P - Bom, a gente vai começar pedindo para o senhor se apresentar, o seu nome, local e data de nascimento. R - Bom, nome é Ruderico Pires Corrêa de Moraes, o local do nascimento é Jaú, estado de São Paulo, em 31 de maio de 1933. P - Como se chamam os seus pais? R - Durval Pires Corrêa de Moraes e Aparecida Maurício de Oliveira Corrêa. P - Eles nasceram onde, os seus pais? R - O pai nasceu em Porto Feliz, também Estado de São Paulo, e a mãe nasceu em São Paulo mesmo, capital. P - E os seus avós? R - Avós maternos Acácio Maurício de Oliveira e a avó é Clorinda Luporini de Oliveira; e do lado paterno é João Corrêa Leite de Moraes e Maria da Conceição Pires. P - Qual era a atividade dos seus pais e dos seus avós? R - Bom, o avô paterno eu não conheci, do avô materno eu tenho mais referência; ele era comerciante de café no interior, e o pai era coletor no interior do Estado, era funcionário público, ou ficou funcionário público, como eu expliquei para você, e acabou aí, acho que são... P - O senhor tem irmãos e irmãs? R - Tenho, três irmãos e uma irmã: o irmão mais velho chama-se Acácio Maurício de Oliveira Neto - tem o nome do avô -, é casado, tem seis filhos; o segundo chama-se Durval Pires Corrêa de Moraes Filho, também casado, com seis filhos; tem o outro irmão chamado Antonio Fernando Corrêa de Moraes, que também é casado, com cinco filhos; e eu, que sou casado com Nancy Frison Moraes, que temos três filhos - a caçula é a Cristiane Frison Von Koss, casada com Henning Von Koss, e tem duas crianças. P - Como é que era Jaú na sua infância? R - Ótima. P - Como é que era? R - Uma cidade pequena, tranqüila, muito, com belíssimas casas que eram do tempo em que o café era o ouro verde; então os fazendeiros da região toda, que plantavam café, que tinham as suas fazendas, tinham boas casas na cidade, onde eles moravam quando não estavam na fazenda. Então até hoje a...
Continuar leituraP - Bom, a gente vai começar pedindo para o senhor se apresentar, o seu nome, local e data de nascimento. R - Bom, nome é Ruderico Pires Corrêa de Moraes, o local do nascimento é Jaú, estado de São Paulo, em 31 de maio de 1933. P - Como se chamam os seus pais? R - Durval Pires Corrêa de Moraes e Aparecida Maurício de Oliveira Corrêa. P - Eles nasceram onde, os seus pais? R - O pai nasceu em Porto Feliz, também Estado de São Paulo, e a mãe nasceu em São Paulo mesmo, capital. P - E os seus avós? R - Avós maternos Acácio Maurício de Oliveira e a avó é Clorinda Luporini de Oliveira; e do lado paterno é João Corrêa Leite de Moraes e Maria da Conceição Pires. P - Qual era a atividade dos seus pais e dos seus avós? R - Bom, o avô paterno eu não conheci, do avô materno eu tenho mais referência; ele era comerciante de café no interior, e o pai era coletor no interior do Estado, era funcionário público, ou ficou funcionário público, como eu expliquei para você, e acabou aí, acho que são... P - O senhor tem irmãos e irmãs? R - Tenho, três irmãos e uma irmã: o irmão mais velho chama-se Acácio Maurício de Oliveira Neto - tem o nome do avô -, é casado, tem seis filhos; o segundo chama-se Durval Pires Corrêa de Moraes Filho, também casado, com seis filhos; tem o outro irmão chamado Antonio Fernando Corrêa de Moraes, que também é casado, com cinco filhos; e eu, que sou casado com Nancy Frison Moraes, que temos três filhos - a caçula é a Cristiane Frison Von Koss, casada com Henning Von Koss, e tem duas crianças. P - Como é que era Jaú na sua infância? R - Ótima. P - Como é que era? R - Uma cidade pequena, tranqüila, muito, com belíssimas casas que eram do tempo em que o café era o ouro verde; então os fazendeiros da região toda, que plantavam café, que tinham as suas fazendas, tinham boas casas na cidade, onde eles moravam quando não estavam na fazenda. Então até hoje a arquitetura da cidade e tudo é muito bonita, casas muito sólidas, muito boas; e era uma cidade que tinha um calçamento de paralelepípedo considerado, assim, perfeito - você podia andar com aquelas carroças lá que andava tranqüilo em cima de paralelepípedos... Tinha bonitos jardins, tinha uma igreja matriz estilo gótico que era um exemplo de arquitetura - pelo menos era mencionado assim, um exemplo de arquitetura gótica -, considerada uma das três mais interessantes do Estado na época, e os jardins - não sei se eu falei -, tinha uns jardins muito bem tratados; quer dizer, era uma cidade gostosa de viver. P - Como é que era a sua casa? R - A minha casa era grande - acho que todas as casas na época eram grandes, e para uma família de cinco filhos então tinha que ter espaço -, e o que caracteriza a casa era o quintal, porque era quintal com muita árvore frutífera, criação de galinhas e, enfim, era casa de interior. P - Quem mais morava na sua casa? R - Morava a minha avó materna. P - E como é que era o seu quotidiano na sua infância? R - Bom, como sempre, era escola, de manhã ia para escola, de tarde ficava em casa, ou ajudando em alguma coisa. E quando dava tempo - a terra é muito quente, lá é um calor... de verdade -, a gente ia tomar banho num tanque de óleo de mamona que tinha lá no fim da cidade. Só que na época da safra da mamona, enchiam aquele tanque de óleo; quando acaba a safra e vendia o óleo, o tanque ficava vazio, eles lavavam, enchiam de água, e virava a piscina da cidade; a gente passava as tardes lá. P - Como é que o senhor descreveria o seu pai e a sua mãe, como eles eram? R - Descrever como... P - Eles eram severos não eram... R - Não, não eram severos, não. Meu pai era muito metódico, muito ligado ao trabalho dele, muito preocupado com... pelo próprio trabalho que ele fazia - ele lidava com a arrecadação de impostos. Então ele era muito preocupado com a... tudo certinho, tudo redondinho e tal, esse tipo de coisa, e em geral ele tinha o serviço dele embaixo da casa; alugava uma casa que tinha um salão embaixo, ali era montado a coletoria, e a gente morava em cima. P - Quem é que exerceu autoridade na sua casa? R - Acho que a minha mãe, porque o meu pai estava sempre fora. P - Ele precisava viajar para... R - Viajava... P - ... para o trabalho dele. R - ... ele viajava pelo trabalho dele e tudo e ela era quem tomava conta da casa, ela e a avó. P - A mãe dela? R - É. P - As duas tomavam conta. R - As duas mandavam lá dentro e a gente só obedecia.(risos). P - Existia alguma expectativa na sua família para o senhor seguir a carreira de médico? R - Não, não; foi decisão minha mesmo. P - Tinha algum médico na sua família? R - Também não tinha, também não tinha. Não, eu tomei esse rumo porque eu tinha uns parentes lá na região de Itu, parentes do meu pai, de Itu, Porto Feliz ... Que o meu pai era de lá e foi parar em Jaú, ele casou lá em Jaú e ficou a família lá em Jaú, mas depois de uma certa idade, que a gente já era menino, a gente ia para Porto Feliz, Itu, que é onde tinham os parentes e tinha onde ficar, porque naquele tempo você nem pensava em ficar em hotel; a gente pegava o trenzinho ia até Campinas, de Campinas pegava um outro trem que ia para Indaiatuba, ia cair lá em Itu, de Itu você pegava outro trem e ia para Porto Feliz - era interessante a viagem, ia quicando, assim, não tinha nada direto, nada de... Mas a gente ficava lá na casa de parentes e, por várias razões, eu acabei conhecendo um pessoal da Santa Casa de Itú, freqüentava lá, e acabei conhecendo um médico, e com ele comecei a assistir operação; naquele tempo era uma freirinha que dava anestesia, tocava clorofôrmio no doente até ele esticar lá e eles operavam rápido e tal, era um negócio muito improvisado, no interior, e numa Santa Casa ainda, e a gente... E eu fiquei conhecendo muito o pessoal, e tal, e acabei gostando da coisa, daí que eu comecei a tomar o rumo da medicina. E a medicina de que a gente entendia é aquela, aquele tipo de medicina assistencial que era praticado numa Santa Casa do interior, que não tem nada a ver com a medicina de hoje. P - Da sua infância o senhor se lembra de alguma doença que o senhor teve e de como que ela foi tratada? R - Ah Lembro. Eu tive sarampo e, naquela época, não sei porque, mas aquilo marcava a gente. Quando você tinha sarampo vinha febre e aquele negócio todo, e para estourar o sarampo, como diziam, eu lembro que a minha mãe fez uma fronha vermelha, punha cortina vermelha na janela e tudo, que era para puxaro sarampo, a hora que estourasse o sarampo você ficava bom. Quer dizer, é ignorância total, não só... Que era comum, todo mundo fazia assim, mas é... ignorância, conta com a evolução da doença que ela ia estourar de qualquer jeito, o sarampo vinha... o ezantema vinha de qualquer maneira, mas naquela época o costume era esse, então você... como se diz, tinha... E outra coisa que você torcia para pegar uma rubéola, um sarampo e uma coisa qualquer que era a época em que você comia maçã, que era um negócio que vinha da Argentina e só tinha numa mercearia da cidade, e todo mundo ficava com inveja da criançada lá porque... Fulano estava com febre, estava de cama, então ele tinha uma maçã na refeição, e maçã era um negócio de um luxo que não tinha tamanho, só para doente mesmo. É como dizem, o caldo de... a canja, caldo de frango, só como duas vezes: quando alguém está doente, ou quando o frango está doente, que mata logo para não... (risos) Faz a canja lá que naquele tempo era a maçã. P - O senhor foi à escola com que idade? R - Ah Não lembro, desde pirralho. Porque eu fui... Eu lembro, a mais antiga eu devia ter quanto? Uns cinco ou seis anos, ou uma coisa assim; era um jardim, mas hoje se chamaria de maternal, naquele tempo não sei como é que chamava o jardim da infância, que era de umas freiras alemãs que tinham lá cidade que tinham uma escolinha para criança e foi lá que eu comecei a freqüentar. P - Depois o senhor entrou na escola primária. R - Depois, quando... Aí eu entrei no primário, na escola pública que tinha lá, que era excelente, hoje a gente... Não só as instalações do prédio e tudo, que há algum tempo atrás eu estive lá visitando, realmente hoje ainda é um prédio que faz figura, sabe? P - Era pública? R - Era pública, a escola primária, e depois eu fiz o ginásio... Foi quando abriu o ginásio do estado lá na cidade, que não tinha ginásio, abriu um ginásio estadual, primeiro num prédio improvisado lá que serviu, adaptaram para fazer lá a escola, e depois teve um prédio melhor, até eu terminar o último ano, e aí eu vim para São Paulo para estudar em São Paulo. P - Então o senhor acabou o ginásio em Jaú é isso? R - Acabei em 1946, se eu não me engano. P - Aí do ginásio e o senhor veio para São Paulo... R - Não, em 46 eu comecei o ginásio, que acho que foi de 46 a 50, e em 50 eu vim para São Paulo. P - O senhor teve a formação religiosa? R - Como formação? P - Educação religiosa... R - Ah Tive. P - Na sua casa? R - Na minha casa, sem dúvida, isso no interior era... P - E quem era religioso na sua casa, os seus pais ou só sua mãe? R - Todos, minha avó, todo mundo, no interior isso era muito marcante, mas todo mundo de formação católica, todos. Criado, eu fui coroinha na igreja, tinha lá os seus atrativos, porque a casa do padre, lá da casa paroquial, tinha uma série de atrações para juventude na época: tinha bilhar, sinuca, ping-pong; quer dizer, se você não tivesse freqüentando lá, você não tinha o que fazer na cidade, aquilo é um buraco, e depois ele tinha cinema, tinha os rolos de filme, trocava rolo cada filme, era um negócio meio primitivo, mas tinha, então você freqüentava lá para pode ter acesso a toda essa coisa aí. P - Que filme que passava nesse cinema? R - Ah Carlitos, Os Irmãos Marx, toda essa baboseira toda da época, muito divertido, a gente conhece todos eles de cor, porque eram sempre os mesmos. P - Ficavam vendo várias vezes. Assistiam o mesmo filme várias vezes? R - Ah Sim, ou então, quando a gente já estava maiorzinho, a gente ficava tomando conta da máquina para passar o filme, então você passava várias vezes, porque era uma sala pequena, terminava uma sessão, saía todo mundo, entrava outra turma, e você passava o mesmo filme outra vez, mas era uma... Quer dizer, era um envolvimento com a religião lá na cidade; para gente tinha muito disso, quer dizer, era muito... Não só o lado, aspecto, vamos dizer, religioso da fé em si, mas também o lado... P - Social. R - Social de poder freqüentar a casa paroquial e participar das reuniões lá. P - Como é que foi a passagem da sua infância para a sua adolescência? R - (PAUSA) Bom, da infância para a adolescência. P - O senhor mudou de... coincidiu porque o senhor mudou de... R - Não, aí não foi da infância para a adolescência, não. Da infância para adolescência na cidade foi de certo modo muito marcante, por causa da guerra e do pessoal que foi para a guerra, do acompanhamento de tudo o que acontecia lá fora, sabe lá onde; foi quando eu aprendi geografia, porque a gente procurava, não tinha o que fazer, no interior naquela época não tinha televisão, a rádio pegava muito mal, era uma chiadeira daquelas, você vivia mexendo nas válvula para melhorar o contato, que de vez em quando assobiava e parava tudo, você ia e mexia, mexia para pegar de novo, era um negócio muito precário. E a gente muitas vezes se reunia na casa do padre lá porque ele ligava numa rádio da BBC para ouvir notícia da guerra, então todo mundo estava lá, assim; então foi uma fase em que você não ligava para nada e começou a se interessar nessa fase de juventude, mais comovido pela guerra, para acompanhar tudo aquilo e tal. Então foi uma coisa que marcou muito, apesar de estar longe de tudo, tinha pessoas da cidade que tinham ido para guerra, então, sabe, era um assunto lá sobre o que estava acontecendo e tal, você acompanhava assim à distância, até que eu vim embora para São Paulo, e aí já tinha acabado a guerra, a guerra acabou em 45, mas foi uma fase que acho que marcou muito a juventude da época com esses fatos, tudo por notícia e imaginação também, porque você sabe lá o que quê era uma guerra, você não tinha a menor idéia; quando vinha um filme da guerra, chegava aí um ano depois para passar no cinema da cidade, então era uma coisa muito... Você fazia uma idéia muito vaga de tudo o que acontecia lá na Europa ou no Pacífico lá. Quando, por coincidência, eu estava em São Paulo quando chegou a FEB de volta da Europa, quando acabou a guerra, foi aquela confusão, dada pela... jogar a bomba atômica no Japão. O que quê é isso? O que quê é bomba atômica? Ninguém sabia o que era, pô. O que quê é átomo? Ninguém sabia o que era, quer dizer, para mim foi... como se diz? Abriu o mundo o dia em que... Já em São Paulo, eu estava fazendo o colégio aqui, o professor de física deu uma aula sobre energia atômica, ele também não sabia muita coisa, mas falando o que era átomo, por isso que era atômico, e eu contava aquilo para os outros, então... Porque eu já sabia o que era o átomo, porque se falava de bomba atômica, ninguém sabia o que era, só sabiam que fazia um barulhão(risos), que destruía tudo. Então essa fase foi muito marcante, muito marcada pela guerra em si e por esses fatos de... Como eu falei, eu estava em São Paulo quando a FEB chegou, teve desfile na Avenida São João, os soldados marchando, todo mundo lá com bandeira, abraçando, jogando flor, quer dizer, foram umas coisas que para a gente marcaram muito mais do que a vida escolar, do que as outras coisas. P - Entendi. O senhor veio para São Paulo quando? R - De vez foi em 1950. P - Como é que foi a decisão de vim para São Paulo, quem tomou...? R - Não, a decisão foi de certo modo minha, sabe, que eu queria fazer, continuar a estudar, e lá no interior não tinha como; terminava o ginásio, acabava a escola. Então, como eu tinha parente em São Paulo e tal, a gente estava dando um jeito de vir, e naquela época eu acertei de vim para cá e tudo, foi uma coisa muito curiosa o que aconteceu, porque... Naquele tanque de mamona, de óleo de mamona que tinha lá, que era a piscina da cidade, a gente nadava muito lá, e tinha uma pessoa que, um senhor de idade, de idade não, mas para gente era um... que era... conhecia meu pai, era ligado ao trabalho dele, mas ele era de São Paulo, ele ia lá regularmente, ele ia ser o pessoal que acompanhava essas repartições públicas do interior, etc.. E ele ia na piscina também, no fim da tarde, aquele calorão que fazia lá, e eu fiquei conhecendo essa pessoa lá. Até aí tudo bem. Quando eu vim para São Paulo para procurar como é que eu ia fazer para entrar numa escola aqui em São Paulo, eu vim sozinho, e eu soube que o único lugar em que eu poderia ir era no ginásio do estado, lá no Parque Dom Pedro, o Roosevelt, que naquela época ainda chamava, acho que, ginásio do estado; e lá não tinha jeito de arranjar vaga, a gente fazia um vestibular, já tinha passado o vestibular, não tinha mais condições de fazer, e me disseram lá que a única chance que haveria de você freqüentar o colégio era ser filho de militar transferido ou de funcionário público transferido. E aí que eu arquitetei uma história: que eu vou dar uma conversada no meu pai, porque eu sabia que o meu pai estava querendo sair de lá, e antes de embarcar eu fui procurar aquele homem que freqüentava a piscina com a gente, lá; fui lá na XV de novembro, num prédio lá, era o escritório dele, e ele era importante, e aí eu vim ver isso aqui, e conversei com ele, contei o meu drama, que eu precisava entrar na escola e tal e que o meu pai estava querendo mudar, mas sei lá se ele estava mesmo, e eu falava, estava na hora já de procurar um lugar, porque os filhos tudo grande, já estava... Ele falou: "Olha, não tem problema, conversa com o seu pai. Se ele quiser eu transfiro ele para São Paulo". Assim... Aí eu não tinha o telefone, não tinha como fazer, peguei o trem e fui embora, conversei lá em casa, voltei para São Paulo, e fui falar com ele, ele fez um despacho na hora lá para transferir, ele falou: "Está bom assim?" Eu falei: "Não, ainda falta o papel que ele está transferido, que com esse papel eu entro na escola aqui em São Paulo." Aí ele mandou bater na hora e eu fui para escola e consegui a vaga lá, e aí durma com o resto do barulho que deu, porque mudar a família inteira para São Paulo numa... situação dessa foi complicado, viu? Mas aí eu consegui vaga no colégio do estado e fiz o colégio lá. P - Aí veio a família toda. R - É, demorou um pouco, porque até arranjar casa, até... Sabe, é uma mudança você sair de uma casa do interior, que é um terrenão, tem tranqueira para burro dentro da casa, então você mudar para São Paulo, numa casinha geminada aqui, foi um negócio complicado, viu, empilhou as coisas aqui, mas deu certo. P - Aonde o senhor veio morar aqui em São Paulo? R - Atrás do Arquidiocesano, ali naquela... P - Vila Mariana? R - Vila Mariana, Afonso Celso. P - Afonso Celso. R - Afonso Celso 1056, é um quarteirão após o Arqui. P - E aí como é que... R - E naquela época a rua era de terra, era uma buraqueira, tinha uma enxurrada que levava a rua, cada vez que chovia eles vinham botar terra de novo. A Domingos de Moraes era uma pista só, só tinha uma pista de paralelepípedo, o resto tudo era terra que fazia uma poeirada tremenda. O bonde passava no meio da terra ali. Era diferente, viu? P - E a família gostou de vim para São Paulo? R - Ah Mudou a vida completamente, né, porque aí o pessoal foi uns estudando, outros trabalhando, realmente foi uma... Naquela época você não conseguia emprego... E no fim eu consegui, porque esse Nama, porque esse Nama, é uma pessoa que aliás já morreu... P - Qual era o nome dele? R - Era... Ulhôa Cintra, o sobrenome dele era Ulhôa Cintra, o primeiro nome eu não lembro. P - E ele conseguiu... R - Ele me arranjou emprego também. P - Que quê o senhor foi fazer? R - Trabalhar numa repartição do estado. P - Onde era? R - Eu era tarefeiro, ganhava por tarefa. Trabalhava num barracão aqui na Barra Funda, num serviço muito gozado. Trabalhava com mais duzentos moleques, era toda uma molecada que trabalhava lá, mas eu trabalhava o dia inteiro e de noite eu ia para o ginásio do estado, porque eu consegui entrar no curso noturno lá e... Era um serviço o seguinte: você que faz as compras, emite nota fiscal, então sobra uma cópia da nota, sobra uma cópia que fica com o comerciante, uma cópia vai para o fisco e a outra para o cliente; essa nota que vai para o fisco não sei como é que é recolhido, mas dá uns amarrados de papel, assim, que chegam de caminhão lá no depósito deles, agora, eles precisavam colecionar essas notas para juntar todas as notas da loja dele, para depois o fiscal ir lá e conferir se ele realmente tinha no talão e pagou imposto sobre aquelas vendas que ele fez. Agora, precisava alguém para juntar as notas por ordem alfabética, por data, por não sei o quê; então tinha um barracão, mas trabalhavam duzentos e poucos moleques lá, e tinha os classificadores de papelão, e chegava aquele monte de nota e você tcha-tcha-tcha... Ficava lá o dia inteiro. P - Qual era a diversão sua? R - Não ganhava nada, viu, mas... P - Trabalhava. R - Dava para cinema, dava para...convidar a namorada para passear. P - Quantos anos o senhor tinha nessa época? R - Como? P - Quantos anos o senhor tinha? R - 16. Estava com 16 anos. P - E aqui em São Paulo qual era a sua diversão, como é que o senhor se divertia? R - Não, é cinema... Não tinha muita coisa para fazer em São Paulo, andar de bonde, porque às vezes você pegava o bonde e atravessa a cidade, custava baratinho, ou então você tapeava o cobrador e... pá-pá... P - Não pagava. R - Não pagava, mas era pouca coisa para fazer, não tinha muita diversão, não. P - O senhor tinha namorada? R - Então, tinha... E era tudo muito... Como se diz? Localizado no bairro; você fazia um grupo de amizades, então sábado juntava tudo na casa de um para conversar, porque som nem todo mundo tinha, vamos dizer, hoje junta para ouvir música, não tinha, quando muito tinha um lá que tinha uma vitrolinha daquelas de agulha ainda, que mais chiava do que tocava, mas era... Então havia muito contato social da juventude na época, era mais assim. P - O senhor praticava algum esporte nessa época? R - Mais no interior, no interior a gente jogava basquete, nadava, nunca competi, isso não. A gente ia muito jogar bola também nas cidades vizinhas, inventavam lá, o pessoa ia... desafiava a outra cidade. Então formava um time lá de um clube da cidade e iam jogar na outra cidade, em geral terminava em briga, todo mundo correndo para rua para pegar o ônibus para voltar, era uma... é divertido. Essas coisas do interior. P - Desse período o senhor se lembra de algum remédio que o senhor tomava? R - Ah Agora, lembrar... Bom, aspirina todo mundo tomava, né, isso toda... É mais velho do que andar para frente. P - E tinha esse nome, Aspirina. R - Aspirina, era, era esse nome mesmo. Tinha aqueles remédio para verme que eles davam para as crianças. Agora... eu lembro da caixinha, era uma caixinha vermelha, comprida, cheia de uma pílula dentro, umas pílulas redondinhas, umas bolinhas, mas eu não lembro, não lembro o nome. P - E o senhor se lembra de tomar vacina? R - Lembro de tomar vacina contra varíola. P - Como é que era essa vacina? R - Ah Eles carnificavam o braço... P - E era no... R - Seria no posto, o cara vinha com aquele tubinho de vidro, riscava, e assoprava com a boca. E era assim, e vacinava escola, faziam vacinação na escola, mas tinha pouca vacina na época, não é que nem hoje, que tem... Em geral você já era vacinado pela doença. Você apanhava a doença; se você morria, morria, senão morria, você estava vacinado. É, porque a doença que não repetia, hoje você dá vacina para sarampo, naquele tempo não tinha, então todo mundo tinha sarampo, era normal ter sarampo, e aí então vinha fronha vermelha, aquelas história toda(risos). P - Houve alguma experiência que levou o senhor a escolher essa profissão de médico? R - Não, não, nenhuma experiência. Houve esse contato que eu disse que eu tive com esse pessoal lá de Itú, da Santa Casa de Itú, que me atraiu para coisa, eu passei a gostar daquele tipo de trabalho, que sempre... Eu não sei tem um pessoal que fala muito: "Ah não posso ver sangue, e tal." E para mim isso nunca afetou nada, então eu mesmo no hospital vendo aquelas cirurgia, aquele negócio todo que a gente via lá, achei interessante, passei a gostar. P - E como é que o senhor entrou para a Faculdade de Medicina? R - Ah Pelo vestibular mesmo. P - O senhor fez um vestibular, era específico para medicina? R - Foi, era. O vestibular, aliás eu entrei na terceira vez. P - Fez cursinho antes... R - É, naquela época você tinha...Quase não tinha esses cursinhos, o Objetivo estava começando, era uma escolinha lá, não tinha uma maior projeção, e eu freqüentei o Caoqui, e era o cursinho da Faculdade de Medicina, que ele funcionava lá na cidade, ali perto da Maria Paula, numa travessinha, Rua Santo Antônio ali, por ali, assim, e eu me preparei mais ou menos, a primeira vez mais ou menos, e fiz o vestibular e passei, mas não fui classificado. Digamos, eu tive uma nota... Eu não lembro mais se foi 8,13 ou 7 virgula qualquer coisa, e o último colocado estava três, quatro décimos para cima. Quer dizer, você passou, não fui eliminado, passou, mas não fui classificado; e olha, acabou Aí toca fazer cursinho de novo, mais um ano, e de novo tive a mesma situação, fui classificado e não... Não fui eliminado, fui aprovado, mas não tinha... Aí na terceira vez eu falei: bom, vou fazer por minha conta agora; juntei todos os livro que tinha, me tranquei em casa, e estudei sozinho, só que para não perder de novo outro ano, eu fiz na Escola Paulista. P - Por quê? R - Primeiro porque era perto da minha casa, que eu morava na Afonso Celso e eu ia a pé para Escola Paulista, ali, e era perto, e depois eu já estava meio desanimado com a história da faculdade daí de Pinheiros, por causa disso, e não sei explicar porque, fiz também na odontologia. Resolvi fazer e falei: "Vou fazer e faço a outra." Junto com um colega meu de colégio, que nós resolvemos fazer assim nesse ano; ele também quebrou a cara duas vezes, na terceira a gente falou: "Ah Vamos fazer aqui?" Ele falou: "Eu vou tentar de novo na Pinheiros." E eu falei: "Não. Eu vou fazer na Paulista." E nós dois fizemos na odontologia, e entramos em todos lugares, ele entrou na Pinheiros e na Odontologia, eu também entrei na Paulista e na Odontologia. P - A Paulista era paga nessa época. R - Era paga, era paga, e eu não podia pagar, entende? Eu entrei em segundo lugar, o primeiro entrou com 7,13 e eu entrei com 7,12, mais ou menos, foi uma coisa assim, e com isso eu ganhei uma bolsa do estado. Que tinha uma bolsa do estado para os dois primeiros colocados, tive que ir lá nos Campos Elíseos, o Palácio do Governo era lá, fui lá, etc., no fim eles pagaram a escola por dois anos, aí a Paulista foi federalizada e eu não precisei pagar mais... P - Que ótimo. R - E no fim... Senão eu teria aquela bolsa de qualquer maneira, eu teria a bolsa, mas era uma barbaridade para época o custo da escola... Eu ia ter que abandonar, eu não ia poder ficar, entende, porque não dava para pagar o que custava, custava quatro mil e tantos cruzeiros na época, não sei, era um... Naquela época meu pai ganhava cinco mil, seis mil, alguma coisa assim, e ia pagar quatro de escola. P - E como é que era a faculdade, o que quê o senhor aprendeu, como era as disciplina? R - Olha, foi uma escola muito gostosa de fazer, viu? Não só pelos colegas, enfim, a turma era muito... Eram só 60 por classe e era uma turma muito boa, foi um pessoal que até hoje convive, compreende? Depois de 30, 40 anos aí, eles estão tudo junto, até hoje e... Tudo junto modo de dizer, morreu um monte, outros já estão para o interior, para outros lugares, mas o pessoal ainda se comunica. E eu peguei um restinho da escola, vamos dizer, da escola do entusiasmo ainda, porque os professores da Escola Paulista não recebiam salário, todo mundo trabalhava por amor à arte lá, a escola era uma sociedade civil, sem fins lucrativos e tal, e os professores davam aula basicamente pelo título de professor na escola. Eles recebiam parece que CR$ 1,00 de salário simbólico. Então quem estava lá que gostava, e o pessoal dava as aulas tudo por entusiasmo mesmo, então eu ainda peguei, nesses dois anos aí, eu ainda peguei a escola assim. Agora, no momento em que ela foi federalizada, então mudou o clima, porque o pessoal passou a contratado, aqueles que se sacrificaram porque queriam durante anos acabaram sendo nomeados professor, assistente, mais não sei o quê e tal, e passaram a receber do governo federal, então mudou um pouco o clima da escola nessa etapa, mas a escola deixou muito boas lembranças. Teve um aspecto dela que era comparado a Faculdade de Medicina. Que a Faculdade de Medicina tinha como fator mais preponderante lá a cirurgia, então se dizia na época: "Quem quer fazer clínica vai para Paulista, quem quiser ser cirurgião vai pra Pinheiros." E realmente o Hospital das Clínicas tinha recursos que lá não tinha, o Hospital São Paulo era um hospital muito limitado, muito... vamos dizer, que tinha... não tinha dinheiro, uma sociedade beneficente, sociedade paulista de não sei o quê lá, beneficência, que era dona da escola e do hospital; tinha uma série de limitações financeiras e tal, então isso fazia com que eles se dedicassem mais à parte clínica, que era menos, eu acredito que a coisa estava assim, era menos dispendiosa para ser mantida do que um centro cirúrgico com todo o material necessário, se bem que tinha cirurgia, etc.. P - Aí o senhor fez... R - Mas tinha coisas hoje inaceitáveis, mas naquela época, por exemplo, o professor de obstetrícia da época, ele era muito religioso, muito ligado às freiras que tomavam conta da parte de enfermagem do hospital, ele não reconhecia que estudante tinha, vamos dizer, condições para estar assistindo um parto ou para fazer um parto. Então você não tinha acesso à maternidade, você assistia só lá de trás do vidro, quer dizer, foi uma fase complicada para a formação da gente, porque a gente tinha o professor, ele era cheio de restrições para os estudante e tal, e conclusão, você ia para fora. P - E agora... R - Então, eu fui fazer e pratiquei a parte de obstetrícia na Clínica Infantil do Ipiranga, outros foram para Casa Maternal... P - Que não podia. R - ...Porque lá você não tinha... P - Espaço. R - ...Não tinha chance. P - Era uma restrição moral. R - É. Ele dizia mesmo isso: "O estudante não tem moral para um ato tão sublime quanto um parto." E o que quê você fazia? Fazia parto num boneco que eles tinham na sala de aula, quer dizer é incrível um negócio desse em pleno século XX mas o... então a gente ia fazer plantão fora para poder aprender e eu fiz na Clínica Infantil do Ipiranga dois anos, me formei em obstetrícia fora da escola porque na escola não podia. E outros fizeram na Casa Maternal, lá no Tatuapé, que também é onde você tinha chance de fazer parto, fazer um fórceps, fazer uma cesárea, e vai por aí afora, você aprendia fora da escola porque lá estudante não pode. P - E a sua residência foi lá também? R - Não existia residência. P - Não existia, como é que é... Não internava... R - Você terminava o último ano, levava um pé no traseiro e ia praticar a medicina. P - Ou seja, seis anos a formação. R - Seis anos acabou, você podia querer fazer carreira lá. Você ficava na escola porque você queira ficar num serviço, noutro serviço e tal, por sua conta. Não tinha que nem hoje, que você termina o curso e você faz tudo, mas também, quando chegava no último ano, você, fora esses casos específicos da obstetrícia que você tinha que buscar fora, você saía pronto para... Eu lembro que no 6o ano eu estava podendo praticar medicina tranqüilo, porque tinha uma formação suficiente até lá, pelo menos para o que tinha na época de conhecimento na medicina. P - Então não saía dessa sua faculdade um especialista, um otorrino, um... Saiam todos clínicos. R - Não, você saía clínico que tinha condições de praticar uma otorrino... P - Várias delas... R - ... Por exemplo: eu fui montar consultório no bairro. Eu fazia de tudo: fazia parto, operava varizes, fazia... Enfim, você aprendeu aquilo tudo... P - Você já saía médico. R - ... Saía médico, não tinha essa história que depois veio de especialista, o cara é especialista de ouvido esquerdo, de ouvido direito, etc., não tinha. Você tratava um problema de otorrino, uma infecção de ouvido tratava, de garganta você tratava, compreende? Tinha um cisco no olho e tal, você conseguia tirar com...uma farpa de metal... Que isso, no bairro, nas fábricas, tinha muito farpa no olho; não precisava chamar o oculista, você mesmo se virava, quer dizer, é tipo da medicina, aquela medicina do interior, tem o médico na cidade, ele tem que se virar, pô, e a gente...De certo modo, isso para mim foi muito bom, porque esse tempo que eu tive consultório lá em Santo Amaro era dali para diante. Quer dizer, você saía do consultório e afundava para aqueles bairros lá perdidos que tinha, e para atender, eles vinham te buscar de carro, e você ia embora com a sua malinha na mão e seja o que Deus quiser, compreende? Então não adiantava você ser especialista em alguma coisa, porque... Você ia, praticava a medicina, não a especialidade. P - Certo. Aí o senhor terminou a faculdade e foi trabalhar aonde? R - Não, aí, então, quando eu estava no segundo ano da faculdade, eu comecei a trabalhar no laboratório. P - Como propagandista. R - Propagandista, é. Eu fazia propaganda dentro da escola, porque não entrava propagandista na escola. P - Certo. R - Não é que nem hoje, que você tem propagandista para tudo quanto é corredor de hospital, etc.. Não tinha, propagandista não entrava. E eles queriam, os laboratórios evidentemente queiram divulgar os remédio, as coisas deles, lá. Então o que quê tinha? Eles contratavam um estudante. E a gente conseguia emprego desse jeito, quer dizer, você estava dentro da escola, trabalhando dentro do hospital, etc.. E tinha chance de contactar um ou outro, distribuir amostras e material de propaganda, tudo. P - E de que produtos o senhor fazia propaganda? R - Ah Uns museus que tinha na época, né? P - O que é que tinha? R - Tinha um remédio para disenteria, não existe mais, chamava Interosan. Sulfa, era sulfa e hidróxido de alumínio, para constipar. Tinha remédio para base de ferro, para anemia, tinha remédio para ameba, tinha as coisas de... Sem nenhuma sofisticação, e era o que você utilizava lá na propaganda. E estavam aparecendo os primeiros remédios já sintéticos e tal, tipo cortisona, que era até... Apareciam os primeiros corticóides, aquilo já era um negócio para... Como diz? Para especialista, precisa saber mexer com o remédio e tal, para acertar a dose e tudo. Quer dizer, nessa época estava começando já a aparecer esses produtos de origem sintética. Mas foi bom pra gente, foi bom, porque a gente teve uma... No meu caso, eu tive um envolvimento na terapêutica muito cedo, quando eu não entendia nada ainda, não tinha nem curso terapêutico, eu já estava estudando os remédio e as indicações, etc., então para mim foi interessante. P - E que outros laboratórios tinha na época em que o senhor trabalhava para esse? R - Ah Tinha uma porção, acho que a maioria dos que tem aí hoje. Eu digo desses grandes, porque eram poucos laboratórios brasileiros na época, eram poucos; alguns já nem existem mais, desses poucos alguns nem existem mais, mas a maioria eram os estrangeiros que estavam se implantando aqui e tal. Então a gente já tinha conhecimento de uma série de remédios que eram trazidos de fora e já existiam aqui. P - Aí, ao se formar, o senhor foi fazer que tipo de trabalho? R - Bom, primeira coisa foi abrir consultório. P - O senhor abriu um consultório. R - É, abri o consultório com mais dois colegas para dividir a despesa. Porque pegamos um bairro aí, alugamos uma casa, montamos toda a tranqueira lá dentro e senta para esperar, né? Esperar pingar alguém lá. Foi um começo assim. Em geral a gente ia para o consultório com a mulher e com as crianças, que eu já tinha filho nessa época, e ficava lá brincando no quintal, e falava... Porque não tinha o que fazer, cliente não aparecia... Era uma maravilha. Você botava uma placa bem grande lá na porta e ficava lá, e fora disso eu trabalha no laboratório. Quer dizer, então eu tinha um sustento pelo laboratório, pelo emprego, e em geral a gente fazia meio período, de manhã eu trabalhava na parte do laboratório, e de tarde eu ia lá caçar mosca lá no... Você conhece isso (risos)... E eu fiquei lá, eu estava lá na Cidade Ademar, a Cidade Ademar era o fim de São Paulo, era depois do fim ainda, naquela época; tanto que a casinha onde a gente alugou lá nem existe mais, tem lojas... Agora é um avenidão lá, mas era uma estradinha que tinha que ia para Diadema e era de terra, era um poeirão também que é uma tristeza. Mas até o momento em que os outros dois cansaram de ficar lá sem ter o que fazer e resolveram ser anestesistas, uma virada assim na carreira, e estão até hoje. P - Como anestesistas. R - Os dois viraram anestesistas e foram trabalhar no Matarazzo, depois foram trabalhar no São Camilo, e aí resolveram largar o consultório e eu sozinho não tinha condição de ficar. E nessa época eu comecei a trabalhar na Labor Terápica, foi nessa virada aí...ou logo depois. P - O que é que o senhor fazia? R - Na Labor Terápica eu era assessor de assuntos médicos lá, parece que o título era esse. P - E que tipo de trabalho que se fazia? R - Cuidava na parte de pesquisa, na parte de bibliografia, na parte de material promocional, era pau para toda obra. Tudo que tinha alguma coisa de medicina envolvido era com a gente. P - E aí o senhor trabalhava lá no período integral? R - Não, e trabalhava... P - O senhor parou de clinicar. R - Eu trabalhava de manhã... Ah E tem uma outra coisa: eu comecei a fazer carreira universitária lá na Escola Paulista. Um professor que já morreu também, o Nilseo Marques de Castro, que depois ficou até diretor da escola, ele me convidou para ficar como assistente dele na área de citologia, eu fazia citologia, eu gostava muito daquilo, e eu comecei então a trabalhar na citologia. Fiquei um tempo, não lembro quanto tempo eu fiquei lá; foi a época em que sofreu uma série de modificações, veio o Jânio e queriam fazer não sei o que com a escola, e ele tinha... Naquela época eles estavam pensando em comprar um microscópio eletrônico na Siemens da Alemanha. Ela ia ser a grande novidade de ter um microscópio eletrônico, porque só tinha aquele ali, e botar o olho ali e o ótico comum, e pintou uma possibilidade de eu ir para Alemanha fazer um curso de especialização em microscopia eletrônica, e vir depois junto com o microscópio que a escola ia comprar. Então era uma coisa que estava amarrada na outra e tal, e nessa altura deu um quiproquó qualquer no governo, acho que o Jânio renunciou, e eles cortaram as verba da escola, deu uma confusão qualquer lá dentro, eu não lembro bem a seqüência dos fatos qual foi, eu sei que um dia o Nilseo me chamou lá e falou: "Olha, não vai sair mais o microscópio. Não vai dar para você ir para Alemanha. Quer um conselho?" Eu falei: "Quero". "Cai na vida, vai embora, porque isso aqui do jeito que está não vai dar futuro para ninguém". E foi o que eu fiz, aí eu tratei de me amarrar onde era possível, naquela altura eu já tinha dois filhos para... E aí eu falei: "Bom, também não vou poder ficar esperando alguma coisa." Aí acabou a minha carreira universitária, durou pouco(risos). P - Mas... E aí o senhor foi trabalhar nos hospitais. R - Não, aí eu já estava... Eu trabalhei em hospital, trabalhei... Eu não sei dizer a seqüência disso tudo, mas aí... P - Não, não tem problema a gente... R - E foi quando eu fui... Um outro professor, que era José Inácio Lobo, ele era o professor de endroclinologia da Escola Paulista e era o diretor cientifico, como chamava, da Labor Terápica, e ele que me convidou para ir para lá. Então, eu falei: "Bom, então eu saio da escola e vou trabalhar lá." Eu sai do laboratório em que eu estava e fui para a Labor Terápica, e aí eu comecei já a ficar muito do lado da indústria, né, então eu ia lá de manhã e trabalhava de tarde no meu consultório. Depois o negócio começou a evoluir lá dentro do trabalho e eu passei a trabalhar o dia inteiro no trabalho e às cinco horas da tarde eu saía e ia para o meu consultório, e ficava até dez, onze horas da noite atendendo. Porque aí eu tinha largado o consultório lá da Cidade Ademar e aberto um consultório em Santo Amaro, primeiro no Largo Treze, aquela maravilha lá, mas naquela época eu já tinha carro, eu parava o carro na porta, em frente a igreja; você conhece o Largo Treze? P - Claro. R - Do outro lado ali, em frente a igreja ali, tinha um casarão que era de um médico lá que tinha uma clínica ali e ele me alugou uma sala para funcionar o consultório, então eu me instalei ali. Em 63 eu estava lá, porque eu lembro que eu estava lá atendendo quando o outro médico entrou para me contar que tinham assassinado o Kennedy, foi em 63; eu lembro disso, eu estava atendendo um paciente quando aquilo foi... o cataclisma, o tal... E então em 63 eu ainda estava lá, depois eu sai de lá, mudei, que aí começou a virar Largo Treze, como vocês conhecem hoje, começou a avacalhar o negócio e eu sai de lá, vim mais para a Adolfo Pinheiro, e lá eu fiquei até 72. P - E quais eram as doenças mais comuns que o senhor atendia no seu... R - Tudo. Consultório de bairro, aparecia de tudo lá, compreende? Não dá para dizer o que mais aparecia, porque... E eu tinha muito movimento lá, tinha muito movimento nesse período, até 72, porque foi de 63 mais ou menos até 72 que eu fiquei no mesmo endereço. Foi muito interessante, foi muito bom, mas começaram a aparecer os convênios. P - Eu ia perguntar agora, quando que começaram aparecer os... R - Começaram a aparecer os convênios. E aí? Então você fazia um pré-natal, na hora do parto ia para o convênio, perdia o parto. Quer dizer, que é o que podia te dar um resultado melhor. Você fazia um tratamento, ia para uma cirurgia, o cara corria para o convênio, no fim você ficou num trabalho que era proporcional à sua capacidade de atender gente. Se você atendia dez pessoas, se você atendia vinte, mas não dava mais, quer dizer então chega num ponto que... E você não podia aumentar a consulta, porque já estava difícil, estava todo mundo indo para os convênios. Quer dizer, o cliente pagante começou a sumir, então chegou uma hora em que eu pesei os prós e contras, pô, e depois família, porque eu saía de casa cedo e ia para o laboratório e ficava lá das oito às cinco, às cinco subia correndo para o consultório, ficava lá até dez, onze horas da noite, chegava em casa, você já não via os filhos, aquela história... Aí chegou um dia em que eu falei: "Bom, o meu caminho é esse." Então fechei o consultório. Foi um problema, né, você imagina depois de dez anos no lugar ali, com aquela clientela toda, mas não adiantava, eu achei que valia mais a pena o que eu estava fazendo na parte da indústria farmacêutica do que continuar no consultório. P - E o senhor estava na Fontoura, é isso ou não? R - 72? Já, já estava na Fontoura, já estava na Fontoura quando eu fechei o consultório. P - E aí nesse... R - E depois outra coisa, aí também teve o lado meu de viajante, eu sempre gostei muito de viajar, e na indústria farmacêutica você viaja para burro, quer dizer, e até demais. Então você tinha projetos de pesquisa correndo em São Paulo, tudo bem, você vai de manhã no hospital e na outra... Mas tinha Campinas, tinha Rio, tinha Porto Alegre, tinha Manaus, tinha Recife e tem que ir, você tem que fazer o acompanhamento de tudo isso, então você toda hora estava no avião e dava problema, quer dizer, você estava fazendo um pré-natal, tinha o parto, no dia do parto eu estava lá na Bahia, a mulher, quando você voltava, você ouvia tudo o que você não queria, porque ela fez o pré-natal e na hora do parto eu larguei ela na mão. Quer dizer, sabe, essa coisa começou a ficar meio complicada, e então eu ficando só na indústria eu tinha, podia viajar à vontade. Aí foi uma festa. Aí eu viajava direto (risos), em função do trabalho, claro, e assim foi. P - E como é que o senhor entrou na Rhodia? R - A Rhodia foi um momento de... Foi curioso, até. Eu estava na Fontoura, foi quando houve umas modificações lá, um médico que era o responsável lá na Fontoura foi embora para os Estados Unidos, eu assumi o lugar, eu fiquei como responsável pela América Latina, aí já o negócio estava ampliando, e foi quando através de pessoal conhecido e tal fizeram contato comigo, eles queriam... A Rhodia estava procurando um médico para montar o serviço de pesquisa deles, e pegaram quem tinha mais experiência, e no caso era eu; tinha mais outras pessoas que foram contatadas. Veio nessa época... Eu estava nos Estados Unidos, porque eu estava participando de uma reunião lá, e eles queriam que eu fosse encontrar com esse professor lá da França, que a sede era lá em Paris, é ainda, mas eu estava trabalhando pela Fontoura, não podia sair fora do programa da Wyeth lá nos Estados Unidos, acabamos marcando um encontro aqui em São Paulo, eu vim embora, e fizemos uma entrevista aqui e eles no fim acabaram, acabamos acertando. Aí eu pedi demissão na Fontoura e fui lá para Rhodia começar do zero, não tinha nada, era para montar o serviço. Foi... P - Os funcionários perguntaram se o senhor lembra do seu primeiro dia de trabalho lá, como é que foi? R - Lembro, lembro bem. Mas foi muito interessante, porque a Rhodia tinha mudado para o Centro Empresarial, aquilo era um negócio vazio enorme, tudo era grande lá dentro, salões e salões, ainda estava em formação o escritório, e a Rhodia pegou o prédio inteiro, quer dizer, então tinha espaço sobrando, e eu cheguei lá me deram uma sala que dava três dessa aqui ou até mais, ou até mais, porque era enorme a sala. Então você se sentia assim, meio... Meio perdido lá no meio daquele espaço todo. Hoje não; hoje eles tornaram mais racionais o espaço, mas naquela época... E lá você chega, senta e diz: "E agora? Começar como?" A matriz estava lá na França, não era comum o pessoal naquela época tá ligando para fora, fora do país, mas eu tinha que me entender com o pessoal lá para saber como é que vai ser, como é que são os programa, e foi começou assim. Começou com contato e tal, no fim, daí a pouco, eu fui para lá, fiquei um tempo lá para engrenar com o pessoal, aí trouxe os primeiros projetos, e foi estruturando uma equipe e com um pessoal também lá de dentr,o que a gente foi agrupando, no fim ficou... funcionou. P - Como é que era a definição dos projetos que o senhor coordenaria aqui no Brasil? R - Bom, os projetos eram propostos por eles lá. Isso foi durante um pouco de tempo, porque logo eu comecei a... O contato se acentuou e eu acabei sendo convidado para participar do Comitê Internacional de pesquisas deles. P - O que faz um comitê internacional de pesquisa? R - O comitê se reúne lá quatro vezes por ano e reunia com os responsáveis pelos países onde havia chance de desenvolver pesquisa. P - Sei, e o Brasil tinha... R - O Brasil não tinha, mas depois que eu comecei a participar e a coisa embalou, nós tínhamos na América dois países onde eles faziam pesquisa, era o Canadá e o Brasil. Eles não tinham implantação nos Estados Unidos. Então o Brasil ficou um pólo importante de desenvolvimento de pesquisa e eu passei a participar então da reunião desse comitê lá, que era uma tristeza, você ir quatro vezes por ano ou três, eu cheguei a ir sete vezes por ano a Paris... P - É horrível. R - É horrível, é um negócio que... P - Desagradável (risos). R - Lá e em outros locais, a gente viaja muito. P - Certo. R - Eles faziam reuniões na Ásia, faziam reunião na África, volta e meia você estava com o pé na estrada. P - E nessa reunião você defenderia... R - Então, nessa reunião eram os chefes de projetos lá, apresentavam o andamento de um determinado produto, faziam a exposição de tudo o que já tinha acontecido, de todas as experiências já feitas, e discutia as propostas de futuros estudos para o próximo ano, e você via dentro daquelas propostas onde se poderia fazer no Brasil. Então lá no HC tem um cara que dá para tocar esse tipo de estudo, depois lá na Bahia tem um especialista que pode fazer e tal, então você já com a experiência, por isso que precisa conhecer um pouco do negócio, e você já dizia: "Não, esse projeto eu posso levar. Ou levo o projeto inteiro, são duzentos pacientes. Não; dá para levar cinqüenta para o Brasil, que eu tenho quem faça e tal". Então você vinha com todo o material, com tudo para cá, e implantava o estudo, e depois você vai acompanhando, aí vinha as viagem para onde estivesse acontecendo a coisa. Fim da fita 01 - rhf004 P - Certo, e aí, de volta do Brasil, o senhor procurava justamente esses parceiros, é isso? R - É. Agora isso é uma coisa que não era questão... Você já sabia quem podia fazer. P - Você sabia que ele já estava... R - É, você já sabia. Tinha uma droga para psiquiatria, eu sabia aqui no HC todo mundo que podia fazer, quem era, se ele estava sobrecarregadoou não... É, você já tinha na cabeça mais ou menos, você já ia com a cabeça preparada para assumir ou não compromissos lá; agora, depois tinha que fazer o negócio acontecer que era um compromisso da gente com a direção da pesquisa lá. P - Então a Rhodia ela não tinha um laboratório de pesquisa dentro das suas... R - Não, ela, a Rhodia... Tinha um laboratório de pesquisa chamado Centro de Pesquisa de Paulínia lá em Campinas. Que era... Trabalhavam umas duzentas pessoas lá, era um senhor centro de pesquisa, mas cobria toda a empresa, eram 23 empresas ou coisa assim na época, e esse centro de pesquisa da Rhodia trabalhava na parte química, na parte física... P - Têxtil.... R - ... química de nylon, química de toda... Na parte de corrosão, na parte de... Como é que chama aquelas... Bom, enfim, era um centro que desenvolvia uma série de pesquisa para todo tipo de indústria que a Rhodia tinha aqui. P - Inclusive a Farma ou não? R - É, tinha pouco com a Farma, tinha pouco com a Farma; depois passou a ter bastante. Aí já é uma outra etapa. Por exemplo, a gente trazia esses produtos lá da França, já tinha o projeto todo montado, já tinha modelos de ficha clínica, já havia toda uma coisa mais ou menos estruturada, agora chegava aqui, muitas vezes, você tinha que traduzir tudo, reimprimir tudo aqui em português, porque nem sempre você tinha um médico que tivesse familiaridade com inglês para preencher direto um negócio daqueles e tal, então dava um bom trabalho para gente, de adaptação, vamos dizer, da pesquisa para o nosso meio; e depois vinha a droga, a droga vinha a granel, um saco de comprimidos, depois você tinha que embalar aquilo, levava para fábrica, embalava tantos comprimidos por frasco, tinha que rotular tudo com códigos especiais e tal, enfim, tinha todo um trabalho de preparação do que você ia usar na pesquisa. P - Que produtos o senhor conduziu pesquisas aqui? R - Ah Tudo que passou nesses 15, 18 anos que andei lá. P - Por exemplo. R - Desde produtos super conhecidos que nem o Flagyl, por exemplo. P - Por exemplo, como é que foi a história do Flagyl? R - A história do Flagyl é antiga, eu nem conheço toda a história dele, que é um emidasólico que foi... O metronidasol, ele foi descoberto pela Rhône-Poulenc, e se tornou um remédio para tratar vaginites, tratar ameba, tinha vários parasitas, vamos dizer, isso foi um remédio que com o tempo ficou o verdadeiro clássico, que... todo mundo usa, porque... aliás, não existia nem similar, só tinha aquele. P - Não, eu ia perguntar dentro dessa composição, quer dizer, fazer a pesquisa, e vinha, vamos supor, a composição do remédio, quais elementos deverão ter naquele remédio, e isso vinha de fora, quando chegava aqui existia alguma adaptação nacional? R - Ah Sim, não... Tinha que fabricar aqui depois. P - Não, mas não dava assim... R - Você podia trazer de lá... Não, não, em geral não, porque acontece o seguinte: você faz um preparado, aliás, faz uma fórmula, o comprimido tem tantas miligramas disso, tanto daquilo, etc., define a estabilidade, define quanto tempo aquele comprimido dura para não se deteriorar, etc., e faz os testes animais; depois que você gastou dinheiro com tudo isso você não vai mexer mais na fórmula, porque se você mexer na fórmula você tem que repetir tudo. P - Começar tudo de novo. R - Então, tem todo um trabalho preliminar, ou a fase pré-clínica que chama, tem a fase da farmacotécnica, depois a fase de estudos animais, por isso que leva anos para apontar uma... E depois você tem a fórmula definida, compreende? Agora, em geral, essa fórmula contém a substância ativa e alguns outros componentes que é para dar estabilidade, que é para dar dureza para o comprimido, para que ele não esboroe, quer dizer, tem uma série de recursos farmacotécnicos, e isso depois que está estabelecido, essa informação técnica vem para cá e a fábrica aqui reproduz, então importa-se só a matéria prima ativa e o resto faz aqui. É a mesma coisa com injetável, a mesma coisa com xarope, pomada, tudo em geral você usa o que você tem localmente; agora, a matéria prima que é a ativa, essa em geral é de custo caríssimo para... Você não vai montar uma fábrica da substância em cada país, porque nem tem volume de produção; então em geral a indústria concentra num país a produção daquela substância e ela produz para todos os outros países, então você pega, por exemplo, um laboratório que nem a Roche, que tem o Valium, eles tinham uma fábrica de Valium nos Estados Unidos inteirinho, porque de lá eles abasteciam tudo, uma parte do mundo, outra parte do mundo saía da Suíça, ia para Europa, África. Porque não justifica ter uma fábrica em cada país por causa do custo da coisa, e nenhum país tem consumo suficiente, que ele usa 5,2 miligramas de uma substância; a produção toda do ano consome 20 quilos, por exemplo, e a fábrica fabrica 50 quilos por mês, então... não tem sentido você investir numa fábrica para fazer isso. P - E aí, voltando ao Flagyl que o senhor estava contando como foi a pesquisa. R - Não... A pesquisa não foi nossa, né, nós participamos do desenvolvimento dela. No caso do Flagyl foi um caso muito curioso, tanto que ficou meio emblemático lá como... P - Como história. R - Como história na Rhodia e tal, mas lá pelo ano 80 e poucos, 83, 84, não sei, chegou uma história lá da França de que... E estavam usando Flagyl em infecção, e ele trata parasita e não é um antibiótico. Eu mesmo no primeiro... comentário eu também falei isso: "Só faltava essa. O remédio serve pra tudo, agora virou antibiótico para tratar infecção." Mas a coisa evoluiu e no fim eles convocaram uma reunião lá em Genebra com os maiores especialistas do mundo para apresentar os trabalhos que eles tinham feito com esse uso do Flagyl, e o João Carvalho ele falou: "Puxa. Será que vale a pena a gente ir ver isso? Porque está tão..." Eu falei: "Olha, acho que vale, acho que vale a pena ver, porque... Eu não sei, se eles estão dando essa importância para o produto, é porque deve ter alguma coisa que nós não pegamos ainda na nossa sensibilidade, aqui não deu e tal." E no fim nós dois fomos para lá. Foi ele... Eles já começaram então... No período antes já começaram a chegar informações da França sobre alguns aspectos do tal produto novo que eles estavam preparando, e o produto estava sendo feito na Inglaterra. Não era na França. Diz que os ingleses tinham desenvolvido uma fórmula com o Flagyl que permitia injetar na veia usando frascos, tipo de frasco de sangue, com soro, daquele jeito, e dava direto na veia do paciente. A gente sabe tudo... Como que eles fizeram isso e tal? No fim fomos, fomos para lá assistir a apresentação, e os ingleses... estavam... os papas do negócio estavam lá e olha, encheu os olhos, viu? Porque realmente eles tinham feito todo um trabalho com o metronidasol e tinha um resultado... O resultado estava ali, era verdade a coisa. Quando terminou toda aquela apresentação, eu procurei o cara que tinha começado a história toda, que era o Willys - o Trevor Willys é um professor inglês de Leeds -, e fui falar com ele, e no fim estava ele e um assistente dele chamado Ferguson, Yan Ferguson, que foram os dois que tinham desenvolvido toda uma técnica para trabalhar com germes anaeróbicos e tal. Aí nós... Convidei-os para jantar e à noite, depois daquela coisa, o Carvalho, os dois e eu, nós fomos saber direito como é que tinha sido a história para entender melhor o que estava por trás daquela coisa toda. E realmente foi um negócio que... Muito interessante o que eles tinham feito, e a coisa era lá na Inglaterra e nós... Estavam os ingleses lá também em Genebra, aí a gente conversou com eles e tal, e dali nós resolvemos ir embora para Londres para conversar com o laboratório da Rhodia lá... da Rhône-Poulenc na França para ver que tipo de negócio a gente podia fazer para levar isso para o Brasil. A história toda era a seguinte, pelo que estava relatado lá: tinha uma paciente que tinha um corrimento vaginal por tricomona, senão me engano, tricomonas ou... devia ser... e ao mesmo tempo ela estava tratando de um abcesso dentário que não regredia, tinha um abcesso. A cara inchada e tal, e o dentista estava pá-pá e nada de conseguir... Drenava, rotava, ela não consegui resolver o problema do abcesso dentário dela, e ela foi no médico, no ginecologista, e ele receitou Flagyl para ela e ela tomou Flagyl e melhorou dos dentes.(risos) Até aí nada, quer dizer, até que enfim o dentista acertou, porque não tinha nada uma coisa com a outra (risos). É que nem o índio brasileiro, pelo menos o pessoal lá da Escola Paulista que ia lá no Xingu, que eles tem um posto lá daquele programa lá do Rondon, ele dizia que o maior problema para eles lá era aplicar injeção na nádega do índio, porque dizia que o negócio era aqui e que ele estava dando remédio(risos)... Bom, é mais ou menos por aí... A lógica na hora não pega. Mas o dentista falou: "Puxa. O que é que a senhora fez? O abcesso finalmente fechou... apenas cicatrizou". Ela falou: "Não fiz nada.". Aí ele fez um inquérito mais minucioso e soube que ela tomou aquilo. Bom, e esse dentista relatou para o Willys, que era um bacteriologista, falou: "Olha que coisa gozada. Está assim, assim assim." Ele falou: "Bom, vamos ver, né?" E começou a trabalhar com germes anaeróbicos, que dá só em coleções fechadas de pus, seja aqui, seja no intestino, seja onde for, que não tem como tratar, não existe antibiótico que trate, etc., ele começou a pesquisar o uso de metronidasol nas culturas de anaeróbicos e foi quando ele viu que tinha coisa ali, e ele partiu para os estudos que ele fez, que no fim foram a base do uso do metronidasol nas infecções anaeróbicas ou infecções hospitalares, como chamavam também, que não tinha como tratar, você tem que abrir a barriga do doente, botar um dreno, e deixa correr pus, e aquilo vai fechando por segunda intenção, quer dizer, é um negócio... Não tinha como tratar; dá muita infecção cirúrgica, isso. P - E houve pesquisa aqui? R - Pois é, não... Aí então começa o negócio, aí infecção anaeróbica, aí então... Bom, nós fomos lá para o laboratório em Londres e se conversou, se discutiu, discutiu porque o frasco é especial, porque a rolha é especial, porque não sei o que, aí você olhava assim e dizia: "Não tem nada de especial nisso." Mas os técnicos diziam: "Não. Tem um revestimento, tem um não sei o que e tal..." Conclusão: só podia trazer para o Brasil se comprasse o vidro e a rolha deles, porque tinha a fórmula... é a mesma companhia. (risos) a mesma companhia, mas tinha a fórmula do negócio, que a fórmula não tinha problema, mas tinha todo um know-how para fazer aquela... fazer o metronidasol cristalino, como é, né? E então depois de muita enrrolação... se acabou achando um caminho para fazer um acerto, que a gente importaria o vidro de lá, importaria a rolha deles e tal, e eles forneceriam know-now do líquido e tal, etc. e viemos embora. Aí toca começar a testar aqui tudo isso para ver de que maneira trazia a rolha, era difícil importar as coisas nessa época, mas com muito custo a gente conseguiu autorização, porque era um negócio tão fora de série que merecia uma exceção, vamos dizer, nas listas de importação. Aí houve um trabalho da equipe toda, todo mundo começou a se envolver com o problema, e para gente ficou um lado curioso da coisa. Você tinha um material colhido de um doente, que tinha um abcesso, leva para o laboratório, ele cultiva e não cresce nada. Não, não tem nada. Não, mas isso é um pus e tal. Não, não cresce nada, não tem nada, você vai tratar o que aí? Sabe, não havia uma rotina de pesquisa de anaeróbicos em laboratório brasileiro, o pessoal não fazia. Quer dizer, então você precisaria mudar a cabeça do pessoal para entender que se ele fizesse uma cultura especial, com jarra, gaspac aqui à vácuo, ou aquela coisa toda, tinha toda uma técnica, ele ia achar o bicho lá dentro, que não achava porque no oxigênio ele não cresce na cultura. Então ficamos com esse pepino para poder resolver, porque não adianta você querer lançar um remédio para tratar uma coisa que o laboratório está dizendo que não está vendo, não tinha... E então a gente acabou estabelecendo que precisava fazer um trabalho de convencimento, de divulgação nos laboratórios, para poder convencer enfim o pessoal do uso do medicamento. Aí eu voltei para Inglaterra, numa das viagens que eu tinha para o comitê lá na França, aí eu dei um pulo lá na Inglaterra, fui lá no interior - foi uma viagem interessantíssima, porque eu nunca tinha ido para o interior da Inglaterra, era perto da cidade do Sheakspeare, lá de Stradford, fui a Harryfolk, acho que contei para você essa história. P - Acho que sim. R - Eu fui, era uma cidadezinha pequena, uma graça, eu peguei um trem lá em Londres e fui embora parar lá no País de Gales, que fica, uma cidadezinha pequena e tal. Porque antes eu entrei em contato com o assistente do tal professor e conversei com ele, e ele diz: "Olha, vem aqui... Você vê como é que a coisa". Então eu fui e eu fiquei lá dois dias lá no laboratório dele para ver como é que ele fazia o trabalho todo de cultivo e tal. Na verdade ele usava essa jarra gaspac, que é uma jarra de plástico transparente, tem uma tampa, fecha sob pressão, e depois você tira o ar e usa; também, depois que você tira o ar e faz o vácuo, você usa um recipiente qualquer que consome o oxigênio se ficou um oxigênio residual, então fica um... P - Fica vácuo. R - ...não é o vácuo, é a ausência do oxigênio. Então você põe as placas com a cultura lá dentro, daí aquilo cresce que é uma maravilha, e eu vi toda a técnica que ele fazia, tudo de que precisava e tal, e sai de lá com a jarra, sai... Voltei para o Brasil com tudo... Agora, agora vai, porque eu vi como é que funcionava e depois ficamos aqui atrás de... E não podia importar, é proibido importação, aquela coisa toda; aí eu fui descobrir lá no Paraná um cara que já tinha feito jarra gaspac com aqueles tubos de... Sabe esse 10 milímetros ou 15 milímetros, tubo de esgoto de plástico? Com aqueles tubos ele adaptava e fazia uma jarra, e fomos ver aquilo e era perfeito, funcionava tudo, aí encomendamos 50 jarras daquela, o cara ficou feliz da vida e fomos reunir material para... P - Para pesquisa... R - ... Não, para poder começar a fazer então. Então você ia no laboratório para usar o... aquele equipamento, é com aquilo que você vai conseguir mostrar que cresceu o germe anaeróbico. P - Aí vocês encontram aqui parceiros para essa... fazer essa pesquisa. R - É, aí toca a procurar então o negócio... E é difícil, ia ser difícil, o negócio estava difícil de convencer. Aí veio a idéia: por que que nós não vamos trazer o cara aqui que fez e com ele preparar terreno, que nesse meio tempo o pessoal da industrial estava trabalhando, o pessoal do marketing bolando como iam fazer para divulgar, etc., e a gente procurando... correndo para esse lado. Aí daí passaram uns dois, três, quatro meses, já fui para França de novo, e então telefonei para o Ferguson e marquei um encontro com ele, aí dessa vez ele veio para Londres, nós nos encontramos num pub, tomamos cerveja (risos). Foi muito bom, ficamos lá uma tarde conversando e estabelecendo um programa e ele topou. Falei para ele: "Olha, nós precisamos divulgar o assunto cultura de anaeróbica no Brasil, ninguém..." E ele propôs um programa, nós discutimos tudo que fazer ou o quê que ele deveria falar, etc., montou o esquema, e a gente então convidava ele oficialmente para ele vir conhecer o Brasil e conhecer o Brasil mesmo, ele começaria em Recife, depois em Salvador, depois no Rio, depois Belo Horizonte, depois Brasília, depois São Paulo, Porto Alegre, Curitiba; ele tirava umas férias lá na Inglaterra e a gente ia fazer um roteiro, e em cada cidade ele fazia uma palestra, ele faria uma palestra para os médicos e, digamos, durante o dia ele visitaria laboratórios de microbiologia e faria demonstração com a... E nós daríamos uma garrafa, uma gaspac para cada laboratório. Então foi montado esse esquema para chacoalhar o pessoal nesse sentido e, além disso... Isso na área puramente bacteriológica, e na área, vamos dizer, médica, mais cirúrgica que a incidência é na cirurgia. Com relacionamento da gente com a Angelita Gama, que é a professora aqui de proctologia do HC, que é onde tem mais infecção desse tipo, e o Jesus Pan Chacon, lá da Escola Paulista, que era professor de cirurgia lá também, gastro, nós montamos um esquema de divulgação através de conferências médicas. Então foi Brasil inteiro. P - E estabeleceu... R - Eles... Mas não tinha nada que ver uma coisa com a outra, sabe? Veio primeiro o inglês, depois que o inglês passou nós começamos a fazer reuniões de... como que se chamava mesmo? Esse curso de... P - Reciclagem. R - É, uma espécie de reciclagem, mas tinha um outro nome... P - Agora, como é que o senhor e a sua equipe acompanhavam os resultados das pesquisas desses parceiros, para esse produto e para outros, como é que era essa relação? R - Não, e além disso tinha os estudos clínicos que eram feitos. P - Certo. Mas como é que isso funcionava? R - Então, com a Angelita, com o Pan Chacon aqui, com o outro lá em... professor de cirurgia lá de Recife, enfim, nos principais centros nós iniciamos um trabalho de pesquisa de pacientes cirúrgicos com infecção anaeróbica tratados com Flagyl. Então montamos todo um programa de pesquisa com protocolos, fichas, etc., e o material que naquela época estava... os primeiros que eram importados inteiros e a gente usou nesses locais, não era feito aqui ainda. P - Então a Rhodia dava todas as condições para os centros de pesquisas levantarem as informações. R - Para os centros de cirurgia e tal estudarem... usarem a droga nas infecções que eles tivessem. P - Além de fornecer o material, a Rhodia ela forneceu algum outro tipo de auxílio para os centros que estavam pesquisando produtos da sua produção ou não? R - Não, em geral quando você tem um projeto desses você tem uma verba em dinheiro para apoiar o pessoal do centro, porque um estudo desses dá muita despesa para o... No hospital requer a compra de outros materiais e então... Ou muitas vezes precisa de um acompanhamento muito rigoroso, então pega um plantonista... Em geral são os plantonistas que fazem para acompanhar e relatar todos os eventos que tem, então você estabelece uma bolsa de apoio, de auxílio ao... Isso você faz para cobrir essas despesas que tem, e outras vezes o exame exige, o estudo exige uma série de exames de laboratórios, de radiografia e tudo, e a Rhodia cobre esses custos todos, porque aquilo é feito em função do estudo, não em função da necessidade do paciente. Então o paciente chega, tira uma radiografia inicial, eles vêem como é que está e vão tratando, mas num estudo desse você precisa fazer uma radiografia no dia que chega, uma daí sete dias, uma daí quatorze dias, para você documentar a evolução do processo. Então isso tem um custo, e o laboratório tem que cobrir esse custo. Ninguém vai trabalhar e ainda pagar para fazer o serviço, e depois tem o lado bom da coisa para o pesquisador, é que quando termina um estudo desse. É feita uma análise de resultado na estatística, é feito um trabalho, e em geral esse trabalho ou vai para uma publicação, ou é levado para um congresso, e aí o laboratório custeia a viagem do pesquisador para ir a esse congresso, seja ele na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia, seja lá onde for, entende? Então o pessoal tem esse lado de estímulo, porque eles sabem que se fizer um trabalho rigoroso dentro do plano ele tem chance de ter... Porque aí ele manda o trabalho para o congresso e não sabe se o trabalho vai ser aceito pela comissão do congresso, mas se for aceito ele pode ter uma viagem paga pelo laboratório. P - A Rhodia também, assim, marcou... marca, enfim, até hoje, pela produção de neurolépticos; houve pesquisa? R - Marcou. P - Marcou. R - Marcou, porque hoje já não é... P - Continua vendendo. R - É, continua, porque foi um trabalho também feito, muito bem feito. Bom, na verdade a Rhodia é a pioneira disso no Brasil. Eu não sei, uma pessoa que acentua muito bem isso nas palestras é o professor Valentim Gentil, porque até 1942 não tinha como tratar uma depressão, uma PMD, nada disso, trancava o cara lá, tinha o eletrochoque, que era uma maneira de tratar e é até hoje, bem indicada, mas não tinha como tratar. O tratamento químico das moléstias psiquiátricas, vamos dizer assim, começou em 42, com o Amplictil, com a clorpromazina. Então a Rhodia foi a primeira empresa que teve uma solução para esse tipo de problema. Aí veio a clorpromazina, depois vieram todos os derivados dela, que cada um tinha uma atuação mais específica num sintoma, numa indicação do paciente. P - E houve pesquisa desses produtos aqui? R - Houve, houve, no Brasil houve, houve muito trabalho publicado no Brasil com Amplictil, com Fenergan, com Neozine, com Neoliptil; aí vieram as série das fenotiazina, que eles deitaram e rolaram, viu? Porque puseram... fizeram tudo quanto foram associações, ou melhor, alterações de fórmula, e todas elas apresentaram alguma característica nova, com uma... às vezes indicação específica para um determinado sintoma, etc.. P - Quem foram os parceiros para a pesquisa dos neurolépticos? R - Ah Não é do meu tempo. P - Não é do seu tempo. R - Isso é de 42, etc., eu peguei na época de 77, por aí; foi o Piportil, que foi o fenotiazinico de efeito retardado, e esse, com esse eu trabalhei, trabalhei, fiz muita pesquisa aqui em São Paulo, no Brasil, enfim, e foi um produto interessante, dava uma ampola por mês, outros tinha que dar toda hora, todo dia, e aí você acertando a dose do... era o mesmo, era uma variação da... é um fenotiazinico de efeito retardo, prolongado, que levava um mês de ação, então você dava uma injeção por mês no paciente, e mantinha o paciente sobre controle. P - Certo, e além de participar de pesquisas definidas por esse grupo do qual o senhor participava, houve alguma proposta de produto feito pelo Brasil ou ele só fez pesquisa a partir de propostas que vieram de fora? R - Não, não. Teve... teve produtos que foram... ás vezes modificações de fórmula feitas aqui que nós trabalhamos com elas, nós tivemos. Produto novo não, porque nós não temos química fina no Brasil em condições de... Laboratórios que tenham condições de sintetizar produto novo, isso a gente não tem; mas às vezes você fazia adaptações de produtos para o mercado brasileiro. Por exemplo, teve produtos que não tinham... Para uso pediátrico nós conseguimos desenvolver no laboratório nosso. Os químicos lá desenvolveram formulações pediátricas com sabor tolerável para criança, porque em geral esses remédios são muito ruins, e eles conseguiam fazer fórmulas que mantinham o efeito do medicamente e tinham um sabor... dava para engolir. Principalmente para criança, criança não engole comprimido, e precisa ser líquido e sendo líquido aquilo é horroroso. P - Toplexil é um exemplo, Toplexil... R - Como? P - Toplexil é da Rhodia? R - É, Toplexil é da Rhodia. P - Que foi feito infantil também. R - É, tem uma série deles... que para os outros, para a Europa, ninguém interessava, lá não tem criança, só tem gente velha... Então o mercado é aqui, aqui que tinha o pessoal de... O mercado é importante para medicação para criança, mas esse tipo de trabalho a gente fazia, teve muitas fórmulas aí que a gente teve... O marketing levantava a necessidade da coisa, e o pessoal do laboratório fazia... Tentava diferentes formulações, e a gente fazia a pesquisa clínica para ver se mantinha o efeito. Compreende? Então o momento que tinha já... Por exemplo, teve um produto que era o Profenid gotas, então eles produziam Profenid gotas a 1%, 2%, 4%, 6%, e depois a gente fazia um programa de pesquisa e ia ver qual deles é que estava... Porque às vezes a dose era muito baixa, ou às vezes a dose era muito alta e a criança não tolerava bem, e então você programava estudos com as diferentes doses para ver o efeito que dava como antifebril, como analgésico, etc.. P - Agora, o contato da Rhodia era com o centro, nunca com o paciente que estava dentro do teste? R - Ah Sim, sempre com o investigador. Você não sabe quem é o paciente, inclusive a ficha vem só com as inicias, não é identificada, então você... O hospital tem nos registros dele quem é a pessoa, mas... nós não... isso faz parte da ética desse trabalho. Você não tem a identificação do paciente, você tem os dados dele, as iniciais só, para saber... é esse, não é aquele, mas... você não sabe quem é. P - Houve alguma pesquisa a partir da flora brasileira? R - Houve. Houve. Nessa eu tive bastante envolvido, porque nessas reuniões que a gente tinha na França, com os especialistas lá e tudo, havia uma queixa do pessoal em geral, eles diziam: "Puxa vida. Não aparece nada de novo, as fórmulas que existem hoje estão mais do que gastas, já". Então tem um núcleo químico lá, então eles penduram o metano, um etano, um nitrogênio, um não sei o que e tal, muda o efeito, muda isso, ah Descobri um negócio interessante com essa nova fórmula e tal, mas com a entrada da informática no negócio eles conseguiram fazer simulações por computação de novas moléculas, e chegou num ponto que tinha 50.000 moléculas testadas, etc., não tem mais... não tem mais o que fazer com aquilo, então surgiu o seguinte: "Nós precisamos abandonar todos esses núcleos fenantreno, todos esses benzeno, esses núcleos mais usados nos produtos, e descobrir estruturas químicas novas que tenham um efeito farmacológico. A partir disso nós vamos tentar outros enfeites na molécula, outras... pendurar outros radicais e tal, mas está precisando partir para alguma coisa que seja original, sair disso que está todo mundo, todo laboratório está fazendo a mesma coisa e ninguém está descobrindo nada". E aí veio então essa hipótese, que eu estava participando dessa reunião lá, de que o jeito era procurar na natureza, vamos dizer, moléculas novas com... E uma das opções seria na flora, procurar novas moléculas na flora, que permitissem você trabalhar depois na simulação química. E isso... Falou em flora, fala no Amazonas, fala no Brasil, e então o negócio veio para cá. E nós ficamos encarregados disso. Isso foi... O Collor entrou quando? Você lembra? P - 89. R - 89, então foi bem antes, lá por 85 também, por aí. Durante um certo tempo funcionou lá em Paulínia uma unidade de coleta de estratos de plantas, mas por interesse puramente da química lá da França. Então tinha um francês aí que saía catando mato por aí afora, depois levava para lá, fazia um estrato... É, na verdade era isso, ele rodou o Brasil inteiro, conheceu o Brasil melhor que a gente, rapaz muito bom ele, conheci muito ele. E ele preparava os estratos e mandava para França, mandava, mandava milhares de frasco de estrato para lá para o pessoal procurar alguma coisa, mas valia tudo, qualquer coisa que ele achasse ele mandava, e nessa reunião na França eu disse: "Bom, então nós vamos mudar o enfoque desse trabalho, nós vamos procurar plantas que tenham algum efeito, ou pelo menos relatam algum efeito dessa planta." Quer dizer, o chá é bom para dor de cabeça, tudo bem, ele toma, passa a dor de cabeça, então esse chá deve ter alguma coisa, esse seria um caminho, e a partir daí nós montaríamos todo um screnning no mesmo estilo do screnning de uma droga sintética, quer dizer, tratar o negócio já profissionalmente. Vamos fazer como deve ser feito. Para isso então passou-se a desenvolver um projeto que incluía um laboratório. Foi feito lá em Paulínia um prédio só para isso, esse prédio tinha a parte de fitoquímica, tinha a parte de farmacologia, tinha o biotério, todos os animais lá para fazerem os testes de efeito farmacológico, enfim, conseguimos trazer gente da universidade para trabalhar lá, farmacologista, fitoquímico, trazer... formar uma equipe. Eu cheguei a ter 37 pessoas na minha área de pesquisa aí na Rhodia, contando com o pessoal lá de Paulínia, depois tinha que montar o trabalho de busca. Então nós tínhamos contato com pessoal que faz pesquisa... Esses mateiros aí que são... botânicos que andam fazendo expedições no meio do mato para procurar plantas e tal. Tivemos contatos e tivemos gente trabalhando conosco da Universidade do Pará, que conheciam os Caiapós, eles freqüentavam a taba deles, eles são conhecidos como os índios curandeiros, porque eles conhecem muito plantas, e esse pessoal nos ajudou a identificar outros tipos de plantas; o pessoal lá de Manaus, a gente andou rodando por aí tudo... para ter material para trabalhar, no Nordeste, tinha uns curandeiros no Nordeste lá que usavam planta e a gente ia atrás, realmente, nós tínhamos dois médicos trabalhando nisso e eles iam atrás: "Ah Tem um fulano que usa um não sei o quê lá, vai lá..." Ia lá fazer uma visita e tal e... E tal, e o cara... Olha, trabalhamos alguns anos nisso, viu? Num projeto grande que previa a gente identificar substâncias ativas que pudessem ser depois... Nós não queríamos fazer um fitoterápico, a idéia não era isso, mas era... identificar as plantas que tivessem uma substância de efeito farmacológico. Isso é muito difícil, quanto mais a gente quebrou a cabeça, mais difícil viu que era, porque no fundo se chegava a estratos purificados, passava aquilo nos animais, testava, fazia nova purificação e tal, e chegava num ponto que quando tinha quatro substâncias da mistura ainda funcionava, você tirava uma parava de funcionar; havia uma interação conjunta entre elas. "E agora como é que você faz?" Porque você queria chegar numa molécula que fosse responsável pela coisa. Não é fácil, viu? Tivemos alguns anos de trabalho e chegamos a identificar vários estratos bem purificados que tinham efeitos em bronquite asmática, que tinham... Esse foi o que avançou mais, tinha outros que eram analgésicos, tinha outros que era para... Com grande chance de estar tratando uma úlcera de estômago, enfim, nós chegamos a ter no auge do nosso trabalho oito projetos diferentes andando. P - E virou remédio algum? R - Quase. Porque nós chegamos num ponto em que a gente precisava cada vez investir mais e aí... Por isso que eu perguntei do Collor, porque o Collor acabou com esse negócio com a gente, com aquela história da... P - Do dinheiro. R - ... Bloqueou dinheiro de todo mundo e todo mundo ficou no aperto. Nessa altura nós tínhamos criado uma Fundação Brasileira de Plantas Medicinais, que reunia todo pessoal no país que fosse interessado no assunto. Essa fundação, que já tinha conseguido verba de várias fontes, ficou com o dinheiro todo bloqueado, não pôde mais fazer reunião, não pôde mais fazer nada, não podia pagar nem o aluguel da sede dela, ficou um caos, e na Rhodia chegou a crise total. "Vamos cortar o quê? "Corta... Estão brincando com as plantas aí. Pára. Pára porque não vai dar, até passar o negócio." Mas numa brincadeira dessa desmontou todo o trabalho. Quer dizer, a pesquisa, isso a gente viu que a pesquisa é um negócio que precisa ter um horizonte longo, precisa ter persistência. Naquela época ficou... O Musa decidiu que dentro daquele espírito dele que veio a Uniemp e tal, foi tudo junto, né, ele queria dar um apoio às universidades, no caso a Unicamp era do outro lado da cerca. Então... Aí a Unicamp tinha um trabalho de pesquisa com plantas também naquele laboratório que eles compraram da Monsanto, lá. Então disse: "Por que que nós não juntamos isso?" Então acertou lá e eu fiz... Infelizmente fui o veículo do convênio pelo qual a Rhodia transferiu tudo que a gente tinha construído para a Unicamp. Então eu vi o começo, o auge, e vi o fim do negócio, e eu estava aposentando nessa época, que a última coisa que eu fiz lá foi acabar com aquilo que a gente tinha feito(risos). P - Agora, além de fazer pesquisa, que outras atividades a sua área tinha dentro da Rhodia? R - Que outras atividades? P - É, que outras funções? R - Bom, além da parte de pesquisa tinha a parte de registro. Quer dizer, todo o processamento do registro de um novo produto era feito pela área, tinha um departamento lá que cuidava disso e que fazia não só a parte toda burocrática, como os contatos em Brasília, visitar lá, discutir, etc., o novo medicamento de que estava sendo pedido o registro, que envolvia também a ida a Brasília para aprovar o projeto de pesquisa que você tinha, porque tem que passar em Brasília. P - A pesquisa tem que passar... R - Também tem. P - ... E que significa... R - O Ministério da Saúde aprova a pesquisa feita em ser humano. Então você tinha todo o projeto de pesquisa, tinha que ir em Brasília, você tinha que ir lá para procurar fazer sair dessa mesa e ir para aquela, às vezes estava na gaveta, tira da gaveta e entrega lá, porque aquilo é um... P - E o registro do medicamento consistia em quê? R - O registro do medicamente tem uma legislação específica que prevê todo um processo, que às vezes chega a dar uma pilha dessa altura. É, são doze, treze volumes. É um absurdo Uma burocracia monumental para dar autorização para vender um produto no país. E o pior é que ninguém lê aquilo, você faz tudo de acordo com a lei para o... faz tudo aquilo... para cumprir, e tem o funcionário que vai ticando: "Tem isso? Ah Onde é que tá?" Tica, tica, tica... Mas é o Brasil, eu espero que isso mude um dia mas... a coisa era feita assim... Eu estava na França em 1978, 79, que era um outro setor na Rhodia que cuidava disso. Isso acho que foi 78, e eu estava lá em Paris quando chegou a notícia de que um produto que estava sendo - era o auge da companhia na época, era o produto da vez, que era o Sectral, era um bloqueador, beta bloqueador para cardiologia - chegou a notícia de que ele tinha sido... negado o registro no Brasil. Nossa, aquilo foi um caos. Jogar uma bomba atômica dentro da companhia era pouco, porque isso dá uma reação em cadeia, porque os outros países dizem: "Puxa, negaram no Brasil, então eles sabem de alguma coisa ruim com esse remédio que não contaram para nós." E aí bloqueia, o mundo inteiro pára, e eles investiram uma fábula no tal remédio, já estava atrasado para sair porque já tinha dez outros beta bloqueadores no mercado e o deles não conseguia, e agora que ia sair nega o registro no Brasil. Bom, eu voltei de lá com a ordem de dar um jeito no negócio(risos)... E de fato eu cheguei num dia, no dia seguinte... Era no Rio ainda nessa época, era no Rio, e eu tive que ir para o Rio, eu conhecia a autoridade lá que cuidava do negócio e fui lá e etc., etc., etc., etc., no fim peguei... Aconteceu uma briga interna de autoridade entre um cara que determinava e outro que era o diretor, que estava sendo desafiado, então para criar uma crise lá para um não desautorizar o outro ele negou registro para aquele produto que o outro tinha aprovado, coincidentemente era o nosso; não tinha nada contra o produto, eu fui falar com o diretor, ele disse: "Não, não tem nada não. Mas eu preciso dar uma lição para o outro." E nós levamos chumbo. Aí tinham criado uma câmara lá, então para resolver esse problema de autoridade criaram uma câmara, que seria a câmara de técnica de medicamento, que era um colegiado de personalidades lá que dariam o registro, mas para isso tinha um novo projeto para montar o processo. Então um processo que era um pasta virou no nosso caso doze pastas, doze... Então vim para São Paulo, boto todo mundo para trabalhar, para montar o processo como eles queriam, mandaram o material da França, foi um corre-corre, no fim juntou o processo com doze volumes. Isso é inédito na época. Botei tudo aquilo nas malas, fui embora para o Rio, tem toda uma história... paralela aí que fica para outra vez mas... mas o processo entrou no Ministério, foi um auê lá dentro, era lá na... sabe ali onde é Manguinhos? É em frente, tem um prédio em frente que é da Secretaria, era lá a sede do serviço. E eu... não tinha como levar o processo de um lado para o outro, no fim um cara pegou aquelas cadeiras de secretária que têm rodinha, botou tantas pastas aqui, tanto naquela... e aí corria lá dentro: "É o processo de três cadeiras." Porque precisou de três cadeiras para carregar o processo lá por dentro, era o processo de três cadeiras. Bom, saiu. Nem ninguém ia ler (risos) mas... Aí saiu a aprovação e tal, como conseqüência ficou para mim o setor de registro, foi o prêmio. Que é um pepino até hoje. Então o setor de registro da Rhodia Farma passou para a área médica, aí que teve que estruturar tudo e fazer a coisa para funcionar. P - Que relação tinha a sua área com a propaganda dos medicamentos? R - Bom, a relação é só de... Vamos dizer assim, é uma relação de acompanhamento da coisa, porque o problema é o seguinte: o pessoal de marketing tem por objetivo vender, e o vendedor faz tudo que ele pode para vender, e muitas vezes exagera no que ele propaga do seu... isso é... não é na indústria farmacêutica, é em qualquer indústria. Se eu puder te dizer que esse microfone aqui tem tais e tais características, ele vai dizer, mesmo que não tenha ele acaba achando um jeito de alegar isso, e o nosso relacionamento com o marketing era de fazer com que as alegações do material de propaganda estivessem dentro do que estava no processo de registro, que nós não podemos dizer nada na promoção do produto que não esteja aprovada no processo de registro, compreende? Então há um acompanhamento do que é feito, e todo material promocional passa pela área médica para ter um visto, para ver se eles não estão curando doenças incuráveis, se não estão... P - Se não está tendo um desvio aí. R - Há, na verdade isso acontece. Mas vai dizer: "Ah É entusiasmo do cara de marketing." Sei, mas ele precisa ficar dentro do que a lei está permitindo, hoje isso é muito raro acontecer. Nos Estados Unidos dá até cadeia, viu? É. O negócio lá é rigoroso, e muitas vezes, disso eu tinha exemplos no arquivo lá, de laboratórios se retratando publicamente de ter dito certas coisas, que lá o governo obriga o cara a se retratar. Então o acompanhamento desse material promocional pelo pessoal da área médica, é exatamente que ele se restrinja ao que está aprovado. Não é fiscal, um não é melhor do que o outro, não, mas é um olho a mais para enxergar o que está saindo, que pode ter um lapso. Esse é um lado do problema, o outro lado é treinamento. Tem que... O propagandista, coitado, ele pode ter boa formação, tem ginásio, tem colégio, às vezes tem até faculdade, mas você pode discutir oncologias? Não pode. Então você não tem nenhuma obrigação nenhuma disso, mas vamos que aparece uma boquinha num laboratório, um empreguinho bom para você trabalhar na área de propaganda, na área de oncologia. Então eles vão pegar você e vão te enfiar...te enfiar todo o conhecimento de oncologia na cabeça, muita coisa você vai... É chato o cara chegar que nem papagaio, então ele precisa saber do que ele está falando, então todo um treinamento...que a área médica faz junto... Hoje já tem até um setor de treinamento acompanhado pelo pessoal da área médica para treinar o pessoal, para eles não falarem bobagem. P - Mas na sua época o senhor fazia isso. R - Fazia, fazia, e à medida em que a coisa cresceu, nós tínhamos uma área só de... médico marketing como eles diziam. P - Médico marketing. R - É, que acompanhava, quer dizer, era o pessoal da área médica que acompanhava os diferentes gerentes de produto. Então tinha a promoção, material promocional, tinha o treinamento, e tinha a participação nas reuniões de lançamento ou nos ciclos, onde eles pegam a equipe do Nordeste toda num local, dão uma revisada em tudo e dão uma espécie de um refresco na área médica de tudo que eles tem que conhecer pelos produtos em que eles vão trabalhar naquele período. P - Na sua área havia, além de médicos, outros perfis profissionais? R - Havia. P - Que tipo? R - Dependendo da época do... Mas por exemplo, na área de registro nós tínhamos uma médica anteriormente, hoje quem toca a área de registro é uma farmacêutica, aliás tem duas farmacêuticas nessa área, que estão trabalhando na área de registro. Na área de... Na biblioteca, porque é outro trabalho que a gente tem, toda a documentação da médica da empresa, como também todo o material que os médicos solicitam a respeito dos produtos, a biblioteca fornece, toda a documentação nossa está lá, e é uma bibliotecária que toma conta disso, que se reporta também à área médica. Depois tem o pessoal que faz a monitoria dos estudos clínicos, que é um pessoal que vai... audita os estudos, vão visitar cada centro, pegam o protocolo, as fichas, vê se foi tudo cumprido como é previsto no protocolo e tal, faz uma espécie de auditoria; depois tem o pessoal da estatística, que faz uma... um estaticista que faz todo o trabalho de planejamento e depois análise, estatística dos resultados. E depois, lá especificamente na Rhodia, ainda tem o atendimento ao consumidor, que pertence à área médica, é uma farmacêutica que atende os telefonemas. "Ah Eu tomei tal coisa e estou sentindo isso, estou sentido aquilo..." Ela tem tudo isso no computador, e na medida em que a pessoa fala, ela já chama: "Não, isso é comum, é um efeito comum." Ou se ela está na dúvida ela já chama o médico da área do marketing para dar uma assessoria. Tem coisas que ela mesmo resolve, porque é rotina do trabalho... P - Senão ela vai atrás. R - ... Outras horas ela precisa, ela pede um tempo, pega o telefone da pessoa, isso vem do Brasil inteiro, e depois ela dá o retorno com a informação necessária. P - Mas isso aí se iniciou quando o atendimento ao consumidor? R - Da Rhodia empresa... P - Da Rhodia. R - ... Começou bem antes, lá no Centro Empresarial ainda. P - Já tinha. R - É, e depois na Rhodia Farma especificamente começou... É mais recente, digamos, há uns cinco anos, por aí, assim, que tem esse serviço. Foi uma das primeiras que fez também, na área farmacêutica. P - Era também da sua área a confecção das bulas dos produtos? R - É registro. Área de registro. Agora a bula que é preparada por esse grupo do registro, é um trabalho de equipe, né, porque o pessoal da industrial fornece uma série de informações, a biblioteca fornece outros, etc., e aquilo é terminado pelo grupo de registros, e é tudo feito de acordo com a lei, porque a lei diz: "Tem que ter isso, tem que ter aquilo, tem que ter mais não sei o que." Entende? É um negócio que você precisa cumprir; tem trechos do que está escrito na bula que não é você que faz, o Ministério diz: "Tem que pôr tal texto." E você põe, esteja ou não de acordo, você põe. Que tem coisas absurdas que o Ministério determina e o que você põe dá risada, mas põe... porque... nós tivemos coisas lá... P - Por exemplo. R - Não, muitas vezes você registra um produto, o Flagyl, por exemplo, para infeções anaeróbicas. Bom, tem a múmia lá em Brasília diz: "Mas ponha também que é para dor de estômago." E você diz: "Mas como? Não é assim..." Foi aprovado assim, não se discute, então você põe, agora, se alguém perguntar, diz: "Olha, isso é... Brasília que mandou, nós não estamos recomendando isso." Nós tivemos coisas clamorosas, hoje já está mais difícil sair, mas no passado nós tivemos indicações de remédio que não tinham nada a ver com o produto, mas alguma sumidade qualquer que analisou o projeto mandou acrescentar. P - Nossa R - Mas acontece. Essa gravação não vai sair para Brasília, não? P - Não (risos). P - Não (risos), imagina... O senhor ficou na Rhodia até quando? R - Quando? Da primeira encadernação ou da segunda? P - Até a sua aposentadoria, depois eu vou perguntar da segunda. R - Eu fiquei até 91, maio de 90, 91, quando eu completei 58 anos. P - E aí o senhor se aposentou. R - Que é a idade limite que você tem para ficar dentro da Rhodia, aí você pega o chapéu. Quando você completa 58 anos é o dad-line lá. P - E o senhor ao se aposentar foi fazer o que? R - Bom, aí quando eu aposentei eu tive um mês de férias, fui visitar meus filhos, que nessa época moravam fora do Brasil, depois eu voltei para trabalhar no projeto do Musa lá de criar a Uniemp. P - Quê que é a Uniemp? R - A Uniemp é uma... Era uma idéia que o presidente da Rhodia, o Edson Vaz Musa, pregava no sentido de haver um maior estreitamento entre a universidade e as empresas, no sentido de que a empresa brasileira poderia ter... Apoiando a universidade, poderia ter um retorno muito importante em termos de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e tal, e que não havia esse diálogo. Então a idéia dele era criar uma interface que facilitasse esse diálogo; essa interface... essa proposta, no fim, de certo modo, eu fui envolvido porque dentro da Rhodia quem mais tinha contato com a universidade, em função dos projetos de pesquisa, era eu, então quem sabe eu devia ter o perfil mais adequado para aproximar as universidades das empresas, e o Musa dizia que se a Rhodia tinha essa condição, e tinha tantos projetos de pesquisa com as universidades, porque que todos não faziam a mesma coisa e melhoravam o desenvolvimento tecnológico do país de uma maneira geral, porque eu tinha a minha parte, da parte de pesquisa farmacêutica, mas a Rhodia tinha projetos de pesquisa na área química, na área têxtil, com as escolas aí, da universidade. Então havia esse tipo de relacionamento, mas eram poucos, e ele achava que se isso fosse estimulado, poderia dar um desenvolvimento melhor para o país. Ele pregou essa idéia entre uma série de empresários e entrou em contato com eles, e eram gente do porte de um Mindlin, da Metal Leve, do Ometo, lá da Copersucar, do Veffer, lá da Siemens, do Gerdhau, lá no Rio Grande do Sul, na metalurgia, a Bosch... o presidente da Bosch, o presidente da IBM, Rudolph Hone, esse pessoal todo, ele foi telefonando, etc., e depois eu fui fazer os contatos e estabelecer... marcamos uma data para fazer uma reunião do pessoal; no fim nós... eu fiz convite, encaminhei os convites para quinze empresários e quinze reitores, porque a idéia era de que os reitores também viessem para uma reunião dessa, porque eram as duas partes que poderiam... que nunca tinha conversado, mas que podiam começar a conversar e a partir daí surgir as oportunidades, e nós fizemos essa reunião em Campinas, naquele hotel que tinha lá do Holliday, antigo Holliday que tinha lá, marcamos uma reunião de dia inteiro, foi inteiro, porque o pessoal veio e ali em Campinas era estratégico, porque tinha pessoal da Unicamp, tinha o pessoal da PUC de Campinas, tinha o pessoal de São Carlos, várias universidades do interior; para São Paulo era fácil ir para lá e reunia os empresários também do interior, tipo da Copersucar, que vinha lá de Piracicaba, etc., o Gerdhau vinha com jatinho dele, podia descer em Campinas, estava perto do hotel. Quer dizer, tudo isso foi mais ou menos... pensado, e nós fizemos essa reunião, o pessoal chegou na véspera, à noite, tivemos um jantar foi muito agradável, etc., mas foi pouca gente, todo mundo confirmou, mas no dia apareceram cinco empresários e cinco reitores. O reitor da USP não foi, mas estava o da Unicamp, estava... veio o lá do ITA, veio, veio de São Carlos, veio, veio o de Santa Catarina. Quer dizer, veio assim um negócio... E estavam esses empresários aí, que sozinhos eles tinham feito a festa, os que vieram, e aí depois de um dia inteiro de discussão. Foi um NGT, sabe? Um programa orientado para chegar num resultado. Tem um facilitador lá na Rhodia, que era o Alkimin, que é um cara treinado para isso, e ele dirigiu a reunião e houve uma série de discussões. Primeiro se lavou toda a roupa suja que tinha, todo mundo reclamando que a universidade está nesse bagaço porque os empresários não dão dinheiro e os empresários dizendo: "Ah Mas dá dinheiro para que? Para vocês ficarem pesquisando asinha de pernilongo, isso não interessa para nós." E assim foi. Quer dizer, nós tivemos toda a lavagem de roupa suja, e depois partiu para uma coisa orientada no sentido de dizer o que que está errado, e foram listando tudo que estava errado, ia pregando papel na parede; sabe, aquele sistema do NGT, e depois começa a selecionar, juntar, a grupar, etc., no fim chegaram a uma série de propostas de coisas que seriam importantes fazer e houve votação e tal, selecionaram dez pontos que eram os críticos da relação universidade-empresa. Aí foram almoçar e de tarde as idéias do que fazer para resolver o problema, e no fim do dia chegou-se à conclusão de que tinha que criar uma interface que atuasse para corrigir aqueles pontos todos. E aí esses empresários e o pessoal ia sair de cena e ia entrar o pessoal que ia carregar o piano, que era um grupo de diretores das empresas, não os presidentes, mas o pessoal que participaria; aí foi na Rhodia, a partir daí as reuniões foram mensais na Rhodia, até estabelecer exatamente o quê que se queira fazer. Então vinha um professor das universidades, não vinha mais o reitor; todo mundo designou um representante e esses trabalharam até chegar no esqueleto da idéia. Aí tivemos lá na Rhodia um outro almoço reunindo todos os empresários e os reitores, e eles aprovaram aquela idéia e resolveram criar um escritório que trabalharia em cima da idéia para criar a Uniemp, foi aí que eu assumi. P - Assumiu isso. R - Como secretário executivo da coisa, para fazer aquilo tudo acontecer, e depois de nove meses ficou pronto o projeto final, com toda a parte... Aí entraram vinte e tantas empresas, e outro tanto de universidade, e o negócio começou. Porque esse tempo foi feito... Eu fiz um trabalho de aproximação, e aí se criou a Uniemp, foi feito um local para trabalho, a gente conseguiu reunir o pessoal necessário e começamos a fazer os contatos de aproximação, e era interessante, porque uma empresa vinha com um problema: "Eu estou com um problema assim, assim, assado." Por exemplo, uma empresa, uma multinacional grande aí que fabrica sabão, sabonete, etc., para branquear o sabonete ela usava uma areia, um negócio qualquer lá que entrava no processo e tal, depois purificava e sobrava aquela borra que eles jogavam no fundo da fábrica, depois começou a juntar, a juntar, e aquilo começou a amontoar e encheu o fundo da fábrica; aí eles arranjaram um terreno do lado e encheram o terreno, eles já não sabiam mais aonde pôr aquilo. Então propuseram via Uniemp o que fazer com aquele negócio. Aí eu reuni todos os dados de que precisava, que eles forneceram, e mandei para as universidades com que a gente estava trabalhando, e vieram várias propostas de soluções para aquilo, sumárias, né, do que poderia ser feito e tal, então pegava tudo aquilo e mandava para empresa. Aí a empresa achou que daquelas propostas uma delas interessou para eles, então eu fazia o pessoal se encontrar para discutir e dava um projeto de pesquisa que a empresa financiava, a universidade ia fazer, aquilo virou tijolo refratário. Entende, quer dizer, a coisa caminhou para esse sentido. Então foi uma série de projetos, então nós tínhamos um projeto de Santa Catarina sendo tratado na Universidade do Ceará, tinha um projeto do Rio de Janeiro sendo feito não sei aonde, quer dizer, começou a dar uma ligação entre as empresas e as universidades. P - Entendi. E o senhor voltou para a Rhodia por quê? R - Deixa eu contar mais uma. Bom, aí eu estou saindo fora da Rhodia... P - Depois eu fazer... R - ... Você tem razão, vamos voltar para Rhodia... P - ... Não, está o.k., sem problema... R - ... Porque... Não, foi interessante porque a gente ficou no meio da fogueira entre a empresa e a universidade, entre a Rhodia procurando universidades para resolver problemas da Rhodia ou vice-versa e tal. Aí eu tive uma idéia da gente montar um sistema de consulta eletrônica. Isso foi em 92, parece, e aí a IBM estava... era uma das empresas que estavam envolvidas, e era uma das parceiras, e a gente falou com o Rudolph Hone, que era o presidente lá, e o negócio pegou. A IBM se propôs a fornecer todos os equipamentos de que a gente pudesse precisar, evidentemente fazendo daquilo uma vitrine para... P - Para o mercado. P - Nem discute. R - Ele, para... e tal, aquela história toda, e a Fapesp era quem tinha... Está a antena por aí, aquela bruta antena que eles têm, que eles ligam com os Estados Unidos a internet, então a gente precisava entrar na Fapesp para conseguir entrar na internet, e não podia, que a internet era exclusivamente universitária. Não sei porque, no Brasil, no mundo inteiro não era, aqui no Brasil, desde o tempo dos militares, não podia ninguém entrar nesse negócio e tal; e aí, como eu tinha conhecimento do Fava, que depois virou reitor da USP, a gente teve várias reuniões conversando e tal, e no fim achamos um caminho: a Uniemp era Uni e Emp, era universidade e era empresa, era universidade como... meio capenga, mas podia entrar por aí e tal, e no fim, depois de muita conversa, pegou, nós ligamos um cabo pela telefônica direto do nosso escritório na Fapesp, uma linha dedicada de 64K, montamos equipamento da coisa, e fomos praticamente a primeira rede de provedor, vamos dizer, de... Nem existia essa história de provedor acho que ainda, que nós começamos a nos ligar às empresas e começar então a possibilitar às empresas entrar, acessar a universidade direto, e a gente ficava fora, porque não dava para você ficar no meio que nem Santo Antônio fazendo casamento e... E até hoje funciona, essa rede funciona, está lá funcionando e como meio de ligação entre a universidade e a empresa. Você falou o que mesmo? P - Não, aí o senhor foi fazer isso também na universidade, promoveu um curso... R - Ah Sim, depois, quando terminou o segundo mandato do Musa, e terminou o meu também, eu sai da Uniemp, e foi quando o Fava, que era da Fapesp, nessa altura era reitor, que ele soube que eu tinha me afastado, ele me ligou para gente conversar, que ele estava querendo estimular a USP a colocar os projetos junto com as empresas. Havia algumas leis que favoreciam isso, que davam financiamento, apoio à pesquisa das empresas na universidade, etc., podia ter vantagem para empresa, tinha vantagem para universidade, e no fim eu fui para lá e fiquei trabalhando com isso durante um ano e meio mais ou menos. P - E aí? R - E aí aconteceu um problema, que o médico que ficou, que me substituiu quando eu aposentei, ele era o diretor então da área médica lá da Rhodia, ele faleceu, teve um problema num pouso aí em Congonhas meio acidentado, e ele teve um problema na cabeça, e uma semana depois estava morto. Foi assim meio de surpresa, eu estava... Eu já estava aqui, não? Não, não estava não. Eu sei que eu recebi, ligaram da minha casa: "Ah Fulano está no hospital, ele está mal, etc.." Ele estava no Einstein, eu fui lá visitar lá, etc., aquela correria toda. Como é, como o cara com essa idade e com problema e tal... E morreu, morreu, e no enterro estava lá todo mundo, e o Paulella estava lá, nós conversamos muito, e a situação que ficou lá, porque não houve tempo de montar uma sucessão. Quando eu saí, dois anos antes já estavam treinando alguém para ficar no lugar, que era esse rapaz. Tudo bem, foi o enterro e tal, mais ou menos uns dias depois o Paulella ligou, queria conversar comigo, porque eles estavam lá meio atrapalhados, porque ficou tudo meio no ar, e calhou da sede da Rhodia ter passado para os Estados Unidos, da Rorer, e eles perderam os contatos, perderam... Acabou o centro, aquele grupo de pesquisas, eu sei que deu uma balançada no negócio todo, e ele achou que se eu pudesse ficar um pouco lá, quem sabe retomava, mantinha as coisas rodando até que escolhesse um outro funcionário. Aí conversamos para ver, porque eu também estava na USP, e como é que é... Aí eu falei com o Fava, falei com o pessoal lá, falei. "Não, você fica meio dia aqui, meio dia lá até resolver essa situação." Aí eu fui para lá mas não deu, para meio dia não deu, estava tanta coisa lá para ser resolvida que eu ia de manhã para lá e saía lá sete horas da noite, não ia na USP, no fim eu procurei lá e falei: "Olha, eu me afasto, depois eu volto, mas ficar meio a meio não está dando". E o Musa tinha me dito: "Olha, fica aí uns dois meses que em dois meses a gente resolve isso." Nesses dois meses o Musa aposentou (risos) e não resolveu nada, eu fiquei lá um ano e meio. P - Aí mais um ano e meio para... Foi para ficar dois meses ficou um ano e meio. R - É, o Musa falou: "Não, em dois, três meses, você..." E no fim eu fiquei um ano e meio, mas foi bom, porque nesse um ano e meio eu restabeleci todo o contato com o grupo... Passei a funcionar naquele comitê que criaram nos Estados Unidos, eu passei a participar do comitê novo que tinham criado lá nos Estados Unidos e... P - Ainda viajou mais um pouquinho. R - Ô (risos) Em 97 eu fui dez vezes para fora. P - É mesmo. R - Foi, não... E depois foi um negócio intensivo; viagem eu fiz com o Paulella várias delas, a gente ia daqui para Philadélfia e Philadélfia ia para Paris e vinha embora. Fizemos viagem assim, era tudo... Mas nesse tempo deu para retomar os contatos, enfim, remontar, trazer os projetos de pesquisa e começar a fazer a roda virar de novo, e um dos... E inclusive foi importante também, de acordo com o Paulella, porque a gente discutia muito os procedimentos que a gente ia fazer, as propostas que ia levar e convencer eles, que... Porque com essa crise de emprego lá na França, estavam mandando gente embora aos montes, e todo mundo de olho onde tinha uma vaga no resto do mundo para... Em vez de ser mandado embora, me manda para lá, espatria, vou lá com os índios, com as cobras, mas... Então devia haver muita pressão do pessoal para vim para cá, e eu consegui convencer a direção lá dos Estados Unidos de que precisava de duas coisas: primeiro, que fosse um brasileiro, porque não adiantava vim falar sotaque em Brasília que o cara não ia conseguir registrar coisa nenhuma lá, e depois precisava ser alguém da casa, porque afinal de contas é carreira, o sujeito tem... na hora em que aparece o cargo mais elevado, você trás gente de fora, que estímulo deixa? E no fim emplacou essa idéia, e facilitou então para gente fazer uma seleção entre a equipe que estava trabalhando comigo lá. Então um deles acabou sendo escolhido, e isso foi no final de 97, eu fiquei lá até janeiro de 98 para ir passando as coisas todas como deviam ser e tal, mas eu já estava aqui nessa altura. P - O quê que o senhor faz hoje aqui na Fundação Zerbini? R - Antes, em 97, eu estava na Rhodia mas fui convidado para vim aqui para discutir uns problemas que tinham na área de pesquisa aqui, em maio de 97, por aí assim, e fiquei envolvido com a coisa. Durante algum tempo eu ficava, de vez em quando eu vinha aqui, o Paulella achou interessante, porque ele falou: "Puxa, o Incor é um hospital em que a gente tem interesse de entrar lá com pesquisas, com tudo, que bom que você vai poder conhecer por dentro a coisa". Então eu estava... Eu estava trabalhando na Rhodia, mas eu vinha aqui uma vez por semana ou coisa assim para acompanhar um problema que houve aí, lá no Incor, e envolvia a fundação também, e era área de pesquisa; e chegou num ponto, e aí o Belotti já estava, ele era vice-presidente, e o presidente morreu, então ele estava assumindo a presidência e ele falou: "Olha, você faz um plano aí... do que precisaria ter aqui dentro para fazer com que essas coisas não aconteçam mais, como é que você pode montar um jeito de administrar isso e tal". E eu fiz um plano, um projeto de uma estrutura para fazer isso, entreguei para... foi para a diretoria e tudo, e eu lá na Rhodia, aí a diretoria aprovou o negócio e aí me convidaram para vim implantar essa área aqui. P - Então o seu quotidiano hoje... R - E eu não podia vir porque eu estava lá... P - Lá na Rhodia. R - ... E não resolvia lá quem que ia sair, eu sei que eu fiquei um tempo nessa gangorra, aí, até que quando foi o fim do ano, que o outro foi nomeado, etc., assumiu e tal, aí que eu vim, aí que eu vim para cá para trabalhar aqui. P - Então... R - Para implantar esse trabalho de apoio a pesquisa do Incor, e isso na verdade é o seguinte: o investigador tem... Bom, o Incor tem muita pesquisa, e o investigador tem que se ocupar dos pacientes, das cirurgias, de tudo que tem lá dentro, não pode... não tem tempo para estar cuidando de plano de pesquisa, de ficha de paciente, de levar isso para Brasília para aprovar aqui, aprovar na Fapesp, para pegar financiamento, etc.. Então tem um monte de trabalho em torno que a Rhodia tem toda a equipe para fazer e aqui não tem, aqui só tem o cara que pega na brocha, mas o resto, embaixo, não tem nada. Então a proposta que eu tinha feito era de montar uma estrutura tipo Rhodia... P - Igual àquela. R - A mesma coisa, porque era o que faltava aqui, então montar aqui uma estrutura desse tipo para liberar o pessoal para cuidar do que eles têm que cuidar; porque você ia lá, o pesquisador estava na máquina de escrever enchendo formulário, pô, e como ele não sabe escrever à máquina, e ficava com dois dedos, perdia um tempo enorme. Quer dizer, coisa desse tipo. Então desse espírito foi criada a unidade, e eu vim para cá e começamos a trabalhar nesse sentido, e está indo... P - Da sua primeira experiência em pesquisa de medicamentos até hoje, o quê que o senhor acha, se é que mudou alguma coisa nessa pesquisa ou ela continua parecida? R - Mudou radicalmente. P - O quê que mudou? R - Tudo, tudo. Se eu pego, hoje, aliás, isso me aconteceu não faz muito tempo, um trabalho que eu apresentei num congresso em Londrina, em 1961, 62, e eu vejo aquilo, e digo: "Como é que eu tive coragem(risos), coragem de fazer aquilo, de falar aquilo". Entende? Quer dizer, mudou totalmente, naquela época não se sabia nada de... não tinha uma metodologia de pesquisa, cada um fazia da maneira que ele achava que devia fazer, etc., não tinha, quer dizer, e a gente também não tinha a menor formação nisso, a gente era um cara que gostava daquele tipo de coisa e fazia aquilo dentro do que era possível fazer, e isso foi para mim até meados de 65, por aí, assim, quando a Wyeth começou... a Wyeth não, a Bristol-Myers, que era dona da Labor Terápica, começou a trazer para cá pesquisa com antibiótico, com as penicilinas sintéticas, e aí veio um pessoal de lá e começou a falar um monte de coisa que a gente não entendia. P - Então aí... R - Quer dizer, sobre metodologia de pesquisa, e nós tivemos que correr para poder fazer os primeiros estudos, os primeiros estudos que a gente fez com... Vamos dizer, que seriam supervisionado pelo FDA dos Estados Unidos, então um negócio que para gente foi um mundo. P - Então essa metodologia de pesquisa na verdade a indústria farmacêutica ajudou a trazer para o país. R - Foi quem trouxe. Foi quem trouxe, na verdade foi, e isso para... Na minha experiência começou em torno de 65, por aí, assim, 64, 65. Depois, logo depois, em 67, eu fui para Ciba, e a Ciba naquela época tinha na Suíça uma escola para médicos que trabalhavam na área de pesquisa, e me mandaram para lá, e eu fiz um curso lá, várias vezes, depois no outro ano voltou e reciclava, e lá eu aprendi metodologia de pesquisa que ninguém sabia. Tinha o curso de metodologia de pesquisa, você vinha com os compêndios de volta, tinha noções de estatística, bio-estatística para... voltada à pesquisa, quer dizer, tinha tudo, e a gente começou a aprender nessa época. Não só a Ciba, mas outros laboratórios também fizeram, e foi a época em que a gente fundou a Associação Brasileira Médicos da Indústria Farmacêutica, a ABMAI, eu fui um dos fundadores também, juntamos os caras que tinham tido chance de ter ido para fora e eles... Para passar para os colegas o que eles tinham apreendido, para melhorar um pouco a classe de médicos da indústria farmacêutica, que ninguém sabia nada. Então você aprendia as coisas, depois quando voltava fazia uma reunião do grupo, e cada um passava para os outros o que tinha aprendido na área aí. Nós passamos a fazer um congresso todo ano lá no Clube dos 500, que reunia o pessoal durante... Em feriados, pegava a semana santa, ou pegava finados, ou coisa assim, o pessoal se reunia lá e tinha... Cada um dos que tinha alguma novidade de fora passava para os outros, para melhorar, foi melhorando o nível. Hoje não, hoje todo laboratório tem a sua própria escola, vamos dizer, tem... A Rhodia tem treinamento do médico, tem treinamento do monitor, tem treinamento do marketing, de tudo, mas antes não tinha, não. P - Como é que é o seu quotidiano hoje? R - Ótimo. P - O senhor trabalha aqui... R - É.(risos) Trabalho aqui... Não, eu tenho... O meu trabalho aqui o dia todo, ou se eu não estou aqui, eu estou no hospital, porque eu vou lá tratar de assuntos ligados aos projetos de pesquisa do hospital. Então nós temos projetos de pesquisa, eu já tenho uma monitora que trabalha aqui com a gente, que faz auditoria dos trabalhos do Incor, para elevar o nível da qualidade deles, e a gente tem acompanhamento da parte dos cursos lá de dentro, da parte de farmacologia, vamos ter no fim desse mês aqui o primeiro curso de GCP, de boas práticas clínicas, que é um curso de treinamento do pessoal voltado... A metodologia que a indústria tinha, hoje já existem cursos que são dados para os médicos, porque o currículo médico não tem treinamento para pesquisa até hoje. Lá nos Estados Unidos, que eu conheço, tem duas universidades só que fazem isso, e aqui não tem nenhuma, mas no Incor vai ter, então eu já montei esse curso para o fim desse ano... para o fim desse mês, sexta e sábado, sábado e domingo parece que é, sexta e sábado, 23 e 24 de outubro, nós vamos ter o primeiro curso aí de treinamento do pessoal para... E vem gente dos Estados Unidos para dar o curso, para fazer o pessoal se envolver nisso, coisa que eu comecei a aprender em 1966 e até hoje o pessoal aqui não tem... É falta, é uma falha, e todo mundo se mete a fazer pesquisa sem ter uma noção de toda a metodologia hoje internacional para procedimento desse tipo. P - Bom, o senhor na verdade se aposentou pró-forma, porque continua trabalhando...direto. R - É, eu não tenho cabeça para... não dá para ficar em casa, não. P - O senhor tem filhos? R - Tenho três. P - Que que eles fazem? R - O mais velho trabalha com comércio exterior, ele estudou nos Estados Unidos, na Indiana State University, ele fez o curso lá depois veio para cá, trabalhou uns tempos aqui, casou, e no fim foi parar na África do Sul, ficou sete anos lá trabalhando numa empresa de exportação, e ele cobria Oriente Médio, o Leste Europeu e o Canadá, lá da África do Sul, ele ficou sete anos lá, um lugar genial para morar e tudo, uma beleza; agora ele está no Brasil. Voltou faz um ano, e está trabalhando aqui. O segundo nunca saiu daqui, apesar de ter viajado para fora também, fez intercâmbio nos Estados Unidos, tudo, mas não... Ele trabalha com comércio. E tem a filha mais nova, que formou na FAAP mas nunca exerceu, ela casou com um alemão lá da Bayer, na área de... Trabalha numa das áreas da Bayer, foi... Mudou para Alemanha, ficou quatro anos morando lá perto de Colônia, depois foi para Varsóvia, ficou mais quatro anos em Varsóvia, também outro lugar muito bom para passear, e agora faz uns quatro ou cinco meses que ela está em Bogotá; aonde ele vai... P - Ela vai junto. R - Aonde vai a corda vai a caçamba, quer dizer... ela e os filhos. P - E o senhor tem netos? R - Tenho cinco. Dois do mais velho, que são já com onze anos e nove anos; depois a da filha, que tem nove e sete, e do outro filho do meio, que tem três anos. P - Zilda, só um minutinho que eu vou trocar o disco. P - Você vai trocar, só vai trocar a fita, tem mais três perguntinhas...(pausa)... P - Bom, é o disco dois da entrevista com o doutor Ruderico Moraes. Se o senhor pudesse mudar alguma coisa dessa sua trajetória de vida, o quê que o senhor mudaria? R - Nada. P - Nada. R - Nada, achei que foi tão bom como foi. P - Existe alguma coisa... R - Se mexer estraga, e olha, está muito bom até hoje, eu estou muito satisfeito com o que eu estou fazendo aqui, que é uma experiência nova, está valendo a pena. P - Quê que o senhor ainda gostaria de realizar? R - Ainda realizar, em que terreno?... Se for... Ah Qualquer um. Viajar P - Viajar. R - Ah Sem dúvida, e como...(risos). P - Qual o seu maior sonho? R - Viajar também (risos). P - E o quê que o senhor achou da experiência de ter contado a sua história de vida e a sua trajetória na Rhodia Farma? R - Olha, eu achei até que está gostoso, viu? Porque eu estou lembrando de coisas... falando. Está me vindo à memória uma porção de coisas, tem muita coisa que a gente não falou, compreende, mas isso é... Uma coisa vai puxando a outra e tal, mas... É interessante você rememorar, na verdade você começa a lembrar muita coisa que ficou para trás, e se você não vê um estímulo desse você não puxa pela memória. P - Eu vou só lhe fazer mais uma pergunta, porque quando nós fizemos a entrevista temática o senhor contou uma história muito interessante sobre a escala da ansiedade e eu gostaria que o senhor contasse... R - Pois é, é o que eu falei se você... P - Essa história de novo porque... Enfim, a gente inclusive para escrever. R - É dessas coisas, como se diz? Está guardado num escaninho lá e você não lembra para estar contando, a história que começa... Tem uma porção, viu? Mas... precisa ter algum gatilho para lembrar... P - Alguém que pisa. R - Se você não falasse eu não tinha lembrado dela. É comprida, hein? P - Tudo bem. R - Vocês tem tempo?(risos). P - A gente fecha com essa, não tem problema, porque na temática isso é uma história de que a gente gostou muito. R - Não, não é assim... Eu estou brincando. Foi uma experiência que a gente viveu muito interessante, isso eu usei muito na Rhodia, mas ela veio de uma fase anterior minha, lá na Wyeth, na Fontoura-Wyeth, estava... Apareceram os primeiros... Bom, tinha o Valium, o Diasepan, etc., e a Wyeth lançou ou apareceu para pesquisar com um produto ansiolítico, e você pode perguntar em casa, para você medir a ansiedade é... "Estou mais ansioso, estou menos ansioso." Como é que você está ansioso? Não tem como medir isso, é um negócio muito fluido. Muito imponderável para... Eu achar se você está mais nervosa hoje do que ontem, ou mais ansiosa, é muito difícil, né? E um professor inglês chamado Hamilton, ele inventou uma escala, propôs uma escala para medir a ansiedade de doze pontos, e eu já não lembro mais o detalhe da bendita escala, mas cada um deles tinha uma série de sintomas que o doente apresentava o comportamento dele, você ficava olhando no doente, se ele ficava mexendo com a mão, estava tudo suado, e cada coisa era um item que contava ponto, é um negócio... é uma escala, é um negócio que você não pode rezar em cima, porque ele tem os sintomas, que variam de um paciente para outro, e a sua avaliação também é subjetiva, então juntam uma série de fatores subjetivos para você avaliar o estado de ansiedade de um paciente e quanto mais ainda você der um remédio para ele e depois usar de novo.. Aplicar a mesma escala para ver se ele está mais ou menos ansioso do que antes, compreende? E para dizer: "O remédio foi bom. Porque olha, baixou tantos pontos na escala." É difícil. E depois você pega aqueles pontos, mete uma análise estatística em cima e diz: "O "p" maior, o "p" menor", quer dizer, é um negócio, é complicado para você medir a ansiedade, mas você tinha que sair por algum lado para poder fazer um estudo clínico de ansiedade. Quem dá umas aulas disso é o Valentim Gentil, quando você for voltar lá pergunta para ele como é que ele calcula a ansiedade do doente(risos). Não, eu digo porque nós trabalhamos nisso há tempos atrás... E então a gente começou... Conseguimos lá nos trabalhos... bibliografia, aí conseguimos achar uma escala de Hamilton, a gente traduziu a escala e tal, mas... é diferente, pô, a ansiedade do brasileiro pode piorar num jogo de futebol, por exemplo, o americano... o inglês jogo de críquete, quanto dá mais ansiedade críquete que um jogo de futebol? Então tem fatores que eles põe lá que é difícil para você... usar uma escala feita por um inglês, usar aqui no Brasil, então teria que fazer o que eles chamam de validar uma escala, quer dizer, tratar um grupo de pacientes com os sintomas nossos e ver se você detecta diferença de um período para outro, etc.. Mas no fim a gente chegou a uma adaptação de uma escala para medir aquele estudo, e nós trabalhamos com isso, mas trabalhamos. Eu tinha estudo no Brasil inteiro usando a escala do Hamilton, e um dia ia ter um congresso no Rio e tal, e a gente estava querendo levar uma série de trabalhos, mas podiam estar questionando esse trabalho por causa da tal escala usada, que não era tão popular assim, e veio a idéia de convidar o Hamilton, e no fim a gente pegou o telefone e ligou lá para Leeds, na Universidade de Leeds, acabamos achando ele, e convidando ele para vim falar sobre a escala dele num congresso aqui no Rio de Janeiro, lá no Hotel Nacional na época, e ele topou. Aí, quando o pessoal da Wyeth estava pedindo para dar a programação do congresso, iam apresentar trabalhos com aquele lorazepam, que era o sal deles e tal, aí diz: "Não, e nós vamos apresentar, e o Hamilton vai...". "Quem?". "O Hamilton vem". "Mas como? Como é que vocês conseguiram isso?". "Não, nós telefonamos para ele e ele topou, está vindo aí." Porque diz que o homem é um problema para aceitar as coisas. Nós mandamos as passagens, ele veio, uma figura incrível, curiosíssima, ele andava de meia e sandália, com aquele terno todo caído, cabelo comprido, de idade, cabelo branco, veio com a mulher dele, a mulher era prefeita da cidade lá em Leeds, ela veio junto. Olha, foi um sucesso, deu um curso no Rio de Janeiro explicando como ele fazia, depois de lá eu fui com ele para Bahia, porque tinha uma outra reunião lá na Bahia, de lá eu levei ele para Brasília para conhecer Brasília, que era o trato. "Você vem, dá o curso, que a gente vai te mostrar um pouco do país e tal." Aí viemos para São Paulo e eu levei ele para o escritório. Nós trancamos a porta com mais os outros médicos e tudo e falei: "E agora conta para nós(risos), porque nós fazemos... Pegamos a sua escala e fizemos assim, assim... E está dando esse erro aqui, está dando aquele erro lá". Com o estaticista junto e tal, e ele explicou tudo, foi uma aula, passamos uma tarde com o homem lá. Bom, depois que ele terminou, ele falou: "Escuta, vocês estão preocupados com a minha escala, por que que vocês não fazem uma brasileira, vocês tem tudo para fazer uma escala; cria uma escala de.." Dizia do meu nome, né, para usar no Brasil com as condições de nervosismo que tem o brasileiro, etc., etc., etc." Bom, e aquilo então deixou uma... E a gente... teve outros fatos muito curiosos do comportamento dele nas visitas que ele fez, inclusive no HC, eu não sei se eu comentei com você. P - Receptória. R - É, aquelas... Foi uma lavada que ele deu aí no pessoal, porque ele trata o paciente psiquiátrico como uma pessoa humana que tem um problema, mas ele trata muito carinhosamente, vamos dizer assim, e nós estávamos... O pessoal do hospital aí recebeu ele para... Enfim, era um nome da... Nem sei se ele está vivo, eu acho que ele nem está vivo mais... E ele foi levado a visitar o hospital, teve uma sessão lá para receber, depois o pessoal levou ele pelos corredores lá mostrar as enfermarias, etc., tudo gradeado, e ele olhava aquilo tudo, porque já na Inglaterra tinha acabado isso, e no meio do corredor lá que escapou um doente de uma porta lá e veio direto, aquele bando de médico de branco e ele com aquela roupinha dele, do jeito dele, e o doente veio, veio direto nele, e o pessoal empurra, tira, porque vai atrapalhar o professor aí e tal, e ele... Pissshh... Pára todo mundo, botou a mão no ombro do doente e começou a falar com ele em inglês, o cara ouviu e tal, foi conversando, conversando, levou ele até a porta do quarto, ele entrou, aí ele disse: "Vamos continuar". Quer dizer, o pessoal tinha reagido da maneira mais imprópria possível com um paciente psiquiátrico, então ele mostrou como é que se trata... Não é empurrando, não é puxa para cá tira daí porque tem uma visita importante. P - É um ser humano. R - É, sei que foi muito bom aquilo e deixou com a gente na cabeça de fazer escala. Eu falei: "Se ele disse que nós podemos fazer, pode ser que nós vamos poder fazer." E nós estávamos num projeto de um produto... Aliás, eu não lembro do produto que nós estávamos na escala, que tinha aparecido sob a forma injetável e havia uma suspeita de que quando se injetava o remédio no paciente ele apagava a memória por uns... por um certo período, que eles chamam... a memória retrógrada, não... Sei que você dava uma injeção no cara e daí a pouco ele esquecia tudo o que acontecia num certo período e depois recobrava de novo. Então a idéia era a seguinte: tem pacientes que não suportam o terror de entrar numa sala de cirurgia, de ser preparado, até o cara se apavora. Então, se desse uma medicação para ele que ele não visse esse... apagar da memória dele o que aconteceu... P - Nesse pré-operatório. R - ... O período pré-operatório, seria interessante e tal. Eu conversei com o pessoal do hospital aí, com a Eugesse Cremonese, que era a chefe da anestesia na época, e a equipe dela, e bolamos um jeito. Mas como é que você vai medir se o remédio tinha realmente apagado a memória do cara? Quando acontece aquilo, você dá a injeção depois de quanto tempo ele tem um branco. Aí lembrava do Hamilton e falei: "Vamos fazer uma escala". "Mas fazer escala como? Como é que nós vamos medir?" Porque depois que deu o branco no cara o cara não lembra de mais nada, é aquela história. Então nós resolvemos inovar de uma vez, montamos todo um material junto com o pessoal aí, eles gostaram da idéia, e ficou um negócio divertidíssimo porque (risos)... Por exemplo, o doente estava no quarto lá e ia ser operado, então entrava um dos médicos assistente, o Galba. Você não conhece? Já ouviu falar do Galba? Era rapazinho ainda, com um chapéu daqueles de caipira bem grande assim na cabeça, chegava no leito: "Ô Zé, você está bom, está preparado já para..." O cara via aquele chapelão dentro do hospital... Dava a injeção e marcava, daí cinco minuto o Galba entrou e depois ele saía, daí a pouco entrava um outro médico com uma nota de R$ 10,00 desse tamanho, nós mandamos lá na Fotoptica eles... CR$ 10,00, Cr$ 10.000,00, era uma notona desse tamanho lá na Fotoptica, eles ampliaram para gente, pregou num cartão, e o cara entrava com aquele dinheiro na mão, abraçado numa nota de dez... Porque era fácil de identificar, conversava um pouco com ele e saía, depois entrava um outro... com um Volkswagem grande desse tamanho, um carrinho, um fusca. Quer dizer, ia marcando os tempos(risos), entende? E depois chegava na hora, levava o cara embora, e levava para sala e tudo. Bom, no dia seguinte ia lá o investigador conversar com o doente: "Oi. Tudo bem e tal, você..." E com o cartão grande na mão que aparecia a nota de CR 10,00, o Galba de chapéu, o Volkswagem, e uma fotografia da lâmpada do... a lâmpada cialítica ali da sala de operação, etc., e dizia para ele: "O que quê você lembra disso aqui? Você viu alguma coisa dessas?" Ele dizia: "É, eu vi esse médico de chapéu aqui e tal". "O dinheiro você viu?". "Não, não vi o dinheiro, não". Outro paciente dizia: "Eu vi, vi um dinheirão grande aí e tal". E você por ali ia marcando que hora o cara apagou e quanto tempo durou o efeito do remédio. P - Mas olha só. R - Isso foi publicado, esse trabalho. P - Que ótimo. R - Mas... A gente não chegou a contar para o Hamilton que a nossa escala(risos) de avaliação era tão original assim, mas foi curioso, esse trabalho foi publicado com todas as figuras, com o dinheiro, com tudo que apareceu na... Mas foi muito curioso. Mas nós conseguimos detectar a partir de que momento o cara deixava de registrar as coisas. É, são folclores da... da pesquisa(risos). P - Então a gente quer lhe agradecer muito pela entrevista e sobretudo pelo prazer que a gente teve de ouvir a sua história aí... R - Não, o prazer foi meu. P - Muito obrigada. P - Uma história maravilhosa.
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