já teve muita gente. Na época, tinha gerente, subgerente, vários vendedores, gente no estoque. Daí a tendência é sempre enxugar e hoje nós temos seis pessoas lá. O público diminuiu, porque antes era o tempo todo a loja cheia, cheia e cheia. Quando meu pai comprou a loja, em abril, um mês antes do Dia das Mães já tinha muito movimento. Hoje nós sabemos, a maioria das lojas é uma semana de movimento. É na semana só. Tinha muito mais gente. E aí também a informática agiliza muita coisa: antes dava baixa no estoque manualmente. Ficava uma pessoa lá e diminuiu um, diminuiu outro. Hoje faz tudo automático. Continua sendo atendimento de balcão. Nós ainda gostamos do atendimento de balcão e nós primamos pelo atendimento especializado, nós achamos que é a nossa forma de se diferenciar, é o atendimento personalizado é que o que acredito ainda muito. Na loja do centro eu tenho uma funcionária que está antes do meu pai lá. Foi o único emprego da vida dela. Ela vai se aposentar o ano que vem. Trinta e cinco anos de loja. E tem outras bem antigas, mas ultimamente nós temos sentido que a rotatividade está bem mais alta. Hoje em dia já roda mais, mas essas antigas estão conosco faz tempo. Bastante tempo. Elas viram bastante dessas histórias. A experiência ainda é muito importante. Elas olham para uma pessoa, eu acho engraçado, a pessoa fala: “Eu vim ver sutiã.” Elas olham assim e falam: “Esse que você está usando?” Com a roupa elas conseguem perceber o sutiã que a pessoa está. E isso é a experiência que faz mesmo. De meia, elas conhecem muito também de olhar e falar: “Que roupa você vai por? Põe essa meia aqui que vai ficar boa.” Isso é experiência mesmo. Nós procuramos dar muito treinamento até para esses novos tecidos. Realmente tudo o que funcionava um tempo atrás hoje em dia precisa de muita reciclagem. Mas a experiência de balcão é muito importante. VENDAS Para nós o Dia das Mães ainda é muito bom. O Natal é muito bom para o comércio em geral. Nós rezamos sempre pra fazer muito frio. O frio é muito bom para nós, o inverno de verdade é muito bom, são as melhores datas. Quando faz um frio que nem fez esse ano é muito bom porque é uma lembrança de loja de meia. Ajuda muito. PROMOÇÕES Fazemos promoções. As peças clássicas das estações, final de coleção, final de inverno, final de verão. E promoção quando tem um bom relacionamento, uma boa negociação com algum fabricante. É legal fazer uma promoção. Consegue um bom preço. CRESCIMENTO Temos mais três lojas. Uma é no Shopping Dom Pedro, uma é no Cambuí e uma nova no Taquaral. Loja de rua também. Logo que começou abrir o shopping teve um medo lá no centro. Nós ouvíamos historias “de uma hora pra outra vai todo mundo pro shopping e ninguém mais vai vir aqui porque lá tem estacionamento, lá tem ter ar condicionado, lá é isso, lá é aquilo.” Não houve essa debandada de uma hora pra outra porque nenhuma mudança é tão drástica assim. É uma coisa que nós vamos vendo ano a ano, aos poucos. E quando surgiu a possibilidade de abrir no shopping, nós achamos que deveríamos estar lá porque estavam vindo concorrentes de São Paulo e nós falamos: “Está em Campinas e vamos marcar presença lá.” E teve a possibilidade de abrir em shopping. Foi uma experiência muito nova para nós, muito difícil no começo, é um jeito de trabalhar bem diferente. Depois a loja do Cambuí nós compramos também. Também é uma loja bem antiga. Nós compramos com ela funcionando também já com uma história e foi mais fácil. Ela tinha afinidade conosco porque também era de meia. Nós mantemos os dois nomes: é o Rei das Meias e nós abrimos do lado, mas junto da loja, a parte de lingerie que o Rei das Meias não tinha; ficou o Rei das Meias e Meia Elegante. Nós achamos por bem manter os dois nomes porque eu acho os dois nomes antigos e bonitos; eu gosto das coisas antigas, das tradições. Tanto é que muita gente fala assim: “Meia Elegante.” Eu falo: “Não. É A Meia Elegante.” Eu gosto dessa tradição porque eu acho que é a nossa cara, não tem porque ter um nome moderninho. Nós nos perguntamos: “Nossa, não é estranho para o cliente ter dois nomes? Vamos optar por um, vamos optar por outro.” Mas sempre resolve deixar do jeito que está (risos). Não conseguimos. Porque O Rei das Meias também é um nome que já tinha uma lojinha na José Paulino há muito tempo e depois ele teve muito tempo essa loja no Cambuí, de clientes fiéis muito antigos também. Achamos uma judiação tirar esse nome. No shopping, eu sinto que ele recebe muita gente de fora. Para muitas pessoas o nosso nome não tem peso. Compra na loja porque entra na loja, mas não sabe da nossa história. É um público diferente porque ele está ali sem ligação conosco porque é um tipo de público de shopping também. Ele é sem ligação. Eu acho que não cria tanta história no shopping. As próprias pessoas pra trabalhar no shopping já tem que ser uma pessoa mais nova por causa do horário e já cria um atendimento diferente também, um atendimento mais jovem, mais informal. A mercadoria que vende também acaba tendo uma tendência para o lado mais da moda do que o lado tão tradicional. Nós mantemos, mas sentimos que o forte é mais o de moda. E o jeito de administrar também é diferente, porque é um custo bem alto. Você tem que vender, você tem que seguir a agenda do shopping de promoções, liquidações. É outra forma de se trabalhar. No shopping é como ter um patrão. Você tem um sócio ali, você não está sozinho na decisão. Um sócio firme. COMPORTAMENTO FEMININO Eu faço força para que a loja nunca se acomode e sempre procure entender essa nova mulher. Eu acho que ela ainda está acompanhando. Ela está percebendo essa mudança. Nós temos que ficar sempre muito atentos para o futuro. Eu procuro olhar o que vai acontecer daqui para frente e eu sempre falo que mesmo ela sendo antiga e estando no ponto há tanto tempo, ela tem que se modernizar. Ela tem que manter as raízes, mas sempre com olho no futuro. Eu acho que uma coisa que é meio clichê de falar, mas me veio na cabeça porque é muito nítido: a pressa. Antes ia, era um glamour, por exemplo, muitas senhorinhas iam de táxi e desciam do táxi e “agora eu vou fazer a minha compra”, aquele momento prazeroso. Agora é assim: “Rápido, eu estou no horário do almoço, estou ali e estou ali.” Tudo com pressa, não tem, talvez, tanto gosto de comprar. “Estou com pressa e passa o cartão, está calor, vamos embora, vamos embora.” Antes, por exemplo, tirava uma tarde e “eu preciso comprar uma roupa.” Tirava uma tarde. Agora tira cinco minutos antes do almoço vai e compra. Experimenta tudo com pressa. Ela quer uma coisa rápida, quer que seja uma coisa rápida. E mesmo em shopping que ainda tem uma idéia de “ah, eu estou passeando”, mas é um passeando com pressa sempre também. É um passeando que “passa logo o cartão que eu quero ir para lá, sei lá, eu quero fazer alguma coisa.” Está sempre com pressa. Nunca está “que delicia, eu vou chegar e agora eu vou escolher uma peça íntima.” O glamour Não. Agora é pressa. E reflete que a mulher hoje em dia está assim mesmo. Tudo ela faz com pressa. Nem está curtindo muita coisa por isso. FORMAS DE PAGAMENTO Nós tínhamos um gerente há um bom tempo atrás que ele era da época do cheque, do carnê e do dinheiro. Foi uma das primeiras lojas que aceitou cartão e compramos um computador muito cedo também e ele falava assim: “Isso é um absurdo, como que a pessoa não quer pagar.” Ele achava tudo um absurdo. Cheque pré-datado para ele, que é muito antes, também era uma coisa, “não tem dinheiro não compra, nunca vi isso.” E hoje em dia o cartão é quase 80% da venda, de débito. E nós temos que modernizar. Colocamos o cartão muito cedo, colocou o computador muito cedo. Aquele computador bem antigo que digitava... Fazia o controle na mão, mas já no computador. Nós sempre nos preocupamos muito com isso, porque são ferramentas para nos ajudar. E tinha uma máquina daquelas caixas registradoras bem antigas que apertava o botão e abria a gavetinha. E nós a usamos durante muito tempo, ela e o computador. Passava a venda aqui, registrava e dava baixa do estoque no computador, que era muito engraçado, todo mundo achava curioso. E quando tiramos a caixa registradora foi um choro. Vinha todo mundo e “mas eu achava tão bonita aquela caixa registradora. Por que vocês tiraram?” Falava: “Não tinha mais lugar para ela.” Primeiro porque a gaveta ficava em cima e era muito fácil de abrir. Hoje em dia tem que deixar o dinheiro mais guardado, depois ela era muito grande, ela tampava e você não podia ver a pessoa que estava do outro lado. Antes era uma cabine fechada e ficava lá a caixa com aquele buraquinho para pagar. E hoje mudou. Agora tem coisas antigas que... Por exemplo, lá tem um cofre tão antigo, tão antigo que nós reformamos o piso e recortou em volta porque ele não se move, ele é de ferro puro. Uma camada dessa grossura, sei lá quanto que pesa. Coisa impressionante o cofre. Muito bonito. Tivemos crediário próprio muito tempo. E também foi muito difícil a decisão de tirar esse carnê. Os clientes estranharam no começo, porque tinha o carnê e eles pagavam com cheque, no dia do vencimento davam o cheque. Falamos: “Então vamos trabalhar com o pré-datado.” Achava uma coisa assim tão... Nós tínhamos mais de cinco mil nomes que faziam o carnê, e também era uma coisa que não conseguimos mais controlar. Chegou uma época muito difícil controlar, tinha que ligar cobrando. Elas estavam acostumadas com isso e nós tiramos também. Somos da época do carnezinho. CURIOSIDADES Toda mudança de coisas antigas tinha muito cliente que reclamava: “É uma tristeza que vocês tiraram a perna da frente.” Tinha uma perna que era o símbolo da A Meia Elegante e ficou lá muito tempo e uma época estava já apodrecendo; tinha que tirar por causa da revitalização do centro e quando tirou foi um choro. Era gente que me pedia a perna: “Eu queria por a perna em casa.” Nós ainda usamos o símbolo da perninha em tudo, na sacola e tudo. Mas não tinha como ficar a perna física ali, ainda era com luminoso que na época era super bonito, luzinha em volta da perna. Mas eu acho que nós precisamos ir para frente. PROPAGANDA Nós já fizemos publicidade até na televisão, em uma época muito boa e depois ficamos muito tempo sem fazer. Agora estamos retomando aos poucos. Eu sei a importância e o tempo que nós deixamos de lado isso. Agora estamos querendo fazer de novo, começamos já de novo. Eu não gosto muito de panfletinhos. Eu faço no jornal mesmo. Rádio já fizemos também. Também é um bom veículo. Televisão, sem dúvida, jornal, revista. Panfleto eu já não acho muito que combina não. É muito importante porque nós somos conhecidos, mas das pessoas mais velhas. As pessoas mais novas, a quantidade de gente que vem morar e fazer faculdade aqui, que chegam aqui e não nos conhecem. Falta ainda muita propaganda. Precisamos bem mais. TRABALHO Sempre foi uma relação tão boa com o meu pai. É que eu o admiro tanto que me dá muito orgulho quando ele me escuta; ele sempre me escuta muito. Dá muito valor pra minha opinião e nós nos complementamos muito, porque ele gosta muito dessa parte administrativa, essa parte organizada. Eu já gosto mais da parte da negociação com os fornecedores, da venda em si, do lado mais humano e ele gosta do lado dos números. Ele organiza isso muito bem. Eu acho que o segredo de dar certo são essas diferenças que nós temos. Eu gosto de ser ligada em moda e então eu falo para ele: “Você viu na novela, saiu sutiã. Vamos atrás para ter.” Ele já não ligaria para isso e eu gosto dessa parte. Eu acredito que ser mulher ajuda sim. Eu acredito muito na força de trabalho da mulher. Eu acho isso muito importante, as minhas vendedoras, alguns períodos da vida delas elas foram a chefe da casa com o trabalho da A Meia Elegante. Eu falo: “Nossa, que trabalho importante que elas tiveram de sustentar uma família”, pelo menos durante algum tempo. Sendo mulher é diferente. Ajuda mais. Até mesmo porque eu posso ficar na loja, posso ficar lá vendendo. Ele não pode, entra uma pessoa no provador e ele sai. Ele não fica na loja também por ser homem. Acho que faz diferença sim. Minhas funcionárias são todas mulheres. Só tem o meu pai; só ele mesmo de homem (risos). Eu admiro muito as mulheres trabalhando porque eu acho que elas trabalham o dia inteiro e ainda dão conta da casa, do filho. Eu gosto de trabalhar porque eu acredito muito na intuição da mulher que eu acho que todas têm. Elas têm um senso de responsabilidade muito grande e de zelo com a loja, de zelo com o emprego. Eu gosto de trabalhar com mulher. DESAFIOS Hoje em dia o maior desafio é pensar como que vai será o nosso futuro frente às lojas grandes, a concorrência em geral. A visão da economia mesmo, é um desafio entender como que vai ser, qual é o caminho, apesar de que nós temos uma idéia do que vai ser. O desafio da mão-de-obra; o problema do futuro vai ser a falta de mão-de-obra especializada. Está se criando um vácuo de não achar profissional bom, apaixonado. Vai ser um grande desafio do futuro, a mão-de-obra, entender esse cliente. Cada vez ele está mais estudado, ele está mais difícil, está mais sendo seduzido por muita gente disputando o mesmo dinheiro da pessoa. Eu acho que esse é o nosso desafio. Antes como era a primeira loja de meia nós tínhamos certa soberania. De repente, teve muita invasão de lojas de lingerie surgindo e vendendo. Vemos essas lojas nascerem e essas lojas morrerem. Assustou no começo. O desafio das franquias, hoje em dia a fábrica quer te vender, mas ela quer também ter uma loja para ela sentir o cliente. De repente, tem uma franquia da Lupo, tem uma franquia disso, uma franquia daquilo, que os nossos concorrentes são grandes. Eles são poderosos. Isso é um desafio. E os planos. Os planos do governo foram muito difíceis. Foi muito difícil aprender a trabalhar sem inflação. Tivemos que aprender literalmente do zero porque não se sabia como era. Tanto é que nos primeiros planos falava: “Isso vai passar logo, daqui a pouco vem inflação de novo.” E nós só sabíamos trabalhar com a inflação e foi muito difícil agora que não tem inflação. Nosso estoque custa caro, não está vendendo o tanto que é para vender e os juros são reais e a valorização da moeda é real também. E esse foi o nosso maior desafio. Na época da URV [Unidade Real de Valor] eu lembro que estava na loja e ninguém comprava porque ninguém entendia o que era. Cada dia multiplicava por um índice e dava o preço. Uma coisa muito difícil de explicar, de vender. Nós estávamos acostumados a trabalhar com o estoque muito grande porque na hora que ia pagar a inflação deixava aquilo muito barato. Todo dia subia o preço da meia, subia e na hora que ia pagar era aquele preço antigo, você ganhava muito com isso. Foi um desafio crescer realmente, ver os custos. Nessa época não se via muitos custos de ter funcionários, de ter muita gente, de ter muito estoque parado. Tivemos que aprender a trabalhar com a nova realidade mesmo. TRANSFORMAÇÕES Eu já prestei atenção e falo “Acho que no futuro não vai caber mais isso.” São as cintas. Mas não as cintas modeladoras que são essas que toda mulher quer. Cinta como era antigamente. “Eu tive neném e eu quero a cinta que me aperte o máximo possível.” Hoje elas querem que apertem, mas com conforto. A cinta como ela foi projetada antes era pra uma cintura muito fina. Nenhuma mulher tem uma cintura mais tão fina. Isso é uma coisa que já está ficando no passado e nós ainda temos lá. O desenho da cinta, uma coisa, uma cinturinha e um bumbum grande. Isso já acabou. Hoje a pessoa quer o que? Uma coisa para alisar, mas um tecido tecnológico e nada muito cinturinha fina. É mais peito para cima. Acho que a mulher nem está se aceitando como ela é porque ela quer ainda muito apertar, quer mudar muito. É uma outra beleza. Não é mais aquela cinturinha e bumbum grande. É aquela coisa magra, o peito para o alto, grande. É super diferente do que era antes, não se valorizava tanto o sutiã e queria que apertasse a cintura. Hoje eu não vejo mais isso. Já é uma coisa mais o peito e ser magra. E também antes nem se comprava calcinha em loja; depois vendia muita calcinha e sutiã. O sutiã era pequenininho, a calcinha era pequenininha e ficava na gaveta e ia abrindo. Agora o sutiã é grande porque ele é com bojo vem em uma caixa, parece uma caixa de sapato, ou seja, mudou muito de uma coisa pequenininha para uma coisa grande e não é mais tirar da gaveta, fica exposto. Outro conceito. Por mais que seja o atendimento especializado é mais a parte visual também. Hoje precisa ficar bem mais exposto e ocupa bem mais espaço. Sutiã mudou totalmente, agora ele é em uma caixona. Todo mundo sabe que você comprou o sutiã quando você saiu com a sacola. Antes ele era uma coisinha pequenininha só de renda. Isso do sutiã eu acho que é o mais significativo porque antes uma loja de lingerie tradicionalmente ela era pequena porque ela nunca precisou ter muito espaço porque lingerie é uma peça pequena e guardava tudo em gaveta. Hoje há uma reclamação geral de quem trabalha com lingerie. “Como que eu faço pra guardar sutiã com bojo?” Porque ocupa muito espaço. De uma coisa pequenininha mudou, os tamanhos maiores são uma caixa de tênis que guarda porque não pode amassar, é uma diferença. Antes em uma parede eu podia ter cem mil reais de estoque. Hoje para ter cem mil eu preciso dessa sala inteira aqui (risos). PRODUTOS DA TELEVISÃO Eles entram na loja e falam: “Essa meia é tão boa como aquela que fala na televisão?” Fica na cabeça da pessoa. Mas eu nunca trabalhei com esse tipo de produto. Nem conheço. Mas entra no dia-a-dia sim. As meninas ficam preocupadas: “Ai, Ana, você viu aquilo lá? Meia que não fura. Passava o garfo e não furava e as nossas furam, como será que vai ser?” Entram no dia-a-dia. SUCESSO Eu acho que em primeiro lugar é a administração correta e ser ético. Isso sim sempre vai ter espaço para quem sabe administrar e é ético. A paixão também que faz nós insistirmos mesmo quando está difícil. Porque sem isso na primeira dificuldade, como muitas que tem todos os dias, desistiria. A paixão também e a boa administração. Mais do que vender bem é saber administrar. CIDADES / CAMPINAS / SP É uma cidade grande. É difícil até entender a população hoje em dia. Tem muita gente de fora aqui porque as minhas amigas todas vieram de fora. Essa influência de fora, faz Campinas ter uma singularidade. Ela recebe muito bem as pessoas de fora. Quem vem aqui se encanta com a cidade. Eu gosto muito também porque ela consegue ter muitas coisas de uma cidade realmente grande, mas ela ainda tem muito o conforto de não ser uma cidade tão grande. Temos o maior shopping da América Latina, shoppings lindos. Você vai pra São Paulo e todas as lojas que você vê lá, você vê aqui em Campinas. Só que nós não temos trânsito, que todo mundo reclama; nós temos ainda uma vida acadêmica que eu acho muito bonita, belos restaurantes. Campinas peca um pouco por deixar do jeito que está. Faz tempo que nós não temos um prefeito que realmente cuide direito. Que cuide do centro também com valor que ele deveria ter. COMÉRCIO DE CAMPINAS O comércio está ficando muito profissional. As lojas que estão estabelecidas são lojas que estão pensando no futuro, também porque estão sentindo essa concorrência de perto. Todas as lojas especializadas e as lojas antigas que sobreviveram eu as vejo muito profissionais, muito capacitadas para continuarem. Mesmo as que optaram por sair do centro, saíram, mas mantém a tradição, o nome, a ética. Está um comércio muito profissional. LIÇÕES DO COMÉRCIO Por mais que tenha concorrência - nós sempre temos muito medo da concorrência, de produto da China, da violência - eu acredito ainda que ser ético é a melhor propaganda. Eu prezo muito isso e eu acredito muito nisso. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu acho muito louvável. É muito legal ver a raiz e ver o que mudou e eu me sinto muito grata de estar aqui falando e de participar dessa história. Devem ter muitas histórias bacanas por aí.
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