Projeto Kom Biblioteca
Depoimento de Amandy da Costa González
Entrevistada por Jonas Worcman e José Santos
São Paulo, 07/05/2015
Realização Museu da Pessoa
KOM_HV009_Amandy da Costa González
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Por favor, diga primeiro o seu nome, data e local de...Continuar leitura
Projeto Kom Biblioteca
Depoimento de Amandy da Costa González
Entrevistada por Jonas Worcman e José Santos
São Paulo, 07/05/2015
Realização Museu da Pessoa
KOM_HV009_Amandy da Costa González
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Por favor, diga primeiro o seu nome, data e local de nascimento.
R – Boa tarde. Meu nome é Amandy. Eu sou de Assunção, Paraguai e nasci no dia 1º de agosto de 1972.
P/2 – Amandy, qual é o seu nome completo?
R – É Amandy da Costa González.
P/2 – Você podia falar o nome completo dos seus pais e que atividade que eles faziam?
R – Meu pai é Juan Carlos da Costa de Castillo, ele era escultor e pintor, artista plástico. E minha é mãe Nidia González Talavera, ela era pau pra toda obra eu acho, ela fazia de tudo (risos). Mas trabalhou principalmente... ela trabalhou de várias coisas, até porque ela teve diversos nomes, diversas personalidades diferentes também porque ela foi fugitiva por bastante tempo, ficou foragida, então ela precisou ter várias atividades.
P/2 – Ela ficou foragida por causa de quê?
R – Por causa da ditadura que existia no Paraguai e eles faziam parte de um movimento armado, chama OPM, Organização Primeiro de Março ou Organização Político-Militar. E eles eram uma resistência foquista ao regime, né?
P/2 – Então eram os dois.
R – Eram os dois. Um era responsável do campo e outro era responsável urbano, da mesma organização.
P/2 – E eles se conheceram como?
R – Eles se conheceram em debates clandestinos sobre Marx.
P/2 – Sei. E aí ficaram juntos.
R – E aí se apaixonaram, ficaram juntos e eu nasci, nasci primeiro. Aí eu acho que já começou a ter alguns enfrentamentos, acho que chegaram a acontecer assaltos, chegaram a acontecer movimentações do organismo e eles começaram a ser perseguidos. E nesse meio tempo também ela ficou grávida da minha irmã, minha mãe.
P/2 – Mas quando você nasceu, eles estavam na clandestinidade ou não?
R – Meu pai sim, minha mãe não. Porque o meu pai já na época do colegial, ele já foi preso. Ele era do movimento estudantil. E ele tinha grande representatividade porque, enfim, existia um movimento organizado muito forte entre os estudantes e eles iam às ruas. Não chegou a ser ainda o que depois se transformou, organização e tal, mas ele começou assim. E foi preso com um monte de outros estudantes. E foi a todos dado a opção de poder delatar, de poder fazer coisas assim pra poder sair e ele não fez, então, ele foi exilado. Como exilado ele foi pra Argentina, ficou lá um tempo e entrou clandestino. Então ele já era clandestino quando eu nasci. Mas a minha mãe ainda não, minha mãe ficou depois.
P/2 – E que lembranças você tem do seu pai?
R – Eu acho que eu tenho uma ou duas lembranças dele só. Porque eles se reuniam, a organização, em lugares afastados, geralmente, onde eles faziam treinamentos, enfim, e aí tinha as crianças, a gente ficava com as crianças, né? E eu me lembro de uma cena dele assim, dele lá num desses sítios e ele me jogando pra cima assim, sabe? Então eu tenho toda aquela cena de você ver o telhado assim: “Aiiii”, e cair, de criancinha, eu tenho essa lembrança dele. E dele lá também, eu lembro ele com umas galinhas atrás, umas cenas mais... essas são as únicas lembranças que eu tenho dele.
P/2 – Por quê? Quando ele morreu você era pequena?
R – Sim, eu tinha quatro anos quando ele morreu.
P/2 – E ele morreu de quê?
R – Ele foi assassinado. Foi emboscado e assassinado. Foi enfrentamento com a polícia, foi um fuzilamento. Ele estava numa casa, ele e um casal, e a mulher estava grávida, desse casal que estava junto com ele. E a polícia entrou, cercou a casa, subiu no telhado e quando eles perceberam que a polícia estava lá e que eles deram a voz de que eles estavam lá o casal, ele saiu pra enfrentar a polícia pro casal poder fugir. E o casal conseguiu fugir. Conseguiu fugir, se refugiou numa igreja e a igreja chamou a polícia.
P/2 – Nossa!!! Vem cá, pro espectador aqui, brasileiro, que depois vai assistir isso, que não conhece esses detalhes da política paraguaia, você podia contar só um pouquinho. Então o Paraguai estava numa ditadura militar.
R – Isso. Estava numa ditadura militar onde três pessoas andando na rua era considerado um movimento já, então eles podiam te parar para ver o que vocês estavam fazendo juntos. Até hoje tem algumas calçadas do Paraguai que são finíssimas porque é pra andar de um, não é pra andar. Ou seja, você vê os resquícios da arquitetura da violência também.
P/2 – E quem era o general que era líder da ditadura?
R – General Stroessner. Era o Stroessner, que ficou 35 anos no poder, a ditadura mais longa da América Latina, maior do que a do Pinochet. Bárbara, uma ditadura bárbara que matava crianças, que matava mesmo, lavou de sangue o Paraguai. E ajudou também nesse processo todo da corrupção, porque foram 35 anos onde ficou muito encalacrado toda essa corja que está até hoje lá, que é o Partido Colorado, que é onde está tudo, onde está a comunicação, onde estão as terras, onde está o petróleo, onde está a água, onde está a soja, até o narcotráfico está aí também, está tudo aí com ele.
P/2 – Então o convívio maior que você teve foi com a sua mãe?
R – É, um pouco também. Também não fiquei muito com ela porque eu fiquei com a minha mãe num primeiro momento, até um ano de idade mais ou menos, mas também não ficava muito com ela, eu ficava mais com a minha avó. Por quê? Porque ela trabalhava bastante porque ela era a que era legal. Meu pai já estava na clandestinidade, já estava trabalhando na clandestinidade. E minha mãe estava no sistema, digamos assim, ela trabalhava, e eu ficava com a minha avó, a mãe do meu pai.
P/2 – Qual o nome da sua avó?
R – Amalia del Castillo.
P/2 – Como é que era a dona Amalia?
R – Linda de morrer! Ela que foi minha mãe nesse período todo. Foi assim, por um tempo a minha mãe teve até que se ausentar porque ela chegou a ser perseguida mesmo e tudo, então eu fiquei com a minha avó direto. E não só eu, outras crianças também, que os pais tinham sido presos e que a minha avó ficou com eles, ficou com as crianças.
P/2 – Ah, é? Na casa dela?
R – Na casa dela. Ficaram duas crianças com a gente e depois a Pira, que hoje chama Tania Farina, que pra mim era Pira na época, a Pira também, a Pira ficou um tempão com a gente.
P/1 – Você conta que você viveu aquele incidente com a sua avó, você poderia contar pra gente? Bem pequenininha.
R – Ah sim, sim. Então, nesse processo quando caiu a organização porque aconteceu assim, acho que hoje, não sei se hoje já, mas no mandato passado do presidente anterior o Ministro das Relações Exteriores fazia parte dessa organização político-militar, que ele foi o que tinha uma missão de passar a fronteira com algum tipo de material, não sei se eram armas, se eram documentos, enfim, o que ele ia passar pela fronteira e ele caiu, né? Quando ele caiu ele dedou tudo, ele falou tudo. E no dia seguinte já aconteceu o assassinato do meu pai, tudo, já foi tudo no dia seguinte. Ele caiu no dia 4, 5 e 6 já morreu um monte de gente, que foi Páscoa. Então é lembrada essa data ali como a Páscoa Sangrenta, é lembrado assim no Paraguai, porque morreram vários. E meu pai morreu com 20 tiros.
P/1 – Estou falando daquele...
P/2 – Da fotografia?
P/1 – Da fotografia.
R – Ah sim! Então quando caiu a organização minha mãe estava grávida de oito meses também, que nem a moça que estava lá na casa. E ela teve, inclusive, o filho na cadeia e o filho morou na cadeia junto com ela até os três anos de idade. Mas aí quando ela ficou sabendo ela falou pra minha avó assim: “Junta as coisas que a gente vai sair daqui”, foi coisa de uma hora a gente estava saindo de lá e deixamos tudo o que estava lá e fomos embora. E aí a gente ficou morando de casa em casa por um tempão, sem ela já. Por exemplo, a gente ia num carro que parava, que pegava outro carro, que pegava outro e aí a gente chegava numa casa que a gente não conhecia ninguém e a gente ficava lá uma semana até que os vizinhos começavam a perceber e tinha que ir pra outro lugar e assim ficou um tempo. Quando a gente ficou numa casa mesmo da família, que era da família, que a gente chegou na casa, assim que a gente chegou veio a polícia e levou a gente pra delegacia, eu e a minha avó. E foi o primeiro interrogatório que eu sofri, digamos assim. Porque eles queriam saber dos meus pais, queriam saber da minha mãe, que ela já estava foragida, tinha acabado de sumir. Com a morte do meu pai ela teve que assumir muito mais coisas porque estava todo o aparelho estava em crise. Então ela sumiu...
P/2 – Mas você foi dar um interrogatório com três anos?
R – Com três anos de idade. Com luz na cara, né? E foi a primeira vez que surgiu a Beatriz del Castillo, que hoje é a Bia Castillo, que é atriz, dramaturga, diretora. Saiu do primeiro Se, né?
P/2 – Que é o seu heterônimo.
R – É sim, é um heterônimo meu.
P/1 – E o que a Beatriz falou lá?
R – A Beatriz falou que não sabia de nada, falou que não tinha pais, que ela estava de passagem (risos). E depois eu fiquei me chamando Beatriz, tanto que quando eu vou lá perto daquela casa onde eu morei até meus 12 anos, ainda hoje tem gente que me chama de Beatriz quando eu vou lá. Porque eu fiquei em choque com isso: “Ser Amandy é muito perigoso”, então eu já na hora virei Beatriz e falava pras pessoas que meu nome era Beatriz e tal. Eu só era Amandy na escola, porque ali eu tinha que ser, né?
P/2 – Então, quer dizer, você saiu da delegacia falando: “Vou me chamar Beatriz”.
R – Sim. Sim.
P/2 – E depois disso, o que aconteceu? Você falou que foi para uma casa que você morou ali até os 12 anos.
R – Isso. Que foi a casa onde meu pai morou também, que era a casa da família.
P/2 – E você tem uma lembrança de como ela era, descrever essa casa da infância?
R – Sim, sim. Era uma casa grande, tinha um poço de água, tinha parreira, tinha várias árvores. Tinha uma árvore de uma fruta que eu gostava muito, que eu morava também numa árvore lá, que adorava ficar lá em cima, uma árvore de pomelo, que tem bastante no Paraguai, que é aquela fruta que chama grapefruit, sabe?
P/2 – Ah tá!
R – E eu ficava lá, ficava o dia inteiro, subia lá e ficava lá na minha árvore.
P/2 – Você subia na árvore e ficava lá em cima?
R – Era a minha árvore. E aí eu gravei um coraçãozinho, escrevia o nome da minha mãe e do meu pai. Era essa a minha árvore-casa lá.
P/2 – E falando nisso, do que você brincava na infância?
R – Isso era uma coisa legal, viu? Porque em geral as crianças brincam que tem filhos e tem as bonecas que são os filhos. Eu não, eu brincava que os bonecos eram meus pais, então eram meus tios, meus pais. Porque nem a família mesmo chegava perto porque você vê, você chegou num lugar e o povo já te leva pra delegacia. Então, espera um pouquinho, a gente vai ficar sabendo se alguma coisa acontecer. E todo mundo sofria represálias, assim, a casa da pessoa era revistada, só porque ela foi na minha casa, entendeu?
P/1 – Mas o povo apoiava a ditadura? Ou só a vizinhança.
R – Não tem como não apoiar a ditadura, entendeu? Porque se você fala ou faz qualquer coisa você sofre por isso. Por exemplo, eu era uma criança que eu saía da minha casa, saía, pisava na porta da minha casa, tinha um cara que ficava na frente, que é um policial a paisana, que estava ali lendo um jornal. Todos os dias, desde que eu cheguei lá até os 12 anos de idade o cara estava lá na frente, entendeu? Quando não era ele era outro. Aí eu ia até a esquina e o cara fechava o jornal e ia até a esquina. Eu pegava o ônibus. E tudo estava lá. Depois quando eu fui lá, porque lá tem um negócio que chama Arquivo do Terror e que fica lá na Câmara, tudo, um negócio legal de pesquisa, tudo daquela época. Eu achei lá um relatório de um cara que estava me seguindo.
P/2 – É mesmo?
R – De eu criança. E ele estava me seguindo. Eu, nesse período dos quatro aos 12 anos...
P/2 – Mas o que ele falava no relatório? Falava de você, dos seus movimentos?
R – É. A menina Beatriz, olha que legal, já entrei, consegui convencer com os caras que eu era Beatriz (risos). A menina Beatriz andou até a rua tal e pegou ônibus linha tal, tal hora. E outra coisa, nesse período dos quatro aos 12 anos eu fui sequestrada duas vezes, duas vezes, de carro. Só pra dar susto na minha avó.
P/2 – Como assim? Você está andando na rua e eles te pegaram?
R – Me pegaram.
P/2 – Conta como foi.
R – Uma vez era um cara que era inquilino, porque assim, é uma casa grande mesmo lá, a casa do meu pai. E nessa casa tinha uma casinha que era separada, que era alugada sempre, todo o período que eu estive lá, ou era polícia, ou era gente que trabalhava pra polícia, sempre era da polícia e eles moravam ali dentro de casa e faziam festas, davam tiro, enfim, aquelas coisas, e lá. Não só com eles, entendeu? Várias pessoas da minha família que tinham casas, que alugavam e tal, a polícia ia lá, ficava lá. Numa dessas um carro, o cara que estava no carro falou: “Ah, entra, eu vou dar carona pra vocês e tal”, falou pra minha avó. Aí ele pegou, eu entrei primeiro, ele fechou a porta e saiu, deixou a minha avó lá. E ele andou, andou um quarteirão, deu a volta e falou: “Olha que fácil, hein?”, só pra apavorar a avó, que saiu correndo, que é uma avó, né gente? Uma avó. “Olha que fácil, hein?” Fora outras coisas, a violência sempre, no dia a dia, né?
P/2 – Amandy, você quando pequena soube da morte do seu pai ou só te contaram depois?
R – Soube, soube. Soube da morte do meu pai na hora porque foi assim, praticamente, foi na hora que perdemos tudo, meu pai morreu, perdemos a casa, o cachorro, os brinquedos, ficamos assim, a roupa do corpo e estamos aqui, oi, tudo bem, começando a viver em lugares de pessoas que hoje eu não sei quem são, não lembro os nomes, não saberia chegar lá de volta. Pessoas que ajudaram a gente naquele momento, porque também ninguém queria ajudar, tipo, a família mesmo...
P/2 – Que tinha esse medo, né?
R – Sim! E não só medo. Várias pessoas da família foram procuradas, revistaram todas as coisas, fizeram um auê e levaram preso pra ver se sabiam. Porque a minha mãe estava sendo procurada no momento, o meu pai já era, né?
P/2 – Mas a sua mãe sobreviveu?
R – A minha mãe sobreviveu, sobreviveu. E sobreviveu a minha irmã também, que é a Mbyja, que estava na barriga da minha mãe quando meu pai morreu.
P/2 – Porque a sua mãe foi presa...
R – Minha mãe não foi presa.
P/2 – Ah, sua mãe não foi presa.
R – Nunca foi capturada. A Interpol procurou ela na América Latina porque ela saiu do Paraguai, foi fazer a revolução na Bolívia, depois da Bolívia foi pra Argentina, depois da Argentina veio aqui pro Brasil, chegou na plena Diretas Já, tudo com outros nomes, com outras coisas, nunca foi pega.
P/2 – E você se reencontra com a sua mãe com que idade?
R – Com 12.
P/2 – Mas depois vamos contar isso, vamos voltar. Porque eu esqueci de te perguntar. Nessa casa que bairro era, onde era? Era em Assunção?
R – Era em Assunção. Era um bairro próximo do centro, era um bairro com bastante visibilidade.
P/2 – E você lembra o nome?
R – Sim. Chama barrio Jara.
P/2 – Barrio Jara.
R – Sim. É perto da Avenida Eusebio Ayala, que é uma avenida grande.
P/2 – Jara, J-A-R-A?
R – Sim.
P/2 – Como Víctor Jara?
R – Isso, isso, isso.
P/2 – Mas falando ainda da parte da infância, então você falou que você tinha brincadeiras na árvore, você tinha os bonecos, eram sua família. Do que mais que vocês brincavam?
R – Ah eu lembro que eu brincava muito nas árvores. Eu lembro que a gente brincava de discos voadores. Ah, eu tinha um filho, era um filho negro que eu tinha, né? Que eu gostava muito. Ah, e outra coisa que eu fazia, que eu adorava: o pessoal não deixava eu passar batom, porque criança não pode passar batom, então eu vinha e eu punha talco no rosto, ficava pondo horas e horas e horas talco só pra depois chegar e fazer assim ó (risos), ficar vermelho. Aí eu saía na rua assim (risos). Porque era o meu batom, então saía assim na rua, eu adorava (risos).
P/2 – Que genial essa! E você foi à escola normalmente?
R – Fui à escola normalmente.
P/2 – Como é que foi essa ida à escola e essa socialização com essas outras crianças?
R – Foi difícil, foi difícil. Eu era uma criança que não conversava muito com criança, né? Então na escola eu ficava meio afastada sempre, eu era sozinha. Eu me socializava mais no transporte escolar, que o transporte escolar também, nesse período até os meus 12 anos, ele sofreu, seis vezes ele foi atropelado. Vários transportes diferentes. Então vários acidentes várias vezes no transporte escolar, que também é uma coisa incrível.
P/1 – Mas você acha que era provocado?
R – Não sei dizer, mas sempre foram acidentes.
P/1 – Amandy, você começou a ter consciência dessa situação com a sua família, que existia uma ditadura, essa coisa toda mais tarde, ou já quando criança?
R – Não, eu me percebi nessa situação quando tive que sair correndo e perder tudo lá atrás e não podia falar meu nome. De repente eu ia visitar minha mãe, que ela conseguia um tempo assim, eu ia numa casa que eu não conhecia e eu chegava lá, eu não podia chegar lá e falar: “Oi mãe!”. Não. Ela tinha um nome X, que era um nome que eu tinha que chamá-la, entendeu? Porque os vizinhos estavam ouvindo, não sei quem podia ver, entendeu? Tudo era uma história que tinha que ser mantida, não podia chegar lá: “Como assim, mãe?”, entendeu?
P/2 – Ah, então quer dizer, nesse período, mesmo a sua mãe na clandestinidade, no exílio, essa coisa toda, ela conseguiu oportunidades de ver você?
R – Sim, sim. Diversas vezes.
P/2 – E como é que era? A sua avó te avisava: “Amanhã você vai em tal lugar?”
R – Não. Era um operativo. Alguém da organização chegava para alguém lá, de fora, que vinha nos visitar. Essa pessoa falava tal dia, tal lugar. Aí em tal dia, tal lugar a minha avó me levava lá e ela me deixava com alguém que era da organização e aí começava o roteiro pra cá, pra lá, pra cá, pra lá, até que chegava lá e era pra estar com a minha mãe.
P/2 – E como é que eram esses encontros? Quando estava só vocês duas?
R – Ah sempre tinha, rolava muito essa coisa, porque como quase nunca a via, então tinha toda uma expectativa em volta disso sempre, né? Por exemplo, eu lembro muito de um dia que eu fiquei esperando por muitas semanas que chegasse o dia lá que eu ia ver a minha mãe e no dia choveu. E choveu, choveu uma chuva enorme. E aí não rolou, né? Aí não rolou, minha avó não quis e tal e ficou aquela coisa assim no ar. Então tinha vezes que rolava e tinha vezes que não rolava também. Às vezes, por exemplo, minha mãe fazia chegar a mim uma carta. Quantas cartas ela teve que mandar pra que uma chegasse até a mim, porque não era tudo o que ela mandava que conseguia chegar. Coisas assim...
P/1 – E ela ainda que mandar até cifrado, ou...
R – Ela mandava dentro de roupa, escrito, porque na época tinha máquina de escrever, né, então escrito no tecido, escrevia num tecido branco e punha dentro da roupa.
P/2 – Ah, datilografava no pano?!
R – No pano.
P/2 – Caramba. E Amandy, já que nós estamos entrevistando uma escritora, como é que surge essa coisa dos livros pra você? É na escola que você começa a ler?
R – Sim, sim. Na escola que eu começo a ler, mas eu não tinha acesso a livro mesmo, não tinha. Eu lembro que o primeiro livro que eu comprei, que na verdade eu forcei a minha avó a comprar, foi tipo uma enciclopédia, sabe aquelas de vendedor de escola? Que eu fui lá e entrei na dívida, depois o cara veio e a minha avó falou: “Meus Deus, tá louca?!’ (risos), mas eu já tinha comprado. E eu lia, esse era meu livro, meus livros, porque eram quatro livrinhos assim. Mas eu mesma não tinha, mesmo os da escola. Porque eu estudei numa escola privada, porque uma tia minha pagava a escola. E eu ia de perua pra escola, no transporte escolar, então ela pagava isso pra mim. Mas a minha avó não tinha condições porque tinha outras crianças, estava naquela situação. Mesmo ela alugando a casinha lá, era pouco ainda.
P/2 – Mas quem vivia na casa? Você, a sua avó, quem mais?
R – Eu, a minha avó e essas duas crianças.
P/2 – Você já falou o nome delas?
R – Sim, eu lembro mais da Pira.
P/2 – Ah, a Pira.
R – Porque a Pira foi tipo a minha irmã porque ela ficou um tempão comigo. Que a Pira também tem uma história muito louca porque ela é filha de militantes do campo dessa mesma organização, e eles eram camponeses do movimento sem terra e eles faziam esses treinamentos porque eram treinamentos mesmo, de luta. Então eles faziam esses treinamentos e eles tinham, os filhos ficavam na casa, e a Pira era uma criança que às vezes os pais saíam, os pais são até famosos dentro do movimento social lá do Paraguai, José Hil que seria o Stedile aqui, é o pai da Pira, ele nem estava na casa dele, ele saía, estava em processo ali. E a mãe também era do movimento, então às vezes a criança ficava amarrada ao pé da mesa, por exemplo, por três dias. Então quando a Pira veio pra gente ela estava muito, muito animalzinho ainda, sabe? Foi todo um processo também de se adaptar, de se sentir tranquila, de poder... ela tinha essa coisa do abandono já, essa coisa de que alguma coisa ia acontecer.
P/2 – E Amandy, você então foi pra escola, você ficou esse período de frequentar a escola, você começou a ler a sua enciclopédia, era o seu contato mais com livro.
R – É.
P/2 – E você já escrevia alguma coisa?
R – Eu escrevia todos os dias, todos os dias. Disciplina. Eu assistia uns desenhos animados e eu fazia o resumo, olha que coisa. Não só, depois na adolescência, todos os filmes que eu assisti eu escrevia sobre eles (risos), que era pra não esquecer. E eu fichava livro desde que eu comecei a ler, eu fichava até os de ficção (risos). Sabe, separando as frases e tudo. Eu era muito mais sistemática, depois eu fui perdendo. Mas você vê como era? (risos)
P/2 – Já tinha uma vocação, né?
R – É.
P/2 – Tem um marco na sua história que é quando você faz 12 anos, é isso?
R – Isso. Meu pai era escritor também, ele tinha uma revista que foi muito famosa lá no Paraguai porque era todo um movimento literário, na verdade tem outros poetas, o Nelson Moura, que eram todos do mesmo movimento, digamos assim, e eles tinham essa revista que chamava Pêndulo, que eles mesmos editavam e faziam circular. E isso não tinha nada a ver com a política, isso era outro... porque ele era artista também, né?
P/2 – Então já tem um DNAzinho.
R – Sim, sim.
P/2 – Da literatura. Mas aí conta pra gente, com 12 anos o que aconteceu?
R – No meio desse período tem uma coisinha que eu não falei que é assim, minha mãe sumiu, só que quando ela sumiu ela estava grávida. Aí teve a minha irmã, mas eu nunca vi. Eu só fui conhecer a minha irmã agora, quando vou ter 12 anos, aqui no Brasil. Eu vou ter 12 anos e ela vai ter oito anos. Ela ficou com uma outra família, foi adotada por essa família também porque você não pode ficar com uma criança sem registro. Eles adotaram assim, falaram que eles eram os pais mesmo e entrou lá pro sistema que está tudo bem e sumiu a criança. Porque também era procurada uma criança, não só a minha mãe, eles sabiam que ela estava grávida. E minha mãe saía no jornal, procurada viva ou morta, tinha recompensa. Então essas coisas ali, a minha irmã, eles procuravam lugares onde tivesse crianças, por isso que também invadiam os lugares pra saber porque uma criança em algum lugar vai ter que estar, né? Mas ela ficou com uma família que a gente nunca ia, não era ninguém que a gente pudesse conhecer, era outra...
P/2 – Quer dizer, ela vivia na cidade, na mesma cidade que você, mas vocês não sabiam da existência.
R – Sim, sim, não sabíamos da existência. Nem conhecíamos a família, podíamos até cruzar na rua e nada.
P/2 – E como é que você veio pro Brasil, o que aconteceu?
R – Então. Quando a minha mãe entrou pro Brasil, porque ela foi pra Bolívia, pra Argentina, daí quando ela entrou no Brasil, ela entrou com um documento. Este documento ela perdeu, foi roubada, aí ela não tinha como sair do país. Aí ela ficou. Ela fez um outro documento mas não era um que dava pra sair, era um que dava pra ficar por aqui mesmo, então ela ficou. Nessa que ela ficou aqui em São Paulo ela conheceu uma militante também, psicóloga, que conhecendo a história dela se prontificou a ir pro Paraguai pra ver como a gente estava. E ajudar nesse processo, como psicóloga. E ela entrou em contato com a gente em julho e combinou da gente se encontrar em dezembro, já sair, de novo, pegar a malinha, falar ‘vou até a esquina’ e tchau, né? Daquele jeito. E assim, a gente tinha que despistar todas aquelas pessoas que estavam ali naquele esquema de seguir a gente e tal porque eles sabiam que uma hora ela ia vir buscar a gente. Só por isso que os caras estavam ali na porta, né? Nesse processo, aí é em julho. A minha avó foi e tentou tirar, porque a minha avó é boliviana, era, é ainda, não sei. E Bolívia é o único país que precisa de passaporte pra passar por qualquer país da América Latina porque é o único que exige passaporte pra entrar lá, no resto da América com RG você passa tranquilo a fronteira, mas Bolívia não. Então ela foi e como ela era já velhinha e tal eles não deram nem o passaporte, não era porque ela era velhinha, é pra ela não sair por aí andando também. Deram só um salvoguardo, sabe, com a foto deixando ela ir, ela vai. E aí ele falou pra ela que ela podia sair do país, mas eu não, eu não podia sair do país, e que eles não iam liberar a minha saída. Nesse processo a gente teve que sair fugido mesmo.
P/2 – Você vem pro Brasil clandestina.
R – Clandestina. A gente teve que passar a fronteira clandestina e aí foi um problema na hora de embarcar porque eles não queriam embarcar sem o papel, aqui em Foz, sem o papel do, como é que chama? Da aduana.
P/2 – Autorização pra menor viajar.
R – É, sem o papel da aduana. Não queriam liberar. Aí ela foi no consulado da Bolívia lá no Brasil pra pegar esse salvaguarda pra ela e ela tendo a procuração e tal, nessas eles liberaram, mas foi essa dificuldade.
P/2 – A moça brasileira é que fez isso?
R – Não, foi um operativo, foi muita gente envolvida pra gente conseguir sair de carro, de coisa, pra conseguir atravessar a fronteira, pra conseguir ver se a gente não estava sendo seguido, todo aquele esquema. Mesmo pegando o ônibus, o ideal seria que a gente tivesse descido em Curitiba e ali pegado outro ainda, mas como a gente já teve esse problema do papel a gente não quis ter de novo esse problema com papel lá em Curitiba, então viemos direto pra São Paulo.
P/2 – Ah, entendi. E você veio morar em São Paulo.
R – É, a gente veio morar em São Paulo. Eu vim conhecer a minha mãe.
P/2 – A gente quem? Você fala a gente, mas quem estava com você?
R – Eu e minha avó.
P/2 – Ah, você e sua avó.
R – Eu e minha avó.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Doze.
P/2 – Doze. Então em mil, novecentos e oitenta e...
R – 84.
P/2 – 1984. Ainda nem tinha acabado a ditadura militar aqui, né? E aí vocês chegaram, mas você sabia, a sua avó te contou: “Agora você vai conhecer a sua mãe?”, ou não, foi uma surpresa?
R – Não, tudo já se sabia, tudo se sabia. Eu lembro que tinha uma cena que foi muito legal. Assim, não sei se legal, né? Mas foi uma cena importante. Como a gente ia embora minha avó deu um saco e falou: “Ó, põe nesse saco todos os brinquedos que você vai levar”. Eu lembro que eu peguei e pus um tanto. Aí demorou também, porque fomos não conseguindo as coisas, os papéis, foi tudo enrolando, enfim, foi indo nesse. E todo dia eu ia lá e colocava um brinquedo novo naquele saco. Aí ficou aquele saco (risos).
P/2 – Enorme.
R – Enorme. Aí de repente ele estourou, o saco. Aí já não deu pra trazer o saco (risos). Você vê?
P/2 – Que era o quê, era de plástico?
R – Era de plástico, estourou. Aí não dava pra ter trazido o saco. Aí ele ficou. Mas também no Agua de lluvia que mostra esse processo também, que é a coisa da infância também, indo. E esse outro processo novo, chegando no Brasil, uma outra parte já, é a transformação pra adolescência, sabe, crescimento.
P/2 – Antes de falar do Brasil me conta o dia que você saiu com a sua avó, alguém veio pegar vocês de carro, vocês foram andando pra ir em algum lugar?
R – Era pra ter sido assim, a gente chegado, um operativo e tudo. Só que a gente ia ter descido em Curitiba e não fizemos isso, a gente veio direto. Porque quando a gente chegou o povo ainda não estava esperando a gente. Então a gente desceu, eu e a minha avó, pegamos um táxi e fomos, que a gente tinha o endereço.
P/2 – Pra que bairro que era, você lembra?
R – Lembro. Era Tatuapé, pra lá do Tatuapé, hoje seria Vila Carrão porque é perto do metrô Vila Carrão. A gente foi pra lá, pegamos um táxi e fomos pra lá, não tínhamos nem ideia de onde era. Quando a gente chegou foi legal também porque não estavam esperando a gente ainda, entendeu? A gente ainda ia demorar umas horas, né? Se tivesse descido e feito tudo. Então quando a gente chegou foi a maior festa, uma balbúrdia, né? (risos) Foi muito legal.
P/2 – E como é que foi encontrar sua mãe?
R – Foi muito forte, foi forte. Mas eu estava conhecendo ela, né? Ela não me reconheceu nada hora porque ela esperava uma criança. Eu estava maior do que ela já.
P/2 – É mesmo?
R – É, porque eu fui de salto (risos). Mas eu já estava maior que ela e foi muito legal, foi muito forte, mas teve essa coisa assim também do, lógico foram muitos anos, muitos anos. Eu não me lembrava dela direito, só sabia dela, né?
P/2 – E foi nesse dia que você conheceu sua irmã também ou foi depois?
R – Foi uns meses depois. Lá pra fevereiro, eu cheguei em dezembro, em fevereiro, porque quando a Deise, a psicóloga foi pra lá ela falou também com a outra família, e a outra família veio, veio de férias aqui, não falou nada pra criança e ficamos convivendo. Aí minha irmã tinha oito anos e tinha essa coisa de que ela não sabia a história dela, ela achava que ela era filha deles, ninguém contou pra ela que ela tinha outra família, né? Então os adultos lá entre eles brigando pra ver como ia ser isso, se isso ia acontecer, se isso não ia acontecer, enfim, tudo isso. E a gente como criança, eu fui falando da minha história pra ela, do meu pai, da minha mãe, da minha avó, da minha irmã. E depois eles contaram pra gente, contaram tudo. E eu lembro que minha irmã, no dia que eles contaram, foi muito louco isso, né? Porque no meio disso tudo tinha um monte de outras confusões porque tinha uma galera que também era refugiado e estava tudo aqui, mas que já era refugiado; a gente não era refugiado, quando a gente chegou aqui a gente ficou clandestino ainda, porque a minha mãe ainda não tinha se refugiado, ela ainda estava com os documentos falsos quando a gente chegou, nessa época toda que eles estavam ali também. E isso que eles falavam também na época, que não tinha segurança alguma, como que iria voltar, se fosse pra voltar a filha deles, que já era filha deles, se não tinha segurança nenhuma, a pessoa não tinha nem documento, duas crianças, uma senhora idosa, tipo, muito frágil tudo. E eu lembro que a gente quis sair, quis comprar uma chupeta, eu e a minha irmã, e voltamos felizes da vida chupando chupeta (risos). Que louco, né? Aquela coisa de poder ser um pouco criança junto, poder começar.
P/2 – E a sua irmã aceitou bem essa mudança de família?
R – Nãoooo. Nossa.
P/2 – Sofreu muito?
R – Aí perguntaram, depois dela saber tudo: “E aí, legal, né? Então essa aqui não é a sua família, essa aqui é a sua mãe de verdade, essa é a sua irmã. Essa é a sua avó!”. Aí depois que tudo isso: “E aí, você quer ficar com eles?” “Nãoooo” (risos). “Tá louco, vamos embora!” (risos). E aí, enfim, depois lá no Paraguai, ela voltou com a família, tudo.
P/2 – Ah, ela voltou com a família.
R – Voltou, voltou com a família e tudo. E ela foi pesquisar a família dela, enfim, foi procurar as raízes lá mesmo. Foi ficar em paranoia, porque agora ela sabia de quem ela era filha, e ser filha do meu pai ou da minha mãe lá no Paraguai é ser filha do meu pai e da minha mãe, entendeu? Não tem como você não sentir um medinho.
P/1 – Mas eles eram conhecidos, popularmente?
R – Sim. Sim. Meu pai é um herói nacional, dentro dos revolucionários, tipo um Lamarca, um Marighella, né? Uma pessoa, um herói. E minha mãe, minha mãe, poxa, deu baile em tudo que é polícia.
P/2 – Até na Interpol?
R – É. Aqui no Brasil. Ela só deixou de ser clandestina porque ela quis, ela foi lá no Acnur, Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, e ela que deu entrada. E ela deu entrada por nossa causa, né? Por nossa causa. Porque eu tinha que estudar. Eu não podia ficar aqui, eu e a minha avó, tinha que ter um respaldo.
P/2 – Amandy, como é que foi essa chegada ao Brasil, aprender português? Não é fácil aprender português, né?
R – Não, não foi fácil. Mas foi muito legal que eu cheguei, cheguei na periferia de São Paulo, então em geral as crianças, porque os pais iam trabalhar e as crianças ficavam tudo na rua, então foi muito legal também que eu aprendi, não é que eu aprendi a falar português com elas, mas eu consegui me comunicar com elas. Porque imagina, a gente estava lá, por exemplo, no começo quando eu cheguei e de repente, meu, eu sinto, estava dormindo e vem uma criança e me acorda: “Acorda, acorda! Enchente, enchente!!!”, e eu falo: “O quê??? O quê???” (risos) “Enchente! Enchente!”, tipo: “Corre” (risos). Até entender essas coisas foi mais difícil, mas foi muito legal. Eu aprendi mais ali nesse convívio, até ir pra escola. Ali na escola foi mais, aí sim, fui pegando mesmo.
P/2 – E quais foram as primeiras palavras que você aprendeu do português que você achou legais, bonitas?
R – Olha, eu gostei muito, não sei se palavras, eu não me lembro assim de palavras. Eu me lembro esse da enchente, que tipo eu nunca mais esqueci o que era uma enchente (risos). Ah, eu lembro que uma vizinha... porque tinha fábricas ali do lado, de tecelagem, e a mãe trabalhava numa fábrica de tecelagem e a criança ficava na casa, cuidava da casa de dia. Aí quando ela fazia alguma coisa errada, quebrava um prato e tal ela falava assim: “Eu vou comer a sua alma!!!”, e eu falava: “Nossa, olha só”
(risos). Eu vou comer a sua alma. E eu ficava pensando como é que era isso, comer a alma. Tinha várias coisas interessantes. Ah, tinha outra que eu achei bonito que era ‘pintando o sete’, né? Pintando o sete. Isso eu achei muito bonitinho também, como expressão, que isso foram coisas da chegada. Eu lembro que a primeira pessoa que me mostrou o Chico Buarque, o Jorge Amado, que foram as coisas mais impactantes assim. O Machado de Assis eu fui conhecer mais tarde, mas também foi muito forte, assim, essa coisa, da língua.
P/2 – E na escola? Você entrou na escola.
R – E finalmente eu pude ter livros, podia estudar. Agora sim podia estudar mesmo, né? Porque mesmo lá quando os outros estavam lendo livros, eu não lia esses livros que os outros liam porque eu não tinha como ter esses livros, então eu inventava, porque eu nunca fui de deixar a coisa em branco, se não tem, cria, faça alguma coisa, finge que você sabe o que está acontecendo. Mas aqui no Brasil já tinha condições de ter livros, de estudar. Eu tinha ainda essa coisa de não ser muito sociável, ainda estava mais, ainda não estava a todo vapor na minha capacidade, né? Por mim mesma, não é por nada, é por mim mesma. Porque uma coisa que tem a ver com segurança, né? Acho que uma coisa que foi muito legal no Brasil, que o Brasil conseguiu me dar uma segurança, que lá no Paraguai eu não sinto, até hoje eu não sinto segurança quando eu vou lá. Mas eu conseguia. Eu via as pessoas, por exemplo, cantando na rua. Isso não acontece na minha terra, não acontece, a pessoa não sai cantando. A ditadura está tão internalizada que mesmo depois dela ter acabado, que acabou em 89, de 89 pra cá as pessoas ainda não cantam na rua, ainda não deu pra cantar na rua. E aqui tem essa coisa, uma coisa mais livre, né? Mesmo sabendo o que está acontecendo, que falamos e tudo, mas é diferente.
P/2 – E você foi estudar onde?
R – Eu estudei aqui no Colégio Equipe, que era aqui em Pinheiros quando eu estudei. Então eu vinha lá de Tatuapé, vinha até aqui, pra mim era uma viagem. Tomava ônibus, metrô e ônibus (risos) pra chegar na escola, então era o dia todo isso porque eu estudava à tarde, então passava o dia fazendo isso, indo pra escola e voltando da escola.
P/1 – E as pessoas aqui sabiam um pouco da sua história de vida?
R – Não, não. Eu não sou muito de ficar falando, isso também é uma coisa importante da escrita, eu comecei a escrever também algumas coisas da minha vida pra poder até esquecer se for necessário, entendeu? Porque já está lá, é uma forma de conservar, de manter ali a emoção, o sentimento, tudo, mas deixar ele ali, tirar ele um pouco de mim. Então nesse aspecto o Agua de lluvia foi mais assim, pra tirar mesmo de mim.
P/2 – E como é que a vida vai seguindo? Você então tem uma rotina, uma estabilidade, uma segurança.
R – Isso, uma estabilidade, uma segurança. Tenho documentos, sou refugiada política. Entrei no status como dependente de refugiada política, assim como a minha avó. E aí o tempo vai passando, eu termino o colegial, eu estou com 17 anos e aí a minha irmã começa a entrar em crise lá no Paraguai. Começa a entrar em crise, a não se dar bem, entrou na adolescência. Então quando ela entra na adolescência começa a crise de identidade séria, a definição. E aí ela briga com todo mundo, faz o maior escarcéu lá e eles falam pra ela vir pra cá, e ela vem. Ela vem pra ficar uns meses, pra entrar na linha, pra qualquer coisa assim. E acaba ficando. Nesse processo que ela fica, a gente passa por toda essa coisa, a gente teve que voltar lá no Paraguai a família inteira,
teve que abrir juízo, teve que procurar mudar o nome dela, a identidade. Enquanto isso abrir precedente aqui com a Acnur, que são refugiados, e enfim, finalmente, constituir a família. Aí todo esse processo foi auxiliado também por psicólogos, terapia familiar, oito anos de terapia familiar pra assentar a família, pra voltar a ser todo mundo uma família. E, bom, aí com a minha irmã já é diferente, né? Porque isso também é uma coisa muito importante pra mim, recuperar a minha irmã. Porque monte de coisas que eu não faria, porque eu acho que eu era muito séria, muito séria. Tudo isso que aconteceu eu de criança, eu era uma criança séria, só falava com adulto, falava coisa séria, não era muito de brincar. Não de fantasia, fantasia eu era louca.
P/2 – Sim, de brincar com outras crianças.
R – Isso, brincar com outras crianças era difícil, né? Recuperar minha irmã foi muito legal nesse sentido porque eu tive que ser a irmã maior, então eu tinha que ensinar como é que era a vida e eu não iria viver a vida, não iria me jogar na vida se não tivesse que ensinar isso pra ela: “Agora vou ter que (risos) experimentar as coisas”, sabe assim? Então foi toda uma coisa muito legal de ser irmã maior, de se jogar, de fazer as coisas, eu gostei bastante esse período assim, da família crescer. Também a coisa de polarizar um pouco também, né? Porque aí a minha mãe, ela também não era só a minha mãe, era a mãe dela também, né? Já mudava isso muito nas relações. Porque era tudo muito forte, tudo foi muito intenso.
P/2 – E você terminou o Equipe, você fez vestibular.
R – Fiz vestibular pra Cinema lá na FAAP, passei, mas lá não tem bolsa, então, não adiantava.
P/2 – É caríssimo, né?
R – É. Aí passei pra Filosofia na PUC e eu falei: “Ah, Filosofia na PUC, né?”. Porque lá ainda era, como chama isso? Na época, eles liberavam umas bolsas e tudo e eles tinham no imposto tiravam um pouco, então eles tinham uma coisa mais social lá na PUC, naquela época (risos). Eu entrei na Filosofia e fui pro centro acadêmico da Filosofia, acho que esse foi um dos primeiros desabrochares, né, a faculdade. A faculdade pra mim foi muito legal porque essa coisa do universo, de você poder, sei lá, estar discutindo Psicologia aqui numa área, de repente você sai, você vai lá e fala de Economia, sabe assim? Você tem: “Ah não, precisamos fazer uma junção aqui”, sabe assim? Uma discussão maior. Na faculdade eu entrei no centro acadêmico porque o centro acadêmico estava lá, tinha gente que foi eleito e que estava lá, mas ninguém fazia nada. E eu entrei lá pra trabalhar, então eu era funcionária. E como funcionária do Cafil, acho que o povo lembra até hoje, eu lembro uma vez eu estava andando na rua e eu vi o Ronca, que era o reitor da faculdade passeando com dois pitbulls, ele me viu, tipo ele fez assim e atravessou a rua (risos). E eu não reconheci ele de cara, quando ele atravessou eu falei: “Ronca!!!” (risos). Então você vê que ele lembrou de mim, sabe? (risos) Isso é legal, isso pra mim já mostra, que aí já comecei a sair um pouco mais dessa coisa de mim.
P/2 – E nessa época de faculdade, que autores você conhece, se apaixona?
R – Então, lá na PUC tem o... primeiro, o professor, o Peter, que dá aula lá de Nietzsche, de Deleuze, do Bataille, todos esses autores. E que ele tem uma vertente de pesquisa que foi muito legal, que isso foi uma coisa muito interessante que aconteceu, que foi uma coisa de sincronicidade mesmo, né? Eu tive aula com ele sobre o Nietzsche, lemos a Origem da Tragédia juntos, com a classe. Lemos o Bataille, O Olho Pineal. E o Deleuze. Mas assim, tem a coisa da Esquizocenia, que ainda não era um conceito nessa época, dele. Porque ele foi uma das pessoas que trouxe a Esquizocenia, só que ao mesmo tempo que ele estava criando esse conceito de Esquizocenia a gente também estava criando esse conceito de Esquizocenia no teatro, né?
P/2 – O que é Esquizocenia?
R – É trabalhar um pouco essa ideia do duplo, mas assim, do esquizo mesmo, você pega o conceito da sua personagem, dessa vivência que você passa pra ela, é como se fosse um processo do Stanislávski, onde você vai e mergulha nesse processo emocional da personagem e dá a ela outra dimensão que não tem necessariamente tempo, espaço, né? E usa recursos não só do teatro, usa recursos de manipulação de mídia, usa os conceitos do sistema, pra convencer você dessa personagem, como espelho também. E que um outro processo, porque a pessoa geral sente não que você está atuando, parece que você é assim, entendeu? A pessoa acredita na sua personagem. E que é um processo de interiorização que ele vai trabalhar e desenvolver esse conceito também. Ao mesmo tempo que a gente está desenvolvendo. Claro que usando os mesmos argumentos, estamos usando Nietzsche, estamos usando a mesma substância, estamos utilizando, mas em lugares diferentes a mesma ideia se materializa. E hoje em dia a Esquizocenia é um conceito artístico onde não tem um roteiro definido. Tem sim um roteiro definido, mas trabalha com improviso, quebra quarta parede, trabalha com o público, o público faz parte da peça, entendeu? Então mistura várias coisas, tipo o psicodrama ou o Boal, mistura algumas técnicas. Tudo, mistura tudo, até técnicas de vendas, entendeu? Formas de manipulação porque a pessoa que está ali, que é o público, vai responder à manipulação. Então tudo isso. E depois mostrar isso pra ele mesmo também, né, nesse conceito, sabe? Mas é isso, isso eu achei muito interessante. Mas por que eu falei isso?
P/1 – É porque estava falando dos autores que te influenciaram.
R – Ah, dos autores lá da PUC. Então isso foi pra mim, conhecer o Nietzsche foi uma coisa que mudou muito a minha vida, né? Alguém chegar e falar que nada, que não existe verdade, que não tem nada a ver, que isso aí é só pra enganar as pessoas, entendeu? (risos) Já me deu uma linha mesmo. E essa coisa da transvaloração, de você sair de você mesmo, essa coisa de ser mais.
P/2 – E você diz que você era mais tímida. Na faculdade você já se soltou um pouquinho.
R – Me soltei um pouquinho nessa coisa da política, né?
P/2 – Da política.
R – Da política. Mas fazer movimentos sociais, nem sei nem se eu posso falar... eu vou contar, viu? Mas é uma coisa histórica que aconteceu na PUC, bom, vou falar. A gente fez uma vaquinha lá, vaquinha de grana, e a gente comprou cem gramas de maconha. E fizemos vários baseados, 50. E fizemos um bolo de maconha com a folhinha e tudo. E no dia do aniversário da PUC de 50 anos, a gente fez uma grande festa lá embaixo e acendemos as velinhas (risos), 50 velinhas pra PUC, ficamos lá embaixo, na curva do rio, foi mó legal. Esse foi um dos eventos mais...
P/2 – Transgressores.
R – Classe A que a gente fez lá (risos). Por isso que o Ronca lembra da gente, fora as vezes que a gente estava pulando na reitoria.
P/2 – E você então já tinha os seus primeiros namorados.
R – Sim, sim. Já tinha meus primeiros namorados. Foi tudo, olha, essa parte do namoro mesmo, pra mim foi depois que minha irmã chegou, foi tudo depois que minha irmã chegou. Porque como eu tinha 17, acabou o colegial, aí começa.
P/2 – Então você faz a faculdade. Você completa a faculdade?
R – Eu não completo a faculdade ali, eu fiquei grávida no final dessa faculdade e eu me transferi, fui pra USP.
P/2 – Ah, você ficou grávida?
R – Fiquei grávida na faculdade. Aí eu fui pra USP. Casei.
P/2 – Que era o quê, era um colega de sala?
R – Não, ele era da História. Mas lá na PUC é tudo mais misturado, se bem que lá na USP também, FFLCH é toda colada. E ele tinha uma banca de livros lá na FFLCH, então eu fui pra lá, aí trabalhei na banca e aí acabei me envolvendo também com o movimento. E tudo isso estava acontecendo a gente estava nesse processo do Minhocão, que eu ainda não contei porque nessa época o Paulo Maluf era prefeito de São Paulo e ele queria que os carros lá no Minhocão, só passasse carro 24 horas no Minhocão. E aí teve todo o movimento da comunidade pra que o Minhocão ficasse aberto que nem é até hoje, das nove e meia da noite até às seis e meia da manhã, que as pessoas possam dormir, enfim, possam fazer cooper, passear o cachorro, utilizar de outra forma esse espaço físico, que sem tanto barulho que é incômodo pras pessoas que moram em volta. E pra isso foram feitos abaixo-assinados, foi feito também um projeto de lei que o projeto inteiro era lindo, era bondinho de ponta a ponta, pão de queijo, ia parando, e os pontos de ocupação mesmo, artísticos, lá, que é um dos projetos que até hoje está, ou é assim ou vai ser demolido, né? Vai ter que ser visto ainda como que a comunidade vai querer que aconteça.
P/2 – Ah tá! Que você mostra na foto você com seu filho pequeno, né?
R – É.
P/2 – Lá na luta lá do Minhocão.
R – Na luta, na luta. Só que meu filho, quando ele estava na minha barriga, eu estava lá pelo Cafil, o Centro Acadêmico de Filosofia, debatendo o uso do Minhocão e ocupando o Minhocão com evento, festa junina, passeata, tudo por causa do Minhocão. E lá na USP, quando meu filho já era pequenininho, a gente ainda ocupava o Minhocão, levava lá, foi o Lanny Gordin tocar lá em cima do nosso tablado. Os Hare Krishna distribuindo as comidas e fazendo aquelas festas, né? Teve de tudo lá no Minhocão nesse período. Pintávamos as crianças, sempre teve um trabalho com criança. Tinha um trabalho também porque na época a Aids era uma doença que as pessoas tinham muito preconceito, se o cara tinha Aids a pessoa nem tocava na pessoa, tipo: “Ai, ele tomou nesse copo, joga fora!”, era assim. Então existia muita ignorância nesse sentido, então também a gente se associava a vários grupos que trabalhavam com Aids e tinha o Barong, que era um bar que tinha uma camisinha de cinco metros e aí eles distribuíam camisinha, faziam esse trabalho de conscientização, de que hoje em dia é mais tranquilo, as pessoas não... é uma doença
crônica, que nem a diabete hoje em dia.
P/2 – Sim, mudou a percepção da sociedade da Aids, né? Mas Amandya, então você se casa, você vai morar onde?
R – Eu vou morar lá em, como é que chama aquilo lá? Vila Indiana. É perto da USP, perto de um dos portões da USP, indo lá pra Rio Pequeno.
P/2 – Pro Morro do Querosene ali.
R – Indo lá pro São Remo, é, por ali, nesse pedaço. E eu com filhinho pequeno. Mesmo assim eu acabei entrando na política da USP, né?
P/2 – Claro, né?
R – Claro. Imagina. E aí nesse processo acabei conhecendo toda a galera lá da USP e também levando toda essa galera da USP lá pro Minhocão. Aí eu saí, eu já comecei meu processo de separação ali, eu já saí até de casa, fui morar no Crusp, junto com os amigos. Eu, meu filho, chegamos lá e entramos, ficamos no Crusp já.
P/2 – Por que você se separou?
R – Ah, porque era um contexto, a ideia era que eu ficasse mesmo dentro de casa cuidando da casa, e não era. Olha, até hoje essa é a parte mais difícil da minha vida (risos), acho que eu só separei por isso, senão. Mas assim, era, como eu vou dizer? Era sem sentido. Primeiro ficar dentro de casa era uma coisa terrível, né?
P/2 – Ele queria que você ficasse.
R – É, dentro de casa. Porque até trabalhar eu achava o máximo, né? Trabalhar numa banca de livro, na faculdade, você ficar lá, eu achava o máximo. Eu queria sair. Mas eu tinha um filho. E o filho era meu nessa hora, mulher que tem que cuidar do filho, estar lá. E quando ele é pequeno. Eu lembro que eu pegava o Ian, mesmo ele sendo grande, até os cinco anos, eu punha ele num carrinho desses de rodinha, punha meus patins e ia (risos), descíamos lá pro Crusp, que era o nosso point, até que eu fiquei lá, até que ele saiu de casa a gente voltou, né, que foi uma...
P/2 – E você continuava escrevendo nesse período?
R – Então, eu sempre escrevi, mas assim nunca pensei em ser escritora, em ser poeta, nada disso. Pelo contrário, como eu tinha esse trabalho do Minhocão eu sempre estava na caça de artistas, de poetas, de gente que fazia teatro. Eu estava atrás deles para que eles fossem lá no Minhocão fazer.
P/2 – Tá, você era produtora, assim?
R – Era.
P/1 – Quem você achou na poesia?
R – Pra fazer? Então, achei várias pessoas, várias pessoas. O Laureati é um deles, que desde mili anos estava ali também. Que nem eu falei agora, tem essa galera do Clube Caiubi, que era tanto na música quanto na poesia, que é o do Sopa de Letrinhas, começou lá na PUC, num barzinho que tinha ali do lado da PUC. Hoje eles vieram pra Pinheiros, mas começou lá. Então ali tinha vários poetas, tinha o Nano Gigante.
P/2 – Nano Gigante? (risos)
R – É o Nano Gigante. Tinha o próprio Claudio Vilar, o Fred Maia, enfim, teve pessoas super pops que ajudaram bastante nesse processo. Tinha uma galera aqui de Pinheiros que eu não... Rebeca, tinha uma galera de Pinheiros que depois tinha um jornalzinho ali na Praça Benedito Calixto. O Edson Lima, nossa! Ele conhece a gente desde a época lá do Minhocão! Porque ele também ajudou na época que a gente estava lá no Minhocão, ele foi lá, ocupou com a gente o Minhocão. Falou pra gente ocupar aqui com ele também, sabe, porque ele estava começando o trabalho dele aqui na praça. Essas pessoas que eu lembro. Mais atores de teatro, bandas, enfim, várias coisas assim. Mas eu nunca me vi no lugar deles, no máximo...
P/2 – Como é que teve essa transição? O que foi o click?
R – O click foi isso de lavar a louça mesmo, eu acho (risos). Foi assim: “Vou lavar louça, acho que não, acho que eu vou digitar aqueles poemas. E se eu fizer um livro? Vou fazer um livro, um livro de poemas”. Aí começou o Fruta, né? Foi meu primeiro livro e que é dedicado ao meu filho. Todos os livros de poema é alguma referência à árvore, ou é tronco, ou é raiz, ou é caule, ou é folha.
P/2 – Esses são os nomes? O primeiro, o Fruta.
R – Fruta. Cada um dedico a alguém na família também. E esse é a ele.
P/2 – O primeiro sempre tem mais história, né?
R – É.
P/2 – Você fez independente?
R – Fiz independente. Foi assim, digitado, fui lá e levei na xerox, coloquei a espiral e saí vendendo (risos). Eu estava ali trabalhando na banca de livros, né? Então saía distribuindo e comecei a ir pros saraus, porque eu não ia nos saraus como quem ia declamar, eu ia nos saraus pra falar: “Hum, esse é legal, hein? Esse eu vou chamar. Ah, aquele lá”, sabe assim?
P/2 – Que saraus você ia?
R – Esses do Caiubi lá na PUC, no Pátio da Cruz, a gente fazia. Lá na USP também, direto, na Psicologia, na ECA.
P/2 – Isso nós estamos falando de quando? 1900 e?
R – Olha, isso tudo é de 96 a 2000.
P/2 – Tá, depois de 96.
R – É, a 2000. Porque depois disso eu... bom, estou lá, fiz o meu primeiro livrinho, aí eu começo nessa ideia de levar o livro eu começo a declamar, começo a ir pros saraus com esse intuito da poesia. Começo a encontrar poetas que publicam seus próprios livros. A gente cria uma editora que chama Epidemia do Livro, que é feita na xerox e que tem vários autores, vários poetas contemporâneos que começam a lançar assim, pela Epidemia do Livro. Aí vários, o Rosa, sabe o, como é que ele chama? Como é que ele chama, gente? O Rosa? Sabe o poeta, o Rosa? Ele é negro.
P/1 – Allan Rosa.
R – É, o Allan Rosa. O primeiro livro que ele lançou foi pela Epidemia do Livro, ele que fez o próprio livro dele, que costurou. Tudo isso é a mesma galera lá da USP. Bom, aí começa assim. Depois disso eu venho pro centro e eu fiz um curso de massoterapia, outra coisa que eu me formei. Porque Filosofia é complexo no mercado, vocês sabem, tal, e eu sou estrangeira, nunca vou poder me naturalizar porque sou refugiada, enfim, tem as outras coisas. Mas aí eu fiz esse curso e era lá no Senac, na Tiradentes. Massoterapia, Ventosa, Moxa e tal. Aí, eu passava todo dia ali na frente do Parque da Luz e tem as prostitutas lá do parque e tudo e tinha um amigo meu que trabalhava lá, em alguma coisa burocrática ali dessa praça. E aí a gente conseguiu um espaço numa ONG e começamos a chamar essas prostitutas pra trabalhar e fizemos um trabalho com elas de três meses, onde a gente criou uma peça de teatro juntos e elas se apresentaram, a peça era As Heroínas da Resistência, onde elas contavam as próprias histórias. E dentro desse processo delas também foi lindo esse trabalho, como elas foram se abrindo, porque essas também são Esquizocênicas, né, porque trabalham com outro nome, e uma pessoa é uma, outra é outra, elas têm essa coisa também, dividida, dentro delas. E foi muito interessante todo esse processo e foi, digamos assim, minha primeira experiência com teatro, que a gente foi fazer teatro, mas sem...
P/2 – No impulso.
R – É, pra tentar interferir numa realidade, o teatro era o que mais dava jogo pra que a gente pudesse fazer isso. Foi um trabalho muito bonito, tanto é que uma delas que a gente sabe voltou, foi pro Paraná, foi com a família, outras a gente perdeu o contato, mas não estão lá na praça. E outra hoje em dia é atriz.
P/2 – Ah, que bacana!
R – Foi muito bonito esse trabalho mesmo. Então depois disso chamaram a gente como preparador corporal de uma peça e aí depois começamos a fazer uns laboratórios e aí começou o trabalho no teatro. Eu fui chamada, digamos assim, pela galera da FPA, a Faculdade Paulista de Artes, eles adotaram a gente e a gente começou a participar de várias peças, fazendo trilha primeiro, depois fazendo infantil, então ali no Ruth Escobar a gente meio que fez uma galera e aí surge a companhia de teatro, que é a Companhia Esquizocênica, no turno da noite.
P/2 – Seu dia era longo, né?
R – É (risos). E aí começa a saga do teatro que isso daí é tudo a trilha da Bia Castillo depois, né, já não é mais como Amandy. O único lugar que elas se juntaram foi lá no Agua de lluvia, que foi juntas.
P/2 – Isso nós estamos falando já quase 2000, é isso?
R – Isso, quase 2000, já passando um pouquinho.
P/2 – Então quer dizer, essa experiência do teatro é que te leva pro sarau?
R – Sim. Digamos assim, que a gente começa a fazer experimentação, começa já a ter uma coisa mais, como eu te disse é um teatro diferenciado, porque tem essa quebra da quarta parede, tem a coisa da participação do público, então essas são características da companhia que vão pro sarau também, porque tem interferência do público, porque tem um teatrinho que está em volta, tem performance, tem uma historinha, tem um subtexto, que quem vai, por exemplo, no sarau e vê o subtexto que é a família. Porque tem dois saraus, só pra falar, são dois saraus que a gente faz aqui em São Paulo, um é o sarau erótico, que é um sarau que é o... os dois são o maior sucesso, eu diria assim...
P/2 – Mas conta pra gente, o sarau erótico, qual é o nome dele?
R – Chama Sarau Erótico de Yopara.
P/2 – De Yopara?
R – De Yopara, que é o nome do movimento lá do Minhocão, 20 anos atrás, é daquele movimento, é o movimento de Yopara.
P/2 – E quem faz o sarau?
R – Sou eu, o Betinho e a Flor de Lótus, somos nós três. Nós três que somos, digamos assim, MC do sarau, mestre de cerimônias, porque muita gente participa que são os performers, tem as pratas da casa.
P/2 – Quem for ver o Sarau Erótico o que ele vai encontrar lá?
R – Vai encontrar literatura (risos), vai encontrar performances, vai encontrar música, vai encontrar erotismo, vai poder fazer discussões sobre isso, vai se encontrar com a sua sexualidade. Vai poder olhar pra sexualidade sua e dos outros de uma forma limpa, porque essa que é a ideia, você poder ficar livre, você ter um espaço pra você ser livre. Porque assim, a literatura erótica, assim como eu te disse do Sade que você não encontra ele por aí, você não encontra em geral, literatura erótica é uma coisa muito...
P/2 – Não é fácil de achar.
R – Não é fácil de achar. É um público muito rebuscado, é um público que consumiria bastante a coisa do erótico mas não existe um lugar onde você possa trocar informação sobre isso, mesmo de textos, textos famosos, de literatos famosos que a gente até tem um quadro no Sarau Erótico que chama assim “Gozando com os Famosos”. Porque a gente explica pras pessoas que famoso também gosta de, já gozaram séculos atrás. No século XIII você encontra poemas que você hoje, de repente, nossa...
P/2 – E vem cá, nós estamos há mais de uma hora conversando e você não falou nenhum poema seu. (risos)
R – Olha só, vou falar, vou falar. Vou falar já já. Quer que eu fale agora?
P/2 – Fala um agora que você fala no Sarau Erótico.
R – Um erótico? Vou falar um que eu lembro agora, assim, de cara. Esse é um poema meu dedicado ao Fernando Pessoa, ele chama assim “A um ser chamado Pessoa”. “Eu sou um cara muito pessoa/ eu sou um par tido de gente/ de um país indigente/ de indignação consequente/ e de gestão irritada./ Sou um corsário de sucesso/ Eu penso/ Não tenho moderação e sou descrente/ Refugo a minha insignia insignificância no vigor da tua presença/ E deixo a chuva moldar tuas lágrimas em meu corpo/ Lugar distante e jocoso me trouxe/ Pra tão mim que te dentro te quero/ Uma mansa lisonja esconde em seu olhar agudo de um ser inquestionavelmente pessoa”.
P/2 – Muito bom!
R – Essa é Amandy (risos).
P/2 – Onde vocês fazem o Sarau Erótico, qual o local?
R – A gente faz em vários lugares. Na Nossa Casa é um que a gente sempre faz, uma vez por mês. Esporadicamente a gente faz...
P/2 – Em casa, no apartamento?
R – Não, chama Nossa Casa, é uma casa...
P/2 – Ah, na Nossa Casa do...
R – Do Berimba, é!
P/2 – Você vê como a Língua Portuguesa é traiçoeira (risos). Nossa Casa, tá?
R – Lá na Nossa Casa a gente faz uma vez por mês. Aí esporadicamente a gente faz na Santa Cecília, num lugar que chama Morfeus. Também no Estúdio Lâmina. E vira e mexe agora a gente vai fazer no Simplão, lá em Paranapiacaba. Onde tiver espaço a gente vai. E eu não disse porque ele é famoso ainda. Ele é famoso porque é o único sarau da Vila Madalena que teve movimento popular para que ele acabasse, fizeram até B.O., tá? (risos)
P/2 – É mesmo?
R – Fizeram B.O. contra o Sarau Erótico, falaram que a gente fala palavrão, que as pessoas ficam nuas e que o pessoal faz sexo.
P/1 – E isso acontece?
R – Não, imagina! Eu nem falo palavrão (risos).
P/2 – Gente, a vizinhança assustou então.
R – Assustou. Sarau Erótico, o povo ficou em frisson. E o mais louco, eu não sei como pode fazer um B.O. desses, né? A pessoa faz um B.O. falando que tem tudo isso lá, mas ela não foi lá.
P/2 – Pois é, está na cabeça dela.
R – Né? Imagina, as coisas que acontecem. Isso é uma coisa muito louca, então você vê que ele é famoso, tem uma ferveção em volta dele. O pessoal acha que: “Nossa, acontecem loucuras", tipo: “Não vou levar minha namorada” (risos). Sabe, uma coisa assim. Ah, outra coisa que foi interessante, a gente leva as pessoas a fluir para o sexo, olha que louco! Eu até decorei, fluir para o sexo. Eu falei: “Nossa, que poder”. Já está começando já, né, fluir (risos). Não falei? É o poder, a gente é mutante.
P/2 – E o Betinho, que é o seu parceiro.
R – Sim.
P/2 – Você conheceu ele onde?
R – Quando a gente fez esse trabalho com as prostitutas lá no Parque da Luz a gente foi chamado pra ser preparador corporal num outro grupo de teatro. Nesse grupo de teatro estava o Betinho. Eles estavam fazendo Beijo no Asfalto, do Nelson Rodrigues, ele era o Amado Ribeiro.
P/2 – Ah, é?
R – É. Ele era o Amado Ribeiro. Aí a gente se conheceu.
P/2 – Ele é ator?
R – Ele é ator. Ele é ator e músico. Com ele eu entrei pra música também.
P/2 – Como é que foi isso?
R – Isso demorou mais, porque o teatro veio primeiro e o teatro já também veio com música porque em algumas peças a gente fazia a trilha, né? Participamos com vários grupos de teatro, vários, fizemos muita gente, assim, muitos grupos diferentes, várias companhias de teatro. Porque a gente trabalhou como trilha ou como ator sozinho, ou como... além da companhia. E a gente tem uma banda de rock que chama Exu do Raul.
P/2 – E você canta, toca?
R – É, ali eu sou a Maria Diaba (risos).
P/2 – Que legal. E me conta uma coisa, você tem o Sarau Erótico, você tem a banda e você tem um outro sarau.
R – Isso, chama Utopia do Asfalto. Esse Utopia do Asfalto é um sarau de rua que ele acontecia no Buraco da Minhoca. O Buraco da Minhoca é um pedaço do Minhocão que sai ali na Rua Augusta, então esse pedaço chamava Buraco da Minhoca, que a gente fez ocupação também lá, fizemos várias festas. Enfim, o lugar tem uma acústica incrível. Foi tão legal que até a Prefeitura começou a usar lá como galeria depois e tal, de arte. Porém, colocaram uma grade lá, dois meses atrás, porque está em juízo, parece que tem liminar por causa do barulho. Tem uma pessoa que é muito insistente, que ela é do Conselho de Segurança da região e que ela acha mais seguro ficar lá daquele jeito, abandonado, só com...
P/2 – Mas conta do sarau, o que vocês fazem no sarau? Como é o sarau de rua?
R – O sarau de rua tem de tudo. Tem em geral três autores que vão lá lançar livros e se apresentar, tem performances que pode ser de dança, de poesia, ou performances teatrais, curtas. E em geral tem um convidado que vai fazer o som. E o DJ que fecha. E os MCs que sou eu, o Betinho e o Maick Nuclear, que é um cara que também faz poesia, que ficou muito famoso fazendo lambe.
P/1 – Terrorismo poético, né?
R – Terrorismo poético, exatamente.
P/2 – É verdade! Tem vários deles, já vi.
R – Ele mesmo. É com ele que a gente faz o Utopia do Asfalto. E já está há um ano e meio. Na concepção o Utopia do Asfalto, a gente produz um fanzine por edição também, a gente faz fanzine.
P/2 – E Amandy, você já contou dos saraus, você falou do seu primeiro livro, Fruta, mas você já está no seu quinto livro?
R – Quinto livro.
P/1 – Você quer falar mais um poema do Fruta?
R – Esse eu não sei se é do Fruta, mas eu posso fazer esse (cantando): “O povo procria um pecado/ perigo pardo de pensamento/ O povo procria um pecado/ perigo pardo de pensamento./ Pinga sem patrão/ Pinga sem patrão/ Pinga sem patrão./ É pecar/ Pegar sem pagar/ Procuram-se palavras de poder/ Procuram-se palavras de poder/ Pois perece o corpo/ Pelado sem pão/ Pelado sem pão/ Pelado/ Para cada ponte uma sujeira/ Não há príncipe de piolhos/ Não há príncipe de piolhos/ Usem pentes/ Usem pentes/ Permitam que eu pare esse poema/ Permitam-me/ Permi” (palmas).
P/2 – Que legal!
R – Esse é Poema em P.
P/2 – Então, olha, você começa com Fruta, depois você fez, qual é a ordem?
R – Eu fiz o Tronco.
P/2 – Tronco.
R – Que ele é em espanhol e é dedicado às minhas avós. Aí tem o Ramagem, que é o que mais, o que virou sucesso (risos) , a poeta, né? O que virou sucesso é o Ramagem porque esse daí saiu até dessa coisa mais informal de editar, já um editor olhou, já quis investir, já virou um livro, já, sabe? Esse Ramagem foi o que mais se destacou.
P/2 – Mais deu frutos.
R – Mais deu frutos, é. O Ramagem, depois teve o Raiz. O Raiz e o Caule, foram esses. E depois teve o livro de contos e crônicas, que é O Homem que Engoliu a Vaca.
P/2 – Ah, tá. Que seu filho fez a capa.
R – Que ele fez a capa. Mas eu tenho vários que estão no prelo ainda, que vão sair na sequência.
P/1 – E eles são nessa pegada da árvore.
R – De poesia, sim.
P/1 – E de onde surgiu isso?
R – Da árvore? Eu acho que desde que eu brincava lá com dos ETs, quando eu era criança que eu brincava de ET. Eu falei, né? Quando a gente brincava de disco voador eu lembro que a gente era seres plantas. E essa coisa de eu ficar em cima das árvores, pra mim árvore sempre foi muito, uma coisa de eu mesma, eu me sinto meio árvore, então são pedaços meus, na verdade.
P/2 – Amandy, você contou da produção da Amandy, mas você diz que a Beatriz tem uma produção específica.
R – Tem uma produção específica. Ela tem peças de teatro, tem companhias... tem uma peça que chama Utopia, que é baseada em Thomas Morus que em geral ela sempre é remontada por várias companhias, já em escola, em vários lugares, a Bia montou essa Utopia. Não só ela, outras pessoas já montaram. E tem uma peça que chama Tonho, que é baseada em Plínio Marcos, são quatro personagens de Plínio Marcos que se encontram numa encruzilhada.
P/2 – Ah, que legal!
R – A gente apresentou essa lá na praça, na rua, foi muito legal também. Tem o show da Insônia, que é uma peça em três episódios. São três peças, na verdade, que chama Show da Insônia, que é a história de quatro loucos que fogem do hospício e cada um deles tem uma patologia diferente e é muito legal, as personagens. Esse daí ganhou prêmio, a Bia Castillo ganhou prêmio nesse daí como atriz.
P/2 – É mesmo?
R – Como atriz e como pesquisa, pesquisa pra montagem dessa peça.
P/2 – Nossa, que família, hein? Todo mundo talentoso.
R – É (risos).
P/2 – Então, a gente tem que falar da Agua de Iluvia, não é isso?
R – Agua de Iluvia, sim. Agua de Iluvia começou, a gente fez um evento na USP, na Educação da USP, pelos 40 anos da ditadura, do golpe, 40 anos do golpe militar. E a gente chamou vários representantes que ainda estavam vivos dessa época. O evento chamava Memória e Resistência. Eram duas semanas, a primeira semana eram todos filmes da época, de contemporâneos e tal que discutiam esse período e professores da USP que depois entravam fazendo debate sobre esses filmes, sobre cada tema, um era mulher, tinha por dia. E na semana seguinte vieram as pessoas mesmo, o pessoal da VPR, o pessoal da ALN, o pessoal da AP, enfim, vários grupos sobreviventes do holocausto brasileiro falar. E nessas a gente tinha convidado uma expositora que é a Criméia, não sei se vocês conhecem, da VPR, e ela teve um problema que ela teve que operar e ela não pôde ir e aí falou: “Vai você!”, aí já: “Vai você e fala você, faz o seu depoimento”. Eu fui lá na hora e falei. Nessas que eu falei tinha esse grupo espanhol que estava lá, de público, e eles acharam a história muito legal e quiseram colocar no papel, quiseram encenar. Mas ainda não sabiam como, nem nada. Aí eles vieram falar comigo e eu comecei a fazer esse trabalho de escrever essa infância, do Agua de Iluvia. Nunca publiquei o Agua de Iluvia, o Agua de Iluvia acho que seria publicar ele também.
P/2 – Sim! Então ele é uma peça que tem vídeo no meio, é isso?
R – Então, aí a gente fez essa parte, primeiro o texto da peça, eu fui construindo esse texto. E é legal porque o começo, começa a peça em português, é uma poesia, começa com uma poesia em português e aí vai para o espanhol. Mas é legal que não traduz, nem nada, fica assim pro público pegar. Que era bem isso, era bem essa transição mesmo. E quando eu traduzo pro português o Agua de Iluvia, o poema fica em espanhol, que é pra ficar essa coisa.
P/2 – E onde ela foi apresentada?
R – Foi apresentada no Paraguai, foi apresentada em Buenos Aires, foi apresentada aqui no Brasil, na USP, foi apresentada nos Estados Unidos e em vários lugares da Europa porque eles eram espanhóis, então lá eles apresentaram em vários lugares também.
P/2 – Qual foi a sua emoção de ver ali a sua história de infância no palco?
R – Foi um pouco me reencontrar com a menina, com a criança. Porque a atriz fez muito bem, sabe? Ela era uma criança, né? Isso foi muito legal, poder me reencontrar comigo mesma num outro plano, isso foi bem legal. Foi libertador. Sempre que você retrata o passado é libertador, porque ele sai. É que nem eu te disse, é que nem escrever, ele sai de você, ele está aqui já, é sempre bom, é sempre muito bom. E o mais legal é que fez sucesso a peça, né? Então a peça foi assim, 11 minutos de aplausos depois do fim.
P/2 – Nossa, 11?
R – Onze minutos! Então foi muito legal assim essa energia das pessoas mesmo em relação à história.
P/2 – Sim, é uma coisa forte, pelo que você contou aqui pra gente, nossa. Quer perguntar, Jonas? Estamos chegando pro fim.
P/1 – Eu ia perguntar qual era o poema que você abre a peça.
R – Ah, eu não vou saber de cor, de cor assim.
P/2 – Mas você sabe algum outro poema de cor aqui pra falar pra gente?
R – Meu?
P/2 – É.
R – Ah, será que eu sei? E agora, hein gente, vocês me pegaram de calça curta, não vale. Ah, eu sei um. Eu sei um que eu uso como Macabeia, é assim. “A verdade está solta/ e todos os destinos se encondem em úteros/ Embriões”... Não vou lembrar gente.
P/2 – A Macabeia se foi.
R – Olha que saia justa.
P/2 – Porque nós viemos uma viagem no tempo e no espaço maravilhosa, estamos chegando aqui pra fazer uma conclusão da entrevista.
P/1 – Eu pergunto qual é a coisa mais bonita que a poesia te trouxe?
R – Ela me trouxe a possibilidade do novo. A possibilidade da criação. De sair de onde você estar pra ir num estágio superior, poder sair da realidade.
P/2 – E Amandy, você que é pioneira de ir aos saraus e fazer os saraus há mais tempo, como é que você vê hoje essa cena do sarau em São Paulo em 2015?
R – Eu acho que agora está muito mais legal do que, sei lá, dez anos atrás. Hoje em dia tem uma prática de sarau, tem, existem nos bairros, isso é uma coisa que motiva, tem na periferia, tem nos lugares. E é uma coisa que sempre está movimentando pessoas, que são os contemporâneos que estão indo lá mostrar seu trabalho, trocar, trocar um com o outro. Porque é isso que faz, isso que não tem, eu acho que o sarau é o mais democrático nesse sentido em todas as artes. Porque pode ter o cara que desenha que está lá no sarau fazendo um desenho, o cara que vai e faz um som, quem vai lá e declama poesia, né? Num espaço aberto pra todos. Ah, e teve um sarau que a gente fez também que acabou já, mas foi um ano, a gente fez o Sarau do Solertes, que a gente varava a madrugada lá na Praça Dom Orione.
P/2 – Ah, é?
R – É. E que tem um trabalho muito legal de zines, porque tinha o D`Olinda, não sei se vocês conhecem o D´Olinda como artista plástico.
P/2 – Ah, eu conheço.
R – Então, o D´Olinda, ele estava com a gente e fazia uns desenhos no zine também, então essa época foi muito bonita a parte estética dos fanzines, foi bem legal.
P/2 – E o que você achou de contar a sua história aqui no Museu da Pessoa?
R – Ah, eu adorei! Adorei. Posso ficar horas, gente! (risos)
P/2 – Sem dúvida, você é uma ótima contadora de história. Então, queria te agradecer.
R – Posso tentar fazer o poema? Deixa eu ver se eu lembro.
P/2 – Claro!
R – Deixa eu ver, vou tentar. “A verdade está solta/ e todos os destinos se escondem em embriões/ filhos das viúvas de Deus/ carne de comunhão/ É essa a tua loucura?/ É a tua mão a que opaca o meu grito?/ Eu sou esse pássaro/ Que em desatino sonha-se ave/ Ave César/ Ave Maria/ Ave das Graças/ Ave de nada/ Qual é o meu consolo?/ Nesse paraíso incolor que teceram pra mim/ em suas ruínas eu procuro/ deixarás a suave/ Voar!/ Voar!/ Voar!”
P/2 – Que beleza! Então Amandy, muito obrigada pela sua entrevista
FINAL DA ENTREVISTARecolher